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16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas

Dinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – Florianópolis

Palavra-devir (sob a escrita oblíqua)

Maria Raquel da Silva Stolf - UDESC

Resumo: O presente texto investiga algumas relações de usos da palavra em


proposições artísticas, propondo articulações e deslocamentos entre sentido e
silêncio, entre palavra e devir, entre escrita e desvio. Deste modo, são pensados
cruzamentos entre questões suscitadas por algumas proposições artísticas e reflexões
desenvolvidas por Maurice Blanchot.
Palavras-chave: Proposição artística; Devir; Silêncio; Escrita oblíqua
Abstract: The present text investigates some relationships of uses of the word in artistic
propositions, proposing links and displacements between sense and silence, between
word and become, between writing and swerve. Thus, this text thinks intersections
between questions suggested by some artistic propositions and reflections proposed
by Maurice Blanchot.
Key words: Artistic proposition; Become; Silence; Oblique writing

Palavra-devir

(...) não esperamos qualquer tipo de linguagem,


mas aquele de onde fala o ‘erro’: a palavra do desvio.
i
- Palavra inquietante. (...) - Palavra obscura.

Numa das placas de vidro que compõe a instalação “Palavras a vácuo” ii ,


a frase “Engolir a fala” pulsa de um modo estranho. Na seqüência de textos
inscritos em quarenta e cinco placas de vidro instaladas em linhas horizontais
sobre a parede branca, “Engolir a fala” pausa o fluxo do texto, insinuando seu
avesso por um breve instante:

Súbita parcela de pressa para entrar em outro sono. / Com chuva, 5 parcelas de suspiro. / Sem
óleo, olhos grudam no fundo. / Fora da situação, dentro do tempo. / Com sede, com chuva. /
Sinal de luz, acidente da fala. / Pigarro, cigarra. / Sem sinal, talvez mais tarde. / Com chuva, 7
pedaços de tomate. / 8 parcelas de pressa numa compressa. / Depois tossir. / Antes, piscar. / No
susto de uma pequena pausa em fogo baixo. / Coisas com atraso, sem pressa. / Atrasos com
coisas, sem testa. / 10 parcelas em 5 vezes sem sede ou 8 parcelas de sal em 3 vezes sem sol
ou 15 parcelas de sono em 7 vezes sem som. / Antes, latir. / Depois, coçar. / Sem respirar, sem
tropeçar. / 20 parcelas de calma em 40 vezes sem sono. / Súbita cena, sede de óleo. / Soluço
não faz mal. / Sem pé nem cabeça, sonâmbula. / De costas, com sono. / Com dúvida, 18
parcelas de suspiro. / 50 cenas de areia cabem em 15 bocas. / 70 bocas fechadas cabem em 15
anos de sono. / 80 minutos de sonho cabem em 27 cenas. / 50 minutos de fala cabem em 30
litros de óleo. / 3 segundos de som cabem em 3 dias de chuva. / 15 kg de areia cabem em 80
bocas com 80 bolsos. / Nenhum avesso frita sem se virar. / Nenhum som pára no ar. / Em
situação de nuvem, apague o olho. / Súbita parcela de sono para entrar em outra chuva. / Súbita
parcela de fala para entrar em outra boca. / Testar o texto na testa. / Texto sem som, sem sal. /
Dentro de um vento sem fome. / No susto de uma pequena pedra nos risos. / Engolir a fala. /
Atrasos imediatos. / Sapato sem par. / Susto sem ar. / Mapa misto com possibilidade de
iii
escorregar.

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O texto, que consiste em frases que simulam espécies de cálculos entre


situações, objetos, durações e sensações, foi gravado iv em placas de vidro, de
modo que a leitura torna-se difícil e instável. Não se sabe se o texto está na
frente ou se está atrás da superfície de vidro, onde muitas vezes só se
consegue ler a sombra do texto (que, paradoxalmente, se faz legível pela sua
própria sombra, pelo seu próprio corpo enquanto subtração da superfície do
vidro – a sombra de um vazio). O texto se move, desliza de acordo com a luz,
de acordo com a posição de quem lê ou de quem não consegue lê-lo. Seu
esconderijo consiste no modo como ele aparece, sempre num estado entre.
Numa segunda versão, o texto “Palavras a vácuo” é impresso num
pequeno cartão de papel branco, que compõe um kit de impressos (coisas
avulsas: desenhos, encarte, textos) do cd-objeto “FORA [DO AR]” v . Algumas
palavras mudam de rumo, escorregando outros sentidos:

Súbita parcela de sono para entrar em outra pressa. Sem sal, sem sinal. Com chuva, 5 parcelas
de espera. Com dúvida, parede ímpar. Dentro do sapato, pedra calva. Sem pé nem cabeça,
coceira. Sem óleo, olhos furam no fundo. Com vontade, compressa de vinagre. Ar do fora, sem
vento. Com soluço, acidentes da sala. Com sede, com chuva. Sem fôlego, com tempo. Com sol,
sem vento. Com vento, sem tempo. Com tempo, sem sol. Com calma, com sede de fala. Pigarro,
agarra. Súbita parcela de pressa para entrar em outro sono. Sem sinal, sem calma. Com luva, 7
pedaços de tomate. Sem sal, sem pé nem cabeça. 8 parcelas de pressa numa compressa. Sem
medo, sem sossego. Nos dedos, sem sede. Depois tossir. Antes, piscar. No susto de uma
pequena pausa. Coisas com atraso, sem pressa. Atrasos com coisas. Testes avulsos, sem som.
12 parcelas em 7 vezes sem som ou 4 parcelas de sim em 2 vezes sem sal ou 19 parcelas de
sono em 7 vezes sem sol. Antes, latir. Depois, ar. Sem medo, imóvel. Sem respirar, sem
tropeçar. 30 parcelas de calma em 4 vezes sem sono. Súbita cena, sede de olho. Sozinha em
casa, sem sal. É cedo, com sol. Sonâmbula, sem vento. De costas, com sono. Com dúvida, 18
parcelas de grilo. 80 cenas de água cabem em 15 bocas. 50 portas fechadas cabem em 15 anos
de sono. 80 minutos de susto cabem em 15 segundos. 50 minutos de sol cabem em 30 pés de
tomate. 3 segundos de chuva cabem em 3 dias de som. 15 kg de assobio cabem em 80 bolsos
com 80 bocas. Nenhuma língua dorme com sal. Nenhum som no ar. Nem em situação de cisco.
Em situação de nuvem, apague o olho. Em situação de olho, apague a nuvem. Súbita parcela de
chuva para entrar em outro sono. Súbita parcela de fala para entrar em outra boca. Testar o texto
na testa. Anotar depois do sono. Sem sinal. Cedo nos dedos sede. Texto-som sal. Dentro de um
vento sem fome. No susto de uma pequena pedra. Engolir a sala. Atrasos imediatos.
Circunstância circunscrita. Ato sem par. Susto. Mapa misto com possibilidade de escorregar. vi

Agora, o texto possui uma linha que o atravessa, rasurando-o. Um texto


que, de novo, quase se esconde. Talvez seu vácuo seja a falta de ar que sua
falsa continuidade instaura. Talvez a linha hipnótica que corta o texto disfarce
sua descontinuidade-desvio. Numa terceira versão, quando “Palavras a vácuo”
ganha a dimensão sonora vii , a lentidão da palavra falada amplifica os desvios
de sentido do texto. Lentidão que pode ser pensada como a linha-corte
hipnótica. Acompanhada de outra proposição sonora (“Panquecas
fantasmáticas” viii ) como fundo, o texto falado torna-se longínquo. Palavras

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mudam de lugar, frases ganham um corpo volátil, que parece se arrastar. No


encarte do cd-objeto “FORA [DO AR]”, há a seguinte indicação:

26 . palavras a vácuo
Palavras a jato + panquecas fantasmáticas = palavras a vácuo.
Texto muito cansativo, oleoso, invertebrado. Testar a fala. Contabilizar quantidades
de coisas e situações e tentar equivalências. Administrar a impaciência ou o
ix
desespero. / - Pular essa faixa sempre que quiser ou puder.

Entre as três versões, concatena-se um processo de escrita onde as


alterações são incessantes e instáveis. As palavras contaminam-se pelas
palavras ao lado, acima, abaixo. Sentidos são rearranjados pelo som, pelo
ruído das trocas e dos tropeços contínuos. A fala em bloco e a imagem
rasurada do texto diferenciam-se materialmente, mas coincidem no uso pênsil
do texto, onde “engolir a fala” co-implica “engolir a sala”.
“Palavras a vácuo” aponta que o uso de textos em proposições artísticas
pressupõe um processo de escrita onde a palavra pode ser pensada como
matéria (palavra que ocupa espaço e tempo, as múltiplas possibilidades de
materializar a palavra em proposições artísticas, a palavra sólida, líquida e
gasosa), a palavra como experiência (experienciar a palavra em seus trajetos
subjetivos, em suas errâncias ficcionais, em seus desvios e enganos, em suas
possibilidades de ser reinventada e desdobrada, falada, escrita e pensada) e a
palavra como imagem (entre falar e ver, entre o visível e o dizível).
Em minha trajetória artística e literária, os processos de escrever e
construir proposições artísticas são intersectados, entretecidos, amalgamados.
O ato de escrever catalisa tanto o começo do processo de minhas proposições
artísticas, como constitui uma espécie de método de desdobramento de uma
coisa em outra, onde muitas vezes uma proposição se desdobra em múltiplas
versões ou camadas, seja a partir da escrita de títulos ou de textos inseridos
via diferentes meios e materiais (a palavra desenhada, falada, impressa,
gravada, cavada, datilografada, fotografada ou videografada x ).
“Palavras a vácuo”, por exemplo, desdobra-se ainda num texto de um
vídeo, intitulado “Kit para terceiros socorros” xi , onde, equipamentos de
segurança conhecidos têm funções e designações alteradas para compor o kit
fictício do título. Instruções de uso acompanham os aparelhos inventados pelo
vídeo, como a “máscara para poeiras desconfortáveis” e os “óculos claros”:

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abafador de ruídos + respirador com válvula: em situações de desespero ou insônia. contabilizar


quantidades de coisas [grandes e pequenas] e tentar produzir equivalências. usar de 2 a 22
sonhos por dia/noite.
abafador de ruídos + máscara para poeiras desconfortáveis: para esperar [na velocidade
máxima]. ou para dormir [na velocidade mínima]. contabilizar quantidades de situações e tentar
pressentir transtornos.
respirador com válvula: súbita parcela de pressa para entrar em outro sono. engolir a fala. coisas
avulsas em dias nublados. coisas anexas em dias de sol. para respirar dias de chuva. situações-
fluxos.
máscara para poeiras desconfortáveis: no susto de uma pequena pausa. antes latir. depois ar.
em situação de risco, atrasos imediatos. 8 minutos de susto cabem em 40 parcelas de espera.
abafador de ruídos: 30 parcelas de calma em 4 vezes sem som. do ruído ao pressentimento. do
pressentimento à espera. da espera ao desespero. do desespero ao ruído. mapa misto com
possibilidade de escorregar.
óculos claros: em situação de nuvem, apague o olho. em situação de olho, apague a nuvem.
buracos são planejados em forma de micro-minutos esguios. xii

O uso de palavras em minhas proposições artísticas pressupõe a ficção


como plano de partida e como motor da escrita. Escrever implica um desejo de
inclinar as palavras, até que os sentidos tombem, escorreguem. Implica em
empilhá-las infinitamente, como fatias delgadas e opacas. Escrever buracos em
forma de micro-minutos esguios. Escrever interrompendo, numa parede de ar.
Escrever a vácuo. Onde, se Blanchot propõe a escrita ficcional como uma
espécie de fala errante, que atua como espaço de vertigem e espaçamento,
fissura e exterioridade, “longe de esclarecer algo, [as palavras] carregam a
totalidade da interrogação” xiii .

As palavras estão em suspenso; essa suspensão é uma oscilação muito delicada, um tremor que
não as deixa nunca no lugar.
– No entanto, elas também são imóveis.
– Sim, de uma imobilidade mais movediça do que tudo que se move.
A desorientação age na palavra, por uma paixão de errar que não tem medida. xiv

Neste sentido, Gilles Deleuze assinala que

escrever é um caso de devir, sempre inacabado, sempre em via de fazer-se, e que extravasa
qualquer matéria vivível ou vivida. É um processo, ou seja, uma passagem de Vida que
atravessa o vivível e o vivido. A escrita é inseparável do devir: ao escrever, estamos num devir-
mulher, num devir-animal ou vegetal, num devir-molécula, até num devir-imperceptível. (...) O
devir está sempre ‘entre’ ou no ‘meio’”. xv

Como pensar uma “palavra-devir”? A palavra como processo de desejo,


que se coloca em zona de vizinhança com um outro? Palavra-silêncio, palavra-
pedra, palavra-anesdoque xvi , palavra-caixa, palavra-imagem, palavra-pausa,
palavra-espera diante da chuva, palavra-banal, palavra-submersa, palavra-
descascada, infra-palavra, palavra-vácuo?

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Para Gilles Deleuze e Félix Guattari, o devir não consiste em imitar algo
ou alguém, tampouco em identificar-se com ele. O devir consiste em “a partir
das formas que se tem, do sujeito que se é, dos órgãos que se possui ou das
funções que se preenche, extrair partículas, entre as quais instauramos
relações de movimento e repouso, de velocidade e lentidão, as mais próximas
daquilo que estamos em via de nos tornarmos, e através das quais nos
tornamos”. xvii O devir implica em colocar-se num processo de proximidade e
aproximação, de se colocar numa zona de vizinhança com o outro, e fazer
rizoma xviii com ele.

Obscuro silêncio

O erro e o facto de se estar a caminho sem jamais poder parar transformam o finito em infinito.
Ao que se acrescentam estes traços especiais: apesar de o finito ser fechado, é sempre possível
esperar sair dele, enquanto que a infinita vastidão, por ser sem saída, é prisão; do mesmo modo
que todo lugar absolutamente sem saída se torna infinito. O lugar do descaminho ignora a linha
recta; nunca se vai de um ponto a outro ponto; não se parte daqui para chegar ali;
xix
nenhum ponto de partida e nenhum começo para a caminhada.

Gary Hill, artista contemporâneo que dialoga estreitamente com as obras


de Blanchot, trabalha com o texto de um modo instigante e denso, investigando
as múltiplas relações entre corpo e palavra, entre linguagem e imagem,
transitando, segundo alguns autores, num terreno que inclui a vídeo-arte, a
instalação e a poesia experimental. Para Arlindo Machado, os trabalhos de Hill
investigam aspectos labirínticos da linguagem, traduzindo ou “transcriando” xx
audiovisualmente algumas figuras da tradição poética, como os palíndromos
(palavras que podem ser lidas de trás para frente e no sentido contrário, tendo
o mesmo sentido, como Ave/Eva), os anagramas (palavra ou frase formada
pela transposição ou embaralhamento das letras de outra palavra ou frase,
como América/Iracema) e os jogos de palavras, que sublinham as
ambigüidades e os paradoxos dos discursos, propondo pôr em crise a
instituição do sentido. O próprio artista assinala, numa entrevista concedida à
Christine van Assche, que seu principal interesse consiste

no momento de aproximação e no momento em que o sentido começa a desvanecer. (...) Meu


objetivo é superar o dualismo do sentido e do não-sentido e ver o que acontece no interior da
experiência da linguagem quando o sentido está criando raízes ou se extinguindo. xxi

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Hill sublinha que o que lhe interessa é criar uma relação com a
materialidade de um texto, com a sua ‘‘fisicalidade’’, muito mais do que querer
ter sua compreensão lógica ou explicação:

Pour moi, c'est comme si on touchait le texte, comme si on pénétrait à l'intérieur, comme si on en
abordait le sens par un autre axe. Par exemple, je pense que lorsqu'on lit un texte difficile, la
beauté de ce texte vient de ce qu'on n'est pas tout à fait sûr de son sens exact. Et ce n'est pas
parce qu'on est parti sur une autre piste, frontalière, ou qu'il nous faut relire parce qu'on a déjà
oublié ce qu'on vient de lire. C'est parce que cela ouvre sur quelque chose qu'on ne comprend
pas totalement. A ce moment-là, notre esprit doit tenter de construire à partir de ce texte qui est
plus qu'une syntaxe, plus qu'une simple succession de mots. Or c'est exactement ce vers quoi
xxii
tendent bon nombre de mes oeuvres: une sorte de rupture possible du sens.

No vídeo “Incidence of Catastrophe” (1987-1988), Gary Hill remete-se


diretamente ao livro “Thomas, L’ Obscur”, obra ficcional de Blanchot e também
à experiência de observar seu próprio filho apreendendo a falar. No livro de
Blanchot, Thomas, inicialmente encontra-se concentrado na leitura de um livro,
quando, subitamente, sente-se observado pelas palavras, como se elas
tivessem ou fossem olhos que o espiam:

Il lisait. Il lisait avec une minutie et une attention insurpassables. Il était, auprès de chaque signe,
dans la situation où se trouve le mâle quand la mante religieuse va le dévorer. L'un et l'autre se
regardaient. Les mots, issus d'un livre qui prenait une puissance mortelle, exerçaient sur le
regard qui les touchait un attrait doux et paisible. Chacun d'eux, comme un oeil à demi fermé,
laissait entrer le regard trop vif qu'en d'autres circonstances il n'eût pas souffert. Thomas se
glissa donc vers ces couloirs dont il s'approcha sans défense jusqu'à l'instant où il fut aperçu par
l'intime du mot. Ce n'était pas encore effrayant, c'était au contraire un moment presque agréable
qu'il aurait voulu prolonger. Le lecteur considérait joyeusement cette petite étincelle de vie qu'il ne
doutait pas d'avoir éveillée. Il se voyait avec plaisir dans cet oeil qui le voyait. Son plaisir même
devint très grand. Il devint si grand, si impitoyable qu'il le subit avec une sorte d'effroi et que
s'étant dressé, moment insupportable, sans recevoir de son interlocuteur un signe complice, il
aperçut toute l'étrangeté qu'il y avait à être observé par un mot comme par un être vivant, et non
seulement par un mot, mais par tous les mots qui se trovaient dans ce mot, par tous ceux qui
l'accompagnaient et qui à leur tour contenaient en eux-mêmes d'autres mots, comme une suite
xxiii
d'anges s'ouvrant à l'infini jusqu'à l'oeil de l'absolu".

A partir deste encontro, Thomas manifesta uma estranha doença, uma


espécie de verborragia, uma necessidade incoercível de falar, o que o faz
alucinar (literalmente, “l’obscur”), conforme adentra o livro. No vídeo, Thomas
(representado pelo próprio Gary Hill) também está concentrado na leitura de
um livro, que é nada mais, nada menos do que “Thomas, L’Obscur” de
Blanchot.
No vídeo de Hill, Thomas fica cada vez mais atormentado pela
“fisicalidade” do texto (as palavras, o papel, as páginas) e adentra num mundo
de pesadelos, de vertigens. Ele tenta vomitar a linguagem, mas as palavras
tomam seu corpo, atravessando-o violentamente, intensamente. A água do mar

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corre, carregando areia. Um corpo nu (Thomas?) está deitado na beira da


praia. Ele balbucia, murmurando palavras sem nexo, sem sentido. Deitado no
chão, Thomas se retorce, falando uma língua inexistente. Estranhamente, um
pedaço tosco de madeira toca-o ligeiramente. O chão parece sujo (fezes, urina,
saliva, água do mar?), assim como Thomas, que tem a pele coberta de areia.
Onde ele está, exatamente? Onde ele se afoga, exatamente? No mar ou em
si? Ou seria no texto? Na água da língua? As paredes de seu quarto são as
páginas de “Thomas, L’ Obscur”. Ele está dentro do livro e a superfície noturna
e clara das páginas parece instransponível. Em alguns instantes, o som do
vídeo consiste no farfalhar de páginas sendo folheadas, como uma ventania
espessa e ao mesmo tempo sutil. Noutros, consiste no barulho de água em
movimento, correndo, num fluxo contínuo. Num determinado momento,
Thomas corta seu dedo, deslizando-o sobre uma folha do livro.
Segundo Paul-Emmanuel Odin, há em “Incidence of Catastrophe” uma
experiência da materialidade das coisas e dos sinais, que nos toca, nos
suspende e nos incomoda. “C'est que le visible, coincé entre la solidité du
tangible et le tranchant de l'écriture, exprime des rapports intimes et violents
entre image, texte et corps. On passe de la chair des mots au texte des
choses.’’ xxiv
O dedo ferido pelo corte consiste, segundo Odin, na imagem literal da
inscrição do texto no corpo. “L'écriture, étymologiquement, est justement un
mouvement coupant, une déchirure. Elle procède par incisions ou brisures. La
graphie, c'est l'égratignure.” xxv Ou, como sublinha Blanchot,

Escrever, não é expor a palavra ao olhar. O jogo da etimologia corrente faz da escrita um corte,
um dilaceramento, uma crise. [...] Falar, como escrever, nos engaja num movimento de
xxvi
separação, uma saída oscilante e vacilante.

A palavra desorienta, oscila, torna instável nosso contato com as coisas.


A ficção consiste no lado de fora das palavras, mas Blanchot adverte que não
se trata de “qualquer tipo de linguagem, mas aquele de onde fala o ‘erro’: a
palavra do desvio” xxvii . Palavra que inquieta, que se move, ou se arrasta (ou
nos arrasta, nos carrega) imóvel, “uma palavra onde as coisas não se
escondem, não se mostrando” xxviii , palavra que não cobre, nem descobre.
Em “Incidence of Catastrophe”, a cada palavra pronunciada pelos
convidados de um banquete, as bordas de areia tombam, despencam e o

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terreno se desfaz, se liquefaz no fluxo da água do mar. Basta uma palavra para
a erosão, para a queda, para o desfalecimento. Para Arlindo Machado, “a
metáfora do terreno desbarrancando cada vez que alguém pronuncia uma
palavra é precisa para designar a falência da linguagem como ponte de contato
entre nós, os outros e o mundo.” xxix
Seria a linguagem um silencioso espaço sem saída e, portanto, infinito?

Escrita e desvio

Em “Marcel Duchamp: Engenheiro do Tempo Perdido”, livro onde Pierre


Cabanne entrevista Marcel Duchamp, o artista responde à pergunta “Você
realmente ama as palavras?”, com as seguintes colocações:

– Ah! Sim, as palavras poéticas.


– Qual é a palavra mais poética?
– Não tenho idéia. Não tenho nenhuma agora à minha disposição. Em todo caso, são as palavras
deformadas pelo seu sentido.
– Os jogos de palavras?
– Os jogos de palavras, sim; as assonâncias, palavras como esta, o retard em verre (retardo em
xxx
vidro); esta me agrada enormemente. Ao inverso, isto quer dizer alguma coisa.

Duchamp possui uma relação instigante com a escrita em toda sua


produção, seja nos títulos enigmáticos de seus “ready-mades” (que por vez,
também constitui uma palavra-conceito proposto pelo artista), que constituem
jogos de palavras, seja em trabalhos em que ele insere o texto no próprio
objeto, imagem ou filme, além dos escritos do artista (publicados em livros ou
presentes em algumas de suas proposições). Na entrevista acima citada,
Duchamp assinala que as palavras poéticas são as palavras deformadas pelo
seu sentido. Estranho jogo, este lance de Duchamp: se são os sentidos que
alteram a forma das palavras, existem palavras com sentidos assentados,
conformados, encaixados ou bloqueados? Onde a escrita poética pressupõe
uma manipulação íngreme, sinuosa e oblíqua dos sentidos?
Outro lance: ao inverso, as coisas querem dizer alguma coisa. As
assonâncias e os embaralhamentos. Como pensar uma escrita que leve em
conta as assonâncias do silêncio?

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No caderno de poemas denominado “Impossível silenciar o mundo”, esta


tentativa parece ser simulada: um único poema suscita a proposta de
pensar/falar uma só palavra por dia. Inevitavelmente, a primeira palavra do dia
é “caixas”, e se insinua um quase desespero/vazio em ter que se contentar
com apenas aquela palavra até o outro dia. Abaixo, alguns fragmentos do
poema:

AUTO-REGISTRO (FOSSILIZADO) DOS 17 DIAS DA CRIATURA ESTENDIDA NO CHÃO


momento de expectativa / ruídos grossos do fundo da terra / ouve o chão como se fosse seu
próprio corpo /
decisão: durante cinco dias, a primeira palavra que surgisse em sua cabeça, seria perpetuada
até o pôr-do-sol
seria sincera consigo, / com a palavra / e o silêncio
viveria apenas uma palavra / fosse qual fosse
caixas
(intriga) / irritada com a primeira grande chance / de silêncio / despedaçada pela ousadia da
palavra / caixas / ter aparecido em sua leve tentativa / branca de dar lugar para uma só
palavra
fita um pássaro que bóia no canto do céu / minuciosamente vigiado por ela
adia a idéia para descansar / os pensamentos no colo da tarde
quase que / a mosca esbarra na / (invisível) / palavra da mãe
toscas lembranças tossem / dentro é o que fora
nuvem branca desmaiada / finas pernas do tempo bambas
cabe o dia na noite?
aos poucos aquieta / caixas / cheias ou vazias
pijamas e travessia
redondo tumulto dos sonhos / e desperta com uma chuva de rolhas / de cortiça sobre a cabeça /
pingos de cascas
xxxi
(fala sozinha)

Em “Impossível silenciar o mundo”, simula-se uma tentativa de silenciar


ou pausar a linguagem, de sair do espaço sem saída e infinito do texto. Mas,
seria possível dizer ou pensar apenas uma só palavra por dia? E conviver com
a interrupção de sentido ou com a possibilidade de sentido sem palavras?
Em “Projeto secreto ] estadias instáveis 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09” xxxii ,
uma série de sete vídeos em que não se fala, nem se ouve e não se lê uma só
palavra (além do título e dos créditos do vídeo), ações são executadas por
espécies de “fantasmas constrangidos” xxxiii (alguém xxxiv sob um saco de pano,
uma espécie de esconderijo precário), em diferentes quartos de hotéis, com
variações que oscilam entre o não-senso e o humor. Ficar imóvel, sentar,
correr ou caminhar tornam-se ações sem sentido. O único som do vídeo
consiste na faixa “Panquecas fantasmáticas” (novamente, uma proposição
misturando-se à outra), que compõe o cd-objeto “FORA [DO AR]”, e que
preenche os vídeos com um ar de suspense e lentidão.
Nesta série de vídeos, o que “insta” xxxv é o que não se sabe, ou, como

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escreve Blanchot acerca da potência da ficção, o que possibilita “sentir o que


não sabemos” xxxvi . Como sentir o que não se sabe?
O silêncio como rumor: uma mão retira um rabo de um buraco. O rabo é
de borracha. O buraco localiza-se num rodapé de um espaço vazio. Tudo se
repete, o rabo reaparece no buraco e a mão retira-o novamente. O rabo é
branco. O buraco, um ponto preto perto do chão. Um som sonífero xxxvii
anestesia a ação e silencia a incessante tentativa. Como um ruído de coisas
que se deslocam ao longo de um canto de uma sala vazia. No vídeo “Rabo do
buraco” xxxviii , o silêncio não é ausência de som, mas ausência de sentido.
Para André Comte-Sponville, o silêncio também não é ausência de
ruído, mas nem por isso constitui a possibilidade de sentido:

Porque há dois silêncios, (...) ou duas maneiras de pensá-lo, ambas antagônicas e que definem
mais ou menos (enquanto estivermos no discurso) duas filosofias. (...) o silêncio nada mais é, de
início, que a ‘falta de sentido’ de tudo, e do próprio sentido. É outro nome do real. De fato, para
nós, que falamos, o silêncio é ausência, não de ruído, mas de sentido. Portanto, um som pode
ser silencioso (sempre o é, quando ninguém o interpreta), e pode dar-se que um silêncio seja
xxxix
sonoro. É o caso do eco das ondas ou das renúncias.

Se o silêncio é sonoro, ruidoso, coincidindo com o mundo real, como


pensá-lo como ausência de sentido? Comte-Sponville sublinha que o silêncio é
um “outro nome do real”, onde o plano sobre o qual o silêncio se define não é
somente o da linguagem, mas o do mundo além da linguagem, onde o silêncio
não é “a falta de uma palavra” mas constitui “o pleno de um real”, que “não
significa nada”: “‘tudo é silêncio’ (tudo, até a linguagem!), e esse silêncio, aqui e
agora, é o mundo. Esta luz numa parede, este pio de passarinho de manhã,
(...) a sombra de uma árvore, uma pedra (...) Só existe o real, e o real é tudo, e
sempre presente, e não significa nada.” xl
Já John Cage, para quem o silêncio constitui “a múltipla atividade que não
cessa de nos rodear” xli , sublinha que:

O silêncio, na realidade, não existe. Nunca existe uma ausência de som, que é como os
dicionários definem o silêncio. O silêncio é simplesmente... uma questão mental. Uma questão
de saber se uma pessoa está escutando os sons que não está provocando. Não sou eu que faço
os pássaros cantarem, mas eu os ouço e não estou falando: a isso chamamos de silêncio. O
silêncio é um meio de ouvirmos o que nos cerca. xlii

O silêncio entendido como ausência de som inexiste: o silêncio é antes a


multiplicidade de sons, silêncio é o burburinho, rumor do mundo. Como
assinala Cage, “Nenhum som teme o silêncio que o ex-tingue. E nenhum

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silêncio existe que não esteja grávido de sons.” xliii O silêncio ganha uma
potência, uma dimensão de pausa e plano de partida, consistindo num motor
ou alavanca para a invenção de algo. Como escreve Deleuze,

O problema não é mais fazer com que as pessoas se exprimam, mas arranjar-lhes vacúolos de
solidão e de silêncio a partir dos quais elas teriam, enfim, algo a dizer. (...) Suavidade de não ter
nada a dizer, direito de não ter nada a dizer; pois é a condição para que se forme algo raro ou
xliv
rarefeito, que merecesse ser dito.

Escrever a partir e com silêncios talvez implique esse algo rarefeito


mencionado por Deleuze. Escrever rarefazendo, dilatando, desaglomerando,
diluindo, desaparecendo. Escrever entre uma coisa e outra, de través, de
soslaio.
O processo de escrita como turbulência macia, um gole de vazio, um
atrito entre silêncio e sentido. O processo de escrita como atrito entre as duas
interrupções de Blanchot: entre a interrupção que permite a troca, pausa atenta
que estimula a continuidade, e a interrupção enigmática, que introduz uma
espécie de espera, distância irredutível, abismo hiperbólico – estado neutro. Na
primeira interrupção, o intervalo possibilita um revezamento na conversa, onde
a descontinuidade é imprescindível, pois garante a troca e move o diálogo. A
ruptura da pausa, mesmo fragmentando, perturbando ou embaraçando a
conversa, produz uma manutenção do “jogo da palavra comum”, possibilitando
a articulação de sentido e revelando o “senso comum como horizonte”.
Blanchot sublinha que esse tipo de interrupção constitui uma espécie de
“respiração do discurso”. Mas, há um outro tipo de interrupção, que propõe a
espera que determina a distância entre dois interlocutores, uma espécie de
distância irredutível, indomável, indecomponível e irresistível. Uma falta de ar
na conversa que exerce um fascínio, talvez por paralisar sentidos ou pressupor
a alteridade como condição dessa interrupção.
Um processo de escrita que pende. Um texto que desvia, que deseja.
Um texto oblíquo. Onde escrever pressupõe “Optar pelo vácuo ao ar livre” xlv .
Tentar conter o deserto dentro, suspender o obscuro silêncio da palavra.
Uma palavra muda, pênsil e insípida te olha, te devora. O que fazer
diante do atravessamento?

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Referências bibliográficas

BLANCHOT, Maurice. A conversa infinita – 1. A palavra plural. São Paulo: Escuta,


2001.
___ O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.
___ A Parte do Fogo. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
___ O Livro Por Vir. Lisboa: Relógio d’Água, 1984.
___ Thomas, L’ Obscur. Paris: Gallimard, 2005.
CABANNE, Pierre. Marcel Duchamp: Engenheiro do tempo perdido. São Paulo:
Perspectiva, 1997.
CAGE, John. De Segunda a um ano. São Paulo: Hucitec, 1985.
CAMPOS, Haroldo de, CAMPOS, Augusto de E PIGNATARI, Décio. Finnegans
Wake. São Paulo: Perspectiva, 1986.
CAMPOS, Augusto de. Música de Invenção. São Paulo: Perspectiva, 1998.
COMTE-SPONVILLE, André. Viver. Martins Fontes: São Paulo, 2000.
DELEUZE, Gilles. Lógica do Sentido. São Paulo: Perspectiva, 1998.
___ Crítica e clínica. São Paulo: Ed. 34, 1997.
___ Conversações. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil Platôs - capitalismo e esquizofrenia - vol.
1. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.
___ Mil Platôs - capitalismo e esquizofrenia - vol. 4. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997.
FOUCAULT, Michel. O Pensamento do Exterior. São Paulo: Ed. Princípio, 1990.
RUSH, Michael. Video Art. London: Thames and Hudson, 2003.
SÁNG, Yi. Olho de corvo / e outras obras de Yi Sáng. São Paulo: Perspectiva, 1999.

Catálogos
HILL, Gary. O lugar do outro. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 1997.

Revistas
Código 3. Salvador, agosto de 1978, s/p.

Cds
STOLF, Raquel. FORA [DO AR]. Florianópolis: Edição do Autor, 2002-2004.

Vídeos
Kit para terceiros socorros. Concepção, câmera, ação e áudio: Raquel Stolf; Edição:
Glaucis de Morais. Duração: 5’ 24’’. Formato original: miniDV NTSC. Florianópolis,
2003-2004.
Projeto secreto [ estadias instáveis. Concepção, edição, câmera, ação e áudio:
Raquel Stolf. Formato original: miniDV NTSC. Florianópolis, 2004-2005.
Rabo do buraco. Concepção, edição, câmera, ação e áudio: Raquel Stolf. Duração: 1’
42’’. Formato original: miniDV NTSC. Florianópolis, 2005.

Outros
STOLF, Mª Raquel da Silva. O neutro, o outro e o fora – intersecção entre conceitos
de Maurice Blanchot e a produção artística contemporânea. In: Anais do XIV
Encontro Nacional da ANPAP – Cultura Visual e Desafios da Pesquisa em Arte,
ANPAP: Goiânia, 2005.
___ Espaços em branco – entre vazios de sentido, sentidos de vazio e outros
brancos. Dissertação de Mestrado em Artes Visuais no Instituto de Artes. Porto
Alegre: UFRGS, 2002.
STOLF, Raquel. Impossível silenciar o mundo. Caderno de poemas, Florianópolis:
1996.

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Mª Raquel da Silva Stolf é artista plástica, escritora e professora no Centro de


Artes da UDESC, em Florianópolis. É licenciada em Artes Plásticas pela
UDESC, mestre e doutoranda em Poéticas Visuais pelo Programa de Pós-
Graduação em Artes Visuais da UFRGS, em Porto Alegre.

i
BLANCHOT, 2001, p. 68.
ii
STOLF, 2004, (instalação). A primeira montagem da instalação aconteceu na exposição individual
“FORA [DO AR]”, ocorrida no Museu de Arte de Santa Catarina, em Florianópolis, 2004.
iii
STOLF, 2002-2004.
iv
Pelo processo de jateamento, onde o texto continua transparente como a superfície de vidro,
diferenciando-se dela pelo aspecto fosco.
v
STOLF, 2002-2004 (cd-objeto de áudio).
vi
Idem, s/p.
vii
“Palavras a vácuo” constitui a faixa 26 do cd-objeto “FORA [DO AR]”.
viii
Quando estava fazendo panquecas para o almoço, em maio de 2002, na medida em que espremia as
panquecas com a espátula, pressionando-as contra a frigideira, elas faziam ruídos franzinos, assobios
agudos e quase fantasmagóricos. Resolvi gravar esse som digitalmente, sendo que esta experiência
culinária foi um dos fatores que desencadeou o desenvolvimento do projeto “FORA [DO AR]” (composto
por diferentes proposições artísticas: de instalações, objetos e vídeos a um cd-objeto).
ix
STOLF, 2003-2004.
x
Estes procedimentos podem também ser modos ou possibilidades de escrita. Onde, por exemplo, a
escrita entraria num devir-desenho (num devir-linha, devir-sombra, devir-desígnio, devir-contorno) ou num
devir-vídeo (num devir-tempo, devir-cross-dissolve). Mais adiante, desdobrarei o conceito de devir.
xi
STOLF, 2003-2004 (vídeo instalado).
xii
STOLF, 2004.
xiii
BLANCHOT, 2001, p. 29.
xiv
Ibid., p. 66.
xv
DELEUZE, 1997, p. 11. E “Escrever não é contar as próprias lembranças, suas viagens, seus amores e
lutos, sonhos e fantasmas. (...) As duas pessoas do singular não servem de condição à enunciação
literária; a literatura só começa quando nasce em nós uma terceira pessoa que nos destitui do poder de
dizer Eu (o ‘neutro’ de Blanchot)” (Ibid., p. 12-13).
xvi
“Anesdoque” constitui uma palavra que inventei, em 1997, significando: “Grupo de mosquitos que soam
mais agudo que o usual e que tentam picar superfícies de vidro”. De certo modo, influenciou toda uma
série de exercícios de escrita que catalisaram a construção dos textos que compõem as nove edições da
publicação experimental “Sofá”, projeto desenvolvido desde 2003 pelos participantes da disciplina que
venho ministrando no Centro de Artes da UDESC, denominada “Laboratório de Invenção de Textos”, que
propõe a investigação dos múltiplos usos da palavra em proposições artísticas, pensando suas
dimensões imagéticas, sonoras, ficcionais e documentais.
xvii
DELEUZE e GUATTARI, 1997, p. 64.
xviii
No campo artístico, talvez a ficção implique um uso rizomático da palavra, compartilhando
características do conceito proposto por Gilles Deleuze e Félix Guattari (DELEUZE e GUATTARI, 1995).
Para os autores, o rizoma é uma antigenealogia e uma antigenealogia significa que não existem nexos
associativos entre uma coisa e outra. O rizoma procede por variação, expansão, captura, picada. Podem-
se juntar incompossíveis – elementos/coisas díspares – num plano rizomático e não arborescente, no
sentido de não seguir uma hierarquia, ordem, procedência por linhagem ou gerações. O rizoma pode ser
quebrado em qualquer lugar, onde qualquer ponto se conecta a outro sem começo nem fim,
caracterizando-se pela heterogeneidade, descontinuidade, ruptura e multiplicidade.
xix
BLANCHOT, 1984, p. 104.
xx
“Transcriação” ou “intradução” é um termo proposto pelos escritores Augusto e Haroldo de Campos ao
se referirem à atividade de tradução, concebendo-a como reinvenção minuciosa, inevitável exercício de
criação. Segundo Haroldo de Campos, numa introdução à primeira edição da transcriação de fragmentos
de Finnegans Wake, de James Joyce, “(...) a tradução se torna uma espécie de jogo livre e rigoroso ao
mesmo tempo, onde o que interessa não é a literalidade do texto, mas, sobretudo, a fidelidade ao espírito,
ao ‘clima’ joyciano, frente ao diverso feixe de possibilidades do material verbal manipulado. E há uma rede
renhida de efeitos sonoros a ser mantida, entremeada de qüiproquós, trocadilhos, malapropismos”
(CAMPOS, 1986, p. 21-22).
xxi
HILL, 1997, p. 13.
xxii
HILL In http://www.mauriceblanchot.net/blog/index.php/2005/04/10/49-gary-hill-et-maurice-blanchot.
Tradução livre de minha autoria: “Para mim, é como se nós tocássemos o texto, como se penetrássemos
em seu interior, como se nós abordássemos o sentido por um outro eixo. Por exemplo, penso que quando
lemos um texto difícil, a beleza deste texto vem de não se estar completamente certo do seu sentido
exato. E não é porque se partiu por outra pista, fronteiriça, ou que precisamos relê-lo porque já nos
esquecemos do que se acaba de ler. É porque aquilo desdobra sobre algo que não se compreende

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totalmente. Neste momento, nosso espírito deve tentar construir a partir deste texto que é mais que uma
sintaxe, mais que uma simples sucessão de palavras. Ora é exatamente para isto que tendem muitas das
minhas obras: uma espécie de ruptura possível do sentido.”
xxiii
BLANCHOT, 2005, p. 27-28.
xxiv
ODIN In http://www.newmedia-art.org/cgi-bin/show-oeu.asp?ID=I0150295&lg=FRA. Tradução livre de
minha autoria: “É que o visível, bloqueado entre a solidez do tangível e o fio/corte da escrita, exprime
relações íntimas e violentas entre imagem, texto e corpos. Passamos da carne das palavras ao texto das
coisas.”
xxv
Idem. Tradução livre de minha autoria: “A escrita, etimologicamente, é precisamente um movimento
cortante, uma ruptura. Ela procede por incisões ou rupturas. A grafia, é o arranhão.”
xxvi
BLANCHOT, 2001, p. 66.
xxvii
Ibid., p. 68.
xxviii
Ibid., p. 68.
xxix
MACHADO In HILL, 1997, p. 32.
xxx
CABANNE, 1997, p. 153.
xxxi
STOLF, 1996, p. 4-50.
xxxii
STOLF, 2004-2005 (vídeos instalados).
xxxiii
A expressão “fantasma constrangido” foi colocada pelos artistas Diego Rayck e Aline Dias quando
ambos assistiram aos vídeos pela primeira vez, em 2005.
xxxiv
Em minhas viagens, em 2004, durante a itinerância da proposição “Lista de coisas brancas – coisas
que podem ser que parecem ou que eram brancas”, pelos espaços do SESC em Santa Catarina, a
estadia breve e solitária em diferentes hotéis, em cidades pequenas, catalisou o processo de criação dos
vídeos. Resolvi levar um saco de pano que havia costurado em 1998 (para realizar uma ação na
universidade, mas que acabou acontecendo somente como fotografia) e, diante da câmera de vídeo,
executava um silencioso passeio pelo quarto, registrando também alguns detalhes banais e/ou estranhos
do quarto em que estava. Em 2005, no processo de edição digital dessas imagens, o tempo foi
desacelerado e, entre outros procedimentos, foi anexado ao vídeo a trilha sonora (“Panquecas
Fantasmáticas”).
xxxv projeto
“ - bloco de coisas feitas e a fazer, com muitas tubulações de idéias e movimentos, com
incessantes intensidades e desejos abertos, lançados para diante / secreto- aquilo que tenta se manter
estadias
coeso como uma bola de cristal de bolso, mas que secreta algo sem saber, sem ver e sem falar / -
ficar lá por alguns instantes que duram noites ou ficar aqui por alguns dias que duram segundos ou
permanecer ali durante uma ou sete esquinas de tempo / instáveis- aquilo que insta. aquilo que não está
mais ali quando se pensa que está. aquilo que oscila num piscar. isso que passou e não ficou. tentar sair
de si. errância imóvel” (STOLF, 2005, texto em folder de exposição).
xxxvi
BLANCHOT, 1997, p. 81.
xxxvii
Proposição sonora que faz parte do cd-objeto “Caixa de sono”, em processo de finalização.
xxxviii
STOLF, 2005, (vídeo instalado).
xxxix
COMTE-SPONVILLE, 2000, p. 185.
xl
Idem, p. 330.
xli
CAGE In Código 3, 1978, s/p.
xlii
Idem, s/p. O silêncio é muito caro a John Cage, sendo crucial em suas concepções musicais e
constituindo o título do seu primeiro livro: “‘Silence’ inaugurou uma série de inclassificáveis livros-
mosaicos, misturando artigos, manifestos, conferências, poemas, aforismos e anedotas exemplares
(koans). A Year from Monday (1967) é o segundo compêndio da visão que eu chamaria ‘anarcosmusica’
de Cage: nesse livro ele inicia a publicação de seu ‘Diário: como Melhorar o Mundo (Você só Tornará as
Coisas Piores)’, uma série de reflexões pessoais, reunidas fragmentariamente numa salada de citações,
um tanto à maneira de Pound (nos ‘Cantos’), mas numa dimensão discursiva mais próxima do que
Buckminster Fuller viria a chamar de ‘ventilated prose’ (prosa porosa). Segue-se ‘M’ (1973), um título
sugerido pela letra ‘M’, escolhida ao acaso, mas que é a inicial de muitas palavras e nomes de Cage: de
‘mushrooms’ (cogumelos) a ‘music’, de Marcel Duchamp a Merce Cunningham (...). O último livro dessa
linhagem é ‘Empty Words’ (‘Palavras Vazias’), de 1979. Nele aparecem os derradeiros fragmentos do
‘Diário’, que ficou interrompido” (CAMPOS, 1998, p. 134).
xliii
CAGE, 1985, p. 98.
xliv
DELEUZE, 1992, p. 161-162.
xlv
SÁNG, 1999, p. 149.

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