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NA FILA DA FOME
Pessoas se aglomeram desde a madrugada diante de agência da Caixa para conseguir os R$ 600 de auxílio
federal
CONSUELO DIEGUEZ
30abr2020_18h14
“E
i, moça, você mora aí na frente? Tem como arrumar um café ou
alguma coisa pra nós comer?” O apelo era do servente de
pedreiro Ariel Cabral a uma mulher que passava na calçada
oposta à que ele estava, numa fila de mais de 1 km no Centro de Nova
Friburgo, cidade serrana do estado do Rio de Janeiro. Era quase meio-dia
do dia 29 de abril. Cabral estava ali desde as cinco da manhã e nem
chegara à metade do caminho até a entrada da Caixa Econômica Federal
(CEF), a cerca de 500 metros. Na fila se acomodavam centenas de pessoas
em busca do auxílio emergencial mínimo de 600 reais prometidos pelo
governo às pessoas desempregadas e sem renda. A serpente humana, que
se formara na porta da instituição financeira na principal avenida da
cidade rastejava ladeira acima da rua lateral por mais de 1 km.
Apesar de Friburgo, com 190 mil habitantes, ter registrado, até esta
quinta-feira, apenas quatro mortes pela Covid-19, 54 casos confirmados e
mais 49 suspeitos, o prefeito não esconde seu pavor com a possibilidade
de o vírus se espalhar. A cidade tem dois hospitais privados e apenas um
público, que juntos têm, segundo dados do Datasus, 48 leitos de UTI
(adultos e pediátricos) para tratar do vírus. Situação agravada pelo
número insuficiente de respiradores hospitalares (apenas 41), motivo
para fazer mais queixas ao governo federal.
Q
uando o sino da catedral soou doze badaladas, os apelos do
servente Ariel Cabral por comida começaram a ser atendidos.
Vindos de um estacionamento próximo, um grupo de fiéis da igreja
Universal do Reino de Deus surgiu trazendo caixas com sanduíche,
galões com suco de frutas e copos. O grupo de oito pessoas trajava
camiseta branca e azul marinho com a inscrição Igreja Universal bordada
em vermelho no bolso e também nos bonés. Junto com eles, um fotógrafo
com o mesmo uniforme, documentava a cena. Em silêncio, eles
caminharam até a porta da Caixa Econômica e iniciaram a distribuição. A
presença de obreiros da Universal na fila de atendimento da Caixa tem
sido uma constante. Diariamente eles aparecem, quase sempre no mesmo
horário, para fazer a distribuição. Proibidos de fazer pregação nos
templos, por ordem do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel
(PSC), eles encontraram um meio de tentar aumentar o rebanho através
das doações de comida. Não chegam exatamente a fazer pregação,
porque o contato com o público precisa ser rápido. Mas o logo da igreja
transforma os obreiros em propaganda viva.
Bravo não quer comprar briga com os religiosos que, na sua opinião,
tentam ajudar. Mas ele acha que eles seriam mais úteis se fizessem
doações de alimentos em grande escala para as comunidades mais
carentes da cidade. Como a maioria dos municípios do estado, Friburgo
sofre com a crise econômica resultado do fechamento das empresas. A
saída tem sido usar a criatividade. A prefeitura tem tentado amenizar a
crise se valendo de uma peculiaridade da indústria local. Friburgo é um
dos maiores polos de lingerie do Brasil, com centenas de confecções de
todos os tamanhos. Quando veio a ordem de fechar, a maioria parou as
máquinas. A saída foi mudar a linha de produção. Agora, boa parte das
confecções, ao invés de calcinhas, sutiãs e camisolas está produzindo
máscaras de proteção com selo de garantia da Anvisa.
A prefeitura investiu 2,5 milhões de reais na compra de 1 milhão de
máscaras para serem distribuídas para a população mais pobre. Paga 2,50
reais por máscara. “Se uma confecção produzir 10 mil máscaras vai
faturar 250 mil reais. Isso é suficiente para evitar a quebra de uma
empresa de médio porte”, calculou. Para evitar riscos de contaminação
dos trabalhadores dessa indústria, ficou estabelecido que a turma acima
de 60 anos ou com doenças crônicas fica em casa. As empresas
modificaram os turnos de trabalho para evitar aglomeração de
funcionários nas confecções.