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tempos da peste

NA FILA DA FOME
Pessoas se aglomeram desde a madrugada diante de agência da Caixa para conseguir os R$ 600 de auxílio
federal
CONSUELO DIEGUEZ
30abr2020_18h14

Foto de Consuelo Dieguez

“E
i, moça, você mora aí na frente? Tem como arrumar um café ou
alguma coisa pra nós comer?” O apelo era do servente de
pedreiro Ariel Cabral a uma mulher que passava na calçada
oposta à que ele estava, numa fila de mais de 1 km no Centro de Nova
Friburgo, cidade serrana do estado do Rio de Janeiro. Era quase meio-dia
do dia 29 de abril. Cabral estava ali desde as cinco da manhã e nem
chegara à metade do caminho até a entrada da Caixa Econômica Federal
(CEF), a cerca de 500 metros. Na fila se acomodavam centenas de pessoas
em busca do auxílio emergencial mínimo de 600 reais prometidos pelo
governo às pessoas desempregadas e sem renda. A serpente humana, que
se formara na porta da instituição financeira na principal avenida da
cidade rastejava ladeira acima da rua lateral por mais de 1 km.

A aglomeração ocorre diariamente, desde que o governo anunciou a


liberação do auxílio para autônomos que perderam a renda por causa da
pandemia de Covid-19. Até a semana passada, o perigo de contágio na
fila era maior porque as pessoas se amontoavam sem máscara. Mas desde
segunda-feira, 27, após a ordem do prefeito Renato Bravo (PP) para que
os moradores da cidade não saíssem às ruas sem proteção facial, a
maioria ali era vista com o aparato, apesar de muitas pessoas o trazerem
pendurado ao pescoço ou abaixo do nariz. Para piorar, é raro o respeito
às medidas de segurança que recomenda manter a distância de pelo
menos 2 metros entre as pessoas.

Com o passar das horas e sem previsão de atendimento, a fila acaba se


transformando em local de convívio social, em oposição à orientação de
isolamento da prefeitura. Ali as pessoas conversam, reclamam, trocam
informações e, eventualmente, se contaminam. Dois funcionários da
Defesa Civil tentavam pôr ordem na aglomeração. Com paciência,
explicavam que as pessoas tinham que manter entre elas a distância
equivalente a dois braços abertos. Mas bastava eles se afastarem para que
a turma se juntasse perigosamente para continuar a conversa
interrompida.

A fila quilométrica que se forma diariamente preocupa o prefeito, que


tenta seguir as recomendações do governo do estado e da Organização
Mundial da Saúde (OMS) para manter o isolamento social. Desde o dia 29
de março, a maioria das lojas e fábricas da cidade está fechada. Bravo
considera essa a melhor medida para reduzir o risco de contágio e diz
que a prefeitura tem feito a sua parte, colocando a Defesa Civil nas ruas
para orientar a população. Mas, desde que começou o pagamento do
auxílio, está difícil manter as pessoas em casa. “Muitos não sabem como
fazer o cadastro online, e correm para a porta da Caixa. Essas filas
aumentam muito o risco de contágio”, afirmou. Já quem busca o auxílio
reclama que não consegue acessar o número 111 disponibilizado pela
instituição para fazer o cadastramento. Para evitar o congestionamento, a
prefeitura ofereceu à Caixa outros quatro locais para a instituição atender
à população.

Os funcionários alegam, no entanto, que aguardam autorização da sede


do banco para fazer o atendimento fora da única agência existente na
cidade. “Não é culpa dos funcionários, que viram o atendimento se
multiplicar sem que lhes fosse dada estrutura. O problema é que
enquanto Brasília não decide o que fazer, nós deixamos em risco as
pessoas que precisam desesperadamente do dinheiro ”, queixou-se. O
Sindicato dos Bancários também está inconformado com a situação de
risco a que os funcionários da Caixa estão submetidos. Um carro de som
da entidade costuma passar pela fila e anunciar, pelo alto-falante, que a
demora do atendimento se dá pelo excesso de trabalho, aliado ao corte de
pessoal e à não contratação de novos funcionários para a instituição.
Apelam à população, sem sucesso, que façam o cadastro online e evitem
ir à agência.

O prefeito tem também outros motivos para estar insatisfeito com o


governo federal. O maior deles são as falas do presidente Jair Bolsonaro
incentivando a abertura do comércio e minimizando os riscos da doença.
“As declarações de Bolsonaro nos atrapalham muito. As pessoas
começam a desrespeitar o isolamento. Só que são a prefeituras que terão
que dar assistência aos contaminados e nossos hospitais, tanto os dos
municípios como os do estado, não têm estrutura para fazer um
atendimento em massa caso o vírus saia do controle”, admitiu.

Apesar de Friburgo, com 190 mil habitantes, ter registrado, até esta
quinta-feira, apenas quatro mortes pela Covid-19, 54 casos confirmados e
mais 49 suspeitos, o prefeito não esconde seu pavor com a possibilidade
de o vírus se espalhar. A cidade tem dois hospitais privados e apenas um
público, que juntos têm, segundo dados do Datasus, 48 leitos de UTI
(adultos e pediátricos) para tratar do vírus. Situação agravada pelo
número insuficiente de respiradores hospitalares (apenas 41), motivo
para fazer mais queixas ao governo federal.

Antes da pandemia, a prefeitura havia conseguido recursos do Ministério


da Saúde para comprar quarenta respiradores. O negócio foi fechado e o
hospital municipal aguardava a entrega dos equipamentos. Com a
eclosão da doença, o Ministério da Saúde os confiscou. Agora, explicou o
prefeito, é impossível comprá-los. Além da falta do produto, quando se
consegue algum disponível, o preço é impraticável. Um respirador está
custando em torno de 180 mil reais, quase cinco vezes mais do que o
praticado antes da pandemia.O município entrou com ação na Justiça
contra o Ministério da Saúde, procedimento já adotado por outras
cidades do estado. Segundo Bravo, algumas cidades, como Teresópolis,
também na região serrana, já processaram o ministério e ganharam na
Justiça o direito de ficar com os respiradores encomendados.

Q
uando o sino da catedral soou doze badaladas, os apelos do
servente Ariel Cabral por comida começaram a ser atendidos.
Vindos de um estacionamento próximo, um grupo de fiéis da igreja
Universal do Reino de Deus surgiu trazendo caixas com sanduíche,
galões com suco de frutas e copos. O grupo de oito pessoas trajava
camiseta branca e azul marinho com a inscrição Igreja Universal bordada
em vermelho no bolso e também nos bonés. Junto com eles, um fotógrafo
com o mesmo uniforme, documentava a cena. Em silêncio, eles
caminharam até a porta da Caixa Econômica e iniciaram a distribuição. A
presença de obreiros da Universal na fila de atendimento da Caixa tem
sido uma constante. Diariamente eles aparecem, quase sempre no mesmo
horário, para fazer a distribuição. Proibidos de fazer pregação nos
templos, por ordem do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel
(PSC), eles encontraram um meio de tentar aumentar o rebanho através
das doações de comida. Não chegam exatamente a fazer pregação,
porque o contato com o público precisa ser rápido. Mas o logo da igreja
transforma os obreiros em propaganda viva.

Não é possível estimar o efeito dessas ações na cooptação de fiéis para a


Universal. Mas a receptividade é boa nas filas da CEF, não apenas em
Friburgo. A Universal tem distribuído lanches em vários locais de várias
cidades. No Rio de Janeiro, por exemplo, no bairro de Campo Grande,
um dos mais povoados da Zona Oeste, os obreiros se postam na fila da
Caixa diariamente para distribuir comida e fazer sua propaganda
silenciosa. Isabel Gonçalves, uma cabeleireira que perdeu a renda após o
isolamento social, estava desde as oito da manhã na fila em Campo
Grande. Ela recebeu o lanche da Universal e só tem elogios para a igreja.
“Eles foram lá ajudar. A minha igreja, que também é rica, não mandou
ninguém para dar uma força para nós”, reclamou.

Em Friburgo, o prefeito Renato Bravo disse que já tinha sido informado


pelo pessoal da Defesa Civil sobre a presença dos obreiros da Universal
na fila para distribuir sanduíches. Afirmou que não há pregação. “É só
mesmo um conforto para quem precisa ficar na fila durante horas
aguardando atendimento.” Ainda assim, ele não se sente confortável com
a presença deles no local. “Estamos atentos para que não haja qualquer
tipo de pregação na fila”, me disse. “Não é conveniente misturar religião
com atendimento bancário. As pessoas que precisam estar na fila não
têm, ainda por cima, que se submeter à doutrinação religiosa.”

Bravo não quer comprar briga com os religiosos que, na sua opinião,
tentam ajudar. Mas ele acha que eles seriam mais úteis se fizessem
doações de alimentos em grande escala para as comunidades mais
carentes da cidade. Como a maioria dos municípios do estado, Friburgo
sofre com a crise econômica resultado do fechamento das empresas. A
saída tem sido usar a criatividade. A prefeitura tem tentado amenizar a
crise se valendo de uma peculiaridade da indústria local. Friburgo é um
dos maiores polos de lingerie do Brasil, com centenas de confecções de
todos os tamanhos. Quando veio a ordem de fechar, a maioria parou as
máquinas. A saída foi mudar a linha de produção. Agora, boa parte das
confecções, ao invés de calcinhas, sutiãs e camisolas está produzindo
máscaras de proteção com selo de garantia da Anvisa.
A prefeitura investiu 2,5 milhões de reais na compra de 1 milhão de
máscaras para serem distribuídas para a população mais pobre. Paga 2,50
reais por máscara. “Se uma confecção produzir 10 mil máscaras vai
faturar 250 mil reais. Isso é suficiente para evitar a quebra de uma
empresa de médio porte”, calculou. Para evitar riscos de contaminação
dos trabalhadores dessa indústria, ficou estabelecido que a turma acima
de 60 anos ou com doenças crônicas fica em casa. As empresas
modificaram os turnos de trabalho para evitar aglomeração de
funcionários nas confecções.

A partir de maio, cada morador de baixa renda terá direito a três


máscaras gratuitas, que serão retiradas nos postos de saúde ou de
assistência social. O projeto de confecção de máscaras, no entanto, teve
efeito inesperado. A Marinha e mais duas prefeituras do estado já estão
encomendando o produto, o que deve aumentar bastante a produção. O
impulso nas confecções, no entanto, não é suficiente para tirar a economia
da cidade da crise. Os lojistas têm pressionado o prefeito para abrir as
lojas, o que ele se recusa a fazer. “Se os empresários desrespeitarem as
ordens de fechamento teremos que agir mais duramente. Não queremos
briga com ninguém, mas já estamos preparando medidas mais duras,
como multas, para aqueles que desrespeitarem as nossas ordens.”

O endurecimento das medidas tende a aumentar à medida que a


contaminação aumentar. “Veja o que aconteceu em Blumenau:
afrouxaram o isolamento e agora a contaminação se multiplicou na
cidade”, afirmou. O prefeito explica que só se sentirá mais tranquilo
quando o hospital de campanha prometido pelo governo do estado for
instalado na cidade, mas admitiu que não há previsão para que isso
aconteça.

Enquanto isso, Friburgo vai se virando. Empresários da indústria fizeram


um mutirão para ajudar outro setor importante do município, o de
produção de flores, que foi para o buraco. Os produtores estão desde o
começo do mês recebendo cestas básicas fornecidas pela prefeitura e pela
indústria local.

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