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Ilustração de Carvall
“E
u me sinto um pouco como Galileu Galilei”, diz o
infectologista Marcus Lacerda, coordenador de um estudo que
apontou para os riscos da cloroquina para vítimas da covid-19
em Manaus. O físico italiano quase foi queimado vivo pela inquisição
católica no século XVII por defender a tese de que a Terra girava em
torno do Sol. Lacerda e outros 27 pesquisadores brasileiros que
participaram da pesquisa com a cloroquina tornaram-se alvo de um
inquérito civil instaurado por três procuradores do Ministério Público
Federal (MPF), dois deles simpatizantes do bolsonarismo. Não sem antes
sofrerem um linchamento virtual, com ameaças de morte, por
contrariarem a versão, difundida pelo clã Bolsonaro, de que o
medicamento é benéfico às vítimas do coronavírus. Há mais de uma
semana Lacerda e a família andam com escolta policial na capital do
Amazonas. “Desde o fim da ditadura militar, nenhum cientista passou
por isso no Brasil”, afirma o infectologista.
No dia 11 de abril, 27 pesquisadores, a maioria ligada à Fiocruz e à
Fundação de Medicina Tropical em Manaus, publicaram no repositório
digital medRxiv, que divulga trabalhos ainda não submetidos à avaliação
de outros cientistas, os resultados de um estudo avaliando os efeitos de
altas doses de cloroquina e azitromicina em 81 pacientes com covid-19 no
hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz, da capital amazonense. Metade
dos doentes recebeu doses de 450 mg de cloroquina durante cinco dias; o
restante recebeu uma dose de 600 mg duas vezes ao dia por dez dias. Já
no terceiro dia, os pesquisadores observaram um aumento significativo
de arritmias cardíacas no segundo grupo de pacientes. No sexto dia, a
pesquisa com esse segundo grupo foi interrompida depois que onze deles
morreram. A letalidade, de 13%, é menor do que a de 18% para pacientes
que não usaram a cloroquina, segundo estudos internacionais.
A
partir da postagem do parlamentar, os pesquisadores do estudo de
Manaus começaram a receber ataques em série pelas redes sociais,
incluindo ameaças de morte contra Lacerda e os demais autores – a
Polícia Civil do Amazonas investiga o caso. “Tentaram hackear o meu
celular. Estamos todos com muito medo”, disse um dos cientistas, sob a
condição do anonimato.
Dos três procuradores que assinam o documento do MPF, dois têm feito
em suas redes sociais a defesa de pautas comuns ao bolsonarismo. O
primeiro, atuante em Bento Gonçalves, é Alexandre Schneider, que
ganhou fama em fevereiro, quando publicou em seu perfil no Instagram
uma frase ofensiva à repórter da Folha Patrícia Campos Mello, alvo de
difamação na CPI das Fake News, na Câmara dos Deputados. "Cuidado
para você que quer ser jornalista: não confunda dar furo de reportagem
com dar o furo pela reportagem", escreveu Schneider – repetindo a
ofensa feita publicamente, horas antes, pelo presidente Bolsonaro. O
segundo é Wesley Miranda Alves, lotado em Ituiutaba, Minas Gerais. Em
sua página no Twitter, em várias ocasiões ele chama Trump de “gênio” e
“mito”. O terceiro é Higor Rezende Pessoa, que atualmente trabalha em
Palmas, Tocantins. Procurados pela piauí por meio das assessorias do
MPF nos estados, os procuradores não quiseram se manifestar.