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Julio Plaza ARTE/CIÊNCIA: UMA CONSCIÊNCIA

Artista multimídia e Professor Titular (aposentado) da Escola de Comunicações e Artes da USP

"Não há solução porque não há problema."


Marcel Duchamp

ARTE E INSTITUIÇÃO: CONFLITO DE MODELOS

O modelo medieval de ensino da arte tinha c o m o característica a


r e l a ç ã o d i r e t a e p e s s o a l e n t r e m e s t r e e d i s c í p u l o , visava a c o n v i v ê n c i a t é c n i c a e
o aprendizado através das e n c o m e n d a s de obras de arte. A este sucede-lhe o
m o d e l o d a A c a d e m i a n o s é c u l o XVI ( R o m a , F l o r e n ç a , B o l o n h a ) q u e d i s p õ e os
s a b e r e s e fazeres e m d i s c i p l i n a s o r g a n i z a d a s , t e n d o c o m o f i n a l i d a d e a c o m p l e ¬
mentação teórica e intelectual do trabalho m e r a m e n t e artesanal dos ateliês. Já
o t e r m o "Beaux-Arts" foi i n s t i t u í d o p e l a A c a d é m i e R o y a l e d e Paris ( 1 6 4 8 ) t o r -
n a n d o - s e r a p i d a m e n t e u n i v e r s a l , m a s é n o s é c u l o XVIII q u e a s a c a d e m i a s
c o n h e c e m o máximo de prestígio q u e coincide c o m a m e n s a g e m do Iluminismo
e m favor d e u m a c u l t u r a laica, e n c i c l o p é d i c a e u n i v e r s a l . O d e c l í n i o verifíca-se
n o s é c u l o XIX c o m o r o m a n t i s m o q u e p r o c u r a u m a a r t e l i b e r t a d e r e g r a s ("a
a r t e n ã o p o d e ser e n s i n a d a " ) . I n a u g u r a - s e e n t ã o o p e r í o d o d e o p o s i ç ã o à s a c a ¬
d e m i a s , s e g u i d o d e p o i s p e l a s v a n g u a r d a s q u e r e j e i t a m s u a f u n ç ã o b e m c o m o os
s e u s m é t o d o s ( E n c . de l'Art, 1991: 2-3).
C o m o surgimento d e novos canais de distribuição e p r o m o ç ã o de arte
(galerias e salões d e e x p o s i ç õ e s , etc.) as a c a d e m i a s s ã o c o n d e n a d a s a u m a
sobrevivência m e d í o c r e , m e s m o a o o s t r a c i s m o . J á o s i s t e m a m e r c a d o l ó g i c o e
democrático h e r d a d o dos salões, m u s e u s e galerias, a s s u m e a arte c o m o mer-
cadoria cujo valor a r t í s t i c o é e s t a b e l e c i d o n a b o l s a d e v a l o r e s e t e m c o m o c e n -
t r o a m í d i a e s e u c o l u n i s m o social (o " b e a u m o n d e " ) , serve t a m b é m a o p o d e r e
à lavagem d e d i n h e i r o .
C o m a d e m o c r a t i z a ç ã o d a a r t e , n u m e r o s a s p e s s o a s p r o c u r a m u m a for-
mação artística para desenvolver as suas expressões e m ateliês de artistas (adap-
tação do paradigma medieval) de forma q u a s e autodidata ou b e m c o m o "arte¬
terapia".
T a m b é m , a crise d a a r t e n a c o n t e m p o r a n e i d a d e é e v i d e n t e . Pois
e n q u a n t o insistimos em c h a m a r de "arte" o p r o d u t o das atividades primárias
e/ou a r t e s a n a i s , o q u e t e m o s h o j e é u m formidável s i s t e m a d e m a n i f e s t a ç õ e s
m i d i á t i c a s e códigos ( a r t e s a n a i s , i n d u s t r i a i s e p ó s - i n d u s t r i a i s ) q u e se m i s t u r a m ,
i n t e r p e n e t r a m e r e c o d i f í c a m . Assim, a s i d é i a s - c h a v e d e m u l t i p l i c i d a d e , c o m ¬

Achim Mohni, "Der Hase und der Igpl", detalhe, 1998 Plaza 37
plexidade, m u l t i m e d i a ç ã o e recodificação são fundamentais para entendermos
e s s e p r o c e s s o da arte c o n t e m p o r â n e a . A complexidade d e s s a s relações e dis-
c u r s o s torna inevitável a aquisição d e teorias e metalinguagens apropriadas
para esclarecer e s s a s relações. O e s p a ç o d e e l u c i d a ç ã o das relações entre o
"fazer" e o "saber" artísticos é a Universidade. Ora, e s t e n o v o paradigma é ne-
c e s s a r i a m e n t e crítico e m relação aos anteriores, p o r q u e Os p e n s a e analisa.
D e s s a forma, o s antigos papéis reservados a o "mestre" e ao "discípulo" recon-
fíguram-se, por s u a vez, c o m o metáfora, nas figuras d o professor e d o aluno.

CIÊNCIA/ARTE: 0 PROBLEMA DO CONHECIMENTO

Q u a n d o o cientista o u o filósofo s e interrogam sobre q u e é isto, ou


aquilo, i n i c i a m u m p r o c e s s o d e b u s c a d o c o n h e c i m e n t o . C o n t u d o , o ser da
c o i s a n ã o é a coisa. A coisa está aí, o s e u ser n ã o . Para o filósofo (Ortega y
Gasset, 1992: 1 3 9 - 1 5 8 ) , s e q u e r e m o s c o n h e c e r o ser da coisa t e m o s q u e inves-
tigar e n ã o n o s p o d e m o s abandonar às n o s s a s p e r c e p ç õ e s , e mais, t e m o s q u e
c o m e ç a r pela h u m i l d e tarefa d e e n t e n d e r o significado da palavra ser (grifos
meus).
A luz n u m a p e r c e p ç ã o visual (o e x e m p l o é d e Ortega) n ã o apresenta o
s e u ser. A luz é u m a coisa q u e t e n h o diante d e m i m , q u e está aí. Vê-la não é
c o n h e c ê - l a . E m contraposição, c o n h e c e r a luz é saber da s u a essência e esta
e s s ê n c i a n ã o está aí, ela n ã o s e mostra.
O e n t e luz m e ilumina, vejo-a, m a s o ser, a s u a e s s ê n c i a , não m e ilu-
m i n a n e m a vejo, n e m talvez t e n h a n u n c a a n o ç ã o d e s s a e s s ê n c i a .
N ã o é a c o i s a q u e o c o n h e c i m e n t o apreende, m a s o s e u ser, o u a sua
e s s ê n c i a , o ser d e u m a c o i s a n ã o é a coisa, n e m u m a hipercoisa, é u m esquema
intelectual. O s e u c o n t e ú d o revela-nos o q u e a c o i s a é, e o q u e a coisa é, está
c o n s t i t u í d o p e l o papel q u e a coisa representa na vida.
C o n h e c i m e n t o é p o i s , para Ortega, u m esforço mental q u e extrai do
c a o s u m e s q u e m a d e ordem, u m c o s m o s , u m a informação, u m a linguagem,
diríamos.
C o n f o r m e Robert H e n r y Srour (1978: 3 6 ) o p e n s a m e n t o científico é
c o n c e b i d o c o m o p r o c e s s o produtivo q u e n ã o s e c o n f u n d e c o m o reflexo e s p e c u -
lar o u d u p l i c a ç ã o m e n t a l d a realidade. "Produzir c o n h e c i m e n t o s n ã o é u m a
leitura direta da e s s ê n c i a n a existência", diz Srour, isto porque "o real não é
transparente e d e l e n ã o s e faz u m a leitura imediata". Produzir c o n h e c i m e n t o s
é transformar i n f o r m a ç õ e s complexas (científicas o u t e c n o l ó g i c a s , sensíveis e
t é c n i c a s ) , e m resultados d e u m p r o c e s s o d e trabalho. Trata-se, pois, de u m a
i n t e r v e n ç ã o intelectual sobre objetos s i m b ó l i c o s (intuições, observações, repre-
s e n t a ç õ e s ) e n ã o de u m a transformação d a própria realidade observada, já q u e
o "Real", s o m e n t e é acessível p e l o signo, p o i s "o máximo grau d e realidade s ó é

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a t i n g i d o p e l o s signos", c o m o disse P e i r c e .
M a x B e n s e , c o m o s e m i o t i c i s t a , c o i n c i d e c o m O r t e g a , p a r a a q u e l e , "o
conhecer repousa na intervenção d e seres inteligentes n o m u n d o o qual deve
ser i d e n t i f i c a d o p a r a t o r n á - l o s c o n s c i e n t e s . . . " . B e n s e p r o p õ e q u e a i d e n t i f i c a ç ã o
d o m u n d o c o m o algo d a d o (o físico), d á - s e s o b u m e s q u e m a c a u s a i . A identifi-
cação do m u n d o c o m o sentido e significação dá-se sob o e s q u e m a s e m â n t i c o e
c o m u n i c a t i v o . J á a i d e n t i f i c a ç ã o d o m u n d o c o m o algo feito, t e m o s e u l u g a r s o b
o e s q u e m a criativo. E s t e s t r ê s e s t a d o s s e d i s t i n g u e m p o r u m a determinação. O
físico e s t á f o r t e m e n t e d e t e r m i n a d o , o s e m â n t i c o o e s t á c o n v e n c i o n a l m e n t e , j á
o estado estético o está débil e singularmente, a m b i g u a m e n t e .
Somente o que está suficientemente determinado pode ser conhecido
e fixado, j á o q u e e s t á t o t a l m e n t e i n d e t e r m i n a d o ( c o m o o c a o s ) , n ã o p o d e s e r
i d e n t i f i c a d o e fixado: p a r a s e i d e n t i f i c a r d e v e s e r p r i m e i r a m e n t e t r a n s p o s t o e m
c e r t a m e d i d a a u m e s t a d o d e t e r m i n a d o , p o r d é b i l q u e seja, i s t o é, u m a o r d e m .
(Bense, 1972: 61). E s t a d o s físicos c o m o s i s t e m a s d e p l a n e t a s , e s t r u t u r a s d e
cristais, e t c , s ã o f o r t e m e n t e d e t e r m i n a d o s , m a s e s t a d o s e s t é t i c o s c o m o p o r ex.:
a d i s t r i b u i ç ã o d e c o r e s n u m a tela d e T i z i a n o , o u a s e q ü ê n c i a d e p a l a v r a s n u m
texto p o é t i c o s ã o d e t e r m i n a d o s d u m a m a n e i r a fraca, e q u i p r o b á v e l .
A i n d a , p a r a o e n s a í s t a A l b r e c h t F a b r i "a e s s ê n c i a d a a r t e é a t a u t o l o ¬
gia", p o i s a s o b r a s a r t í s t i c a s " n ã o s i g n i f i c a m , m a s s ã o " . N a a r t e , "é i m p o s s í v e l
distinguir entre representação e representado". Esta tese p e r m i t e a M a x Bense
d e s e n v o l v e r o c o n c e i t o d e "fragilidade" d a i n f o r m a ç ã o e s t é t i c a , i n f o r m a ç ã o e s t a
que transcende a informação semântica, n o q u e c o n c e r n e à "imprevisibilidade,
à s u r p r e s a , à i m p r o b a b i l i d a d e d a o r d e n a ç ã o d o s s i g n o s " . B e n s e c h e g a a falar d a
i m p o s s i b i l i d a d e d e u m a "codificação e s t é t i c a " . ( C a m p o s , 1970: 21).
E n q u a n t o a ciência procura a determinação na hiper-codificação, a
a r t e , e m c o n t r a p o s i ç ã o , t e n d e a o s i n g u l a r e à baixa c o d i f i c a ç ã o , p o i s a a r t e n ã o
é linguagem e m sentido estrito. A sensibilidade artística se inventa e constrói
c o m o o b j e t o e m si, e n q u a n t o a l i n g u a g e m c i e n t í f i c a codifica s e u o b j e t o , e l a é
u m discurso sobre u m fenômeno (mesmo virtual).
Nas relações entre arte e ciência podemos perceber o jogo do cientista
c o m as r e g r a s , j á p a r a o a r t i s t a é o j o g o c o m a s p o s s i b i l i d a d e s p e r c e p t i v a s ( u t i -
liza-se a q u i o " r a c i o c í n i o p e r c e p t u a l " , e n t e n d i d o p o r Arnheim -1980: 265-,
c o m o t r a b a l h o criativo c o m a s r e l a ç õ e s e n t r e q u a l i d a d e s sensíveis) e q u a l i t a t i -
vas d a luz, vale dizer, c o m a s s u a s a p a r ê n c i a s c o n c r e t a s . J á p a r a o c i e n t i s t a ,
interessa a sua natureza ou essência, corpuscular ou ondulatória, ou a m b a s , é
dizer, s e u c ó d i g o o u l i n g u a g e m . P a r a o a r t i s t a t e c n o l ó g i c o o d o m í n i o t e m q u e
s e r t o t a l , isto é, ele t e m q u e t e r a c u i d a d e p e r c e p t i v a p a r a o q u a l i t a t i v o d a luz e
t a m b é m c o n h e c i m e n t o d a s leis q u e a r e g e m e c o d i f i c a m e m l i n g u a g e m .
Em síntese, a questão d o conhecimento e m ciência ou e m arte, apre-
senta-se de forma muito diferente. Para a primeira, n o plano do c o n h e c i m e n t o

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abstrato de qualquer fenômeno que ocorre universalmente, e m qualquer época
e q u a l q u e r sítio; p a r a a s e g u n d a , n o p l a n o d o c o n h e c i m e n t o c o n c r e t o d e u m
o b j e t o c o n c r e t o e i n d i v i d u a l , i n s u b s t i t u í v e l e s i n g u l a r (Srour 1978: 3 8 ) . A a r t e
n ã o se d o a a o m u n d o c o m o i n f o r m a ç ã o s e m â n t i c a , m a s c o m o informação
estética.
Mas, n u m a situação e m q u e a ciência está à procura de novos mode-
los d e i n t e r p r e t a ç ã o d a c o m p l e x i d a d e u n i v e r s a l r e g i d a p e l o "princípio d e i n d e ¬
t e r m i n a ç ã o " ( H e i s e m b e r g ) , n u m a s i t u a ç ã o , o n d e t a n t o a filosofia q u a n t o a
própria arte estão e m crise, é p o r q u e os modelos de representação e determi-
n a ç ã o d o c o n h e c i m e n t o e s e n s i b i l i d a d e n ã o s ã o m a i s a d e q u a d o s . D e fato, c o m o
os f e n ô m e n o s p a r a o s c i e n t i s t a s o u s ã o c o m p l e x o s d e m a i s , o u e s t ã o fora d o
alcance dos i n s t r u m e n t o s e tecnologias, n ã o p o d e m ser codificados. Parece q u e
é a q u i q u e a s i s t e m a t i c i d a d e h a r m o n i o s a e t e l e o n ô m i c a d a o m n i c i ê n c i a clássica
(o p a r a d i g m a n e w t o n i a n o q u e p r o c u r a a s r e g r a s i m u t á v e i s d o u n i v e r s o -¬
Prigogine, 1979) entra e m entropia, abrindo-se caminho para a ambigüidade, o
caos, a desordem, á indeterminação, a confusão e também para a interpretação
estética.
N e s t e s c a s o s , o n d e a c i ê n c i a e n t r a e m c o l a p s o , só r e s t a a a b d u ç ã o , a
t e o r i a , e é n e s s e p o n t o q u e s e a b r e u m possível c o n t a t o p a r a a a r t e e o estéti-
c o . C r i a - s e e n t ã o u m v á c u o , u m a t a b u l a r a s a , e isso a o m e s m o t e m p o q u e é
i n q u i e t a r i t e , t a m b é m é e n t u s i a s m a n t e , p o r q u e a b r e - s e a j a n e l a p a r a o criativo,
o e x p e r i m e n t a l , i s t o é, n o f u n d o e x i s t e a p o s s i b i l i d a d e d e s e r e u n i r e s t a s á r e a s ,
de estabelecer u m a coerência (holismo) e n t r e elas.

ARTE/CIÊNCIA: IDENTIDADES

C o m p a r a n d o a criação científica e a artística observamos q u e na


origem do ato criador o cientista n ã o se diferencia d o artista, apenas trabalham
materiais diferentes do Universo. Ciência e arte t ê m u m a origem c o m u m , na
a b d u ç ã o ou capacidade para formular hipóteses, i m a g e n s , idéias, n a colocação
d e p r o b l e m a s , e n o s m é t o d o s infralógicos, m a s é n o s e u d e s e m p e n h o e "per-
formance" q u e se distanciam e n o r m e m e n t e , como nos processos mentais de
análise e síntese.
E m 1 9 4 5 , o m a t e m á t i c o f r a n c ê s J. H a d a m a r d q u e c o n d u z i a o e s t u d o
The Psychology of Invention in the Mathematical Field (Arnheim, 1980), regis-
t r a o p r o c e s s o d e c r i a ç ã o , c o n f o r m e d e c l a r a n a s p a l a v r a s d e E i n s t e i n : "As
palavras ou a linguagem, escritas ou faladas, p a r e c e m não d e s e m p e n h a r nen-
h u m p a p e l e m m e u m e c a n i s m o d e p e n s a m e n t o . A s e n t i d a d e s físicas, q u e p a r e -
c e m servir d e e l e m e n t o s n o p e n s a m e n t o , s ã o c e r t o s s i g n o s e i m a g e n s m a i s o u
menos claras, q u e podem ser voluntariamente reproduzidos e combinados..."
(...) " . . . D e u m p o n t o d e vista p s i c o l ó g i c o , e s t e j o g o c o m b i n a t ó r i o afigura-se

4P Plaza
como traço essencial no p e n s a m e n t o produtivo, antes d e haver qualquer
c o n e x ã o c o m a c o n s t r u ç ã o lógica e m p a l a v r a s , o u e m o u t r a s e s p é c i e s d e s i g n o s
comunicáveis a outrem". "Os e l e m e n t o s acima referidos são, de q u a l q u e r
m o d o , d e t i p o visual e m e s m o a l g u n s d e t i p o m u s c u l a r . P a l a v r a s c o n v e n c i o n a i s
ou o u t r o s signos t e m d e s e r p r o c u r a d o s l a b o r i o s a m e n t e e s o m e n t e n u m s e g u n -
d o estágio, q u a n d o o j o g o a s s o c i a t i v o e s t á s u f i c i e n t e m e n t e i n s t a u r a d o e p o d e
ser r e p r o d u z i d o à v o n t a d e . "
H a d a m a r d , via C a m p o s (1977: 8 5 - 9 0 ) , m e n c i o n a u m a o p i n i ã o d e R.
J a k o b s o n : "Signos s ã o u m s u p o r t e n e c e s s á r i o d o p e n s a m e n t o . P a r a o p e n s a -
m e n t o socializado (estágio d a c o m u n i c a ç ã o ) e p a r a a q u e l e e m vias d e socializar*
se (estágio d a f o r m u l a ç ã o ) , o s i s t e m a d e s i g n o s m a i s u s u a l é a l i n g u a g e m p r o -
p r i a m e n t e d i t a . M a s o p e n s a m e n t o interior, e s p e c i a l m e n t e q u a n d o c r i a t i v o , d e
b o m g r a d o u s a o u t r o s s i s t e m a s d e s i g n o s , q u e s e j a m m a i s flexíveis, m e n o s
padronizados do q u e a linguagem e deixem mais liberdade, mais dinamismo
p a r a o p e n s a m e n t o criativo."
O que confirma Peirce, pois para este autor só p e n s a m o s c o m signos e
os p e n s a m e n t o s s ã o c o n d u z i d o s p o r t r ê s e s p é c i e s d e s i g n o s , s e n d o , n a s u a m a i o -
ria, a q u e l e s "da m e s m a e s t r u t u r a geral d a s p a l a v r a s " , t e n d o , p o r isso m e s m o ,
u m c a r á t e r s i m b ó l i c o . M a s os q u e n ã o s ã o a s s i m , s ã o s i g n o s q u e s e r v e m p a r a
complementar ou melhorar a incompletude das palavras. Esses signos pensa-
m e n t o s n ã o - s i m b ó l i c o s s ã o d e d u a s c l a s s e s : figuras, d i a g r a m a s o u i m a g e n s "tais
como aqueles mais ou m e n o s análogos aos sintomas que eu c h a m o de índices
e q u e n o s s e r v e m p a r a a p o n t a r p a r a u m o b j e t o fora d e n ó s " . A s s i m , c a d a t i p o d e
signo "serve p a r a trazer à m e n t e o b j e t o s d e e s p é c i e s d i f e r e n t e s d a q u e l e s r e v e l a -
d o s p o r u m a o u t r a e s p é c i e d e s i g n o s " (C.S.Peirce, 1974: 6.3.38). C o m o s e p o d e
ver, o p r ó p r i o p e n s a m e n t o j á é i n t e r s e m i ó t i c o , o u seja, o v e r b a l e o n ã o - v e r b a l
interagem nele.
Estes aspectos servem para demonstrar a capacidade tradutora do
c é r e b r o h u m a n o e m r e l a ç ã o a o t e m a q u e n o s o c u p a , o u seja, a c o l a b o r a ç ã o
e n t r e o sensível e o inteligível. E s t a s c a p a c i d a d e s i n t e r p e n e t r a m - s e e t r a d u z e m ¬
se p a r a d e t o n a r a c r i a ç ã o , o pensamento interior. Já quando a arte entra n o está¬
gio d e f o r m u l a ç ã o , s u r g e a e s p e c i a l i z a ç ã o p e l o " r a c i o c í n i o p e r c e p t u a l " e a s s i m
a a r t e se d o a a o m u n d o c o m o a r t e d e t e r m i n a d a ( m ú s i c a / p i n t u r a / d a n ç a / c i n -
e m a / e t c . ) d e s m i s t i f i c a n d o , c o m isso, a i d e o l ó g i c a d i c o t o m i a e n t r e t e o r i a e
p r á t i c a , s a b e r e fazer.

ARTE/CIÊNCIA: SIMILARIDADES

As m e n t e s c i e n t í f i c a s e a r t í s t i c a s s ã o s e n s í v e i s à s a n a l o g i a s e s i m i l a r i -
dades icônicas c o m o b e m registrou Einstein. T a m b é m Kekulé (químico a l e m ã o
d o s é c u l o XIX), o u s o u " p e n s e r e n s e r p e n t " ( A u g u s t o d e C a m p o s ) , o u seja, e l e
criou a fórmula da molécula d o benzeno e m analogia (G. Jung) com o
" U r o b o r o s " ( s e r p e n t e q u e s e m o r d e a c a u d a ) . E E d g a r d Allan P o e c o m s e u
e n s a i o "A Filosofia d a C o m p o s i ç ã o " , s e a u t o - i n t i t u l a " e n g e n h e i r o literário" a o
m o s t r a r o p r o c e s s o d e c o m p o s i ç ã o literária q u e p a r t e d o s efeitos p a r a as c a u s a s
(feedback) n a narrativa verbal. Já Meyerhold criava suas "marionetes" para o
" t e a t r o - m á q u i n a " s e g u n d o o s p r i n c í p i o s d o s a u t ô m a t o s e m s í n t e s e c o m o estilo
simbolista.
Por o u t r o lado, h á i n ú m e r o s signos icônicos e diagramáticos q u e con-
t e m traços pan-semióticos e q u e agem c o m o verdadeiros princípios orde-
n a d o r e s e s p a c i a i s e t e m p o r a i s q u e , c o m o a S e c ç ã o Á u r e a o u m e s m o a série d e
Fibonacci (entre outros), foram usados e m todas as artes: arquitetura, cinema,
p i n t u r a , c e r â m i c a , m ú s i c a , e s c u l t u r a , gráfica, fotografia, i n s t a l a ç ã o e t c .
A apropriação pelo artista d e e s q u e m a s representacionais de c u n h o
c i e n t í f i c o c o n s t i t u i - s e n u m r e c u r s o lícito e n e c e s s á r i o , d e c a r á t e r i n t e r t e x t u a l ,
q u e , t r a n s p o s t o p a r a u m a n o v a o r d e m ( m e s m o q u e seja d e s o r d e m ) , servirá a o
artista para p e n s a r e elaborar as suas idéias e/ou modelos mentais.
I s t o , p o r q u e o a r t i s t a é sensível à s a p a r ê n c i a s d a r e p r e s e n t a ç ã o c i e n t í -
fica, q u e é o l u g a r o n d e s e i n s t a l a a d i m e n s ã o e s t é t i c a d a c i ê n c i a . A s s i m c o m o
existe n a c i ê n c i a u m a e s t é t i c a d o s i m p l e s (os r e t â n g u l o s á u r e o s d e G u s t a v
F e c h n e r , p o r ex.), existe t a m b é m u m a e s t é t i c a d o c o m p l e x o (as m e t á f o r a s e n t r e
u m chip e diagramas utilizados nas diversas culturas q u e sugerem a relação
a n a l ó g i c a e m e t a f ó r i c a q u e p r o c u r a a s s i m i l a r o m e n o s a o m a i s familiar, o
d e s c o n h e c i d o a o c o n h e c i d o ) , c o m o í n t i m a c o n e x ã o e n t r e i m a g e n s visuais e
p o é t i c a s e o p e n s a m e n t o sensível e p r o d u t i v o d e o u t r o .
Mas, entre o uso estrutural de elementos da ciência e seu uso
metafórico, h á u m abismo. É o abismo existente e n t r e o não-verbal e o verbal.
A c o n d i ç ã o : t e r a c o n s - c i ê n c i a d e q u e n ã o se e s t á f a z e n d o c i ê n c i a . C o n f o r m e
c o m A d o r n o ( J 9 8 3 : 8 3 ) , é m u i t o fácil d e m o n s t r a r q u e o s a r t i s t a s , e n t u s i a m a d o s
c o m a n o m e n c l a t u r a científica, c o m e t e m m u i t o s erros e q u e a terminologia q u e
e m p r e g a m p a r a s e u s p r o c e s s o s a r t í s t i c o s n ã o c o r r e s p o n d e às r e a l i d a d e s q u e
c o m e l e s t r a t a d e significar. E L o t m a n (1981: 28): " Q u a n t o m a i s a a r t e for a r t e
e a ciência, ciência, t a n t o mais específicas serão as suas funções culturais e
t a n t o m a i s o d i á l o g o e n t r e e l a s s e r á possível e f e c u n d o " .
C a b e a q u i a s s i n a l a r u m e x e m p l o n o t á v e l n a a r t e visual: é o t r a b a l h o d e
E s c h e r , q u e s e a p r o p r i a d a s e s t r u t u r a s d a s r e l a ç õ e s F i g u r a / F u n d o (teorizadas
p i o n e i r a m e n t e pelo psicólogo da Gestalt E.Rubin e m 1915) para construir com
i n o v a ç ã o e s t é t i c a s e u s u n i v e r s o s e s p a c i a i s e u - t ó p i c o s , a m b i g u a m e n t e figura-
tivos e r e l a c i o n a i s .
A d i m e n s ã o e s t é t i c a d a c i ê n c i a r e s i d e n o m o d o , o u seja n o " c o m o " o
cientista representa seu objeto e n ã o n o "quê" representa. Já a dimensão cien-
tífica d a a r t e r e s i d e n a s e s t r u t u r a s e/ou d i a g r a m a s o r d e n a d o r e s q u e são s e u
próprio objeto- finalidade-sem-fim. E P. Valéry a r r i s c a : "As a r t e s n ã o t ê m m é t o -
do, t ê m m o d o " . D a í q u e r e s u l t a i n a d e q u a d o f a l a r m o s e m " p r o g r e s s o " o u m e s m o
e m "evolução" n a s a r t e s . M e s m o n a s s é r i e s a r t í s t i c a s q u e s e u t i l i z a m d a s t e c -
nologias d e r e p r e s e n t a ç ã o e d e c o n c e i t o s c i e n t í f i c o s p a r a a t i n g i r d e t e r m i n a d o s
objetivos ( r e a l i s m o r e n a s c e n t i s t a , r e a l i s m o fotográfico, a r e p r o d u t i b i l i d a d e n a
gravura, logo c o n s e g u i d a p e l a via d a fotografia e f o t o m e c â n i c a , e n t r e o u t r a s ) ,
n ã o explicam a q u a l i d a d e a s s i g n a d a a u m R e m b r a n d t , u m G o y a o u u m C a r r i e r
B r e s s o n , p o r e x e m p l o . " E u n ã o e v o l u o , e u viajo" (F. P e s s o a ) . D a m e s m a f o r m a
q u e n ã o existe u m a c i ê n c i a "artística", t a m p o u c o existe u m a a r t e a d j e t i v a d a d e
"científica". Aliás, n ã o existe n e m u m a e s t é t i c a ( e s p e c u l a ç ã o , reflexão) de
c u n h o científico. O q u e existe, s i m , s ã o c r u z a m e n t o s " i n t e r t e x t u a i s " e n t r e c i ê n -
cia e a r t e .
O a r t i s t a fica, p o r t a n t o , n e s s e n a m o r o ( m a l c o r r e s p o n d i d o ) c o m a c i ê n -
cia, s e d u z i d o c o m a f o r m a " c o m o " o c i e n t i s t a codifica s e u o b j e t o . I s s o e s t á
claro, a pesquisa t e m u m c o m p r o m i s s o c o m a verdade (relação signo-objeto) d o
c o n h e c i m e n t o d e s e u o b j e t o e a a r t e c o m as q u a l i d a d e s d o o b j e t o q u e c r i a : obje-
to-finalidade-sem-fim.
A r t e ( p r o d u t o ) n ã o é p e s q u i s a (stricto sensu), m e s m o q u e esta faça
p a r t e (lato-sensu) d e s e u p r o c e s s o . A p e s q u i s a ( p r o c u r a ) d e m a t e r i a i s , c o r e s , for-
mas, temas, sons, diagramas, movimentos, enfim, matérias primas e procedi-
m e n t o s h e u r í s t i c o s , e t c , s e c a r a c t e r i z a c o m o m e i o e n ã o c o m o fim. O a r t i s t a ;
a s s i m , o p e r a c o m o o "bricoleur": "Isto t a m b é m p o d e servir".
L é v i - S t r a u s s ( 1 9 7 6 : 3 7 - 5 5 ) nos e n s i n a q u e "o a r t i s t a t e m , p o r s u a vez,
algo d e c i e n t i s t a e d e ' b r i c o l e u r ' " . (...) " D i s t i n g u i m o s o h o m e m d e c i ê n c i a e o
b r i c o l e u r p e l a s f u n ç õ e s i n v e r s a s q u e , n a o r d e m i n s t r u m e n t a l e final, c o n f e r e m
ao acontecimento e à estrutura, u m criando a c o n t e c i m e n t o s ( m u d a r o m u n d o )
por meio de estruturas, e outro, estruturas por meio de acontecimentos". É o
p e r c u r s o d o a r t i s t a a o i n v e n t a r a s u a p o é t i c a d e tal f o r m a q u e , e n q u a n t o a o b r a
se faz, se i n v e n t a o m o d o d e fazer.
A arte não t e m compromisso com a verdade e sim c o m a estesia ou
s e n s i b i l i d a d e (aliás, algo i n s t á v e l ) . A s s i m , a a r t e s e m o s t r a m a s n ã o d e m o n s t r a .

ARTE/CIÊNCIA: DIFERENÇAS

A pesquisa e m ciência é caracterizada pela indagação sobre u m objeto


codificado e m l i n g u a g e m , s e n d o q u e , t a n t o o b j e t o c o m o l i n g u a g e m s ã o t a m b é m
investigados e i n q u i r i d o s a p a r t i r d e u m a m e t a - l i n g u a g e m . A p e s q u i s a , a s s i m ,
trata de transmitir informação e c o n h e c i m e n t o sobre o objeto pesquisado,
requer, portanto, o distanciamento crítico necessário p a r a poder abordar e
determinar seu objeto desde todos os p o n t o s d e vista possíveis. O c r u z a m e n t o
d o s p o n t o s d e vista e l i m i n a o s u b j e t i v i s m o , d e l i m i t a e d e f i n e a v e r d a d e s o b r e o
o b j e t o p e s q u i s a d o . I s t o , d e a c o r d o c o m o "princípio d e i n c e r t e z a " e t a m b é m
c o m o c o n c e i t o d e N i e l s B o h r s o b r e a r e l a t i v i d a d e d o c o n h e c i m e n t o . Diz B o h r
(via Arnkeim, 1980: 2 2 3 ) , q u e t o d a s a s i n f o r m a ç õ e s s o b r e u m o b j e t o a t ô m i c o ,
obtidas através de diferentes planos experimentais, são complementares.
Para o artista, a partir de u m conceito d e arte c o m o divergência da
n o r m a , d o c ó d i g o e d a c o n v e n ç ã o n a g e r a ç ã o d e i n t e r p r e t a n t e s (significados), a
a r t e i n s t a l a u m d e s a r r a n j o n o s h á b i t o s , c r e n ç a s , expectativas e c o n v e n ç õ e s
i n s t i t u í d a s c o m o significados e s t a b e l e c i d o s . D e a c o r d o c o m o p o e t a : " u m a o b r a
d e a r t e d e v e r i a e n s i n a r - n o s s e m p r e q u e n ã o h a v í a m o s visto o q u e v e m o s . A e d u -
c a ç ã o p r o f u n d a c o n s i s t e e m desfazer a e d u c a ç ã o primitiva" (Valéry, 1991: 145).
N ã o foi o u t r a a p e r c e p ç ã o d e M a r c e l D u c h a m p n o " G r a n d e Vidro"
( i n a c a b a d o e m 1 9 2 3 ) , q u a n d o fez d a i r o n i a e d a a t i t u d e a n t i m e c â n i c a os s e u s
antídotos a o utilizar pseudo-geometrias n a criação das "máquinas delirantes"
(O. Paz). M e s m o o gesto d u c h a m p i a n o , anti-técnico e inutilizador da função do
objeto ao transformá-lo e m ready-made, é criador da diferença (crítica),
homologando a indeterminação e contradição humanas.
A i n d a m a i s , o a r b í t r i o d a c r i a ç ã o a r t í s t i c a p e r m a n e c e visível n a o b r a
a c a b a d a , e n q u a n t o é e l i m i n a d o n a c r i a ç ã o c i e n t í f i c a p e l o r e c u r s o à verificação
e à c o n s t r u ç ã o lógica d u r a n t e a f o r m u l a ç ã o . A o b r a a r t í s t i c a é a s s i m m a i s i n d e -
p e n d e n t e , e s t a e l a b o r a - s e s o b o p r i n c í p i o d o p a r a d i g m a , d o m o d e l o , d o singu-
lar, d o " e t e r n o r e t o r n o " , j á a o b r a c i e n t í f i c a é e l a b o r a d a s o b o s i g n o d o geral, d o
s i n t a g m a , d o p r o g r e s s o "e e s t á ligada a t o d o o edifício d a c i ê n c i a " (Moles,
1981). T a m b é m , e n q u a n t o a o b r a científica p r o c u r a a m o n o s s e m i a e o "inter¬
p r e t a n t e final", a o b r a a r t í s t i c a p r o c u r a a p o l i s s e m i a ( " a b e r t u r a " à s m u i t a s i n t e r -
p r e t a ç õ e s ) . A q u i é q u e s e verifica e s s a t r a n s m i s s ã o d o p r o c e s s o c r i a d o r d o
artista para o espectador, que é a característica da arte.
P o r o u t r o l a d o , o "texto a r t í s t i c o " t e m u m c a r á t e r " m o d e l i z a n t e " p o r q u e
se p r o j e t a s o b r e a r e a l i d a d e d e s e u p r ó p r i o m o d e l o (Lotman: 1981: 19). £ P a u l
Valéry ( 1 9 9 1 : 140): "As c i ê n c i a s e a s a r t e s d i f e r e m p r i n c i p a l m e n t e n i s t o , q u e as
p r i m e i r a s d e v e m visar r e s u l t a d o s c e r t o s o u e n o r m e m e n t e prováveis; as s e g u n -
das p o d e m esperar apenas resultados de probabilidades desconhecidas".
T a m b é m p a r a E . G o m b r i c h , o objetivo p e r s e g u i d o p e l o a r t i s t a n ã o é
u m a p r o p o s i ç ã o v e r d a d e i r a c o m o n a c i ê n c i a , s e n ã o u m efeito p s i c o l ó g i c o . "Tais
efeitos p o d e m s e r e s t u d a d o s , m a s n ã o p o d e m s e r d e m o n s t r a d o s " .
C o m o disse M a r c e l D u c h a m p : " N ã o h á s o l u ç ã o p o r q u e n ã o h á problema".

ARTES E CIÊNCIAS: INTERDISCIPLINARIDADE

Mas, c o m o diz A r n h e i m (1980: 312), "o e n s i n o d a a r t e n ã o p o d e s e r


eficaz s e n ã o s e t e m u m a i d é i a c o r r e t a d e p a r a q u e serve a a r t e e s o b r e q u e
versa". P a r a r e s p o n d e r a e s t a q u e s t ã o , d e v e m o s levar e m c o n t a q u e a s várias
"esferas" que se articulam na dimensão cultural ou "universo simbólico estru-
turado" são a matéria-prima das práticas culturais, são abstrações, não o
próprio real na sua concretude. Dessa forma, a "esfera ideológica", como
campo nuclear da cultura (sistemas de representações, valores e crenças); a
"esfera cognitiva" (como sistema de conhecimentos científicos); a "esfera artís-
tica" (como forma multifacetal e contraditória de apropriação "sensível" do
real); e a "esfera técnica" (modos de proceder das várias práticas), interagem e
se recobrem (Srour, 1978: 37). Desde esse ponto de vista, a "esfera artística"
multifacética se apropria e interage, contraditória e não antagonicamente, com
o resto das "esferas". É o que acontece no século XVIII; quando as artes se
libertam da esfera ideológica (moral e religião), elas partem para a procura da
própria especificidade e autonomia, surgindo assim: pintura pura, música abso-
luta, escultura pura, arquitetura pura, poesia pura etc., encontrando nesse
processo de busca, novas heteronomias e fatos extra-artísticos. As artes, nessa
procura, terminam se inscrevendo no espírito da geometria, da técnica, da ciên-
cia, da construção e da linguagem.
Mas é com a Revolução Industrial que começa no século XIX a trans-
formação radical das artes, pela influência dos novos códigos, linguagens e
meios de produção, que "alteram maravilhosamente a mesma noção de arte..."
(Valéry, 1957: 1284-1287). Assiste-se assim à transformação operada na for-
mação do artista e nos modelos de ensino.
Dessa forma, o experimentalismo, funcionalismo e sincretismo, cons-
tituem os procedimentos modernos por excelência (Ferrara, 1981: 9-20) que
unem, definitivamente, poética e metalinguagem no campo da arte.
Esta mudança de paradigma vem sendo modificada constante e sis-
tematicamente pela ação dos meios tecnológicos, que, como a fotografia, cria o
"Museu Imaginário" como "imprensa das artes plásticas" (A. Malraux, 1951) e
a reprodutibilidade da obra de arte (W Benjamin, 1980). Processo este que
continua atuante com o crescimento das tecnologias de base informática e
eletrônica que providenciam recursos e instrumentos para todas as atividades
humanas, incluída a arte. Por outro lado, temos que reconhecer, com Adorno
(1983: 82), "que a técnica é um constitutivo da arte do passado na proporção
incomparavelmente mais relevante do que a admitida por essa ideologia cul-
tural que nos pinta a era por ela denominada técnica como uma corrompida
continuação de outras em que reinava a espontaneidade humana".
Pode se constatar então fluxos/refluxos, tensões/distensões, aproxi-
mações/distanciamentos, somas/exclusões entre as diversas esferas e, portanto,
entre os pensamentos científico e artístico. O fazer-pensar arte na universidade
significa o estabelecimento de laboratórios vivos que vão de encontro ao esgo-
tamento do campo dos possíveis mediante métodos heurísticos. Isto é crítico
em relação ao modelo romântico, como cultura do ego expressivo, e aos mitos

Plaza 45
d o i n c o n s c i e n t e e d a falácia d a " l i n g u a g e m p r ó p r i a " . O f a z e r - p e n s a r a r t e sociali-
za, a s s i m , a s p o é t i c a s e i l u m i n a a s p r á t i c a s a r t í s t i c a s d e m o n s t r a n d o q u e p r e c i s -
a r o i m p r e c i s o é s e m p r e u m possível.
O a r t i s t a - t e ó r i c o p õ e e m p r á t i c a u m a a ç ã o c o n t e m p l a t i v a , d e exami¬
n a d o r e e s p e c u l a d o r s i s t e m á t i c o . C o m l u c i d e z vai a o e n c o n t r o d o s p r i n c í p i o s
q u e f u n d a m e n t a m a sua arte. É neste sentido q u e ele se opõe ao mistério e à
i n g e n u i d a d e e m a r t e , p o i s "o i n c o n s c i e n t e s ó f u n c i o n a a p l e n a satisfação q u a n -
d o a consciência c u m p r e s u a missão até o limite das suas possibilidades"
( A r n h e i m , 1980: 2 2 6 ) . Assim, o m e r a m e n t e lúdico, é completado pelo lúcido,
pois Mestre é aquele q u e d o m i n a as regras d e seu jogo.
O s a r t i s t a s q u e r e m e n t e n d e r c o m o se p r o c e s s a o fazer, e s t e é s e u sig-
n i f i c a d o . E s t e q u e r e r - s a b e r - d o - f a z e r é ir a o e n c o n t r o d a m e t a l i n g u a g e m p r ó p r i a
d o a r t i s t a , o u seja, a q u e l a q u e diz r e s p e i t o à P o é t i c a c o m o p r o c e s s o formativo
e o p e r a t i v o d a o b r a d e a r t e . D e tal f o r m a q u e , e n q u a n t o a o b r a s e faz, s e i n v e n -
t a o m o d o d e fazer.
H á , c o n t u d o , m u i t a s a r t e s , c o m e s p e c i f i c i d a d e s , c o m p l e x i d a d e s e for-
m u l a ç õ e s p r ó p r i a s , m a s o s dois e l e m e n t o s c o n s t i t u i n t e s d o p r i n c í p i o criativo, a
" f o r m a ç ã o e s p o n t â n e a " e o "ato c o n s c i e n t e " , s ã o c o m u n s a t o d a s e l a s . " O reflex-
ivo s u c e d e n d o a o e s p o n t â n e o e viceversa, d e n t r o d o s c a r a c t e r e s p r i n c i p a i s d a s
o b r a s , m a s e s t e s f a t o r e s e s t ã o s e m p r e p r e s e n t e s " (Valéry, 1957: 1412-1415).
C o n c l u i - s e q u e a i n t u i ç ã o s e m c o n c e i t o n ã o existe e q u e o c o n c e i t o
s e m a i n t u i ç ã o é vazio, a s s i m "a a r t e é a u n i ã o d o i n s t i n t o ( i n t u i ç ã o ) c o m a
i n t e l i g ê n c i a " (F. P e s s o a ) .
É esta a relação q u e e n t e n d o deve ser e s t u d a d a e m qualquer Poética
( s í n t e s e o p e r a t i v a d o f a z e r - p e n s a r ) , u t i l i z a n d o - s e , p a r a isso, d o c r u z a m e n t o ilu-
m i n a d o r d e t o d a s a s a r t e s e c i ê n c i a s c o m o m e i o s possíveis (o q u e a p o n t a p a r a
u m a c o m p a r a ç ã o e n t r e e l a s ) . A s s i m , o raciocínio perceptual ( s a b e r sensível) e o
p e n s a m e n t o c o m o interação combinatória (a p r o c u r a d o inteligível), c o n s t i t u e m
o c e n á r i o d o p e n s a m e n t o criativo, d e f o r m a c o r r e l a t a , c o m p l e m e n t a r , c o o p e r a -
tiva, i n t e r d i s c i p l i n a r e m u l t i m í d i á t i c a n o i n t u i t o d e p e n s a r - f a z e r a luz.
Bibliografia

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ARNHEIM, Rudolf. Hocia una psicologiadelarte. Madrid, Alianza Editorial, 1980.
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