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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

GEFERSON SANTANA

O COMBATE DAS IDEIAS


ESTRATÉGIAS CULTURAIS DOS INTELECTUAIS COMUNISTAS
BAIANOS NA PRODUÇÃO DE UM NOVO CONHECIMENTO SOBRE
O BRASIL (1920-1937)

GUARULHOS - SP
1
2017
GEFERSON SANTANA

O COMBATE DAS IDEIAS


ESTRATÉGIAS CULTURAIS DOS INTELECTUAIS COMUNISTAS
BAIANOS NA PRODUÇÃO DE UM NOVO CONHECIMENTO SOBRE O
BRASIL (1920-1937)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História da Escola de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas (EFLCH) da
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) para
obtenção do título de Mestre em História sob a
orientação da Profa. Dra. Maria Rita de Almeida
Toledo.

Área de Concentração: História e Historiografia


Linha de Pesquisa: Poder, Cultura e Saberes

GUARULHOS - SP
2017

2
GEFERSON SANTANA1

O COMBATE DAS IDEIAS


ESTRATÉGIAS CULTURAIS DOS INTELECTUAIS COMUNISTAS
BAIANOS NA PRODUÇÃO DE UM NOVO CONHECIMENTO SOBRE O
BRASIL (1920-1937)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História


da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH) da
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) para obtenção do título
de Mestre em História sob a orientação da Profa. Dra. Maria Rita de
Almeida Toledo.

BANCA EXAMINADADORA DE DEFESA:

Profa. Dra. Maria Rita de Almeida Toledo (Orientadora)


Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de História

Prof. Dr. João Adolfo Hansen (Titular)


Universidade de São Paulo (USP)
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas

Profa. Dra. Ana Paula Palamartchuk (Titular)


Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes
Departamento de História

Profa. Dra. Edilene Teresinha Toledo (Suplente)


Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de História

Prof. Dr. Carlos Zacarias Figueirôa de Sena Junior (Suplente)


Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de História

1
Correio eletrônico: santanageferson@gmail.com

3
Para minha estimada família, especialmente
meus pais Edna e Raimundo, meus avós
Antônia e Waldemar Santana (in memoriam),
meus irmãos e sobrinha Maria Júlia.

4
AGRADECIMENTOS

Agradecer não é uma tarefa fácil, especialmente neste

momento, porque muitas pessoas colaboraram para que eu pudesse

chegar até aqui. O grande medo é esquecer pessoas que foram

importantes de algum modo em minha formação acadêmica, ou

mesmo que contribuíram de outra maneira.

Quero deixar meu primeiro agradecimento à minha família.

Meus pais, avós maternos e irmãos foram fundamentais para que eu

pudesse chegar aqui. Meus pais são minha inspiração, pois sempre

tiveram que fazer muitos sacrifícios pelos filhos e garantir nossa

permanência na escola, quando ainda éramos estudantes da

educação básica. Graças a eles todos nós conseguimos concluir o

Ensino Médio.

Agradeço a minha querida orientadora Maria Rita de Almeida

Toledo, que chamo carinhosamente de Maíta, pelo apoio incondicional

à pesquisa. Tive a sorte de estar nestes últimos três anos sob a sua

orientação e a considero uma intelectual extremamente competente,

generosa, compreensiva, parceira; uma ótima leitora e amiga. Não

tenho palavras para expressar minha gratidão.

Sou filho da escola pública. Por isso, quero agradecer aos

professores da educação básica. Eles me deram as primeiras

ferramentas para continuar os estudos. Poderia citar diversos nomes,

mas corro o risco de esquecer alguns. Deixo a todos os professores

5
que passaram pela minha trajetória escolar e a escola pública meu

carinho, admiração e total respeito.

Sou igualmente grato aos professores da Universidade Federal

do Recôncavo da Bahia (UFRB) por terem sido fundamentais na

minha formação de historiador. Professores como Fábio Duarte Joly,

Lucileide Costa Cardoso, Fabrício Lyrio, Leandro de Almeida, Walter

Fraga, Isabel Reis, Antonio Liberac, Luiz Antonio de Araújo, Rita

Almico, Tânia Santana, Marta Lícia de Jesus, Camila Santiago, Suzane

Pinho (Curso de Museologia), Marco Antônio Nunes, Amilcar Baiardi

(curso de Ciências Sociais), Roberto Evangelista, Nuno Gonçalves,

Wellington Castellucci Júnior, Sérgio Guerra Filho, Marta da disciplina

de Psicologia da Educação, Maria Regina Moura. Sou grato pelas

discussões dentro e fora da universidade.

Não posso deixar de mencionar a Pró-Reitoria de Políticas

Afirmativas e Assuntos Estudantis (PROPAAE) da UFRB. Fui assistido

pelo programa de 2009 (quando ingressei) a 2013 (quando terminei

a graduação), na modalidade Moradia Estudantil, com o qual tinha

direito a um valor mensal para comprar alimentos, considerando que

o campus em Cachoeira ainda não tinha – e não tem - Restaurante

Universitário (RU). Também fui beneficiado com os auxílios de

compra de livros, viagens e compra de óculos pelo referido programa.

Tenho certeza que não teria concluído a Licenciatura em História sem

o apoio da PROPAAE.

6
Agradeço aos professores do Programa de Pós-Graduação em

História (PPGH) da UNIFESP, pelas discussões e críticas a meu

projeto de pesquisa como professor Fabiano Fernandes, Fabio

Franzini, Wilma Peres Costa, Vitor Marcos Gregório, Marta Maria

Chagas de Carvalho, Mariana Villaça, Edilene Teresinha Toledo, Fábio

Atique. Sem a aposta do programa em meu projeto não teria

chegado até aqui. As colaborações que deram à pesquisa foram

fundamentais no aprimoramento e mudanças de rumo da mesma.

Cada leitura foi aproveitada para a escrita da dissertação.

Quero agradecer a todos os colegas do mestrado que

compartilharam a sala comigo e leram meu projeto nas disciplinas.

Poderia citar nomes, mas com certeza iria esquecer de alguns.

Contudo, não poderia deixar de citar pessoas como Verinha (vulgo

Veris) e Edevard (vulgo Ed), senão me matariam (risos). Brincadeiras

à parte, as conversas e passeios pela cidade de Guarulhos e São

Paulo foram experiências incríveis, e das quais irei lembrar pelo resto

da minha vida. Espero que, num futuro não tão distante, possamos

nos reencontrar novamente pelas terras do Nordeste.

Quero agradecer a todos os funcionários do Arquivo Público de

Cachoeira, Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB) Biblioteca

Pública do Estado da Bahia (BPEB), Academia de Letras da Bahia

(ALB), Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), Bibliotecas

da Universidade de São Paulo (USP), Instituto de Estudos Brasileiros

(IEB-USP), Centro de Documentação e Memória da UNESP (CEDEM),

7
Bibliotecas da Universidade Federal da Bahia (UFBA), pois foram

cruciais na localização, nem sempre exitosa, dos arquivos que

precisei para a pesquisa. Aproveito para registrar a colaboração do

amigo e irmão Elias Santos, pela ajuda que me deu na digitalização

de fontes nos arquivos baianos e por ter paciência em escutar meus

desabafos em várias conversas por telefone ou redes sociais.

Agradeço a meu irmão Rogério Santana! Não tive a honra de

conviver com ele na sala de aula, por sermos de turmas diferentes,

mas tive a sorte de tê-lo como amigo durante nossa estada na

Residência Estudantil da UFRB. Hoje, somos irmãos na vida. Rogério

não apenas leu meu projeto de pesquisa, como “criou tempo” para ler

os primeiros rascunhos dos capítulos da dissertação, fazendo

valiosíssimos comentários.

Também agradeço a colaboração de Fábio Duarte Joly (UFOP) e

Rodrigo Patto Sá Motta (UFMG) pelas leituras iniciais que fizeram de

meu projeto de pesquisa, quando eu ainda era estudante de

graduação. Também agradeço à professora Célia Cardoso (UFS) e

Raimundo Nonato (UNEB) por terem participado de minha banca de

defesa de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e contribuído no

andamento da investigação.

Não poderia esquecer a professora Lucileide Costa Cardoso,

hoje no Departamento de História da UFBA, por ter me orientado na

graduação. Tive a honra de trabalhar com ela no Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação Científica e Tecnológica (PIBIC)

8
da UFRB e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia

(FAPESB). As bolsas de Iniciação Científica (IC) me ajudaram a dar os

primeiros passos para o desenvolvimento da pesquisa que desenvolvi

no mestrado. Obrigado pelas discussões, orientação, conversas

informais e amizade.

Agradeço aos arguidores da banca de qualificação de mestrado

João Adolfo Hansen (USP/UNIFESP) e Ana Paula Palamartchuk (UFAL)

pelas colaborações valiosas. Eu e Maíta tivemos o cuidado de anotar

todas as sugestões e corremos o máximo possível para melhorar o

trabalho.

Por último, e não menos importante, agradeço ao

financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São

Paulo (FAPESP), identificado pelo processo de número 2014/12349-0.

Também agradeço ao parecerista que avaliou meu projeto de

pesquisa e consequentemente seus relatórios (2015 e 2016)

aprovados com “excelência” na instituição. Sem esse apoio não teria

desenvolvido a investigação e garantido minha permanência na

cidade de Guarulhos, do estado de São Paulo.

9
PEREGRINO ERRANTE

Minha voz é a voz de um orphão do mundo


que sonhou junto a amigos um sonho de poesia.
Mas o sonho morreu e a gloria está perdida
vejo olhos descrentes numa noite sem estrelas
vejo a agonia distante de uns corpos queridos.

Minha voz é a voz de todos os descrentes,


dos mendigos sorrindo e das virgens chorando.
Onde está o sentido desta vida passada?
Onde andam os orphãos sem serenidade?
- Eu me unirei a vós como um irmão errante.

Os amores da infancia, os amores perdidos


não voltam aos nossos peitos assim como nasceram.
Gabriella morreu, morreu a pobre Lucia
sou o poeta andando só nas ruas tristes
a minha voz agora é a voz do deserto.

Aydano do Couto Ferraz2

2
FERRAZ, Aydano do Couto. Peregrino errante. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, p. 25,
12 de nov. 1938.

10
RESUMO

Esta pesquisa visou investigar a atuação dos intelectuais comunistas


no estado da Bahia em finais da década de 1920 a início de 1937.
Enveredar por este recorte de pesquisa nos permitiu entender o
envolvimento dos sujeitos da investigação com agremiações e
correntes literárias como a Academia dos Rebeldes (AR) e o
movimento regionalista nordestino. Para tanto, analisamos os
romances do escritor Jorge Amado, que tomaram o realismo dos
regionalistas como referente para a criação de suas obras, como
também o realismo socialista enquanto modelo estético - imposto
pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) aos Partidos
Comunistas (PCs) e consequentemente a seus escritores e artistas.
Na última parte da pesquisa debruçamo-nos sobre a atuação dos
comunistas no debate sobre os problemas de classe, raça e as
questões étnico-religiosas no Brasil. Para tanto, analisamos o
processo de organização do II Congresso Afro-Brasileiro realizado em
Salvador em 1937 e seus resultados. Demonstramos que a inserção
dos temas em questão estavam em diálogo com as diretrizes do
Partido Comunista do Brasil (PCB), que se esforçava por inserir o
negro na classe proletária brasileira. Nesse sentido, entendemos que
as discussões alimentadas por Jorge Amado, Edison Carneiro e
Aydano do Couto Ferraz em jornais, revistas e livros ou mesmo nos
anais dos congressos afro-brasileiros estavam a serviço de um
aprofundamento das ideias promovidas pelo partido sobre o “negro
proletário”.

Palavras-chave: Intelectuais comunistas; Movimento regionalista;


Romance proletário; Negro e classe; Realismo socialista.

11
ABSTRACT3

This research aimed at investigating the actions of communist


intellectuals in the state of Bahia in the late 1920s to the early 1937.
By making this research on this temporality it allowed us to
understand the involvement of the subjects of our research with
literary associations such as the Rebel Academy (AR) and the
Northeastern regional movement. In order to do so, we analyze the
writings of the writer Jorge Amado, which took the realism of the
regionalists as a reference for the creation of his works, as well as
socialist realism as an aesthetic model – imposed by the Union of
Soviet Socialist Republics (USSR) and consequently to their writers
and artists. In the last part of the research, we focus on the
communists' role into the debate about the problems of class, race
and ethno-religious issues in Brazil. Therefore, we analyze the
process of the organization of the II Afro-Brazilian Congress held in
Salvador in 1937 and its results. We have shown that the issues in
question were in dialogue with the guidelines of the Communist Party
of Brazil (PCB), which endeavored to insert the Negro into the
Brazilian proletarian class. In this way, we understand that the
discussions proposed by Jorge Amado, Edison Carneiro and Aydano
do Couto Ferraz in newspapers, magazines and books or even in the
annals of the Afro-Brazilian congresses were at the service of a
deepening movement of the ideas promoted by the party on the
"black proletarians".

Keywords: Communist intellectuals; Regionalist movement;


Proletarian romance; Black and class; Socialist realism.

3
Agradeço ao amigo Wilson Badaró pela tradução.

12
SUMÁRIO

I – Introdução ............................................................................... 15

Capítulo I - Jorge Amado, Edison Carneiro e Aydano do Couto


Ferraz: o cenário intelectual de Salvador (1920-1930) .................. 43
1. 1 - Salvador e os movimentos literários ............................................ 44
1. 2 – A Academia dos Rebeldes e a “nova militância” literária
soteropolitana ................................................................................... 72

Capítulo II – Sociabilidades e circulação de modelos estéticos: a


construção da trajetória de Jorge Amado ...................................... 93
2. 1 – A crítica literária aos romances de Jorge Amado e a construção do
movimento regionalista ..................................................................... 93
2. 2 – Jorge Amado e o realismo socialista do romance proletário .......... 117

Capítulo III – Os romances de Jorge Amado na década de 1930:


trabalho, cotidiano e tensões sociopolíticas na Bahia .................. 147
3. 1 – O realismo de O país do carnaval ............................................. 149
3. 2 – O romance proletário “Cacau”: exploração e desumanização dos
trabalhadores do campo ................................................................... 170
3. 3 – Os trabalhadores da cidade e os conflitos entre classes ............... 182
3. 4 – Entre o Rio Paraguaçu e a Baía de Todos os Santos: pescadores e
relações de trabalho na natureza ....................................................... 197

Capítulo IV – As mulheres proletárias nos romances realistas


amadianos ................................................................................... 205
4. 1 – As operárias do fumo: a exploração de trabalho e as questões de
gênero ........................................................................................... 205
4. 2 – As “operárias do sexo”: sociedade patriarcal, “higienismo” social e
desigualdade de gênero .................................................................... 214
4. 3 – As lavadeiras ganham as ruas: conflitos sociais e relações de poder
..................................................................................................... 233

Capítulo V – Raça, classe e identidade étnico-religiosa nos escritos


dos intelectuais comunistas baianos............................................ 242
5. 1 – O Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e os debates sobre a
nação e a raça................................................................................. 243

13
5. 2 – Nina Rodrigues e as discussões em torno da Faculdade de Medicina
da Bahia ......................................................................................... 256
5. 3 – Classe, raça e candomblé no prisma dos intelectuais comunistas .. 267

Considerações finais ................................................................... 314

Referências .................................................................................. 318

14
INTRODUÇÃO

A presente dissertação foi financiada pela Fundação de

Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e tem como

objeto os intelectuais comunistas baianos.

Pretendíamos, no ponto de partida, entender a atuação dos

intelectuais baianos na luta antifascista liderada pelos Aliados

(França, Inglaterra, EUA) e apoiada pelo governo de Getúlio Dornelles

Vargas, no Brasil, durante a Segunda Guerra Mundial. Refletindo

sobre as dificuldades enfrentadas pelos comunistas brasileiros no

Estado Novo, procurávamos entender os diversos elementos que

dificultaram e permitiram a movimentação comunista na sociedade

baiana das décadas de 1930 a 1940.

Acabamos mudando de rumo devido às novas questões que

foram surgindo em diálogo, via pareceres dos relatórios, com o

parecerista da FAPESP, e entendemos que existia um rico debate em

torno da atuação desses intelectuais nos anos de 1920 a 1930 que

precisava ser analisado não apenas no sentido da apreciação de

fontes pouco exploradas, como também de revisão historiográfica.

Para tanto, escolhemos dois campos de embate nos quais esses

intelectuais atuaram: o campo literário; o campo, em constituição,

dos estudos da cultura afro-brasileira. Essas escolhas nos levaram às

produções literárias de Jorge Amado, um dos intelectuais cuja

atuação no Partido Comunista do Brasil (PCB) e no próprio campo

15
literário foi central. Amado tomou como referência o modelo estético

do movimento regionalista e do realismo socialista da União das

Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) de Josef Stalin para

construir seus romances. Já para o campo dos estudos afro-

brasileiros elegemos como sujeitos centrais Edison Carneiro e Aydano

do Couto Ferraz, além de Jorge Amado. Esses intelectuais tiveram

papel central nos debates sobre raça e classe, dentro e fora do PCB,

cujos marcos aparecem consolidados na realização do II Congresso

Afro-Brasileiro em 1937, na Bahia, promovido por eles mesmos.

Nosso problema de investigação foi compreender a fase inicial

de formação desses intelectuais que se tornaram militantes

comunistas em Salvador e alimentaram as pautas construídas pelo

PCB nos anos de 1930 em torno do negro e do problema racial no

Brasil.

(Des)Caminhos de uma proposta de pesquisa

Nosso ponto de partida para a investigação foi a bolsa do

Programa de Permanência Qualificada (PPQ) da PROPAAE, que no

período tinha caráter de IC. Todos os estudantes beneficiados com as

políticas públicas de permanência estudantil deveriam ingressar num

projeto de pesquisa de um dos cursos de graduação, entregar

relatórios semestrais registrando as atividades acadêmicas.

O desenvolvimento do plano de trabalho “Mito, política e

religião na obra de Jean-Pierre Vernant”, sob a orientação do Prof.

16
Dr. Fábio Duarte Joly, foi importante para o surgimento do objeto da

pesquisa de mestrado. Com sua saída, a orientação do mesmo ficou

com a Profa. Dra. Lucileide Costa Cardoso4. Mudar de orientador, ao

mesmo tempo, acabou reordenando o rumo da pesquisa. Novas

indagações foram lançadas ao objeto de investigação, especialmente

àquelas condizentes com a trajetória política e intelectual de Jean-

Pierre Vernant, o que ajudou no entendimento de sua atuação no

Partido Comunista Francês (PCF) e Resistência Francesa durante a

Segunda Guerra Mundial, e como impactaram na maneira como

refletiu sobre a política e o mito do mundo helênico.

A apreciação da trajetória política e intelectual do helenista

francês excitou leituras sobre movimentos comunistas e Segunda

Guerra Mundial. O que despertou uma curiosidade sobre os

intelectuais comunistas brasileiros e seus envolvimentos com o

desenrolar da guerra em solos brasileiros, especialmente na Bahia.

Passamos, então, a pesquisar a atuação dos intelectuais comunistas

baianos no plano “Os intelectuais comunistas e a repercussão da

Segunda Guerra Mundial na Bahia (1939-1945)”5. Com a nova

proposta de pesquisa pudemos fazer um mapeamento e digitalização

preliminar das fontes no arquivo da Biblioteca Pública do Estado da

4
Pesquisa vinculada ao projeto de pesquisa Produção Memorialística e
Historiográfica e as Imagens do Autoritarismo no Brasil, do grupo de pesquisa
Memórias, Ditaduras e Contemporaneidades (UFBA), ambos sob a coordenação
de Lucileide Costa Cardoso.
5
Pesquisa sob o financiamento inicial do IC da UFRB em 2011, depois da
FAPESB entre 2011-2012.

17
Bahia (APEB). É desta investigação que surge a proposta do

mestrado.

No projeto de mestrado, originalmente, a intenção era estudar

a atuação dos intelectuais comunistas baianos nas linhas de combate

aos fascismos (inclui-se, especialmente, o caso alemão e italiano)

presentes nas diretrizes do PCB, entre os anos de 1942 a 1945, na

Bahia. A escolha do recorte temporal teve como base o impacto que a

declaração de guerra feita pelo governo de Vargas ao Eixo

(Alemanha, Itália e Japão), em ocasião dos bombardeamentos -

supostamente de autoria dos nazistas6 - pelos fascistas às costas

marítimas baianas e sergipanas, em agosto de 1942, exerceu sobre o

cotidiano da vida sociopolítica e cultural do estado da Bahia.

Elegemos como sujeitos os intelectuais comunistas Walter da

Silveira, Jorge Amado, Rui Facó, Mário Alves dentre outros, levando

em consideração a importância que eles ganharam no cenário de

combate ao fascismo e propagação do pensamento comunista no

período em questão. A presença do grupo foi marcante nos jornais O

Imparcial7, O Momento8 e na revista Seiva9. Outros intelectuais que

6
A autoria dos bombardeios ocorridos em 1942 é problematizada pelo
historiador Hélio Silva. Ele viveu o processo de esforço de guerra em São Paulo,
mas, segundo suas informações – oriundas das pesquisas feitas em jornais e
outros documentos - não se tinha certeza quanto a autoria dos ataques às
costas marítimas brasileiras (Bahia e Sergipe) naquele ano. Da mesma forma,
ou que houve muita especulação da imprensa sobre o assunto. Ver SILVA,
Helio. 1942: A guerra no continente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1972.
7
Teve como diretor-chefe, a partir da década de 1940, o jornalista Wilson Lins,
amigo de Jorge Amado, filho do coronel anticomunista e dono do jornal Franklin
Lins de Albuquerque, oriundo das elites do São Francisco. Ainda esclarece-nos

18
não constavam da proposta original foram inseridos, devido à

extrema relevância de seus escritos como Ferraz e Carneiro, que

escreveram textos literários e científicos dialogando com as diretrizes

do PCB.

A frente antifascista assumida pelo governo de Getúlio Vargas

simbolizava um paradoxo: de um lado, foi amparada pelo governo, a

partir de 1942; de outro, ganhou sustentação nas bases do partido

dos comunistas por meio de seus militantes. Essa luta foi liderada no

cenário internacional por potências imperialistas, denominadas, como

Aliados. No caso do Brasil, a política internacional do Estado Novo10,

Wilson Lins, em sua autobiografia, que Jorge Amado ficou na sua casa quando
retornou para Salvador. Franklin Lins que era anticomunista acolheu o escritor
apenas devido ao laço de amizade entre os dois intelectuais baianos. LINS,
Wilson. Aprendizagem do absurdo: uma casa após outra; memórias. Salvador:
Secretaria de Cultura e Turismo/ EGBA, 1997.
8
Carlos Zacarias de Figueirôa de Sena Junior informa-nos que “[...] no dia 9 de
abril de 1945, a exatos 9 dias do decreto presidencial que concederia a anistia,
e há dois meses da realização do Pleno Ampliado do CR da Bahia que havia
deliberado pela sua criação, chegava às bancas de jornais de Salvador o novo
impresso do Partido Comunista do Brasil, na Bahia, de periodicidade semanal,
chamado O Momento. O semanário, publicado em 12 páginas e em formato
tablóide, trazia, na página principal do seu primeiro número, as fotografias de
Luiz Carlos Prestes, de Octávio Mangabeira e de Armando Salles de Oliveira,
numa matéria onde se pedia “Anistia ampla e irrestrita”. SENA JUNIOR, Carlos
Zacarias Figueirôa de. Os impasses da estratégia: os comunistas e os dilemas
da União Nacional na revolução (im)possível – 1936-1948. 2007. p. 259. Tese
(Doutorado em História) – Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2007.
9
A revista fundada em 1938, pelo empresário e jornalista João Falcão, se
tornou um verdadeiro “microclima” intelectual, no qual as redes de
sociabilidades criaram um espaço de debate entre intelectuais comunistas e não
comunistas nacionais e internacionais. Na Seiva e, posteriormente, no jornal
comunista O Momento, os intelectuais comunistas foram consolidando seus
pensamentos político partidários, amadurecendo intelectualmente, organizando
o Comitê Regional-BA do PCB e fortalecendo seus níveis de influência sobre o
poder compartilhado pelas elites baianas tradicionais, ainda muito
conservadoras.
10
É preciso entender que o período Vargas tem fortes relações com o fascismo.
Para a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, o governo brasileiro tinha
características marcantes do fascismo europeu como “(...) a idéia de um Estado

19
repressor e violento, apoiou-se no partido opositor, perseguido e

posto na ilegalidade, desde meados da década de 1930.

A contraditoriedade da situação nos fez formular o seguinte

questionário de investigação: Como os militantes comunistas

analisaram a declaração de guerra do governo brasileiro ao Eixo

(Alemanha, Japão, Itália), considerando as afinidades que este tinha

com os fascismos, em especial o italiano? Quais objetivos partidários

levaram os militantes vinculados ao PCB a se envolverem no conflito

mundial contra as ditaduras fascistas, levando em conta a própria

conjuntura brasileira? É possível dimensionar o lugar da política

internacional e o da nacional nas opções de ação adotadas por esse

partido em relação à frente antifascista? Quais diretrizes os

comunistas traçaram como militância na Segunda Guerra Mundial em

vistas a fortalecer o Partido e ampliar sua atuação no Brasil? Quais

estratégias os comunistas usaram para romper as barreiras

repressivas do governo varguista? O que desejavam os comunistas

com a defesa da proposta de abertura democrática entre os anos de

1930-40? Como analisaram a imagem do presidente Vargas antes e

durante o Estado Novo? E de que forma ele, Vargas, aparece em seus

escritos publicados nos periódicos?

forte, a personificação do poder central, a crítica à democracia parlamentar, a


luta contra a pluralidade de partidos, (...), a adoção de uma política imigratória
anti-semita (...)”, além da censura, da repressão enquanto instrumento de
violência, da propaganda como terror e do anticomunismo. TUCCI CARNEIRO,
Maria Luiza. O Estado Novo, o Dops e a ideologia da segurança nacional. In:
PANDOLFI, Dulce. (Org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed.
Fundação Getúlio Vargas, 1999, p.334.

20
Os problemas de pesquisa mencionados respaldaram a

construção dos objetivos da investigação. Nosso interesse central era

entender como os intelectuais mencionados se engajaram no

movimento democrático e antifascista instituído no governo Vargas

durante a Segunda Guerra Mundial e, atrelado a esse objetivo

central, construímos os objetivos específicos da pesquisa: 1.

Investigar como os intelectuais comunistas polemizaram,

socializaram e engajaram-se em redes de sociabilidades comunistas e

não comunistas, assim como estimularam movimentações populares

para combater os fascismos, em especial quando acontece a

declaração de guerra do Brasil ao Eixo; 2. Entender as estratégicas

usadas pelo movimento comunista para driblar o aparato repressivo

do governo Estado Novo e as imagens sobre Vargas que foram

construídas nos escritos engajados de guerra como crônicas, artigos,

entrevistas, circulares, discursos publicados em periódicos; 3.

Perceber como aparecem nos discursos dos intelectuais comunistas

as questões relacionadas aos assuntos internacionais, como o

envolvimento da URSS com a guerra, situação política nos países que

compõem o Eixo e Aliados, arregimentação para a libertação de

países como a França, Itália e nações do continente africano do

domínio dos fascistas; 4. Identificar os elementos identitários

nacionais, regionais e locais que foram usados para alcançar o

objetivo de arregimentação dos baianos e demais habitantes das

21
Américas contra os fascismos, em especial o alemão liderado por

Adolf Hitler e italiano por Benito Mussolini.

No início da investigação, nossos interesses estavam

especificamente voltados para a atuação dos intelectuais comunistas

na década de 1940, mas as recomendações do parecerista da FAPESP

nos fizeram recuar para década de 1930, com intuito de tentarmos

verificar discursos dos intelectuais comunistas listados no projeto

original sobre a Intentona Comunista e outros eventos políticos no

recorte espacial da investigação. Consideramos relevante traçar o

itinerário intelectual dos comunistas, tentando captar as experiências

anteriores às suas vivências no PCB. O que resultou numa análise do

cenário intelectual baiano, na década de 1920 e 1930, para entender

como os comunistas conseguiram visibilidade numa sociedade

marcada pela dominação das elites dirigentes que restringiam os seus

jornais, revistas, Faculdade de Medina, Escola Politécnica, Faculdade

de Direito, Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) e

Academia de Letras da Bahia (ALB) para os intelectuais vinculados às

suas facções políticas e redes familiares11.

11
Sobre o cenário intelectual da Bahia e suas instituições formadoras ver:
SILVA, Paulo Santos. Âncora de tradição: luta política, intelectualidade e
construção do discurso histórico na Bahia (1930-1945). Salvador: EDUFBA,
2000; SILVA, Aldo José Morais. Instituto Geográfico e Histórico da Bahia:
Origem e estratégias de consolidação constitucional (1894-1930). 2006. 256
fls. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal da Bahia. Salvador,
2006; FONTES, Rafael Oliveira. A Seiva de uma juventude: intelectualidade,
juventude e militância política (salvador, Bahia, 1932-43). 2011. 164 fls.
Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana, 2011; COSTA,
Iraneidson Santos. A Bahia já deu régua e compasso: o saber médico legal e a

22
Mesmo num cenário dominado pelas elites soteropolitanas,

ainda extremamente fascinadas pela cultura europeia, intelectuais

como Jorge Amado conseguiram projeção e visibilidade, abrindo

espaço para a atuação de outros intelectuais que seriam igualmente

importantes na década de 1930 como Aydano do Couto Ferraz e

Edison Carneiro. Reiteramos que mesmo estando Jorge Amado

residindo no Rio de Janeiro, em 1931, para concluir o ensino

secundário e ingressar no superior, não deixou de fazer visitas

constantes à Bahia para coletar material para seus romances e visitar

amigos e familiares12.

Cabe-nos considerar que a passagem de Amado, Carneiro e

Ferraz pela agremiação Academia dos Rebeldes (AR), entre os anos

1927 a 1931, representa os primeiros espaços para o confronto direto

com os grupos familiares e políticos das elites soteropolitanas, assim

como redes de intelectuais conservadores e moderados para tentar

estabelecer novos diálogos com a sociedade baiana. Essa agremiação

literária foi liderada por João Amado Pinheiro Viegas, após sua saída

do grupo dos poetas da Baixinha13.

questão racial na Bahia, 1890-1940. 1997. 327 fls. Dissertação (Mestrado em


História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal
da Bahia. Salvador, 1997.
12
Consultar: RAILLARD, Alice. Conversando com Jorge Amado. Rio de Janeiro:
Record, 1992; AMADO, Jorge; GOMES, Alvaro Cardoso. Jorge Amado. São
Paulo: Abril Educação, 1981; ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Jorge
Amado: política e literatura: um estudo sobre a trajetória intelectual de Jorge
Amado. Rio de Janeiro: Campus, 1979.
13
Ver discussão em: SOARES, Ângelo Barroso Costa. Academia dos Rebeldes:
modernismo à moda baiana. 2005. 207 fls. Dissertação (Mestrado em

23
Os rebeldes, como se denominavam os membros da AR,

queriam uma produção literário-científica disposta a entender os

elementos regionais e locais enquanto constitutivos da nacionalidade,

assim como queriam representar em seus livros a cultura dos afro-

brasileiros, que entendiam ser fundamental no esforço de

deslindamento da “alma do Brasil”. Como demonstraremos no

primeiro capítulo, o mesmo esforço poderá ser notado no grupo da

revista Arco & Flexa, liderado por Carlos Chiacchio - formulador do

tradicionismo dinâmico -, o que entendemos como diligências de

grupos que alinhados com o regionalismo tradicionalista de Gilberto

Freyre e José Lins do Rego, queriam construir um movimento

regionalista nordestino que versasse sobre as questões sociais,

culturais e econômicas da região Nordeste e que pudessem ser

entendidas como integrantes da identidade nacional14.

O realismo como modelo estético foi adotado pelo grupo das

correntes regionalistas, servindo como referência para a literatura

amadiana e os escritos dos demais. A vivência de Jorge Amado entre

os rebeldes, especialmente com o Pinheiro Viegas e Carneiro, foi

Literatura e Diversidade Cultural) – Departamento de Letras e Artes da


Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana, 2005.
14
Cf. TÁTI, Miécio. Jorge Amado: vida e obra. Belo Horizonte: Editoria Itatiaia
Limitada, 1961; RAILLARD, op. cit.; SILVA, Âncora de tradição: luta política,
intelectualidade e construção do discurso histórico na Bahia (1930-1945);
SOARES, op. cit.; ROSSI, Luiz Gustavo Freitas. O intelectual “feiticeiro”: Édison
Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil. 2011. 221 fls.
Tese (Doutorado em Antropologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2011; ALVES, Ivia. Arco &
Flexa: contribuição para o estudo do Modernismo. Salvador: Fundação Cultural
do Estado da Bahia, 1978.

24
extremamente importante. Notamos que no primeiro romance, O país

do carnaval, o autor se inspirou em algumas características de seus

amigos, assim como dos problemas da geração a qual pertenceu para

construir seus personagens. Jorge Amado tomou sua vivência e as

discussões que aconteciam na AR como referência, coisa que deixou

claro nas entrevistas que cedeu a diferentes pesquisadores15.

É preciso, por outro lado, levar em conta que o realismo dos

regionalistas não foi o único modelo estético adotado por Amado. No

longo processo de consolidação da URSS, Josef Stalin organizou um

movimento de dissolução de organizações artístico-literárias que não

estivessem de acordo com o realismo socialista enquanto modelo

estético oficial do governo soviético. A nova estética foi imposta para

os PCs do mundo inteiro e consequentemente seus escritores e

artistas. Grosso modo, aí compreende a estética dos romances

amadianos dos anos de 1930, como Cacau (1933), Suor (1934),

Jabiabá (1935), Mar morto (1936) e Capitães de areia (1937)16.

15
Sobre as discussões teóricas sobre realismo e o realismo na obra amadiana
ver: PELLEGRINI, Tânia. Realismo: postura e método. Letras de Hoje, Porto
Alegre, v. 42, n. 4, p. 137-155, dez. 2007; PALAMARTCHUK, Ana Paula. Os
novos bárbaros: escritores e comunismo no Brasil (1928-1948). 2003. 367 fls.
Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Campinas. São Paulo, 2003; ZHDANOV, Andrei.
Soviet Literature - Richest in Ideas, Most Advanced Literature. In: Gorky,
Radek, Bukharin, Jdanov and others “Soviet Writers‟ Congress 1934", Lawrence
& Wishart, 1977. Transcribed by Jose Braz, Andy Blunden and Hasan. Oline
version. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/index.htm.
Acesso em: 20 de ago. 2016; LUKÁCS, Georg. Ensaios sobre literatura. Rio de
Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1965.
16
ALMEIDA, op. cit.; TÁTI, op. cit.; BARBOSA, Júlia Monnerat. Militância política
e produção literária no Brasil (dos anos 30 aos anos 50): as trajetórias de
Graciliano Ramos e Jorge Amado e o PCB. 2010. 403 fls. Tese (Doutorado em

25
O I Congresso de Escritores Soviéticos, ocorrido em 1934, na

cidade de Moscou, pode ser entendido como o auge da política

cultural promovida pela URSS, no qual Andrei Zhdanov, o formulador

do realismo socialista, fez várias exaltações às conquistas da

sociedade soviética como o desenvolvimento econômico e poder de

influenciar na tomada de decisões no cenário internacional. Todavia,

o que mais nos interessa neste discurso é a forma como ele

apresenta o realismo socialista e sua função de ser um “manual” para

os escritores, tidos como um dos três pilares da nova ordem político-

governamental estabelecida na URSS, e que curiosamente são

chamados de “engenheiros da alma humana”17.

Notamos que é a partir de Cacau, que Amado remodela seu

fazer literário, deixando em evidência as questões de classe,

demonstrando sua aproximação com a estética proposta pela URSS e

o PCB. Entendemos que a mudança se dá devido ao ingresso do

escritor baiano, sob a influência de Rachel de Queiroz, na Juventude

Comunista (JC), quando estudante da Faculdade de Direito do Rio de

História) – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal


Fluminense. Niterói, 2010; PALAMARTCHUK, Os novos bárbaros: escritores e
comunismo no Brasil (1928-1948); PALAMARTCHUK, Ana Paula. Ser intelectual
comunista: escritores brasileiros e o comunismo (1920-1945). 1997. 172 fls.
Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1997; ROSSI, Gustavo. As
cores da revolução: A literatura de Jorge Amado nos anos 30. 2004. 166 fls.
Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2004.
17
ZHDANOV, op. cit.; NAPOLITANO, Marcos. A relação entre arte e política:
uma introdução teórico-metodológica. Temáticas (UNICAMP), v. 37-38, p.25-
56, 2011; PIEMONTE, Víctor Augusto. El realismo socialista, la Tercera
Internacional y el giro politico-cultural en el comunismo argentino. In: VII
Jornadas de Sociología de la UNPL, 2012, Argentina, p. 1-23; LUKÁCS, op. cit.

26
Janeiro. Amado, na entrevista que cedeu a Alice Raillard, levantou a

suspeita de que poucos líderes do PCB leram Karl Marx, ressaltando,

no entanto, que muitos escritores estrangeiros inspirados no realismo

soviético (norte americanos, ingleses, alemães e soviéticos) foram

lidos por escritores comunistas brasileiros, como o romancista alemão

Kurt Klaber.

Os romances escritos segundo o modelo literário soviético

deveriam representar as experiências do proletariado, atendendo à

necessidade de expressar a realidade, a ponto de servir como

instrumento didático-pedagógico e entretenimento para as classes

operárias do mundo. A literatura soviética deveria ser uma oposição

ao tipo de literatura das classes burguesas, considerada como

decadente e pornográfica18.

Óbvio que os intelectuais comunistas baianos não

representaram as ideias comunistas apenas por meio da literatura.

Sujeitos como Carneiro e Ferraz foram atuantes sobre questões

condizentes ao negro e ao candomblé, publicando artigos em

periódicos, anais de eventos como os congressos afro-brasileiros,

ocorridos respectivamente em Recife (1934) e Salvador (1937)19.

18
PIEMONTE, op. cit.; ZHDANOV, op. cit.; NAPOLITANO, op. cit.; DIAS, Fabio
Alves dos Santos. Do realismo burguês ao realismo socialista: um estudo sobre
a questão da herança cultural no pensamento de Lukács nos anos 1930. 2014.
250 fls. Tese (Doutorado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2014.
19
LIMA, Aruã Silva de. Comunismo contra o racismo: autodeterminação e
vieses de integração de classe no Brasil e nos Estados Unidos (1919-1939).
2015. 251 fls. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015; ROSSI, O

27
Ferraz e Carneiro ganharam notoriedade e acabaram se

tornando referências nos estudos sobre a cultura negra e repressão

aos terreiros de candomblé baianos. Seus escritos são importantes

para entendermos o quanto a cultura negra e a questão racial

tornaram-se focos centrais desses intelectuais. Apreendemos que o II

Congresso Afro-Brasileiro foi um espaço usado pelos comunistas para

debater as questões em torno da ideia de “raça” e “classe” segundo

as orientações do PCB, como serviu de ponte para a fundação de

outros lugares de sociabilidade e articulação política como a União

das Seitas Afro-brasileiras, que teve apoio do governador Juracy

Magalhães20.

Os debates sobre as questões raciais na Bahia, percorreram

espaços bem delimitados, especialmente aqueles que defendiam a

supremacia branca. A produção literário-científica dos comunistas

confrontou-se diretamente com esse pensamento, combatendo o

racismo e exploração do negro. O que nos exigiu um esforço de

aprofundamento dos estudos historiográficos que se debruçaram

sobre instituições como Faculdade de Medicina e IGHB, que podem

ser entendidas como espaços de aglutinação de intelectuais que

defendiam, em sua maioria, a ideia de inferioridade negra.

intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de estudos das relações


raciais no Brasil.
20
Ver no item “Fontes” os artigos de Ferraz e Carneiro publicados em jornais e
revista. Também consultar: CARNEIRO, Edison. Religiões negras: notas de
etnografia religiosa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981; __________,
Edison. Negros Bantos: notas de etnografia religiosa e de folclore. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.

28
Questões teórico-metodológicas

A investigação exigiu o mapeamento de vários tipos de fontes

que permitissem entender o objeto de pesquisa. Dentre elas,

destacamos as obras literárias produzidas por Amado na década de

1930. Esses romances nos permitiram entender os modelos estéticos

tomados como referência por Amado, especialmente os aspectos

relacionados aos “tipos” e “cenários” por ele representados nos livros.

Tivemos que fazer um mergulho em artigos publicados em periódicos

nacionais e internacionais dos críticos literários e escritores que se

debruçaram a obra do escritor comunista. Tais textos de época nos

permitiram entender o processo de recepção da obra amadiana entre

os intelectuais de vários países, especialmente da França, Portugal,

Brasil, Chile e outros.

Consideramos relevante apontar que os artigos dos críticos

literários e escritores, da década de 1930, permitiram-nos refletir

sobre as próprias regras em vigência do “fazer literário” e as

exigências que a produção artístico-literária teria que atender para

ser considerada de qualidade. A análise desse conjunto crítico nos

permitiu compreender o modo como Amado se apropriou de um dos

principais imperativos da época: a busca pela identidade do Brasil.

Acreditamos que nossa iniciativa foi importante, porque concluímos

que os livros amadianos não destoavam daquilo que estava sendo

produzido pela conhecida “geração de 30”.

29
Mapeamos vários artigos de Amado, Edison Carneiro e Aydano

do Couto Ferraz para entendermos como se posicionaram frente a

determinados temas como o racismo e repressão ao povo de santo

baianos. Foi por meio desse garimpo em jornais de vários estados

brasileiros que conseguimos constituir um corpo sólido de fontes que

nos dessem condições de explorar os vários discursos em torno dos

afro-brasileiros e o candomblé.

Os anais do II Congresso Afro-Brasileiro, artigos em periódicos,

assim como as cartas de Carneiro e Arthur Ramos, nos deram

condições de constituir as etapas da organização do evento

coordenado por Carneiro e Ferraz. A documentação nos permitiu

localizar sujeitos e discursos sobre a cultura e a situação

socioeconômica da população negra baiana, assim como, sobre a

perseguição aos candomblés. Localizamos algumas das articulações

políticas que tiveram o povo de santo como público alvo, como a

fundação da União das Seitas Afro-Brasileiras pelos comunistas,

pesquisadores, pais e mães de santo.

Partindo do corpo documental que reunimos, e atentando para

seu caráter político, entendemos que seria interessante começarmos

pela coletânea Por uma história política, organizada pelo historiador

francês René Rémond. Este autor, juntamente com Jean-François

Sirinelli estiveram empenhados na consolidação da Nova História

Política, que ao contrário da Velha História Política, centra suas

preocupações, a partir de 1980, nos micropoderes presentes na vida

30
cotidiana e uso político dos sistemas de representação21. Ao mesmo

tempo, a coletânea representa um manifesto dos intelectuais em prol

da “desmarginalização” de pequenos sujeitos no campo da História,

assim como a valorização de temas até então pouco discutidos como

as mídias, biografias, partidos, guerras, os sujeitos comuns e suas

relações com as esferas de micro e macro poder.

Com a Nova História Política, as relações políticas passaram a

ser observadas a partir das diversas instâncias das realidades sociais.

No viés interpretativo de Rémond22, o político está intimamente

entrelaçado aos vários âmbitos da vida em sociedade, e, para

entendê-lo, é necessário atentar para as estruturas sociais. Conforme

o autor, para além do aspecto individual, a História Política estava

solidificando suas bases na ideia de que não são as ações individuais

que mudam ou condicionam o rumo de um evento e sim os

interesses de grupos que se confrontam e dão sentido à conjuntura23.

Esta nova perspectiva desconstrói uma visão personalista da ação

política, retirando o protagonismo das mãos de figuras isoladas, como

monarcas e ditadores.

21
BARROS, José D‟ Assunção. História Política e História Social. In: ________,
José D‟ Assunção. O campo da História: especialidades e abordagens. Rio de
Janeiro: Vozes, 2004, p. 106.
22
RÉMOND, René. Do político. In: ________, René. (Org.). Por uma história
política. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2003, p. 441-450.
23
Para Rémond, a política não tem fronteiras naturais e sua definição abrange
o campo do abstrato, sendo o poder o seu objetivo direto. Pelo seu caráter
abstrato, conclui que “ele (o político – grifo nosso) não tem margens e
comunica-se com a maioria dos outros domínios”. Ibidem, p. 444.

31
O autor colabora na compreensão de como os intelectuais

comunistas baianos se relacionaram com a política nas décadas de

1920 e 1930. Porém, ao nos referirmos aos intelectuais estudados,

estamos tratando de uma “cultura política” específica24 e que estava,

no período, em processo de consolidação. A terminologia conceitual

cultura política25, nascida no seio do movimento de renovação da

História Política, inspirado por Rémond26, se propõe a entender “„uma

espécie de códigos e de um conjunto de referentes, formalizados no

seio de um partido ou, mais largamente, difundidos no seio de uma

família ou de uma tradição política‟”27.

A delimitação da cultura política da intelectualidade comunista

baiana será fundamental para o entendimento do grupo de

comunistas do estado da Bahia. Não podemos deixar de pensar

nesses sujeitos como intelectuais, considerando as funções que

24
BERSTEIN, Serge. A cultura política. In: RÏOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI,
Jean-François. (Orgs.). Para uma história cultural. Lisboa: Estampa, 1998, p.
349-363.
25
Para Serge Berstein, a cultura política integra a cultura global da sociedade,
sem, por conseguinte se confundir com ela, porque “(...) o seu campo de
aplicação incide exclusivamente sobre o político”. Entretanto, a cultura política
é dinâmica em função da evolução e complexidade da sociedade e das
associações que faz com outras culturas com o intuito de refletir sobre os
problemas que se propõe a responder e entender num contexto social. Ibidem,
p. 352.
26
Ibidem, p. 349.
27
Conforme explicitou Pierre Rosanvallon, a busca pelo entendimento das
culturas políticas atreladas às vivências de grupos e partidos tem como eixo
condicionante a busca pela compreensão do presente; é um dos esforços para o
fortalecimento do que denominou de “histoire conceptuelle du politique”. O
aprofundamento das fontes poderá nos permitir entender a cultura política de
uma intelectualidade comunista dita de esquerda entre as décadas de 1920 e
1930. ROSANVALLON, Pierre. Por uma história conceitual do político. Revista
Brasileira de História, São Paulo, v. 15, n. 30, p. 9-22, 1995. Cf. BERSTEIN, op.
cit., p. 350.

32
exerceram na sociedade baiana, não apenas no sentido político, como

cultural e social. Segundo Sirinelli:

Por esta última razão, é preciso, a nosso ver, defender


uma definição de geometria variável, mas baseada em
invariantes. Estas podem desembocar em duas
acepções do intelectual, uma ampla e sócio-cultural,
englobando os criadores e „mediadores‟ culturais, a
outra mais restrita, baseada na noção de engajamento.
No primeiro caso estão abrangidos tanto o jornalista
como o escritor, o professor secundário como o erudito.
Nos degraus que levam a esse primeiro conjunto
postam-se uma parte dos estudantes, criadores ou
„mediadores culturais‟ em potencial, e ainda outras
categorias de „receptores‟ em potencial, e ainda outras
categorias de „receptores de cultura‟. (…) Estes últimos
podem ser reunidos em torno de uma segunda
definição, mais estreita e baseada na noção de
engajamento na vida da cidade como ator – mas
segundo modalidades diferentes, como por exemplo, a
assinatura de manifestos.28

A definição do autor é extremamente apropriada para os

sujeitos de nossa pesquisa, pois Carneiro, Ferraz e Amado foram

intelectuais ligados ao PCB, produtores e divulgadores da cultura, nos

livros, jornais, agremições e revistas29, embora exercessem funções

liberais descendentes das elites locais. Somado a isso, o

envolvimento deles com o campo da cultura e política está

relacionado ao fato de serem oriundos de famílias compostas por

28
SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René. (Org.). Por
uma história política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 242-243.
29
Convenhamos que a condição de filhos das elites político-econômicas
representa também uma contradição, considerando que integram a “classe
média” ou “pequena burguesia” e ao mesmo tempo lutaram pelos direitos do
proletariado, lutas sociais, repressão, direitos humanos e todos os temas
sensíveis aos intelectuais. GRAMSCI, Antônio. Cadernos do cárcere, volume 2.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 11; BOBBIO, Norberto. Os
intelectuais e o poder: duvidas e opções dos homens de cultura na sociedade
contemporânea. São Paulo: Editora UNESP, 1997, p. 58-60. Isto reforça a
sugestão de Rémond ao expor que o comportamento político dos intelectuais
merece por si só um estudo aprofundado. SIRINELLI, op. cit., p. 231.

33
intelectuais, fundamentais no processo de formação desses jovens30.

Antônio Gramsci31 nos ajuda a localizá-los como intelectuais

orgânicos32, por terem conseguido autoridade e influência nos

debates públicos com o exercício da cultura. Esses intelectuais

comunistas representavam o grupo que lhe dava legitimidade e

homogeneidade; nesse caso, o movimento comunista sediado em

Salvador.

Os espaços familiares delimitavam o processo inicial de

formação do indivíduo, como sinalizavam os tipos de ambientes que

as crianças frequentavam. Atrelados aos ambientes familiares, os

ginásios, faculdades, bares, ruas, células, espaços de reuniões,

organizações e redações de periódicos eram lugares onde as redes de

sociabilidade33 se configuravam promovendo debates, criação de

projetos, surgimento de ideias, decisões, cisões, laços de amizade,

fortalecimento dos laços consanguíneos, atrações ideológicas e

30
Antônio Gramsci nos ajuda a elencá-los como intelectuais orgânicos30, por
que conseguiram autoridade e influência nos debates públicos com o exercício
da cultura. Esses intelectuais comunistas representavam o grupo que lhes
davam legitimidade e homogeneidade, e neste caso representavam o
movimento comunista sediado em Salvador. Ibidem.
31
Ibidem.
32
Acrescentou Bobbio que: “em um certo sentido, que em parte também era o
sentido gramsciano, todos nós, pelo fato de vivermos em uma sociedade de
cujas lutas participamos, somos orgânicos, no sentido de que somos portadores
de certos valores contra outros, defendemos certos interesses contra outros
(fiquemos atentos ao fato de que, quando acreditamos defender apenas os
interesses dos intelectuais, defendemos na realidade um certo tipo de
sociedade na qual os intelectuais gozam de certos direitos e até mesmo de
alguns privilégios)”. BOBBIO, op. cit., p. 87.
33
Para Sirinelli, compreendem a formação intelectual compartilhada as relações
de parentesco, a formação dos posicionamentos ideológicos, as estratégias de
atuação política e educacional, além dessas experiências conjugadas.
SIRINELLI, op. cit.

34
afetivas, etc. Para Sirinelli34 e Norberto Bobbio35, é fundamental

entendermos que nessas redes de sociabilidade os intelectuais se

organizam em torno de uma sensibilidade ideológica ou cultural

comum que funda a vontade e o gosto de conviver. Os espaços de

sociabilidade nos ajudam a realizar uma arqueologia do itinerário dos

intelectuais analisados, tomando as sociabilidades de origem, pela

idade ou estudos, como aquelas que constituirão, muitas vezes, a

base das redes dos intelectuais adultos36.

Estruturas de sociabilidade precisam ser verificadas nos

microclimas37 que são microcosmos intelectuais particulares, ou como

diz Sirinelli, lugares de verificação das redes38. Nesses espaços,

admitem as atividades e comportamentos de um determinado grupo,

muitas vezes alimentados por laços de amizade e atração

ideológica39. Em termos de sociabilidade, os periódicos, congressos

afro-brasileiros, agremiações literárias e outros tipos de organizações

político-partidárias foram encarados pelos intelectuais como meios

para a organização e difusão de determinadas culturas políticas 40.

34
Ibidem.
35
BOBBIO, op. cit.
36
SIRINELLI, op. cit., p. 249-250.
37
Onde se situa o microcosmo intelectual particular, ou como diz mais
especificamente Sirinelli, lugares de verificação das redes. Ibidem, p. 253.
38
Ibidem, p. 253.
39
Ibidem.
40
Lutar pelo poder é um dos grandes problemas dos homens de cultura, e a
circulação de suas ideias tinha a intenção de expandir seus domínios, pois como
expressou Sirinelli “[...] palavras não passeiam nuas pela rua[...]”. Ibidem, p.
258. Ou seja, as ideias dos comunistas tinham forte ligação com grupo que
participavam, neste caso o do PCB, e permitir o acesso a elas numa sociedade

35
Sirinelli41 e Gramsci42 vão muito além, ao colocarem a importância de

entender não apenas a presença dos intelectuais nas redes de

sociabilidade, como a função desses microclimas ou microcosmos na

fermentação intelectual e relações afetivas como ocorrido com os

intelectuais do PCB nos espaços que construíram e circularam.

As memórias que constam nos relatos (auto)biográficos

elencados como fontes para a pesquisa serão analisadas,

considerando que tendem a falar sobre as experiências de vida43, e

por consequência da vida política dos sujeitos antes e durante suas

atuações no PCB, já que a memória é uma evidência histórica44. A

narrativa de histórias de vida e de acontecimentos ligados a atuação

individual e de um grupo permitem identificar elementos que

demarcam a identidade coletiva, embora partam de memórias

individuais estruturadas pela memória coletiva45.

cada vez mais pluralista é exercer forte influência sobre o ideológico das
camadas sociais.
41
Ibidem, p. 248.
42
GRAMSCI, op. cit., p. 38.
43
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: _________, Pierre. Razões
práticas: sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus, 1996, p. 74-82.
44
ALVES, Júnia de Castro Magalhães. Ficção e auto/biografia: implicações
teóricas. Belo Horizonte, v. 1, p. 43-50, dez. 1997; VERNANT, Jean-Pierre. A
Travessia das Fronteiras: Entre Mito e Política II. São Paulo: EDUSP, 2009;
NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. Projeto
História, São Paulo, n. 10, p. 07-28, 1993; POLLAK, Michael. Memória,
esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15,
p. 1989; LE GOFF, Jacques. Memória. In: História e memória. Campinas, São
Paulo: Editora da UNICAMP, 1990, p. 423-484.
45
POLLAK, Memória, esquecimento, silêncio; VERNANT, op. cit.; POLLAK,
Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5,
n. 10, p. 200-215, 1992. Como bem lembrou Michael Pollak (1989, p.9-10), a
memória notabilizada tem a função de dar coesão ao grupo, pois o que está em
jogo é a individual e do grupo. POLLAK, Memória, esquecimento, silêncio, p. 9-
10.

36
As reflexões de Lucileide Costa Cardoso46 sobre a produção de

(auto)biografias são relevantes para analisarmos as memórias dos

intelectuais militantes que atuaram em torno das pautas do PCB, ou

mesmo movimentos socioculturais e políticos não ligados diretamente

ao partido. Entendemos que estas memórias representam esforços

rememorativos comuns ao indivíduo e ao grupo47. A partir delas

manifestam-se vários discursos sobre o mesmo fato histórico,

ademais, existem grupos de memória que pretendem se projetar

enquanto hegemônicos, e que entram em conflito com a memória

nacional, representando uma espécie de disputa pela memória48.

Poderíamos supor que trazer à tona uma memória ou grupos de

memórias sobre a resistência de pequenos homens ou memórias

subterrâneas49 seria a maneira mais direta de continuar militando

impedindo a hegemonia dos donos do poder sobre a memória

nacional. O esforço de reconstruir o passado a partir da

(auto)biografia remete à ideia do tipo de história que o indivíduo quer

46
CARDOSO, Lucileide Costa. Construindo a memória do regime de 64. Revista
Brasileira de História, São Paulo, v. 14, n. 27, p. 179, 1994.
47
CARDOSO, Lucileide Costa. Dimensões da Memória na Prática Historiográfica.
In: OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos S.; REIS, Isabel Cristina Ferreira dos.
(Orgs.). História Regional e Local: discussões e práticas. Salvador: Quarteto,
2010, v. 1, p. 157.
48
POLLAK, Memória, esquecimento, silêncio; CARDOSO, Construindo a
memória do regime de 64; D‟ALÈSSIO, Márcia Mansor. Intervenções da
memória na historiografia: identidades, subjetividades, fragmentos, poderes.
Projeto História, São Paulo, v. 17, p. 269-280, 1998; CARDOSO, Dimensões da
Memória na Prática Historiográfica; LE GOFF, op. cit.
49
POLLAK, Memória, esquecimento, silêncio, p. 12.

37
contar para a sociedade50. Mas, ao mesmo tempo, conforme comenta

Henry Rousso, a circulação ou “publicização” de memórias coletivas

de grupos no espaço público acaba gerando lugares de confrontação

de histórias, que são na maioria das vezes concorrentes diretos

dentro de espaços alternativos e oficiais do Estado51, colocando em

questão a hegemonia da tradicional história nacional, ou dita oficial.

Não poderíamos esquecer de Philippe Lejeune52 que aborda

uma questão interessante e que dialoga intimamente com as

discussões trazidas até agora, dando ênfase a necessidade de

analisar a identidade posta na (auto)biografia e da “verdade” que

quer representar, estabelecendo um “pacto autobiográfico” com o

leitor53. Surgindo assim, a preferência por estabelecer traços com

precisão, refletir sobre sua história e confrontá-la a outras fontes54.

A composição final do texto

Nos dois primeiros capítulos nomeados respectivamente de

“Jorge Amado, Edison Carneiro e Aydano do Couto Ferraz: o cenário

intelectual de Salvador (1920-1930)” e “Sociabilidades e circulação

50
Pode significar a maneira pela qual o militante encontrou para reavaliar os
rumos de sua trajetória pessoal e do grupo que pertencera. BOSI, Ecléa apud
CARDOSO, Dimensões da Memória na Prática Historiográfica, p. 157.
51
ROUSSO, Henry. Rumo a uma globalização da memória. História Revista,
Goiás, v. 19, n. 1, p. 265-279, jan./abr. 2014.
52
LEJEUNE, Philippe. Autobiografia e ficção. In: Pacto autobiográfico de
Rousseau à internet. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008, p.101-109.
53
CARDOSO, Dimensões da Memória na Prática Historiográfica, p. 159-160;
LEJEUNE, op. cit., p. 104; ALVES, Ficção e auto/biografia: implicações teóricas,
p. 48-49.
54
LEJEUNE, op. cit., p. 105-106.

38
de modelos estéticos: a construção da trajetória de Jorge Amado”

traçamos a trajetória de formação dos comunistas baianos e suas

passagens pela AR entre o final dos anos 1920 e início de 1930, num

cenário intelectual marcadamente conservador, embora existissem

grupos moderados como a Arco & Flexa, ainda ligados aos modelos

estéticos do parnasianismo e do simbolismo.

Ainda tentamos demonstrar a aproximação de Amado e demais

comunistas ao movimento regionalista, que propunha uma literatura

regional que explorasse realidades específicas, mas que dialogassem

com a identidade ou unidade nacional. A inserção de Amado no PCB

acabou o estimulando a tomar a estética do realismo socialista como

modelo. Então, acreditamos que o escritor baiano apropriou-se

desses modelos estéticos para a produção de seus romances.

As discussões dos dois primeiros capítulos foram orientadas

pelo seguinte questionário: Como era o cenário intelectual

soteropolitano das três primeiras décadas? A quais classes sociais

pertenciam os intelectuais que eram legitimados pelas instituições

hegemônicas? Quais eram as diretrizes dos grupos literários vigentes,

e como funcionavam suas revistas? Como o grupo de Jorge Amado se

sociabilizou com as demais agremiações literárias? Como podem ser

caracterizadas as produções literárias resultantes do envolvimento

dos sujeitos da pesquisa com as redes de escritores concentrados em

Salvador? A quais correntes a irmandade literária de Jorge Amado se

associou? Os comunistas se apropriaram de quais modelos estéticos

39
em seus escritos literários? Quais foram as conversas que circularam

nas reuniões feitas pelos escritores em bares e cafés? É no grupo

literário ao qual pertenceu Aydano do Couto Ferraz, Edison Carneiro,

Jorge Amado que acontece suas conversões ao comunismo? Quando

transferido pela família para o Rio de Janeiro, como Jorge Amado se

articulou com as redes de sociabilidade dos intelectuais daquele

estado? Quais foram as diretrizes do socialismo russo que

influenciaram no processo criativo dos escritores comunistas? Quais

autores socialistas influenciaram na escrita dos comunistas baianos?

No terceiro e quarto capítulos denominados respectivamente de

“Os romances de Jorge Amado na década de 1930: trabalho,

cotidiano e tensões sociopolíticas na Bahia” e “As mulheres

proletárias nos romances realistas amadianos”. Neles analisamos os

“tipos” e “cenários” das obras, para problematizar a relação das

personagens - como prostitutas, lavadeiras, pescadores, mestres de

saveiro, mendigos, operários, estivadores e outros - com a realidade

objetiva. Como já dissemos, tomar a vida real, especialmente dos

trabalhadores, como referência não apenas representa aquilo que

exigia o realismo socialista, como também o realismo dos

regionalistas para representar os problemas sociais do povo da região

Nordeste. Então, Amado se esforçou para adequar sua literatura às

exigências do partido e às do movimento regionalista de que

participou.

40
Realmente houve uma adequação da produção literária dos

comunistas ao modelo estético proposto pela URSS e PCB? Quais

foram os elementos culturais, do imaginário, relações sociopolíticas

dos trabalhadores representados por Jorge Amado? Até que ponto

pode ser identificado algum diálogo entre os romances amadianos e a

realidade dos trabalhadores? Existem referências ao realismo

socialista nos romances amadianos? Enfim, estas são algumas das

questões que compunham o questionário para a construção dos

capítulos em questão.

O quinto capítulo intitulado “Raça, classe e identidade étnico-

religiosa nos escritos dos intelectuais comunistas baianos”, está

voltado para as discussões sobre as questões raciais e étnico-

religiosas. Nele traçamos o itinerário dos discursos que circularam em

instituições como a Faculdade de Medicina da Bahia e IGHB, e

tentamos entender a relação de suas ideias com as do médico legal

Nina Rodrigues sobre o negro e o mestiço baianos.

Nesse capítulo, para além das discussões sobre as raças, as

classes e as questões étnico-religiosas, acreditamos que avançamos

com um debate que contribui com as produções historiográficas

existentes, especialmente no que toca a importância do II Congresso

Afro-Brasileiro, em prol do aprofundamento das ideias comunistas

sobre o negro enquanto integrante do proletariado brasileiro. Ou

seja, as discussões travadas por Amado, Carneiro e Ferraz nos

41
jornais, revistas, livros publicados e nos anais dos congressos afro-

brasileiros estavam a serviço do PCB.

Tendo em vista a discussão, elaboramos o seguinte

questionário de fundo: A inserção dos comunistas no campo de

debate sobre as raças os colocou em confronto com quais

instituições? Quais intelectuais comunistas foram mais atuantes em

torno da agenda política do PCB sobre o negro? Como se deu o

processo de articulação dos comunistas para consolidar um

movimento antirracista e combate à repressão policial aos terreiros

de candomblé na Bahia? Os comunistas estiveram engajados nos

congressos afro-brasileiros realizados no país respectivamente em

1934 e 1937?

42
CAPÍTULO I

JORGE AMADO, EDISON CARNEIRO E AYDANO DO


COUTO FERRAZ: O CENÁRIO INTELECTUAL DE
SALVADOR (1920-1930)

Para compreender o ingresso e atuação de Jorge Amado,

Edison55 Carneiro e Aydano do Couto Ferraz no mundo das letras,

tivemos que traçar o itinerário do processo de formação desses

intelectuais e dos espaços de sociabilidade que frequentaram em

Salvador nas três primeiras décadas do século XX.

No final da década de 1920, esses intelectuais ingressaram na

AR56, pequeno grupo que acabou imprimindo na trajetória desses

sujeitos elementos que lhes seriam caros em seus escritos da década

de 1930, como o realismo, a preocupação com as questões

socioeconômicas, valorização da cultura regional e local e da

religiosidade dos habitantes da Baía de Todos os Santos.

O ingresso de Amado no PCB aconteceu em 1932, sob a

influência da escritora cearense Rachel de Queiroz, quando residente

no Rio de Janeiro. Existe dúvida sobre a data de afiliação de Carneiro

55
Encontramos em vários autores duas formas de escrever o nome do
comunista: “Édison Carneiro” e “Edison Carneiro”. Nas cartas para Arthur
Ramos, ele assinou como “Edison Carneiro”, por isso iremos adotar a forma que
o intelectual assinava o próprio nome.
56
Quando usarmos o termo “rebeldes” estamos nos referindo aos jovens da
AR, pois era assim que os membros do grupo se reconheciam, considerando
que estavam indo de encontro a um conjunto de instituições hegemônicas e
conservadoras vinculadas às elites locais. Reiteramos que este é um termo
também usado pelo Ângelo Barroso Costa Soares, em sua dissertação de
mestrado.

43
e Ferraz, a maioria dos estudos historiográficos analisados não

especifica o momento de ingresso, tomando a década de 1930 como

o momento em que se tornaram comunistas. Os artigos publicados

pelos dois últimos intelectuais, entre os anos de 1933 e 1934, na

imprensa baiana e outros estados, serviram de base para

entendermos que eles estavam, pelo menos, “flertando” com o

comunismo naqueles anos.

Curiosamente, é interessante notar, que a AR funcionou apenas

entre 1927 a 1931, o que indica que a conversão deles ao comunismo

desses intelectuais não aconteceu quando estavam na agremiação.

Amado assegurou, por outro lado, que foi ali que seus caminhos

seguiram em direção à esquerda.

Neste capítulo temos por objetivo entender como o grupo

literário ao qual esteve vinculado Amado e seus colegas conseguiu

espaço, e como teve condições de expandir suas ideias numa

sociedade marcada por uma comunidade intelectual fechada e

pertencente às elites locais dominantes. Antes de partirmos para a

análise da AR, cabe-nos introduzir uma apresentação sobre o

panorama da cidade de Salvador e da esfera literária e político-

cultural das duas primeiras décadas do século XX.

1. 1 - Salvador e os movimentos literários

As ruas de Salvador não foram apenas espaços de sociabilidade

dos ricos da cidade. Elas também foram ocupadas por sujeitos das

44
classes sociais mais pobres como as prostitutas, meninos de rua,

operários, estivadores, mulheres dos tabuleiros de acarajés,

lavadeiras... A capital era “muito diferente da atual Salvador,

estendia-se do Barbalho, mais propriamente da ladeira de Água de

Meninos à Barra, passando pelo Santo Antônio Além do Carmo,

Carmo, Pelourinho, Sete Portas, Rua Chile, Nazareth, Aflitos, Campo

Grande e Vitória”57 e:

de toda a Cidade Baixa (Comércio, Bonfim, Ribeira...)


marginalizada. A ligação entre essas „duas cidades‟ era
feita pelas suas ladeiras (Água de Meninos, Tabuão,
Misericórdia e da Montanha), pelos elevadores (Lacerda
e do Tabuão) e planos inclinados (do Pilar e do
Gonçalves).58

O cenário intelectual, sociopolítico, econômico e, até certo

ponto urbanístico, das décadas de 1920 e 1930 no estado Bahia,

poderia ser muito bem representado por um mosaico inspirado nos

cenários construídos por Amado em seus escritos literários do mesmo

momento histórico59. No primeiro romance Amado tentou representar

a Bahia, que era palco caracterizado pela presença de fazendeiros

“ricos de volta da Europa, onde correram igrejas e museus.

Diplomatas a dar ideia de manequins de uma casa de modas

57
FONTES, op. cit., p. 24.
58
Idem.
59
Ver dissertação de mestrado, em vias de defesa na UNIFESP, do colega e
amigo historiador baiano Edevard França Junior intitulada “A Bahia de Agnaldo
“Siri” Azevedo entre sujeitos, práticas, linguagens e temporalidades:
representações da cidade do Salvador no documentário O Capeta Carybé
(1950-1997)”. Trabalho interessante para pensar na representação da Bahia
nos diversos tipos de produções artístico-culturais.

45
masculinas...”60, de políticos “imbecis e gordos, suas magras e

imbecis filhas e seus imbecis filhos doutores”61. O autor, assim como

outros intelectuais dessa época, não se deixou levar pela inspiração

literária eurocêntrica em voga à época.

O romance inicial de Amado, pode ser compreendido como uma

crítica a uma sociedade marcada por tradições eurocêntricas e

conservadoras. Ou, como narrou o próprio autor, uma Bahia que

“parecia uma grande ruína de uma civilização que apenas começara a

florescer”62. Na interpretação de Rafael Fontes, a Bahia foi pensada

por alguns pesquisadores, sobretudo na primeira metade do século

XX, como a “Rainha destronada”, posto que ainda se vivia “das

lembranças de um tempo áureo que muito se passara”63.

Amado tentou representar em O país do carnaval uma

sociedade sob forte influência das famílias ricas, e que se esforçavam

para adaptar-se à realidade europeia com suas roupas de fazer suar,

por serem “quentes, feitas em Londres e Paris a preços elevados” 64.

Há no livro mencionado uma crítica às elites locais e seus esforços de

adaptação ao estilo de vida europeu. Reforçou o autor que, ao

contrário dos brasileiros, os europeus entendiam as peculiaridades

dos trópicos e vestiam-se de acordo com o clima do Brasil, como no

caso da francesa desse primeiro romance, “que traja um vestido

60
AMADO, Jorge. O país do carnaval. Rio de Janeiro: Record, 1980, p. 11.
61
Idem.
62
AMADO, O país do carnaval, p. 30.
63
FONTES, op. cit., p. 23-24.
64
AMADO, O país do carnaval, p. 12.

46
simples de musselina branca”65. Sem dúvida, temos aí uma

condenação às elites que se encontravam em processo de decadência

e desejavam manter o status quo de um passado de riqueza e

exuberância.

Anota o historiador Paulo Santos Silva que as elites

alimentavam o desejo obsessivo de querer experimentar as

tendências em moda na belle époque. Liam-se autores franceses

como Auguste Comte, Émile Durkheim, Anatole France e Henri Berr66,

vestiam-se à moda dos europeus e cultivavam o hábito de conversas

e encontros em cafés da capital baiana67.

Em sua primeira obra, Amado construiu um diálogo entre um

“um senador, um fazendeiro, um bispo, um diplomata e a senhora do

senador”68, para revelar que esses sujeitos tinham coisas em comum

como o pertencimento às classes dirigentes, mesmo círculo religioso

(catolicismo), mesmos preconceitos contra as religiões africanas69 e o

conservadorismo.

- Hoje o feitiço domina. No Norte, senhor bispo, a


religião é uma mistura de fetichismo, espiritismo e
catolicismo. Alias, eu não acredito que Cristo haja
pregado religiões. Cristo foi apenas um romântico judeu
revoltoso. Os senhores, Padres e Papas, é que fizeram
a religião... Mas se o senhor pensa que essa religião

65
Idem.
66
Paulo Santos Silva, ironicamente, põe em dúvida o fato dos intelectuais
baianos terem realmente lido esses autores franceses.
67
SILVA, Âncora de tradição: luta política, intelectualidade e construção do
discurso histórico na Bahia (1930-1945), p. 87-88.
68
AMADO, O país do carnaval, p. 30.
69
Aspecto que será abordado por Carneiro em “Regiões Negras” e “Negros
Bantos”. Estas obras são discutidas ao longo desta dissertação em associação
com as correspondências de Carneiro e Ferraz.

47
domina o Brasil, está enganado. Há uma falsificação
africana desta religião. A macumba, no Norte, substitui
a Igreja, que, no Sul, é substituída pelas lojas espiritas.
No Brasil a questão de religião é uma questão de
medo.70

O discurso da personagem Paulo Rigger71 é uma resposta à

colocação de uma das personagens que diz que “pelo menos do ponto

de vista religioso, o Brasil tem progredido muito”72. Há uma alusão à

diversidade religiosa da região Norte do país, o que gera incômodo

nas demais personagens envolvidas na conversa, a ponto de a

“senhora do senador, escandalizada”73, benzer-se. “O diplomata

sorria por vaidade. O bispo, que era inteligente quis protestar” 74.

Observa-se nas falas das personagens que a mistura do catolicismo

com as demais religiões não é vista com bons olhos. O autor articulou

uma fala que tenta representar o quanto as elites católicas

menosprezavam os demais cultos não católicos, a ponto de Rigger

sinalizar para “uma falsificação africana dessa religião”75, e

acrescentar que, no Brasil, “a questão de religião é uma questão de

medo”76.

70
FONTES, op. cit., p. 14.
71
Amado apresenta sua personagem: “Estava de volta ao Brasil depois de sete
anos de ausência. Ainda estudante de ginásio morrera-lhe o pai, riquíssimo
fazendeiro de cacau no sul do Estado da Bahia, a ultima vontade do velho
Rigger foi que mandassem o seu rapaz formar-se na Europa. E terminando o
curso ginasial, Paulo seguiu para Paris em busca de um anel de bacharel. O
velho Rigger queria o filho formado. Mas já estava muito banal a formatura no
Brasil. Só poderia fazer sucesso um doutor da Europa”. AMADO, O país do
carnaval, p. 15.
72
Ibidem, p. 14.
73
Idem.
74
Ibidem, p. 14-15.
75
Ibidem, p. 14.
76
Idem.

48
Instituições como a ALB foram ambientes preocupados em

legitimar os valores de suas elites e dos intelectuais que surgiram do

seio desses grupos77. Ela foi fundada em 1917, por Arlindo Fragoso,

ex-secretário geral no governo de José Joaquim (1912-1916) e

Antônio Ferrão Muniz de Aragão (1916-1920), o então governador do

estado. A cerimônia de fundação efetivou-se no antigo casarão, onde

funcionava a Câmara dos Deputados, e ali Arlindo Fragoso, o

educador Carneiro Ribeiro e o ensaísta e romancista Xavier Marques

proferiram discursos para celebrar o ato78.

A ALB era formada por quarenta membros, e muitos deles

vieram de uma horda de jovens poetas irreverentes, ensaístas,

prosadores e críticos literários que integravam a revista Nova

Cruzada, criada em 190179. Os grupos Neocruzados, Cavaleiros de

Honra e Cavaleiros Beneméritos eram as bases da revista, abarcando

confrarias de jovens soteropolitanos ligados à boemia da cidade.

Compunha o segundo grupo Xavier Marques, Aloísio de Carvalho,

Braz do Amaral, Carlos Chiacchio, Otávio Mangabeira, Arthur Salles,

Prisciliano Silva, Durval Moraes, Pedro Kilkerry – alguns deles se

tornariam escritores de peso na década de 193080.

77
SILVA, Âncora de tradição: luta política, intelectualidade e construção do
discurso histórico na Bahia (1930-1945), p. 129.
78
Ibidem, p. 136; Sobre o escritor Xavier Marques Cf. ROCHA, Rafael Rosa da.
A negação do africano nas letras de Xavier Marques. Revista Eletrônica Discente
História.com, Cachoeira-Ba, v. 1, n. 2, p. 34-50, 2013.
79
SILVA, Âncora de tradição: luta política, intelectualidade e construção do
discurso histórico na Bahia (1930-1945), p. 91; SOARES, op. cit., p. 66.
80
Segundo Paulo Santos Silva, estes foram os grupos de maior destaque na
virada do século XIX para o XX. Ibidem, p. 90-91; SOARES, op. cit., p. 66.

49
Um escritor, geralmente, conseguia se legitimar frente a

comunidade intelectual de Salvador quando era aceito pela ALB, o

que garantia uma cadeira na casa. Contudo, exigia-se que os autores

tivessem obras de reconhecido mérito no campo da literatura ou em

outras áreas. Era um sistema baseado na “meritocracia”,

demonstrando o caráter seletivo da instituição e sua reivindicação em

ocupar um lugar de poder dentre os demais espaços de circulação

intelectual, porque muitos escritores depois de terem alcançado a

inserção no grupo passavam a ser chamados de imortais81.

Reiteramos que a imortalidade tinha um preço. O começo de um

intelectual que pretendesse ser escritor não era fácil. Os pretendentes

ao título de “imortal” tinham que começar atuando como jornalistas,

mas, na maioria das vezes, precisavam estar cursando o ensino

superior ou ter um diploma.

Os escritores que se tornaram conhecidos entre 1920 e 1930

vinham de instituições de ensino superior, como a Escola

Politécnica82, fundada por Orlando Coelho Fragoso. Embora as boas

condições financeiras não fossem uma constante, os estudantes

gozavam de um espaço de formação das elites dirigentes, como, mais

tarde, seria o caso de Otávio Mangabeira, engenheiro civil, e futuro

81
Ibidem, p. 69.
82
SILVA, Âncora de tradição: luta política, intelectualidade e construção do
discurso histórico na Bahia (1930-1945), p. 83.

50
governador do estado. A Politécnica formou bacharéis que se

tornaram administradores dos setores públicos de Salvador83.

Da Faculdade de Medicina, criada em 18 de fevereiro de 1808,

situada no Largo do Terreiro de Jesus, emergiram críticos literários,

ensaístas, poetas e romancistas. O corpo discente era incentivado a

ingressar no campo das letras. O médico Afrânio Peixoto, por

exemplo, escreveu “romances de teses psicológicas (especialmente

sobre a natureza feminina), manuais da medicina, teorias

pedagógicas, crítica literária, trabalho folclórico, poesias e

discursos”84.

Nos últimos anos da década de 1920, a Faculdade de Medicina

se tornou polo de atração dos candidatos ao ensino superior. A

Faculdade Livre de Direito, fundada em 15 de abril de 1891, tornou-

se responsável pela diplomação de vários intelectuais e políticos que

se tornaram influentes entre as décadas de 1930 e 194085.

A criação da Faculdade Livre de Direito teve o apoio de

advogados, magistrados, políticos e comerciantes locais que se

reuniram em volta de José Machado de Oliveira, diplomado pela

Faculdade de Direito de Recife, “José de Oliveira Castro e Francisco

de Mesquita Chaves, que convidaram alguns juristas para professores

83
Idem.
84
Ibidem, p. 80-81.
85
Ibidem, p. 82.

51
e ilustres cidadãos para colaborarem com capitais”86. O

empreendimento representou o desejo de criação de uma faculdade

ligada ao campo do Direito, como o treinamento de grupos que

teriam a função de defender os interesses das elites dirigentes87.

O corpo docente era formado por professores da Faculdade de

Medicina, Liceu-Provincial, e os de formação jurídica eram oriundos

da Faculdade de Direito de Recife. Tais articulações demonstram o

quanto as relações pessoais acabaram sendo determinantes para

conseguir um posto de professor ou mesmo entrar no corpo editorial

de um periódico baiano. A criação de uma faculdade no campo das

Ciências Jurídicas e Sociais foi preponderante na diplomação de

bacharéis que se tornaram hegemônicos no campo intelectual e

político.

O ingresso na educação superior era o primeiro passo para

entrar na redação de um jornal. Em seguida, apareciam as

nomeações e carreiras político-partidárias. A imprensa passou a ser

um instrumento atraente para aqueles que desejavam exercer suas

atividades no campo das letras. Médicos, advogados, professores,

engenheiros e outros tinham neste veículo um instrumento de

86
TOUTAIN, Lídia Maria Brandão; SILVA, Rubens Ribeiro Gonçalves da. UFBA
do século XIX ao século XXI. Salvador: EDUFBA, 2010, p. 44. Ainda sobre uma
análise dos cursos da UFBA ver o mesmo exemplar. Também Cf. SILVA, Âncora
de tradição: luta política, intelectualidade e construção do discurso histórico na
Bahia (1930-1945).
87
Ibidem, p. 83.

52
exercício da intelectualidade e para conseguir cargos públicos e

políticos na cidade88.

O jornal vespertino A Tarde89, fundado por Ernesto Simões Filho

em 1912, além de ter sido um dos mais importantes periódicos da

época, tornou-se um reduto aglutinador e acolhimento de jovens

recém-formados, ou mesmo talentosos estudantes do ensino

secundário. Jorge Amado, Nestor Duarte, Luiz Viana Filho, Aloísio de

Carvalho Filho, Eugênio Gomes, Hermes Lima e outros, foram

funcionários ou colaboradores do periódico. Mesmo que ninguém

pudesse se manter apenas como jornalista, o ofício, muitas vezes,

era usado como recurso de legitimação do ser intelectual. Alguns se

utilizavam do periódico para fazer a divulgação de seus trabalhos e

dos amigos90.

As relações de amizade entre os intelectuais foram bem

estruturadas no sentido de garantir que um pudesse comentar o

trabalho do outro nos artigos que publicavam nos periódicos. É

necessário salientar que os intelectuais entenderam a importância

dos jornais enquanto espaço de sociabilidade, sobrevivência e

legitimação de poder entre diferentes grupos.

88
Ibidem, p. 81, 83 e 84. Ver também FONTES, op. cit., p. 47-48.
89
“Pelo prestígio do seu fundador e pelas lutas que empreendeu, tornou-se o
jornal mais importante do estado”. Ibidem, p. 84.
90
Idem.

53
Os escritores hegemônicos de Salvador produziam uma

literatura significativamente parnasiana e simbolista91. Os seus

grupos literários, profundamente organizados em defesa da

manutenção de privilégios, tiveram que lidar com o movimento de

renovação literária que ficou conhecido como Semana de Arte

Moderna92, ocorrida em fevereiro de 1922, sendo aí o marco fundador

do modernismo brasileiro.

Não tardou para que os intelectuais vinculados aos modelos

estéticos vigentes, a exemplo do simbolismo e parnasianismo,

atentassem para a necessidade de acompanharem as mudanças, o

que ocasionou a elaboração de propostas que pudessem garantir o

lugar de privilégio e poder dos escritores baianos. Eles ingressaram

na corrida pela renovação literária que ocorria no cenário brasileiro.

O escritor e crítico literário Carlos Chiacchio era também

ensaísta, jornalista que alimentava a coluna Homens & Obras no A

Tarde93, membro do IGHB e da ALB94. Suas preocupações com os

caminhos tomados pelos movimentos artístico-literários do país

91
Ibidem, p. 91.
92
Sobre a Semana de Arte Moderna Cf. THIOLLIER, René. A Semana de Arte
Moderna. São Paulo: Cupolo, sem data; ALMEIDA, Paulo Mendes de. De Anita
ao Museu. São Paulo: Perspectiva, 1976; AMARAL, Aracy. Artes plásticas na
Semana de 22. São Paulo: Perspectiva, 1970; LEITE, José Roberto Teixeira. A
Semana de Arte Moderna. In: Arte no Brasil. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
93
Segundo Ivia Alves, Chiacchio “iniciou-se na crítica militante com a seção
semanal do jornal „A Tarde‟, em 31/01/1928. Os rodapés primeiros saem sem
título fixo, posteriormente são rotulados de „Homens & Obras‟”. Cf. ALVES, op.
cit., p. 23.
94
SILVA, Âncora de tradição: luta política, intelectualidade e construção do
discurso histórico na Bahia (1930-1945); SOARES, op. cit.; RAILLARD, op. cit.,
p. 35-36; AMADO; GOMES, op. cit., p. 10.

54
acabaram o estimulando a formular as bases do movimento

tradicionismo dinâmico, que representava uma estética e uma

postura (no sentido político-ideológico) frente ao “novo” dos

modernistas95.

As formulações de Chiacchio sobre o produto literário ideal

tiveram relação com o movimento de pensar a nação entre os

intelectuais brasileiros, o que levou à criação da revista Arco & Flexa:

mensário de cultura moderna. A proposta de escrita irregular (flecha

com “x” e não com “ch”) do título tem a intenção de demonstrar o

caráter de “ruptura do padrão ortográfico em benefício da

fonologia”96. Ivia Alves mostra que o “índice de rebeldia, é totalmente

destruído com o assentimento da revista, pois o filológico explica tal

grafia pela evolução da própria palavra”97.

O grupo era liderado por Chiacchio. Faziam parte jovens entre

16 e 22 anos, como “Pinto de Aguiar, Eurico Alves, Carvalho Filho,

Hélio Simões, Ramayana de Chevalier, Jonathas Milhomens,

Cavalcanti Freitas, José de Queiroz Júnior e Damasceno Filho”98.

Ângelo Barroso Costa Soares e Luiz Gustavo Freitas Rossi comentam

que os jovens99 da revista eram todos “pequenos burgueses”100,

95
Reflexão inspirada no texto de PELLEGRINI, op. cit., p. 137-155.
96
CAMPOS, J. da Silva apud ALVES, op. cit., p. 37.
97
Idem.
98
SOARES, op. cit., p. 67.
99
Segundo Luiz Carvalho Filho, ex-integrante da Arco & Flexa: “‟No teatro
Kursal havia uma francesinha linda, que declamava Mallarmé [...] Essas
mulheres vinham do Rio de Janeiro recomendadas a Chiacchio, que era um
tremendo boêmio e lhes dava proteção. Através de Chiacchio nos aproximamos
de muitas delas. Daí não termos muito contato com as mulheres da chamada

55
estudantes de medicina e direito e pertencentes às famílias

tradicionais e conservadoras de Salvador101. Carlos Chiacchio tinha

orgulho de estar à frente de um grupo de jovens intelectuais

“selecionado, distinto e único porque não atinge a todos os escritores

baianos da época, e os posiciona como a „vanguarda moça das nossas

letras‟”102.

A revista Arco & Flexa nasceu com o intuito de ser

genuinamente baiana, “tendo por finalidade determinar uma temática

baseada nas tradições baianas”103. As atividades começaram em

novembro de 1928 e sua publicação alcançou cinco números. Apesar

da forte atuação, teve uma vida relativamente curta (1928 e 1929), e

tem origem das reuniões que ocorriam no Café das Meninas, que

ficava do “lado do antigo Cinema Guarani, próximo à Rua Chile” 104.

Logo depois, os encontros passaram a ocorrer na casa de Pinto

Aguiar, um “intelectual empreendedor da época que também passou

baixa prostituição – primeiro, porque aí a barra era muito pesada, e depois


porque europeias constituíam uma novidade, um atrativo maior para nós,
rapazes provincianos [...] As nossas diferenças [com relação à Academia dos
Rebeldes] eram em termos de conceito de literatura. E de vida boêmia. Ao
contrário de nós, eles frequentavam bordéis populares, eram grandes farristas,
chamavam a atenção‟”. ROSSI, O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o
campo de estudos das relações raciais no Brasil, p. 93.
100
Termo usado por Soares. Cf. SOARES, op. cit., p. 81.
101
ROSSI, O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de estudos das
relações raciais no Brasil, p. 93 e 94; SOARES, op. cit., p. 81 e 85.
102
ALVES, op. cit., p. 35.
103
Idem.
104
Idem; SILVA, Âncora de tradição: luta política, intelectualidade e construção
do discurso histórico na Bahia (1930-1945), p. 91-92.

56
a escrever na nova revista”105. A intenção de Chiacchio com o

periódico era formalizar uma proposta para

se chegar a algum caminho mais sólido, ponto de vista,


realmente, acertado, observando-se que, a partir dessa
época, já começa a aparecer e tomar conta do
panorama literário o romance nordestino modernista,
partindo de temática ligada às tradições da terra.106

Arco & Flexa pode ser apreendida como a consolidação de um

esforço que Chiacchio vinha fazendo desde a publicação de seus

primeiros artigos no rodapé do A Tarde. Foi nos rodapés do aludido

jornal que o ensaísta baiano elaborou suas formulações sobre o

tradicionismo dinâmico, mas o amadurecimento de suas ideias

ocorreu apenas com a publicação do manifesto intitulado

Tradicionismo Dinâmico, no primeiro número da revista em 1928107.

Chiacchio demonstrava preocupação com a abertura dada pelos

intelectuais brasileiros aos “novos estilos” e a influência europeia nas

artes e na literatura. A valorização dos elementos culturais dos países

da Europa apresentava-se como um perigo para a desvalorização da

“tradição que é a própria vida do povo”. Argumentou Chiacchio que

“sendo tais tradições o elemento condutor de uma continuidade sem

a qual não poderia haver fundamentação das características culturais

de um país”108, não caberia aos brasileiros adotarem modelos

europeus que representassem realidades tão diferentes do Brasil.

105
Ibidem, p. 92.
106
ALVES, op. cit., p. 33.
107
SOARES, op. cit., p. 67.
108
ALVES, op. cit., p. 24-25.

57
Esse “novo” proveniente da Europa, estaria, em sua visão,

incapacitado de atender as demandas internas do país109.

Na explanação de Alves, o ensaísta notou que existia uma

ânsia do brasileiro em ter conhecimento em todos os


ramos, e como tais conhecimentos são profusamente
divulgados aqui, pois “há uma democratização
generalizada do saber. O talento de deixou de ser
aristocrático. As academias são abertas a todas as
aspirações” Revela ser essa avalanche de novidades um
perigo por poder levar os jovens autores ao “delírio da
imitação”. Critica seriamente a imposição de uma
“cópia servil” do novo inspirado em moldes europeus
para ser considerado moderno, e porque resultará
inevitavelmente em detrimento e deteriorização das
raízes nacionais. Essa virtude fatalmente levará à
“morte do passado da América. Não nos cingimos a
selecionar as tradições”.110

Reside no fragmento uma preocupação em torno do fácil acesso

à informação, que poderia resultar numa simples imitação de

modelos estéticos desvinculados das necessidades nacionais, do

passado e das raízes do povo brasileiro111. A cópia de modelos

estrangeiros resultaria numa escravidão da intelectualidade do país,

em especial os jovens autores, interessada em legitimar seus

escritores como modernos. Para Chiacchio, o caminho a percorrer

seria exatamente outro, tendo em vista que as nações hispano-

americanas que estavam no mesmo estágio do Brasil procuravam por

109
Ibidem, p. 25.
110
Idem.
111
Ibidem, p. 28.

58
meio da “tradição ultrapassar esse momento „crucial‟, ficando-se na

pesquisa acurada para uma solução literária interna”112.

Na visão do ensaísta, o país estava desviando das linhas

tomadas pelos povos das Américas e ficando “sob as patas brutais

das modernidades flamantes”113.

Referindo-se às tradições estáticas, explica que elas se


opõem a qualquer possibilidade de mudança, de
adaptação ou modificação por influxo de algum
elemento novo introduzido na sociedade, e assim as
denomina “misoneístas”. Neste mesmo trecho,
considera “tradições dinâmicas” as modificações que
estão sendo executadas no Uruguai, no México e
mesmo nos Estados Unidos, no sentido de pesquisar e
captar suas tradições, cultuando-as através da
instituição de casas, monumentos e institutos
indigenas. “Toda América procura a si mesma. Mas nós
repelimos os nossos monumentos de raça.
Envergonhamo-nos da tanga, do arco e da flexa,
porque nos fascina a mascara, o florete e a luva...”.
Usando dessa alegoria, Chiacchio simboliza o Brasil e
América com a tanga, o arco e a flexa. Em oposição,
enfatizando uma cultura diversa, provavelmente mais
amadurecida e de caminhos bem distanciados do
nosso, apresenta a Europa através da máscara, florete
e luva.114

Chiacchio acreditou que a busca pelo passado e tradição do

povo brasileiro era um caminho seguro para tomada de consciência

sobre a importância do tipo de literatura que o momento histórico

exigia. Ele chegou mesmo a considerar que os mitos, “lendas, a

metrificação voltada para rondós, romanceiros, modinhas, côcos,

toadas populares, acalantos que fazem parte do acervo tradicional” 115

112
Ibidem, p. 25.
113
Idem.
114
Ibidem, p. 26.
115
Ibidem, p. 30-31.

59
poderiam ser vestidos com uma “nova roupagem” e dar origem a

novas ideias. No rodapé do A Tarde, em 24 de janeiro de 1928,

Chiacchio estabeleceu que tradicionismo dinâmico:

É a coordenação de forças colidentes em favor de uma


só força nacional, uma como síntese brasileira, integrada
no tipo de civilização que chegamos do concurso das
outras. Essa deve ser procurada nas raízes do
tradicionismo nacional em luta com as seduções várias
que nos assediam de todos os quadrantes do globo.
Tradicionismo, portanto, Tradicionismo e modernismo.
Eis que se me afigura o abrolhar desse momento.
Pensamento do ponto de vista universal. Ou isso, ou o
dissoluto das formulas exdrúxulas que aí esgotam as
curiosidades inquietantes dos ultra-modernistas.116

A proposta era basicamente: “Sejamos Brasil”. Há uma

tentativa de explorar a universalidade dos aspectos regionais no

“fazer literário” da época, com o intuito de representar as realidades

do povo brasileiro117. O tradicionismo dinâmico seria um convite aos

jovens na “luta pela brasilidade, expõe, enfim, ser arco-e-flexa „uma

senha de independência, liberdade, autonomia. No gesto e no ritmo.

No pensamento e na arte”118. Percebe-se aí que a estética sugerida se

opunha a uma “ruptura total com o passado, reconhecimento de uma

continuidade passado-presente, [...] proposição de uma linha livre e

independente”119.

Diz Soares que apesar da tentativa de modernização do grupo

de Chiacchio, “„tradicionismo‟ falou mais alto, e o grupo não explorou

116
Ibidem, p. 31.
117
Ibidem, p. 26 e 27.
118
Ibidem, p. 27.
119
Ibidem, p. 28-29.

60
de forma profunda a realidade local, a cultura negra, enfim, questões

sociais flagrantes, como fizera o grupo da Academia dos Rebeldes”120.

A crítica do autor é realmente oportuna, mas apressada, porque o

“tradicionismo” do grupo Arco & Flexa era a tentativa de

representação das tradições regionais enquanto elementos

constitutivos da nação brasileira. Ou seja, não era uma militância

pelo “romance regional”, mas sim um esforço de buscar nas tradições

regionais a explicação para entender o Brasil.

Críticas à parte, o grupo de Chiacchio foi cuidadoso frente às

inovações que surgiam naquele momento e, por isso, teve uma

posição de “hesitação, cuidados e ponderações, oscilando entre o

desejo de avançar e a ostentação”121. Tais ponderações são

compreensíveis levando em conta a relação de seus membros com a

ALB. Muitos dos remanescentes da Arco & Flexa ingressaram no

corpo editorial da Revista da Academia de Letras da Bahia (1930)

como, por exemplo, o próprio Chiacchio122. Consta no primeiro artigo

da edição que:

A nossa Revista chega justamente num período de lutas


magníficas no cenário das letras. Atravessamos uma
época de renovações. O instinto novo, que é
característico de todos os movimentos literários, lavra,
intenso, largo e fundo, no campo das competições
entre passado e o presente. Não podemos participar, a
grito de escândalo, dessa trepidação confusa de idéias
ainda mal definidas. A nossa atitude é de expectante

120
SOARES, op. cit., p. 68.
121
SILVA, Âncora de tradição: luta política, intelectualidade e construção do
discurso histórico na Bahia (1930-1945), p. 92-93; ALVES, op. cit., p. 24.
122
SILVA, Âncora de tradição: luta política, intelectualidade e construção do
discurso histórico na Bahia (1930-1945), p. 93-94.

61
sem ser passiva. Queremos o novo, o melhor, o maior
das possibilidades eficazes. O tipo de conservadorismo,
em função de melhoria, é o que nos convém.123

A revista faz menção às mudanças, deixando claro que não

teria uma posição de total renovação literária, porque nem todos os

membros eram integrantes de algum grupo de “inovação” literária. A

revista da ALB se dispôs a publicar ensaios históricos e biografias de

ex-membros da instituição, personalidades políticas e escritores

locais, extratos de romances e crítica literária124.

O que mais interessa na atuação deste grupo,


notadamente heterogêneo, é sua inserção no
movimento Modernista, que vinha se desdobrando
desde 1922. A revista propunha-se a ser modernista,
ou melhor, “moderna”, conforme anunciavam no
número de lançamento: “Arco & Flexa é a primeira
revista filiada ao movimento moderno, que se publica
na Bahia”. A autodesignação anunciava seus
propósitos. Mas esta “modernidade” era assimilada de
forma peculiar. “Arco & Flexa tem as colunas abertas ao
melhor, dos novos e dos velhos do Brasil,
principalmente dos novos segundo a escolha da
direção”. 125

Realmente existem alguns traços no manifesto de Chiacchio

que nos fazem ligar o tradicionismo dinâmico ao modernismo

paulista, especialmente a necessidade de querer representar na

ficção a realidade brasileira. No entanto, acreditamos que o

crescimento do modernismo paulista criou uma espécie de

123
Ibidem, p. 139.
124
Ibidem, p. 140.
125
SILVA, Âncora de tradição: luta política, intelectualidade e construção do
discurso histórico na Bahia (1930-1945), p. 92-93.

62
desconforto entre alguns grupos de intelectuais baianos que temiam

perder espaço no cenário nacional.

A disputa por espaço entre os intelectuais era tão evidente que

Chiacchio chegou a eleger a Bahia como o “centro histórico e „matriz‟

do povo brasileiro, chegando a considera-la o centro do nacionalismo,

ponto de convergência e união da raça” 126, já que “só um movimento

partido da Bahia poderia abranger todo o Brasil e afastar a influência

europeia, tornando-se assim o caminho de solução para a renovação

artística”127. Por mais que Alves garanta que o ensaísta tenha

registrado no manifesto não ter qualquer interesse de fundar escola

ou mesmo movimento, não é isso que percebemos no caso em

questão.

A reivindicação da Bahia como “centro do nacionalismo” ou

“berço da nação” não está em desacordo com o que estava sendo

discutido pelos membros do IGHB entre final do século XIX e início do

XX. Havia uma disputa entre os membros do IGHB e Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) pela memória nacional, na

qual a guerra pela Independência do Brasil foi uma das memórias

disputadas128. Colocar a Bahia como “fonte detentora de tradições

126
ALVES, op. cit., p. 32.
127
Idem.
128
Sobre este debate Cf. LEITE, Rinaldo Cesar Nascimento. Memória e
identidade no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (1894-1923): origens da
Casa da Bahia e celebração do 2 de julho. Patrimônio e Memória, São Paulo, v.
7, n. 1, p. 54-77, jun. 2011; GUIMARÃES, Manoel L. S. Nação e Civilização nos
Trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Estudos Históricos, São
Paulo, v. 1, n.1, p. 5-27, 1988; KRAAY, Hendrik. Entre o Brasil e a Bahia: As

63
mais significativas e, portanto, o centro irradiador dessa

renovação”129 significa, a nosso ver, uma tentativa de reafirmar o

lugar daquele estado e seus intelectuais frente ao cenário de

renovação literária e construção da nação.

Observou Amado, que a Arco & Flexa e seu tradicionismo tinha

uma orientação modernista e nativista, seu líder lançou a fórmula do

tradicionismo dinâmico, que conciliava renovação literária e a

tradição nacional e suas especificidades130. Entretanto, queremos

refletir acerca da relação dos postulados de Chiacchio com o

regionalismo tradicionalista. Segundo Miécio Táti, ao “‟regionalismo

tradicionalista‟ do Recife a Bahia respondeu, a partir de 1928, com o

chamado „tradicionalismo dinâmico‟, do grupo da revista Arco &

Flexa”131.

A construção das ideias sobre o tradicionismo dinâmico no

rodapé do A Tarde ganhou sentido para a nossa investigação, quando

tomamos conhecimento e entendemos o movimento do regionalismo

tradicionalista, que foi, na interpretação de Maria Arminda do

Nascimento Arruda, uma combinação entre o modernismo que “se

forjou na assimilação da nossa oralidade e se legitimou no

comemorações do dois de julho em Salvador, século XIX. Afro-Ásia, Salvador,


n. 23, p. 47-86, 1999.
129
ALVES, op. cit., p. 32.
130
RAILLARD, op. cit., p. 35.
131
TÁTI, op. cit., p. 12.

64
compromisso com a realidade brasileira”132. Chiacchio como estava

atento aos movimentos literários em todo país, viu no grupo

regionalista que se formava desde os primeiros anos da década de

1920 uma possibilidade de superar os problemas que identificava nas

estéticas europeias que foram importadas para o Brasil.

O regionalismo tradicionalista enquanto movimento artístico-

literário foi apropriado como modelo estético pela AR, tendo sua

origem no Nordeste133, sob a liderança de Gilberto Freyre. Partindo do

pressuposto de “renovadora”, acabou usando como referência a ideia

de que “a essência do nacional estaria contida na autenticidade das

manifestações populares que constituiriam as raízes da cultura e da

arte regional”134. Seria o caminho para se chegar à universalidade,

tendo como perspectiva a ideia de que “a atividade espontânea do

132
ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. Modernismo e regionalismo no
Brasil: entre inovação e tradição. Tempo Social, São Paulo, v. 23, n. 2, p. 202,
2011.
133
Segundo informações presentes no site do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), criado em 1938 pela ditadura Vargas, o estado da Bahia
entre os anos de 1919 a 1945, não fazia parte do Nordeste. A divisão regional
feita em 1940 pelo Instituto pôs a Bahia, Sergipe e Espirito Santo numa região
chamada Leste, e o Nordeste foi composto por Pernambuco, Rio Grande do
Norte, Alagoas, Ceará e Paraíba. Em 1945, Bahia e Sergipe foram alocados no
Leste Setentrional e os estados do Maranhã, Piauí e o território de Fernando de
Noronha foram situados no Nordeste. Cf. Brasil: divisão regional do IBGE –
1940. Disponível em:
http://www.geografia.seed.pr.gov.br/modules/galeria/uploads/5/13710625271
940.jpg. Acesso em: 30 de jul. 2015; Brasil: divisão regional do IBGE – 1945.
http://www.geografia.seed.pr.gov.br/modules/galeria/detalhe.php?foto=1559&
evento=5. Acesso em: 30 de jul. 2015.
134
CALIXTO, Carolina Fernandes. Jorge Amado e a identidade nacional:
diálogos políticos-culturais. 2011. p. 71. Dissertação (Mestrado em História) –
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense.
Niterói, 2011.

65
povo seria a mais alta expressão dos valores humanos”135. Explica-

nos Eduardo Portella que à “preocupação localista, paisagística, do

primeiro estágio do modernismo, os regionalistas acrescentavam o

interêsse substancial, humanista”136.

José Américo de Almeida137, autor de A Bagaceira138,

considerado o primeiro livro expressivo inscrito na linha regionalista,

esclarece que o regionalismo pode ser compreendido como “uma

estratégia para inscrever a literatura provinciana na literatura”139.

Sobre o romance de Almeida, Chiacchio comentou que o considerava

“o máximo do nacionalismo porque envolve as „legítimas tendências

literárias‟”140. O contato intenso com obras de várias regiões do país

ajudou Chiacchio a solidificar o conceito de tradicionismo dinâmico,

135
GARCIA JR., Afrânio. Meninos de engenho: tradições e dramas familiares
feitos símbolos da brasilidade. Antropolítica, Niterói, n. 30, p. 29, 1º sem.
2011.
136
PORTELLA, Eduardo. A fábula em cinco tempos. In: AMADO, Jorge. Jorge
Amado: 30 anos de literatura. São Paulo: Livraria Marins Editoria, 1961, p. 13.
137
“José Américo de Almeida nasceu em 1887, em um engenho da Paraíba, um
ano antes da Abolição da Escravatura e dois anos antes da Proclamação da
República; do lado paterno como do materno, descendia de linhagens de
senhores de engenho e de senhores de escravos, há pelo menos três
gerações”. GARCIA JR., op. cit., p. 29.
138
“Como assinalam os críticos literários, a intriga de A Bagaceira se constrói
em torno de uma jovem branca do seminário para a região úmida por causa da
seca, ponto de origem de todas as infelicidades. A violência interna ao mundo
masculino está no cerne do romance, como analisaremos mais adiante, mas o
encadeamento dos eventos históricos demonstra uma violência que vai além
das situações recuperadas pela ficção; a título de exemplo, a cronologia do
romance está situada no século XX, momento em que a sanção de um crime
por enforcamento já não existia. Em resumo, a ficção abranda e amplifica as
violências físicas relatadas com base em arquivos históricos”. Idem. Cf. TÁTI,
op. cit., p. 12.
139
GARCIA JR., op. cit., p. 44. É bom também lembrar que, segundo
Palamartchuk, A Bagaceira e O Quinze foram obras que representaram esse
movimento regionalista. PALAMARTCHUK, Os novos bárbaros: os escritores e
comunismo no Brasil (1928-1948), p. 91.
140
ALVES, op. cit., p. 30.

66
posto que “só através do „canto‟ particular de cada região se chegará

a um todo”141.

O escritor Amado, numa entrevista a Antônio Roberto

Espinosa, para a coleção Leitura Comentada, em junho de 1981,

afirmou ter lido o romance em 1929, e confessou que ficou muito

impressionado. Por volta de 1930, quando já estava no Rio de

Janeiro, conheceu José Américo de Almeida142.

o romance regionalista constituía um meio de


transformar a desvantagem de escrever sobre um meio
violento, na base inúmeros sofrimentos, profundamente
hierarquizado, segundo “o sexo” e ”a raça” de cada
indivíduo, totalmente afastado dos costumes dos
centros culturais internacionais, tidos por paradigmas
de “universo civilizado”, em trunfos que asseguram seu
interesse, sua consagração literária.143

O compromisso em representar os problemas humanos seria

um dos caminhos usados pelos escritores regionalistas para

assegurar o caráter universalista dos romances. Ter um olhar mais

cuidadoso com os problemas sociais não seria apenas afirmar o

caráter humanista do grupo, como representar um dos sentimentos

comuns a quaisquer indivíduos: a dor144. Os regionalistas foram muito

fiéis ao cotidiano, “ao coletivo mais que o individual” 145, consistindo

141
Idem.
142
Segundo Amado, quando “comemorou os cinquentas anos de Bagaceira,
houve uma grande festa na cidade dele, Areia, na Paraíba. Ele me pediu que
fosse abrir as comemorações, logo eu, que não sou de fazer conferências...”.
AMADO; GOMES, op. cit., p. 13.
143
Idem.
144
Ibidem, p. 28 e 44; PORTELLA, op. cit., p. 13.
145
Ibidem, p. 17.

67
uma das principais características dos romances nordestinos da

década de 1930.

O regionalismo foi uma resposta ao movimento artístico-

literário sacralizado pela Semana de 22. Arruda menciona que o

grupo nordestino e outras regiões foram “fautores da inovação,

revelando um deslocamento do eixo da nova produção literária

modernista no Brasil”146. No entanto, somente com o movimento

regionalista de 1930 se começa a construir uma literatura brasileira

contemporânea preocupada em “refletir autenticamente uma

realidade nova”147.

Na disputa pela legitimação de agremiações literárias, seria

quase inevitável o conflito entre os modernistas e os componentes do

tradicionismo dinâmico e regionalismo tradicionalista. Oswald de

Andrade guardou “franca reserva” aos romancistas do Nordeste,

especialmente ao grupo regionalista148, pois acreditamos ter sido de

seu conhecimento as críticas severas vindas de alguns grupos

literários nordestinos, especialmente aqueles vinculados a Gilberto

Freyre e José Lins do Rego. Segundo Rego, para os escritores do

Recife, aquela Semana de Arte Moderna não existiu149. Quando Freyre

146
ARRUDA, op. cit., p. 196.
147
PORTELLA, op. cit., p. 13.
148
ARRUDA, op. cit., p. 192.
149
REGO, José Lins do apud TÁTI, op. cit., p. 10.

68
chegou de uma de suas viagens à Europa advertiu aos companheiros

da “fraqueza e do postiço do movimento”150.

Rego fez várias críticas aos modernistas demonstrando uma

clara oposição. O escritor confessou ter se engajado num jornal

político apenas para “verificar na agitação modernista uma velharia,

um desfrute, que o gênio de Oswald de Andrade inventara para

divertir os seus ócios de milionário”151. O escritor paraibano

demonstrou ter conhecimento a respeito do pertencimento de muitos

modernistas aos setores abastados de São Paulo.

Percebemos que a influência europeia nos movimentos de

“renovação literária” incomodava muito a Chiacchio, que entendemos

como uma oposição ao “modernismo paulista” e todos os seus

“ismos”. Nem o ensaísta baiano ou demais membros da agremiação

Arco e Flexa queriam um afastamento ou rompimento com o

passado. Alves assegurou que a “posição inicial do primeiro

apresentada nos rodapés, mostrava uma atitude hostil a qualquer

experiência proveniente dos grupos paulistas”152.

Chiacchio fez críticas severas ao “futurismo” e “primitivismo”153

modernistas. Ele entendeu que o primeiro ganhou espaço no Brasil

devido a falta de empenho e fôlego “para estudos e pesquisas que

150
Idem.
151
Idem.
152
ALVES, op. cit., p. 24 e 36.
153
Ver NASCIMENTO, Evando. A Semana de Arte Moderna de 1922 e o
modernismo brasileiro: atualização cultural e “primitivismo” artístico. Gragoatá,
Niterói, n. 39, p. 376-391, 2º sem. 2015.

69
requeriam profundidade”154, levando ao abandono do passado e

adoção do “futurismo”.

Apesar de acatar uma direção livre e ampla, é


categórico em evidenciar: “nunca primitivismos
antropofágicos, nem dinamismos desembestados”.
“Não queremos correr cruamente com o passado”. O
fato de insinuar-se contra qualquer posição extremada
e sua crítica severa à posição da Revista de
Antropofagia, leva-nos a inferir que o autor não assume
a possibilidade de uma ruptura porque fundado na
responsabilidade do prestígio intelectual que gozava a
Bahia no cenário nacional, não se ateve a tomar
posições mais avançadas. Ele propõe: “nada de
violências, nem clangores. O senso de medida”.155

Em Chiacchio, o primitivismo seria um longo recuo no tempo ou

um “corte sincrônico no tempo mais remoto de nossa

cultura/tradição”156. Acreditava o ensaísta que não poderiam os

movimentos de renovação isolar o passado, e sim, fazer dialogar

passado e presente. Apresentava-se como “contrário às iniciativas e

temáticas dos escritores paulistas”157.

A definição do caráter literário que se queria para o país, fez

com que os membros do regionalismo tradicionalista criassem uma

revista para marketing do grupo e criticar os movimentos artístico-

literários que não agradassem. Com esse intuito foi criada a Revista

do Norte, integrada por Freyre, Albuquerque Melo, Benedito Monteiro,

João Vasconcelos, Ascenso Ferreira e Joaquim Cardozo158.

154
ALVES, op. cit., p. 25.
155
Ibidem, p. 27.
156
Ibidem, p. 28.
157
Idem.
158
REGO apud TÁTI, op. cit., p. 10.

70
Os escritores regionalistas conseguiram a abertura de uma

frente literária no país que representasse as realidades enfrentadas

pelos nordestinos como elementos constitutivos do Brasil. Ou seja,

não apenas inovação literária, como consolidação de uma política que

permitisse a expansão do grupo. O Congresso Regionalista do Recife,

realizado em fevereiro de 1926, representou para a confraria um dos

lugares onde se poderia pensar a “terra” e o “povo nordestino” como

sujeitos principais no fazer literário. Coube ao regionalismo fazer uma

profunda análise da alma do povo, usando o folclore como inspiração,

residindo aí o caráter “orgânico”, humano e ligado à realidade

pretendido pelos regionalistas159.

Tanto no regionalismo tradicionalista quanto no tradicionismo

dinâmico, o objetivo de nacionalização de valores regionais foi

expressivo. Projeta-se enquanto discurso que quer representar os

esforços dos escritores em articular as regiões, especialmente o

Nordeste, como elementos integrantes do Brasil. Isso põe em cheque

a relação de força que os intelectuais queriam estabelecer com outras

regiões, como o Sul e Sudeste, que se reivindicavam centros

econômicos, socioculturais e políticos do país160.

159
TÁTI, op. cit., p. 11-12.
160
Um movimento parecido pode ser notado pelos modernistas, quando São
Paulo e Rio de Janeiro foram cidades escolhidas para ser o núcleo do grupo, por
reunir as características mais propícias. Aos poucos os modernistas de São
Paulo foram escolhendo sua capital como fonte de inspiração e assunto
principal. Não se pode deixar de notar que é isso que acontece com Pauliceia
desvairada (1921), de Mário de Andrade. NASCIMENTO, op. cit., p. 381;
SANTOS, Patrícia Maria. Tarsila do Amaral e o movimento modernista em São

71
Os movimentos enunciados podem ser percebidos enquanto

tentativas de construção de estéticas artístico-literárias empenhadas

em atender as necessidades de representação das realidades do povo

brasileiro. Neles, os elementos raciais, sociais, culturais, tradições e

regionalidades deveriam ser tomados como referências para o

processo criativo do “fazer literário”. Foi imperativo para os

regionalistas tomarem as características locais e regionais como

referentes não apenas para mostrar as peculiaridades dos lugares,

como por em evidência a universalidade dos temas e seu caráter

nacional.

1. 2 - A Academia dos Rebeldes e a “nova militância” literária


soteropolitana

Os jovens da AR acabaram declarando guerra aos meninos da

Arco & Flexa e a Chiacchio. Tal atitude acabou marcando o caminho

deles com muita repressão por parte das elites dirigentes de

Salvador, e pelas instituições às quais estavam associadas como ALB,

IGHB e faculdades. A postura dos jovens da AR tem explicação na

inimizade existente entre Pinheiro Viegas e Carlos Chiacchio, pois, em

termos literários, os dois grupos pouco diferiam. Táti esclareceu que,

Paulo. Revista Eletrônica Discente História.com, Cachoeira-Ba, v. 2, n. 3, p. 36,


2014.

72
no fundo, ambos os grupos desejavam a mesma coisa: “literatura

com forma nacional e conteúdo universal”161.

Para entender sobre a organização dos intelectuais comunistas

baianos, é preciso analisar um dos primeiros espaços que

constituíram para dali fazer legitimar e circular suas ideias. Esse lugar

ficou conhecido como AR. Seus principais militantes foram Jorge

Amado, Pinheiro Viegas, Sosígenes Costa, Aydano do Couto Ferraz,

Guilherme Dias Gomes, João Alves Ribeiro, Walter da Silveira, Edison

Carneiro, Da Costa Andrade, De Souza Aguiar, Clóvis Amorim, José

Alves Ribeiro, José Bastos, Augusto Silva, Oswaldo Costa, Gomes da

Costa, Octavio Moura, De Britto Lopes, Machado Lopes, João Cordeiro

da Costa Andrade, Amilton Castro, Oswaldo Dias da Costa (vulgo Dias

da Costa), Victor D‟Almeida. Mas, para Jorge Amado, os rebeldes

Alves Ribeiro, Carneiro, Ferraz, Joao Cordeiro, Sosígenes Costa,

Clóvis Amorim eram os mais assíduos nos encontros do grupo162.

161
TÁTI, op. cit., p. 13.
162
TÁTI, op. cit., p. 19; AMADO; GOMES, op. cit., p. 10.

73
Foto dos integrantes da Academia dos Rebeldes (AR) tirada 1931. Representa a
recepção de Jorge Amado, no Rio de Janeiro, quando da publicação de O país do
carnaval. “Da esquerda para a direita: E. Assemany, João Cordeiro, autor de
„Corja‟, J.A, Clovis Amorim, autor de „O Alambique‟, o etnógrafo Edison Carneiro, o
poeta Alves Ribeiro, Dias Gomes e o contista Dias da Costa” 163.

“‟Academia dos Rebeldes‟ era um tipo de agremiação que

sempre teve por função institucionalizar a literatura, bem como

legitimar os cânones164 e consagrar os autores”165. Soares explica que

o termo “rebeldes” remete à ideia de insatisfação com a influência da

arte portuguesa e francesa nos principais centros culturais do estado.

Silva faz a mesma observação, ao observar que o “ambiente

intelectual de Salvador era marcado pela presença de autores

portugueses, mas a hegemonia era mesmo francesa, fortemente

163
AMADO, Jorge. Jorge Amado: 30 anos de literatura. São Paulo: Livraria
Marins Editoria, 1961.
164
Refere-se aos autores do grupo que deveriam ser vistos como modelos.
165
SOARES, op. cit., p. 76.

74
presente na formação religiosa”166 do Brasil, enquanto fator

preponderante na fundação e organização das instituições de

pesquisa, ensino e difusão da cultura167.

O líder desse grupo era Pinheiro Viegas. Ele era jornalista,

panfletário, epigramista, crítico literário e considerado como

irreverente e excêntrico pelos grupos conservadores. Segundo

Soares, ele gostava de posar de homossexual para chocar as elites

conservadoras, e definia a si mesmo como “escriba, iconoclasta,

boêmio indiferente, ironista lírico, enfim, um cético risonho”168.

É importante assentar que a AR tinha Salvador como contexto

geográfico específico de atuação. A preocupação com o local era tão

evidente que Amado tomou a Bahia, em seus romances, como um de

seus principais temas e sujeitos, sendo uma das características

oriundas de seu envolvimento com os jovens rebeldes.

Os rebeldes atentaram-se, igualmente, para a realidade

socioeconômica do estado que atuaram, retratando sujeitos das

classes populares. Escreveram sobre lugares pouco representados

pela literatura das elites e, por isso, acabaram construindo um

discurso político de oposição à forma de fazer literatura dos escritores

dominantes na esfera cultural da capital.

166
SILVA, Âncora de tradição: luta política, intelectualidade e construção do
discurso histórico na Bahia (1930-1945), p. 86-87.
167
Paulo Santos Silva não se pergunta, ao longo da discussão, sobre o
nascimento dessa hegemonia. Seria enriquecedor se Silva se dispusesse a
refletir sobre a missão francesa. Sobre o debate referente a missão cultural
francesa no Brasil ver VIDAL, Laurent; LUCA, Tania Regina de. (Orgs.).
Franceses no Brasil. Séculos XIX-XX. São Paulo: Editora da UNESP, 2009.
168
SOARES, op. cit., p. 86.

75
Soares e Rossi informam que o início da AR se deu nos anos

finais da década de 1920. No entanto, como bem salienta Soares em

uma nota de rodapé, trata-se de uma data controversa, marcada de

discordâncias entre alguns dos pesquisadores que se debruçaram

sobre a temática169.

Jorge Amado, por volta de 1927, publicou o poema Poema ou

Prosa170. O autor considerou ter sido o poema “uma espécie de

gozação, um certo tipo de poesia modernista”171. Logo depois dessa

publicação “se reúne com outros jovens intelectuais, em torno de

Pinheiro Viegas, com o qual cria a Academia dos Rebeldes”172. Por

volta desse mesmo ano, surgiram os grupos Samba, Arco & Flexa e

AR, sendo uma indicação do começo das atividades literárias e

políticas dos jovens rebeldes.

O periódico O Jornal173 sinalizou que a oficialização da

agremiação ocorreu no dia 26 de março de 1928. Nesse dia teria

acontecido a instalação “de uma sociedade literária nesta capital,

subordinada ao título de Academia dos Rebeldes”174. Acrescentou a

redação que

169
Ibidem, p. 78.
170
Não encontramos registros desse poema nos livros, revistas ou jornais que
pesquisamos.
171
AMADO; GOMES, op. cit., p. 9; RAILLARD, op. cit., p. 35.
172
SOARES, op. cit., p. 90.
173
TÁTI, op. cit., p. 20. O pequeno impresso de Salvador foi formado
majoritariamente por redatores e repórteres vinculado à AR.
174
O Jornal apud SOARES, op. cit., p. 79.

76
a sessão preparatória efetuou-se num prédio à rua das
Laranjeiras, sob a presidência do Sr. Pinheiro Viegas,
tendo como secretario os Srs. Da Costa Andrade e João
Cordeiro, assistida por grande número de intelectuais
da nova geração. No decorrer da sessão foram tomadas
várias deliberações de ordem interna, sendo eleito um
Diretório provisório, composto dos Srs. Pinheiro Viegas,
presidente: Da Costa Andrade, secretário, João
Cordeiro, tesoureiro e ficando marcada uma nova
reunião para amanhã, às 16 horas.175

Jorge Amado afirmou que a agremiação não tinha delimitado

cargos para os seus membros, mas no referido jornal são citados

alguns cargos, como o de presidentes, secretários, tesoureiros,

diretoria provisória176. O que nos levou a pensar que Amado não

estava na reunião que fora realizada no dia 26 de março, pois O

Jornal apenas registrou a presença de “Pinheiro Viegas, Sosígenes

Costa, Edison Carneiro, Gomes da Costa, Otávio Moura, José Bastos,

Machado Lopes, João Cordeiro, Da Costa Andrade, Clóvis Amorim,

Amilton Castro, Alves Ribeiro”177. A história da AR é marcada de

vários desencontros de informações. Lembrou muito bem o

intelectual Nelson Werneck Sodré que a integração de Edison

Carneiro, Aydano do Couto Ferraz, Oswaldo Dias da Costa, Costa

Andrade ocorreu apenas em 1929178.

175
Idem.
176
“A Academia dos Rebeldes não teve jamais diretoria eleita: Pinheiro Viegas,
velho poeta e panfletário, era patrono; Alves Ribeiro, moço erudito, de cultura
singular, traçava as normas que definiam o pensamento dos rebeldes literatos”.
Ibidem, p. 78.
177
Ibidem, p. 79.
178
SODRÉ, Nelson Werneck. Pinheiro Viegas. Correio Paulistano, São Paulo, p.
13, 28 de mai. 1939. Num mesmo esforço de contar a história da AR e seus
envolvidos, o intelectual baiano Victor D‟Almeida relata que quando conheceu
Pinheiro Viegas em 1929, ele estava acompanhado dos jovens Jorge Amado,

77
Num esforço de compreensão do processo de formação da AR,

localizamos no periódico carioca O Jornal, de 20 de abril de 1930, a

notícia de uma sessão inaugural presidida por Pinheiro Viegas e

secretariada por Da Costa Andrade e João Cordeiro. Ainda consta

registro da presença de Alves Ribeiro da Costa, Sosígenes Costa,

Jorge Amado, Oswaldo Costa, Edison Carneiro, Gomes da Costa,

Octavio Moura, José Bastos, De Britto Lopes, Machado Lopes, João

Cordeiro da Costa Andrade, Clovis Amorim e Amilton Castro179.

O interessante é que tanto O Jornal (RJ) quanto o artigo do

jornalista baiano Victor D‟Almeida, publicado pela Gazeta de Notícias,

no dia 03 de dezembro de 1937, reforçam que o ano de fundação da

AR foi 1930180. A partir das informações a que tivemos acesso,

entendemos que entre 1928 e 1929 os membros da AR estavam se

articulando para oficializar a agremiação, fato que ocorre apenas em

1930.

Sobre a sede da confraria, Soares chama a atenção para o fato

de que ela funcionava em um centro espírita, que ficava próximo da

sede da ALB, e devido à algazarra que faziam nas reuniões acabaram

sendo expulsos. Os encontros a partir de então passariam a

acontecer na casa do pai de Carneiro, o professor Sousa Carneiro da

Oswaldo Dias da Costa, Alves Ribeiro, Edison Carneiro, Clovis Amorim, João
Cordeiro, Augusto Silva, e vez em quando Sosígenes Costa, D‟Almeida. Eles se
reuniam em cafés como “Café Brunswick localizado na rua da Assembleia ou no
Café Madrid na rua do colégio”. D‟ALMEIDA, Victor. Um cultor do gênero
satyrico. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, p. 15, 16 de jan. 1938.
179
O Jornal, Rio de Janeiro, p. 8, 20 de abr. 1930.
180
D‟ALMEIDA, op. cit., p. 15.

78
Politécnica, e depois pelos cafés, bares da cidade de Salvador181.

Consta no artigo de Sodré que nessas reuniões aconteciam

xingamentos, confusões e muitos desentendimentos. Percebendo que

os xingamentos estavam atrapalhando os espíritos, o presidente do

centro espírita solicitou a suspensão das atividades do grupo naquele

local182.

Jorge Amado argumentou que as atividades dos rebeldes

ocorreram, inicialmente, de forma bem organizada. Contudo,

segundo o artigo de O Jornal de Salvador, aos poucos as atividades

foram se tornando desorganizadas e sem cargos, pois das...

agitadas sessões não se redigiam atas, tornando inútil


a designação de secretários; tampouco existia
tesoureiro, por não existir dinheiro algum – os sócios
não pagavam mensalidade, nem recebiam jeton.183

As desorganizações talvez tenham origem na inexperiência dos

rebeldes. Eles compreendiam um grupo de jovens formados nas

escolas ginasiais e faculdades baianas. Em entrevista cedida a Alice

Raillard, explicou Amado que os rebeldes eram adolescentes que

estavam iniciando na literatura184. Tinham entre 15 e 28 anos, mas

eram engajados no cenário literário-científico com o intuito de ser um

grupo forte, atuante e focado na construção de um círculo político

181
SOARES, op. cit., p. 78.
182
SODRÉ, op. cit., p. 13; RAILLARD, op. cit., p. 36.
183
O Jornal apud SOARES, op. cit., p. 78. Ver também o mesmo problema
financeiro relatado por SODRÉ, op. cit., p. 13.
184
RAILLARD, op. cit., p. 34.

79
“contra hegemônico”, considerando que poucos desses novos

intelectuais participavam das esferas de privilégio, como a ALB185.

Apesar de ser um grupo muito jovem, fazia oposição à ALB,

como fica evidente no artigo de “número três da revista O Momento,

de setembro de 1931, quando da eleição de Aloísio de Carvalho,

conhecido como Lulu Parola”186 para assumir o posto de imortal.

De parabéns, porque, desta vez, a ilustre companhia,


abandonando velhíssima praxe, não buscou para o seu
seio mais um “figurão” – ela que agasalha, qual museu
de raridades, avultado número de gozadíssimos
“imortais”.
A política dos “expoentes” (expoentes disso, expoentes
daquilo, expoentes da burocracia...), o que tem sido a
razão maior do descrédito dos nossos vernáculos de
letras, até que em fim dormitou um pouco, com a
eleição de Dr. Aloísio de Carvalho, que, pelo seu talento
e cultura, é, sem favor, uma das mais legítimas
afirmações da nova geração de intelectual baiana.187

Pinheiro Viegas188 foi presidente de honra da agremiação189. A

criação da AR só acontece quando ele sai do grupo dos poetas da

Baixinha, devido a problemas pessoais com o líder desse grupo,

Samuel de Brito Filho. Disse Nonato Marques sobre este último que,

185
ROSSI, O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de estudos das
relações raciais no Brasil, p. 89.
186
SOARES, op. cit., p. 81
187
Idem.
188
“Poeta simbolista, Pinheiro Viegas nasceu em Salvador e fez parte de três
gerações de intelectuais. Participa da boemia do final do século XIX, com
intensa atuação política nas campanhas republicanas, vindo a publicar, nesse
período, a Carta ao Marechal Deodoro. Participou da geração seguinte no Rio de
Janeiro, onde ficou conhecido pela forte oposição a Prudente de Morais, sendo
co-autor de um panfleto em versos, „O Biriba‟, em que critica abertamente o
primeiro presidente civil do Brasil. No Rio, conviveu e foi amigo de Agripino
Grieco, Lima Barreto, João do Rio, dentre outros intelectuais da época”.
SOARES, op. cit., p. 85.
189
SOARES, op. cit., p. 72; SILVA, Âncora de tradição: luta política,
intelectualidade e construção do discurso histórico na Bahia (1930-1945), p.
94; D‟ALMEIDA, op. cit., p. 15.

80
surpreendentemente, era um polarizador de
inteligências jovens que ficavam presas ao fascínio
intelectual desse homem do povo, quase genial pelo
seu conhecimento literário, servido por um poder
expositor singular. O grupo nasceu em torno de
Samuel, que passava horas a fio sentado a um canto do
Café Progresso, bebendo cafezinho, pois não tinha
dinheiro para mais nada.... E graças ao seu talento,
tornou-se um homem
culto, um admirável autodidata, um poliglota, sem
jamais haver feito curso regular ou estudado em
qualquer estabelecimento de ensino, público ou
particular, salvo a pobre escola primária do seu
bairro.190

O que eram os poetas da Baixinha? Segundo Soares, a

Baixinha191, localizada em torno do que hoje é conhecido como Centro

Histórico de Salvador, era lugar onde acontecia o comércio popular,

formado por lojas de propriedade de judeus, árabes e espanhóis 192.

Naquela área ficavam alguns cinemas, como Jandaia e Olímpia, e

cafés frequentados por pessoas abastadas que circulavam em meio a

gente “mestiça, pobre e sem prestígio político”193.

Em 1926, com a chegada de Pinheiro Viegas do Rio de Janeiro,

sua integração aos poetas da Baixinha findou a formação definitiva do

grupo. Eles se reuniam no Café Progresso, que era um café

proletário, um pouco sujo e frequentado por pessoas humildes194.

Era ali o lugar onde os jovens poetas se reuniam para

sonharem com a glória das letras, reconhecimento e legitimação da

190
MARQUES, Nonato apud SOARES, op. cit., p. 68.
191
“Baixinha ficava limitada, de um lado, pela Farmácia Falcão, bem ao pé da
ladeira do Pelourinho, e a Pastelaria Cadete, num prédio azulejado, onde viviam
estudantes pensionistas, e era uma área de muitos cafés: Café Progresso, Café
Astúrias, Café Moderno e o café Derby”. SOARES, op. cit., p. 68.
192
Ibidem, p. 67.
193
Ibidem, p. 68.
194
Idem.

81
condição de escritor195. O lugar frequentado por aqueles meninos

sinaliza para o fato de que eles eram de origens mais modestas, por

exemplo, poeta Bráulio de Abreu, um pequeno alfaiate, era membro

do grupo196.

Imbuídos do sentimento de renovação literária, os jovens

criaram a revista Samba. O nome da revista era muito ousado para a

época, pois fazia referência à prática artístico-cultural oriunda dos

segmentos populares. No entanto, segundo Soares, a revista

continuava conservadora, passadista e formal, e teve uma vida curta.

Embora não tenha dado certo, “Samba teve um valor muito maior por

ser um marco histórico e testemunha de uma vida intelectual ávida

por renovação e mudanças”197.

O grupo foi aos poucos transferindo seus encontros para área

da Sé. Os poetas da Baixinha notaram que Pinheiro Viegas queria

tomar a liderança do grupo e isso gerou muitos desgastes e

desentendimentos198. Afirma Soares que com a morte de Samuel

Brito Filho, em 1929, o grupo acabou se desfazendo:

A partir daí, nós nos desgostamos. As reuniões foram


escasseando. Resolvemos marcar um encontro para daí
a cinco anos num dos cafés onde nos reuníamos. No dia
marcado, cheguei até ao café mas não havia ninguém.
Nem entrei. Assim, acabaram-se as reuniões e a
própria revista.199

195
Ibidem, p. 68-69.
196
RAILLARD, op. cit., p. 35.
197
SOARES, op. cit., p. 70.
198
Ibidem, p. 71.
199
ABREU, Bráulio de apud Idem.

82
A AR de Pinheiro Viegas inscrevia-se num movimento que

buscava a renovação no fazer literário-científico. Os rebeldes não se

dispuseram apenas a pensar nos problemas nacionais, como nas

especificidades de um estado caracterizado pela herança afro-

brasileira200. Cid Seixas afirma que os rebeldes tentaram

assinalar o caráter disfórico das academias instituídas


e, ao mesmo tempo, recuperar a euforia acadêmica
através de uma rebeldia quase adolescente. Opor a
disposição dos jovens para mudar o mundo à apatia
dos já estabelecidos diante do paradigma fóssil – eis a
proposta dos jovens baianos de 28. 201

Soares comenta que os rebeldes ganharam um caráter

antiacadêmico. Apesar do grande esforço em querer definir e mapear

a trajetória dos rebeldes, o autor não tece uma definição do que seria

o “antiacadêmico” dos rebeldes. Alguns membros da AR, como

Aydano do Couto Ferraz, Edison Carneiro e Jorge Amado, foram

responsáveis pela frente de pesquisa sobre a cultura afro-brasileira,

tendo como patrono Nina Rodrigues e Arthur Ramos.

Jorge Amado atribuiu aos “meninos” da AR uma “rebeldia

danada”, porque brigavam com os outros grupos. Tal rebeldia levaria

ao embate com os “imortais” e outros grupos literários que faziam

200
Segundo Sodré o movimento “modernista” baiano se colocava contra “a
estática de um meio morto ou semi-morto, estractificado no culto das nulidades
arvoradas em autoridades, em que se cuidava ainda de questões gramaticaes e
se collocava melhor pronomes do que as idéas, que não tinha mesmo idéas,
devia erguer-se a clara destruidora dos jovens que buscando uma esthetica
nova, confundiam-se na discursão das escolas mais dispares, oriundas da
confusão do após guerra”. SODRÉ, op. cit., p. 13.
201
SEIXAS, Cid. Modernismo e diversidade: impasses e confrontos de uma
vertente regional. Légua & Meia, Feira de Santana-Ba, v. 3, n. 2, p. 45, 2004.
Cf. SOARES, op. cit., p. 73.

83
uma “literatura esclerosada, um parnasianismo caquético”202. Ou

seja, inferimos que o anticademicismo correspondia ao combate ao

“parnasianismo popularizado pelo país afora”203 e fortemente

valorizado nas academias de letras.

Os modernistas ou grupos que se reivindicavam enquanto

modernos, tinham o anticademicismo como uma de suas

características, uma vez que desejavam fugir de tudo que fosse

conhecido como academicista – nos referimos, especialmente, às

academias de letras204. O parnasianismo foi um dos alvos escolhidos

pelos modernistas e modernos, e não seria diferente com os

membros da AR. O próprio Amado confessou numa entrevista que

tudo aquilo que não era modernista era passivo de crítica no grupo205.

Mesmo existindo semelhanças entre as duas correntes, e

mesmo que alguns pesquisadores aloquem a AR dentro do

movimento modernista, Amado fez algumas críticas tentando

desvincular-se do modernismo. Mesmo que tenham sido oposição a

algumas posturas da Semana de 22, os meninos da AR aceitaram “o

espírito renovador, sem cortar as raízes populares da literatura” 206.

Para o escritor, os jovens da AR não se pretendiam enquanto

202
RAILLARD, op. cit., p. 36.
203
BOAVENTURA, Maria Eugenia. A Semana de Arte Moderna e a crítica
contemporânea. Cadernos de Pós-Graduação da UNICAMP, v. 8, p. 2, 2006; Cf.
BOAVENTURA, Maria Eugênia. (Org.). 22 por 22. A Semana de Arte Moderna
vista pelos seus contemporâneos. São Paulo: EDUSP, 2000.
204
AJZENBERG, Elza. A Semana de Arte Moderna de 1922. Revista de Cultura e
Extensão, São Paulo, v. 7, p. 26-27, 2012.
205
AMADO; GOMES, op. cit., p. 12.
206
TÁTI, op. cit., p. 13.

84
modernistas, e sim modernos. Por isso lutavam por uma literatura

brasileira inserida no momento histórico a fim de mudar a

realidade207.

Os rebeldes e os membros da Arco & Flexa se deixaram levar

pelo desejo de aprofundamento do cotidiano do povo brasileiro,

especialmente a partir da Revolução de 1930. Houve um longo

processo de desvinculação e consolidação de uma identidade mais

arrojada da AR, porque, segundo Amado, eles tinham um

conhecimento sobre o povo que os modernistas não tinham208.

Assertivo é que o “modernismo” praticado pelos rebeldes teve

um caráter distinto daquele observado no Rio de Janeiro e São Paulo,

uma vez que estava preocupado em retratar temas como a cultura

afro-brasileira209 - tema que, em certa medida, foi considerado

importante por Chiacchio e os meninos da Arco & Flexa – e outros

problemas sociais locais. Defendeu Sodré, que o movimento

modernista tornou-se disperso, se “perdeu, se amesquinhou ao ponto

de tornar-se propriedade de grupos e métodos de propaganda de

alguns”210, contudo “por outro lado teve influência no

desenvolvimento literário”211.

A posição de Sodré tem relação com o lugar que ele ocupou no

PCB, e por isso precisamos problematizar suas colocações.

207
RAILLARD, op. cit., p. 36.
208
Ibidem, p. 53.
209
SOARES, op. cit., p. 72-73.
210
SODRÉ, op. cit., p. 13.
211
Idem.

85
Primeiramente, consideremos que os especialistas não negam o

caráter renovador inaugurado pelos modernistas. Com a I Exposição

de Arte Moderna de Anita Malfatti, que ficou em cartaz entre

dezembro de 1917 à de janeiro 1918, as ideias do grupo modernista

ganharam corpo, mesmo que isso não tenha agradado a alguns212. A

consolidação do movimento permitiu a criação de revistas, publicação

de artigos em defesa do modernismo e ataque aos grupos

opositores213.

Para Evando Nascimento, o grupo propiciou ao país uma

ruptura e abandono de “princípios e de técnicas consequentes, foi

uma revolta contra o que era a Inteligência nacional” 214. Ou seja, a

produção artístico-cultural dos modernistas incitou um processo de

“atualização do código artístico, inspirando a modernização

literária”215, numa sociedade que teimava em ter o modelo

parnasiano como um dos referentes para se fazer arte216.

Em segundo lugar, quando Sodré afirmou que o modernismo

tornou-se propriedade de alguns grupos e, por consequência, método

de propaganda desses, parece que faz referência ao apoio que alguns

grupos das elites paulistas deram ao movimento. Sem contar que

212
NASCIMENTO, op. cit., p. 379.
213
AJZENBERG, op. cit., p. 26. Sobre uma análise do regionalismo Cf.
CHAGURI, Mariana M. Do Recife nos anos 20 ao Rio de Janeiro nos anos 30:
José Lins do Rego, regionalismo e tradicionalismo. Campinas, São Paulo:
Editora da Unicamp, 2007. Ver também FREYRE, Gilberto. Manifesto
regionalista. Recife: Instituto Joaquim Nabuco, 1976.
214
NASCIMENTO, op. cit., p. 382.
215
BOAVENTURA, op. cit., p. 3.
216
SANTOS, Tarsila do Amaral e o movimento modernista em São Paulo, p. 36;
NASCIMENTO, op. cit., p. 379-380.

86
muitos dos integrantes do modernismo faziam parte de grupos

burgueses como: Villa-Lobos, Guiomar Novaes, Ernani Braga,

Frutuoso Viana, Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Ronald de

Carvalho, Mario de Andrade, Menotti Del Picchia, Guilherme de

Almeida, Ribeiro Couto e Sérgio Milliet217.

Alguns setores das elites paulistas realmente acolheram o

modernismo, vendendo, inclusive, ingressos da Semana de Arte

Moderna em seus clubes como o Automóvel Clube São Paulo218. O que

serviu como ponto de partida para os projetos tidos como

promissores no tocante à transformação do Estado como berço “de

um futuro racial, industrial e econômico”219. Esclarece Nascimento

que:

Parece que a explicação recai no fato de ter sempre


interessado às classes dirigentes do Brasil a atualização
com a última novidade europeia. Em vez de colocar a
industrialização incipiente como fator de modernização
cultural, é mais lógico ver nisso tudo um último esforço
da oligarquia rural decadente, mas politicamente
dominante, a fim de manter sua posição de
superioridade para com os outros segmentos sociais.220

Se o movimento modernista se tornou propriedade e marketing

político-ideológico de alguns, no grupo formado pelos escritores

217
Ainda acrescenta Elza Ajzenberg que o “catálogo, idealizado por Di
Cavalcanti, registra a participação dos arquitetos Antonio Moya e Georg
Prsirembel: dos escultores Victor Brecheret e Wilhelm Haerberg; e dos pintores
e desenhistas Anita Malfatti, Di Cacalvanti, John Graz, Martins Ribeiro, Zina
Aita, João Fernando (Yan) de Almeida Prado, Ignácio da Costa Ferreira
(Ferrignac) e Vicente do Rego Monteiro”. AJZENBERG, op. cit., p. 26.
218
BOAVENTURA, op. cit., p. 8; RAILLARD, op. cit., p. 57.
219
BOAVENTURA, op. cit., p. 8.
220
NASCIMENTO, op. cit., p. 383.

87
nordestinos (seja no regionalismo tradicionalista ou tradicionismo

dinâmico) não seria diferente. Entendemos que esta fala não é

inocente, pois sabemos que Jorge Amado, Rachel de Queiros, José

Américo de Almeida, Graciliano Ramos e tantos outros escritores

comunistas ou afins ao partido da década de 1930 estavam

integrados nesse movimento nacional dispostos a entender o Brasil,

especialmente em suas regionalidades. Isso gerou ao longo da

década supracitada a produção de uma “literatura militante”

vinculada ao PCB, e, portanto, instrumento de propaganda política221.

Considerando a problematização em torno do discurso de

Sodré, aproveitamos para fazer o mesmo exercício com a fala de

Amado, quando afirmou que: “Não nos pretendíamos modernistas,

mas sim modernos”222. O escritor elaborou uma fala que desautoriza

qualquer tentativa de alocá-lo entre os intelectuais que atuaram no

movimento modernista. Percebemos que o autor, mesmo

reconhecendo que o “modernismo destruiu os velhos padrões liberais

do país”223, acabou afirmando que pouco se esforçaram os

modernistas para “renovar”, corroborando a ideia de estagnação

apresentada por Sodré. Também disse Amado que os modernistas

destruíram muitas coisas, mas nada construíram224. Parece que a

221
Aprofundaremos a questão mais adiante.
222
OLIVEIRA, Olivia Fernandes de. Notas sobre algumas páginas mais ou
menos modernas. O 'Modernismo' na Bahia através das Revistas. RUA - Revista
de Arquitetura e Urbanismo, Salvador, v. 7, p. 14, 1999.
223
TÁTI, op. cit., p. 90.
224
Ibidem, p. 91-92.

88
memória dele em torno da “improdutividade” do modernismo tem

ligação com a afirmação que o editor da primeira edição de O país do

carnaval, Augusto Frederico Schmidt, fez sobre o modernismo,

porque o “movimento modernista iniciado por Graça Aranha, e que

Mario de Andrade e outros mais sistematizaram, foi o movimento de

afirmação do espírito. Mas o movimento morreu e não nos diz hoje

mais nada”225.

Parece que os intelectuais vinculados ao PCB não se sentiam

muito à vontade quanto a qualquer iniciativa de alocá-los no

movimento modernista, mesmo tendo passado por lá Patrícia Galvão

(Pagú), Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e tantos outros. Além

disso, acreditamos que a convivência de Amado com escritores

vindos de estados nordestinos (José Lins do Rego, Graciliano Ramos,

Rachel de Queiroz e outros) e que foram considerados como a “nova

geração” de escritores de 1930 acabou gerando um laço muito forte

entre o baiano e esse grupo. Apreendemos que a repulsa à ideia de

“alocamento” entre os modernistas está na própria composição

heterogênea dos intelectuais, dentre eles Plínio Salgado, um dos

ideólogos do fascismo no Brasil. Então, acreditamos que estava em

jogo a própria memória do PCB.

Embora Sodré e a juventude da AR tenham tido suas

(in)diferenças com relação ao modernismo paulista e carioca, é

225
SCHMIDT, Augusto Frederico apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de
literatura, p. 57.

89
possível estabelecer aproximações e semelhanças ao que foi proposto

pela Semana de 22226.

De todos fomos os únicos a começar, um pouco mais


tarde, a ter uma atividade política de esquerda (...) -
declara Jorge Amado. Não nos pretendíamos
modernistas, mas sim modernos: lutávamos por uma
literatura brasileira que, sendo brasileira, tivesse um
caráter universal; uma literatura inserida no momento
histórico em que vivíamos e que se inspirava em nossa
realidade, a fim de transforma-la. Foi o que escreveu
José Alves Ribeiro em nosso primeiro e único número
de Meridiano.227

Para Amado, era um grupo de jovens engajados que

idealizaram um modelo literário tipicamente brasileiro, e o mais

distante possível do alcance do estrangeirismo literário228, se

aproximando do que defendiam os meninos do tradicionismo

dinâmico da Arco e Flexa.

Os jovens rebeldes estavam engajados numa frente de

rearticulação do cenário literário e intelectual baianos. A dificuldade

de comunicação no Brasil impossibilitou o rápido conhecimento por

parte dos intelectuais baianos sobre o movimento modernista do eixo

Rio-São Paulo229.

A chegada à Bahia do “modernismo” paulista e carioca


(“Semana de Arte Moderna”, conferência de Graça
Aranha na Academia Brasileira, etc.) deu-se por volta
de 1927, ou seja, uns cinco anos após 1922. O que não
significa demasiado atraso se levarmos em conta que

226
OLIVEIRA, op. cit., 14.
227
Ibidem, p. 14-15.
228
Essas não seriam as únicas lutas dos desbravadores de uma sociedade que
tinha seus privilegiados. Alguns deles eram pertencentes às famílias nobres ou
ligadas aos grupos de elites dominantes do Estado.
229
OLIVEIRA, op. cit., p. 7; SILVA, Âncora de tradição: luta política,
intelectualidade e construção do discurso histórico na Bahia (1930-1945), p.
95.

90
na época Rio e São Paulo, então capitais da cultura
dominantes absolutas, ficavam extremamente distantes
da província (o resto do Brasil), os meios de
comunicação eram lentos, as idéias viajavam devagar,
chegar da Europa ao Rio e a São Paulo e ainda mais a
atingir a Bahia. Cinco anos gastou em viagem a
revolução literária, muito mais gastariam a
revolução.230

As notícias sobre os modernistas chegavam em Salvador, e

depois para toda Bahia, por meio de jornais e correspondências 231. O

mundo literário da década de 1930 ainda era muito restrito, o que

possibilitou a comunicação entre os escritores232.

A demora na inserção do modernismo no estado esteve ligada

ao caráter provinciano e conformista da época. Aí residiria a

justificativa para o atraso da chegada das ideias modernistas apenas

em 1927, momento em que o grupo de Chiacchio e Pinheiro Viegas

estão se organizando233. Apesar dos problemas de comunicação, os

rebeldes não se deixaram intimidar pelas dificuldades, e

permaneceram com suas atividades literárias, científicas, ou, de

caráter político.

As revistas Meridiano234 e O Momento235 criadas pela AR, se

tornaram espaços de oposição a uma sociedade avaliada pelos

rebeldes como conservadora e retrógrada. No ano de 1929, em uma

230
AMADO, Jorge apud SOARES, op. cit., p. 77.
231
Idem; ROSSI, O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de
estudos das relações raciais no Brasil.
232
RAILLARD, op. cit., p. 48.
233
RAILLARD, op. cit., p. 35; AMADO; GOMES, op. cit., p. 10.
234
OLIVEIRA, op. cit., p. 7-8. Amado informou a Raillard que o periódico não
teve vida longa. RAILLARD, op. cit., p. 36-37.
235
Mesmo nome do jornal O Momento criado pelos comunistas em finais de
1945.

91
das edições de Meridiano, os editores falaram que a agremiação

“Condena a tagarelice dos filósofos, a bisbilhotice dos gramáticos, a

literatice dos diletantes, o verbalismo dos retóricos e as frioleiras dos

poetas do amor e da saudade”236.

As revistas dos rebeldes passaram a ser locus de valorização da

cultura baiana, especialmente a herança africana, e debate sobre a

violência e vitimização dos negros pelo preconceito racial237. Outros

embates surgiram como o antimodernismo do movimento verde-

amarelo paulista e a crítica à brasilidade de mineiros e paulistas238.

Os “periódicos rebeldes” podem ser entendidos como

estratégias de expansão intelectual239, oposição político-literária à

literatura de salão e retórica inflamada - tão privilegiada pelas elites

locais240 - e consolidação de sua proposta estética.

Os regionalistas promoveram um intenso movimento de

reivindicação de lugar no “presente literário”. O embate travado com

as elites soteropolitanas permitiu a conquista de tímidos espaços e o

enraizamento de seus membros no mundo literário que até então

estava estritamente a serviço das facções político-culturais

dominantes241.

236
Meridiano apud SOARES, op. cit., p. 81.
237
Ibidem.
238
TÁTI, op. cit., p. 13 e 20.
239
SILVA, Âncora de tradição: luta política, intelectualidade e construção do
discurso histórico na Bahia (1930-1945), p. 92.
240
SOARES, op. cit., p. 81.
241
ROSSI, O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de estudos das
relações raciais no Brasil, p. 92.

92
CAPÍTULO II

SOCIABILIDADES E CIRCULAÇÃO DE MODELOS


ESTÉTICOS: A CONSTRUÇÃO DA TRAJETÓRIA DE
JORGE AMADO

A delimitação das estéticas que foram apropriadas pelos

comunistas, em especial por Amado, não é uma tarefa fácil tendo em

vista o cenário complexo que acabamos de mostrar. O emaranhado

de correntes e movimentos literários requereu um aprofundamento

de ideias e debates que nos auxiliassem na definição dos modelos

estéticos tomados como referências pelos regionalistas (dentre eles

os comunistas) entre o final de 1920 e início de 1930. Reiteramos

que não queremos aqui fazer uma análise dos tipos e cenários de

cada romance amadiano, porque iremos entrar no mérito apenas no

capítulo III e IV. Neste capítulo, optamos também por fazer um

mapeamento de artigos dos críticos literários e escritores à época,

cujo propósito é aprofundar o processo de recepção dos escritos

amadianos pelos pares.

2. 1 A crítica literária aos romances de Jorge Amado e a


construção do movimento regionalista

Começaremos pela novela Lenita escrita por Carneiro, Amado e

Oswaldo Dias das Costa em 1929242, em forma de fascículos em O

Jornal. Na introdução da obra, seus autores disseram que a intenção

242
OLIVEIRA, Op. cit., p.14.

93
era escrever um texto sem as “algemas clássicas nem pretend[iam]

tomar passagem nos hiper-aviões futuristas”243. No website “Jorge

Amado”, da editora Companhia das Letras, última a editar a obra

completa do escritor, consta um texto de apresentação biográfica, no

qual afirma que o autor assinou a novela com o pseudônimo de “Y.

Karl”244.

Novela Lenita (1929)245

243
ROSSI, O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de estudos das
relações raciais no Brasil, p. 123. Ainda sobre Lenita consultar artigo:
CANTALINO, Maria das Graças Nunes; ANDRADE, Ricardo Henrique Resende de.
Lenita: um livro não amado. Revista Eletrônica de Culturas e Educação,
Amargosa, v. 1, n. 1, p. 109-118, out. 2010.
244
Consultar site organizado pela Companhia das Letras em:
http://www.jorgeamado.com.br/vida.php3. Acesso em: 25 de nov. 2016.
245
AMADO, Jorge; CARNEIRO, Edison; COSTA, Dias da. Lenita: novela. Rio de
Janeiro: A. Coelho Branco, [1930?]. 144 p. Disponível em:
http://acervo.jorgeamado.org.br/item/310071056081. Acesso em: 27 de jan.
2017.

94
O jornal Diário de Notícias, no dia 20 de novembro de 1931, fez

menção ao texto dos rebeldes na seção “Livros Novos” como um dos

novos lançamentos246. Já o Diário da Manhã, do Espírito Santo, no dia

21 de janeiro de 1932, lançou a seguinte nota: “– Uma interessante

novela, contendo a narração entusiástica de três brilhantes espíritos.

[...] „Lenita‟ é um trabalho original e bem feito”247. Num tom

humorado, Amado comentou que Lenita foi a pior novela do mundo

publicada pelo editor A. Coelho Branco Filho. Os direitos autorais

foram pagos em forma de livro. E acrescentou que o editor

certamente não leu os originais248.

Segundo Amado:

aconteceu que Édison no segundo capítulo criou uma


mulherzinha terrível de magra e de feia para heroína.
Eu, que neste tempo vivia sob a influencia de uma
pequena lírica sentimental, matei a prostituta no
terceiro capítulo para moralizar o livro. Édison se danou
e então fêz da alma da mulher a heroína do livro. Cada
qual queria atrapalhar o outro e acabou saindo um
novela horrorosa.249

Amado, no dia 6 de dezembro de 1934, de forma humorada,

colocou em sua pequena biografia divulgada pela Gazeta de Notícias,

do Rio de Janeiro, que tinha curiosidade em saber quem teria

comprado aquele livro, que inclusive considerava como “um dos

246
Diário de Notícias, Rio de Janeiro, p. 4, 20 de nov. 1931. Consta também
uma referência à novela em O Imparcial, Rio de Janeiro, p. 2, 23 de out. 1931.
247
Diário da Manhã, Espírito Santo, p. 1, 21 de jan. 1932.
248
TÁTI, op. cit., p. 20-21.
249
AMADO, Jorge apud TÁTI, op. cit., p. 20-21.

95
piores livros que já foram publicados no Brasil” 250. O escritor e

ensaísta José Joaquim de Campos da Costa de Medeiros e

Albuquerque (Medeiros e Albuquerque), escreveu num artigo

publicado pelo periódico Vida Literária (1932) que o romance “é uma

pura abominação”251.

Gostando ou não de Lenita, o escritor num tom de justificativa

asseverou que foi “a cerveja do Bar Brunswick responsável por uma

miserável novela” que escreveu junto com seus companheiros252.

Amado relegou Lenita ao esquecimento, na medida em que não quis

colocá-la numa posição de destaque dentre os outros romances que

escreveu em 1930. Segundo a Companhia das Letras, o escritor

chegou a comentar que é “uma coisa de criança. Nós éramos muito

meninos quando fizemos Lenita”253.

O Sr. Jorge Amado tinha para com todos nós uma


dívida pesada: as horas gastas com a novela com que
estreou há alguns meses em colaboração com os dois
autores: “Lenita”.
O fato era mesmo curioso. Três rapazes,
evidentemente inteligentes e capazes, tinham reunido
os seus esforços para dar vida a uma história que lhes
parecia de interêsse. O resultado era a novela mais

250
Ibidem, p. 20.
251
ALBUQUERQUE, José Joaquim de Campos da Costa de Medeiros e apud
AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 57.
252
AMADO, Jorge apud PALAMARTCHUK, Ser intelectual comunista: escritores
brasileiros e o comunismo (1920-1945), p. 110-111.
253
Consultar site organizado pela Companhia das Letras em:
http://www.jorgeamado.com.br/vida.php3. Acesso em: 25 de nov. 2016.
Também consta no site da Fundação Casa de Jorge Amado, que “Neste livro
consta a seguinte nota: Esta novela foi publicada, em folhetim, com o título
primitivo de „El-Rei...‟, n‟ „O Jornal‟, da Baía, em Abril de 1930, e assinada com
os pseudônimos GLAUTER DUVAL, JUAN PABLO e Y. KARL, respectivamente,
OSWALDO DIAS DA COSTA, EDISON DE SOUZA CARNEIRO e JORGE AMADO”.
Disponível em: http://acervo.jorgeamado.org.br/item/310071056081. Acesso
em: 25 de nov. 2016.

96
falsa e vazia que é possível conceber. Apesar de todo o
esfôrço ser nesse sentido, nem originalidade tinham
conseguido.
Quem já conhece o sr. Jorge Amado fàcilmente poderia
fazer crédito – e tanto a êle como aos dois outros
novelistas. Foi o meu caso. Do srs. Edison Carneiro e
Dias da Costa ainda espero prova positiva - de que não
duvido aliás.254

O fragmento foi retirado de um artigo publicado pelo escritor,

crítico literário e ensaísta Octávio255 de Faria que colaborou com a

revista Literatura dirigida por Augusto Frederico Schmidt, futuro

editor de O país do carnaval. Não podemos deixar de lembrar que foi

Octávio de Faria o responsável pela apresentação de Amado ao

editor256. Quando Amado se transferiu para o Rio de Janeiro com o

intuito de terminar o ensino secundário ingressou na Faculdade de

Direito do Rio de Janeiro257, onde integrou o grupo de seu primo

Gilberto Amado, do qual Octávio de Faria fazia parte258.

254
FARIA, Octávio apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 60 e
65.
255
Estamos mantendo a forma como o nome aparece no artigo do autor.
256
AMADO; GOMES, op. cit., p. 15-16.
257
A ida de Jorge Amado para o Rio de Janeiro foi com o intuito de acabar com
a boemia literária, que em nada agradava a seu pai João Amado, e concluir o
curso secundário. TÁTI, op. cit., p. 21; AMADO; GOMES, op. cit., p. 14.
258
A vida boemia em que viviam os jovens intelectuais da AR não agradava
muito as famílias. Eram muitas noites em meio às festas, bares, cafés em
bairros proletários e casas de meretrizes. João Amado não estava muito
satisfeito com a vida que Jorge Amado levava, porque estava “apreensivo com
a boemia literária do filho” e determinou sua ida para o Rio de Janeiro com o
intuito de que terminasse o curso secundário.
Sustentado por uma mesada dada pelo pai, o escritor estudou “pra burro” para
passar nos exames de conclusão do ensino secundário. Acreditou que não
poderia desperdiçar seu tempo e o dinheiro que sua família estava investindo
nos estudos. Seus esforços foram inúteis, com a Revolução de 30 houve um
decreto dos vitoriosos aprovando todos os estudantes sem que houvesse
exame. TÁTI, op. cit., p. 21-22; AMADO; GOMES, op. cit., p. 15. Fazia parte
desse grupo Santiago Dantas, Almir de Andrade e Américo Jacobina Lacombe e

97
O fato de Amado fazer parte da rede de sociabilidade do

ensaísta acabou ajudando no encaminhamento da crítica e

amortização de comentários que poderiam soar como ácidos. Nota-

se, em sua fala, apesar da crítica demolidora feita a Lenita, uma

consideração quanto ao talento dos escritores rebeldes. O autor não

põe em cheque a inteligência dos jovens escritores e reiterou que o

livro editado por Augusto Frederico Schmidt é a retratação do jovem

escritor baiano frente à comunidade intelectual do país.

Lenita é uma das primeiras tentativas de escrita dos rebeldes.

Fora um ensaio para O país do carnaval259 - primeiro romance

amadiano consagrado pelos críticos -, já que “conseguiu uma certa

estima literária”260 sendo, por isso, o menos atacado. Notamos que

nele há a influência da vivência do escritor quando ainda era da AR261,

conforme demonstraremos mais detalhadamente no terceiro capítulo.

Não estamos em total acordo com Ana Paula Palamartchuk

quanto ao processo de escrita de O país do carnaval. Afirma a

historiadora que o livro foi escrito no final de 1930 quando Amado,

Vinícius de Moraes. Ainda sobre a participação de Vinícius de Moraes ver


entrevista em: RAILLARD, op. cit., p. 52-53.
259
Interessante colocar que Ana Paula Palamartchuk comenta sobre a
homenagem que a Livraria Martins Editora fez a Jorge Amado ao lançar um
volume da primeira edição de O País do Carnaval, que efetivamente foi o livro
de estreia do escritor. Segundo ela, o volume foi recheado de artigos, poemas,
trechos assinados por diversos jornalistas, críticos literários e escritores. Para a
autora, a iniciativa representou um esforço de consagrar Jorge Amado como
um escritor popular. PALAMARTCHUK, Ser intelectual comunista: escritores
brasileiros e o comunismo (1920-1945), p. 109.
260
AMADO; GOMES, op. cit., p. 15.
261
FONTES, op. cit., p. 27-28.

98
ainda estudante, tentava terminar o “ginásio” no Rio de Janeiro262.

Baseados em entrevista cedida por Amado à Raillard, como na tese

de Júlia Monnerat Barbosa, sustentamos que apenas os dois últimos

capítulos foram terminados no Rio de Janeiro. Além disso, não

encontramos no comentário de Palamartchuk nenhum tipo de fonte

ou bibliografia que sustente sua afirmação263.

No primeiro romance amadiano, fica clara a intenção de

representar na ficção os problemas que sua geração estava

enfrentando na vida real, como a incerteza de qual caminho seguir.

Amado transporia não apenas as suas dúvidas perante os caminhos

incertos da vida, como enveredaria por uma tentativa de

representação do cenário intelectual baiano da década de 1930,

tendo como base sua experiência na AR, pois nas palavras do próprio

Amado, suas melhores recordações “são as do tempo em que com

Pinheiro Viegas (hoje cego e pobre) e um grupo de amigos fazíamos

na Boa Terra uma literatura danada”264.

O escritor baiano teve a sorte de contar com o interesse de

Octávio de Faria pelos originais de O país do carnaval. Já dissemos

que foi através de Faria que os originais do romance chegaram às

262
Alude a autora que em “junho de 1930, Jorge Amado foi morar na cidade do
Rio de Janeiro com o objetivo de terminar o ginásio. No final deste ano,
escreveu o país do carnaval (1931) [...]”. PALAMARTCHUK, Ser intelectual
comunista: escritores brasileiros e o comunismo (1920-1945), p. 112. Em sua
tese de doutorado Palamartchuk também acaba sustentando a ideia de escrita
do primeiro romance de Amado no Rio de Janeiro. Cf. PALAMARTCHUK, Os
novos bárbaros: escritores e comunismo no Brasil (1928-1948), p. 91.
263
RAILLARD, op. cit., p. 45 e 51; BARBOSA, op. cit., p. 112.
264
RAILLARD, op. cit.

99
mãos do Augusto Frederico Schmidt, que tinha uma editora e

livraria265. Este editor lançou obras de autores como Rachel de

Queiroz, Lucio Fontes, José Geraldo Lima, Armando Fontes, Marques

Rabelo, Graciliano Ramos e outros que se consagrariam como a

geração de 1930266.

Havia um homem muito ligado ao Schmidt, chamado


de Tristão da Cunha. Ele tinha traduzido Shakespeare,
tinha escrito um livro de viagem sobre a Islândia, era
muito respeitado no mundo literário. Não confundir com
o outro Tristão da Cunha, aquele que foi deputado...
não sei se eram parentes ou não. Um dia ele foi ver o
Schmidt, o Schmidt não estava, ele sentou à frente da
mesa, pegou os originais do meu livro na gaveta e
começou a ler.
Quando o Schmidt chegou, eles conversaram o que
tinham que conversar e depois me perguntou quem era
o autor daqueles originais. O Schmidt respondeu que
eu era primo do Gilberto Amado, os originais tinham
sido levados pelo Otávio de Faria etc. Aí o Tristão da
Cunha pediu emprestado e levou.267

Depois de alguns dias Tristão da Cunha escreveu para Jorge

Amado o parabenizando pelo trabalho. Fez o mesmo para Augusto

Frederico Schmidt recomendando a publicação imediata do livro, que

foi editado em setembro de 1931, sendo bem recebido entre os

intelectuais268.

265
GOMES, op. cit., p. 15-16.
266
BARBOSA, op. cit., p. 122-123.
267
AMADO; GOMES, op. cit., p.16.
268
Segundo Júlia Monnerat Barbosa, em “seu livro de memórias, Navegação de
cabotagem, Jorge Amado declara que deve a publicação deste seu primeiro
romance à intervenção de Tristão da Cunha, „Figura influente nas letras
nacionais‟, que depois de ler os originais do romance deixados, há muito, pelo
autor na editora Schmidt, teria intercedido a favor da publicação do primeiro
livro do jovem romancista”. BARBOSA, op. cit., p. 112; Cf. AMADO; GOMES,
op. cit., p. 16.

100
O romance está conectado aos problemas que afetaram a

geração do autor, ou, como diria Táti, foi escrito por um homem

“compromissado com os problemas do tempo”269. Diria o próprio

Amado que este “livro é um grito. Quase um pedido de socorro. É

toda uma geração insatisfeita, que procura a sua felicidade. – Nós já

começamos a luta contra dúvida”270.

O escritor Carneiro em Uma toada triste vem do mar, ponderou

que o primeiro livro “não é romance, tendo apenas o merito, muito

grande, mas único, de haver fixado um „momento‟ da angustia

intellectual da juventude”271. Augusto Frederico Schmidt teria uma

impressão um pouco parecida, avaliando na Carta-Prefácio do

romance que é “antes de tudo um forte documento do que somos

hoje, nós mocidade brasileira, mocidade sem solução, fechada em si

mesma, perdida numa terra que nos dá a todo momento a impressão

de que sobramos”272.

Seu livro acordou em mim velhas revoltas sufocadas e


recalcadas contra a vida e a terra em que vivemos.
Paulo Rigger, seu personagem não é cerebral, não é um
filho do ocidental saturado e exasperado de cultura, é
apenas um pobre moço brasileiro como eu, como você,
como todos nós.
Nós estamos vivendo o momento do tédio. As gerações
se sucedem vertiginosamente. E vêm árdegas,
querendo realizar alguma coisa, manter acesa a
lâmpada do espírito. Mas em pouco tempo suficiente
para se realizar. E não deixamos nem sequer um traço

269
TÁTI, op. cit., p. 24-25.
270
Ibidem, p. 26.
271
CARNEIRO, Edison. Uma toada triste vem do mar. O Jornal, Rio de Janeiro,
p. 3, 24 de nov. 1935.
272
TÁTI, op. cit., p. 28; SCHMIDT apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de
literatura, p. 55.

101
da nossa passagem. Eu, pouco mais velho que você, já
me sinto muito distante de tudo, num desinteresse
sempre crescente, pelo que alimentou o meu gosto pela
vida. Não temos frescura, nem nos podemos repousar
nos bons silêncios. Viemos para gritar que existimos,
diante de uma nação adormecida e indiferente.
Cansamos porém logo. E assistimos com melancolia à
vinda dos que ainda acreditam que é possível gritar,
que é útil gritar.273

Schmidt aproveita o prefácio para fazer um desabafo marcado

por um pessimismo dosado. Ao dizer que os problemas vividos pela

personagem Paulo Rigger representam aquilo que eles estão

passando, o crítico acabou aproximando gerações diferentes, a dele e

do autor. Do mesmo modo, nota-se um cansaço que não podemos

ver, mas sentimos por meio do discurso. É como se não apenas o

tempo cansasse, como o cenário de mesmice que viviam os “homens

de letras”, pois ainda se vivia numa “nação adormecida e

indiferente”. Em contrapartida, o autor demonstrou ânimo frente ao

surgimento de novos escritores dispostos a gritar, e não foi por acaso

que ele se tornou um dos editores que mais lançou escritores

promissores.

Dentre os vários elogios, não faltou fôlego para as críticas.

Esclareceu Schmidt, que o livro ainda era “balbuciante” por se tratar

de um escritor estreante. “Os homens que se movem dentro dela são

homens e não personagens de símbolos. O que você quis dizer e por

vêzes não o conseguiu inteiramente, nós o podemos saber por você

273
Idem.

102
próprio e pela nossa experiência”274. Acrescentou que todos os

romances brasileiros são ricos em cenários belos e verdadeiros, e a

ausência deles no romance de Amado é um de seus defeitos e

qualidades275. Mas, colocou Octávio de Faria em artigo já citado, que

os defeitos são superados pelas qualidades276.

Medeiros e Albuquerque comentando o romance afirmou que

quem olha para a folha de rosto e lê o prefácio do livro não tem

nenhuma vontade de conhecê-lo. Com isso, perde o leitor a

oportunidade de ter contato com um excelente livro, que é “Bom,

bem feito, vivo, tem, é certo, um evidente excesso de diálogos sobre

narrações e descrições, excesso que podia ser evitado, mas não lhe

prejudica o encanto”277.

Edison Carneiro, no artigo Suor, esclareceu que “„O Paiz do

Carnaval‟ demarcou o inicio de uma evolução que prenunciava

grandes triumphos no romance social”278. Sodré ponderou que o

romance tem inspiração nas vivências do escritor quando era um

rebelde279, ideia que seria confirmada por Amado na entrevista dada a

Raillard280. Segundo Silva, o escrito literário retrata o campo

intelectual de finais dos 1920 e inícios de 1930. Ou, como afirmou o

274
Idem.
275
Ibidem, p. 56.
276
FARIA apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 61.
277
ALBUQUERQUE apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 58.
278
CARNEIRO, Edison. Notas sobre “Suor”. O Jornal, Rio de Janeiro, p. 3, 21 de
out. 1934.
279
“Esse romance seria quasi que a história do grupo da Bahia. Há nelle scenas
que recordam o tumulto em que viviam os seus membros, aquelles que
cercavam o inesquecível renovador”. SODRÉ, op. cit., p. 13.
280
RAILLARD, op. cit., p. 46.

103
rebelde Sosígenes Costa, é “um espelho cruel” daquela geração

atormentada pelas incertezas281. Significando um romance que:

Diz respeito duplamente à vida intelectual


soteropolitana: é produto do ambiente literário local e
possui como tema a natureza da vida intelectual, isto é,
suas limitações, impasses, dúvidas e perspectivas.282

Na leitura do jornalista e escritor Heitor Marçal, o romance é

uma biografia de sua geração, porque “Lendo-o a gente só repara

uma coisa: presença. Atualidade. Com a soma alta de inquietação. E

quem dirá que essa agitação toda não é uma herança do

passado?”283. Acrescentou que tanto nesse quanto nos romances de

Rachel de Queiroz e demais escritores daquela geração, não se tem

preocupação com a forma, “não há lugar para a frase derramada e

piegas que faz a delícia da gente leitureira”284.

Se o primeiro romance foi uma tentativa, nem sempre exitosa,

de representação de uma geração e seus problemas, em Cacau

(1933) Amado apresentou um caminho. Segundo Barbosa, é nesse

romance que o escritor baiano põe à vista sua aproximação com as

orientações do PCB285. A autora não está equivocada, porque fora

com esse romance que Amado tentou representar o cenário de

exploração dos homens que trabalharam nas plantações de cacau dos

grandes coronéis da cidade de Ilhéus, no Sul da Bahia. Outras

281
COSTA, Sosígenes apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 59-
60.
282
SILVA, op. cit., 108-09.
283
MARÇAL, Heitor apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 65.
284
Idem.
285
BARBOSA, op. cit., p. 134 e 136.

104
questões também são representadas como a condição de miséria em

que viviam os trabalhadores como, por exemplo, as prostitutas, às

quais se condicionou a chamar de “operárias do sexo”. Segundo o

médico e escritor chileno Juan Marín num artigo que escreveu para a

revista El Mercurio da cidade de Santiago (Chile), o romance é

“dramatico como la verdad y como la vida mismo”286.

O chileno também lembrou que o livro causou tanta

repercussão e polêmica que acabou sendo apreendido pela polícia 287.

Palamartchuk reporta o ocorrido:

A publicação de Cacau teve grande repercussão entre


os críticos literários e, também, entre a polícia carioca
que o apreendeu, mas por intervenção de Oswaldo
Aranha (então, Ministro do Exterior) foi liberado 24
horas depois. Talvez até por causa da apreensão é que
o livro fez sucesso entre o público: a primeira edição,
maio de 1933, contou com 2000 exemplares e se
esgotou em um mês, tendo a segunda edição, julho-
agosto de 1933, 3000 exemplares.288

Acreditamos que Palamartchuk tem toda razão ao afirmar que a

apreensão dos exemplares tenha gerado impacto entre os escritores,

mas O país do carnaval, apesar das críticas, conquistou os críticos da

época. Com Cacau não foi diferente. Até mesmo o integralista

sergipano Omer Mont‟Alegre elogiou o romance no jornal Estado de

Sergipe e estimulou seu autor dizendo que ele “tirou a roupa da

verdade. Arrancou-lhe a dentadura. O ôlho de vidro. A cabeleira. (...)

286
MARÍN, Juan apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 70.
287
Idem.
288
PALAMARTCHUK, Ser intelectual comunista: escritores brasileiros e o
comunismo (1920-1945), p. 117. Também Cf. PALAMARTCHUK, Os novos
bárbaros: os escritores e comunismo no Brasil (1928-1948), p. 114.

105
Você há de ser combatido por causa de seu livro. Não esmoreça. Faça

outro”289.

Explicou Marín, que com Cacau, Amado se tornou “uno de los

cuatro o cinco más grandes novelistas de America em la hora atual:

está junto a Gallegos, Rivera, Azuela e Icasa”290. No cenário nacional,

o jornalista Odilo Costa Filho incluiu o romance junto com Menino do

engenho de José Lins do Rego e João Miguel de Rachel de Queiroz no

rol das grandes obras brasileiras, tendo em vista que “este Jorge

Amado fez coisa tão pouco literária que qualquer outro não faria”291.

Suor (1934) teve um caminho diferente dos anteriores. Seus

rascunhos começaram em 1928 quando Amado residia num casarão

no Pelourinho. Nele, o autor continuou sua busca pela representação

das condições sociais e econômicas em que viviam os trabalhadores

baianos. O cenário principal é um cortiço fétido na ladeira do

Pelourinho, onde moravam estivadores, costureiras, prostitutas,

operários e tantos outros sujeitos esquecidos pelo governo, mas

lembrados pelo locador nos dias de pagamento dos alugueis.

O Sr. Jorge Amado é um dêsses escritores inimigos da


convenção e da metáfora, desabusados, observadores
atentos. Conheceu, há alguns anos, um casarão de três
andares na ladeira do pelourinho, Bahia, e resolveu
apresentar-nos os hóspedes que lá encontrou –
vagabundos, ladrões, meretrizes, operários, crianças
viciadas, agitadores, sêres que se injuriavam em
diversas línguas: árabes, judeus, italianos, espanhóis,

289
MONT‟ALEGRE, Omer apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p.
78.
290
MARÍN apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 70.
291
COSTA FILHO, Odilo apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p.
77.

106
pretos, retirantes do Ceará, etc. Até bichos. Essa fauna
heterogênea não se mostra por atacado na obra do
romancista baiano: forma uma cadeira que principia no
violinista que percorreu a França, a Alemanha, outros
países, e acaba no rato que dorme junto à esteira de
um mendigo.292

A fala do escritor Graciliano Ramos é significativa. Ele acreditou

que o movimento feito por Amado representou um esforço dos

escritores de sua geração em querer entender os lugares e os

sujeitos que podemos considerar como periféricos, como o engenho,

a fábrica e o subúrbio, sem medo de “falar errado como tôda gente,

sem dicionário, sem gramática, sem manual de retórica. Ouviram

gritos, pragas, palavrões, e meteram tudo nos livros que

escreveram”293. Graciliano Ramos acrescentou que esses escritores

poderiam ter trocado os gritos por suspiros e os palavrões por

orações, mas resolverem “pôr os pontos nos ii”.

O que liga os anéis da cadeia não é o trabalho, como o


título do livro, Suor, poderia fazer-nos supor: é miséria,
miséria completa, nojenta, esmolambada, sem
nenhuma espécie de amparo. Todos os habitantes do
prédio vivem na indigência ou aproximam-se dela.
Sente-se, de fato, o cheiro de suor, pois logo no
começo, surgem à porta alguns trabalhadores do cais
do pôrto. Esses trabalhadores, porém, à exceção do
preto Henrique, mexem-se pouco. Sentimos bem é um
fedor de muitas coisas misturadas: lama, pus, cachaça,
urina, roupa suja, sêmen – uma grande imundícia
apanhada com minudências excessivas.294

Oswaldo Dias da Costa, ex-membro da AR, teve uma percepção

muito parecida sobre o enredo, e apontou que com o terceiro livro

292
RAMOS, Graciliano apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 84
293
Idem.
294
Ibidem, p. 85.

107
Amado apresentou para seus leitores um “produto novo”. Conforme

Dias da Costa, o autor demonstrava estar seguro sobre qual caminho

seguir, esforçando-se para dar o melhor e com “a maior honestidade,

na árdua caminhada que se impôs, combatendo pela idéia que

sinceramente adotou e que julga, com toda bôa fé, ser a única capaz

de resolver problemas que se lhe afiguram angustiosas”295.

Jubiabá (1935) acabou reforçando o empenho de seu autor em

seguir um caminho, uma direção no “fazer literário” sob a orientação

do PCB. Assim descreve Barbosa a personagem principal do romance:

Balduíno, órfão criado pela tia no morro do Capa Nego,


em Salvador, em sua primeira infância, teve existência
pobre mas conhecia uma estrutura familiar estável com
a tia. Sua vida muda quando sua tia é internada em um
hospício e ele é acolhido como criado na casa de um
rico comendador, na Travessa Zumbi dos Palmares,
onde permanece até os 15 anos. Depois vira mendigo
no Pelourinho, malandro errante pelas ruas da cidade
na idade adulta, plantador de tabaco, lutador de boxe e
compositor de modinhas, até conhecer a redenção final
como líder proletário. Seu sonho, desde criança, era ter
sua vida cantada em um ABC, como os que louvavam
os grandes cangaceiros do sertão.296

Temos aí uma excelente apresentação do enredo feita pela

autora, e quem leu acrescentaria apenas as descrições sobre as

festas nos terreiros de candomblé, ou mesmo as belas narrativas em

torno da Baía de Todos os Santos.

295
COSTA, Dias apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 88.
296
BARBOSA, op. cit., p. 152.

108
Em carta a Amado, Rachel de Queiroz afirmou a grandiosidade

do quarto romance entregue aos leitores. Era o exemplar que tanto

esperava, superando a expectativa da escritora:

Grande, grande livro, seu Jorge. Cheio duma estupenda


poesia, duma poesia de sôpro largo e formidável.
Poesia que você não revelara ainda em seus livros
anteriores, senão em traços ligeiros. Figuras que
aparecem que vêm cercados de luz, como aquela Maria
da barcaça, aquela que canta de cabelos soltos
animando o marinheiro. E o Gordo, com todo o seu
trágico burlesco e terníssimo...297

É inegável que Jorge Amado teve a total aprovação dos amigos

vinculados ou não ao PCB, como José Lins do Rego, Rachel de

Queiroz, Edison Carneiro, Josué de Castro, e tantos outros críticos

literários e escritores não vinculados ao círculo de sociabilidade do

baiano. Não encontramos nenhum tipo de crítica que levantasse

muitos problemas do romance, com exceção de José Lins do Rego

que exigiu do autor ser “mais realista”298.

Nos chamou a atenção o comentário de Monteiro Lobato, que

afirmou ser Mar morto (1936) o auge de seu criador299, deixando

Jubiabá apenas na posição de mais um excelente livro escrito. O

enredo traz representações em torno da vida dos moradores dos

portos de Salvador, mostrando os códigos de conduta, vida dos

mestres de saveiro e pescadores, prostituição nos portos, bares e as

297
QUEROZ, Rachel apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 102.
298
REGO apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 94.
299
LOBATO, Monteiro apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p.
130.

109
condições de miséria em que viviam em suas casas pequenas e

insalubres. No texto publicado na 3º edição da obra, disse Lobato:

“Jorge Amado: Recebi o “Mar Morto” que me ofereceu.


Li-o em três sentadas, com a mesma emoção trágica
que seus livros sempre despertam. Em novembro do
ano passado estive por várias vêzes naqueles cais,
perto da igreja da Conceição da Praia, vendo os
saveiros atracados e os que vinham vindo de velas
abertas – e pensei em você. “Qualquer dia o Jorge
Amado presta atenção e pinta os dramas que devem
existir aqui”. Adivinhei.
Seus livros da Bahia revelam-me mais que um escritor,
que um romance, que um artista. Revelam-me uma
força da natureza, uma espécie de harpa eólia que
ressoa a passagem dos ventos dos dramas da miséria.
Daí a especialíssima impressão que me causam – única,
inconfundível e trágica. Tragédia no sentido grego da
palavra. Na planura da literatura brasileira Jorge Amado
vai ficar como um bloco súbito de montanha híspido,
cheia de alcantis, de cavernas, de precipícios, de
massas brutas da natureza.300

Lobato acreditou que o quinto romance superou

disparadamente o anterior. No mesmo artigo, assegurou que o livro

demonstrou as potencialidades de um autor que não tem uma forma

definida para escrever, e por isso são livros de dar dor de cabeça em

“acadêmicos, aos brochas, aos seguidores de regras de arte, aos

onanistas da forma”301.

Raul Bopp, no artigo publicado pela revista Diretrizes, em 1939,

corroborou as impressões de Rachel Queiroz e Gilberto Amado302

sobre a essência poética do romance, evidenciando o caráter

“fabuloso” do enredo com negros “de olhos esticados pra África, pras

terras de Aiocá. Os mestres de saveiros tão trabalhando, tão

300
Idem.
301
Idem.
302
AMADO, Gilberto apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 132.

110
dançando, tão cantando”303. Concluiu o poeta afirmando que ninguém

mais seguraria o homem de Cacau, que “disparou pelo mar adentro,

foi ver Iemanjá. Ninguém mais pega êle não”304.

Aydano do Couto Ferraz anotou que com Capitães de areia

(1937), havia se fechado um ciclo que Amado denominou de

“Romances da Bahia”. O sexto romance

é um livro que revela ao Brasil aspectos inteiramente


desconhecidos da vida das crianças abandonadas na
cidade do Salvador, crianças que roubam nas feiras,
adoram feitos de cangaceiros, amam à luz das estrelas.
Infância abandonada do meio da qual saem,
indiferentemente, bandoleiros ou cantadores de abc.305

Podemos dizer que muitos dos críticos literários, escritores e

jornalistas que escreveram sobre a obra de Amado nos jornais e

revistas da década 1930 eram de vários estados do país, sendo a

maioria do que hoje consideramos como Norte e Nordeste, e

reforçaram nos referidos romances um esforço de busca pela gente

brasileira. As obras de Amado acabaram representando esses temas

nacionais306. Conforme Ferraz, Jorge Amado escreveu uma primeira

leva de romances que tiveram a Bahia como principal cenário,

representando um esforço de inserção dos elementos locais e

regionais que poderiam ser considerados universais para a maioria

303
BOPP, Raul apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 131.
304
Idem.
305
FERRAZ, Aydano do Couto apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura,
p. 151.
306
SCHMIDT apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 56;
DORNELLAS, Mamelito apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p.
65.

111
dos brasileiros da época, como a incerteza do futuro do país, a

miséria, a exploração, prostituição, a dor, o sofrimento e tantos

outros. Isso está representado no discurso de Odilo Costa Filho sobre

Cacau: “E nenhum livro me faz tanto pensar, olhar para mim mesmo

e para nós, Brasil”307.

Os romances regionalistas de Amado estavam ligados ao

movimento de renovação que ganhou maior identidade e solidez com

escritores nordestinos como Rachel de Queiroz, José Lins do Rego,

José Américo de Almeida, Graciliano Ramos e o próprio Jorge Amado.

Segundo Barbosa, como “grande parte destes escritores era

proveniente do nordeste, se dá, então, o estabelecimento de uma

unidade explicativa de suas obras a partir de uma perspectiva

geográfica”308.

Antes mesmo de Barbosa, o escritor e geógrafo pernambucano

Josué de Castro alertava-nos no Diário Carioca de 1936, que havia

saído “do nordeste resignada, a primeira fornada de verdadeiros

romancistas brasileiros. Romancistas chamados de proletários,

porque se meteram por lugares escuros onde só os pobres

penetram”309.

Reiterou que

Foi o clima humano do nordeste que amadureceu o


sentido do verdadeiro brasileirismo, na consciência dos

307
COSTA FILHO apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 77.
308
BARBOSA, op. cit., p. 107.
309
CASTRO, Josué de apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p.
115.

112
intelectuais. É que o nordeste é de todo território
brasileiro, a zona que contém maior sentido de
tragédia. Keyserling diz que o habitante do deserto tem
consciência antes de tudo, do trágico na vida, e o
sertanejo do nordeste é habitante dum deserto
geográfico e demográfico, vivendo, pois embebido
dêste sentido que cria no espírito, uma grande força
latente, recalcada. Fôrca que num momento dado pode
transformar o sentido trágico num sentido heroico e
alcançar supremas realizações. Uma dessas
superações. é o novo romance brasileiro, escrito no
nordeste.310

Era sobre a famosa “geração de 30” que se referia o discurso de

Castro, considerada pelos críticos como a que inaugurou, no Brasil, o

“romance social”. Claro que ainda estava em curso a organização de

uma estética, como pode ser notado nos escritos de Amado. Explica

Barbosa que os escritores dessa geração “não apresentavam no

momento de escrita de suas primeiras obras um sentido de unidade

programática como foi o caso, por exemplo, da geração de

modernistas que os precedeu”311.

Segundo depoimento de Raquel de Queiroz, na época


em que começaram a escrever suas primeiras obras,
nenhum dos romancistas que posteriormente seriam
agrupados no grupo do “romance nordestino” tinha a
intenção de produzir um “romance social”: “Nós não
tínhamos a intenção de fazer romance de sentido social
(...) o que fazíamos era romance-documento, romance-
testemunho”. Essa firmação de Raquel nos é útil no
sentido de indicar como elemento de coesão entre
estes novos escritores, sobretudo, a vinculação do
narrado a situações observadas em suas realidades
específicas.312

310
Idem.
311
BARBOSA, op. cit., p. 107.
312
Idem.

113
Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, José Américo de Almeida,

Armando Fontes, José Lins do Rego, Clovis do Amorim, Cordeiro de

Andrade eram alguns dos que compunham um grupo de autores que

retrataram o “drama do Nordeste” na literatura, e despertaram a

simpatia de Amado pela esquerda. Drama que esteve presente em

todo canto do país, e teve, na concepção do autor, suas bases no

“latifúndio, na exploração feudalista da terra, e no país que está

extremamente atrasado”313.

A ideia do romance-documento ou romance-testemunho gira

em torno da ideia de representação da realidade vivida pelos

brasileiros em suas especificidades regionais, sendo exatamente isso

que Rachel de Queiroz fez em O Quinze para pintar o cenário da seca

e da miséria das camadas populares de Fortaleza (Ceará). O romance

da escritora cearense faz referência à grande seca de 1915, quando a

autora só tinha cinco anos de idade, forçando sua família a mudar

para o Rio de Janeiro em 1917, retornando para o estado de origem

apenas dois anos depois314. Com esse romance, a autora alcançou

aquilo que Castro denominou de “novo romance”, preocupado em

revelar naquele momento de “compreensão e interpretação humanas,

de unificação da inteligência e da sensibilidade brasileiras”315.

313
RAILLARD, op. cit., p. 48 e 74.
314
Cf. QUEIROZ, Rachel de. O quinze. Rio de Janeiro, José Olympio, 2004.
315
CASTRO apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 115.

114
Em um artigo publicado pela revista Boletim de Ariel, voltada

para as artes e a literatura, Rego referenciou o caráter documental do

quarto romance de Amado:

“Jubiabá” é um livro que fala com uma eloqüência


formidável da desgraça, do sofrimento de uma
humanidade que Deus esqueceu pelos morros e pelas
plantações de fumo da Bahia. Neste sentido o romance
é, incontestavelmente, um documento dos mais
dolorosos expostos às vistas do mundo (grifo
nosso). Que existe um inferno na terra ninguém poderá
duvidar. Procure-se a Bahia de Jubiabá para se entrar
em contacto com uma gente que foi ao extremo do
pauperismo, na terra que os cronistas pintavam com o
mel e as frutas do paraíso.316

O escritor e historiador Octávio317 Tarquinio de Souza observou

que o caráter documental de Jubiabá está nas várias observações em

torno de fatos, acontecimentos, espetáculos e coisas vividas que

remetem a um plano “que não será irreal mas não é seguramente o

da realidade quotidiana e vulgar”318. E acrescentou, que pode

Jubiabá ser um negro de verdade, eleitor, segundo me


afirmaram, do ilustre deputado Homero Pires; podem
muitas das personagens que aparecem no livro ter
existência real, observadas pelo romancista nas suas
„colheitas de material‟. Não importa!319

Acreditamos que existe muita coesão nos discursos dos

comunistas sobre o romance-documento. O escritor comunista

Aderbal Jurema, em um artigo publicado pelo Boletim de Ariel, em

1934, fez uma análise interessante do romance Suor e chegou a


316
REGO apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 94.
317
Estamos mantendo da mesma forma que o autor assina o artigo.
318
SOUZA, Octávio Tarquinio de apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de
literatura, p. 97.
319
Idem.

115
afirmar com muita convicção que não se tratava apenas de um texto

literário, porque era “antes, porém, um documento vivo e

impressionante do proletariado urbano da cidade de São Salvador”320.

Os romances regionalistas foram articulados “pela grande

preocupação em representar, quase sem intermediação, aspectos da

sociedade brasileira na forma de narrativa que beiram a reportagem

ou o estudo sociológico”321. Segundo reflexão de Portella, Jorge

Amado foi um dos poucos escritores regionalistas que soube fazer uso

do “documento sociológico em detrimento do testemunho ou da

realização artística”322.

A busca por dados empíricos nos escritos literários aproximou

muitos desses autores à figura do antropólogo. Foi o caso de Jorge

Amado que “empreendeu diversas viagens pelo sertão da Bahia e

diferentes regiões do Nordeste com o objetivo de „coletar

material‟”323. Para Portela,

No caso dos romancistas do Nordeste, este apego ao


„real‟ se apresentava de maneira ainda mais acentuada
porque muitos intelectuais identificaram nesta região
uma concentração dos principais problemas da
sociedade brasileira.324

320
JUREMA, Aderbal apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 91.
321
CALIXTO, op. cit., p. 71-72. Consultar trabalho recente da autora sobre
Jorge Amado entre as décadas de 1950 e 1980: CALIXTO, Carolina Fernandes.
História e memória da trajetória político-intelectual de Jorge Amado. 2016. 408
fls. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia
da Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2016.
322
PORTELLA, op. cit., p. 13.
323
CALIXTO, op. cit., p. 72
324
Idem.

116
Dos estados nordestinos, os regionalistas buscavam por temas

universais que atendessem à demanda de descrição da “alma do

Brasil” e de seus problemas econômicos, sociais e culturais. Assegura

Portela, que Amado “soube perfeitamente compreender, assimilar e

valorizar essas manifestações locais ou regionais de vida e de

cultura”325.

2. 2 – Jorge Amado e o realismo socialista do romance


proletário

A ligação de Amado com o PCB tem relação com Rachel

Queiroz326. A autora de O Quinze fez muito sucesso. Foi presa por ser

uma liderança comunista em seu estado de origem e, quando em

liberdade, foi para o Rio de Janeiro. Foi por meio da escritora

cearense que Amado ingressou na Juventude Comunista (JC). Era

uma atividade ilegal e clandestina, com perseguição da polícia e

batidas policiais nos locais de encontro do grupo. “Nós nos dizíamos

marxistas, e quando escrevi Cacau declarei que queria fazer um

romance proletário, eram todas essas influencias das quais falei,

assim como a onda da época de um determinado tipo de

literatura”327.

325
PORTELLA, op. cit., p. 14-15.
326
RAILLARD, op. cit., p. 48-49.
327
Ibidem, p. 48 e 74. É muito interessante ler uma entrevista de Jorge Amado
e perceber a partir do mesmo que aquele grupo de intelectuais e militantes
vinculados ao comunismo, que se diziam marxistas, não leu Karl Marx. Na
entrevista cedida a Raillard, o escritor afirmou que poucos líderes do

117
Fora com Cacau que seu criador tentou iniciar seu caminho na

perspectiva do romance proletário. Sabemos que a publicação da

obra amadiana reuniu vários críticos e escritores vinculados ao PCB,

comprometidos em (re)afirmar o caráter proletário, revolucionário,

moderno e documental dos romances de Amado. O ensaísta e

jornalista Alberto Passos Guimarães vinculado ao PCB, desde 1932,

num artigo para o Boletim de Ariel respondeu à pergunta do prefácio

do livro: “Será um romance proletário?”328. Disse:

Ao meu ver, é. Embora impressionado mais pelo


aspecto sentimental do problema, até a ligação afetiva
do Sergipano, embora misturando algumas vêzes as
situações puramente morais com os sentimentos
rebeldes da gente do campo, “Cacau” exala um bom ar
de revolta para estar junto da literatura proletária. (...)
Em “Cacau” tem-se bem a paisagem dos nossos
campos semi-bárbaros, das nossas fazendas, onde a
ruindade dos feudos se conserva com o mesmo ardor.
(...) “Cacau” é um romance proletário.329

Cacau causou a mesma impressão no escritor Jorge de Lima.

Ele fez vários elogios ao caráter “realista” do romance a ponto de não

saber discernir ao certo se “eles são mesmo trabalhadores de cacau

ou fiação (sic)”330. Considerando a qualidade e temática da obra, Lima

brincou com a pergunta do prefácio do livro, afirmando ser uma

pergunta “imodesta”. Mas, numa tentativa de respondê-la, reiterou:

“- Não pergunte não Jorge Amado. Que a gente tem é de elogiar você

movimento leram as obras marxistas. Ibidem, p. 74; Cf. ALMEIDA, op. cit., p.
100.
328
AMADO, Jorge. Cacau. Rio de Janeiro: Record, 1981, p. 8.
329
GUIMARÃES, Alberto Passos apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de
literatura, p. 76-77.
330
LIMA, Jorge de apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 67.

118
por força dizendo. Fêz romance chamado proletário, sim. Foi quem

primeiro fêz, e com honestidade e sem literatura ruim”331.

Alguns intelectuais que integraram a AR, vieram em defesa do

romance, como João Cordeiro. O autor considera-o um grande

romance, porque Amado não criou uma “piedade burguesa” pelos

miseráveis daquela terra, e optou por mostrar o sofrimento, estigma,

revolta latente. Segundo Cordeiro, aí reside um dos motivos para ter

admiração pelo romance que considerou ser “um livro de combate”,

posto que o “cacau encontrou, enfim, o seu romancista”332. O escritor

e crítico de arte Max-Pol Fouchet333, que também atuou no Partido

Socialista francês, chegou a corroborar a reflexão de Cordeiro,

afirmando que é um “Livre engagé, Cacao est un livre de combat,

écrit par um auteur qui ne craint pas, au début, de poser cette

question: Sera-t-il sorti de là un roman prolétaire?”334.

O poeta Murilo Mendes no artigo publicado pelo Boletim de

Ariel, escolheu problematizar em torno da ideia de romance proletário

atribuída por Amado no livro. Explicou que a “mentalidade” proletária

ainda estava em processo de formação, e não tem total consciência

de seu papel histórico. Acrescentou que os escritores que

encontrarem inspiração na vida em decomposição da sociedade

burguesa terão que voltar-se para o proletariado, encontrando aí não

331
Idem.
332
CORDEIRO, João apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 73.
333
Ver disponível em: http://www.universalis.fr/encyclopedie/max-pol-fouchet.
Acesso em: 20 de jan. 2017.
334
FOUCHET, Max-Pol apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 76.

119
apenas material para a construção do romance, como também as

ferramentas para integrar ao “espírito do proletariado” e tornar-se

um escritor revolucionário335.

Murilo Mendes esclareceu ser impossível fazer um romance de

tom proletário sem estar integrado ao mundo proletário, pois não

basta apenas ser um “observador”, mas fazer parte, pois aí moraria o

caráter revolucionário do autor. Sem isso, correria o risco de fazer

“simples reportagem”336.

Segundo ele, em Cacau:

O autor examina a vida dos trabalhadores de fazenda


de cacau com uma visão ampla do problema, e não
sacrifica o interêsse humano do drama ao pitoresco. Do
ponto de vista literário é bem escrito, sem abuso de
detalhes descritivos; os quadros da vida das fazendas
são apresentados esquematicamente. Tem movimento,
naturalidade nos diálogos. Os personagens têm
bastante realidade, se bem que a filha do coronel lá
para o fim do livro dê uns palpites que a gente fica
pensando que o autor quis fazer literatura.337

Acreditamos que na visão do poeta, Amado foi quem mais se

aproximou da ideia de “romance proletário”, ao contrário de Patrícia

Galvão (Pagu), que em Parque Industrial (1932) cometeu um

engano:

“Romance proletário”, anuncia a autora no frontispício


do Parque Industrial. Houve engano. É uma reportagem

335
MENDES, Murilo apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 72.
336
Idem. Ver também BARBOSA, op. cit., p. 127-128.
337
Idem. Segundo Barbosa “Murilo Mendes parece ter realizado esses dois
movimentos em sua crítica: da mesma maneira com que garante a Jorge
Amado um lugar no panteão dos novos escritores brasileiros, avaliando sua
obra de maneira bastante elogiosa; também defende o autor dos textos que
apareceram na grande imprensa criticando a utilização de palavrões em
Cacau”. BARBOSA, op. cit., p. 128.

120
impressionista, pequeno-burguesa, feita por uma
pessoa que está com vontade de dar o salto mas não
deu. Assiste-se à entrega de fábricas, à saída de
fábricas, a encontros do filho do grande capitalista com
a filha do operário, etc. Parece que para a autora o fim
da revolução é resolver a questão sexual.
Sôbre o Parque Industrial pròpriamente pouca coisa se
fica sabendo.338

Para Palamartchuk, o comentário de Mendes sobre o livro de

Patrícia Galvão tem ligação com sua inserção num grupo de escritores

católicos formado por Tristão Ataíde, Augusto Frederico Schmidt,

Octávio de Faria e Jorge Lima. Ainda acrescentou que “Pagu era,

antes de tudo, uma crítica extrema dos costumes e da moralidade

religiosa e daqueles que ela denomina de burguesas, como atestam

seus artigos para O Homem do Povo”339.

O segundo romance de Amado, somado aos demais da década

de 1930, representou um esforço do escritor em constituir uma obra

inscrita dentro da perspectiva do “romance proletário”. Mas, quais

leituras foram tomadas como referência para a construção de um

corpo literário dentro dessa estética? Não existem estudos

aprofundados sobre as leituras feitas por Jorge Amado. Analisar o

conteúdo dessas obras nos permitiria entender melhor as verdadeiras

aproximações entre o tipo de romance proletário construído pelo

autor e sua relação com os romances estrangeiros. Táti elencou

alguns livros de escritores russos ou de outras nacionalidades que

338
MENDES apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 72.
339
PALAMARTCHUK, Os novos bárbaros: escritores e comunismo no Brasil
(1928-1948), p. 117-118.

121
estiveram presentes na vida literária de Jorge Amado, como Judeus

sem dinheiro, de Michael Gold. Inclusive, disse o comunista, que esse

volume fez muito sucesso e influenciou muitos escritores340.

Ainda sobre os escritores estrangeiros lidos por Amado, Táti

acrescentou à lista:

os neonaturalistas americanos D. H. Lawrence341,


O‟Neill, Steinbeck; as novelas soviéticas do período da
guerra civil (A Semana de Lebedenski; Beco sem saída,
Vierresaief; A corrente de ferro, de Serafimovitch;
Cimento, de Gladkov; Terra e sangue, Sholokov)342.

Aos nomes citados no fragmento, podemos acrescentar,

conforme entrevista cedida por Jorge Amado a Antonio Roberto

Espinosa: “Ostrovski (Torrente de Ferro), Cholokhov, Fadeiev (A

Derrota), Isaac Babel (Cavalaria Vermelha), Pliniak, Ilya Ehrenburg

(Júlio Jurenito)”343. Os livros enumerados foram traduções lançadas

pela Editorial Pax344, que era financiada por Carlos Prestes e

340
Segundo Lincoln Secco “sai pela Pax em 1932, em 1934 pela Cultura
Brasileira e em 1944 pela Calvino, sempre na tradução de Cid Franco”. SECCO,
Lincoln. Leituras comunistas no Brasil (1919-1943). In: DEAECTO, Midori;
MOLLIER, Jean-Yves. Edição e revolução: leituras comunistas no Brasil e na
França. Cotia, São Paulo: Ateliê Editorial; Belo Horizonte, Minas Gerais: Editoria
UFMG, 2013, p. 56.
341
Acreditamos que Táti cometeu um pequeno engano, pois David Herbert
Lawrence não era americano, e sim natural da Inglaterra.
342
TÁTI, op. cit., p. 40; ALMEIDA, op. cit., p. 100. As pesquisadoras Denise
Adélia Vieira e Teresinha Vânia Zimbrão da Silva fazem breve citação desses
livros em: SILVA, Teresinha Vânia Zimbrão; VIEIRA, Denise Adélia. O
Comunismo nas Letras Brasileiras: a década de 1930. Língua e Literatura
(USP), v. 30, p. 309-310, 2012. Ainda sobre alguns apontamentos em torno do
romance proletário russo Cf. PALAMARTCHUK, Os novos bárbaros: escritores e
comunismo no Brasil (1928-1948), p. 111 e ss; BARBOSA, op. cit., p. 109 e ss.
343
AMADO; GOMES, op. cit., p. 13.
344
TÁTI, op. cit., p. 40; RAILLARD, op. cit., p. 55.

122
funcionava na rua Libero Badaró, em São Paulo 345. Lincoln Secco

esclarece-nos que o PCB foi importante na introdução da nova

literatura, no Brasil, por meio de suas poucas livrarias346.

O país ainda não dispunha de muitas editoras347. Editorial Pax

(1931-1932), Calvino Filho Editor (1929-1933), Unitas, Edições

Cultura Brasileira, Caramuru (1934), Athena, Alba, Editorial Trabalho,

SELMA e Nosso Livro foram editoras que, em certa medida tinham

alguma vinculação com alguém do meio comunista. Muitos dos

romances socialistas que serão lidos pelos comunistas na década de

1930, inclusive Amado348, foram publicados por essas editoras-

livrarias.

Segundo Alessandra El Far, com as transformações ocorridas no

início do século XX foram propícias para o surgimento de um

“verdadeiro mercado editorial e de novos escritores”. Acrescenta

autora que:

345
SECCO, op. cit., p. 55.
346
Idem.
347
“Não eram realmente vastos os limites geográficos desse território, iam da
Travessa do Ouvidor, endereço da Livraria e Editora Schmidt, até a Cinelândia,
onde funcionava o movimentado consultório do poeta (e médico) Jorge de Lima
e a não menos movimentada redação do Boletim de Ariel, na sede da Ariel
Editora. Nesses locais – a Editora José Olympio só se mudou de São Paulo para
o Rio em 1934 –, os literatos se reuniam para falar de cultura e da vida alheia,
comentar livros, elaborar projetos, firmar ou desancar glórias estabelecidas ou
nascentes. População literária pequena, produção editorial reduzida, todos os
autores se conheciam, liam-se todos os livros. Penso que naqueles idos não
passávamos de uns trezentos indivíduos que se dedicavam às letras em todo o
país”. AMADO, Jorge apud BARBOSA, op. cit., p. 106-107.
348
SECCO, op. cit., p. 55. Acrescenta Secco que “Livros comunistas
encontravam guarida também em empresas sem qualquer ligação ideológica
com o partido, simplesmente porque tinha impressoras. A Editora Revista dos
Tribunais possuía parque gráfico próprio, depois da aquisição de um lote de
máquinas da falida empresa lMonteiro Lobato e & Cia. O livro Evolução Política
do Brasil de Caio Prado Junior saiu por lá”. Idem.

123
Ora na esteira das grandes promessas, ora em meio a
um começo mais singelo, diversos escritores
despontaram ao longo do século XX, consagrando, ao
mesmo tempo, aqueles que descobriam e editavam
suas obras. Nesse sentido, podemos citar, dentre
muitos outros, Manuel Bandeira, José Lins do Rego,
Graciliano Ramos, João Guimarães Rosa, Rachel de
Queiroz, Clarice Lispector, Cecília Meireles, Lygia
Fagundes Telles, Jorge Amado, Rubem Braga, Fernando
Sabino e Érico Veríssimo.349

As condições necessárias para o surgimento de editoras, não

apenas representaram um grande avanço para abrir o mercado

editorial para novos autores, como a publicação de traduções de

clássicos internacionais. Secco informa que Beco sem saída e

Passageiros de terceira foram publicados como literatura proletária350.

Esses livros foram referências para Jorge Amado:

Havia entre outros um romance alemão, Passageiros de


Terceira Classe, de um certo Kurt Klaber – um homem
cuja pista procurei desesperadamente mais tarde;
encontrei-a nos anos 50, quando eu estava na
Europa... Era um romance estranho, um romance
proletário todo em diálogos, inteiramente em diálogos,
que contava a viagem de barco de emigrantes alemães
voltando dos Estados Unidos para a Alemanha, e o
drama destes emigrantes.351

349
EL FAR, Alessandra apud BARBOSA, op. cit., p. 107. Reitera Barbosa que
esses “novos romancistas passam a produzir em um contexto de aceleradas
transformações no mercado editorial brasileiro. Segundo Andéa Galucio, a crise
de 1929 foi imprescindível para a instauração e consolidação de um mercado
brasileiro de livros. Até então, o preço do imposto de importação de livros
impressos era mais baixo do que o imposto para a importação de papel, o que
fazia com que o mercado brasileiro de livros fosse alimentado, sobretudo, por
material importado. Com a crise, „o quadro econômico provocava uma
diminuição na capacidade de comprar bens importados, livros entre eles‟, o que
favoreceu o aumento da produção de livros no Brasil. O crescimento do
mercado livreiro na primeira metade do século XX pode ser verificado a partir
surgimento de pequenas e médias editoras”. Ibidem, p. 108.
350
SECCO, op. cit., p. 57.
351
RAILLARD, op. cit., p. 55.

124
Na entrevista a Raillard ficou evidente que o comunista leu o

romancista alemão Kurt Klaber por considerá-lo um romancista

proletário. Jorge Amado expõe que viu no escritor alemão uma

esperança para o modelo estético literário que se propunha a

escrever. Quando esteve na Europa, o escritor buscou pistas do

romancista alemão, e descobriu apenas que, com a ascensão do

nazismo, “estabeleceu-se na Suíça, e lá o citado „romancista

proletário‟ transformou-se num autor de best-sellers para mocinhas,

gênero Delly... Na hora abandonei as minhas pesquisas” 352.

Independente do caminho tomado por Kurt Klaber, acreditamos que

foi um dos que mais marcaram Amado.

Ainda sobre O Cimento, de Gladkov, também citado por Táti

como sendo referência na estética literária amadiana da década de

1930, José Carlos Mariátegui considerou que não se tratava de uma

obra de propaganda, e sim, um romance realista, no qual “Gladkov

não se propôs absolutamente à sedução dos que esperam, perto ou

longe, que a revolução mostre sua face risonha, para decidir segui-

la”353. No sentido de justificar o realismo de O Cimento354,

acrescentou o autor que a literatura proletária “tende naturalmente

352
Ibidem, p. 56.
353
MARIÁTEGUI, José Carlos. Revolução Russa: história, política e literatura.
São Paulo: Expressão Popular, 2012, p. 270-271.
354
Sobre uma descrição do enredo de O Cimento ver: Ibidem, p. 273-274.

125
ao realismo, como à política, à historiografia e à filosofia

socialistas”355.

Não podemos partir para uma discussão sobre realismo

socialista sem antes fazermos uma breve definição do realismo

nascido das necessidades de uma sociedade burguesa356. Com o

advento do desenvolvimento do capitalismo e as transformações

ocorridas - especialmente no acesso à educação, à informação pelo

intenso crescimento dos jornais e acesso a livros mais baratos -

acabaram gerando demandas significativas no campo do fazer

literário. Como mostra Tânia Pellegrini, nada “interessa mais ao leitor

„médio‟ – se é que aqui já se pode usar esse termo – do que ver

representado nos textos o seu modo de vida, seus próprios

sentimentos e anseios”357.

E segundo esclareceu Georg Lukács, são as necessidades

históricas que estimulam o surgimento de novos estilos literários, que

por vez se tornam produtos necessários para a “evolução social”358.

Pellegrini, mesmo reconhecendo o caráter impreciso e

escorregadio do conceito, traçou uma discussão importantíssima

sobre o mesmo359.

É necessário considerar, entretanto, que a importância


histórica ligada à questão do realismo é inegável,
repousando, em última instância, no fato de que ele faz

355
Ibidem, p. 271.
356
LUKÁCS, op. cit., p. 51, 52 e 83; PELLEGRINI, op. cit.; DIAS, op. cit., p. 280
e 304.
357
PELLEGRINI, op. cit., p. 144-145.
358
LUKÁCS, op. cit., p. 53-54.
359
PELLEGRINI, op. cit., p. 137.

126
da realidade física e social (no sentido materialista do
termo) a base do pensamento, da cultura e da
literatura; seu surgimento está relacionado também à
íntima conexão – sobejamente traçada por filósofos e
historiadores –, de seus pressupostos básicos com o
abandono da crença em valores transcendentais, ou
seja, com o “desencantamento do mundo” iluminista; a
força que adquiriu na França deve-se sobretudo ao
acontecimentos históricos de 1830 e 1848, que
intensificaram sobremaneira a politização das artes e
da literatura. Enfim, enquanto postura e método, o
realismo desde o início negou que a arte estivesse
voltada apenas para si mesma ou que representar fosse
apenas um ato ilusório, debruçando-se agora sobre as
questões concretas da vida das pessoas comuns,
representadas na sua prosaica tragicidade.360

Foi na França e na Inglaterra do século XIX que o realismo

ganhou corpo, tendo como intuito representar aspectos da vida

burguesa. Baseada em Raymond Williams, a autora esclarece que o

termo configura-se enquanto método e postura no campo da arte e

da literatura, porque requer “uma excepcional acuidade na

representação e depois um compromisso de descrever eventos reais,

mostrando-os como existem de fato, sendo que aqui, em muitos

casos, inclui-se uma intenção política”361.

Segundo Pellegrini, o realismo, no Brasil, ganhou corpo com o

livro O filho do pescador (1843), do escritor Teixeira e Souza, “em

pleno Romantismo, fase inicial de pesquisas e debates sobre a

identidade nacional da nossa literatura”. Alude a autora que Eça de

Queirós362, vindo de uma viagem feita à França e Inglaterra, acabou

360
Ibidem, p. 139-140; LUKÁCS, op. cit., p. 79.
361
PELLEGRINI, op. cit., p. 139.
362
“O escritor português defende o intuito moral, de justiça e de verdade da
nova escola que, para ele, não se restringe a um simples modo de expor,

127
realizando em Portugal a conferência O Realismo como nova

expressão da arte (1871), “quinze anos depois de Jules-François

Champfleury ter utilizado o qualificativo „realista‟ para a pintura de

Courbet, no artigo „Le Réalisme‟, de 1857, na França”. E foi a partir

daí que o realismo adentrou o mundo português 363. Segundo

Pellegrini:

Realismo brasileiro (aqui tomados como „estilo‟ ou


escola‟), são as posturas e os métodos adotados por
seus autores, os traços mentais e afetivos que
imprimem às suas narrativas, a escolha e a disposição
dos detalhes da vida quotidiana observados, em suma,
a organização e articulação coerentes dos materiais
textualmente representados, consubstanciando, em
maior ou menor grau, a interrelação dialética entre
indivíduo e sociedade em cada momento, explicitada
sobretudo no abandono da idealização e da ênfase
retórica, em busca de um modo impessoal de
acercamento da realidade, tal qual se fazia na Europa.

Considerando que tantos os escritores franceses quanto os

portugueses eram lidos na Bahia364, acreditamos que os escritores

realistas europeus foram tomados como referência para a produção

de textos literários que usavam as realidades regionais como

inspiração, especialmente àqueles vinculados ao regionalismo

tradicionalista e o tradicionismo dinâmico. Cremos, igualmente, que

Amado acabou inspirando-se, em certa medida, nesse realismo de

Eça de Queirós para a escrita de O país do carnaval, assim como

todos aqueles jovens escritores da AR e Arco & Flexa que

minudente, trivial, fotográfico. Ou seja, não é apenas um método, mas também


uma postura”. Ibidem, p. 149-150.
363
Ibidem, p. 150.
364
SILVA, Âncora de tradição: luta política, intelectualidade e construção do
discurso histórico na Bahia (1930-1945), p. 86-87.

128
compartilhavam do sonho de uma literatura voltada para as questões

socioeconômicas e culturais das regiões para entender o Brasil em

sua completude.

Por outro lado, torna-se necessário traçarmos uma discussão

em torno do realismo socialista enquanto uma estética que marcou os

romances de Amado, considerando que era uma das orientações aos

escritores e artistas vinculados ao partido. O realismo da literatura

russa foi apresentado no discurso de Andrei Zhdanov, no I Congresso

de Escritores Soviéticos, ocorrido entre os dias 17 de agosto e 01 de

setembro de 1934, em Moscou. Zhdanov foi do Partido Comunista da

União Soviética (PCUS) e braço direito de Josef Stalin. Seu discurso

no congresso esteve respaldado nas conquistas da “nova sociedade

soviética”.

O congresso fora fruto de um processo de transformações

sociais, políticas, econômicas e culturais da sociedade soviética. Com

a extinção da Associação de Escritores Proletários Russos (RAPP), por

Stalin devido a sua orientação trotskista, o governo russo criou a

União dos Escritores Soviéticos com intuito de oficializar uma nova

política cultural. A criação da instituição que ditaria uma nova

estética, coincidiu com o retorno de Lukács para a URSS365.

Recorrendo às suas memórias sobre o período de agitação político-

cultural, afirmou Lukács:

365
DIAS, op. cit., p. 285-286.

129
Já que a direção da RAPP fora bastante sectária, uma
grande parcela da opinião pública literária do socialismo
daquela época aprovou a dissolução e colocou grandes
esperanças em suas conseqüências. Essas esperanças
se desvaneceram paulatinamente, pois o regime de
Stalin visava tão somente quebrar o poder da direção
da RAPP, de orientação trotskista; o aparelho estalinista
não tardou em estabelecer um retorno ao domínio da
tendência sectária em literatura.366

Voltemos, no entanto, para o discurso de Zhdanov aos

congressistas, no qual afirmou que a URSS conquistou grandes

avanços no setor das indústrias367. Sustentados pela leitura do

historiador Jorge Ferreira, acreditamos que o discurso de Zhdanov

não pode ser interpretado como mera vontade de divulgação

falaciosa das vitórias do modelo de desenvolvimento econômico

soviético, porque entre “1929 e 1932, o setor elétrico cresceu de 5

mil kw para 13,5 mil; a produção de petróleo passou de 11,6

toneladas para 28,5 e o número de tratores aumentou de 27.000

para 148.000”368.

Na visão de Ferreira, os avanços soviéticos foram grandiosos e

continuaram a crescer, porque em “apenas uma década, de 1928 a

1938, „a produção de carvão passou de 30 para 133 milhões de

366
Ibidem, p. 289.
367
ZHDANOV, A. A.: Soviet Literature - Richest in Ideas, Most Advanced
Literature. In: Gorky, Radek, Bukharin, Jdanov e outros "Escritores Soviéticos
Congress 1934", p. [quarto parágrafo], Lawrence & Wishart, 1977. O método
de paginação expresso foi adotando considerando que não tem numeração por
se tratar de um documento publicado no formato html. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/zdhanov.ht
m. Acesso em: 15 de jun. 2016; Cf. LUKÁCS, op. cit., p. 85.
368
FERREIRA, Jorge. URSS: mito, utopia e história. Tempo, Niterói, v. 3, n. 5,
p. 5, 1998.

130
toneladas; (...) de aço, de 4 para 18 milhões de toneladas; de

automóveis, de 1.400 para 211.000 unidades‟”369. Mesmo que as

metas de produção tenham se respaldado em critérios fantasiosos e

voluntaristas, a URSS transformou-se numa economia industrial que

produzia “aço, máquinas, turbinas, petróleo, tratores, tanques de

guerra e aviões a partir de seus próprios recursos”370. Para o

historiador e ex-militante do PCUS, Kiva Maidanik, isso tudo

representou apenas os resultados de uma industrialização que se

constituiu forçada na URSS371.

The victory of the socialist system in our country has


resulted in the abolition of parasite classes, the
abolition of unemployment, the abolition of pauperism
in the countryside, the abolition of city slums. The
whole aspect of the Soviet land has changed. The
mentality of its people has been radically altered. The
“illustrious persons” of our country have come to he the
builders of socialism, the workers and collective
farmers.372

Esta citação é bem expressiva. Explicou Zhdanov que a vitória

do socialismo resultou na eliminação do desemprego, das favelas e

do sistema de exploração. Os operários e as fazendas coletivas são

citados como personagens ilustres do socialismo soviético.

Sobre as fazendas coletivas, vale ressaltar o tipo de relação que

o governo soviético tinha com os camponeses. Em janeiro de 1930,

iniciou-se na URSS o processo de coletivização forçada do campo,

369
Idem.
370
Ibidem, p. 5-6.
371
MAIDANIK, Kiva. Depois de Outubro, e agora? Ou as três mortes da
Revolução Russa. Tempo, Niterói, v. 3, n. 5, p. 6, 1998.
372
Ibidem, p.[quinto parágrafo].

131
resultando numa guerra promovida pelo Estado para combater a

população rural. O confronto com os camponeses “serviu como

pretexto para Stalin mobilizar milhares de agentes para „liquidar os

kulaks como classe', segundo suas próprias palavras”373. Para

Maidanik, tais aspectos representaram o processo de construção de

uma sociedade do Estado total374.

Sobre o evento, acrescenta Ferreira:

Cercados em suas aldeias por tropas armadas com


metralhadoras, os camponeses capitularam, não sem
antes destruir as ferramentas e matar cavalos, vacas,
carneiros e cabras. Calcula-se que 45% do gado foi
sacrificado e 70% do rebanho de carneiros e cabras foi
dizimado. Como em uma vingança premeditada, eles
ameaçaram as cidades com o espectro desesperador da
fome.375

Com o fim da repressão stalinista, os camponeses tiveram que

abandonar suas terras e fixarem-se em fazendas coletivas, e outros

milhares foram barrados na integração às novas organizações

agrícolas. “Os resultados das arbitrariedades, injustiças, destruições e

massacres foram danosos para a economia rural e a do próprio

país”376, resultando na baixa da produção de grãos e redução do

rebanho bovino. O que contribuiu para a criação de sentimentos

diversos entre os setores populares que se sentiam usurpados e

desorientados377.

373
FERREIRA, op. cit., p. 4-5.
374
MAIDANIK, op. cit., p. 6.
375
FERREIRA, op. cit., p. 5.
376
Idem.
377
MAIDANIK, op. cit., p. 17.

132
Apesar da relação repressora estabelecida com os trabalhadores

do campo, não se pode negar que a URSS tornou-se um modelo de

crescimento em plena crise econômica dos países capitalista, em

decorrência da crise de 1929. Os militantes comunistas de outros

países, inclusive o Brasil, passaram a fazer propaganda do progresso

soviético em jornais, revistas e livros de divulgação, nos quais a

URSS era apresentada como modelo de transformação da

humanidade378. Para Maidanik, na década de 1930, os soviéticos

construíram um sistema alternativo de desenvolvimento e sociedade

que tiveram pontos positivos, embora o autor alimente em sua

narrativa um pensamento pessimista sobre as questões político-

econômicas do Estado379.

Zhdanov continuou exaltando as conquistas da sociedade e da

cultura soviética, que estava aumentando seu peso nas questões

internacionais. Em sua leitura, a URSS constituía-se como referência

para o proletariado internacional: “mighty bulwark of the coming

world proletarian revolution”380. Caberia ao proletariado se unir para

liquidar o capitalismo, eliminando seus vestígios da vida econômica e

consciência das pessoas.

the survivals of capitalism in the consciousness of


people means fighting against all relics of bourgeois
influence over the proletariat, against laxity, against
loafing, against idling, against petty-bourgeois

378
FERREIRA, op. cit., p. 3-4.
379
MAIDANIK, op. cit., p. 10.
380
ZHDANOV, op. cit., p. [sexto parágrafo].

133
dissoluteness and individualism, against an attitude of
graft and dishonesty towards public property.381

Para Zhdanov, o I Congresso protagonizado por escritores

russos - como Maxim Gorky, Karl Radek, Nikolai Bukharin e A. I.

Stetsky - representou a vitória das doutrinas de Karl Marx, Friedrich

Engels, Vladimir Ilitch Lenin (Lenin) e Stalin382 e tais doutrinas

deveriam servir como armas na luta contra o monstro do capitalismo.

Na análise de Mariátegui, a nova literatura russa, que vai se

definindo ao longo do processo revolucionário, deveria se respaldar

na realidade vivida pelo proletariado russo. Numa tentativa de

transpor sua reflexão de maneira mais didática, expos: “Só a

literatura da revolução? Sim; só a literatura da revolução, que é toda

a nova literatura russa”383. Esse aspecto específico do mundo literário

soviético acabou despertando o interesse do mundo. Garantiu Ilya

Ehrenburg, autor de Júlio Jurenito, num “substancioso ensaio sobre a

literatura russa da revolução”384:

os estrangeiros que não conhecem a nova literatura


russa não conhecem a nova Rússia, pois só a literatura,
ao menos parcial ou convencionalmente, poderia fazê-
los compreender o processo grandioso, mais próximo
da Geologia do que da política, que se opera em um
povo de 150 milhões de almas.385

381
Ibidem, p. [novo parágrafo].
382
ZHDANOV, op. cit., p. [décimo e décimo primeiro parágrafos].
383
MARIÁTEGUI, op. cit., p. 140-141.
384
Ibidem, p. 139.
385
EHRENBURG apud MARIÁTEGUI, op. cit., p. 139.

134
No discurso de Zhdanov consta que aos poucos o proletariado

arregimentava os seus escritores. Muitos deles pertencentes a países

capitalistas, que inclusive, se encontravam em processo de

“decadência”386. A literatura russa tinha papel importante na

construção socialista, e caberia aos escritores ou engenheiros da

alma humana387, como os denominou Stalin, construir suas narrativas

nos feitos heroicos, épicos. Explana o historiador Víctor Augusto

Piemonte, que após o triunfo da revolução bolchevique, o governo

proclamou que “lo que llama intelligentsia es uno de los tres pilares

del orden socialista, junto con el proletariado y el campesinato” 388. Ou

seja, os escritores acabaram ganhando função imprescindível na nova

ordem que se estabelecia.

É quase impossível nos remetermos ao papel do intelectual na

URSS, sem lembrarmo-nos da reflexão crítica de Lukács. Para o

filósofo húngaro, a literatura russa deveria servir como força

ideológica rumo ao “aprofundamento do fim da divisão capitalista do

trabalho”389. Nesse sentido, o escritor assumiria a função de “porta-

voz do gênero humano, arte, vida e pensamento [...]”390. Para

Zhdanov:

386
NAPOLITANO, op. cit., p. 47.
387
Termo usado pelo russo Zhdanov.
388
PIEMONTE, op. cit., p. 8.
389
DIAS, op. cit., p. 297 e 302.
390
Ibidem, p. 298.

135
In the first place, it means knowing life so as to be able
to depict it truthfully in works of art, not to depict it in a
dead, scholastic way, not simply as “objective reality,”
but to depict reality in its revolutionary development.391

Acrescentou:

In addition to this, the truthfulness and historical


concreteness of the artistic portrayal should be
combined with the ideological remolding and education
of the toiling people in the spirit of socialism. This
method in belles lettres and literary criticism is what we
call the method of socialist realism.392

Zhdanov afirmou que caberia aos escritores conhecer a vida, a

ponto de poder representá-la nas obras. Não apenas como simples

representação da realidade objetiva, como mostrar a realidade em

seu pleno desenvolvimento revolucionário. No entendimento do

autor, a nova postura permitiria educar ideologicamente o

trabalhador dentro do espírito socialista, residindo aí a finalidade do

realismo socialista393.

Na interpretação de Fabio Alves dos Santos Dias, Lukács

entendeu que havia

um verdadeiro descompasso entre a realidade soviética


e as artes ali produzidas, pois enquanto a realidade que
surgira da revolução nutria as possibilidades de uma
vida efetivamente humana, ou seja, socialista, a
segunda, ao invés de catalisar tal processo, atuava
como força que lhe era contrário.394

391
ZHDANOV, op. cit., p.[vigésimo sexto parágrafo].
392
Ibidem, p.[vigésimo sétimo parágrafo].
393
NAPOLITANO, op. cit., p. 45. É interessante aludir ao fato de que para
Lukács o realismo adequado às necessidades ideológicas da URSS, poderia
servir como instrumento de triunfo do socialismo. Por isso, que não poupou
críticas aos problemas que poderiam atrapalhar no papel do realismo soviético.
DIAS, op. cit., p. 300-301.
394
Ibidem, p. 304.

136
Era necessário que os escritores tivessem uma concepção

inteiriça e madura do mundo, posto que “precisa ver o mundo na sua

contrariedade móvel, para solucionar como protagonista um ser

humano em cujo destino se cruzem os contrários”395. Lukács

entendeu que a concepção de mundo do escritor deveria estar

respaldada em experiências concretas. Ou seja, sem “uma concepção

do mundo não se pode narrar bem, isto é, não se pode alcançar uma

composição épica ordenada variada e completa”396.

Concordamos com Pellegrini quando alega que caberia ao

escritor exercer a atividade de mediação, que pode ser entendida

como um “processo intrínseco à realidade social, e não um processo a

ela acrescentado como projeção, disfarce ou interpretação, o que

permite analisar cada produto cultural como constitutivo das relações

sociais”397.

A mediação enquanto procedimento inerente ao processo

criativo do escritor ou artista também tomou um pouco da atenção de

Lukács, pois “as coisas só podem adquirir um significado quando,

nessas condições, vêm ligadas a uma idéia abstrata que o autor

considera essencial a sua própria visão de mundo”398. Para ele,

tornava-se necessário atentar para a relação entre as “coisas” e a

395
LUKÁCS, op. cit., p. 78.
396
Ibidem, p. 80 e ss. Sobre crítica referente ao impacto do isolamento em
alguns intelectuais no século XIX conferir: Ibidem, p. 52-53.
397
PELLEGRINI, op. cit., p. 142.
398
LUKÁCS, op. cit., p. 66.

137
“função” para não perder de vista a “significação artística das

coisas”399. Claro, que essa visão de mundo implica nas questões

relacionadas às posturas ideológicas do autor, conforme nos

esclarece Pellegrini400.

O realismo socialista, a partir de 1932, passou a ser encarado

como um método que tinha o papel de descrever o real, como se

fosse uma cópia do mesmo. A busca pelo real tem por fim a educação

dos proletários, fazendo despertar a consciência de classe e o espírito

do socialismo. Ou seja, a arte soviética de cunho realista assumiu

função dupla: caráter pedagógico e entretenimento401.

A definição da estética do realismo socialista aparece, segundo

Marcos Napolitano, nos estatutos das instituições que representavam

os interesses dos escritores russos. O realismo adotado pelo governo

soviético configurou como doutrina que tinha o papel de inscrever as

produções literárias dentro das diretrizes socialistas, sobretudo no

momento da centralização das organizações culturais, sob o controle

do PCUS402. Reza a União de Escritores Soviéticos, em seu estatuto

que:

O realismo socialista, que é o método fundamental da


literatura soviética, exige do artista uma figuração
verídica e historicamente concreta da realidade em seu
desenvolvimento revolucionário. Ao mesmo tempo, a
veracidade e concretude histórica da configuração
artística da realidade devem se unir à tarefa da

399
Idem.
400
PELLEGRINI, op. cit., p. 141-142.
401
NAPOLITANO, op. cit., p. 45; PIEMONTE, op. cit., p. 8-9.
402
NAPOLITANO, op. cit., p. 47; PIEMONTE, op. cit., p. 2-3;

138
remodelação ideológica e educação dos trabalhadores
no espírito do socialismo (...) o realismo socialista
garante à criação artística uma extraordinária
possibilidade de manifestar a iniciativa criadora e a
escolha de múltiplas formas, estilos e gêneros
literários.403

O estatuto da União dos Escritores Soviéticos oficializou e

reproduziu a doutrina adotada pelo partido para a orientação da

produção artístico-literária404, fazendo despertar a consciência

proletária para totalidade da realidade econômica.

La temática del realismo socialista no es puramente


una demostración objetiva sobre esto o aquello que se
expresa en la producción artística. Ella encierra también
en sí el momento de la relación práctica del autor con lo
descripto y define su posición política de clase, en
forma absolutamente natural, por aquello de que la
unidad y la relación práctica del autor realiza la
descripción de la lucha actual de la clase obrera, que
deviene el problema más importante, no sólo para el
espectador y el lector sino también para el mismo
autor.405

O escritor não deveria ser apenas aquele que descreve. A

produção artística deve expressar a relação prática do autor com a

realidade à qual delineia. Os escritores deveriam expor seus

posicionamentos políticos, como representar na obra o “punto de

vista de la clase obrera el que debía ser abordado por el realismo

socialista”406.

[…] el realismo socialista aporta un elemento nuevo, ya


que apunta a la vida “en su movimiento revolucionario”
y forma el espíritu de lectores y espectadores en
función de tal perspectiva, es decir, “según el espíritu

403
HOBSBAWM, Eric apud NAPOLITANO, op. cit., p. 48.
404
DIAS, op. cit., p. 285-286.
405
KIRPOTIN, V. apud PIEMONTE, op. cit., p. 10.
406
PIEMONTE, op. cit., p. 10.

139
del socialismo”. Balzac, Tolstoi, Chekov y los otros
viejos realistas (o realistas críticos, según se los llama a
menudo porque criticaban la sociedad burguesa)
presentaban una imagen fiel de la realidad, pero no
conocían la genial enseñanza de Marx, no podían prever
las futuras victorias del socialismo y, en todos los
casos, no tenían la menor idea de las directivas reales y
concretas en qué inspirarse para lograrlas. En esto
estriba su tragedia, su “pobreza histórica”. El realismo
socialista, en cambio, tiene por arma la doctrina de
Marx, está enriquecido por una experiencia de luchas y
de victorias y recibe la inspiración del partido
comunista, su aliado y guía vigilante y seguro. Al
describir la realidad actual, el realismo socialista
comprende la marcha de la historia y se proyecta hacia
el porvenir. Ve “las huellas visibles del comunismo”,
invisibles al ojo normal. En suma, constituye un claro
progreso respecto del arte del pasado y alcanza la más
alta cumbre de la evolución artística de la humanidad:
el realismo más realista.407

Sobre o realismo, queremos destacar a crítica de Lukács ao

aspecto “descritivo” da estética soviética. O autor esclareceu que

alguns escritores não se esforçaram para superar os problemas da

literatura russa como a “descrição”, que compreende um dos

resquícios da “tradição burguesa”408. Para o filósofo húngaro, há um

risco no ato de descrever como a naturalização de que “as

particularidades se tornem autônomas” aos tipos e coisas às quais se

referem409.

Expõe ainda que o “método descritivo acarreta a monotonia

compositiva, enquanto a arte de narração não só permite como

estimula uma infinita variedade de formas de composição”410. O

407
Ibidem, p. 8.
408
LUKÁCS, op. cit., p. 85 e ss.
409
Ibidem, p. 67-69.
410
Ibidem, p. 81.

140
método referido rebaixa o homem à condição de objeto inanimado,

comportando aí uma das aproximações existentes entre ele e o

capitalismo411.

Este é exatamente o ponto fraco (cujos efeitos são


capitais para a ideologia e para a literatura) dos
escritores que seguem o método descritivo: eles
registram sem combater os resultados “acabados”, as
formas constituídas da realidade capitalista, fixando-lhe
somente os efeitos mas não o caráter histórico-
conflitivo a luta de forças.412

Encontramos em Zhdanov o discurso de que a literatura

soviética proletária diferia da literatura burguesa, pois a segunda não

tinha mais condições de criar bons trabalhos artísticos413. A

decadência do capitalismo furtou dos escritores burgueses a

inspiração. No entendimento do braço direito de Stalin, a era do

capitalismo estava chegando ao fim, porque “Everything now is

growing stunted - themes, talents, authors, heroes”414.

Numa tentativa de desqualificar a literatura burguesa, falou

Zhdanov que o misticismo, a pornografia, as prostitutas, ladrões,

detetives policiais, superstições e brigões, são figuras que só

demonstram o caráter decadente das produções artístico-culturais da

411
Ibidem, p. 69, 76, 81, 82 e 83.
412
Ibidem, p. 83.
413
Apesar das críticas Lukács não deixou de levar em conta que as “condições
sociais do realismo burguês se diferenciam bastante das condições do
desenvolvimento do realismo socialista; basta pensar no fato de que os velhos
realistas lidavam com a base social das contradições insolúveis do capitalismo,
ao passo que o realismo socialista brota de uma sociedade na qual as
contradições sociais estão sendo levadas à sua solução definitiva, graças à
atividade do proletariado e de seu partido dirigente”. LUKÁCS apud DIAS, op.
cit., p. 312.
414
ZHDANOV, op. cit., p.[décimo sétimo parágrafo].

141
burguesia415. A crítica do soviético se aplica aos romances de Amado,

porque de O país do carnaval a Capitães de areia é marcante a

presença de ladrões, prostitutas, crenças e superstições dos

trabalhadores. Entendemos que esse tipo de crítica não afetaria

muito a produção do escritor baiano, até porque o mesmo já

confessou: “Eu sou materialista, mas meu materialismo não me

limita”416.

Querendo criticar o realismo burguês e exaltar o realismo

proletário, Mariátegui esclareceu que o primeiro não “havia

renunciado ao espírito do romantismo, contra o qual parecia reagir

irreconciliável e antagônico”. Segundo o autor, a burguesia na

filosofia, na história e na política negou-se a ser realista, já que

“aferrada a seu costume e a seu princípio de idealizar ou disfarçar

seus motivos, não podia ser realista na literatura”417.

A literatura soviética não poderia ter como incumbência

disfarçar nada, e sim mostrar o quanto era interessada. Zhdanov

convida os escritores socialistas a responderem aos escritores

burgueses, “filisteus” ou “burguês obtuso” que: “Yes, our Soviet

literature is tendencious, and we are proud of this fact, because the

aim of our tendency is to liberate the toilers, to free all mankind from

the yoke of capitalist slavery”418.

415
Ibidem, p.[décimo nono parágrafo].
416
AMADO; GOMES, op. cit., p. 11.
417
MARIÁTEGUI, op. cit., p. 272.
418
ZHDANOV, op. cit., p.[vigésimo nono parágrafo].

142
Afiançou Zhdanov que a literatura soviética não poderia ser

“apolítica”, sendo incapaz de se importar com as acusações de ser

tendenciosa por defender os interesses do proletariado.

Para Lukács:

A luta de classes pela destruição das classes liga-se


indissociavelmente ao desenvolvimento de inúmeras
formas de atividade espontânea e de um novo
heroísmo das massas trabalhadoras; em outras
palavras, liga-se à luta por um novo homem, por um
"homem de formação multilateral” (Lenin), por um
homem que não sofra nem participe, ativa ou
passivamente, de qualquer tipo de exploração de outro
ser humano (libertação da mulher etc.).419

O sentido político da literatura do realismo socialista também

deveria estar comprometido em “trazer a tona o novo homem

enquanto homem concreto”420, explica Dias. No entanto, esse homem

novo “não é um produto pronto e acabado do presente, é uma

construção dentro do processo histórico”421. A ideia de homem novo

ou homem concreto inserido nas lutas de classes e capaz de entender

a conjuntura do movimento socialista no “romantismo

revolucionário”, salientou Lukács que “seria ineficaz no embate

ideológico em prol do socialismo, pois reduziria os homens a seres

abstratos”422.

Amado assumiu o caráter partidário dos romances, até porque

havia desaparecido o “homem sem partido. Hoje ele é tão raro como

419
LUKÁCS apud DIAS, op. cit., p. 307-308.
420
DIAS, op. cit., p. 309.
421
Idem.
422
Ibidem, p. 303.

143
um animal pré-histórico”423. Ou, para fazer menção ao escritor russo

Ilya Ehrenburg, só a literatura que toma partido teria o poder de

fazer compreender a grandiosidade da luta do proletariado424.

Os escritores russos, alemães e de outras nacionalidades,

inspirados no realismo socialista, foram tomados como modelos para

as narrativas de Amado na construção do romance proletário.

Como mostra Secco, a Editorial Pax classificava as traduções

dos romances inscritos na linha soviética como romances proletários.

Entretanto, não podemos esquecer que o “realismo amadiano” não é

apenas uma herança da doutrina soviética. Adotar a realidade como

referência já era um dos postulados dos jovens da AR e demais

escritores comprometidos com o movimento regionalista para

alcançar a complexidade do Brasil.

Ao assumir o realismo socialista como modelo estético, Amado

acabou por direcionar seu olhar para a vida cotidiana e os

sofrimentos dos trabalhadores baianos, e ao mesmo tempo, esteve

comprometido em usar uma linguagem que permitisse ser

compreendido pelo proletariado e pelos pares.

Portella faz menção em sua análise à linguagem de fácil

assimilação pelo povo presente na narrativa do baiano, pois os

regionalistas preferiram dar preferência ao “oralismo popular”

brasileiro e fidelidade à fala “toda ela voltada para o nosso

423
TÁTI, op. cit., p. 57.
424
EHRENBURG apud MARIÁTEGUI, op. cit., p. 139.

144
coloquial”425. Os “palavrões” na narrativa amadiana constituíram uma

tentativa de aproximação com o público. Sobre os palavrões, afirmou

Murilo Mendes:

Discordo de alguns críticos que acharam abuso de


palavrões no romance.
Acho que os palavrões enquadrados aí com muita
espontaneidade, não se descobre preocupação de
exotismo, de efeito, no escritor. O palavrão é
necessário, é um desfôrço, um desabafo, chega mesmo
às vêzes a ser um elemento lírico.426

Não apenas a linguagem, como o realismo, denota um dos

grandes diferenciais do escritor baiano. Os críticos literários e

escritores que comentaram os romances de Amado foram quase

unânimes em reconhecer o realismo e o caráter proletário de Cacau,

Suor, Jubiabá, Mar morto e Capitães de areia427.

Depois de Cacau, disse Sodré, emergiram algumas “influências

decisivas que vão alicerçar os seus rumos e determinar a certeza da

sua continuidade na direção que seguia”428. Fica ainda mais

perceptível tal aspecto, quando o editor de O país do carnaval,

comentou que novas “influências chegaram até Jorge Amado. Alguns

homens e mulheres de esquerda atravessaram sua vida e mudaram a

orientação que se esboçava”. É muito engraçado como Schmidt se

negou a dar nome aos sujeitos que levaram o autor de Cacau para a

esquerda, sendo Rachel de Queiroz e Graciliano Ramos alguns desses

425
PORTELLA, op. cit., p. 16.
426
MENDES apud AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura, p. 72.
427
Cf. AMADO, Jorge Amado: 30 anos de literatura.
428
SODRÉ apud ALMEIDA, op. cit., p.100.

145
homens e mulheres de esquerda, que não apenas tinham nome como

também endereço.

146
CAPÍTULO III

OS ROMANCES DE JORGE AMADO NA DÉCADA DE


1930: TRABALHO, COTIDIANO E TENSÕES
SOCIOPOLÍTICAS NA BAHIA

Não resta dúvida que a passagem pelo grupo dos rebeldes e o

comunismo marcou Amado, Carneiro e Ferraz. A inserção do primeiro

dentro do movimento de renovação literária e posteriormente no

partido seriam elementos que influenciaram sua escrita como

“escritor popular”, atrelado às questões do proletariado429. Não

podemos deixar de notar que alguns pesquisadores, desconsideraram

que Amado integrava um grupo específico, que embora se

enquadrasse no movimento de renovação literária, teve igualmente

preocupações típicas de pesquisadores e escritores voltados para as

realidades que os circundavam. Este último aspecto foi pouco

discutido por Palamartchuk e Rossi, pois não atentaram para a

análise do contexto de Salvador dos anos que se dispunham a

analisar, o que compreendemos ser importante para apreender o

porquê de determinadas questões postas pelo escritor baiano, mesmo

num momento no qual ele não poderia falar de forma tão aberta

devido a repressão do governo de Getúlio Vargas.

429
PALAMARTCHUK, Ser intelectual comunista: escritores brasileiros e o
comunismo (1920-1945), p. 109 e ss. Ainda sobre esse aspecto ver ROSSI,
Gustavo. Na trilha do negro: política, romance e estudos afro-brasileiros na
década de 1930. In: Flavio Gonçalves dos Santos; Inara de Oliveira Rodrigues;
Laila Brichta. (Org.). 100 anos de Jorge Amado. História, literatura e cultura.
1ed. Ilhéus: EDITUS - Editora da UESC, v., p. 182, 2013.

147
O proletariado nas narrativas amadianas compreende diversas

profissões430. A concepção de trabalhador no autor é bastante ampla

nos romances. Amado teve a preocupação de retratar os vários

espaços de circulação e trabalho das personagens. Podemos dizer que

existem nos escritos da década de 1930, tanto os trabalhadores do

campo quanto os trabalhadores da cidade. O romance Cacau é um

exemplo clássico disso, pois nele o autor-proletário e proletário-autor

formam um único ser (nomeado na narrativa como Sergipano), e

circula entre o campo e a cidade para traçar a trajetória de sujeitos

de ambos os espaços, denunciando assim seus sofrimentos diários431.

Brincou Edison Carneiro, que Cacau foi uma tentativa de

romance proletário. Configurou-se enquanto forma de chegar às

massas servindo ao propósito revolucionário, mas não passou de uma

tentativa432, já que foi apenas em Jubiabá que a nova estética

literária se concretizou efetivamente.

O grande mérito da produção literária de Amado constituiu em

não restringir seus textos a uma mera análise do homem branco e

civilizado, e sim retratar a vida dos homens que pouco tiveram voz e

espaço nos romances produzidos pelos escritores dominantes como:

pescadores, marinheiros, mestres de saveiros, pais de santo, mães

de santo, meninos de rua, lavadeiras, operários, mendigos, ou

430
Para Jorge Amado, os meninos de rua exerciam uma profissão. Muitos deles
são descritos na obra amadiana como mendicantes. Logo, temos aí uma fuga
de Amado daquilo que a sociedade se condicionou a chamar de trabalhadores.
431
ALMEIDA, op. cit., p. 93-94.
432
CARNEIRO, Notas sobre “Suor”, p. 3.

148
mesmo intelectuais que descendiam de famílias não abastadas. A

obra amadiana tem o mérito de mostrar uma Salvador que foi palco

de conflito entre classes, de natureza étnico-religiosa,

socioeconômica e cultural.

3. 1 – O realismo de O país do carnaval

O país do carnaval começa com a chegada do baiano Paulo

Rigger ao Brasil, depois de ter ido estudar na França a pedido de seu

pai, que foi um dos maiores fazendeiros de cacau em Ilhéus, cidade

localizada no sul do Estado. Quando seu navio atraca em um dos

portos do Rio de Janeiro, o jovem Rigger se depara com a realidade

brasileira, um cenário político marcado de oposições ao grupo político

da Revolução de 1930, as disputas entre as regiões do país –

especialmente a região sudeste-, o bairrismo das elites, ainda

hegemônica, conservadoras e preconceituosas com a cultura afro-

brasileira, as disputas pelo poder das facções políticas regionais.

A realidade se torna ainda mais complexa quando ele chega à

Bahia. O autor representou em sua narrativa, o descaso dos

poderosos com a miséria dominante entre as classes desafortunadas,

a exploração de crianças, a violência contra a mulher, a prostituição,

o ódio de raça e o preconceito religioso.

Aos poucos Rigger se depara com uma Salvador que definhava

pela ”decadência, onde tudo morre aos poucos, numa tristeza enorme

149
de deixar à vida”433. Acreditamos que isso não seria um problema na

vida da personagem, porque ainda estava embebecido pelo frescor da

vida europeia que levou em Paris, quando estudante.

Sobre a personagem Rigger, diz Wlamyra Ribeiro de

Albuquerque:

O personagem, apesar de ser baiano, estranhava a


cidade como um estrangeiro. Havia se depurado dos
costumes da terra, havia se civilizado entre os
europeus. Achava tudo estranho: o entusiasmo dos
populares, a arquitetura colonial, o clima tropical...
levando-o a se definir como brasileiro por nascimento,
mas francês por formação. As impressões do
protagonista refletem a perplexidade dos letrados da
Primeira República diante da cidade da Bahia, uma vez
que o casario antigo e os hábitos de seus habitantes
faziam parte de um passado que se esperava superado.434

E agora que está no Brasil, ele volta para a sua terra natal, e

será envolvido pelos problemas do amor, pelo conturbado e

disputado campo intelectual baiano, se atentará junto com seus

amigos aos problemas da vida como a felicidade, os conflitos com a

tradição435.

Rigger não dá conta de todas as questões que aparecem no

enredo. Mas, o autor forjou personagens-intelectuais que permitirão a

Rigger refletir sobre o que está a sua volta, e que nem sempre ele

consegue lidar. Nesse sentido, uma das personagens mais caras para

433
AMADO, O país do carnaval, p. 40-41.
434
ALBUQUERQUE, Wlamyra Ribeiro de. O civismo festivo na Bahia:
comemorações públicas do dois de julho (1889-1923). 1997. p. 15. Dissertação
(Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia. 1997. Leva a nota para o corpo
do texto.
435
Conferir análise de TÁTI, op. cit., p. 24.

150
o autor é Pedro Ticiano, que tem sessenta e quatro anos e um forte

senso crítico.

Pedro Ticiano dedicou muitos anos de sua vida como um

trabalhador da imprensa. Agora “estava, na ultima fase da sua vida,

à imagem do jornalismo, onde fizera”436. Quando atuou no Rio de

Janeiro ficou conhecido pelos “seus epigramas e pelo seu espírito

sarcástico”437, o que lhe conferiu grande destaque na imprensa da

cidade.

Pedro Ticiano tem muito do líder dos rebeldes dos anos 1930438.

Acreditamos que a personagem seja inspirada nas convivências do

autor com Pinheiro Viegas439. O escritor chegou mesmo a afirmar na

entrevista a Antônio Roberto Espinosa que Pinheiro Viegas era o guru

do grupo, era “um homem de quase oitenta anos, que é um pouco do

Pedro Ticiano do meu primeiro livro, O país do carnaval”440.

436
AMADO, O país do carnaval, p. 34.
437
Ibidem.
438
SOARES, op. cit., p. 86-87. Sodré chegou mesmo a afirmar em seu artigo
que Pedro Ticiano era Pinheiro Viegas em O país do carnaval. SODRÉ, op. cit.,
p. 13.
439
Um dos companheiros de Pinheiro Viegas assim o descreve: “Estatura
mediana, testa ampla, lábios finos de acentuada comissura, magro, quase
ossudo, todo vestido de preto da cabeça aos pés – vale dizer: do chapéu aos
barzeguins – óculos cavalgando um nariz adunco, através dos quais os olhos
maliciosos desferiam chispas de inteligência e de sarcasmo. Para completar
esse perfil corvino, portava uma bengala, também preta, de castão prateado,
com a qual, nos seus momentos de cismas, dava, de quando em vez, umas
pancadinhas no chão exclamando – como num susurro evocativo de alguma
frustração recôndita “Felicidade... Felicidade é uma mulher perdida”. À primeira
vista, era uma figura estranha, exótica, mefistofélica. De longe, uma
personagem egresso dos contos fantásticos de Hoffmann”. SOARES, op. cit., p.
86.
440
AMADO; GOMES, op. cit., p. 10.

151
A juventude da AR tinha um grande apresso por Pinheiro

Viegas, não apenas por ser o criador da agremiação, por ser mais

velho e ainda deter algum prestígio, como também pelo seu

engajamento no campo das letras.

Pinheiro Viegas era uma pessoa difícil, personalidade forte e

extremamente provocativa441. Tais qualidades foram, em maior ou

menor medida, atribuídas a Pedro Ticiano, que enfrentou autoridades

importantes ligadas às elites cariocas, quando ainda residia no Rio de

Janeiro como renomado jornalista. Devido a isso, ele retorna a

Salvador onde consegue prestígio e inimigos442. Como Pinheiro

Viegas, Pedro Ticiano tinha muitos inimigos escritores e políticos.

Existiam muitas características que aproximavam a personagem do

sujeito da vida real.

Pedro Ticiano tinha uma atração pelo humor. Suas leituras

sobre os humoristas é uma pista sobre o universo psicológico de um

intelectual que tem muitos motivos para se sentir intimamente

descrente da vida. Aí está uma aproximação com Pinheiro Viegas,

pois, para ele, o humor seria um “paraíso artificial, na arte, substitui

as visões de outro mundo melhor, ópio, haxixe, o álcool, a

441
O jornalista D‟Almeida escreveu um artigo sobre a personalidade e talento
literário de Pinheiro Viegas afirmando que de quando em quando também
acompanhava o fundador da AR nos cafés importantes da cidade. Parece que
algumas qualidades atribuídas a Pinheiro Viegas não foi invenção dos seus
inimigos, até mesmo porque aqueles que o acompanharam acreditavam que ele
foi um dos intelectuais cuja “maldade fez morada [...]. Nunca dos seus labios
se ouviu o louvor a alguem. Foi quasi só a satyra ferina, peçonhenta, venenosa
e infamante que jorrou da sua boca”. D‟ALMEIDA, op. cit., p. 15.
442
AMADO, O país do carnaval, p. 35-36.

152
cocaína”443. Não espanta pensar, e nem seria exagero sugerir, que ler

sobre tal temática poderia ser entendido como um refúgio da

realidade objetiva. Seria uma maneira de mascarar suas dores fruto

de uma trajetória de perseguições e repreensões.

Pedro Ticiano exerce grande influência na vida dos jovens

intelectuais que tanto dialoga. É notório o seu controle sobre a vida

de Jerônimo Soares, que é o “mais apagado deles [...]. mulato claro,

bom rapaz, ingênuo, sem pretensões, sem vaidades, lugar-comum

humano, que Ticiano vivia, entretanto, a fazer à sua imagem e

semelhança”444. Nem sempre isso deve ser entendido num bom

sentido.

Pedro Ticiano exerce um poder perturbador sobre Jerônimo

Soares, tirando-lhe a calma, serenidade, e agora está “insatisfeito,

cheio de dúvidas, sem encontrar a sua estrada na vida” 445, e

acrescentou o autor que ele havia tirado “a ideia de Deus e burlava

do seu patriotismo. Jerônimo chegou a ser um joguete em suas

mãos. E ele brincava com aquela alma, moldando-a à sua

vontade”446.

Se Pedro Ticiano consegue domínio sobre os pensamentos de

Jerônimo, com A. Gomes é diferente. É marcante a presença dele no

enredo do romance. Está sempre decidido a ocupar funções na vida

443
SOARES, op. cit., p. 87.
444
AMADO, O país do carnaval, p. 38.
445
Ibidem, p. 39.
446
Idem.

153
profissional da cidade, é ambicioso, cheio de artimanhas para

conseguir o desejado. Era diretor da revista Bahia Nova447, que teve

uma vida relativamente longa, com 25 edições, e contava com a

colaboração dos “coronéis-prefeitos”448 do sertão.

Em troca de apoio dos prefeitos municipais que procurava,

Gomes publicava coisas relacionadas aos referidos municípios,

estabelecendo-se uma relação política baseada na troca449. Talvez a

audácia de Gomes somada a sua inteligência tenham sido as

qualidades que conquistou a afeição de Ticiano ao jovem intelectual.

Ricardo Brás não aprova determinados comportamentos do amigo, a

ponto de afirmar que “– Você, Gomes, é um canalha, mas você

vence. Tem alma de chantagista, não tem moral alguma”450. O que

Ticiano discorda. Para o velho jornalista, o homem de talento não

deve ter moral, é uma tolice. Para a personagem, único defeito

imperdoável no homem é a burrice.

A discussão sobre os valores das personagens é uma constante

no romance e estão sempre sendo postos à prova. A geração que

Jorge Amado constrói na narrativa, assemelha-se muito com a

geração dos anos 1920 e 1930 que ainda está à procura de rumos e

caminhos que os leve para as respostas da vida.

447
AMADO, O país do carnaval, p.33, 37 e 38.
448
Termo usado por Amado. Ibidem, p.37.
449
Ibidem, p. 37-38.
450
Ibidem, p. 38.

154
Ricardo Brás é um nato intelectual que enfrenta a falta de

apadrinhamento para conseguir seu lugar entre os intelectuais. Sua

vinda do estado do Piauí para a Bahia resultou em seu ingresso na

Escola Agrícola, tendo que abandonar os estudos por falta de

recursos. Entrou na Faculdade de Direito, e agora está prestes a se

formar. Escreveu um livro de versos que foi publicado e “como os

versos fizeram sucesso, começou a odiá-los”.

A personagem tem grande sensibilidade para as questões do

amor e da poesia451. Ricardo Brás detém algumas das preocupações

de um homem com intelecto voltado para as letras, especialmente a

poesia. É um indivíduo apaixonado pela vida e luta para vencer os

obstáculos impostos por uma sociedade elitista. Ele é assombrado

pelo fantasma do pessimismo, e sua trajetória acadêmica ajuda muito

nesse sentido.

Outro jovem intelectual que integra o grupo de amigos de Paulo

Rigger é José Lopes, caracterizado pelo autor por uma áurea de

estranheza, embora seja detentor de grande talento452. Recém-

formado453, não gosta de uma literatura de frase de espírito e tão

pouco de paradoxos, porque está integrado no espírito da seriedade

da geração. Acredita que a literatura de frases e o endeusamento do

451
Ibidem, p. 37.
452
Ibidem, p. 39.
453
O autor não dá indicação da área de formação da personagem.

155
ceticismo devem ser combatidos, pois os louros da produção

intelectual merece a coroa da produção séria454.

Amado mostra um José Lopes apegado aos amigos devido à

ausência da família e, por isso, extremamente sentimental. A

personagem não tem afeição ao amor e ao casamento. Acredita ter

nascido para esposo traído. Logo, o amor não tem sua confiança,

sendo motivo de muito medo.

A representação de uma pequena parcela dos intelectuais

soteropolitanos permite-nos delimitar os sentimentos de medo,

frustação e ressentimentos que marcavam uma geração. Sujeitos

detentores de idades diversas, de pensamentos comuns, mas,

igualmente, muito diversos. São muitas vezes unidos pelas incertezas

do “fim” que os aguarda, ou mesmo por serem intelectuais455.

Como Amado delineia os círculos de sociabilidade de suas

personagens-intelectuais? Quais são os elementos de ligação

construídos pelo autor para esses intelectuais da década de 1930?

Como se articulam frente aos problemas? Questões como estas são

caras para refletirmos sobre a natureza dessa intelectualidade

desenhada pelo autor em seu romance. Nem sempre é uma tarefa

454
Ibidem, p. 39-40.
455
“Os intelectuais protagonistas do romance vivenciam um dilema que,
segundo o autor, não era mais entre escolher ou não, mas sim o quê escolher
e, neste ponto, se completará sua noção de „verdadeiro intelectual‟. Enquanto
as duas principais personagens, Paulo Rigger e José Lopes, passam o romance
todo debatendo entre qual a melhor opção”. Os dilemas sobre as escolhas, os
conflitos, ou os caminhos a seguir, seja no campo do religioso, cultura ou
acadêmico é marcante em vários sujeitos de Amado, e não apenas em Paulo
Rigger e José Lopes. PALAMARTCHUK, Ser intelectual comunista: escritores
brasileiros e o comunismo (1920-1945), p. 113.

156
fácil entender os laços estabelecidos pelos intelectuais, podendo ser

de amizade, políticos ou acadêmicos. Mas, partir dos laços familiares

parece ser um ponto inicial interessante.

Em Amado pouco aparecem os laços familiares das

personagens, mas, algumas pistas são postas ao longo do romance.

Paulo Rigger é descrito como descendente de uma família rica e

proprietária de fazenda de cacau no município de Ilhéus, um dos

negócios mais lucrativos na Bahia. Ainda quando estava muito

doente, a espera da morte, seu pai pediu que Rigger fosse estudar na

Europa, pois em sua concepção o ensino em solo baiano tinha

“popularizado”. De fato, novas instituições de ensino superior e

secundário foram surgindo, mas nem todos tinham acesso.

A história de Rigger se assemelha a do autor. Este era filho de

um fazendeiro de cacau, em Ilhéus, para onde se mudou quando

ainda tinha um ano de idade. Amado, como bem lembrou Soares, era

“filho do Coronel João Amado456 de Faria e da Senhora Eulália Leal

Amado, nasceu em 1912, na fazenda Auricídia, em Ferradas, distrito

456
“O pai, João Amado de Faria, sergipano de Estância, irmão de Melchisedech
Amado (pai dos Amados de Sergipe, todos êles destacados no cenário cultural
ou social do país: Gilberto, Gildásio, Gildo, Gennyson, Genolino, Gilson,
Guiseppe, Gileno), fôra caixeiro de um armazém de secos e molhados, dos 10
aos 20 anos. Em 1902, emigrou para Ilhéus, levando de seu, no bolso, meio
conto de réis, e na determinação um desejo, mais tarde realizado, de tornar-se
fazendeiro. Com a cheia do rio Cachoeira, em 1914, perdeu tudo que tinha e
padeceu miséria. Até 1918 exerceu, na cidade de Ilhéus, oficio de tamanqueiro,
com residência no bairro de Pontal, auxiliado pela espôsa, D. Eulália Leal
Amado, sertaneja baiana de Amargosa, cuja família, em busca de fortuna,
emigrara, como o fizera João Amado, para a zona do cacau”. TÁTI, op. cit., p.
17-18.

157
de Itabuna, sul da Bahia”457. A família passou por alguns problemas

financeiros, e devido a isso o pai de Jorge Amado chegou a cortar

tamancos para sobreviver. Em “seguida, junto à família, vai morar na

Fazenda Taranga, em Itajuípe, Bahia, em 1917, vindo a ocupar-se do

cultivo do cacau”458.

Amado brincou com o nome de Pedro Ticiano, que soa um

“nome burguesíssimo e um nome de artista”459. A personagem tem

filiação num comerciante que lutou durante anos para deixar alguma

soma ou fortuna para o filho. Entretanto, um grande infortúnio

aconteceu, porque “todos o julgavam muito rico, faliu”460. O pai de

Pedro Ticiano o perseguiu quando ele demonstrava interesse pelo

jornalismo, até porque não gostava muito de literatos. Pelo que tudo

indica, a oposição do pai de Pedro Ticiano foi motivo de muitos

conflitos entre eles, a ponto da personagem tirar o sobrenome

“Tavares” e ficar apenas com o primeiro nome461.

As condições financeiras das famílias das personagens A.

Gamos, Ricardo Brás, José Lopes e Jerônimo parecem não ter muita

semelhança com as demais. Eles encontraram dificuldades para dar

continuidade aos estudos, tentando várias profissões para garantir a

sobrevivência. Não tiveram a sorte de Paulo Rigger ou mesmo de

457
SOARES, op. cit., p. 89; AMADO; GOMES, op. cit., p. 4.
458
Idem.
459
AMADO, O país do Carnaval, p. 36
460
Idem.
461
Idem.

158
Pedro Ticiano. Ricardo Brás, por exemplo, por não ter conseguido

permanecer na Escola Agrícola, lançou-se como funcionário público.

Amado buscou representar, por meio de suas personagens, os

problemas que os intelectuais vinculados às famílias não abastadas

enfrentavam durante a formação no ensino superior. Esse aspecto da

ficção amadiana assemelha-se muito com a realidade que famílias

baianas enfrentavam. Por isso, entender as articulações familiares,

parece se impor como fator importante na compreensão da vida

desses jovens que, por seu turno, pretendiam-se como futuros

intelectuais.

Ainda sobre as articulações familiares, se tomarmos o caso

Jorge Amado, entenderemos que, sem sua família, a possibilidade de

ter concluído o ensino secundário no Rio de Janeiro, ingressar no

curso de Direito e tornar-se um escritor, seriam mínimas.

Acreditamos que as conquistas acadêmicas do autor só foram

possíveis graças a sua passagem pelo Colégio Antônio Vieira, de

influência jesuítica, e locado na cidade de Salvador. O colégio, junto

com outros como Carneiro Ribeiro, Colégio Ipiranga e Ginásio da

Bahia,462 seria responsável pela “formação intelectual dos membros

das elites baianas”463. Atesta Silva que foi a instituição de ensino

secundário de maior destaque na capital464.

462
Hoje chamado de Colégio Modelo Luis Eduardo Magalhaes, localizado na Av.
General San Martin, em Salvador.
463
SILVA, op. cit., p. 80.
464
Idem; RAILLARD, op. cit., p. 31.

159
Jorge Amado sofreu a influência do padre Luís Gonzaga Cabral

– orador sacro, homem muito culto e português de nascimento-465, no

Colégio Antônio Vieira. A admiração de Amado pelo padre foi

realmente marcante em sua trajetória. Dizia que...

lá conheci um homem incrível, o padre Cabral, nosso


professor de Português; ele me emprestava livros, fez-
me descobrir As viagens de Gulliver, Dickens, que é até
hoje um dos meus autores preferidos, e isso ajudou a
suportar aquele universo rígido.466

O professor Luís Gonzaga Cabral foi quem percebeu a vocação

literária de Amado. Estava substituindo o professor Faria, que na

visão do autor, não tinha vocação para professor e muito menos para

ensinar regras gramaticais. O escritor qualificou o professor titular da

matéria como uma figura limitada467. Sobre o substituto, disse

Amado: “Então, ele fazia uma coisa que lhe agradava e agradava

imenso a gente. Ele vinha e lia textos de livros, de Camões, por

exemplo”468.

A admiração pelas aulas do professor substituto não impediu

Jorge Amado de fugir daquele estabelecimento. Ele ficou no colégio

de orientação religiosa entre 1923 a 1924, e na volta às aulas do ano

seguinte pediu a João Amado que não o enviasse à escola, porém o

465
TÁTI, op. cit., p. 15-16; AMADO; GOMES, op. cit., p. 7.
466
Silva, op. cit., p. 80-81.
467
AMADO; GOMES, op. cit., p. 7.
468
Idem.

160
pedido não foi atendido. Ficou claro nas entrevistas que Amado não

gostava da rigidez escolar, onde sua liberdade era cerceada469.

Quando estava na porta do colégio, fugiu para Sergipe onde

residia seu avô. A viagem durou dois meses, e logo ficou sem

dinheiro. Chegando em Sergipe, ficou alguns dias, e logo seu pai

mandou o tio Álvaro buscá-lo. Quando retornou confessou ao pai que

não queria mais estudar, sendo aquele o motivo da fuga. Acabou

retornando, e ficou seis meses na fazenda do avô470.

Em início de 1926, Amado ingressou no Ginásio Ipiranga –

dirigido por Isaías Alves de Almeida-, como uma espécie de castigo

por ter fugido da escola anterior471. Pelo menos no colégio novo tinha

mais liberdade. Conseguia pular o muro e ter seus momentos de

liberdade pelas ruas de Salvador. Sem contar que naquela escola

exerceu a função de escritor, como deixou bem claro na entrevista, e

ajudou na fundação de dois jornais: A Folha e A Pátria472.

Os ginásios eram poucos e os mais destacados ficavam situados

na capital. Municípios como Alagoinhas, Nazaré, Santo Amaro, Jequié

e Lençóis, na Bahia, tinham escolas ginasiais, mas em números

escassos473. Devido ao pouco número de instituições de ensino nesse

469
RAILLARD, op. cit., p. 31
470
AMADO; GOMES, op. cit., p. 8-9.
471
TÁTI, op. cit., p. 16; RAILLARD, op. cit., p. 31.
472
AMADO; GOMES, op. cit., p. 9.
473
SILVA, Âncora de tradição: luta política, intelectualidade e construção do
discurso histórico na Bahia (1930-1945), p. 79.

161
nível, alguns começavam a estudar com professores particulares, os

chamados mestres-escolas474.

Nem sempre os laços entre professores e alunos se partiam ao

término do ensino secundário. Alguns desses professores também

ensinavam nas instituições de ensino superior, como a Faculdade de

Medicina475, Faculdade de Direito.

Muitos dos integrantes da AR não eram oriundos de famílias

ricas que permitissem os estudos dos filhos, assim como, nem todos

os personagens-intelectuais de Jorge Amado. As condições dessas

famílias eram precárias financeiramente, e os estudos eram

garantidos por terceiros. Rossi, ao analisar a trajetória de Edison

Carneiro, esclarece que

Mesmo entre os rebeldes que conquistaram o título


universitário, vale a pena mencionar as condições sob
as quais muitos deles parecem ter concretizado tal
feito, num contexto de falência material e/ou política da
família, tendo que, para tanto, recorrer a parentes ou
ao capital de relações de que dispunham no interior das
frações dirigentes a fim de garantir aos filhos
oportunidades educacionais que, caso contrário,
dificilmente seriam possíveis. Exemplares, neste
sentido, foi o caso do próprio Édison Carneiro, cujo
sucesso em realizar o curso jurídico esteve diretamente
relacionado à intervenção do tio paterno endinheirado
que custeou seus estudos e dos irmãos.476

474
Termo usado na época e mantido por Silva na pesquisa. Idem.
475
Foi dessa instituição que saíram na década de 1920 as defesas da eugenia
para o estado da Bahia, onde se acreditava ser fundamental o aprimoramento
do indivíduo como forma de extirpar o patrimônio herdado da mistura de raças,
em especial a negra. Cf. COSTA, op. cit.
476
ROSSI, O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de estudos das
relações raciais no Brasil, p. 95.

162
Edison Carneiro, assim como Aydano do Couto Ferraz,

diplomou-se pela Faculdade Livre de Direito da Bahia, mas isso

aconteceu com muito esforço da família.

Amado inseriu suas personagens nos círculos das facções

políticas regionais para que consigam benefícios, como foi o caso de

Gomes com os prefeitos. No romance, o exercício de uma profissão e

ocupação de cargo numa redação acaba significando alguns dos

meios usados pela personagem para sobreviver. Ou simboliza sua

consagração como intelectual, caráter este assegurado por Pedro

Ticiano, o intelectual mais velho do grupo e tido como líder e

inspiração, embora reconheçam que ele é indiferente e cético477.

Estando todos num bar e desfrutando de cerveja, Gomes

apresenta um projeto que acaba entusiasmando o grupo, que é a

criação do jornal O Estado da Bahia – nome sugerido por Pedro

Ticiano478- sob o financiamento dos prefeitos dos municípios do

interior do estado. A intenção é torná-lo um jornal diário e ganhar

muito dinheiro com o periódico479.

O prefeito de uma dessas cidades do interior quer que


nós fundemos um jornal. Jornal dos municípios... Será
uma sociedade anônima. Cada prefeito entra com um
tanto. Nós entramos com a pena. Compraremos as
maquinas e o jornal defenderá os atuais prefeitos e as
suas administrações. Que tal?480

477
AMADO, O país do carnaval, p. 84-85.
478
Ibidem, p. 122.
479
Ibidem, p. 59.
480
Ibidem, p. 60.

163
Gomes quer integrar seus amigos ao corpo de funcionários do

periódico, demonstrando o quanto as relações de amizade são

importantes para se entender a integração de um jornalista ou

intelectual no corpo editorial de um jornal ou revista. Nas palavras de

Gomes, “Pedro Ticiano seria o diretor, José Lopes o redator-chefe.

Rigger, Ricardo e Jerônimo comporiam a redação. Ele, Gomes, diretor

comercial, cavaria os negócios. Nas horas vagas faria reportagens.

Um negoção. De primeira...”481.

A intenção inicial será ganhar dinheiro e depois expandir os

horizontes de seus integrantes no campo intelectual. Um projeto

perfeito onde trabalharão sem ambições de lucro, e com isso “talvez

enriquecessem. E ficassem conhecidos no País. Publicariam livros.

Viveriam, enfim”482.

No começo eu fazia reportagens de polícia; era


repórter de polícia, o grau mais inferior do jornalismo,
os “cães esmagados”: eu ia às delegacias para me
informar sobre o que ocorreu desde a véspera – os
acidentes, os crimes, as brigas, qualquer coisa; ia ao
necrotério para saber quem morrera, em que estado
estava o cadáver, quantas facada recebera, em que
circunstancias etc., para registro de fatos diversos,
completado por outro repórter, um pouco acima de
mim. Durante algum tempo a coisa ficou neste pé. Até
que Muniz Sodré, um homem distinto, jurista, político,
que era ou havia sido senador, já não me lembro
exatamente, e que era diretor do Diário da Bahia, um
dia se deparou com um artigo que tratava da região
do cacau; aquilo o interessou, quis saber quem o
escrevera, soube que fui eu, um moleque, que “fazia
polícia”. Ele decidiu que a partir de então eu faria

481
Idem.
482
Ibidem, p. 61.

164
parte da redação. Foi assim que me iniciei no
jornalismo, por volta de 1926.483

Amado, aos quatorze anos, se aventurou no jornalismo do

Diário da Bahia, no ano de 1926. O autor foi contratado para a

redação do jornal, entre outras razões, pela simpatia que ele

despertou em Muniz Sodré com o artigo sobre a região cacaueira, que

se tornará uma das regiões mais citadas pelo escritor em seus

escritos. Essa experiência acabou servindo de inspiração para que o

autor construísse personagens ligadas ao campo da produção

jornalística, como no caso de Gomes e Ticiano484.

A criação do jornal Estado da Bahia foi a legitimação do grupo

de Pedro Ticiano. Seus membros conseguiram espaço entre os

periódicos do estado, representando uma vitória às avessas. A

procura pelo jornal está mais relacionada às polêmicas que ele

levantava. Colocou o autor que não “era um jornal de escândalo. Mas

falava a verdade e tinha coragem. E um jornal que falava a verdade,

na Bahia, diz coisas piores do que o jornal mais infamante do

universo”485.

Mostramos por meio da historiografia que era comum os

periódicos serem usados como instrumento pelas facções político-

familiares da Bahia. As divergências em torno da prática jornalística

de um determinado jornal acabavam se tornando uma realidade,

483
SILVA, Âncora de tradição: luta política, intelectualidade e construção do
discurso histórico na Bahia (1930-1945), p. 85; SOARES, op. cit., p. 84-85.
484
RAILLARD, op. cit., p. 32-33.
485
AMADO, O país do carnaval, p. 89.

165
como os confrontos entre diferentes grupos. Na Bahia, era muito

comum os jornais pertencerem a um determinado grupo familiar, e

defenderem seus interesses políticos486. Jornais opositores e com

pouco poder de influência eram “empastelados” quando essas

famílias assumiam o poder487.

Pedro Ticiano e Gomes são marcados por posturas firmes frente

às suas opiniões. Na redação do jornal não foi diferente entre os dois.

Como sabemos, Pedro Ticiano tem opiniões críticas sobre a realidade

em que vive, e o status social de seu alvo não é relevante. Ele

padece da sinceridade, como um câncer a devorar seu corpo. Gomes,

por outro lado, não concorda com “os ataques a personagens que

pudessem dar dinheiro ao jornal”488.

Apesar dos problemas internos o jornal segue, e Gomes realiza

o tão sonhado desejo de ganhar dinheiro. Ele mora na “Avenida,

fumava charutos caros e (diziam mais ninguém acreditava) já

frequentava casas de rameiras”489. O jornal Estado da Bahia continua

sendo anunciado nas ruas pelos garotos que o vendiam490. Contudo,

os conflitos internos trariam problemas mais graves.

O rompimento definitivo entre Pedro Ticiano e Gomes acontece

após a publicação de um conto carnavalesco que possuía, segundo

486
SILVA, Âncora de tradição: luta política, intelectualidade e construção do
discurso histórico na Bahia (1930-1945); FONTES, op. cit.; ROSSI, O intelectual
“feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no
Brasil.
487
FONTES, op. cit., p. 31.
488
AMADO, O país do carnaval, p. 89.
489
Ibidem, p. 90.
490
Ibidem, p. 122.

166
ele, cenas homossexuais incestuosas. Gomes não quer que seu jornal

seja usado para falar de assuntos que desmoralizem seu estimado

periódico. A briga fez com que o grupo (Ricardo Brás, José Lopes e

Paulo Rigger) tomasse partido da situação e ficasse do lado do velho

Ticiano. Mas, que conto é esse?

Um viúvo tinha três filhos. O primeiro, já rapaz,


frequentava uma Academia e alguns campos de
futebol. O segundo não era um filho, era uma filha. E o
mais moço, garoto de uns catorze anos, internara-o o
pai num colégio. A filha, educada à americana, usava e
abusava da liberdade que lhe davam. Vem o Carnaval.
Ticiano descreveu maravilhosamente a “festa do
instinto”. O velho mete-se numa mascara e sai para
pândega. A família toda já saíra. Só o filho mais moço
devia estar dormindo no internato. Num baile onde se
jogara, o viúvo vê um lido pierrô. Formas perfeitas,
divinas... Dançaram, beberam, conversaram. Meia-
noite dirigiram-se para um aposento. O velho,
repetidamente, suspende a mascara da sua
companheira e reconhece, horrorizado...
- ... a filha? Igual aos outros!
- Não, homem. O filho! O que estava interno. Fugira do
colégio, alugara uma fantasia, e viera dançar...491

Aqui temos uma questão que precisa ser notada. O problema

do desacordo entre as personagens não está relacionado apenas às

questões internas, mas ao fato do Pedro Ticiano publicar uma crônica

que tem cena de relação homossexual incestuosa. A cena tem um

enredo interessante, porque demonstra a possível relação que o pai

teria com o filho que estava no colégio interno, e que deu um jeito de

escapar de lá, alugar uma fantasia e aproveitar a festa. A associação

da cena descrita na crônica com o jornal gera uma tensão entre as

491
Ibidem, p. 119-120.

167
personagens, porque a homossexualidade está relacionada à

imoralidade.

Não soa estranha a preocupação de Gomes, porque a Bahia

ainda era hegemonicamente católica naquele momento, e ajudou na

construção de uma sociedade muito conservadora. Mas, apesar das

dificuldades que marcam as relações entre as personagens, o fato de

serem intelectuais acaba serenando as tensões e o não rompimento

absoluto492.

Ticiano e seu grupo se encontram muito nos bares e cafés da

cidade de Salvador, possibilitando o surgimento de projetos como o

jornal Estado da Bahia. É relevante observar que os projetos dos

jovens da AR também nasciam dos encontros em espaços que

ficavam à margem de clubs elegantes, ou em bairros com feições

mais proletárias – estes ficavam geralmente a caminho da Cidade

Baixa e da Cidade Alta, próximas ao Pelourinho. Era em lugares

assim que AR encontrava jovens desafortunados e aspirantes a

poetas ou subliteratos493.

Os encontros ocorriam em cafés como Café das Meninas e Bar e

Bilhar Brunswick494. O segundo era como uma espécie de “botequim

de literatos, que se reuniam diariamente para comentar os fatos

triviais da cidade, os escândalos do mundo literário e discutir os livros

492
Ibidem, p. 131.
493
ROSSI, O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de estudos das
relações raciais no Brasil, p. 97-98.
494
SOARES, op. cit., p. 80.

168
aparecidos, as revistas novas”495. O grupo era pequeno, mas a

curiosidade em querer saber sobre os escândalos literários reunia

muitas pessoas em torno de Pinheiro Viegas496.

Circular em vários espaços permitia aos rebeldes encontrarem

personagens igualmente diversos como gente da feira de Águas de

Meninas, capoeiras, estivadores, prostitutas, pessoas que iam ao

mercado Sete Portas, pessoas não acadêmicas, meninos de rua,

vendedoras de acarajés e outras comidas típicas.

Tais elementos foram fundamentais na formação intelectual dos

rebeldes. As conversas que ocorriam nos cafés formavam redes de

sociabilidade nas quais aqueles jovens foram socializando e

consolidando projetos, como por exemplo, o regionalismo da AR

preocupado com a realidade do povo baiano a fim de querer

transformá-la.

Sem dúvida a AR, embora tenha tido uma vida curta, acabou

excitando aqueles jovens intelectuais a entenderem o cenário de

disputa intelectual e política em que vivia a Bahia, e

consequentemente o Brasil, do final da década de 1920 a início de

1930. Dalí nasceram verdadeiros sentimentos de amizade que se

tornariam, no futuro, alianças sólidas como no caso de Amado,

Carneiro e Ferraz.

495
TÁTI, Op. cit., p. 19.
496
Ibidem, p. 19-20; RAILLARD, op. cit., p. 37.

169
A semente do regionalismo não apenas germinou em O país do

carnaval, onde há uma representação do campo intelectual baiano,

como nas demais obras497.

3. 2 – O romance proletário “Cacau”: exploração e


desumanização dos trabalhadores do campo

Em Cacau, os trabalhadores exercem seus ofícios no campo

enfrentando cotidianamente vários problemas, como os climáticos:

As nuvens encheram o céu que começou a cair uma


chuva grossa. Nem uma nesga de azul. O vento sacudia
as arvores e os homens seminus tremiam. Pingos de
água rolavam das folhas e escorriam pelos homens.498

Contudo, o maior de seus problemas é exploração dos coronéis

das culturas de cacau.

As condições que os trabalhadores são submetidos não

parecem ser vantajosas. As casas são de palhas, pequenas, “com um

único cômodo que servia de quarto, sala e cozinha”499, e a latrina fica

na mata, onde eles trabalham. Alimentam-se de carne seca, feijão e

às vezes de “bagos de jaca”, comprovando as péssimas condições

que vivem aqueles homens, quase sempre submetidos a um

“trabalho estafante”500.

Éramos muitos na imensidade da roça. As folhas secas


dos cacaueiros tapetavam o chão, onde as cobras
esquentavam o sol após as longas chuvas de junho. Os
frutos amarelos pendiam das arvores como lâmpadas
antigas. Maravilhosa mistura de cor que tornava tudo

497
TÁTI, op. cit., p. 18.
498
AMADO, Cacau, p. 9.
499
Ibidem, p. 42.
500
AMADO, Cacau, p. 43.

170
belo e irreal, menos o nosso trabalho estafante. As sete
horas já estávamos a derrubar os cocos de cacau,
depois de haver afiado nossos fações jacaré, na porta
da venda. Às cinco horas da manhã o gole de pinga e o
prato de feijão nos davam forças para o trabalho do
dia.501

Amado empenhou-se em representar as condições humanas

dos trabalhadores das fazendas de cacau. Condições que não faziam

ideia que iriam enfrentar, quando entram numa cabine de trem para

tentar uma vida melhor nas regiões cacaueiras. As origens das

personagens são várias: muitos são migrantes das regiões Norte e

Nordeste, que mudavam para o Sul da Bahia. Eles não sabiam dos

problemas, como a exploração, e muito menos dos péssimos espaços

em que moram os trabalhadores. O Sul da Bahia, em Cacau, tende a

não ser muito gentil com aqueles que não dispunham do brasão de

uma família nobre.

Chovia. A classe era uma miséria. A gente nem podia


sentar. A água caia do teto e os bancos de madeira
estavam pingando. Num canto, um velho conservava o
guarda-chuva aberto e lia um jornal. De quando em vez
cuspia para os lados, fazendo com a língua um estalido
estranho. A classe estava cheia. Restava um único
lugar entre o velho e uma rapariga de faces muito
pintadas. Arriei a minha trouxa no chão e sentei-me.502

São nas condições descritas no excerto que viajam os

“retirantes nordestinos” em busca de um recomeço, mas sem ter

conhecimento sobre a forma como “a gente pobre” é tratada pelos

coronéis. As relações dos ricos com os pobres em Ilhéus se dão de

501
Idem.
502
Ibidem, p. 32.

171
forma conflituosa. É quase onipresente nas narrativas a denúncia das

relações de opressão e poder dos ricos para com os pobres. A

questão da exploração ganha contornos muito bem definidos nos

romances do autor.

Cacau tem a função de pôr à vista a exploração dos

trabalhadores do campo pelos coronéis das fazendas de cacau.

Segundo Táti, o romance soa como um grito da massa camponesa

penalizada pelas “misérias do campo, com todas as suas notas de

desumanidade e de injustiça”503. Conclui Alfredo Wagner Berno de

Almeida ao afirmar que com esse romance aconteceu a “descoberta

do caminho” pelo autor504.

Os donos das fazendas são homens e mulheres bem

alimentados, cheios de joias para usar nas festas, ou mesmo no dia a

dia. Os senhores são representados como gordos - simbolizando a

sua riqueza-, assim como têm “uma voz arrastada, demorada,

cansada, de animal sagaz, e uns olhos maus, metidos na cara

enrugada pela idade”505. Entendemos que são recursos narrativos

usados pelo autor para demonstrar a desigualdade socioeconômica

enquanto linha divisória entre os senhores da Casa Grande e os

trabalhadores que vivem em condições de subservidão.

Em Rio do Braço o trem demorava trinta minutos para


a baldeação. Saltamos quase todos. Havia um quiosque
onde vendiam café e pão. Os passageiros se

503
TÁTI, op. cit., p. 61.
504
ALMEIDA, op. cit., p. 99.
505
AMADO, Cacau, p. 85.

172
agrupavam em torno dele. O velho me ofereceu uma
xicara de café, e começou a me interrogar.
- Vai trabalhar pra quem, menino?
- Pra Mané Frajelo.
- Pra aquela miséria? Tá bem arranjado.
Quanto ele vai te pagar? Mil e quinhentos reis?
- Não sei. O empregado dele é que vai me dizer.
- Trabalhadô de lá nunca tem saldo. Vicente trabalhou
pra ele. Vicente!
Vicente era o tal sujeito de talho na cara.
- Vancê que já foi alugado de Mané Frajelo, que tar
acha ele?
- Um fia da puta é que ele é. Trabalhei lá três ano.
Quando saí adivinha qual era o meu saldo?
O velho sorria
- Cinco mil-réis.. [...].506

No diálogo, o autor associa os fazendeiros à imagem da

ambição507, que exploram seus trabalhadores que não dispõem

sempre de saldo - do dinheiro conseguido com as tarefas no campo.

Ao longo do romance vai demonstrando o quanto os trabalhadores

acabam, muitas vezes, devendo ao empregador por algum motivo.

Os camponeses ou “alugados”508 são representados como

verdadeiros objetos a terem as forças de trabalho abusadas pelos

coronéis. Muitas vezes, eles saem no prejuízo em caso de danos a

alguma saca de cacau. Sem contar as formas de violências praticadas

pelos patrões contra esses sujeitos, constituindo uma política do

medo na qual estão envoltos.

Mas, no romance, as posturas dos “senhores” não podem ser

entendidas como dispositivos de submissão aceitos pelos

506
Ibidem, p. 37.
507
Ibidem, p. 68.
508
Termo usado por Jorge Amado.

173
camponeses, uma vez que eles demonstram comportamentos de

resistência e confronto com seus “alugadores”509.

Aquelas pessoas representam o espectro do sofrimento que

ronda as classes trabalhadoras, somado ao pouco que dispunham de

mecanismos de lazer. O escritor, ao longo do enredo, tenta mostrar a

consciência dos trabalhadores sobre suas próprias realidades. Daí

resulta a preocupação em contar “com um mínimo de literatura para

um máximo de honestidade, a vida dos trabalhadores do Sul da

Bahia”510, e a vivência de Amado no Sul do estado lhe conferiu tal

sensibilidade.

Já discutimos que fora a experiência de Amado na AR o passo

inicial para o ingresso na esquerda. Em O país do carnaval, as

personagens centrais questionam a ordem estabelecida pelos

escritores ligados às elites político-econômicas. No final do romance,

José Lopes aparece envolvido com o comunismo, sendo apresentado

como um caminho possível para a vida, especialmente aquele

personagem que é mais ligado ao campo intelectual.

O “verdadeiro intelectual” de Jorge Amado é José


Lopes, personagem que debate com Rigger as possíveis
opções a serem tomadas e no fim acaba por optar pelo
comunismo, definindo-se como materialista e um
crente na humanidade. No dialogo que finaliza o
romance, José Lopes expõe a Rigger as razões de sua
opção, afirmando que é preciso acabar com os
preconceitos do povo; em outras palavras, instruí-lo.
Ainda que Lopes, o comunista, não tenha tanta
convicção de sua decisão, mostrando-se mais um
simpatizante dos ideais comunistas, Jorge Amado,

509
Idem, p. 71-73.
510
Idem.

174
através dele, projeta a temática e que tipo de
abordagem deveria ter o “verdadeiro intelectual”; sua
missão; instruir o “povo”511.

Na interpretação de Palamartchuk, caberia ao intelectual a

função de apontar nortes, caminhos. O escritor Amado encarou o

comunismo enquanto caminho possível para sanar os problemas de

sua geração? Sem dúvida, Amado o teve em conta. Mas, não

desconsideremos que o autor não nos deu tantos indícios sobre este

assunto, apenas o via como possibilidade frente a tantas outras como

a religião, a filosofia, o amor.

Rigger se encontra casualmente com José Lopes numa rua

qualquer, onde o segundo aparenta ser um homem mudado. Este se

encontrava com saúde debilitada pelo uso excessivo de bebidas

alcoólicas e cigarros, estando naquele momento “bem vestido, um ar

mais sereno, saindo de um consultório médico” 512. Rigger fica

espantado frente a mudança de Lopes, porque realmente não

esperava encontrá-lo daquele jeito, no entanto, aquela mudança tem

um motivo muito especial.

Eles vão até um bar e conversam sobre religião, felicidade,

propósito da vida, crenças, descrenças e as conversas que tinham

quando se reuniam com os demais membros do grupo de Ticiano.

Nesta conversa, Lopes fala ser materialista, e que em “vez de crer

511
PALAMARTCHUK, Ser intelectual comunista: escritores brasileiros e o
comunismo, p. 115.
512
AMADO, O país do carnaval, p. 177.

175
em Deus, creio na Humanidade. Quero a sua felicidade”513. O

materialismo é apresentado como caminho para a felicidade,

elemento tão caro nas conversas entre os amigos.

- Você é...
- ... comunista...
- Não diga...
- Verdade.
- Mas o comunismo tem inúmeros defeitos, José.
José Lopes tomou um ar sério de defensor e dispôs-se
a replicar. Paulo Rigger gargalhou.
- Você está se divertindo às minhas custas...
- Sou incapaz disso.
- Então você está amando toda a Humanidade?

O autor usa a personagem Rigger para atribuir à via comunista

alguns defeitos, mas não os cita, representando uma crença nas

coisas materiais e nos homens, sendo estes os promotores às

mudanças por meio de lutas. No momento em que se despede de

Rigger, Lopes confidencia em seu ouvido que “A gente deve arranjar

um princípio, um ideal para iludir-se, pelo menos. Eu me iludo com

esse negócio do comunismo”514.

Em Cacau, encontramos evidências do pensamento de esquerda

quando adentramos nos problemas dos trabalhadores do campo

versus cidade, tornando-se uma questão a ser refletida. Termos como

“tratamento igualitário” para todos e “consciência de classe”

aparecem. Conflitos entre ricos e trabalhadores, explorados e

exploradores são recursos constantes no romance. Num diálogo entre

Sergipano – filho do dono de uma fábrica em Sergipe - e Roberto, um

513
Ibidem, p. 181.
514
Ibidem, p. 183.

176
guarda da cidade, o Coronel Manuel Misael de Sousa Teles aparece

como um “idiota. Nem goza a vida. A alegria desse miserável é fazer

mal aos outros”. Aquele senhor rico tem uns setenta anos e duas

amantes, representando seu poderio econômico.

A personagem Roberto teve uma experiência mal sucedida de

gerenciar uma loja e passou muita fome. Novamente, em um dos

diálogos fez alusão ao coronel, dizendo que “é preferível ser pobre a

ser rico e viver como esse miserável. De que servem eles? Só sabem

furtar... E rezam. Rezam acredite. Pretendem o céu. Talvez comprem

mesmo um lugar por lá [...]. Olhe eu me orgulho de ser guarda”515.

Esses trabalhadores entendem o sistema de exploração que

estão submetidos516. Amado apontou a luta contra os abusos dos

patrões como um dos caminhos possíveis. No entanto, existe um

problema, posto que terão que lidar com o medo que a igreja

implantou entre os trabalhadores em caso de revolta. Se fizer,

estarão condenados ao fogo do inferno. Uma das regras

fundamentais de sobrevivência é que eles devem “obedecer aos

patrões e aos padres. Que não se devia dar ouvidos a teorias

igualitárias”517.

- Nós todos somos iguais. Somos todos explorados...


- Não seja tolo. – Enraivecia-se. – Vocês também
odeiam a gente sem saber se há bons e maus.
Eu contei-lhe a minha história, que ela ouviu silenciosa.
Concluí:

515
AMADO, Cacau, p. 28-29.
516
Ibidem, p. 86-88.
517
Ibidem, p. 81.

177
- Como vê, senhorita, sou igual a todos eles. Nós
somos laia à parte. Eu vim de gente boa. Hoje, porém,
sou inteiramente deles e estou contente com isso.
- Com passar mal?
- Não vale a pena ser rico. E quem sabe se um dia isso
mudará...
- Você é socialista?
- Não conhecia, de fato. Mária não explicou518.

O princípio de igualdade no diálogo perpassa pela ideia de

exploração. Todos os homens e mulheres explorados pelos senhores

são iguais, estão submetidos ao sistema de igual valor. A fala de

Mária, a filha do coronel, é muito significativa quando a personagem

atribui aos camponeses o ódio aos patrões. O ódio marca presença

nas narrativas amadianas, e não passa despercebido pelos senhores.

Mária, em diálogo com Sergipano, afirma que entende as

péssimas condições que os trabalhadores das lavouras de cacau

vivem, e critica o ódio indiscriminado dos alugados, sem distinguir as

pessoas boas das más. No romance, o autor pôs em evidência a

exploração cotidiana dos trabalhadores, que repudiavam usar o

mesmo mecanismo dos senhores. Tal reflexão fica em ênfase quando

Mária pergunta a Sergipano se ele não pensa em enriquecer, e ele de

imediato responde que não, “porque não sei explorar

trabalhadores”519.

O escritor Amado acabou encontrando um caminho para

resolver o problema da exploração. Suas personagens são detentoras

de uma consciência crítica e questionam as direções que podem

518
Ibidem, p. 99-100.
519
Ibidem, p. 100.

178
trilhar com o intuito de conseguirem mudanças. É imperativo, nos

discursos de Sergipano, o desejo de transformar a própria realidade e

dos demais camponeses. A preocupação em resolver o problema da

exploração está delineada nas conversas cotidianas, pois as condições

de humilhação e exploração são exacerbadas520.

A união entre os trabalhadores representando a ideia de

“consciência de classe” inspirou a criação do capítulo “Consciencia de

Classe” como solução para resolver alguns dos problemas como a

contratação de funcionários da própria fazenda para matar aqueles

que causaram algum tipo de inconveniente. A ideia de pertencimento

ao mesmo grupo de trabalho, submetido às mesmas condições,

acabou se tornando preponderante para compreendermos o sentido

de classe para o autor.

“Rio, 12 de setembro de 193...

Sergipano:

Estou no Rio, já arranjei trabalho. como vão os


camaradas dahi? O coronel ficou damnado por que
Honorio não me matou?
Venha embora para cá, Sergipano. Aqui se aprende
muito, tem resposta para o que a gente perguntava
ahi. Eu não sei explicar direito. Você já ouviu falar em
lucta de classe? Pois há lucta de classe. As classes são
coronéis e os trabalhadores. Venha que fica sabendo
tudo. E um dia a gente pode voltar e ensinar para os
outros.

Abrace os conhecidos e

Colodino.”521

520
Ibidem, p. 89-91.
521
Ibidem, p. 126.

179
A carta de Colodino - homem que seria morto por Honório a

pedido do coronel – para Sergipano apresenta o Rio de Janeiro como

espaço propício para pensar nas lutas de classe. Percebemos por

meio da historiografia, que foi no eixo Rio-São Paulo que o

movimento comunista mais se destacou, considerando aí o processo

de fundação do PCB.

A luta de classe e a ideia de consciência de classe ganharam

contornos claros no final da narrativa, quando o autor delineou a

greve gerada pelos trabalhadores da fazenda que Sergipano trabalha.

O desfecho do movimento acontece quando o cacau começa a cair no

mercado e os coronéis passam a usar o evento como justificativa

para intensificar a jornada de trabalho dos camponeses com a

ameaça de diminuição dos salários.

“Um dia, por fim, diminuíram os salários para três mil-réis. Eu

chefiei a revolta. Não voltaríamos às roças”522. Os trabalhadores

articulam uma reunião na casa de um dos grevistas com intuito de

melhorar suas atuações na greve, mas a chegada de “trezentos e

tantos flagelados que trabalha[vam] por qualquer dinheiro...”523 fez

com que desistissem do ato, porque têm medo de perder seus

empregos e da fome viria posteriormente.

Sergipano entende que sua permanência na fazenda não tem

sentido, considerando que não dispunha mais das condições

522
Ibidem, p. 130.
523
Ibidem, p. 131.

180
necessárias para lutar. Os demais trabalhadores, embora vislumbrem

a necessidade de resistência, não possuem mecanismos para

enfrentar a ira dos senhores, bem como arcar com as consequências,

sobretudo materiais, que uma greve poderia causar. O desastre da

greve estimula a ida de Sergipano para o Rio de Janeiro, lugar onde

dispôs, em certa medida, das condições concretas e respostas

necessárias para a “luta de classe”.

No outro dia me despedi dos camaradas. O vento


balançava os campos e pela primeira vez senti a beleza
ambiente.
Olhei sem saudades para a casa-grande. O amor pela
minha classe, pelos trabalhadores e operários, amor
humano e grande, mataria o amor mesquinho pela filha
do patrão. Eu pensava assim e com razão.
Na curva da estrada voltei-me. Honório acenava adeus
com a mão enorme. Na varanda da casa-grande o
vento agitava os cabelos de Mária.
Eu partia para a luta de coração limpo e feliz.524

Almeida fez uma análise muito interessante sobre este desfecho

de Cacau. Para o autor, a cidade acaba se tornando um estágio

importante na formação dos trabalhadores da fazenda. No caso de

Colodino, foi necessário sair do campo para entender o sentido da

luta de classe para depois tornar-se um sujeito organizado,

propagandista, educador525. Sergipano também teve que fazer

sacrifícios, como abandonar a mulher amada. Eram barreiras que

precisavam ser transpostas em nome do ideal revolucionário.

524
Ibidem, p. 137.
525
ALMEIDA, op. cit., p. 96.

181
3. 3 – Os trabalhadores da cidade e os conflitos entre classes

Os seis primeiros romances indicam como o autor captou a vida

dos sujeitos e suas relações com o trabalho na cidade. Os romances

ainda acabam representando as estratégias de sobrevivência, formas

de lazer, imaginário, religiosidades e condições humanas.

Convencemo-nos que para entender a composição dos cenários

descritos era necessário não nos atermos somente as obras

analisadas. Fora enriquecedor para a pesquisa, fazer o cruzamento de

informações que Amado cedeu no decorrer da narrativa dos enredos.

Podemos tomar como exemplo as moradias como sendo aspectos de

interesse em suas descrições. No livro O país do carnaval, consta

uma apresentação das condições de moradia em que vivem os

trabalhadores.

Tão pequeno aquele sótão...E morava tanta gente nele!


Na sala da frente, D. Maria, a árabe, com dois filhos
pequenos, chorões e sujos que punham o sótão e a
escada em polvorosa com as suas brincadeiras. Dois
diabos, chamava-os D. Helena. No quarto junto dormia
um velho, servente de um Banco. Entrava à noite e
saía pela manhã o pobre homem. Todos achavam que
era uma boa pessoa... junto a ele, num quarto
pequeno, Maria de Lourdes e a madrinha viviam. A
madrinha, D. Pombinha, D. Januária Lima, cosia. Com o
que ganhava (uns magros cinco mil réis diários)
sustava-se e à afilhada, que ela criara desde pequena
e não admitia que fizesse nada, a não ser arrumar o
quarto e comprar umas fazendas na rua. No ultimo
quarto, D. Helena e duas irmãs, Georgina e Bebé,
passavam o dia a se xingar. Sabiam toda espécie de
nomes feios, aquelas moças.526

526
AMADO, O país do carnaval, p. 70-71.

182
Impressionam as descrições sobre as moradias populares na

cidade de Salvador. O autor causou o mesmo efeito em Socorro

Targino Martinez, que refletiu sobre essas representações da obra

amadiana. Martinez, por outro lado, não cruzou as narrativas do

escritor com bibliografias que pudessem auxiliá-la na compreensão da

ligação existente entre os escritos literários e a realidade objetiva527.

Os quartos do sótão são pequenos e desconfortáveis. Apenas

atendem à necessidade do trabalhador de ter um teto para descansar

a cabeça depois de um dia exaustivo em suas rotinas de trabalho.

Mas, em casa não há conforto, uma vez que é muita gente para um

lugar muito pequeno. Dá para sentir, na narrativa, o sofrimento

daquelas pessoas que trabalham muito e ganham pouco528.

Edison Carneiro, em um artigo publicado no periódico O Jornal

(RJ), no dia 21 de outubro de 1934, afirmou que em Suor, Amado

usou uma técnica absolutamente revolucionária, onde suas

personagens são despidas de suas individualidades para dar sentido a

existência da “classe”. Para o autor, não existe no romance um

personagem principal, pois caberia à miséria nivelar a todos. Para

Carneiro, as maiores personagens são a exploração, a miséria e a

fome529.

527
Ver MARTINEZ, Socorro Targino. As casas em Jorge Amado. In: Bahia, a
cidade de Jorge Amado. Salvador, Bahia: FCJA, Museu Carlos Pinto, 2000.
528
MARTINEZ, op. cit.
529
CARNEIRO, Notas sobre “Suor”, p. 3.

183
Pelos tipos de personagens construídas em Suor, Carneiro

afirmou que outro teria fracassado na construção de um romance

proletário, porque

sem duvida, dentro do romance não se mexe o


proletariado industrial, mas a legião dos semi-
proletarios e dos não-proletarios, as victimas e os
apprendices da burguezia, - typos de rua, mendigos,
prostitutas, lavadeiras, „flagellados‟, costureiras, ébrios,
ladrões, criados, pederastas, maníacos, doentes...530

Na análise de Táti, o romance em questão é resultado das

experiências acumuladas por Amado quando morador do Pelourinho.

Trata-se, como dissemos em outra oportunidade, de um escrito

literário interessado e inscrito na linha do romance proletário.

Representa um “libelo antiburguês” apresentando o caminho

revolucionário como possível. Em outras palavras, é “um romance da

coletividade”531. Nele, o autor se dispôs a tecer uma história “sem

enredo central, romance não de um par, mas de heróis em multidão,

aproximados, diuturnamente, pelo asfixiante invólucro da morada

comum”532.

O criador de Suor optou pela análise descritiva da pensão que

funciona num prédio antigo, nº 68. Para conseguir chegar até a

pensão, as pessoas têm que passar pela grande ladeira que “era o

braço da cidade esticado para o céu”. “Ali embaixo, no centro da

ladeira empedrada, ficava o pelourinho, montado pelos colonizadores

portugueses. Hoje, o pelourinho desparecera, mas a ladeira que lhe

530
Idem.
531
TÁTI, op. cit., p. 59.
532
Ibidem, p. 62.

184
tomara o nome era como um pelourinho também”533. Não é fácil a

vida dos moradores da ladeira, que nem sempre têm pão e

trabalho534.

Os ratos passaram, sem nenhum sinal de medo, entre


os homens que estavam parados ao pé da escada
escura. Era escuro assim de dia e de noite; subia pelo
prédio como um cipó que crescesse no interior do
tronco de uma arvore. Havia um cheiro de quarto de
defunto, um cheiro de roupa suja, que os homens não
sentiam. Também não ligavam aos ratos que subiam e
desciam, apostando carreira, desaparecendo na
escuridão.535

Os “ratos gordos” fazem alusão às péssimas condições vividas

pelos moradores do prédio. Olhado de frente, o nº 68 não parece

muito grande, porém “era imenso. Quatro andares, um sótão, um

cortiço nos fundos, a venda do Fernandes na frente, e atrás do

cortiço uma padaria árabe clandestina. Nos 116 quartos, mais de 600

pessoas”536. É tido na narrativa como um lugar sem higiene, fétido,

“imoral”, onde moram muitos ratos e pessoas. Seus residentes

ocupam diversas funções na cidade como prostitutas, mascates,

operários, carregadores, soldados, costureiras, e “gente de todas as

cores, de todos os lugares, com todos os trajes [...]”537.

533
AMADO, Suor, p. 87.
534
Carneiro colocou que em Amado a representação do desemprego ocasionado
pela crise (1929) é uma constante. Não restando emprego, e sim muito
sofrimento como a fome, aqueles trabalhadores se entregam aos prazeres da
carne. CARNEIRO, Notas sobre “Suor”, p. 3.
535
AMADO, Suor, p. 10.
536
Ibidem, p. 11.
537
Idem.

185
Os homens trabalham nas fábricas ou nos portos como

carregadores. Muitos saem pela manhã, retornando apenas no final

da tarde. A própria composição da cidade foi pensada pelo autor,

para representar um sistema de controle do tempo e seu caráter

disciplinar com o trabalho. Os trabalhadores amadianos são envoltos

por uma atmosfera de dúvida quanto a segurança de suas vidas,

quase sempre ameaçadas pelos acidentes rotineiros.

A história da personagem Cabaça denota o aspecto citado

anteriormente. Ele é um mendigo que mora debaixo da escada do

prédio nº 68, enrolando-se à noite com uma colcha suja. Seu “cabelo

caía-lhe no rosto, cabelo grisalho, ninguém sabia se de velhice, se de

sofrimentos”538, e sempre compra um acarajé para seu rato de

estimação.

Cabaça era condutor de bonde, e feriu a perna em um ferro

quando descia do mesmo. Passado um mês, não podia mais voltar às

atividades, resultando em sua demissão. Segundo Amado, “Talvez

por falta de médico, talvez por outro motivo, a moléstia tomara conta

do pé, obrigando-o a mendigar”539. Irritado com o descaso da

empresa, Cabaça lançou vários xingamentos à companhia de bondes,

mas depois se conformou já que não teria mais seu emprego de

volta540.

538
Ibidem, p. 40.
539
Ibidem, p. 41.
540
Idem.

186
A personagem Artur tem uma história muito parecida com a

anterior. Trabalhava como operário e um dia a máquina lhe tomou

um braço, sendo removido para outra máquina que pudesse

operar541. Ele não tivera sorte, e houve novo “descuido e o outro

braço alimentou a máquina”542. O patrão não se dispôs a ajudar

dessa vez, pois não poderia arriscar ter prejuízos financeiros543.

“O pior é que os operários não quiseram aceitá-lo também.

Tentaram uma greve, que deu em resultado a prisão e o

espancamento de nove operários”544, mas com toda a movimentação

dos trabalhadores, o patrão ficou amedrontado com os prejuízos que

poderia ter, e após o retorno dos grevistas garantiu ajudar Artur com

duzentos mil-réis. Aos poucos os outros operários foram ajudando

com comida, e logo teve que se virar por outros meios para

sobreviver.

Óbvio que Amado usou as páginas de seus romances para

representar o descaso suportado pelos trabalhadores que sofriam

acidentes nos ambientes de trabalho. Nos dois casos que

apresentamos, o autor acabou representando casos de greve que

evidenciam tentativas de mostrar o caráter revolucionário das

mesmas.

541
Ibidem, p. 47.
542
Idem.
543
Idem.
544
Idem.

187
Em Jubiabá, o escritor baiano dedicou os capítulos finais do

romance para mostrar as greves como caminho e discutir questões

relacionadas a raça e luta de classe. Os últimos capítulos do romance

têm como cenário de fundo as greves ocorridas em Salvador e

protagonizadas pelos trabalhadores da Circular de bondes, padarias e

estivas, onde o “negro Baldo”, já apresentado no capítulo anterior, é

o personagem central. Com a morte de Lindinalva, Baldo teve que

procurar um emprego de estivador nos cais da cidade para sustentar

o filho da recém defunta, pois prometeu em seu leito de morte que

cuidaria da criança545.

Baldo está trabalhando no porto e escuta de outro estivador

que os operários dos bondes tinham entrado em greve naquele dia.

Baldo não leva a sério, pois as greves dos bondes geralmente não

duram muito. Na saída do trabalho percebe que um homem está

sendo preso pela polícia por discursar, mas segue caminhando para

tomar seu mingau de puba no terreiro. Narrou Amado que

Com a greve que paralisou os bondes a cidade ficou


festiva. Tem um movimento desconhecido hoje.
Passam grupos de homens que conversam
animadamente. Rapazes empregados do comercio
caminham rindo, gozando a cara do patrão que não
poderá reclamar o atraso da chegada. Uma mocinha
atravessa a rua apressada com medo de alguma coisa.
A cidade está cheio de condutores de bonde, de
operários das oficinas da companhia. Discutem com
calor. Antônio Balduíno sente inveja deles porque estão
fazendo alguma coisa (daquelas coisas que Antônio
Balduíno gostava de fazer) e o negro não tem nada

545
AMADO, Jubiabá, p. 286-287. Ver comentário de Palamartchuk sobre esse
evento no romance: PALAMARTCHUK, Ser intelectual comunista: Escritores
brasileiros e o comunismo (1920-1945), p. 126.

188
para fazer naquela manhã de tanto sol. Os grupos
passam. Vão todos para o sindicato que fica numa rua
alí atrás. Balduíno segue sozinho pela rua deserta.
Ouve o ruído das conversas na outra rua. Parece que
alguém está fazendo um discurso no sindicato. Ele
também é do sindicato dos estivadores. Por sinal que já
lhe falaram em ser candidato a diretoria.546

Finalmente Baldo terá sua greve. Alguns companheiros do

sindicato de estivadores o encontram na rua, o convidando para ir ao

encontro dos demais na sede do sindicato. A greve iniciada pelos

operários dos bondes inspira os outros trabalhadores, como os

estivadores, a lutarem por melhores condições de vida, pois muitos

deles estão passando fome. A personagem Severino em discurso

comenta que todos os trabalhadores dos portos devem juntar forças

com os operários da Circular porque são “todos irmãos”547. Com o

voto de Baldo, todos os estivadores entram em greve, emitindo uma

circular depois da reunião que será lida pelo próprio Baldo548.

COPANHEIROS DA CIRCULAR
Os estivadores reunidos em assembleia, no seu
sindicato de classe, resolveram aderir ao movimento de
greve dos seus companheiros da Companhia Circular.
Vêm assim trazer o seu apoio incondicional aos
grevistas na luta pelas reivindicações. Os companheiros
da Circular podem contar com os estivadores. Pelo
aumento de salários! Por oito horas de trabalho! Pela
abolição das multas.549

Estas são as palavras dos estivadores aos operários da Circular.

Salvador é tomada por um intenso movimento de greve, onde os

546
AMADO, Jubiabá, p. 290.
547
Ibidem, p. 291.
548
Ibidem, p. 292.
549
Idem.

189
proletários lutam por melhores salários, uma carga horária de oito

horas, acesso a saúde, melhores moradias. Logo os proletários de

Amado não veem sentido na exploração desregrada e desigualdade

no acesso à riqueza550.

Os proletários negros são personagens marcantes no desenrolar

das greves. Não querem que seus filhos sejam escravos do sistema

de exploração que estão inseridos. Segundo Rossi, em Amado, o

trabalho está associado à escravidão, pois essa relação está bem

estabelecida quando o escritor transforma Baldo num proletário.

Ainda acrescenta Rossi que o capitalismo é associado a um novo tipo

de escravidão551.

Baldo em um de seus discursos para os grevistas, faz referência

à sua passagem pelo Recôncavo, especialmente a cidade de São

Félix, e comenta sobre o trabalho dos camponeses nas plantações de

fumo e das mulheres nas fábricas de charuto, afiançando que se

souberem da greve em Salvador, que também a faria no

Recôncavo552. Parece que Baldo quer que todos trabalhadores saibam

da greve, daquele momento revolucionário, a ponto de proferir um

discurso interessante no terreiro do pai de santo Jubiabá:

- Meu povo, vocês não sabem nada... Eu tou pensando


na minha cabeça que vocês não sabe nada... Vocês
precisam ver a greve, ir para a greve. Negro faz greve,

550
Ibidem, p. 293-295.
551
ROSSI, Luis Gustavo Freitas. As cores da revolução: A literatura de Jorge
Amado nos anos 30. 2004. p. 121. Dissertação (Mestrado em História) –
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de
Campinas. Campinas, 2004.
552
AMADO, Jubiabá, p. 296.

190
não é mais escravo. Que adianta negro rezar, negro vir
rezar para Oxóssi? Os ricos manda fechar a festa de
Oxóssi. Uma vez os polícias fecharam a festa de Oxalá
quando ele era Oxalufã, o velho. E pai Jubiabá foi com
eles, foi pra cadeia. Vocês se lembram, sim. O que é
que negro pode fazer? Negro não pode fazer nada, nem
dançar para santo. Pois vocês não sabem de nada.
Negro faz greve, pára tudo, pára guindastes, pára
bonde, cadê luz? Só tem as estrelas.553

O discurso de Baldo é bem apaixonado. Ele está convencido de

que a opressão contra o negro só terminará com a luta. O

engajamento dos negros na greve resultará numa paralização geral,

já que o negro compreende a maioria do proletariado. Seu

envolvimento não significa apenas a vitória da grave, mas uma

experiência que servirá na luta contra a opressão aos terreiros de

candomblé.

Não estamos de acordo com Palamartchuk, quando afirma que

primeiramente “Baldo crê na religião pregada por Jubiabá, depois a

nega para acreditar na organização e luta dos trabalhadores,

tornando-se Antônio Balduíno”554, porque efetivamente não temos

indícios sobre isso ao longo da narrativa. Não há uma negação da

religiosidade da personagem, mas uma afirmação da necessidade de

luta contra a opressão dos brancos que usam a polícia para terminar

as festas dos terreiros. Ou seja, as conquistas dos negros nas greves

resultarão em mais liberdade. Rossi também tem uma leitura

diferente da autora, porque “é na greve que Balduíno vislumbra a

553
Ibidem, p. 299.
554
PALAMARTCHUK, Ser intelectual comunista: Escritores brasileiros e o
comunismo (1920-1945), p. 127.

191
possibilidade de resignificar o mito e o lendário da cultura Afro-

brasileira, „proletarizando-a‟ e, dessa forma, incorporando-a ao

universo da luta e da consciência de classe”555.

Para Amado, a cor daqueles proletários não os diferencia,

porque todos estão submetidos ao sistema de exploração. Baldo,

ainda naquele discurso a seus irmãos de santo, diz claramente que

“Negro e branco pobre, tudo é escravo, mas tem tudo na mão. É só

querer, não é mais escravo”556. Faz muito sentido a reflexão de Rossi,

quando afiança que a ideia de classe se sobrepõe à ideia de raça.

Reitera que falar de classe em Amado é também trazer à tona a

questão racial557, pois os negros, para o escritor baiano, são a

maioria explorada pelo sistema de mais valia558.

Os eventos da greve se intensificam com o confronto dos

proletários com a polícia pelas ruas de Salvador, resultando na prisão

de muitos. A polícia usa da repressão contra os manifestantes nos

comícios realizados pelas categorias grevistas559.

555
ROSSI, As cores da revolução: A literatura de Jorge Amado nos anos 30, p.
111.
556
AMADO, Jubiabá, p. 299. Sobre essa fala da personagem ver comentário de
PALAMARTCHUK, Ser intelectual comunista: Escritores brasileiros e o
comunismo (1920-1945), p. 127.
557
ROSSI, As cores da revolução: A literatura de Jorge Amado nos anos 30, p.
123-124.
558
Para Palamartchuk, na acepção de Amado os trabalhadores precisavam
“adquirir uma consciência que se desdobra em sua própria noção de
consciência de classe, que só é verdadeira se tem a perspectiva união de todos
os trabalhadores, cuja unidade encontra-se na organização proletária”.
PALAMARTCHUK, Ser intelectual comunista: Escritores brasileiros e o
comunismo (1920-1945), p. 127. Ainda sobre nossa reflexão acerca da
exploração ver a fala de Baldo em: AMADO, Jubiabá, p. 302-303.
559
Ibidem, p. 313-17.

192
Em frente aos escritórios da companhia está parado um
automóvel. É Hudson do diretor, um americano que
ganha doze contos por mês. E ele vem de charuto na
boca, descendo as escadas. O chofer prepara o carro.
Antônio Balduíno, que vem no grupo de grevistas,
grita:
- Vamos prender ele, pessoal. Assim a gente também
tem um preso.
O diretor é cercado. Os guardas que garantiam o prédio
correm. Antônio Balduíno o agarra por um braço e
rasga a roupa branca. Gritam da multidão:
- Lincha! Lincha!
Antônio Balduíno levanta o braço para descarregar o
soco. Mas uma voz se faz ouvir. É Severino quem fala:
- Nada de bater no homem. Nós somos operários e não
assassinos. Vamos levá-lo para o sindicato.
Antônio Balduíno baixou o braço com raiva. Mas ele
compreendeu que aquilo é necessário, que a greve não
é feita por um, mas por todos. E entre gritos o
americano é levado para o sindicato dos operários da
Circular.560

A notícia da prisão do americano corre rápido, gerando

comoção no consulado americano e entre os policiais. Mas, a

liberdade do diretor da Circular tem um preço, que é a liberdade de

todos os presos políticos. Os operários do bonde conseguem que suas

exigências sejam atendidas. Existe por parte do consulado uma

apreensão quanto a segurança do prisioneiro americano561.

Os operários das fábricas de tecido e cigarros acabam apoiando

os operários dos bondes e padeiros, e solicitam dos patrões o

atendimento das reivindicações daqueles trabalhares, caso contrário,

entrarão em greve no dia seguinte. “No palácio do governo, à meia-

noite, os representantes da Circular e dos donos de padarias

comunicam à comissão de grevistas que resolveram conceder o que

560
Ibidem, p. 324.
561
Ibidem, p. 324-25.

193
eles pedem”562. Depois de todas as conquistas, a greve termina com

“a vitória integral dos grevistas”563.

A greve é para Antônio Balduíno uma grande revelação. Mesmo

que inicialmente não tenha entendido o sentido da mobilização dos

operários, Baldo aos poucos percebe que se tratava de uma “coisa

mais séria que barulho, que briga. Era uma luta dirigida para um fim,

sabendo o que queria, uma luta bonita”564. Lá percebe a importância

da união entre os proletários na luta contra a escravidão do

capitalismo.

Poderíamos até pensar que as cenas descritas por Amado

representam apenas uma ficção, mas as pesquisas feitas por

Consuelo Novais Sampaio565 mostram que não. Num caso de greve

descrito pela autora no ano de 1934, um dos anos marcado por

grandes crises nos setores operários, na Bahia, ela acabou nos dando

suporte para identificar semelhanças entre o evento e alguns dos

elementos nas narrativas amadianas sobre as repressões policiais

contra o movimento operário.

A Bahia passava por vários problemas no campo econômico

desde a crise de 1929. O número das exportações “caiu de 8.238

(1928) para 4.649 (1930) e para 2.162, em 1933, ponto mais baixo

562
Ibidem, p. 325.
563
Idem.
564
Ibidem, p. 327.
565
SAMPAIO, Consuelo Novais. Movimentos sociais na Bahia de 1930:
condições de vida do operariado. Universitas, Salvador, n. 29, p. 95-108,
jan./abr., 1982.

194
da depressão. As importações caíram de 2.872 (1928) para 609 em

1932, ponto mais deprimido neste setor da economia” 566. O

desemprego foi um dos problemas oriundos da crise atingindo os

grupos sociais mais pobres da população baiana. Os efeitos da crise

seriam sentidos em quase toda década de 1930, conforme

demonstrou Sampaio com os casos de greve que analisou.

Em 1934, setores relacionados ao transporte e utilidades

públicas vivenciaram greves, embora pacíficas, entre os ferroviários,

doqueiros, trabalhadores de serviço de bondes, telegrafistas e

telefonistas. Muitas delas finalizaram sem ter suas reivindicações

atendidas e terminaram na base da repressão e da coerção. As

greves eram malquistas pelos donos das empresas e das elites

cafeeiras, sobretudo agroexportadoras, que queriam reconquistar a

grandeza que viviam no período imperial.

Sampaio traçou o enredo da greve dos operários da Cia.

Ferroviária Leste Brasileiro (Eastern Brazilian Railway), arrendada por

uma companhia de franceses, e dos trabalhadores da Cia. Linha

Circular e Energia Elétrica da Bahia, de investimento norte-

americano. A greve da Leste Brasileiro conseguiu paralisar os

principais meios de ligação entre Minas Gerais (MG) e Bahia,

causando redução no fornecimento de alimentos. Devido a esse

problema, as reivindicações dos trabalhadores foram atendidas

parcialmente, mas decidiram continuar a greve.

566
Ibidem, p. 98.

195
A análise do rol de reivindicações formuladas pelos
grevistas de ambas as companhias sugere certa
coincidência nos pontos principais. De forma ampla,
exigiam que seus direitos fossem respeitados, de
acordo com o estipulado por leis brasileiras e de acordo
com os termos do Tratado de Versalhes. De modo
específico, queriam: 1) a readmissão imediata de
operários despedidos por terem exigido que
administradores estrangeiros acatassem as leis
brasileiras; 2) jornada de trabalho de 8 horas; 3)
aumento de salários. 4) um dia de folga remunerada
por semana; 5) pagamento extra por trabalho extra; 6)
abolição de dispensas temporárias de operários, sem
justificativa; 7) a demissão de inspetores das
companhias, por suas atitudes coercitivas em relação
aos trabalhadores; 8) reconhecimento dos sindicatos
como legítimos representantes dos trabalhadores.567

Este era o teor das reivindicações da classe trabalhadora desde

as greves de 1919, e poucas mudanças aconteceram568. Juracy

Magalhães foi acionado pelos empresários devido os prejuízos que

estavam tomando, o que ocasionou no alerta do aparato repressivo

do estado e posterior término da greve em fins de agosto de 1934. A

ação da interventoria gerou a gratidão das autoridades ligadas ao

governo varguista, a ponto do “Ministro da Justiça, Vicente Rao,

telegrafar (grifo nosso) ao Capitão Juracy Magalhaes, congratulando-

o pela preservação da ordem”569.

O segundo caso curioso foi a greve dos operários da Cia. Linha

Circular, que insatisfeitos com as condições de trabalho e salário

detiveram à força um diretor norte-americano. Ele não ficou detido

567
SAMPAIO, op. cit., p. 101.
568
Sobre uma análise aprofundada das greves de 1919 na Bahia, ver
CASTELLUCCI, Aldrin Armstrong Silva. Salvador dos operários: uma história da
greve geral de 1919 na Bahia. 2001. 153 fls. Dissertação (Mestrado em
História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal
da Bahia. Salvador, 2001.
569
SAMPAIO, op. cit., p. 101-102.

196
por mais de uma hora devido à ação da polícia, no entanto, o

episódio foi relatado pelo embaixador estadunidense ao ministro da

justiça, o que o levou a pedir total proteção aos funcionários

estadunidenses, aos bens da propriedade e deixar a situação sob

controle570. “Após a intervenção policial, a situação foi considerada

sob controle, tendo operários e patrões concordado em submeter a

questão à arbitragem do Ministro do Trabalho, no Rio de Janeiro”571.

O veredito foi transmitido pelo embaixador norte-americano ao

governo do estado da Bahia, sendo curto e grosso ao afirmar que “o

trabalhador que não reassumisse suas tarefas dentro de 24 horas

seria imediatamente demitido”572.

Jubiabá fora publicado um ano depois das greves, mas estamos

convencidos que há muita ligação entre o evento e as descrições do

livro. Demonstra, que mesmo morando no Rio de Janeiro, Amado

sempre esteve atento às questões sociais, culturais, religiosas,

políticas e econômicas de Salvador.

3. 4 – Entre o Rio Paraguaçu e a Baía de Todos os Santos:


pescadores e relações de trabalho na natureza

É merecido ponderar que Amado não desconsiderou outros

tipos de relações de trabalho na Bahia. Em sua narrativa contemplou

570
Ibidem, p. 101.
571
Ibidem, p. 101-102.
572
Idem.

197
outros tipos de trabalhadores, e as suas funções estão ligadas às

águas da Baía de Todos os Santos. Estamos nos referindo aos

mestres de saveiro, marinheiros, pescadores, dotados de um sistema

cultural, alimentar e códigos de conduta específicos.

Estas personagens moram no cais dos portos de Salvador. Os

cais sevem como linha divisória que os separa das elites, como dos

demais espaços que frequentam, a exemplo dos diversos lugares da

Rua Chile e bairros onde ficam clubes e bares ilustres da cidade. No

entanto, queremos lembrar que o cais é um espaço ultrapassável.

Romper as barreiras não é uma tarefa tão difícil como demonstrou

Amado.

Os moradores dos portos levam uma vida simples, sem

condições adequadas de saneamento básico, moradias pequenas e

desconfortáveis. O exercício de suas funções diárias, muitas vezes,

requer coragem para enfrentar situações climáticas que podem ceifar

suas vidas. Contudo, essas personagens têm histórias fascinantes

para contar, são descritas como detentoras de códigos de conduta,

são boas amantes, amigas, amam como se suas vidas dependessem

deste sentimento, são dotadas de um olhar sensível para a condição

humana.

O Rio Paraguaçu, que banha as margens das cidades do

Recôncavo baiano, é apresentado como principal via de trabalho para

198
os mestres de saveiros e saveireiros573 que vivem nos cais da capital.

Nele, é possível encontrarmos vestígios de um passado marcado pela

presença dos engenhos de açúcar em uma era de riqueza das cidades

que o compunham, especialmente, Cachoeira, São Félix, Maragogipe,

Santo Amado, Cruz das Almas e Muritiba. O que levou o autor a

narrar que nas “margens, velhos castelos feudais, ruinas de

engenhos-banguês, de riquezas passadas, tem sombras

descomunais, parecendo fantasmas”574. Mesmo para a década de

1930, as ruínas das propriedades dos grandes donos de engenho

eram vestígios de um passado de pompa e poder, e que, naquele

momento, era apenas um fantasma575.

As águas do rio e suas margens são associadas a lendas do

período da escravidão. O autor apresentou a história da mula-de-

padre como um aspecto típico do imaginário dos ribeirinhos, tendo

em vista que o animal sobrenatural “deve ser de alguma amante do

padre, que morreu e virou mula sem cabeça e anda vagando por

esses matos escuros que cobriam os túmulos dos negros

escravizados”576. Representações lendárias como estas remetem ao

573
Termo usado pelo autor para atribuir aos trabalhadores dos saveiros.
574
AMADO, Jubiabá, p. 148.
575
Cf. OLIVEIRA, Marcelo Souza. Uma senhora de engenho no mundo das
letras: O declínio senhorial em Anna Ribeiro. 2008. 131 fls. Dissertação
(Mestrado em História) – Departamento de Ciências Humanas (Campus I) da
Universidade Estadual do Estado da Bahia. Salvador, 2008.
576
AMADO, Jubiabá, p. 148.

199
imaginário do tempo da escravidão, estórias que coletivizam a

memória de um passado muito presente no pós-abolição baiano577.

Entre as ruínas dos velhos engenhos corre o cavalo branco. Na

parte do rio dominado pelo cavalo, os homens passam depressa. Eles

não querem lidar com uma assombração porque “ninguém sabe por

que ele corre assim por essas matas junto ao rio”578. A assombração

que tanto apavora os pescadores e saveireiros tem uma preferência

de aparição no mês de maio que “é o mês das suas correrias”579.

Coincidência ou não, é interessante lembrar que é no dia 13 de maio

que se comemora a abolição da escravidão, no Brasil. Acreditamos

que a referência ao mês de maio tenha relação com o fato.

A título de problematização é oportuno dizer que o cavalo

branco é “uma alma penada, um senhor de engenho malvado,

matava homens, animal dele trabalhava até cair morto” 580, que está

pagando o que fez tomando a forma de um cavalo e penando na terra

onde infligiu tanto sofrimento. Punido a levar um carregamento como

levava seus cavalos, o senhor de engenho, agora em forma de

cavalo, vai “rangendo os couros do carregamento, que nem carne de

tartaruga”581.

577
Cf. FRAGA, Walter. Encruzilhadas da Liberdade: histórias de escravos e
libertos na Bahia (1870-1910). São Paulo: Editora da UNICAMP, 2006.
578
AMADO, Jorge. Mar morto. Rio de Janeiro: Record, 1980, p. 86.
579
Idem.
580
Ibidem, p. 87.
581
Idem.

200
Quando o cavalo passa correndo a terra treme, e aquele que o

vê ficará em estado de imobilidade. Segundo Amado, ele “só deixará

de correr por aquelas terras que foram engenho seu, quando alguém

tiver pena dele e tirar das suas costas o carregamento, caçuás 582 que

vão cheios de pedras para a construção do seu castelo”. Seria

complicado pensar que alguém poderia se compadecer de uma

assombração que intimidava as pessoas que circulam às margens do

rio, e mesmo que houvesse a possibilidade, o cavalo tem o poder de

paralisar aqueles que o veem. Como ele poderia então se livrar

daquela punição? Não encontramos respostas no romance.

Ferraz, no artigo Festas e superstições das aguas na Bahia de

Todos os Santos, publicado no dia 02 de julho de 1938, pela revista O

Cruzeiro, do Rio de Janeiro, fez uma citação clara sobre o cavalo

branco enquanto um dos elementos que compunham o imaginário-

místico popular.

Superstições da agua ligadas a assombrações, a


lendas, a beberragens. O temor do primitivo se
manifestando nas „botadas de presente‟ ou nas
assombrações das cheias dos rios. Senhores de
escravos que ainda dirigem o trabalho junto aos tachos,
porque são „penados‟, ou, cavalos alvos que rangem os
couros do carregamento de farinha pelos arruados. 583

O autor reiterou no mesmo artigo, que os homens e mulheres

de comunidades tradicionais da Baía de Todos os Santos eram

pessoas de uma única história, e que sabem contar muitas histórias.

582
Um cesto grande de cipó, conhecido popularmente na cultura nordestina
como “cangalha”.
583
FERRAZ, Aydano do Couto. Festas e superstições das aguas na Bahia de
Todos os Santos. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, p. 35, 02 de jul. 1938.

201
Assegurou ainda que quando um praieiro tinha vocação para escrivão

de sua própria terra, se iniciava contando histórias. Esse homem

singular constituiu-se “uma espécie de guarda das tradições oraes de

sua localidade, e essa especialização é bastante para lhe dar

projecçao entre os demais da ilha”584.

Nos romances de Amado, navegar com os saveiros tendo os

mestres no leme não é uma viagem apenas pelo espaço geográfico

cheio de lendas de seres sobrenaturais, configura-se enquanto

oportunidade de garantir a sobrevivência. Aqueles homens

transportam vários materiais em seus saveiros, compreendendo

desde frutas, materiais para construção civil, açúcar e raridades como

o poderoso fumo – este produto garantiu o império duradouro de

muitas firmas de fabrico de charutos e exportação de fumo da Bahia

e do Recôncavo baiano, sendo o segundo o principal lugar de

produção da especiaria585.

Historicamente, um dos produtos que muito circulou entre as

águas do Paraguaçu e portos de Salvador foi o fumo586 usado na

584
Idem.
585
Cf. ROCHA, Uelton Freitas. "Recôncavas" Fortunas: a dinâmica da riqueza no
Recôncavo da Bahia (Cachoeira, 1834-1889). 2015. Dissertação (Mestrado em
História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal
da Bahia. Salvador, 2015. Jorge Amado fez várias descrições e referências ao
tema em “Mar morto” e “Jubiabá”.
586
Entre os séculos XVII e XIX o fumo era usado na compra de escravos na
África destinados, entre outras atividades, às plantations brasileiras. A década
de 1780 começa com o crescimento na exportação de açúcar, fumo e couros e
outros novos são acrescentados como café, algodão, arroz, cacau e trigo.
Juntamente com o fumo eles enfrentaram momentos de crise e flutuações no
nível da exportação. Novas especiarias agrícolas são acrescentadas, como o
café e o algodão. Somado ao açúcar e ao fumo, entraram na década de 1840

202
produção de charutos nas fábricas das cidades de Maragogipe,

Cachoeira, São Félix, dentre outras. Em Amado encontramos vários

relatos descrevendo o carregamento desse produto para os portos da

capital587. Numa viagem que Guma e mestre Manuel fizeram para Mar

Grande, na Ilha de Itaparica, um lugar onde “existem candomblés

afamados, pais-de-santo respeitados. Há algumas casas de pedra na

na escala dos quatro produtos responsáveis pela quase totalidade do comércio


no mercado externo. O fumo no Brasil, em especial na Bahia, conseguiu
sobreviver às complicadas condições meteorológicas e competições do mercado
internacional. Considerado no século XIX o segundo maior produto exportado
da Bahia para o mercado internacional, ocupou a atenção dos grandes
empresários da agricultura. Já no período colonial, a relevância comercial era
tão evidente que foi criada a Mesa de Inspeção para a vigilância do produto
num único depósito. O rigor aplicado objetivava garantir o envio do fumo de
qualidade para Portugal. O afrouxamento da inspeção veio com a abertura dos
portos na primeira década de 1800 e a abolição da Mesa de Inspeção em 1828.
As mudanças culturais na Europa mudaram o rumo do século XIX, num
mercado competitivo em que o fumo gozava de grande estima no cenário
europeu. Coube aos agricultores baianos, em especial do Recôncavo, pensar
numa adaptação à nova realidade sociocultural. “O costume de mascar fumo,
para o qual o fumo de corda produzido na Bahia se prestava bem, já saíra de
moda, e agora as preferências estavam mudando novamente”, diz Bert
Barickman, despertando nos produtores um novo olhar sobre o cultivo de outra
espécie de fumo, em especial o fumo em folha comum na cultura cubana. A
resistência a esta espécie criou uma temporada de crise, mesmo que os
baianos já experimentassem a plantação do fumo em folha desde o século
XVIII. A espécie em folha estava sem muita credibilidade pelo fato dos
traficantes usarem o fumo de corda na compra de escravos vindos dos povos
africanos. Cf. BARICKMAN, B. Um contraponto baiano: açúcar fumo, mandioca
e escravidão no Recôncavo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
587
As pesquisas de Maria Helena Chaves Silva chamam a atenção para o fato
de que os portos de Salvador passaram a ser um dos principais veículos de
recebimento e comercialização do fumo. SILVA, Marina Helena Chaves. Vivendo
com o outro: os alemães na Bahia no período da II guerra mundial. 2007. p.
26. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2007. Ao mesmo tempo, não
podemos deixar de mencionar que para Silza Fraga Costa Borba foi o
desenvolvimento das fábricas que permite a venda do produto também em solo
baiano, já que antes a produção era direcionada para outras províncias e
países. BORBA, Silza Fraga Costa. Industrialização e exportação de fumo na
Bahia (1870-1930). 1975. 328 fls. Dissertação (Mestrado em História) -
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia.
Salvador, 1975.

203
zona veranista. É terra dos pescadores”588, o autor narra que após o

descarregamento dos saveiros “irão carrega-los de novo e partirão

para Maragogipe, de onde volverão com charutos e fumo para a

Bahia”589.

588
AMADO, Mar morto, p. 142.
589
Idem.

204
CAPÍTULO IV

AS MULHERES PROLETÁRIAS NOS ROMANCES


REALISTAS AMADIANOS

Quase impossível ler os romances amadianos e não atentar

para a representação das mulheres. A obra amadiana é marcada por

ideias machistas sobre as mulheres, mas ele acabou empregando a

expressão “operárias do sexo” para as prostitutas, o que remete a

tentativa de “proletarização” das personagens. Neste capítulo,

enveredaremos pela representação das meretrizes, lavadeiras e as

operárias das fábricas de charuto do Recôncavo nos romances

amadianos da década de 1930.

4. 1 – As operárias do fumo: a exploração de trabalho e as


questões de gênero

As fábricas de charuto promoveram o florescimento do poderio

econômico de cidades como Maragogipe, eleita como o maior parque

charuteiro da América Latina no século XX. Jorge Amado, fez

referência a esta cidade em alguns de seus romances, especialmente

Jubiabá, alocando-a dentro do rol de cidades produtoras de fumo e

charuto baianos. Ocupou-se também em narrar aspectos da cultura

do fumo reconcavense e das fábricas de charuto, sem perder de vista

a vida dos lavradores fumageiros baianos.

205
Baldo e seu amigo Gordo se aventuram por uma nova vida em

terras do Recôncavo baiano. Entram no saveiro Viajante sem Porto,

que é “todo pintado de vermelho e traz uma lanterna que espalha em

torno uma luz amarela como a luz da lua que apareceu nesse

momento, saindo de uma nuvem”590. Quando quase próximos das

cidades de São Félix e Cachoeira, o cheiro doce de fumo591 deixa

Gordo tonto. Mas, mestre Manuel fica com seu saveiro apenas nos

dias de feira das cidades mencionadas.

Logo depois se aventuram em “outros portos pequenos,

Maragogipe, Santo Amado, Nazaré das Farinhas, Itaparica, levando

seu Manuel e a mulher que cantava durante a noite e cheirava a

maresia do mar”592. O escritor fez menção a algumas cidades que

eram polos pequenos de comercialização do fumo no Recôncavo

fumageiro. Cidades como Cruz das Almas, São Gonçalo dos Campos,

Amargosa, Santo Antônio de Jesus, Alagoinhas, Feira de Santana593

podem ser acrescentadas, e compreendiam cidades que compravam

fumo diretamente de Muritiba, São Félix e Cachoeira. Estas cidades

590
AMADO, Jubiabá, p. 147.
591
Sobre as descrições referentes aos cheiros oriundos do fumo, ver a
dissertação de GOMES, Margarete Nunes Santos. Caprichos e trapiches:
memórias das ex-trabalhadoras da atividade fumageira em Conceição do
Almeida-BA (1960-1980). 2010. 158 fls. Dissertação (Mestrado em História) -
Universidade Estadual da Bahia. Santo Antônio de Jesus, 2010. Ver também
SILVA, Elizabete Rodrigues da. As mulheres no trabalho e o trabalho das
mulheres: um estudo sobre as mulheres fumageiras do Recôncavo baiano.
2011. p. 68. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Estudos
Interdisciplinares Sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da Universidade Federal
da Bahia. Salvador, 2011.
592
Ibidem, p. 154.
593
BORBA, op. cit., p. 45;

206
compunham, na década de 1930, os “101 municípios dos 152

existentes na época”594.

O campo de fumo se estendia pelo morro e parecia não


ter fim. Primeiro era aquela planície que depois subia
pelo morro e descambava lá atrás, campo verde
inacabável, de plantas baixas, de folhas largas.
O vento balançava as folhas e, se não fosse a sacola
protetora de pano, espalharia as sementes do fumo
numa plantação inútil.
As mulheres que estavam curvadas colhendo as folhas
com gestos cansados levantaram o corpo e se
agitaram. Foram as últimas a largar o trabalho e uma
delas era velha e enrugada, enquanto a outra, que
fumava um charuto de cinquenta réis, era uma
mulherona moça e forte. Os homens já iam adiante e
pareciam todos corcundas. Conduziam montes de
folhas de fumo que dependuravam na frente das casas
e uma chuva. As folhas que já estavam secas cediam
lugar ás folhas recém-chegadas que diziam cortinas em
frente das casas dos trabalhadores595.

Baldo e Gordo firmam residência nas terras banhadas pelo

Paraguaçu, lugar onde os pescadores retiram o sustento de suas

famílias596. Eles conseguem trabalho na plantação de fumo da cidade

de São Félix, o que acaba direcionando o enredo para as condições

difíceis enfrentadas pelos trabalhadores do campo. A jornada de

trabalho exaustiva gera fadiga no final das tarefas do dia em

“plantações de fumo que se perdiam de vista”597.

Trabalhar no campo, debaixo de um sol escaldante, não é

tarefa fácil, e os rendimentos são muito poucos. O processo de

plantação e colheita do fumo é muito pesado, e nem em safras

594
SILVA, Vivendo com o outro: os alemães na Bahia no período da II guerra
mundial, p. 67.
595
AMADO, Jubiabá, p. 165-166.
596
Ibidem, p. 155.
597
Ibidem, p. 167.

207
grandes colocam mais pessoas598. Aquelas personagens escolhem São

Félix porque na cidade de Cachoeira, não há condições de

permanência - por motivos não expressos pelo autor-, eles estão

quase morrendo de fome599.

Acreditamos ser interessante problematizar o assunto, pois

“Entre 1890 e 1930, as principais fábricas de charutos eram: Jegler &

Hoering, Struder & Cia., Danemann, Augusto Suerdieck, Vieira de

Melo & Cia., Costa Ferreira & Pena”600. É digno de nota que os

estudos historiográficos demonstram que, tanto a Costa Ferreira &

Pena quanto a Suerdieck, eram fábricas presentes na cidade de

Cachoeira601. Não queremos sustentar a ideia de que os trabalhadores

do fumo da cidade de Cachoeira tivessem melhores condições de

vida, porém será que não existia possibilidade de trabalho nas

lavouras fumageiras, armazéns ou fábricas de charuto daquela

cidade? Talvez as condições de subsistência fossem apenas um dos

problemas que o escritor quis destacar.

A pesquisadora Elizabete Rodrigues da Silva aponta alguns

caminhos para entender o sistema de cultivo602 na lavoura. Como

598
Idem.
599
Ibidem, p. 167.
600
MOTA, Luciana Guerra Santos. As manufaturas de fumo do Recôncavo
Baiano. Labor & Engenho, Campinas, v. 5, n. 4, p. 21, 2011.
601
Para Borba o capital isolado da Dannemann, Costa Ferreira & Pena e
Suerdieck abrangia a soma do capital de diversos estabelecimentos. Além disto,
dá destaque para Danneman e Suerdieck pelas vendas comerciais estáveis,
aumento progressivo do capital social, mão de obra. Ver BORBA, op. cit., p. 46;
Ver também MOTA, op. cit., p. 20-21.
602
“As principais etapas iam desde a preparação das sementeiras e do solo, o
plantio e o trato com a planta; a colheita, ou seja, as etapas do corte, secagem

208
descrito em Jubiabá, as famílias dos lavradores603 estavam todos

envolvidos com o cultivo do fumo, e suas casas eram usadas na

secagem da planta como “cama de fumo” e “talo seco”604. Quando a

primeira leva ficava seca, abria-se espaço para novas “camas de

fumo”. Os processos que ocorriam em domicílio dos trabalhadores

demonstram a rotina de trabalho, porque a “pobreza daquela gente

revelava um modo de vida característico da região do fumo, que

estendia-se [...] às residências onde, também, a manipulação

industrial do fumo era rotina”605. A rotina da lavoura acompanhava os

camponeses até os lares, e não valia a pena tanto esforço pelo

pagamento que era baixo e pelo pouco lucro ao agricultor606.

e enfardamento; transporte dos fardos para os armazéns 27 de enfardamento


ou beneficiamento nos centros urbanos mais próximos; até o trabalho das
manufaturas, que tinha o seu contingente operário maior, exatamente no
período entressafras, quando cessava o trabalho na roça de fumo e se estendia
a labuta com a planta já seca e semi-processada nos estabelecimentos fabris
ou nas próprias casas das trabalhadoras”. SILVA, As mulheres no trabalho e o
trabalho das mulheres: um estudo sobre as mulheres fumageiras do Recôncavo
baiano, p. 68.
603
“Após a abolição da escravatura, a partir de 1888, essa região (Recôncavo
da Bahia – grifo nosso) passou a contar com o retalhamento das terras e com
um contingente maior de mão de obra livre e sem trabalho fixo. (SANTOS,
1998, p. 73). É neste contexto que grande parte dos escravos libertos da região
passou a ocupar as categorias de meeiro e rendeiro e, posteriormente,
lavradores de fumo”. Ibidem, p. 66.
604
Ibidem, p. 68.
605
Ibidem, p. 70-71.
606
A situação financeira poderia ficar ainda pior quando a “situação gerava uma
relação de dependência dos lavradores com os compradores de suas safras, ao
ficarem „nas mãos' dos trapicheiros e outros comerciantes, conhecidos como
„atravessadores‟, pois eram os representantes dos vários armazéns de fumo e
das exportadoras, empresas que usavam um sistema de financiamento
antecipado, ou seja, compravam as safras antes mesmo de plantar o fumo a
preços presumidos, o que significava preços baixos, logrando todas as
possibilidades de ganho do lavrador, além dos juros extorsivos praticados neste
comércio. Para o agricultor que se estabelecia na categoria de „meeiro‟ ou
aquele que trabalha como „rendeiro‟, o problema era ainda maior, pois, além de

209
Sabemos que o Recôncavo foi escolhido por muitos escravos da

capital e demais engenhos da província como refúgio, criando seus

sistemas de resistência à escravidão, ou mesmo conseguir a tão

sonhada liberdade607. Compreendeu, igualmente, um dos espaços

onde inúmeros escravos trabalharam intensamente para tornar o

setor fumageiro da região um verdadeiro império para os

comerciantes e exportadores estrangeiros, em especial os alemães e

portugueses608.

Existem muitas semelhanças entre as narrativas do escritor

baiano e a produção historiografia que se debruçou sobre a vida dos

trabalhadores nos campos de cultivo do fumo. O mesmo pode ser

atribuído aos operários das fábricas de charuto e dos armazéns. Os

operários sentavam de forma desconfortável, em assentos que não

tinham recosto. Manter a coluna ereta nessas condições tornava-se

uma tarefa sofisticada porque os funcionários tinham uma carga

horária longa e cansativa, tendo “intervalo apenas para o almoço,

sentadas no chão ou em pé”609.

Os indivíduos eram organizados no espaço de maneira muito

disciplinar, o que impedia muita movimentação entre os

não receber nenhuma ajuda ou proteção por parte do Estado, ainda ficava
sujeito às condições impostas pelos proprietários das terras”. Ibidem, p. 71
607
SOUZA, Robério Santos. “Se eles são livres ou escravos”: escravidão e
trabalho livre nos canteiros da estrada de ferro de São Francisco. Bahia, 1858-
1863. 2013. p. 212. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2013.
608
BORBA, op. cit.
609
SILVA, As mulheres no trabalho e o trabalho das mulheres: um estudo sobre
as mulheres fumageiras do Recôncavo baiano, p. 114.

210
trabalhadores. Intentavam, com isso, inibir comportamentos que

pudessem atrasar o andamento das atividades diárias. Nas fábricas

tinha o mestre de secção – conhecido como carrasco entre os

funcionários-, que era o sujeito responsável pelo controle e vigilância

dos funcionários610. O corpo de funcionários, majoritariamente

formado por mulheres, deveria ser submetido ao controle. Não

podiam “falar muito, não conversar umas com as outras, não se

levantar das bancas de trabalho, exceto nos momentos pré-

determinados[...]”611.

Há em Jubiabá um olhar atento sobre a saída dos empregados

das fábricas no fim da jornada de trabalho. No enredo, o negro Baldo

que está com a intenção de satisfazer seus desejos sexuais com uma

das operárias, testemunha o término dessa jornada das fábricas de

onde “vem esse cheiro que entontece. Os homens que pescavam

estão se recolhendo e conduzem peixes para o jantar magro. Das

fábricas sai o mesmo tempo um apito fino, prolongado. É o fim da

jornada”612. Baldo está à espera das mulheres na esquina rindo das

histórias de seu amigo Gordo.

Mas eis que elas saem e são tristes e cansadas. Elas


vêm tontas daquele cheiro doce de fumo que já se
impregnou nelas, que está nas suas mãos, nos seus
vestidos, nos seus corpos, nos seus sexos. Saem sem
alegria e são muitas, é uma legião de mulheres que

610
Ibidem, p. 114 e 117.
611
SILVA, Resistência inventiva das mulheres fumageiras do recôncavo baiano,
p. 12. Ver também SILVA, As mulheres no trabalho e o trabalho das mulheres:
um estudo sobre as mulheres fumageiras do Recôncavo baiano, p.146, 172,
178, 183.
612
AMADO, Jubiabá, p. 156.

211
parecem todas doentes. Algumas fumam charutos
baratos, depois de terem fabricado charutos caríssimos.
Quase todas mastigam fumo. Um homem loiro
conversa com uma mulatinha que ainda não perdeu a
cor nas fábricas613.

O autor não exagerou sobre os cheiros. Realmente aquela era

uma realidade que as mulheres tinham que enfrentar. Tampouco

exagerou sobre o estado de cansaço daquelas mulheres que

caminhavam para suas casas, maridos e filhos como se estivessem

acompanhando um enterro614. Com o intuito de reforçar a

representação dos cheios, reiterou o autor que aquelas “mulheres

passavam silenciosas como se estivessem bêbadas do cheiro de

fumo, entram em ruas estreitas que já escurecem e rumam para os

becos sem iluminação do fundo da cidade”615. Ele ainda fez referência

aos mecanismos de opressão e disciplina em que elas vivem, cujas

conversas além de não permitidas, podiam ainda gerar uma espécie

de multa para as operárias616.

Na historiografia sobre a temática, as mulheres aparecem como

fundamentais na fabricação de charuto e tarefas específicas nos

armazéns, uma vez que, para os donos de fábricas e armazéns, elas

eram importantes devido à delicadeza, paciência e docilidade. Criou-

se a ideia de que as mãos femininas eram mais adequadas ao fabrico

dos charutos, não detendo o público masculino das qualidades que

613
Ibidem, p. 156-157.
614
Ibidem, p. 157.
615
Idem.
616
Idem.

212
eram necessárias. No quarto romance, Amado chegou a narrar que

“os homens não tinham jeito, possuíam as mãos grossas demais para

aquele trabalho que, no entanto, era pesado e difícil”617.

O romance Jubiabá não apresenta um enredo onde os homens

sejam beneficiados com oportunidades de emprego em São Félix,

porque as fábricas de charuto preferem as mulheres. Num diálogo

entre Baldo e um pescador, é comovente a forma como o segundo

fala das dificuldades com emprego em São Félix618, onde “Trabalho é

difícil, é ... Aqui só tem trabalho para mulher, os homens ficam

pescando, ou arranjando uns vinténs com as canoas”619.

Os donos das fábricas vivem gordos620 – sinônimo usado pelo

escritor para simbolizar o poderio econômico das elites do fumo - e

seus filhos fazem farras com prostitutas, bebendo uísques e

desfrutando de jantares feitos especialmente para eles621. Já os

trabalhadores, vivem condições de subsistência. As casas em que

moram aquelas pessoas fora a representação usada por Amado para

fazer referência à miséria do povo ribeirinho, onde as “paredes são

617
Ibidem, p. 154-155.
618
De forma geral, os anos de 1930 foram também marcados pela crise
econômica desencadeada em 1929. Segundo o pesquisador Williams da Silva
Gonçalves, os países ricos passaram por um distúrbio, segundo o autor eles de
certa forma foram os principais atingidos, e por consequência os países pobres
também sofreram com a crise, isso abalou o sistema capitalista de produção.
GONÇALVES, Williams da Silva. A Segunda Guerra Mundial. In: REIS FILHO,
Daniel Aarão; FERREIRA, Jorge; ZENHA, Celeste. O Século XX. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005, p.169. Além disto, nas pesquisas realizadas por
Sampaio o desemprego foi uma triste realidade na Bahia na década de 1930,
surgindo dai muitas greves e revoltas populares. SAMPAIO, op. cit.
619
AMADO, Jubiabá, p. 159.
620
Ibidem, p. 154.
621
Ibidem, p. 157-158.

213
sujas de fumaça. Um quadro com Senhor do Bonfim, um violão

pendurado. Um garoto dorme estendido numa cama de tábuas. [...]

Já possui a barriga estofada”622.

Os pescadores, as operárias e outros sujeitos do Recôncavo são

apenas algumas das personagens amadianas que dialogam com a

realidade objetiva. O autor conseguiu representar nos romances os

sujeitos do cais de Salvador. Tomou como referência a ligação

existente entre os sujeitos, os cais das cidades da região do

Recôncavo e o rio Paraguaçu. Quase impossível não observar que as

personagens aparecem, quase sempre, como detentoras de códigos

de honra e questões culturais muito específicas.

4. 2 – As “operárias do sexo”: sociedade patriarcal,


“higienismo” social e desigualdade de gênero

O escritor baiano atribuiu feições realistas as suas personagens.

Não adotou postura diferente na representação das “operárias do

sexo” e lavadeiras da capital baiana. Em Cacau, por exemplo, o autor

apresentou as prostitutas e os problemas enfrentados por elas no

cotidiano. No caso das lavadeiras, prostitutas e operárias das fábricas

de charuto, ele nos deu a possibilidade de problematizarmos sobre a

vida do público feminino, especialmente os tipos de violências que as

mulheres sofreram – e ainda sofrem-, no âmbito da sociedade

patriarcal e controladora retratada.

622
Ibidem, p. 158.

214
Esclarece a historiadora Cristiana Schettini Pereira, que a

sociedade brasileira passou a promover, por vontade das elites, o

processo de higienização dos espaços urbanos, tendo como foco

aqueles que eram considerados indesejáveis e puni-los com a

marginalização em bairros periféricos, iniciando-se assim o processo

de favelização de várias capitais. Higienizar significava varrer pobres

e pretos das ruas, avenidas, becos e vielas623. Os espaços urbanos

menos movimentados ou tidos como menos importantes foram aos

poucos se tornando reduto de acolhimento daquelas trabalhadoras624.

Comparativamente, em seus estudos sobre o Rio de Janeiro,

Pereira traçou como objetivo entender como homens e mulheres

envolvidos com o comércio sexual se organizavam dentro dessas

práticas, e os tipos de rearranjos que fizeram para participar das

relações de poder, numa sociedade excludente, paternalista e racista.

A reconstrução que a autora fez da cidade do Rio de Janeiro do século

XIX até as duas primeiras décadas do XX por meio das informações

que recolheu das notícias de jornais, documentos manuscritos,

correspondências oficiais, textos literários, livros de cunho

623
NUNES NETO, Francisco Antônio. As condições sociais das lavadeiras em
Salvador (1930-1939): Quando a Literatura e a História se encontram. 2005. p.
52. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2005.
624
PEREIRA, Cristiana Schettini. “Que tenhas teu corpo”: uma história social da
prostituição no Rio de Janeiro das primeiras décadas republicanas. 2002. 335
fls. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2002.

215
memorialista foram primordiais na delimitação do perfil das

prostitutas, como da geografia dos espaços frequentados por elas625.

As prostitutas sofreram repressão no Rio de Janeiro, mas na

Bahia não foi muito diferente. O projeto de urbanização da cidade de

Salvador também passou a considerar determinados sujeitos como

“indesejáveis”. O planejamento urbanístico em Salvador acabou

adotando as ideias higienistas da Faculdade de Medicina da Bahia.

Como expos Alberto Heráclito Ferreira Filho, as

reformas urbanas repercutiam nos hábitos das classes


média e alta como um momento de revisão dos hábitos
e costumes. Pensada enquanto corpo, a „cidade
higiênica‟ das elites precisava amputar suas partes
doentes e segregar os seus dejetos626.

Construir praças com coretos elegantes e monumentos de

personalidades históricas importantes poderia parecer o símbolo do

advento da “modernidade baiana”627, não obstante, também se

configurava enquanto estratégia de controle de comportamentos628.

Não podemos esquecer que as “investidas de reforma das ruas,

associavam-se sempre a expulsão da vizinhança indesejável,

625
Para Schettini a década de 1920, é de fato marcada por reconfigurações e
transformações dos espaços urbanos cariocas, especialmente por iniciativa das
autoridades. Isso considerando que o centro da cidade deveria ser higienizado
das sujeiras sociais como, por exemplo, as prostitutas. O mesmo movimento de
modernização do espaço urbano pode ser percebido em Salvador. Ibidem.
626
FERREIRA FILHO, Alberto Heráclito. Salvador das mulheres: condição
feminina e cotidiano popular na Belle Époque imperfeita. 1994. p. 82.
Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia. 1994.
627
Ibidem, p. 66.
628
Ibidem, p. 138.

216
principalmente das prostitutas”629, até porque “tudo aquilo que se

diferenciava do projeto higienista-republicano devia ser tratado como

desvio ou criminalizado”630.

Amado representou em seus romances a prostituição nesse

momento de efervescência do projeto higienista de Salvador. Esteve

empenhado em ser um escritor das classes populares nos romances

proletários que escreveu631. No mapeamento de textos da crítica

literária feito por Palamartchuk, há a afirmativa de ser o escritor

baiano um “romancista de putas e vagabundos”632. Característica

que, segundo a autora, não foi recepcionada de forma negativa pelo

escritor633.

Ao apropriar-se da leitura de Antônio Candido e suas reflexões

acerca das influências do modernismo nos anos 1930, Palamartchuk

cita um parágrafo do livro do autor:

Romance fortemente marcado de neonaturalismo e de


inspiração popular, visando aos dramas contidos em
aspectos característicos do país: decadência da
aristocracia rural e formação do proletariado (José Lins
do Rego); poesia e luta do trabalhador (Jorge Amado
Fontes); êxodo rural, cangaço (José Américo de

629
Ibidem, p. 82.
630
Ibidem, p. 101.
631
PALAMARTCHUK, Ser intelectual comunista: escritores brasileiros e o
comunismo, p. 120. Ver uma discussão semelhante
PALAMARTCHUK, Ana Paula. Jorge Amado: romance proletário e suas
personagens. In: Flavio Gonçalves dos Santos; Inara de Oliveira Rodrigues;
Laila Brichta. (Orgs.). 100 anos de Jorge Amado. História, literatura e cultura.
1ed. Ilhéus: EDITUS - Editora da UESC, 2013, p. 137;
ROSSI, Na trilha do negro: política, romance e estudos afro-brasileiros na
década de 1930, p. 182 e 186.
632
AMADO, Jorge apud PALAMARTCHUK, Ser intelectual comunista: escritores
brasileiros e o comunismo, p. 109.
633
PALAMARTCHUK, Ser intelectual comunista: escritores brasileiros e o
comunismo, p. 109-110.

217
Almeida, Raquel de Queiros, Graciliano Ramos); vida
difícil das cidades em rápida transformação (Erico
Verissimo).634

Segundo a historiadora, Candido mostra a influência dos

elementos da cultura e das classes populares num tipo de literatura

da década de 1930, e ainda reitera que Candido “afirma que o

„modernismo‟ não só proporcionou à literatura e aos seus autores

uma „ida ao povo‟, como também o surgimento da „arte interessada‟,

inclui-se aí Jorge Amado, ainda que não fosse o melhor representante

desta definição”635.

A literatura de Amado dos anos de 1930 estava engajada em

um esforço de representação das condições em que viviam os

trabalhadores e suas relações sociais, políticas, culturais, questões

étnico-religiosas em Salvador e regiões do Sul baiano e Recôncavo.

O romance Cacau parte de um ponto de vista interessante

sobre as prostitutas, ao chamá-las de operárias do sexo636. Essas

personagens femininas são portadoras de histórias, quase todas

marcadas pelo abandono ou o abuso. Algumas delas moram em ruas

miseráveis, como a famosa Rua da Lama, que gera incômodo nas

mulheres casadas da cidade de Pirangi, porque consideram aquelas

trabalhadoras como “mulheres perdidas”637.

634
Ibidem, p. 109-110.
635
Ibidem, p. 110.
636
AMADO, Cacau, p. 65.
637
Ibidem, p. 61. Em Capitães de areia, Amado retrata Ilhéus enquanto espaço
muito receptivo à prostituição, embora também aparecessem alguns
probleminhas. Os navios que chegam em Ilhéus trazem mulheres de Salvador,

218
Num diálogo entre duas senhoras, uma delas sugere que a

“polícia deveria proibir aquilo”638, e a outra retruca dizendo “Ora, a

polícia é a primeira”639. Aqui, há algo curioso a considerar. Na

Salvador das primeiras décadas do século XX, a polícia exercia papel

de “braço direito” das elites no projeto higienista, como frequentava

esses espaços de mulheres. Diz Ferreira Filho que “o Diário de

Notícias denunciava a constante presença de policiais nas „casas de

mulheres bebendo, jogando ou mesmo participando, aos sábados,

dos „bailes licenciosos‟ promovidos pelas „pensões alegres‟”640.

A imprensa repreendeu as visitas de policiais e outras

autoridades àqueles recintos, e criou uma esfera de estigma das

prostitutas. Apelidos como mundanas, dulcinéas, decaídas,

horizontais, mulheres de vida airada foram atribuídos às prostitutas.

A imprensa usou outros apelidos, como:

Laura Cemitério, Izaura Avestruz ou Maria Três Pinotes,


que denunciavam a periculosidade ou morbidez dessas
mulheres, que à noite „quando a cidade dorme e
sonha‟, ameaçavam com as suas práticas eróticas a

Aracajú, Recife e algumas do Rio de Janeiro. Os coronéis se divertem nas


vastas noites com a companhia daquelas trabalhadoras. Diz Amado que “Na rua
de Dalva, na zona das mulheres perdidas da Bahia, as casas se despovoaram.
Vieram mulheres para o Bataclan, mulheres para o El-Dourado, mulheres para
o Far-West. Uma das poucas vieram para o Trianon, onde dançavam com os
coronéis. No Bataclan, as mulheres pernambucanas e sergipanas davam parte
do dinheiro que ganhavam dos coronéis, e que era muito, aos estudantes, que,
em compensação, lhes davam o amor. Os viajantes enchiam o El-Dourado. Até
no Far-West as mulheres ganhavam joias. Por vezes ganhavam um tiro
também, como uma estranha joia vermelha no peito”. AMADO, Jubiabá, p. 207.
638
AMADO, Cacau, p. 61.
639
Idem.
640
FERREIRA FILHO, op. cit., p. 89. Ainda sobre este aspecto ver PEREIRA, op.
cit., p. 48-51.

219
saúde física e moral das famílias, instaladas em toda a
parte da cidade.641

Sobre a prostituição, Amado chamou a atenção para algumas

questões colocadas de maneira intercalada na narrativa. Em Cacau,

uma das meninas da Rua da Lama de nome Antonieta conta sua

história a Sergipano. Ela veio de uma família aparentemente estável

e “boa moral”. Tem irmãs casadas e “dois irmãos formados: um

médico e um advogado”642. A personagem deixa claro que a família

não sabe do trabalho que exerce no Sul do estado. Quando

questionada por Sergipano sobre sua história de ingresso no mundo

do sexo profissional, retruca: “Eu casei. Ele era viajante. Me deixou

na Bahia. Morei muito tempo lá. Corri depois as cidades do

Recôncavo...[...]”643. Ela nunca mais viu o marido, tendo que garantir

seu próprio sustento.

Em Jubiabá temos um caso bem parecido com o de Antonieta.

Trata-se de Lindinalva, a filha do Comendador que foi criada com

Baldo. Quando os pais de Baldo morrem ele fica com a tia, que sem

condições de cuidar do menino, o leva para a casa do Comendador.

Com a morte da esposa desse último as coisas começam a ficar

difíceis, e sua vida fica dividida entre negócios e amores fáceis644.

Lindinalva fica noiva do advogado Gustavo Barreira, que é

oriundo de uma das “melhores” famílias soteropolitanas. Formou-se

641
FERREIRA FILHO, op. cit., p. 80.
642
AMADO, Cacau, p. 58.
643
Idem.
644
AMADO, Jubiabá, p. 270.

220
no Rio de Janeiro e voltou à Bahia decidido a fazer fortuna. Disse o

autor que ele foi “advogado do Comendador num negócio e assim

conheceu Lindinalva. As sarnas do rosto se não deixavam Lindinalva

ser bonita, a tornavam esquisita”645. Quando o Comendador morre

em uma casa de meretrizes, os jornais anunciam e Gustavo Barreira

não aparece no enterro para não expor sua imagem, tampouco

colocar sua carreira em risco. Assume para a noiva que as coisas não

iam muito bem, e com a morte do sogro, desaparece.

Nesse ínterim, Lindinalva se lança à prostituição para sustentar

o filho que teve com Gustavo Barreto. O pai não assume a criança.

Pelo contrário, “se casara com a filha de um deputado, manda cem

mil-réis para a criança e um pedido angustioso de silêncio”646. Ela

concorda em não falar nada, segue a vida, mas deixa o filho com

Amélia - a antiga empregada da casa do Comendador e que

praticamente criou Lindinalva. E, como estava em busca de emprego,

a cafetina Lulu que tem a pensão mais cara da cidade ofereceu-lhe

uma vaga como prostituta.

O cenário da pensão onde as prostitutas trabalham é muito

triste. A música melancólica que arrasta para o fundo do poço

qualquer ânimo é uma característica marcante do recinto, porque

“parece um cemitério onde houvesse música”647. Eunice desabafa com

as colegas de trabalho, dizendo que todas elas estão mortas e não

645
Idem.
646
Ibidem, p. 272.
647
Ibidem, p. 273.

221
sabem. Para a personagem, ali será o término de suas vidas. Numa

tentativa de reforçar seu pensamento, reitera que “Mulher-dama é

quase defunto”648.

As personagens da pensão de Lulu foram criadas pelo autor

como portadoras de um arraigado sentimento de desesperança. No

fundo, elas acreditam que estão mortas, inclusive Lindinalva que está

cada vez mais pálida. Seu consolo é que seu filho está com Amélia,

enquanto seu corpo será aos poucos devorado pelo cansaço e pela

doença. É sabido pela historiografia que as teorias higienistas

defendiam que aquelas mulheres eram veículos em potencial de

transmissão de doenças e medidas deveriam ser tomadas para

controlar a visita dos homens casados aos espaços de prostituição, e

assim proteger a saúde do recinto familiar.

Carolina Silva Cunha de Mendonça649 analisa como a

prostituição foi tratada em Salvador pela imprensa e demais campos

de atuação dos “homens das letras”. Além da estigmatização das

prostitutas em decorrência do projeto de “civilização” contra a

“barbárie”, os intelectuais se ocuparam em refletir sobre as causas

que levavam as mulheres à prostituição. Dentre as várias

possibilidades, apontava-se que uma mulher poderia se tornar uma

prostituta por meio do abuso de um homem, sendo este último ator

648
Idem.
649
MENDONÇA, Carolina Silva Cunha de. Marias sem glória: retratos da
prostituição feminina na Salvador das primeiras décadas republicanas. 2014.
113 fls. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia. 2014.

222
do defloramento ou o pai que vende a virgindade da filha 650.

Acrescenta Mendonça que o mesmo poderia ocorrer com padres que

se valiam do seu poder religioso, tendo o confessionário como espaço

para iludir e aliciar suas devotas651. Nem sempre existia um setor

judicial capaz de punir os criminosos, pois como explicou Ângelo de

Lima Godinho Santos em sua tese apresentada na Faculdade de

Medicina da Bahia, em 1909, este setor “existia apenas para castigar

e perseguir os miseráveis, não amparando as „pobres defloradas‟”652.

Os casos de defloramento geraram muitas polêmicas em

Salvador. Na concepção de Ferreira Filho, isso dificultou na

localização de processos no Arquivo Público do Estado da Bahia

(APEB), embora aqueles encontrados tenham sido extensos em

documentos653. Para evitar escândalos, as famílias das defloradas não

recorriam à justiça e usavam estratégias como casamentos

apressados, maridos arranjados, reclusão em conventos. A ideia era

evitar envolver o nome da família em escândalos por questões de

moralidade e preservação da imagem pública, tão cara numa

sociedade baiana que se esforçava para adequar-se ao processo de

650
Ibidem, p. 32.
651
Ibidem.
652
Ibidem, p. 34. Segundo Ferreira Filho “Além da penetração da vagina pelo
órgão sexual masculino – provocando ou não a ruptura do hímen -, era
necessário, para a configuração do delito que as vítimas demonstrassem que
haviam sido moralmente enganadas pelos acusados. Ao devassar a intimidade
sexual dos indivíduos para que fosse composto um modelo de culpa ou
inocência jurídica, os crimes de defloramento alimentaram, com frequência,
grossos autos processuais e concorridos juris populares”. FERREIRA FILHO, op.
cit., p. 126.
653
Ibidem, p. 126-127.

223
modernização do espaço público e distanciando-se de um passado

decadente654.

Nos escritos amadianos, a entrada de algumas personagens na

prostituição se deu devido ao abandono do marido. Sem recursos

para viver, elas encontraram o meretrício como estratégia de

sobrevivência. Uma das críticas que poderíamos fazer ao escritor, é

que em suas narrativas, há um olhar pessimista sobre o destino das

mulheres. As mulheres na maioria das vezes são colocadas como

objetos, e não dispunham de muitas habilidades para conseguir

sobreviver sem recorrer ao meretrício. As mulheres vítimas de abuso

e abandono encarram a prostituição como o primeiro caminho

possível, mostrando uma visão machista do autor, na qual o sexo é

única habilidade que a mulher dispunha.

As mulheres foram representadas em alguns discursos médicos

e jurídicos da época como frágeis, influenciáveis e fáceis de serem

enganadas. Os homens por serem considerados como dotados de

razão, deveriam pensar melhor sobre seus desejos em nome da

moralidade e da família.

Zilda era uma mulatinha clara, olhos grande de criança


que nada sabe da vida. Na hora do café eu a conheci.
Estava na vida desde os onze anos. Morava naquela
casinha com Antonieta, Mariazinha e Zefa. Sobre o seu
corpo apenas um vestido, grávido de rasgões. Quase
não tinha seios a criança. Tomava o café
maquinalmente, sem falar. João Grilo, que dormira com
ela, beija-a. Ela se deixava beijar sem revolta,
naturalmente. Aquilo fazia parte da profissão. E ele,

654
Ibidem, p. 127. Sobre os crimes de defloramento nas primeiras décadas da
republicanas ver também MENDONÇA, op. cit.

224
com treze anos apenas, conhecia muito bem a
profissão655.

Nas tramas de Cacau acontece uma história interessante. Zilda

trabalhava na lavoura do coronel Mané Fragelo junto com seu pai

Ascenço. O ingresso da filha do camponês na prostituição é culpa do

filho do coronel que estuda Direito, na Bahia. Num dia chuvoso, o

jovem abastado pede agasalho na casa dos lavradores e tem relações

sexuais com Zilda quando ela tinha apenas dez anos. A menina

camponesa se entrega por estar apaixonada, mas não tem sorte,

porque não sendo assumida pelo filho do coronel, o pai a expulsa de

casa. Amado afirmou ter sido uma “tragédia de gente pobre: um pai

que bota a filha para fora de casa e morre de desgosto”656.

A desilusão de Zilda é ainda maior. Ela fica sabendo que Osório

vem passar as festas juninas na fazenda de Mané Fragelo, e então

resolve comprar um “vestido novo com as suas economias e uma

caixa de ruge”657. Quando Osório foi até a casa onde ela trabalha

junto com alguns amigos que trouxe de Salvador, ele não a

reconhece, o que causa mal-estar. Zilda afirma ter sido ela a mulher

que Osório havia desgraçado na fazenda do pai, tomada por um

desgosto, resolve então tirar a própria vida.

Sobre o caso, Amado afirmou que no “outro dia Zilda bebeu

veneno. As rameiras fizeram uma subscrição para enterrá-la, pois ela

655
AMADO, Cacau, p. 61.
656
Ibidem, p. 63.
657
Ibidem, p. 64.

225
gastara as economias no vestido novo. Quando o enterro passou,

pobre caixão mal pintado, Osório atravessa o povoado a cavalo” 658.

Dona Rosália, a cafetina, é tomada de surpresa por acreditar que

prostituta não se suicida por amor, e sim para sanar seus pecados.

Seria Zilda a forma encontrada pelo autor para problematizar as

relações das meretrizes com os sentimentos, ou da sociedade para

com os sentimentos daquelas mulheres? Estamos convencidos que o

autor quis atribuir às personagens a capacidade de sentir, sendo

talvez uma forma de contestar um preconceito de época, pois a

sociedade baiana coisificava e banalizava os sentimentos daquelas

mulheres.

Pereira relata em sua tese que as trabalhadoras do sexo

ganhavam dinheiro extra de homens que se apaixonavam por elas, e

também não descarta a possibilidade de que as meretrizes davam

parte de seus lucros diários a homens que elas haviam se

apaixonado. Seriam estratégias usadas pelas partes para conseguir

sobreviver? Diz Pereira que as “prostitutas „de janela‟ cobravam em

média 5$ a um cliente comum, mas alguma parte de seus lucros

ganhos poderiam vir de homens apaixonados”659 e acrescenta que é

“preciso ainda considerar a possibilidade contrária, ou seja, de que

um amante especial pudesse ser dispendioso”660.

658
Idem.
659
PEREIRA, op. cit., p. 47.
660
Idem.

226
Em Capitães de areia, Gato é um dos meninos de rua que

integra o grupo chefiado por Pedro Bala. Ele se aventura numa noite

qualquer em busca de sexo “sem gastar um níquel”, pois os capitães

de areia não pagam pelos serviços das prostitutas que circulam pelas

ruas de Salvador. Eles têm alternativas como as “negrinhas de

dezesseis anos para derrubar no areal”661.

As mulheres olhavam para a sua figura de garoto, e


sorriam. Achavam-no belo na sua meninice viciada e
gostariam, de fazer o amor com ele. Mas não o
chamavam porque aquela era a hora em que
esperavam os homens que pagavam, e elas tinham que
pensar na casa e no almoço do dia seguinte. Se
contentavam assim com rir e fazer pilhérias. Sabiam
que dali sairia um daqueles vigaristas que enchem a
vida de uma mulher, que lhe tomam dinheiro, dão
pancadas, mas também dão muito amor. Muitas delas
gostariam de ser a primeira mulher deste malandrin tão
jovem. Mas eram dez horas, hora dos homens que
pagavam. E o Gato andava de um lado para outro
inutilmente. Foi quando viu Dalva, que vinha pela rua
embuçada num pote de peles apesar da noite de verão.
Ela passou por ele quase sem o ver. Era uma mulher de
uns trinta e cinco anos, corpo forte, rosto cheio de
sensualidade. O Gato a desejou imediatamente. Foi
atrás dela. Viu quando entrou em casa sem se voltar.
Ficou na esquina esperando. Minutos depois ela
apareceu na janela. O Gato subiu e desceu a rua, mas
ela nem o olhava. Depois passou um velho, atendeu ao
chamado dela, entrou. O Gato ainda esperou, porém,
mesmo depois do velho ter saído muito apressado
procurando não ser visto, ela não voltou à janela.662

Amado representou a rotina das prostitutas na cidade de

Salvador - o próprio escritor nos tempos de boemia da AR ou mesmo

quando residente no Rio de Janeiro frequentou casas de prostituição.

661
AMADO, Jorge. Capitães de areia. Rio de Janeiro: Record, 1980, p. 39.
662
Idem.

227
Na narrativa amadiana, essas mulheres circulam nos espaços

públicos de maneira muito livre, embora a repressão fosse, até certo

sentido, um obstáculo para o exercício da profissão.

No entanto, o machismo de Amado é algo que não dá para

desconsiderar, embora tenha surgido por parte de alguns

pesquisadores baianos uma tentativa de defesa, ao afirmarem que o

escritor é filho de seu tempo e por isto deveria estar isento de tal

análise. Não concordamos com tais pesquisadores, e não poderíamos

deixar de colocar o caráter machista da narrativa quando o escritor

cria prostitutas que são dadas aos caprichos do público masculino e

disputam pela primeira relação sexual dos jovens que saem à rua em

busca de sexo, ou cedem facilmente aos charmes masculinos.

Para além do pessimismo quanto ao destino das mulheres

pobres abonadas pelos maridos ou abusadas, o escritor baiano

também construiu personagens femininas que gostam de “vigaristas

que enchem a vida de uma mulher, que lhe tomam dinheiro, dão

pancadas, mas também dão muito amor”663. O autor usa de uma

retórica que apresenta a mulher enquanto sujeito passivo,

subordinado e sem amor próprio, soando, inclusive, com um requinte

de crueldade ao fazer menção às pancadas enquanto algo a ser

perdoado levando em consideração o “muito amor” – termo faz

referência ao sexo - que recebem de seus parceiros.

663
Idem.

228
Pedimos permissão ao leitor para abrirmos um pequeno

parêntese. O aspecto que acabamos de discutir também foi notado

pela pesquisadora Walnice Nogueira Galvão664, quando se dispôs a

analisar a condição da personagem Tereza Batista que se tornou

prostituta no romance Teresa Batista cansada de guerra (1972), de

autoria de Jorge Amado. Embora se trate de uma obra que não se

insere dentro de nosso recorte temporal de pesquisa, acreditamos

que é muito relevante o pensamento da autora sobre o que estamos

discutindo. Galvão demora um pouco para entrar no mérito da obra,

mas, quando o faz, se atenta muito mais aos problemas do que às

possíveis qualidades. Não apenas acusa o escritor analisado como

aquele que vai ao gosto do mercado, como afirma ser um “romance

repetitivo das piores fórmulas do realismo diluído”665.

A prostituta de Jorge Amado se ergue como uma


notável produção imaginária de machismo latino-
americano: Tereza Batista é a mulher ideal de todos os
homens progressistas com dinheiro na carteira.
Prostituta, bonita, calorosa, acolhedora, de bom caráter
e, sobretudo, mulata; esta, fantasia erótica
predominante em todos os povos com passado
escravista. A par disso, tem consciência de sua
situação, é solidária com suas companheiras de ofício a
quem defende até em luta corporal com os homens, é
politizada e ganha um casamento por amor, no fim.
Tendo todos os traços da prostituta absolutamente
alienada e inconsciente, tem também os traços – só os
que interessam ao machismo progressista – da que
seja altamente consciente.666

664
GALVÃO, Walnice Nogueira. Saco de gatos: ensaios críticos. São Paulo:
Duas Cidades, 1976, p. 13-22.
665
Ibidem p. 17.
666
Ibidem, p. 21.

229
Além do machismo, Amado, na interpretação da autora,

reforçava os achados de escritos anteriores, pois a “prostituta que

simplesmente vagueia por todos eles se torna personagem principal e

título, o alegre erotismo cruza a linha da perversão”667. Ao fazer isso,

na concepção de Galvão, o escritor baiano traçou o kitsch de si

mesmo, deixando transparecer a sua concepção de literatura e

corrobora “a de Cuíca de Santo Amaro, à página 303, o discurso

indireto não desautorizado: que não se perca tempo com escritos que

„não levantam o pau nem fazem a gente rir‟”668. Conclui que aí

residiria “o ideário estético de Jorge Amado e Tereza Batista Cansada

de Guerra está aí para confirmá-lo”669. Aqui, fechamos parêntese.

Tanto em Ferreira Filho670 quanto em Pereira, a noite aparece

como o momento mais adequado para a atuação das prostitutas

devido a reprovação social, e o mesmo pode ser notado em Capitães

de areia. A cena descrita na citação mostra que não ser visto deveria

ser uma das preocupações da clientela das meretrizes, especialmente

os homens que pertenciam a grupos familiares de prestígio na cidade.

Críticas à parte, não deixemos de notar que Amado fez também

uma denúncia sobre os perigos que aquelas mulheres poderiam ser

alvo, como espancamentos e furtos. Na narrativa, aquelas mulheres

não são destituídas de sentimentos, sonhos, desejos, esperanças

667
Idem.
668
Ibidem, p. 22.
669
Idem.
670
FERREIRA FILHO, op. cit.

230
futuras e frustrações. A vivência do autor com meretrizes e outros

sujeitos que circulavam pela rua e demais espaços da cidade da

Bahia, dava-o a possibilidade de escutar histórias de homens e

mulheres que não tinham voz.

Gato alimentou um sentimento muito forte - típico dos

personagens masculinos pertencentes às classes populares criados

pelo autor - de ter a prostituta Dalva, mas ela não tem olhos para

ele, e sim para um flautista “que tomava o dinheiro que ela fazia e

ainda tomava porres colossais na sua casa, atrapalhando a vida de

todas as rameiras do prédio”671. O menino Gato, no entanto,

consegue realizar seu desejo, afinal de contas, as prostitutas do autor

são fascinadas em satisfazer os desejos sexuais do sexo oposto.

Certa noite Dalva voltava da rua desesperada por não ter

encontrado Gastão, o flautista, e ficou durante muito tempo a esperá-

la na sacada da janela. Já é um pouco mais de meia noite, e percebe

que Gato está na rua. Pede ao jovem malandrin672 que vá até a casa

de Gastão para dar o recado de que o espera. Mas, o flautista, que

reside na Rua Rui Barbosa, nº 35, já está acompanhado de outra

mulher.

Quando Gato fala ao flautista sobre o recado, ele agride

verbalmente a prostituta, chamando-a de “bruaca”. Antes de sair do

quarto, Gato rouba a bolsa da prostituta que está com Gastão, e na

671
AMADO, Capitães de areia, p. 39.
672
Termo usado pelo autor.

231
rua “contou sessenta e oito mil-réis. Jogou a bolsa no pé da escada,

meteu o dinheiro no bolso”673, indo ao encontro de Dalva.

Retornando, o malandrin informa a Dalva que Gastão está com

outra, mostrando o dinheiro que havia roubado da mulher. Ela pede a

Senhor do Bonfim que entrave os dois, e Gato tem uma “noite de

amor”. Ao longo do romance, Amado chegou a narrar que os dois

acabam mantendo uma relação fixa, e que o menino recebe também

dinheiro de Dalva. Talvez o autor quisesse sugerir que, muitas vezes,

a relação dos amantes com as prostitutas era uma espécie de troca

de favores. O amor poderia existir entre os sujeitos, mas a situação

de extrema pobreza em que vivem as classes populares baianas

requeria estratégias para além das fronteiras do sentimento674.

Historicamente, aquelas mulheres viveram momentos de tensão

com os princípios morais e civilizadores pregados pelos grupos sociais

dominantes de Salvador. O que não poderíamos deixar de considerar

é a relação ambígua que esses grupos tiveram com aquelas

mulheres, porque se, de um lado, elas representavam um perigo para

a saúde do lar por serem consideradas portadoras de doenças

transmissíveis aos parceiros, de outro lado, elas eram vistas como os

objetos que satisfaziam os impulsos sexuais de homens que poderiam

vitimar as jovens de família675.

673
Ibidem, p. 41.
674
Ainda sobre este aspecto, das trocas de favores e dos dinheiros que os
amantes das prostitutas tiravam delas, ver o trabalho de PEREIRA, op. cit.
675
FERREIRA FILHO, op. cit., p. 83.

232
As meretrizes não foram as únicas trabalhadoras mal vistas

pelos homens e mulheres de “boa família”. Era necessário

implementar na capital, junto com o projeto higienista de organização

dos espaços, mecanismos de controle sobre o corpo feminino. Os

grupos sociais com melhores condições socioeconômicas entendiam

que “era feio trabalhar fora”676, mas isto se aplicava apenas às

mulheres de seus círculos.

4. 3 – As lavadeiras ganham as ruas: conflitos sociais e


relações de poder

Suor é uma forte denúncia dos problemas enfrentados pelas

lavadeiras. Aquelas mulheres vivem em péssimas condições de

sobrevivência, circulam pelas ruas da cidade em busca de clientelas

para os seus serviços. Numa cena construída ao longo da narrativa,

elas são apresentadas como mulheres detentoras de códigos de

conduta, movidas pelo sentimento de classe e pelos problemas que

enfrentam cotidianamente no lar como a agressão dos maridos. Mas,

como é o cotidiano das lavadeiras da pensão da Ladeira do Pelourinho

nº 68?

Cantavam enquanto esfregavam sabão nas cuecas e


camisas, enquanto torciam as peças, enquanto
botavam patchuli na água de enxaguar para a roupa
ficar cheirando. Certos fregueses não gostavam,
dizendo que patchuli fedia a negro.
Mulheres do sótão e dos demais andares, que também
viviam de lavar roupa, se juntavam às dez lavadeiras

676
NUNES NETO, op. cit., p. 86.

233
do K. T. Espero e, quando cantavam, conversavam com
grande gasto de queixas e de risadas. Mulatas,
portuguesas, árabes, velhas e moças, comentavam a
vida dos fregueses, sabiam de tudo que se passava no
prédio, se queixavam umas às outras, maldiziam a
existência e, juntas, iam à sessão grátis do Olímpia.
Amarravam os vestidos nas coxas ou vestiam calças
abandonadas pelos homens. Envelheciam depressa, sob
o sol que as castigava duramente as tardes de verão.677

A profissão continuou existindo, mesmo depois da criação das

lavanderias em 1930. Era nas fontes e cisternas que as mulheres

conviviam intensamente. Ali, redes de sociabilidade se estabeleciam

tendo como base não apenas a necessidade de amizade, mas de

sobrevivência. Amado demonstrou que existem muitos pontos em

comum entre as lavadeiras, contudo a exploração de seus corpos mal

alimentados era uma constante quase fixa em suas vidas. As fontes,

segundo Ferreira Filho, era o lugar onde as filhas daquelas mulheres

eram iniciadas no ofício, os filhos do sexo masculino eram levados

por não se ter quem os olhasse em casa678, assim como era onde elas

cozinhavam seus próprios alimentos679.

Morar perto de uma fonte ou cisterna ou ter no quintal um

destes recursos significava melhores condições de trabalho. Caso

contrário, as lavadeiras teriam que colocar suas trouxas na cabeça e

sair pela cidade em busca de lugares onde poderiam fazer seus

677
AMADO, Suor, p. 103-104. Sobre o processo de lavagem das roupas ver
SANCHES, Maria Aparecida Prazeres. Fogões, pratos e panelas: poderes,
práticas e relações de trabalho doméstico. Salvador, 1900-1950. 1998. p. 92-
93. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal da Bahia. Salvador, 1998.
678
Ibidem, p. 91.
679
FERREIRA FILHO, op. cit., p. 55-56.

234
serviços. A procura desenfreada por atender as demandas de

trabalho tinha a ver com a necessidade de complementar os

rendimentos da família680. Em muitos casos, sobretudo das mães

solteiras, essa era a única fonte de renda. Nesse aspecto,

apreendemos que há muita aproximação entre o mundo real e a

representação que Suor faz das condições de sobrevivência das

lavadeiras e suas famílias.

O caso da personagem lavadeira Dos Reis evidencia algumas

das questões sobre o mundo daquelas trabalhadoras. Dos Reis é uma

das mulheres que mora na pensão n° 68, seu marido, trabalha como

doqueiro em um dos portos de Salvador. Ela tem medo do ofício do

marido devido ao perigo que os guindastes representam para a vida

dos que lidam com eles todos os dias. A lavadeira “tinha medo

supersticioso dos guindastes, com os seus cabos de aço e bolas de

ferro. Mais de um homem morrera sob aqueles monstros negros e,

toda vez que o marido saía para o trabalho, o coração da mulher se

confrangia”681. Esta fala representa o perigo que aqueles

trabalhadores enfrentam a ponto de Dos Reis só se tranquilizar

quando o marido chega em casa, livre da morte que o ronda

diariamente.

Para sobreviver, aquelas pessoas têm que enfrentar os perigos

que seus trabalhos oferem. Conseguir lidar com uma Bahia marcada

680
Ibidem, p. 70.
681
AMADO, Suor, p. 102.

235
pelo desemprego é realmente uma tarefa difícil, como muitos estudos

apontam. Numa conversa entre Dos Reis e o marido, ela demonstra

preocupação com o esposo. Ele retruca que jamais acontecerá algo.

Mesmo tentando acalmar a esposa, aquele homem “sorria do seu

receio, mas ela tinha certeza de que ainda aconteceria uma desgraça

e rogava que ele deixasse aquele trabalho, senão ela não teria

sossego”682.

No recorte temporal analisado, podemos aferir que as

lavadeiras não eram isentas dos perigos do ofício. Levar as roupas

para suas casas era uma prática comum entre as mulheres. A

historiadora Maria Aparecida Prazeres Sanches chama a atenção para

o fato de que aquelas mulheres iam buscar as roupas numa segunda-

feira e geralmente entregavam num sábado683. Às vezes o clima

chuvoso atrapalhava as entregas dentro do prazo, e por isso as peças

de maior necessidade poderiam ser entregues num dia anterior ao

sábado684.

A possibilidade de afogamento em fontes ou cisternas era um

perigo real685. Também rondava sobre as lavadeiras o perigo do

possível furto de roupas dos clientes. Quando tal fatalidade acontecia,

elas tinham que pensar em boas desculpas, ou poderiam terminar

682
Ibidem, p. 103.
683
SANCHES, op. cit., p. 92; NUNES NETO, op. cit., p. 87.
684
SANCHES, op. cit., p. 92. Acrescenta ainda Nunes Neto que as roupas eram
buscadas na casa da(o) cliente e deveriam começar no mesmo dia que
fechavam contrato. NUNES NETO, op. cit., p. 81
685
Ibidem, p. 90. Ver outros casos de acidentes descritos em SANCHES, op.
cit., p. 90-97.

236
numa prisão, e perder a clientela686. A maioria das mulheres eram

negras687 e compunham um corpo de “trabalhadores e trabalhadoras

que residiam na capital baiana, embora fossem a maioria filhos e

filhas da terra, em larga proporção também advinham egressos das

zonas do Recôncavo, Sertão e Chapada Diamantina”688. Saíam de

suas terras em busca de melhores condições de vida, mas nem

sempre conseguiam.

Muitas mulheres eram vítimas do calote. Amado, em seu

terceiro romance, representa o problema por meio da personagem

dona Maria. Esta tem uma das maiores freguesias, lavando para os

estudantes que moram nas pensões do Terreiro de Jesus e da Rua

Bispo. Esse público comete muitos calotes e demora nos

pagamentos689. Segundo o pesquisador Neto, no “quesito „calotes‟,

estes eram largamente praticados, sobretudo, por estudantes do sexo

masculino, muitos egressos de áreas interiores do estado, para

realizar seus estudos nas faculdades de Salvador ou para se formar

686
Ibidem, p. 92; NUNES NETO, op. cit., p. 72. Outros conflitos aconteciam no
contexto da cidade, diz Nunes Neto que a “rotina a que as lavadeiras estavam
sujeitas começava com às idas as casas dos/das contratantes dos serviços,
tornando possível desenhar trajetórias de circulação pelas ruas da cidade, em
direção às fontes, diques, lagoas e riachos, quando não lavavam nas
proximidades das suas casas ou na frente destas, causando verdadeiro mal-
estar junto a uma população que a todo instante denunciava os jornais os mais
hábitos de certas mulheres em praticar tal atividade de maneira não higiênica
ou não cuidados em frente das suas moradias, espalhando um mar de espuma
pelo chão, contribuindo para que os pedestres desatentos caíssem em plena
rua, favorecendo a querelas, discussões e outros disse-que-disse”. Ibidem, p.
75.
687
A presença marcante das negras no ofício remete a uma herança histórica.
As escravas de ganho exerciam a atividade fora das dependências do senhor, e
em contrapartida pagava pela liberação ao mesmo. Ibidem, p. 74.
688
Ibidem, p. 73.
689
AMADO, Suor, p. 104-105.

237
em soldados da Polícia Militar”690. Na narrativa de Amado, os

estudantes demoram no pagamento devido às privações de fundo

financeiro.

A velha Maria manda “a filha, a Celuta, garota de treze anos,

resignada, com os braços marcados das pancadas e dos arranhões da

mãe. As suas coxas e os seus seios pequenos é que não guardavam

marcas das apalpadelas dos estudantes”691. Celuta é vítima dos

abusos e assédios sexuais dos estudantes, “seus lábios não sentiam

nenhum sabor naqueles beijos e naquelas dentadas”.

Dona Maria usa da violência física e da autoridade materna para

forçar a filha a fazer a função que, conforme seu entender, cabe-lhe.

A lavadeira usou o mesmo método com a irmã de Celuta que fora

cedo deflorada por um estudante em véspera de


formatura (diziam que a velha arrancava quinhentos
mil-réis do pai do rapaz, para não fazer escândalo),
que, depois de rolar nos braços de todos os outros
fregueses, terminara na Ladeira do Tabuão com o
filhinho de dias.692

Tudo indica que Amado desejou demonstrar, com tal estória, as

péssimas condições de remuneração naquele ofício, no qual algumas

lavadeiras tiveram que criar estratégias para sobreviver, mesmo que

isso custasse valores estimados pelas elites como, por exemplo, a

moralidade.

690
NUNES NETO, op. cit., p. 92
691
AMADO, Suor, p. 105
692
Idem.

238
A remuneração não compensava os problemas e perigos que as

lavadeiras enfrentavam cotidianamente. Tendiam a morar em lugares

destinados às camadas populares, demonstrando as difíceis condições

de vida daquelas trabalhadoras e da exploração que sofriam por parte

da especulação imobiliária.

No lar, essas mulheres exerciam tarefas como mães e esposas.

Embora se tenha a ideia do lar enquanto reduto de repouso depois de

um dia inteiro de trabalho, para muitas daquelas mulheres poderia

ser o momento de intensificação do pesadelo. Muitas delas eram

vítimas da violência doméstica por parte de seus companheiros.

Amado presentou a violência sofrida pelas mulheres por meio

da personagem Vitória do romance Suor. Vitória pede trabalho

emprestado às suas companheiras693 de ofício, coisa que acontece

porque existe um sentimento de solidariedade entre elas 694. A

personagem sofre de violência doméstica do marido que, quase

sempre, chega bêbado. Num certo dia, quando chega da rua, ele

arrasta-a da tábua de engomar. Só queria se deitar


com ela. Vitória resistiu, tinha muita roupa para passar.
Ele zangou, deu-lhe uns tabefes. Quando ela voltou,
com os olhos doídos de chorar e a saia amassada, o
ferro tinha queimado a camisa de seda do doutor
Almeida.695

A violência representada pelo escritor no excerto mostra o que

muitas trabalhadoras enfrentavam quase todos os dias em seus lares.

Alerta Nunes Neto, que muito “embora Vitória não tenha reagido,
693
AMADO, Suor, p. 106.
694
FERREIRA FILHO, op. cit., p. 56-57.
695
AMADO, Suor, p. 106.

239
geralmente, elas costumavam ter „um comportamento aguerrido,

enfrentando situações difíceis. Ousadia e agressividade eram

procedimentos necessários‟”696. Ser mulher na Bahia significava ter

seus direitos infringidos e seus corpos tomados como objeto. Não

apenas os maridos agrediam, como os homens que se sentissem

desmoralizados com um determinado comportamento ou comentário.

Com intuito de findar nossa reflexão em torno dos tipos e

cenários amadianos, aludimos à questão: O seria um romance

proletário? A resposta está nas análises que fizemos dos romances da

década de 1930. Esses romances trazem não apenas a rotina de

trabalho e luta do proletariado, como também atentam para as

estratégias de resistência e luta contra a exploração dos patrões

citadinos e coronéis das fazendas de cacau, no sul da Bahia. Explana

Almeida que a literatura amadiana preocupou-se com a “descrição da

maneira de viver, das lutas e das perspectivas políticas do

proletariado”697.

As massas deveriam ser educadas para lutar contra o processo

de exploração e a luta entre classes. Este foi um dos alvos centrais

das produções literárias amadianas adequadas a uma linguagem

próxima do povo e de fácil assimilação, inscritas nos postulados do

realismo socialista e do movimento regionalista. Caberia aos

696
NUNES NETO, op. cit., p. 89.
697
ALMEIDA, op. cit., p. 113.

240
intelectuais descerem da torre de marfim e abraçarem a causa

revolucionária.

Para Jorge Amado e Zhdanov, ou mesmo o crítico Lukács, não

havia demérito na obra interessada. O primeiro foi um escritor

comprometido com o proletariado, e escreveu interessadamente

sobre ele698. Em uma época de luta, “o romance que seja honesto não

pode deixar de ser uma arma de luta. O sentido do romance

moderno, das gerações atuais, é um sentido político. Um sentido de

luta, um sentido de revolução”699.

698
Ibidem, p. 105.
699
TÁTI, op. cit., p. 89.

241
CAPÍTULO V

RAÇA, CLASSE E IDENTIDADE ÉTNICO-RELIGIOSA


NOS ESCRITOS DOS INTELECTUAIS COMUNISTAS
BAIANOS

Neste capítulo enveredaremos pela apreciação do envolvimento

de Edison Carneiro, Aydano do Couto Ferraz e Jorge Amado com as

questões em torno da ideia de classe, raça e problemas étnico-

religiosos. Não imaginávamos que encontraríamos tais discussões em

artigos publicados em jornais, livros e anais do II Congresso Afro-

Brasileiro ocorrido em janeiro de 1937, na cidade de Salvador. O

Congresso se constituiu como espaço usado pelos comunistas para

debater os assuntos de raça e classe, como serviu de ponte para a

fundação de outros espaços de sociabilidade como a União das Seitas

Afro-brasileiras.

O debate sobre a raça percorreu lugares bem delimitados,

especialmente aqueles que defendiam a supremacia branca. A

produção literário-científica dos comunistas à época, não apenas se

confrontou com o pensamento vigente de hierarquia entre as raças,

como oferecia um caminho de combate ao racismo e à exploração do

negro pelo branco dentro do sistema capitalista em expansão no país.

Para entender com quais instituições e grupos os comunistas estavam

se confrontando, acabamos fazendo um mapeamento de fontes e

bibliografias que nos permitissem entender a atuação do IGHB e a

Faculdade de Medicina baiana, que foram espaços centrais de

242
aglutinação de intelectuais que defendiam, em sua maioria, a

inferioridade do negro e do mestiço.

5. 1 – O Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e os debates


sobre a nação e a raça

A discussão sobre a questão racial começou a tomar corpo

por meio dos intelectuais e relatos de viajantes estrangeiros que

vieram ao Brasil700. A investigação sobre as raças701 não significou

meramente uma tentativa de classificação dos tipos humanos, como

foi utilizada enquanto justificativa para a mobilização e mediação das

exigências políticas de grupos sociais702. Compreendeu vários tipos de

intencionalidades, como a criação de hierarquia entre grupos étnico-

raciais constituindo “um racismo perverso e desumano, genocida, às

700
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e
questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993,
p. 11-12. Ainda sobre a questão racial no Brasil, Cf. ALVES, Eliane Bisan.
Etnicidade, nacionalismo e autoritarismo: a comunidade alemã sob vigilância do
DEOPS (1930-1945). São Paulo: Humanitas; FAPESP, 2006; TUCCI CARNEIRO,
Maria Luiza. O anti-semitismo na Era Vagas (1930-1945). São Paulo: Editora
Brasiliense, 1988; TAKEUCHI, Márcia Yumi. O perigo amarelo: imagens do
mito, realidade do preconceito (1920-1945). São Paulo: Humanitas, 2008.
701
“O conceito de raça é definido como uma construção social, com pouca ou
nenhuma base biológica. A raça é importante porque as pessoas classificam e
tratam o „outro‟ de acordo com as idéias socialmente aceitas. Referenda-se,
aqui, a posição de Edward Telles: „o uso do termo raça fortalece distinções
sociais que não possuem qualquer valor biológico, mas a raça continua a ser
imensamente importante nas interações sociológicas e, portanto, deve ser
levada em conta nas análises sociológicas [e históricas]‟”. TELLES, Edward apud
DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos
históricos. Revista Tempo, Niterói, v. 12, n. 23, p. 101, 2007; Ver igualmente
GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Raça e os estudos de relações raciais no
Brasil. Novos Estudos, São Paulo, n. 54, p. 149-150.
702
DOMINGUES, op. cit., p. 101-102.

243
vezes, mas outras vezes condescendente e paternalista”703. A

exploração de características biofísicas da espécie humana nos

estudos sobre tipologia e morfologia humanas procurou, ao mesmo

tempo, determinar uma raça branca forte e justificar as violências

praticadas contra a população negra e mestiça do país704.

É comum encontrarmos discursos sobre as raças em

instituições brasileiras como IHGB705, IGHB e museus que foram

espaços produtores de um saber acentuadamente evolucionista,

católico, positivista e classificatório. Os museus nacionais atuaram na

classificação de grupos étnico-raciais, porque “esmeraram-se em


703
GUIMARÃES, Raça e os estudos de relações raciais no Brasil, p. 147-148;
CHWARCZ, O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no
Brasil (1870-1930).
704
Cf. GUIMARÃES, Raça e os estudos de relações raciais no Brasil, p. 147.
705
A fundação do IHGB ocorreu em 1838, no Rio de Janeiro, sob a chancela da
Sociedade Auxiliar da Indústria Nacional. Simboliza o momento de consolidação
do projeto de nação ou identidade nacional que se queria para o Brasil. Espaço
marcado pelas tensões políticas705, sociais e pela concorrência entre os sócios
pelas premiações de suas pesquisas, não podemos esquecer que no caso
brasileiro, ao contrário da Europa, foram os institutos que ficaram responsáveis
pela pintura do retrato da nação brasileira e não as universidades. Logo, o
trajeto histórico do país foi usado como ferramenta de legitimação do
nacionalismo brasileiro. Era necessário tal empreendimento, porque as elites
dominantes “[...] visam inculcar certos valores e normas de comportamento
através da repetição, o que implica automaticamente; uma continuidade em
relação ao passado”. GUIMARÃES, Manoel L. S. Nação e Civilização nos
Trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Estudos Históricos, São
Paulo, v. 1, n. 1, p. 6, 1988. Ver também: CAPONE, Stefania. Entre Yoruba et
Bantou: L‟influence des stéréotypes raciaux dans les études afro-américaines.
Cahiers d‟études africaines, Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, v.
59, n. 157, p. 58, 2000. Demétrio Magnoli e Elaine Senise Barbosa cometem
um pequeno erro de datas. Para eles, a fundação se deu em 1938, mas, na
verdade se deu em 1838. Uma confusão de datas que em nada tira o mérito do
trabalho. Cf. MAGNOLI, Demétrio; BARBOSA, Denise Senise. Liberdade versus
igualdade: o mundo em desordem (1914-1945). Rio de Janeiro: Record, 2011,
p. 327. Ainda sobre uma leitura interessante sobre a produção intelectual
vinculada ao IHGB ver a interessante e recente dissertação de mestrado:
BARRETO, Rogério Santana. Perdigão Malheiros e a comparação histórica na
crise da escravidão no Brasil, 1863-1871. 2014. 162 fls. Dissertação (Mestrado
em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo. São Paulo, 2014.

244
oferecer material, por exemplo, sobre o estágio infantil dos

Botocudos; sobre ossaturas de povos existentes; crânios de grupos

atrasados”706.

A tese Sur les métis au Brèsil, de João Batista Lacerda, diretor

do Museu Nacional do Rio de Janeiro, apresentada em julho de 1911

no I Congresso Internacional das Raças representa os tipos de

discursos que circulavam naqueles espaços. Com ela, atestou que o

“Brasil mestiço de hoje tem no branqueamento em um século sua

perspectiva, saída e solução”707. Assegurou, ainda, o diretor do

museu que o país é formado por raças miscigenadas em transição, e

alimentou o sonho de sermos um país branco708.

Houve um procedimento de patenteamento de instituições

como os institutos de pesquisas históricas e geográficas e os museus

pelo Estado brasileiro, com intuito de construir um projeto de “Nação

brasileira”, que garantisse ao Brasil uma identidade própria no

contexto das demais nações. Este projeto é uma continuação do

processo de civilização, no qual “Nação”, “Estado” e “Coroa”

aparecem na historiografia dos institutos históricos e geográficos

como “unidade, civilização e progresso”, conforme o pensamento

706
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Usos e abusos da mestiçagem e da raça no Brasil:
uma história das teorias raciais em finais do século XIX. Afro-Ásia, Salvador, v.
18, p. 96, 1997.
707
SCHWARCZ, O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial
no Brasil (1870-1930), p. 11-12;
708
Ibidem, p. 12.

245
iluminista francês709. Para a antropóloga Stefania Capone, o propósito

dessa historiografia era a “mission était de repenser l'histoire

brésilienne afin de consolider l'État national”710.

Impossível pensarmos em um projeto historiográfico brasileiro

e não fazermos referência à contribuição do naturalista alemão Karl

Friedrich von Martius, que escreveu a tese Como escrever a história

do Brasil711, que foi premiada em 1847712 e publicada na Revista do

IHGB em janeiro de 1845713. O naturalista esforçava-se em criar um

mito para a origem do Brasil714, tendo como princípio norteador a

relação das três raças: branco, índio715 e negro716. Com Martius,

709
GUIMARÃES, Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, p. 6.
710
CAPONE, Entre Yoruba et Bantou: L‟influence des stéréotypes raciaux dans
les études afro-américaines, p. 58.
711
Cf. MARTIUS, Karl Friedrich von. Como se deve escrever a história do Brasil.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 24, p.
381-403, jan. 1845.
712
GUIMARÃES, Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, p. 16. A partir da análise de Guimarães podemos dizer
que a premiação do trabalho de Martius foi a legitimação do projeto de história
que o IHGB queria para o Brasil. Ibidem, p. 17; CAPONE, Entre Yoruba et
Bantou: L‟influence des stéréotypes raciaux dans les études afro-américaines,
p. 58.
713
Chamamos atenção para o pequeno adendo de que Manuel Luis Lima
Salgado Guimaraes fez uma confusão de data, ao afirmar que o texto tinha sido
publicado em 1844713. A mesma confusão de data foi feita por Schwarcz, ao
afirmar que a publicação da tese de Martius na revista do instituto ocorreu em
1844, o que está longe de ser verdade. Devido a isso, tivemos que consultar o
texto original na revista do IHGB, conforme demonstraremos ao longo do
capítulo. A publicação não se dá em 1945 como sugere Magnoli e Barbosa.
MAGNOLI; BARBOSA, op. cit., p. 328; GUIMARÃES, Nação e Civilização nos
Trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, p. 16.
714
MAGNOLI; BARBOSA, op. cit., p. 327.
715
Alguns intelectuais patenteados pelo IHGB como Francisco Adolfo de
Varnhagen fez oposição a alguns romancistas que se propunham a desenhar o
índio enquanto representante da nacionalidade brasileira. GUIMARÃES, Nação e
Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, p. 21.

246
começou a se consolidar um projeto de uma História Pátria717 que

ganhou fôlego com os estudos do final do século XIX e ao longo do

século XX, no qual a “delimitação das fronteiras culturais e humanas

da „nacionalidade‟ se misturavam como um mesmo projeto de

construção da nação”718.

Martius tinha consciência “de que seu esboço tinha a função

política e pedagógica de contribuir para a criação de um mito

nacional”719. Estava claro, para ele, a função de “realizar a idéia da

mescla das três raças, lançando os alicerces para a construção do

nosso mito da democracia racial”720. Stefania Capone corrobora nossa

reflexão ao afirmar que “la mission du Brésil était de réaliser le

mélange des races, sous la tutelle attentive de l'État : le mythe de la

démocratie raciale venait de naître”721. Martius, no entanto, não

descartou o homem branco e seu papel de promotor da civilização, já

que na “sua aquarela do Brasil, o lugar dirigente estava reservado

aos portugueses, representantes da „raça europeia‟”722.

Cada uma das particularidades physicas e moraes, que


distinguem as diversas raças, offerece a este respeito
um motor especial; e tanto maior será a sua influencia
716
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O complexo de Zé Carioca: sobre uma certa ordem
da mestiçagem e da malandragem. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São
Paulo, p. 3, [Online], 1994.
717
CUNHA, Olívia Maria Gomes da. Sua alma em sua palma: identificando a
“raça”, inventando a nação. In: PANDOLFI, Dulci. (Org.). Repensando o Estado
Novo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999, p. 273.
718
Idem.
719
MAGNOLI; BARBOSA, op. cit., p. 328.
720
GUIMARÃES, Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, p. 16.
721
CAPONE, Entre Yoruba et Bantou: L‟influence des stéréotypes raciaux dans
les études afro-américaines, p. 58.
722
MAGNOLI; BARBOSA, op. cit., p. 328.

247
para o desenvolvimento commum, quanto maior fôr a
energia, numero e signidade da sociedade de cada uma
d‟essas raças. D‟isso necessariamente se segue que o
Portuguez, que, como descobridor, conquistador e
Senhor, poderosamente influiu n‟aquelle
desenvolvimento; o Portuguez, que deu as condições e
garantias moraes e physicas para um reino
independente; o Portuguez se apresenta como o mais
poderoso e essencial motor. Mas tambem de certo seria
um grande erro para com todos os princípios da
Historiographia-pragmatica, se se desprezassem as
forças dos indígenas e dos negros importados, forças
estas que igualmente concorreram para o
desenvolvimento physico, moral e civil da totalidade da
população.723

O fragmento põe em destaque o papel das raças no processo de

desenvolvimento da nação. Seu autor não apenas determinou como

se deveria constituir uma História do Brasil, como aludiu sobre a

função dos sujeitos, elevando o português à posição do “mais

poderoso e essencial motor”724. Mesmo situando o português como

modelo do que entendia como civilização superior725, Martius não

desconsiderou os índios e negros como proeminentes na

compreensão da história da nação726. No fundo, não via as demais

raças como ameaças porque o desenvolvimento da sociedade

transformaria o “sangue Portuguez, em um poderoso rio deverá

absorver os pequenos confluentes das raças India e Ethiopica” 727. Ou

723
MARTIUS, op. cit., p. 382.
724
Idem.
725
Ibidem, p. 389.
726
Para Martius, os negros e índios tinham papel importante no processo de
aprimoramento físico, moral e civil da população. Ibidem, p. 382-383.
727
Ibidem, p.383.

248
seja, caberia ao sangue dos colonizadores eliminar as imperfeições

das outras raças728.

As diretrizes de Martius se tornaram modelo vigente na maioria

dos institutos históricos, contudo no IGHB as coisas tenderam a ser

um pouco diferenciadas. A entidade é oriunda de um trabalho que

vinha sendo desenvolvido pelo Instituto Histórico da Bahia (IHB),

criado em 1856 por intelectuais e as elites políticas e econômicas de

Salvador, como o pai de Castro Alves e Rui Barbosa729.

Inicialmente, o instituto histórico baiano enfrentou dificuldades

financeiras730, pois não tinha o financiamento e a proteção do

imperador D. Pedro II, considerado amigo das letras e dos

esclarecidos731. Acabou sobrevivendo apenas das contribuições de

728
Outras curiosidades são muito interessantes na tese de Martius. Nela,
aponta que “o indígena merecia um estudo cuidadoso da história, até mesmo
pela possibilidade de tais investigações contribuírem para a produção de mitos
da nacionalidade”. Logo, o indígena merecia muita atenção, não apenas por
questões históricas, mas especialmente pela língua tupi e a cultura. Por outro
lado, o negro foi pouco pensado nas análises do alemão, tendência que
segundo Manuel Luis Lima Salgado Guimarães, só iria consolidar-se nas escritas
posteriores, por considerarem o negro como “fator de impedimento ao processo
de civilização”. GUIMARÃES, Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, p. 17; Cf. MARTIUS, op. cit., p. 386-387.
729
Desde sua fundação manteve foco na perspectiva regional. Os associados
entendiam ser importante compreender a história da Bahia, e sua relevância
dentro do grande Império que se pretendia centralizado. As investigações ali
desenvolvidas acabaram reforçando a importância da Bahia dentro do processo
de descobrimento do território brasileiro. LEITE, Rinaldo Cesar Nascimento.
Memória e identidade no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (1894-1923):
origens da Casa da Bahia e celebração do 2 de julho. Patrimônio e Memória,
São Paulo, v. 7, n. 1, p. 56-58, jun. 2011.
730
Idem.
731
GUIMARÃES, Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, p. 9 e 12.

249
seus sócios, e com fechamento do primeiro instituto baiano, o

segundo só seria fundado quase 40 anos depois732.

Esta casa é uma arvore de remotas raizes, amplas


ramagens e inesgotaveis frutos. Fê-la medrar a propria
alma da patria que ha de tê-la imperecivel. À sua
sombra sentir-se-ão unidos, indissoluvelmente, o
passado, o presente e o futuro. Templo votivo e tenda
creadora, relicario de tradições e abrigo de esperanças,
com ella se celebram os primeiros cem annos de
emancipação e commemoram os feitos que
asseguraram a independencia do Brasil, consumada
na e cimentada pelo sangue dos bahianos733.

O texto acima consta na epígrafe de inauguração da Casa da

Bahia (IGHB), ocorrida no dia 2 de julho de 1923, que teve cobertura

da imprensa e intuito de ser o “ano destinado às comemorações da

Independência Nacional na Bahia”734. A nova sede é fruto do estímulo

das autoridades para criar a sede da Casa, que posteriormente será

renomeada de IGHB. Após seu fechamento em 1913 devido a um

incêndio, a juventude, em especial os estudantes, foram importantes

na sua reconstrução. Conta Ana Clara Farias Brito que “A participação

ativa destes jovens estudantes, [...] evidencia mudanças que

pretendiam „civilizar‟ a Bahia”735.

O IGHB não era simplesmente um espaço de memória, porque

estava engajado nos debates sobre a ideia de raça e contribuiu para

732
LEITE, op. cit., p. 58.
733
Ibidem, p. 55.
734
BRITO, Ana Clara Farias. Casa da Bahia: Memória de alguns baianos, o IGHB
e as modificações urbanas da cidade de Salvador na Primeira República. In:
Anais do XXVI Simpósio Nacional de História. São Paulo: ANPUH, julho, 2011,
p. 3.
735
“Nessa mobilização organizaram quermesses, partidas de futebol, concertos
musicais, festivais de cinema, chás beneficentes e palestras para a arrecadação
de dinheiro, que seria utilizado na reconstrução do IGHB”. Ibidem, p. 2.

250
legitimar a hierarquia entre raças, tendo como ponto central a defesa

de seus interesses políticos, entre eles o do “branqueamento” da

população736. Historicamente, no Brasil, a “política do

branqueamento” remete às primeiras décadas do século XIX737, e o

IGHB representa uma das instituições que mais apostaram nas

altercações sobre a raça, para o qual a imigração europeia era

apresentada com uma das soluções para o problema da presença de

negros no estado.

Até final dos anos de 1920 a imprensa baiana foi uma das

principais incentivadoras da imigração europeia, porque entendia ser

peça capital para o “branqueamento” da população. A postura do

Instituto representou os “claros interesses do imperialismo e do

colonialismo contemporâneo”738, como, igualmente, das elites locais

que temiam pelo destino dos brancos no mundo, posto que não

estavam certas quanto a adaptação dos colonos europeus nos

trópicos. A imigração era compreendida como uma medida para

eliminar os elementos culturais e sociais dos negros no país.

A imigração europeia esteve entre as preocupações dos

membros do Instituto Histórico baiano. A fascinação pelos europeus

não era apenas pela cultura ou a língua, mas, igualmente, pelo

736
SILVA, Aldo José Morais. Instituto Geográfico e Histórico da Bahia: Origem e
estratégias de consolidação constitucional (1894-1930). 2006. 256 fls. Tese
(Doutorado em História) – Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2006.
737
MAGNOLI; BARBOSA, op. cit., p. 320.
738
REIS, Meire Lúcia Alves dos. A cor da notícia: discursos sobre o negro na
imprensa baiana. 2000. p. 46. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia. Salvador,
2000.

251
biotipo. Por isso, os europeus eram vistos como símbolo de

civilização:

Desnecessário dizer o quanto a identificação da


procedência exclusiva ou mesmo a predominância
européia da população distanciava-se da realidade da
composição étnica da sociedade. O parecer dos
membros do IGHB foi, antes de qualquer coisa, uma
negação à possibilidade de que a Bahia fosse
representada, e assim vista, como um meio cuja
população não estivesse a altura das expectativas e dos
esforços empreendidos por outros estados da federação
para se civilizar, para se europeizar, para se
desafricanizar. Logo, seu elemento característico não
seria o índio, muito menos o caboclo (o mestiço
transitório – e degenerado), seria o branco europeu,
que punha a Bahia lado a lado com os principais
centros do país.739

Caberia aos imigrantes a missão de “desafricanizar” a

população brasileira740 e evitar um Brasil Negro741. Em outro sentido,

a miscigenação entre brasileiros e europeus está arrolada como

positivo, não só do ponto de visto biológico, como tecnológico, uma

vez que os colonos trariam uma indústria mais desenvolvida para o

país742.

739
SILVA, Instituto Geográfico e Histórico da Bahia: Origem e estratégias de
consolidação constitucional (1894-1930), p. 179.
740
Chama atenção Aldo Silva que a “Bahia estava longe de ser uma sociedade
branca, urgia pensar e defender os meios para lhe conferir essa tão ansiada
condição, e dentre todas as possibilidades a mais certa e viável era (sabia-se)
exatamente a miscigenação. Ao contrário do que afirmava o parecer, portanto,
a mestiçagem como fenômeno não era um problema, era necessária. Ela
haveria de ser feita para produzir não o caboclo, e sim um novo tipo, mais
branco, mais europeizado. Haveria de ser, enfim, uma mestiçagem positiva”.
Ibidem, p. 180.
741
TAKEUCHI, op. cit., p. 43.
742
“Indubitavelmente, [...] o mais poderoso fator para a evolução da nossa
indústria agrícola, por conter em si os germens não só da atividade inteligente
como da evolução moral, [conseqüentemente] cumpri-nos promovê-la por meio
de uma associação destinada a provocar pela propaganda a espontaneidade
dessa imigração e facilitar por meios práticos a colonização dos imigrantes”.

252
Contudo, a imigração incomodava as autoridades pelo pouco

sucesso alcançado. No Nordeste, as “‟ineficazes tentativas de

colonização, foram sem valor sob o ponto de vista étnico‟, referindo-

se claramente à expectativa (não atendida) de branqueamento da

população”743. A imigração surgia como solução para o problema

racial e aperfeiçoamento da raça744.

Toda essa dificuldade, porém, foi ampla e nitidamente


percebida pelas mentes mais atentas do IGHB. Desse
modo, ao mesmo tempo em que levantavam a bandeira
da miscigenação positiva com e pela imigração
européia, dedicaram-se a pensar tanto os meios para
contornar as dificuldades que se apresentavam para
sua efetiva implementação, como a considerar as
alternativas possíveis a este elemento estrangeiro no
processo civilizatório que se acreditava em andamento.
Dessas medidas resultaram: a construção da imagem
de uma Bahia de características européias e a
concepção e defesa da estratégia do melhoramento
racial pela integração de índios ao „processo civilizador‟
nacional, bem como o desenvolvimento da idéia da
viabilidade da civilização mestiça nacional.745

Entender os discursos dos institutos históricos brasileiros sobre

as raças é uma tarefa complexa. Não obtivemos nenhum tipo de

documento que permitisse entender uma posição clara da instituição,

mas por meio da historiografia pudemos aferir que estavam

engajados no projeto de nação. Atine que ao longo da materialização

deste projeto, as raças “não brancas” eram vistas como atrasos para

APEB. Sessão Colonial e Provincial. Série: Polícia do Porto. Maço 4.609. Atas da
Sociedade Baiana de Imigração apud SILVA, Instituto Geográfico e Histórico da
Bahia: Origem e estratégias de consolidação constitucional (1894-1930), p.
182-183.
743
Ibidem, p. 183.
744
REIS, op. cit., p. 48-49; SILVA, Instituto Geográfico e Histórico da Bahia:
Origem e estratégias de consolidação constitucional (1894-1930), p. 59.
745
Ibidem, p. 183-184.

253
o futuro nacional. O IGHB serviu como porta voz das elites e

comungava da ideia de miscigenação, mas nem todos os grupos

acreditavam no benefício da mistura entre as raças, porque “dos

indígenas pouco se espera, dos negros e mestiços menos ainda”746.

Apesar do latente pessimismo de alguns membros das classes

dirigentes, existiram esforços por parte de intelectuais do instituto

para mudarem as convicções das elites747.

Ilustraremos a reflexão acima por meio do artigo Colonos,

indígenas e escravos: os jesuítas e a catequese de autoria do

professor Antonio Alexandre Borges dos Reis, associado do IGHB. O

autor expõe “uma visão sobre os povos indígenas e negros que,

apesar de não negar o princípio da existência das raças humanas, ia

de encontro aos pressupostos das teorias dominantes”748. Ele

abandonou o princípio da hierarquização e afirmação da “contribuição

dos diferentes povos constituidores da nação brasileira”749.

Na visão do professor, não existiram prejuízos associados a

presença negra750. A mistura de raças criou uma raça forte751 e

acabou “redimensionando, por assim dizer, a contribuição do

elemento branco e índio, da tríade racial nacional”752. É inegável que

sua visão foge da concepção romanceada que Martius e seus

746
REIS, op. cit., p. 54.
747
Idem.
748
SILVA, Instituto Geográfico e Histórico da Bahia: Origem e estratégias de
consolidação constitucional (1894-1930), p. 173.
749
Idem.
750
Ibidem, p. 173-174.
751
Ibidem, p. 174.
752
Ibidem, p. 173.

254
seguidores tinham do português, quando afirmou que “[...] de

fidalgos aventureiros e dissolutos, degradados, soldados marujos e,

de envolta, alguns homens bons, constituíram-se os colonizadores

portugueses”753.

Arrancados violentamente do pátrio solo, e


transportados, qual mercadoria, em infectos porões de
navios, para estranha região onde a vida lhes vinha
decorrer bem outra, jungidos ao eito, sob o azorrague
do feitor, constituíram, entretanto, esses infelizes
representantes da raça negra um fator poderoso de
nossa nacionalidade, pela sua intensa proliferação.
Raça igualmente vencida e subjugada, mas
trabalhadora, valente e forte, prestou também à
integração da pátria nova os mais valiosos serviços
[...]. Para a raça forte que aludimos, para o tipo
brasileiro do futuro, que se remodela, ela [a raça
negra] levará as virtudes das raças puras e sans.754

O professor Reis foi de encontro às teorias vigentes defendidas

pelo instituto, contudo acreditamos que algumas ponderações

precisam ser feitas755. Mesmo reconhecendo as atrocidades

praticadas pelos portugueses contra os negros, disse que caberia aos

portugueses preparar “pela absorção [de negros e índios], pela

753
Ibidem, p. 174.
754
Idem.
755
“Não há registros diretos de como tais idéias foram recebidas pelos
membros do IGHB, uma vez que não há qualquer debate ou texto de
contraponto claramente voltado a rebater as suas afirmações. É possível que
esse „silêncio‟ indique uma certa indiferença dos sócios do Instituto frente às
idéias de Reis, o que o teria colocado em uma posição de isolamento ou, numa
situação extrema, até mesmo de descrédito. Se tais posições foram tomadas,
elas se deram não pelas idéias de Reis quanto à integração dos indígenas, no
que se aproximava do próprio presidente, mas por sua intolerável defesa dos
supostos atributos da raça negra, que os punha em pé de igualdade com
portugueses (brancos) e índios”. Ibidem, p. 175.

255
remodelação final, a raça forte que há de formar a hegemonia de

nossa pátria na América Latina”756.

Mesmo que os portugueses, na acepção do professor, ainda

fossem seres missionários do progresso e detentores do futuro da

nação, os negros também aparecem como a raça que “levará as

virtudes das raças puras e sans”757. Parece que o pensamento do

associado resulta do esforço de mudança da convicção das elites

sobre a questão ou “problema” sobre a raça no estado. Não obstante,

apesar de todo empenho, o professor Reis ainda representa uma

mudança pouco significativa. As mudanças maiores ocorrerão com a

ascensão dos debates sobre o negro e sua cultura pelos estudos e

produções de cunho literário dos intelectuais Arthur Ramos, Edison

Carneiro, Jorge Amado, Aydano do Couto Ferraz e outros que se

colocavam como a Escola de Nina Rodrigues.

5. 2 – Nina Rodrigues e as discussões em torno da Faculdade


de Medicina da Bahia

O médico criminal Nina Rodrigues teve como referência

intelectual Gobineau, Gustave Le Bon, Agassiz, Lombroso758 e

756
Ibidem, p. 174.
757
Idem.
758
Para Edison Carneiro, Rodrigues, influenciado por Lombroso, endeusou a
raça branca, “reduzindo o problema da cultura a uma questão de simples
pigmentação da pele e de medidas craniométricas”. Acrescentou: “Esta escola
reacionária – hoje desmascarada como uma simples justificação intellectual da
dominação dos aryanos sobre os povos de côr da Africa e da Asia – muito
atrapalhou o curso claro e certo dos raciocínios de Nina Rodrigues”. CARNEIRO,

256
outros759. Era professor de Medicina Legal da Faculdade da Bahia,

redator-chefe da revista Gazeta Médica da Bahia (1897)760, membro

da “Médico Legal Society of New York e da Société-Médico-

Psychologique de Paris, e defensor ferrenho da idéia da inviabilidade

do desenvolvimento nacional em função da presença negra (enquanto

tal ou mesmo miscigenado) entre a população”761.

Capone diz que:

Raymundo Nina Rodrigues, [...] précurseur des études


afro-brésiliennes, critiquait l'opinion prédominante, à
son époque, d'une suprématie bantou parmi les Noirs
brésiliens, une suprématie démontrée par les études
linguistiques et défendue par les écrits de Martius et
Spix (1824). Cette prédominance bantou ne faisait que
dévaloriser la contribution culturelle et anthropologique
d'une des trois composantes du peuple brésilien:
l'Africain. Les Bantou occupaient en fait, nous l'avons
vu, les derniers degrés de l'échelle évolutive des
peuples africains.762

Edison. Homenagem à Nina Rodrigues. In: O Negro no Brasil: trabalhos


apresentados ao 2º Congresso Afro-Brasileiro (Bahia). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1940, p. 333.
759
RODRIGUES, Nina. Mestiçagem, degenerescência e crime. História, Ciência,
Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p. 1151-1154, out./dez. 2008;
CARNEIRO, Homenagem à Nina Rodrigues, p. 333; RAMOS, Arthur. Nina
Rodrigues e os estudos afro-brasileiros. In: O Negro no Brasil: trabalhos
apresentados ao 2º Congresso Afro-Brasileiro (Bahia). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1940, p. 338.
760
Sobre a origem da revista alude Schwarcz que em 1865, dr. Paterson
“conhecido médico da província baiana, teve a ideia de congregar
quinzenalmente, em sua casa, uma série de colegas: Os professores Januario
de Farias, Antonio José Alves, Otto Wucherer, Silva Lima, Pires Caldas, Pacífico
Pereira, Maia Bittencourt, Silva Araujo e Americo Marques faziam parte desse
grupo que contava simultaneamente seus casos clínicos e permitiam-se
confidenciar dúvidas e ousadias profissionais”. Acrescenta a autora que foi
durante essas conversas que surgiu a ideia de publicação de uma revista
médica da Bahia, tendo a primeira circulação do periódico em julho de 1866.
SCHWARCZ, O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no
Brasil (1870-1930), p. 202-203.
761
SILVA, Instituto Geográfico e Histórico da Bahia: Origem e estratégias de
consolidação constitucional (1894-1930), p. 170.
762
CAPONE, Entre Yoruba et Bantou: L‟influence des stéréotypes raciaux dans
les études afro-américaines, p. 59.

257
Mesmo indo de encontro à opinião predominante, não

desconsideremos que Rodrigues contribuiu para a perpetuação da

hierarquia entre as raças, inclusive em grupos étnicos africanos. No

entanto, seus estudos foram aprofundados por aqueles que se diziam

pertencer à Escola Nina Rodrigues, como Edison Carneiro, Arthur

Ramos e tantos outros.

Num artigo escrito em homenagem ao médico baiano -

publicado nos anais do II Congresso Afro-Brasileiro - Carneiro

esclareceu que o evento seria uma homenagem a Nina Rodrigues que

muito influenciou seus estudos763. Comentou que se Rodrigues

estivesse vivo marcaria presença como numa trincheira, “como um

camarada, como um dos nossos, sem falsas attitudes na defesa da

raça negra”764. Lembrou ainda que Rodrigues morreu num incêndio

ocorrido na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1905765.

Arguiram Carneiro e Ramos, que o médico baiano era um

homem generoso. Acordava cedo para atender os negros doentes.

Era um homem muito sincero, honesto, entusiasmado, simpático 766.

Rememorou Ramos, que Nina Rodrigues tinha uma

simpatia humana pelo negro, que o fez derramar-se em


excessos commoventes pelos Candombles bahianos, á
cada material, ou a receber em seu consultório
particular os mais celebres „paes de santo‟ e „maes de
santo‟ dos terreiros da Bahia, a dedicação de uma vida
consagrada á decifração dos mysterios da vida dos
negros, - tudo isso corrigira, já no seu tempo, as falhas

763
CARNEIRO, Homenagem à Nina Rodrigues, p. 331.
764
Ibidem, p. 331.
765
Ibidem, p. 331-332.
766
RAMOS, Nina Rodrigues e os estudos afro-brasileiros, p. 338.

258
methodologicas que os pósteros haviam de
denunciar.767

Carneiro e Ramos compartilham de um conjunto de memórias

afetivas muito parecidas. Quase sempre Rodrigues aparece envolto

por uma aureola de luta pela causa dos negros. No entanto, sabemos

que os livros e artigos deixados pelo médico baiano podem passar a

imagem de um intelectual com pouca afeição ao negro. Como iremos

demonstrar, o que faz mais sentido é a contribuição do médico legal

nos estudos pioneiros sobre o negro no Brasil. Também é oportuno

considerar que o contato estabelecido com a população poderia ter

sido mera questão de relação direta com o objeto de estudo. Essa

memória construída pelos autores contrasta exacerbadamente com

outras que claramente invocam Rodrigues como um dos pilares do

racismo e da hierarquia das raças.

Acerca da produção intelectual do médico baiano perguntamos:

Como alguém que legitimava a inferioridade de negros e mestiços

pode ser considerado amigo desses sujeitos? Realmente, é uma

grande contradição que ronda Nina Rodrigues.

Em O problema na raça negra na América portuguesa, Nina

Rodrigues fez apologia da raça branca, considerada como mais culta

e apta a assumir a direção do país. As elucubrações do mesmo autor

em Os africanos no Brasil768 reafirmam a ideia do texto anterior,

767
Idem.
768
TUCCI CARNEIRO, op. cit., p. 89.

259
mesmo que no entendimento de Carneiro tenha sido um importante

estudo sobre a psicologia do negro brasileiro, “em especial da Bahia,

negro incomprehendido, explorado, esmagado pelo branco, sem

direito a um lugar ao sol no quadro da sociedade official”769.

Ramos considerou que o médico legal foi um dos primeiros

estudiosos sobre os grupos humanos que vieram da África para o

Brasil770. Tanto Ramos quanto Carneiro ponderaram que os

africanistas tinham – e ainda têm - uma dívida eterna com Rodrigues,

pois sem seus estudos iniciais e tantos outros desbravadores não

seria possível compreender que

aqui se misturaram a outros sangues e a outras


culturas, sangues e as outras culturas impulsionaram o
nosso ritmo econômico, foi a voz do mestre baiano que
tratou de penetrar os segredos quase inaccessiveis da
sua psychê, os mysterios das suas religiões e dos seus
cultos, as paginas obscuras da sua historia, as
instituições esotéricas da sua vida social.771

Nos discursos de Ramos e Carneiro há uma preocupação em

apontar as contribuições do mestre na compreensão dos africanos e

suas presenças no país. Assemelha-se a um movimento de defesa

por parte dos discípulos. Carneiro chegou a afirmar que seu mestre

apenas encabeçou um movimento de valorização da raça branca ou

ariana devido a influência de Cesare Lombroso, como se Rodrigues

fosse uma marionete sob o controle dos ideólogos europeus772.

769
CARNEIRO, Homenagem à Nina Rodrigues, p. 331.
770
RAMOS, Nina Rodrigues e os estudos afro-brasileiros, p. 338.
771
Idem.
772
CARNEIRO, Homenagem à Nina Rodrigues, p. 333.

260
Nina Rodrigues tinha “certeza do caráter negativo da

miscigenação”773, e em ”‟Mestiçagem, crime e degenescencia‟ (1899),

Rodrigues analisava casos de alienação estabelecendo uma correlação

quase mecânica entre miscigenação racial e loucura” 774. O racismo

brasileiro havia diagnosticado que o cruzamento das raças seria o

motivo da decadência nacional, como a única possibilidade de

progresso mantendo o colonizador isolado das demais raças, que por

sua vez completaria o papel quase messiânico de provedor da

evolução darwiniana do Brasil775.

Mestiçagem, degenerescência e crime é fruto de uma pesquisa

de campo realizada por Rodrigues na cidade de Serrinha. Trata-se,

atualmente, de um município brasileiro no interior da Bahia, situado

na mesorregião do que hoje denominamos como Nordeste.

Se existe uma localidade na qual os mestiços brasileiros


constituem uma população capaz de oferecer
esperanças de futuro, é certamente Serrinha. Não se
deveria acreditar, no entanto, a partir da reputação da
qual goza, que ela é uma exceção à regra. Em primeiro
lugar, se ela não padece de uma indolência invencível,
como muitas outras, não obstante está longe de ser
realmente trabalhadora. Os procedimentos de cultivo
são de fato primitivos; cultiva-se apenas os produtos
mais comuns: cereais, tabaco, mandioca. É disso que
se ocupam os trabalhadores durante uma pequena
parte do ano, o que só exige deles um trabalho
intermitente, leve, bom para mulheres e crianças mais
do que para homens. As pessoas se dedicam à criação
de gado, mas utilizam o mais primitivo dos sistemas;
os animais, deixados soltos a pastar nos campos
naturais ou não cultivados, quase voltaram ao estado
selvagem e seus donos não tomam outro cuidado que o

773
SCHWARCZ, Usos e abusos da mestiçagem e da raça no Brasil: uma história
das teorias raciais em finais do século XIX, p. 93.
774
Idem.
775
Idem.

261
de saber onde eles foram parar. Nada mais apropriado
para manter o gosto da vida nômade nesse
povo semibárbaro. Em segundo lugar, sua previdência
não vai muito longe; ele fica satisfeito assim que
encontra o estritamente necessário à vida cotidiana; o
desejo de riquezas, de bem estar, até do simplesmente
confortável – não o aguilhoa nem o estimula ao
trabalho. Entre os raros indivíduos que fazem exceção a
essa regra, o espírito empreendedor é pouco
progressista, sempre estreito e quase nulo.776

As observações do médico baiano sobre os moradores de

Serrinha vão além das questões de trabalho, meio de sobrevivência e

adjetivações preconceituosas como primitivos e semibárbaros aos

sujeitos locais. Daí resultaria a afirmação de que naquele município a

“tendência à degenerescência é, ao contrário, tão acentuada aqui

[Serrinha – grifo nosso] quanto poderia ser num povo decadente e

esgotado”777. Essa visão também serviu de base para a sustentação

da ideia de que os moradores tinham maior propensão a “doenças

mentais, às afecções graves do sistema nervoso, à degenerescência

física e psíquica”778. Estudos como estes serviram para sustentar que

o atraso do país tinha origem na mestiçagem779.

A investigação de Iraneidson Santos Costa é extremamente

relevante para entendermos como se deu o processo de consolidação

do “racismo científico” por meio da Medicina Legal. Assegura o autor

que o mestiço era concebido no ideário médico como “degenerado

776
RODRIGUES, op. cit., p. 1152-1153.
777
Ibidem, p. 1153.
778
Idem. Ainda sobre a degenerescência Cf. COSTA, op. cit., p. 199.
779
SCHWARCZ, O complexo de Zé Carioca: sobre uma certa ordem da
mestiçagem e da malandragem, p. 4.

262
pela origem racial, desequilibrado pelo cruzamento e, como se não

bastasse, indefeso diante dos caprichos da hereditariedade”780, e

acrescenta que só “lhe falta mesmo o atavismo, irmão do

degenerescência e pai da criminalidade, segundo o positivismo

biológico”781.

A revista Gazeta Médica da Bahia, aos poucos, foi ganhando

notoriedade devido a publicação mensal e conquistou status de porta-

voz da intelectualidade da Faculdade de Medicina da Bahia. Nota

Schwarcz que o periódico foi no decorrer dos anos 1920, divulgador

de um pessimismo sobre a total “inviabilidade de qualquer projeto

futuro da nação”, pois o modelo darwiniano ali vigorante

desacreditava em uma nação “composto por „raças pouco

desenvolvidas como a negra e a indígena‟, isso sem falar dos

mestiços, maioria absoluta em nossa população”782.

Não há dúvida de que a revista corroborava as ideias de

Rodrigues. Os artigos defendiam a mestiçagem enquanto fator de

degeneração. Como solução, muito se pensou em estimular o

cruzamento entre mestiços, porque o processo de seleção biológica

se encarregaria de liquidar com os sujeitos mais fracos. A Gazeta

Médica da Bahia chegou a afirmar que

780
COSTA, op. cit., p. 200. Também afirmou Rodrigues que o “cruzamento de
raças tão diferentes antropologicamente, como são as raças branca, negra e
vermelha, resultou num produto desequilibrado e de frágil resistência física e
moral, não podendo se adaptar ao clima do Brasil nem às condições da luta
social das raças superiores”. RODRIGUES, op. cit., p. 1156.
781
COSTA, op. cit., p. 200
782
SCHWARCZ, O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial
no Brasil (1870-1930), p. 213.

263
- A mestiçagem deve ser até certo ponto encarada
psychologicamente como fator de degeneração. Entre
nós, é constituída de elementos de várias procedências
portadores de caracteres étnicos diversos e condições
especiaes que sob as influências mesológicas devem
trazer uma perturbação innevitavel na organização do
equilibrio inobstavel. A mestiçagem extremada aqui
encontrada... retarda ou difficulta a unificação dos
typos, ora perturbando traços essenciaes, ora fazendo
reviver nas populações caracteres atavicos de
individuos mergulhados na noite dos tempos. É preciso
mudar as raças... (GMB, 1923:256).783

Acreditavam os autores da Revista, apoiados em Rodrigues,

que o cruzamento entre as raças gerava um produto desequilibrado,

de “frágil resistência física e moral, não podendo se adaptar ao clima

do Brasil nem às condições de luta social das raças superiores”784. O

mestiço seria esse produto frágil, inadaptável e incapaz de adequar-

se ao modelo de luta das raças consideradas por Rodrigues como

superiores. Alerta Capone que, em Rodrigues, a “compréhension des

cultures africaines, qui avaient contribué à la formation de l'identité

nationale brésilienne, était donc indispensable pour déterminer la

place occupée par le Brésil dans la communauté internationale”785.

Os mestiços seriam a explicação para a degradação física,

psicológica e social, pois seriam sujeitos mais propensos a

enfermidades e problemas de várias naturezas como, por exemplo, a

criminalidade. Entendia Rodrigues que “o tipo violento predomina na

783
Ibidem, p. 216.
784
RODRIGUES, op. cit., p. 1156-1157. Também Cf. COSTA, op. cit., p. 200.
785
CAPONE, Entre Yoruba et Bantou: L‟influence des stéréotypes raciaux dans
les études afro-américaines, p. 60.

264
criminalidade na população de cor”786, sendo ela uma das

manifestações da degenerescência oriunda da mestiçagem787.

A delimitação de uma criminologia baseada nas questões raciais

levou a oficialização do negro como o sujeito social e biológico mais

propício a atos criminosos, além de serem comparados bizarramente

a gorilas788. Não bastava explorar a população negra como mão de

obra barata, era necessário idealizar e pôr em prática um projeto no

qual os “males” dos negros pudessem desaparecer com o

desenvolver biológico da população.

A Faculdade de Medicina e seus intelectuais achavam que

tinham a solução para o “problema”, e passaram a investir numa

tentativa de promoção da saúde da população e num projeto

modernizador dos hábitos789. Reforça Schwarcz que mais de 617

textos sobre “higiene pública” foram publicados pela Gazeta Médica

da Bahia, representando a preocupação dos médicos em querer

garantir a saúde da população790.

786
RODRIGUES, op. cit., p. 1159.
787
Ao contrário do Rio de Janeiro que se atentou para a “doença”, na Bahia se
condicionou a olhar para o “doente”, sendo Rodrigues um dos principais
defensores desse paradigma médico-científico, pois a Medicina Legal
predominou na Bahia, onde o foco estava voltado para o criminoso enquanto
resultado da degenerescência racial. SCHWARCZ, Usos e abusos da
mestiçagem e da raça no Brasil: uma história das teorias raciais em finais do
século XIX, p. 92.
788
COSTA, op. cit., p. 186 e 190.
789
SILVA, Instituto Geográfico e Histórico da Bahia: Origem e estratégias de
consolidação constitucional (1894-1930), p. 169-170.
790
SCHWARCZ, O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial
no Brasil (1870-1930), p. 204-205.

265
Os médicos baianos adotaram o lema “Prevenir antes de curar”,

pois a “higiene se transformava em tema primordial em função das

inúmeras epidemias que assolavam o país”791. Doenças como

tuberculose, sarampo, cólera, malária, lepra, varíola, febre amarela,

peste e tantas outras eram apontadas “enquanto sinal de

degenerescência mestiça, chegando-se à conclusão de que „a syphilis

precisaria ser analisada no indivíduo e na raça‟”792. A raça não apenas

aparecia nos estudos sobre doença, como também “suas [dos

médicos – grifo nosso] considerações e diagnósticos sobre os

destinos da nação”793.

A revista tornou-se aos poucos uma trincheira de combate a

mestiçagem, pela associação imediata que faziam com as doenças.

Contudo, um novo paradigma surgiria com o desenrolar do século XX,

e gradativamente as raças seriam pensadas por uma vertente cultural

por estudiosos e literatos renomados como Gilberto Freyre, Arthur

Ramos, Edison Carneiro, Aydano do Couto Ferraz, Jorge Amado.

A pertinência das discussões em torno do negro e do mestiço

no estado da Bahia, entre final do XIX e final da década de 1920, tem

relação com o imaginário que também será construído na década

seguinte sobre a população negra e os terreiros de candomblé.

Termos como “porcos”, “sujos”, “doenças” e tantos outros foram

usados para se referirem aos terreiros do povo de santo. Neste

791
Ibidem, p.206.
792
Ibidem, p.207.
793
Idem.

266
sentido, acreditamos que traçar o itinerário dos debates anteriores a

1930 tem relevância quando entendemos que há permanência de

certas ideias sobre os negros e seus cultos religiosos naquela década.

Acreditamos que Carneiro, Amado e Ferraz foram de encontro

ao projeto vigente no IGHB e Faculdade de Medicina de legitimação

do homem “branco” e “civilizado” enquanto modelo ideal para a

nação. Na década de 1930, temos o reforço dos elementos nacionais

enquanto constitutivos da nação, mas não podemos deixar de lado

que o branco nunca deixou de ser considerando como superior pelo

tom da pele, “inteligência” e semelhança aos europeus. No fundo,

reconhecendo que era impossível eliminar a cor da pele dos afro-

brasileiros, os intelectuais, especialmente aqueles vinculados ao

governo, tentaram “embranquecer” as almas dos negros pela

educação, cultura e hábitos. Daí a apropriação que fizeram de Nina

Rodrigues com outros significados.

5. 3 – Classe, raça e candomblé no prisma dos intelectuais


comunistas

O surgimento da “geração realista”794 da década de 1920 se

tornou determinante para a construção da ideia de nação e símbolos

nacionais, com a qual o negro passou a ocupar a posição de

794
Cf. GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Raça e os estudos de relações
raciais no Brasil. Novos Estudos, São Paulo, n. 54, p. 147-156; __________,
Antonio Sérgio Alfredo. Cor e raça: raça, cor e outros conceitos analíticos. In:
PINHO, Osmundo; SANSONE, Livio. (Orgs.). Raça: novas perspectivas
antropológicas. Salvador: EDUFBA, 2008, p. 63-82.

267
integrante do povo. Gilberto Freyre, Mario de Andrade, Arthur Ramos,

Edison Carneiro, Aydano do Couto Ferraz, Jorge Amado e membros

dos grupos de folcloristas e modernistas foram os principais

responsáveis pelo esforço para a mudança de idealização do negro na

sociedade brasileira795.

As elites baianas, no entanto, alimentaram a ideia de

democracia racial ou convívio pacífico entre as raças. O preconceito e

marginalização da população negra foram silenciados, mas o que

estava por trás da tentativa de “silenciamento” dos conflitos raciais

no Brasil? Acreditamos que uma das preocupações das elites e seus

intelectuais era que a pauta ganhasse grandes dimensões de luta em

movimentos sociais. A imprensa baiana, por exemplo, não apoiava as

iniciativas de organização política dos negros, seja nos grupos

culturais ou agremiações que visavam mudanças no sistema

instituído ou mesmo na qualidade de vida da população negra796.

Afiança Reis que “se as propostas de melhorias das condições de vida

dos negros fossem complementares e convergissem com os ideais

adotados pela sociedade, seriam bem vindas”797, ou combatidas de

forma contundente se seguissem o caminho contrário.

795
GUIMARÃES, Cor e raça: raça, cor e outros conceitos analíticos, p. 72; Cf.
SANTOS; MAIO, op. cit., p. 87; REIS, op. cit., p. 64.
796
Ibidem, p. 74.
797
Idem.

268
A criação da Frente Negra Brasileira798, tanto na Bahia quanto

em São Paulo, criou uma atmosfera de rejeição pela imprensa

soteropolitana, porque os grupos dominantes alimentavam o discurso

de negação do racismo e convívio harmonioso entre negros e

brancos. Entendiam que o novo grupo criado pelos negros

representava um atentado à convivência pacífica entre as raças,

como era “uma afronta à concepção de harmonia racial”799.

O periódico Diária da Bahia tentou desqualificar a Frente Negra

Brasileira afirmando que os negros viviam num regime de liberdade e

igualdade perante as leis e “que todas as carreiras estiveram sempre

franqueadas a todos os cidadãos”800. A recente agremiação ou

organização, na acepção do jornal, estava imaginando coisas e não

tinha preocupações reais801.

Os jornais ao exporem seus posicionamentos sobre a iniciativa

de organização dos negros estavam automaticamente almejando

alcançar o apoio da sociedade baiana. Não havia na concepção das

elites que dominavam os periódicos da época, a necessidade de

articulação política entre os grupos não brancos “porque o

estrangeiro sempre percebeu que aqui [a Bahia – grifo nosso] os

798
Cf. BACELAR, Jeferson. Frente Negra Brasileira na Bahia. Afro-Ásia,
Salvador, n. 17, p. 73-85, 1996.
799
REIS, op. cit., p. 75.
800
Ibidem, p. 75.
801
Ibidem, p. 76.

269
negros podiam atingir os mais altos cargos, só dependendo de sua

inteligência e virtude”802.

Os congressos afro-brasileiros não geraram o mesmo alvoroço

na imprensa local, pois foram espaços majoritariamente dominados

pela presença de intelectuais brancos, mesmo que tenha participado

o povo de santo e outras pessoas do meio não intelectual. Freyre e

Ulysses Pernambucano803 foram os principais articuladores do I

Congresso Afro-brasileiro, que teve o papel de constituir uma

“comunidade científica”804, mas contou com cozinheiras, povo de

santo805 e sujeitos conhecedores da cultura afro-brasileira. Ou seja,

houve espaço para a participação da “gente simples” e da “gente

mais douta”806. Segundo Aruã Silva de Lima, os trabalhos

apresentados no congresso foram divididos em dois volumes

denominados de Estudos afro-brasileiros (1935) e Novos estudos

afro-brasileiros (1937)807.

Não dispomos de muitos nomes de participantes do congresso

na bibliografia consultada, mas entendemos que os intelectuais

802
Idem.
803
Foi presidente de honra do evento. ROSSI, O intelectual “feiticeiro”: Édison
Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil, p. 159.
804
LIMA, Aruã Silva de. Comunismo contra o racismo: autodeterminação e
vieses de integração de classe no Brasil e nos Estados Unidos (1919-1939).
2015. p. 198. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015.
805
Esclarece Rossi, que o contato dos congressistas com povo de santo se deu
por influência de Ulysses Guimarães. ROSSI, O intelectual “feiticeiro”: Édison
Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil, p. 160.
806
LIMA, Comunismo contra o racismo: autodeterminação e vieses de
integração de classe no Brasil e nos Estados Unidos (1919-1939), p. 199.
807
ROSSI, O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de estudos das
relações raciais no Brasil, p. 157.

270
envolvidos com o congresso eram, em sua maioria, da Faculdade de

Medicina de Recife, institutos de saúde púbica e mental do estado

sede do evento, no qual Ulysses Pernambucano808 foi um dos

principais líderes809.

Tendo exercido papel decisivo na realização do I


Congresso Afro-Brasileiro, aclamado inclusive seu
“presidente de honra”, é evidente que Ulysses
Pernambucano acabaria por imprimir na formatação do
evento as marcas dessa luta, assim como não deixaria
de convocar os seus pares de profissão que, decerto,
eram solidários às preocupações médico-psiquiátricas a
ela subjacentes. A comunicação, “As doenças mentais
entre os negros de Pernambuco”, condensava por
inteiro as preocupações reformistas e curativas que
revestiam a abordagem de Pernambucano sobre a
temática racial. Ele se valeu da ocasião não apenas
para expor os resultados dos exames clínicos que
apontavam para a “fragilidade manifesta dos negros,
em nosso meio, em relação às doenças mentais”, como
também para vaticinar os graves prejuízos ao
progresso da ciência e da sociedade nacionais advindos
da ausência de um órgão federal que fosse capaz de
racionalizar e orientar a criação de políticas públicas
voltadas à “profilaxia de certas doenças” entre a
população.810

A reflexão de Rossi sobre Pernambucano permite-nos entender

que há uma aproximação muito forte entre ele e os debates

propostos por Nina Rodrigues sobre o negro e os mestiços. O que

acaba demonstrando a aproximação e troca de ideias entre as

808
Segundo Rossi, “Ulysses Pernambucano se formou em medicina, em 1912,
no Rio de Janeiro, se especializando na área psiquiátrica quando trabalhou,
ainda na capital federal, no Hospital Nacional de Alienados, sob a supervisão de
Juliano Moreira, um ex-professor da Faculdade de Medicina da Bahia, discípulo
e contemporâneo de Nina Rodrigues. Retornando para Recife, em 1918,
assumiu a cadeira de psicologia do Ginásio Pernambucano, sendo mais tarde
indicado pelo governador do estado para a direção da Escola Normal Oficial do
Estado, ao mesmo tempo em que passou a lecionar na cadeira de psiquiatria na
Faculdade de Medicina de Recife, a partir de 1920”. Ibidem, p. 158.
809
Idem.
810
Ibidem, p. 157.

271
faculdades de medicina dos estados de Recife e Bahia. Tivemos a

oportunidade de mostrar que os intelectuais, especialmente aqueles

do campo do Direito e Ciências Sociais, desses dois estados eram

muito próximos, tanto que existiam muitos professores recifenses na

Faculdade Direito da Bahia.

Segundo Rossi, o congresso de Recife representou um esforço

de “minimizar e relativizar as explicações biologizantes das relações

raciais no Brasil”, compondo um repertório de debates científicos com

um maior viés sociológico e cultural do que efetivamente o

biológico811. Segundo o autor, os congressistas também reservaram

espaço para refletir sobre as teses médicas em torno das raças,

mesmo não sendo uma das especialidades de Freyre812.

Os comunistas estiveram presentes no congresso como Edison

Carneiro, Aydano do Couto Ferraz, Jorge Amado, Aderbal Jurema,

Jovelino M. de Camargo e Alfredo Brandão, tio do comunista Otávio

Brandão813. No caso de Jorge Amado, sua atuação esteve restrita à

apresentação das coleções Biblioteca do Povo e Coleção Moderna, nas

quais “mesmo aquilo que não é negro nestas collecções, é escolhido

para o gosto do negro do publico que compra e lê ou ouve ler esses

811
Ibidem, p. 166-167.
812
Ibidem, p. 162 e 157.
813
Ele era “autor de duas análises marxistas sobre o tráfico de escravos e a
Abolição no Brasil, nas quais denunciava o fracasso da „liberdade legal‟ em
livrar os negros das posições subalternas na sociedade burguesa e de classes”.
Ibidem, p. 166; Cf. LIMA, Comunismo contra o racismo: autodeterminação e
vieses de integração de classe no Brasil e nos Estados Unidos (1919-1939), p.
198 e 2003.

272
folhetos”814. Reitera Lima que para Amado as coleções cumpririam a

função de pôr em evidência a cultura popular do estado da Bahia

marcadamente negra e “mulata”, como também colocaria em

evidência as religiões africanas e literatura popular que têm o negro

como sujeito principal e pertencente à classe trabalhadora815.

Para Rossi, o II Congresso Afro-Brasileiro seria o caminho

usado por Carneiro para contrapor o “modelo de controle científico” e

“jeitão paternal” presentes em Freyre e Arthur Ramos 816. Explica Luis

Nicolau Péres, que Carneiro e Ferraz foram fundamentais no arranjo

do evento, que ocorreu de 11 a 19 de janeiro de 1937, em

Salvador817. No entanto, esses intelectuais informaram nos anais do

evento, que o mesmo ocorreu entre 11 e 20 de janeiro do ano

supracitado818.

814
Ibidem, p. 201; Cf. ROSSI, O intelectual “feiticeiro”: Edison Carneiro e o
campo de estudos das relações raciais no Brasil, p. 165.
815
LIMA, Comunismo contra o racismo: autodeterminação e vieses de
integração de classe no Brasil e nos Estados Unidos (1919-1939), p. 200-201.
816
ROSSI, O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de estudos das
relações raciais no Brasil, p. 167.
817
A Noite, Rio de Janeiro, p. 8, 26 de jan. 1937; PÉRES, Luis Nicolau. La
formation du candomblé: Histoire et rituel de vaudou au Brésil. Paris: Karthala;
Amsterdam: Sephis, 2011, p. 210; EPPEL, Adrian. Le Candomblé en Bahia -
Entre héritage religieux et phénomène social. Researchgate, [online], p. 9,
2008.
818
CARNEIRO, Edison; FERRAZ, Aydano do Couto. Congresso Afro-Brasileiro da
Bahia. In: O Negro no Brasil: trabalhos apresentados ao 2º Congresso Afro-
Brasileiro (Bahia). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1940, p. 8.

273
Fotografia do II Congresso Afro-Brasileiro, em Salvador819.

Noticiou o A Tarde que ocorreram comunicações no IGHB de

intelectuais, líderes religiosos dos terreiros de candomblé820 e outras

autoridades821, como representado na imagem acima.

819
A Noite, Rio de Janeiro, p. 8, 26 de jan. 1937.
820
Segundo Carmen Bernand, o “candomblé est le nom générique donné aux
cultes de possession d'origine africaine qui se sont développés au Brésil avec
l'arrivée de contingents importants d'esclaves africains. Issus de groupes
ethniques divers, leurs croyances se sont fondues dans le candomblé, qui n'est
donc pas tout à fait une survivance mais le résultat syncrétique de rites
africains, principalement Yorouba et Bantou, qui se sont développés à l'ombre
du catholicisme et de la magie ibérique”. BERNAND, Carmen. Du candomblé à
l'umbanda, cultes depossession au Brésil. Clio, Paris, p. 1, 2016. Além disso,
temos que considerar que o candomblé representou e representa um espaço de
resistência e preservação da religião e cultura afro-brasileira, como bem
observa Capone: “Le candomblé, aujourd‟hui synonyme de résistance culturelle
des Noirs, est né à cette époque de l‟interpénétration des cultures africaines,
européennes et amérindiennes, qui a permis aux esclaves africains et à leurs
descendants de préserver leurs traditions religieuses, tout en les adaptant aux
nouvelles contingences”. CAPONE, Le candomblé au Brésil, ou l‟Afrique
réinventée, p. 226. Mesmo que Adrian Eppel demonstre insegurança quanto a
definição de candomblé, acreditamos que mesmo assim vale a pena dar uma
olhada nas discussões conceituais e sobre o cenário histórico apresentados pelo
autor: Cf. EPPEL, op. cit., p. 4. Também Cf. PÉRES, op. cit.
821
A Noite, Rio de Janeiro, p. 8, 26 de jan. 1937; LIMA, Vivaldo da Costa. O
candomblé da Bahia na década de 1930. Estudos Avançados, São Paulo, v. 18,
n. 52, p. 204, 2004; Cf. CARNEIRO; FERRAZ, op. cit., p. 9-10.

274
Arthur Ramos, Renato Mendonça, Jacques-Raymundo,
Dante de Laytano, Manuel Diegues Junior, Leopoldo
Bettiol, Edison Carneiro, Alfredo brandão, Dario de
Bittencourt, Aydano do Couto Ferraz, Robalinho
Cavalcanti, Reginaldo Guimarães, da prof. Amanda
Nascimento, do prof. Donald Pierson, da Universidade
de Chicago, de Jorge Amado, João Calazans, do Dr.
João Mendonça e de Clovis Amorim: dos scientistas
estrangeiros Melville Herskovits, da Northwestern
University, dos Estados Unidos, e Salvador Garcia
Aguero, de Cuba, e de elementos populares, como o
prof. Martiniano Bomfim, a mae-de-santo Escholastica
Nazareth, dos „terreiro‟ do Gontois, do pae-de-santo
Manoel da Formiga, do tocador de tabaque Silvino
Manoel da Silva, do pae-de-santo Bernardino, do Bate-
Folha, e da mãe-de-santo Eugenia Anna Santos, chefe
do Centro Cruz Santa do Aché Opô Afonjá, de São
Gonçalo do Retiro.822

Elucidaram os organizadores que o evento teve o propósito de

estudar a “influencia do elemento africano no desenvolvimento do

Brasil, sob o ponto de vista da ethnographia, do folk-kore, da arte, da

psychologia social, enfim, todos os problemas de relações de raças no

paiz”823. Acrescentaram Carneiro, Ferraz, Martiniano Eliseu do

Bonfim, Asevedo Marques e Reginaldo Guimarães que o

Congresso Afro-Brasileiro tem, portanto, uma


orientação democratica, todos os presentes podendo
entrar nos debates em torno dos assumptos, devendo
mesmo entrar nesses debates, afim de melhor
esclarecer os assumptos estudados.824

Marcaram presença pesquisadores internacionais,

representantes de terreiros de candomblé, grupos de capoeira que

822
A Noite, Rio de Janeiro, p. 8, 26 de jan. 1937.
823
CARNEIRO, Edison; BONFIM, Martiniano do; FERRAZ, Aydano do Couto;
MARQUES, Asevedo; GUIMARÃES, Reginaldo. Palavras inauguraes do
Congresso Afro-Brasileiro da Bahia. In: O Negro no Brasil: trabalhos
apresentados ao 2º Congresso Afro-Brasileiro (Bahia). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1940, p. 15.
824
Idem.

275
fizeram apresentações nos encontros do evento, Departamento de

Cultura da Prefeitura de São Paulo, representado por Mario de

Andrade. Outras instituições marcaram presença como Instituto Nina

Rodrigues dirigido por Estácio de Lima, além de intelectuais do IGHB,

que à época era presidido por Theodoro Sampaio825.

Os comunistas entendiam que o sucesso do congresso dependia

da aprovação da sociedade, em especial o “povo”, e seus pares

africanistas. Tiveram o cuidado de apresentar a proposta para a

sociedade em artigos publicados em jornais, como aquele intitulado

2º Congresso Afro-Brasileiro, publicado dia 25 de outubro de 1936,

pelo O Jornal do Rio de Janeiro. Neste artigo, Aydano do Couto Ferraz

apresenta o I Congresso Afro-Brasileiro, como um dos motivadores

de seu interesse pelos estudos sobre a questão racial no Brasil826. É

digno de nota ponderarmos que Octávio Brandão, militante do PCB,

chegou a avisar ao movimento comunista da URSS, no ano 1936,

sobre “a ampla participação dos comunistas no I Congresso Afro-

Brasileiro”827.

Gilberto Freyre chegou a receber denúncias do envolvimento

partidário entre os membros do congresso, mas negou afirmando que

o “Congresso do Recife foi, ainda, o mais independente dos

825
CARNEIRO; FERRAZ, op. cit., p. 8-9.
826
FERRAZ, Aydano do Couto. 2º Congresso Afro-Brasileiro. O Jornal, Rio de
Janeiro, p. 2, 25 de out. 1936. O artigo 2º Congresso Afro-Brasileiro também
foi reproduzido pelo jornal Diário de Pernambuco, no dia 01 de nov. 1936.
827
LIMA, Comunismo contra o racismo: autodeterminação e vieses de
integração de classe no Brasil e nos Estados Unidos (1919-1939), p. 198.

276
congressos. Não recebeu nenhum favor do governo. Não se associou

a nenhum movimento político, a nenhuma doutrina religiosa, a

nenhum partido”828. Mesmo que Gilberto Freyre tenha defendido o

congresso de relações político-partidárias, não podemos esquecer que

para além dos comunistas já citados, Edison Carneiro escreveu o

artigo Situação do negro no Brasil829 para ser publicado nos anais do

evento, no qual cita textualmente o PCB.

Voltando à análise do artigo de Ferraz, lá consta que ele

recebeu os recortes de jornais enviados por José Valladares,

secretário do I Congresso Afro-Brasileiro. Esclareceu:

Digo me aproximar ainda mais dos estudos afros, pois


que (sic), por aquelle classificador tosco que nem dá
idéa de álbum, é que se vêem os esforços de um
bocado de estudantes, escriptores, professores, artistas
e homens do povo, para transformar um Congresso de
negros, que trazia o vicio de origem de ser o primeiro,
em alguma coisa de sério no terreno scientifico, mas,
serio daquella seriedade sem dogmatismos, que
Gilberto Freyre prega com o ar mais santo deste
mundo. Como que ter espirito scientifico sem dogma
fosse fácil para uns brancos sectários que ainda se
lembram com desprezo a irmandade de N. S. do
Rosário, que custeada aos caixões de pinho para os
negros se enterrarem!

O autor faz críticas aos brancos sectários do movimento

científico, e fala que o congresso de Recife se dispôs a discutir e

combater os problemas decorrentes das disputas de raça. Sobre as

828
FREYRE, Gilberto apud Ibidem, p. 199-200.
829
Queremos esclarecer que tanto Rossi quanto Aruã Silva de Lima erraram o
nome do artigo ao citá-lo como “A situação do negro no Brasil”. Acreditamos
que o primeiro levou o segundo ao erro, considerando que Lima usa Rossi como
referência. Lançamos esta nota porque acreditamos que informações truncadas
ou falsas são extremamente prejudiciais à pesquisa. Novos pesquisadores que
consultarem estes autores podem cometer o mesmo erro.

277
incompreensões de raça combatida pelo congresso, garante que

“somente uma unidade classista, o que existe como ponto de partida

para um trabalho mais amplo, é capaz de promover essa

comprehensão”830. Ele está propondo uma união entre os

pesquisadores do campo para que haja uma compreensão em torno

das disputas e hierarquização das raças no país.

E continuar, como se fez em princípio, a percorrer os


candomblés, a harmonizar as brigaz, as rivalidades dos
paes-de-terreiro, a prestigiar, se possível, um chefe de
terreiro orgulhoso como Bernardino, do Bate-folha,
irmão de criação de brancos com brazão de nobreza, e
descendentes de uma tribu privilegiada (Ajahy), que
cruza com brancos, resulta indiferentemente em negros
retintos ou em brancos de olhos azues. Fazer uma
propaganda mais pela base, trazendo colaboração dos
próprios frequentadores leigos dos candomblés,
operários e pequenos burguezes, como é o caso do
Recife, e como fez agora o secretario do Congresso na
Bahia com um servente da Faculdade de Medicina,
dono de Terreiro.

A alocução de Ferraz é extremamente importante por vários

aspectos. Primeiro é que o congresso ganhou o papel de apaziguar os

conflitos existentes entre os líderes religiosos dos terreiros de

candomblé. Naturalmente que essas disputas não apenas giravam em

torno da adesão de “adeptos” ou “clientes”, mas igualmente uma

disputa de hierarquia social, econômica e étnica, pelo menos é a

impressão que temos quando afirmou o autor que “Bernardino, do

Bate-folha, irmão de criação de brancos com brazão de nobreza, e

descendentes de uma tribu privilegiada (Ajahy)” 831. Ainda, para o

830
Idem.
831
Idem.

278
autor, o evento deveria ser um espaço de aglutinação e diálogo entre

os operários, os adeptos do candomblé e os pequenos burgueses.

Outros sujeitos foram convidados a cooperarem e marcaram

presença nos dias dos encontros. Nas cartas trocadas com Arthur

Ramos, Edison Carneiro se esforçou para estimular a vinda do

pesquisador. Sua presença representaria uma das grandes

conquistas, posto que o considerava como o mais importante

africanista de sua geração832. Ramos tinha a admiração do

governador Juracy Montenegro Magalhães e isso permitiu o

financiamento de sua hospedagem nos dias do evento833. Diria ainda

Carneiro que a presença de Ramos era “impresendivel, já que o

Gilberto Freyre talvez ainda esteja, na epoca, em Portugal”834.

A redação do A Noite, do Rio de Janeiro, comentou que o

congresso “proporcionou, aos congressistas, oportunidades para

assistirem demonstrações de capoeira de Angola e de samba e visitou

os „terreiros‟”835. Alguns dos terreiros são mencionados como

“Procopio, no Matutu Grande, o do Engenho e o do Gantois, ambos

centenários, o Bate-Folha, o da Goméa e o Centro Cruz Santa ...”836.

Ramos se tornou um dos mediadores dos convites para

pesquisadores internacionais, colaborando para a efetivação de um

832
CARNEIRO, Edison. [Carta] 30 de nov. 1936, Bahia [para] RAMOS, Arthur,
Rio de Janeiro. 3f.
833
CARNEIRO, Edison. [Carta] 19 de jul. 1937, Bahia [para] RAMOS, Arthur,
Rio de Janeiro. 2f; CARNEIRO, Edison. [Telegrama] 09 de jan. 1937, Bahia
[para] RAMOS, Arthur, Rio de Janeiro. 1f.
834
Idem.
835
A Noite, Rio de Janeiro, p. 8, 26 de jan. 1937.
836
Idem.

279
evento de grande sucesso e repercussão na imprensa nacional.

Todavia, os meses finais de 1936 foram marcados por muitas dúvidas

quanto a realização do evento. No dia 27 de janeiro daquele ano,

Carneiro escreveu para Ramos consultando-o sobre a realização do

evento em setembro837. Meses depois, no dia 23 de abril, ele

perguntou novamente sobre a possibilidade do evento ocorrer em

setembro838, e finalmente, no dia 11 de maio do mesmo ano

consultou Ramos da possibilidade de realizarem em outubro839. Sobre

o congresso, Carneiro chegou mesmo a relatar o andamento dos

preparativos do evento para o pesquisador alagoano, residente no Rio

de Janeiro, afirmando que o “Congresso vae bem. O Mario de

Andrade estará aqui desde o dia 6, estudando a música dos

candomblés”840.

Apesar de todo esforço, a data do evento ainda era incerta para

os organizadores. Entre janeiro e maio de 1936, algumas consultas

foram feitas a Ramos com intuito de sondá-lo sobre a data que mais

se adequasse à sua agenda841. O problema com a data definitiva para

a execução do congresso baiano foi lembrado por Carneiro, Ferraz,

837
CARNEIRO, Edison. [Carta] 27 de jan. 1936, Bahia [para] RAMOS, Arthur,
Rio de Janeiro. 2f.
838
CARNEIRO, Edison. [Carta] 23 de abr. 1936, Bahia [para] RAMOS, Arthur,
Rio de Janeiro. 1f.
839
CARNEIRO, Edison. [Carta] 11 de mai. 1936, Bahia [para] RAMOS, Arthur,
Rio de Janeiro. 1f.
840
CARNEIRO, Edison. [Carta] 30 de nov. 1936, Bahia [para] RAMOS, Arthur,
Rio de Janeiro. 3f.
841
CARNEIRO, Edison. [Carta] 27 de jan. 1936, Bahia [para] RAMOS, Arthur,
Rio de Janeiro. 2f; CARNEIRO, Edison. [Carta] 11 de mai. 1936, Bahia [para]
RAMOS, Arthur, Rio de Janeiro. 1f; CARNEIRO, Edison. [Carta] 23 de abr. 1936,
Bahia [para] RAMOS, Arthur, Rio de Janeiro. 1f.

280
Martiniano Eliseu do Bonfim, Asevedo Marques e Reginaldo

Guimarães nas palavras inaugurais do evento, onde alegaram que

por “duas vêzes adiado, afinal se reúne hoje o Congresso Afro-

Brasileiro da Bahia”842.

Carneiro e Ferraz lançaram dois parágrafos no volume O Negro

no Brasil (anais) comentando sobre a descrença de alguns

intelectuais e até mesmo “curiosos” sobre a questão africana, uma

vez que “somente nas vesperas da sua realização logrou vencer a

descrença dos curiosos dos estudos africanos na Roma Negra do

Brasil”843. Ironicamente, eles ainda chamaram a atenção para o fato

de que não precisariam de Gilberto Freyre a frente do evento para

que as coisas pudessem dar certo, pois outras autoridades estavam

envolvidas, como o doutorando Reginaldo Guimarães844.

Acreditamos que as mudanças de datas do congresso foram um

dos motivos da desavença entre os organizadores e o sociólogo

pernambucano. Ferraz, no artigo Uma questão de escolas, publicado

no dia 13 de dezembro de 1936, pelo Diário de Pernambuco,

comentou que aceitava a crítica quanto a data do evento feita por

842
CARNEIRO, Edison; BONFIM, Martiniano do; FERRAZ, Aydano do Couto;
MARQUES, Asevedo; GUIMARÃES, Reginaldo. Palavras inauguraes do
Congresso Afro-Brasileiro da Bahia. In: O Negro no Brasil: trabalhos
apresentados ao 2º Congresso Afro-Brasileiro (Bahia). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1940, p. 15.
843
CARNEIRO, Edison; FERRAZ, Aydano do Couto. Congresso Afro-Brasileiro da
Bahia. In: O Negro no Brasil: trabalhos apresentados ao 2º Congresso Afro-
Brasileiro (Bahia). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1940, p. 7.
844
Idem.

281
Gilberto Freyre, mas não porque tivessem sido apressados, mas

porque

uma viagem inesperada de Edison Carneiro tirou-nos a


melhor das collaborações. Mas, isto não quer dizer que
o Congresso descambe para a demagogia ou para o
partidarismo político. Si o governo da Bahia nos dér a
subverção esperada, assim enderecemos um memorial
em elaboração á Camara dos Deputados, não quer
dizer que façamos um Congresso social democrata, por
ter essa orientação o partido da maioria no plenário.845

Também pelo que entendemos, Gilberto Freyre acusou a

comissão baiana de “demagoga” e político-partidarista. Rossi nota

essa polêmica entre o pernambucano e os comunistas baianos, pois

afirma que o primeiro cedeu uma entrevista meses antes do

congresso para o jornal Estado da Bahia846, mas elucidou Ferraz que

a entrevista foi apenas transcrita no jornal supracitado e

originalmente publicada em Diário de Pernambuco847. Nela disse

Gilberto Freyre:

não me parece que os congressos afro-brasileiros


devam resvalar para a apologia política ou demagógica
da gente de cor. Seria sacrificar todo o seu interesse
científico de esforço de pesquisa e de colheita e
interpretação honesta de material.848

Ferraz rebateu a acusação de partidarismo do pernambucano,

quando sinalizou que mesmo que consigam a aprovação dos recursos

845
FERRAZ, Aydano do Couto. Uma questão de escolas. Diário de Pernambuco,
Recife, p.2, 13 de dez. 1936.
846
ROSSI, O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de estudos das
relações raciais no Brasil, p. 169.
847
É interessante lembrar que era uma prática comum transcrever reportagem
de um periódico para outro.
848
Idem; Cf. LIMA, Comunismo contra o racismo: autodeterminação e vieses
de integração de classe no Brasil e nos Estados Unidos (1919-1939), p. 200.

282
solicitados ao governo da Bahia, isso não significava que fariam um

congresso social democrata – do PSD -, posto que se tratava do

partido com maior bancada na Câmara. Era mesmo um congresso

fortemente apoiado pelo PCB, mas isso não poderia estar em

evidência considerando que o partido ainda era ilegal, e sofria

repressão por parte do governo Vargas.

No dia 30 de novembro de 1936, Carneiro escreveu para Ramos

dizendo que “Gilberto Freyre deu uma entrevista no Recife,

escangalhando o Congresso”849. No mapeamento que fizemos no

jornal Diário de Pernambuco, não encontramos o artigo de Freyre,

mas a polêmica igualmente fora lembrada no artigo de apresentação

do congresso:

O principal organizador do Congresso do Recife, o


sociologo Gilberto Freyre, chegou mesmo a dar uma
entrevista ao “Diario de Pernambuco” prevendo o
insucesso do Congresso da Bahia e a abstinencia de
collaboração dos estudiosos estrangeiros, entre os
quaes destava o prof. Melville Herskovits que, não
sabia elle, áquella altura já nos enviara o seu
substancioso trabalho que vera neste volume.850

O fato fora reportado por Ferraz, quando disse que o “notável

sábio brasileiro, prof. Gilberto Freyre, deu há semanas atraz, uma

entrevista ao Diário de Pernambuco, transcripta no „Estado da Bahia‟,

entrevista que é assim como uma tentação para uma resposta cheia

849
CARNEIRO, Edison. [Carta] 30 de nov. 1936, Bahia [para] RAMOS, Arthur,
Rio de Janeiro. 3f.
850
CARNEIRO; FERRAZ, op. cit., p. 7-8.

283
de rispidez”851. Ainda neste artigo, Ferraz faz uma provocação ao

assegurar o recebimento do trabalho African Gods and catholic saints

in new world negro belief do prof. Melville J. Herskovits852. Freyre

acabou mexendo com um grupo que não deixou barato sua

provocação e muito menos intimidou-se pela autoridade do

antropólogo no assunto.

A polêmica em questão é muito significativa para entendermos

as relações de poder entre os intelectuais. Ao questionar a

capacidade de organização de um evento científico, coordenado por

Carneiro e Ferraz, Freyre se debateu com intelectuais com autoridade

reconhecida nos estudos sobre as religiões africanas e as questões

raciais. O sociólogo Sérgio Millet, num artigo publicado em 7 de maio

de 1939, pelo Diário de Notícias, falou da criação da cadeira de

História Social do Brasil, e, ao considerar a raça como relevante no

processo de formação da sociedade brasileira, o autor mencionou

Ferraz como um dos mais expoentes pesquisadores no campo

juntamente com Arthur Ramos, Nina Rodrigues, Gilberto Freyre e

“outros, que, após Nina Rodrigues, se aprofundaram na analyse da

cultura negra” 853.

Ferraz, em seu artigo, usou da autoridade de intelectual para

legitimar a atuação da comissão organizadora do congresso, uma vez

851
FERRAZ, Uma questão de escolas, p. 2.
852
Idem.
853
MILLIET, Sérgio. História social do Brasil. Diário de Notícias, Rio de Janeiro,
p. 1, 07 de mai. 1939.

284
que Freyre “começa a combater a escola da Bahia, chefiada pelo não

menos ethographo Arthur Ramos”854. Também citou outros

convidados como Melville Herskovits855, E. Frazer, Fernando Ortiz,

Arthur Ramos, Roquette Pinto e Mario de Andrade para reforçar a

notoriedade científica do grupo.

Acrescentou Ferraz, que havia hesitado em escrever uma

contestação para a insinuação de desorganização, improvisação e

falta de seriedade feita por Freyre, “até porque continua em jogo a

orientação do Congresso e a sua maior ou menor efficiencia”856. Para

ele, Freyre foi extremamente inoportuno nas declarações feitas na

entrevista ao Diário de Pernambuco, porque o que diriam os “inimigos

communs, os inimigos da cultura que, com excessivo faro policial que

o mesmo Gilberto notou no Congresso de Recife”857. Advertiu Freyre

sobre o cuidado para não oferecer armas com suas críticas para os

perseguidores do tema, como para não espantar aqueles que ainda

estavam adentrando aos estudos sobre o negro e sua cultura.

O poeta e africanista também rebateu a acusação de que

estariam os intelectuais baianos de “improvisação”, uma vez que a

comissão estava desde maio de 1936 encaminhando convites para

diversos estudiosos do tema. Elucidou que nas palavras de Freyre

teria o congresso baiano um aspecto pitoresco e artístico e não

854
FERRAZ, Uma questão de escolas, p.2.
855
Também publicou nos anais do I Congresso Afro-Brasileiro.
856
Idem.
857
Idem.

285
científico. No entanto, rebateu afirmando que “esse lado de

festividades nitidamente afro-brasileiras também o teve o Congresso

do Recife”, e acrescentou que “quanto a Gilberto Freyre achar que o

Congresso, enriquecido com esta parte pratica e recreativa, que

somente lhe argumenta valor, está diminuído scientificamente, é

descrêr na inteligência e da cultura dos colaboradores do 2º

Congresso”858.

Seria fundamental que tivéssemos acesso ao artigo de Freyre,

pois assim poderíamos conferir as acusações feitas à comissão do

congresso da Bahia. A nosso ver, parece que houve uma disputa não

apenas pelo campo de estudos sobre a questão racial e a cultura

negra, como pela memória do que seria o melhor Congresso Afro-

Brasileiro realizado na década de 1930.

Também estamos considerando que Gilberto Freyre estava

atento à influência do comunismo nos meandros do evento, pois na

visão de Aruã Silva de Lima, a agenda política de Edison Carneiro

“superpunha-se aos desígnios acadêmicos”859 de Freyre e Ramos.

Não podemos esquecer que Carneiro estava engajada nas discussões

de repensar a composição social e racial do proletariado, e o negro foi

pensado enquanto integrante do proletariado brasileiro, o que incide

858
Idem.
859
LIMA, Comunismo contra o racismo: autodeterminação e vieses de
integração de classe no Brasil e nos Estados Unidos (1919-1939), p. 200.

286
na inserção desses sujeitos nas pautas de discussão e luta política do

PCB860.

A ausência pode simbolizar muito. Freyre não compareceu no

encontro organizado pelos africanistas baianos. Mas outras

autoridades acabaram comparecendo como Martiniano Eliseu do

Bonfim, amigo e colaborador de muitos anos de Nina Rodrigues,

convidado por Carneiro para ser o presidente de honra do

congresso861. Segundo Adrian Eppel862,

Martinano Eliseu do Bonfim, qui arrivent à accroître leur


influence depuis la fin du XIXe siècle. La liberté de ce
dernier a été rachetée à ses seigneurs par ses parents
lorsqu‟il était encore jeune. Ensuite il est parti en Afrique
pour étudier et apprendre les cultes du candomblé à
l‟actuel Nigeria, notamment à Lagos. Quand il est revenu
en Bahia, il divulguait les connaissances acquises là-bas et
a ainsi renforcé son statut dans le candomblé baiane. Sa
personne a tellement gagné en importance que son nom
yoruba de naissance, Ojeladê, est devenu un titre officiel
dans le culte aux morts.863

A ida do babalaô Martiniano Eliseu Bonfim ao sudeste da

Nigéria, especialmente em Lagos, com intuito de estudar e aprender

os cultos religiosos africanos, acabou resultando na construção de

uma figura influente nos terreiros de candomblé baianos desde as

860
Cf. ROSSI, O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de estudos
das relações raciais no Brasil, p. 180.
861
LIMA, O candomblé da Bahia na década de 1930, p. 203-204; AMADO,
Jorge. Elogio de um mestre de seita. In: O Negro no Brasil: trabalhos
apresentados ao 2º Congresso Afro-Brasileiro (Bahia). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1940, p. 326; FERRAZ, 2º Congresso Afro-Brasileiro, p. 2.
862
A contribuição de Eppel não é muito significativa considerando que o
mapeamento bibliográfico que fez é insatisfatório para pensar o candomblé na
Bahia. Faltou explorar melhor um pouco da biografia do babalaô Martiniano,
considerando que se tratou de uma das figuras mais importantes dos terreiros
de candomblé baianos.
863
EPPEL, op. cit., p. 8.

287
décadas finais do século XIX864. Segundo Vivaldo da Costa Lima,

Carneiro, Ferraz e Amado e tantos outros intelectuais foram

responsáveis pela legitimação da imagem do babalaô,

transformando-o numa “figura lendária do candomblé da Bahia”865.

Foto de Martiniano Eliseu do Bonfim866

No dia 15 de julho de 1936, cinco meses antes do congresso, o

babalaô cedeu uma entrevista para O Jornal, do Rio de Janeiro, no

864
Idem; AMADO, Elogio de um mestre de seita, p. 328.
865
LIMA, O candomblé da Bahia na década de 1930, p. 204.
866
O Jornal, Rio de Janeiro, p. 1, 15 de jul. 1936.

288
qual narrou a história de seus pais escravos, os castigos físicos

sofridos pela mãe, além do congresso e das colaborações que fez aos

livros Os africanos no Brasil de Nina Rodrigues e A raça africana e

seus costumes na Bahia de Manoel Querino867.

Depois uns moços falaram e explicaram o que queriam


e senti que eram sinceros. Já é tempo de se olhar a
raça negra com sympathia e de nos fazer justiça. Tenho
lido alguns livros sobre os negros, que me trazem aqui,
como os de Arthur Ramos, Renato Mendonça, Gilberto
Freyre e do meu amigo Edison Carneiro.868

Em carta para Ramos, Carneiro afirmou que o “professor

Mariniano – suponho que já lhe escrevi sobre isto - tem grande

interesse em conhecer os seus livros. Ele está no Recife. Si você os

mandar por meu intermedio, os livros chegarão às mãos dele” 869. A

correspondência acaba demonstrando que o babalaô passou a

conhecer as pesquisas de Ramos pela intermediação do amigo

Carneiro, que inclusive, fazia muitas visitas àquele sacerdote.

867
Martiniano, o velho babalaô da Bahia, fala a‟ nossa reportagem. O Jornal,
Rio de Janeiro, p. 1, 15 de jul. 1936. A entrevista de Martiniano do Bonfim
também foi republicada pelo Diário de Pernambuco, Recife, p. 1, 29 de jul.
1936; Diario de Noite, Rio de Janeiro, p. 2, 27 de ago. 1936. Temos algumas
evidências que mostram que essa entrevista demorou de ser publicada, pois
numa carta a Ramos, Carneiro afirmou que sairia uma entrevista do babalaô
em um jornal, mas não disse o nome do jornal. Fizemos um mapeamento para
ver se encontrávamos outras entrevistas, mas esta foi a única que encontramos
e que depois foi republicada em outros jornais. Isso indica que talvez, a
entrevista foi considerada tão inédita que acabou sendo aproveitada por outros
periódicos da época. Cf. CARNEIRO, Edison. [Carta] 02 de mai. 1936, Bahia
[para] RAMOS, Arthur, Rio de Janeiro. 3f.
868
Idem.
869
CARNEIRO, Edison. [Carta] 06 de jun. 1936, Bahia [para] RAMOS, Arthur,
Rio de Janeiro. 2f.

289
Ferraz reconheceu Bonfim como oráculo da raça, conhecedor da

África, e comentou sobre as viagens que fez para registrar fotos

sobre as realezas africanas870. Lembrou sobre uma das visitas que fez

a ele:

Foi em sua casa do segundo andar do Caminho Novo,


cheia de pássaros e de orixás, que tive a revelação do
prestigio sem par do sacerdote Martiniano.
Conversamos com elle, o jornalista Azevedo Marques,
Edison Carneiro e eu, quando um marinheiro da
Costeira entrou portas a dentro e lhe beijou a mão. E
contou emocionado a Matiniano que na estiva do Recife
estava um reboliço damnado, só se falava em seu
nome, porque elle ia substituir Pae Adão.871

Martiniano Bonfim teceu alguns elogios aos estudos dos

africanistas, dizendo que sentiu naqueles trabalhos uma enorme

vontade de querer acertar. Reiterou que existem alguns erros de

detalhes “o que é natural sabendo-se a dificuldade que há em se

reunir material para estudos assim. Principalmente sobre o

captiveiro”872. Quando questionado pela redação do periódico sobre o

tema mais importante, ele responde que “a liberdade religiosa, pois,

é no culto que se revela toda a expressão social de um povo.

Principalmente nos africanos. Prometi a Edison ajudar o

Congresso”873.

870
FERRAZ, 2º Congresso Afro-Brasileiro, p. 2.
871
Idem.
872
Martiniano, o velho babalaô da Bahia, fala a‟ nossa reportagem. O Jornal,
Rio de Janeiro, p. 1, 15 de jul. 1936.
873
Idem. O apoio dele ao congresso também foi anunciado por Ferraz. Cf.
FERRAZ, Uma questão de escolas, p. 2.

290
No dia 11 de janeiro de 1937, às 15h, o babalaô fez a abertura

do congresso no IGHB874. “O moço negro de pais africanos”875 acabou

se tornando uma referência importante para Amado, Carneiro e

Ferraz, como, igualmente, para outros intelectuais como Arthur

Ramos. Amado escreveu um artigo em sua homenagem, no qual

afirmou ser Martiniano do Bonfim um lutador da liberdade religiosa,

sustentando a pureza do candomblé baiano, mestre dos estudiosos

sobre negro e pai de todos os negros, portador de uma inteligência

poderosa, cultura vasta e professor876.

Amado não poupou palavras para exaltar a figura do babalaô.

Àquela altura era mesmo necessário legitimar a autoridade dos

intelectuais e demais participantes do evento. Parece que o grupo

ainda estava querendo dar uma resposta aos comentários “infames”

de Freyre. Amado afirmou que o babalaô era um chefe de seita digno

de louvores e lembranças, além de impressionante figura da raça

negra no Brasil. Reiterou que sua “sinceridade, seu amor á sua raça,

a sua dedicação, a sua inteligencia, a sua cultura fazem deste chefe

de seita um dos tipos representativos das melhores qualidades do

brasileiro”877.

No discurso de Amado há o reconhecimento de Castro Alves,

Arthur Ramos, Manuel Querino, Renato Mendonça, Jacques

874
LIMA, O candomblé da Bahia na década de 1930, p. 204.
875
Ibidem, p. 203.
876
AMADO, Elogio de um mestre de seita, p. 327.
877
Ibidem, p. 326.

291
Raymundo, Edison Carneiro e Raul Bopp por retratarem em suas

escritas o sofrimento e trabalho do negro brasileiro. Para o autor,

esses intelectuais quebraram com a ideia de vergonha que se tinha

em anos anteriores à década de 1930 em “reconhecer, estudar,

classificar e louvar a admiravel contribuição do negro a formação da

nacionalidade”878. Reforçou que Freyre, Carneiro, Jacques Raymundo

e Ramos deram fôlego aos estudos sobre a cultura negra, seja na

divulgação do pensamento de Nina Rodrigues ou Manuel Querino879.

Acabou a vergonha e covardia. Hoje os intelectuais


brasileiros (exceção feita de um pequeno grupo de
fascistas-arianos, em geral mulatos, que vivem a
pensar e a clamar pelo transcendentes e a procurar,
usando de todas as calunias em que são useiros, inuteis
bestalhões que por uma baixa questão de interesses
economicos continúam a renegar o sangue negro que
lhes corre nas veias, os intelectuais brasileiros tem
reconhecido, estudado, classificado e louvado a
contribuição do trabalho, da inteligencia do negro à
formação do paiz do Brasil880.

É recorrente no discurso supracitado o uso de termos como

classificar e estudar, o que nos remete aos vocábulos usados pelos

estudiosos da época, especialmente aqueles da medicina legal, para

se referirem aos negros. Estes sujeitos não foram apenas

considerados como objeto de estudo, como sofreram classificações

absurdas como negros inferiores e superiores, conforme já

demonstramos nas discussões iniciais, para as quais Nina Rodrigues é

sua referência central.

878
Ibidem, p. 325.
879
Ibidem, p. 326.
880
Ibidem, p. 326

292
A desconstrução do imaginário sobre os negros e mestiços

enquanto sujeitos atrasados e causadores do fracasso do país

realmente significou um enorme passo para a população negra

brasileira, mas isso não aconteceu sem alguns efeitos colaterais.

Donald Pierson, da Universidade de Chicago, realizou vinte e dois

meses de pesquisa na Bahia, no intuito de compreender o que

denominou de “sociedade multirracial de classes”881. Para Antonio

Sérgio Alfredo Guimarães, “o que ele quer dizer com isso é que se

trata de uma sociedade na qual as „raças‟ não eram propriamente

„raças‟, mas grupos abertos”882.

Em A raça e a classe na Bahia, Pierson esclareceu que suas

pesquisas naquele estado tinham como princípio norteador entender

as ocupações sociais e profissionais do negro para compreender a

“estrutura de classe”. Sua investigação ajudaria a compreender a

posição do negro, tentando perceber se “está subindo na escala da

classe e está mantendo a sua posição na estrutura social ao lado dos

irmãos deles, os brancos, neste lugar”883. Parece que o autor colocou

uma venda sobre os olhos para dissimular uma relação harmônica

entre os negros e seus “irmãos” brancos, como se os conflitos raciais

tivessem desaparecido com a abolição da escravidão e, naquele

881
GUIMARÃES, Cor e raça: raça, cor e outros conceitos analíticos, p. 73; Cf.
LIMA, O candomblé da Bahia na década de 1930, p. 205.
882
GUIMARÃES, Cor e raça: raça, cor e outros conceitos analíticos, p. 73.
883
PIERSON, Donald. A raça e a classe na Bahia. In: O Negro no Brasil:
trabalhos apresentados ao 2º Congresso Afro-Brasileiro (Bahia). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1940, p. 163.

293
momento, todos os negros dispusessem de condições mais ou menos

iguais aos brancos para ascender na pirâmide social.

Entendemos que o problema do norte-americano não foi tentar

entender a estrutura de classe, e sim tentar reafirmar o cenário de

democracia racial884 ou negação do racismo no estado da Bahia. Ele

chegou mesmo a afirmar que os negros, a maioria da população, não

sofriam os efeitos do racismo como em outros lugares do mundo, o

que assentia como promissor para que se pudesse alcançar a

“igualdade”. Fez tal conclusão, mesmo afirmando a existência da

hierarquia entre brancos e negros, pois os primeiros ocupavam – e

ainda ocupam – os melhores cargos885.

O fato importante, ao meu ver, é que o negro, que tão


recentemente ocupava a posição escrava n‟uma ordem
de casta rigida, esta gradualmente e persistentemente
forjando o seu caminho para as camadas superiores da
sociedade atual e recebendo reconhecimento dos
brancos em posição à reputação que ele pode alcançar
por meio da sua habilidade nativa ou adquirida.886

Além da disputa pela ascensão social com os brancos, parece

que, para Pierson, os negros baianos estavam tendo acesso, mesmo

que gradativamente, aos espaços e cargos ocupados pelos sujeitos

privilegiados pelos poderes públicos e privados. A menção ao

reconhecimento dos negros pelos brancos nada mais significa do que

a ideia de que é necessário passar pelo crivo dos grupos dominantes.

No entanto, seria interessante pensarmos sobre quais seriam as


884
GUIMARÃES, Cor e raça: raça, cor e outros conceitos analíticos, p. 74.
885
PIERSON, op. cit., p. 165.
886
Idem.

294
“habilidades nativas” ou “adquiridas”, sugeridas pelo autor, que os

negros deveriam ter para conseguir o reconhecimento.

Os negros e mestiços tinham que enfrentar vários obstáculos

para ter acesso a determinados espaços dominados pelas famílias

ricas das quatro primeiras décadas do século XX. Ferraz comentou

algo que nesse momento parece ser muito oportuno para refletirmos

sobre a questão:

É como se se pudesse estimar na justa medida um


certâmen de estudiosos de problemas de raça, num
paiz onde o próprio negro tem desgosto do seu
pigmento e, quando sobe de condição social, por um
annel de formatura, qualquer, se esquece da velha
quitandeira ou da vendedoura de mungunzá que o
formou com uma dedicação que só as classes oprimidas
possuem.887

A ascensão social do negro, na maioria das vezes, estava

condicionada à obtenção de diploma em faculdades que foram

voltadas para a formação dos descendentes das elites - futuros

administradores do estado. Acreditamos que o autor esteja

sinalizando para as dificuldades enfrentadas pelos sujeitos de pele

negra, que resultaram num processo de negação do “ser negro”,

assim como sua ligação com seus genitores na tentativa de

esquecerem “quem” são. Mesmo que alcancem posições importantes

nos setores sociais, os negros precisam atender àquele requisito

mencionado por Afrânio Peixoto de branqueamento da alma888.

887
FERRAZ, 2º Congresso Afro-Brasileiro, p. 2.
888
CUNHA, op. cit., p. 280-281.

295
Seguindo um caminho um pouco diferente de Pierson, Carneiro

se dispôs a entender não apenas as questões culturais dos negros

brasileiros e africanos, como o processo de sua marginalização ao

longo da história. Para ele, os escravos introduzidos no Brasil foram

utilizados para trabalharem nas lavouras de cana-de-açúcar e café,

na mineração, nos engenhos, na caça aos índios, resultando na

criação de um cenário histórico marcado pelas mazelas da

marginalização889. Também apontou que escravos lutaram contra a

“tirania social e política dos brancos”, como contribuíram na

constituição étnica, religiosa, cultural, e claro, trouxeram algumas

doenças para o país890.

Os comunistas baianos estavam engajados na proposta do PCB

de inserção dos negros e índios nas pautas de luta política,

considerando que os dois foram transformados em membros da

classe proletária891. Mesmo que Aruã Silva de Lima não tenha certeza

quanto à adequação total desses comunistas ao programa de atuação

dos PCs, ponderou que havia, nem que fosse parcialmente, um

diálogo entre os debates sobre as raças, ocorridos no movimento

comunista nacional e internacional e a agenda de atuação do

Carneiro, Amado e Ferraz892.

889
CARNEIRO, Edison. Religiões negras: notas de etnografia religiosa. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1981, p. 21.
890
Ibidem, p. 21-22.
891
LIMA, Comunismo contra o racismo: autodeterminação e vieses de
integração de classe no Brasil e nos Estados Unidos (1919-1939), p. 209.
892
Idem.

296
Os debates em torno da ideia de raça e sua relação com o

proletariado ainda eram incipientes no partido. Octávio Brandão fez

uma crítica às reflexões do PCB sobre o negro e o índio, e em seguida

“fez uma mea culpa indicando as limitações interpretativas e de

acesso à leitura como causas dos equívocos das formulações do

PC”893. O comunista reconheceu que deu pouca atenção a questão

negro-indígena e se comprometeu a levar adiante suas ponderações

a respeito da exploração racial e econômica desses grupos sociais que

historicamente foram massacrados pelos grupos dominantes894.

Aruã Silva de Lima encontrou algumas reflexões soltas de

Brandão, e que parecem ser muito significativas para entendermos o

teor das discussões que ocorriam internamente ao partido:

no PCB se dizia que não há discriminação em Cuba. Se


dizia que os negros da Jamaica e Haiti são negros de
segunda categoria e que não vale a pena trabalhar
entre os negros de Barbados já que são negros muito
atrasados.

É possível identificar afirmações preconceituosas sobre os

negros, no entanto, fica evidente que os comunistas inseriram os

negros e os índios nas pautas do PCB na década de 1930. Foram as

fraturas internas do partido e do movimento comunista internacional

que acabaram permitindo tais discussões, e os congressos

configuraram-se enquanto espaços usados pelos comunistas para

893
Ibidem, p. 222.
894
Ibidem, p. 223.

297
debaterem a inserção do negro no proletariado, como seus problemas

sociais e econômicos895.

Em Octávio Brandão, o negro e o índio aparecem como sujeitos

importantes na formação do Brasil, demonstrando um diálogo muito

forte com a ideia do século XIX apresentada por Martius ao IHGB896.

Já para Leôncio Basbaum, a contribuição dos negros para o setor da

música, dança, teatro foi superior às dos brancos. Especialmente no

mundo religioso, a exemplo do catolicismo, suas influências são

marcantes de modo que “em algumas cidades como Rio, São Paulo,

Salvador e Recife, está hoje totalmente impregnado de deuses e ritos

africanos”897.

Carneiro não deixou de avaliar em seus estudos, que o negro

fora tido como besta de carga, pesando sobre seu ombro o

preconceito que invalidou várias possiblidades de ascensão social e

econômica. Vítima de castigos corporais, trabalhou excessivamente

sob o sol, morou em senzalas infectas, não dispôs de boa

alimentação, e tudo isso para construir grandes riquezas para seus

senhores e uma nação que o oprimia898. Lembrou o autor, que

mesmo que Nina Rodrigues tenha sido um dos defensores da teoria

de inferioridade dos povos de cor - criada pela burguesia europeia

895
Ibidem, p. 225.
896
Ibidem. p. 219.
897
BASBAUM, Leôncio. História sincera da República – de 1889 a 1930. São
Paulo: Editora Alfa-Omega, 1976, p. 181.
898
CARNEIRO, Religiões negras: notas de etnografia religiosa, p. 22-23.

298
para cometer crimes em nome do ideário de civilização899, o

problema não era a “raça” e sim os sistemas de exploração dos

negros, como a escravidão, a causa da degradação moral da

população negra900.

As análises dos comunistas sobre o pós-abolição são dignas de

maiores aprofundamentos por considerarem que com a abolição da

escravidão e expansão do capitalismo no mundo, forçaram os negros

a se inserirem no novo sistema de produção, que na visão de

Carneiro, era a nova carapaça da escravidão901.

Basbaum já havia chamado a atenção para a relação do negro

brasileiro com os meios de produção e como era tratado pelas classes

dominantes. Ele corroborou a ideia de Carneiro, pois afirmou ter sido

o negro marginalizado e forçado a constituir “senão uma classe, uma

camada marginal dentro da sociedade, com características

próprias”902.

Na interpretação de Basbaum, o negro fora lançado à própria

sorte praticamente “jogado à rua, sem terra, sem qualquer espécie

de instrução, sem profissão e sem teto e, o que é mais importante,

sem meios ou possibilidades de adquirir o mínimo para a sua

alimentação”903.

899
Ibidem, p. 24.
900
Ibidem, p. 22.
901
CARNEIRO, Edison. Situação do negro no Brasil. In: Estudos Afro-
Brasileiros. Rio de Janeiro: Ariel, Editora LTDA, 1935, p. 237.
902
BASBAUM, op. cit., p. 179.
903
Idem.

299
Outro problema que os afrodescendentes enfrentaram fora o

preconceito racial, mesmo que Basbaum tente amenizar o racismo

brasileiro, dizendo que “essa mistura de cores e raças impediu que o

preconceito racial assumisse as formas violentas e odiosas que

caracterizam hoje as relações raciais nos Estados Unidos e na África

do Sul”. Há em Octávio Brandão, segundo Aruã Silva de Lima, uma

leitura que tende a relativizar a opressão racial do país, pois a

realização dos congressos afro-brasileiros em Recife (1934) e

Salvador (1937) demonstra o reconhecimento do negro, assim como

sua ascensão e inserção na sociedade904. Donaldo Pierson, Gilberto

Freyre, Octávio Brandão, Leôncio Basbaum estavam mesmo

empenhados em relativizar os efeitos do racismo no Brasil.

A posição de Carneiro destoa um pouco daquela assumida por

Octávio Brandão, Leôncio Basbaum e tantos outros. Para ele, o negro

sofreu – ainda sofre – opressão racial dos grupos sociais classificados

como “brancos”, seja dos donos do capital ou do proletariado branco.

O ódio racial dos proletários brancos pelos negros era, na visão do

autor, resultado de uma estratégia da burguesia que levava em nota

o dilema “dividir para reinar”905. Para Basbaum seria o contrário, pois

a condição de operário permitiria a integração do negro à nova classe

904
LIMA, Comunismo contra o racismo: autodeterminação e vieses de
integração de classe no Brasil e nos Estados Unidos (1919-1939), p. 219.
905
CARNEIRO, Situação do negro no Brasil, p. 238.

300
onde “não havia preconceitos raciais e onde encontrava aspirações

comuns”906.

Os problemas sociais e econômicos enfrentados pelos negros

continuaram mesmo depois da escravidão. Segundo Carneiro, o

“negro deixou de ser escravo. E não ganhou nada com isso”, pois

continuou sendo explorado, porém, incorporado ao proletariado

brasileiro, mesmo que a cor da pele continuasse sendo um estigma

social907. Ser negro significou não apenas a negação de direitos,

exemplo do acesso à educação, como também a exploração de

classe, isso quando conseguiam emprego908. Deixados nas ruas e

sem acesso às escolas ou qualquer tipo de qualificação, “eram os

negros eliminados dos serviços mais leves e que exigem esse mínimo

de formação e treinamento. Por isso mesmo viam-se forçados a

exercer os misteres mais humildes, braçais e mal pagos”909.

Para os comunistas, o pós-abolição não efetivou as aspirações

de igualdade entre os cidadãos da jovem República do Brasil. Não

poderíamos esquecer o artigo escrito por Ferraz para o II Congresso

Afro-Brasileiro em homenagem ao poeta baiano Castro Alves, no qual

apontou ser aquele poeta um dos maiores defensores da liberdade da

população negra, colocando sua paixão acima dos interesses da

classe à qual pertenceu para representar, mesmo que na poesia, o

906
BASBAUM, op. cit., p. 181.
907
CARNEIRO, Religiões negras: notas de etnografia religiosa, p. 25.
908
BASBAUM, op. cit., p. 180-181.
909
Ibidem, p. 180.

301
sofrimento dos explorados como posto no poema Adeus, meu

canto910. Nesse sentido, na visão do autor, o poeta baiano não seria

apenas a inspiração para uma revolução, mas para todas as lutas

sociais no Brasil911.

A relevância do artigo está na experiência compartilhada por

Ferraz acerca da condição subumana de uma ex-escrava do Engenho

da Vitória, observada por ele quando fez uma visita ao Recôncavo.

Aquela mulher encontrava-se pedindo esmolas, e Ferraz comentou

que Castro Alves teria refletido aquela situação enquanto um dos

efeitos do término da escravidão. O autor reitera sua posição ao

comentar que o poeta teria compreendido aquele momento como um

dos resultados do fim da escravidão, que serviu como dispositivo de

condicionamento dos ex-escravos ao sistema capitalista, pois

“constituía uma conveniência da classe dominante”912. Concluiu:

E compreenderia, igualmente, que estando, desde esta


altura de sendo, o grande contigente negro de nossa
população ligado por interesses econômicos ao
proletariado nascente, mas cedo ou mais tarde
adquiriria consciencia ideológica da sua classe.913

Esclareceu Ferraz que, aos poucos, os proletários negros iriam

se afinar aos interesses econômicos do proletariado em geral.

Também está claro que ele alimentou a ideia de que chegariam

910
FERRAZ, Aydano do Couto. Castro Alves e a poesia negra da América. In: O
Negro no Brasil: trabalhos apresentados ao 2º Congresso Afro-Brasileiro
(Bahia). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1940, p. 225-226.
911
Ibidem, p. 229.
912
Ibidem, p. 227.
913
Ibidem, p. 227-228.

302
aqueles novos proletários a despertar a “consciencia ideológica da

sua classe”. Ou, conforme Basbaum, a abolição teve como ponto

positivo reforçar os quadros da luta de classe dos movimentos

sindicais e das lutas políticas914. Pois, aqueles homens e mulheres

que agora são proletários negros sofrem dos mesmos efeitos da

exploração da classe trabalhadora como:

burro de carga da produção nacional, representando a


esmagadora maioria da população trabalhadora do
Brasil. Entregue a si mesmo, dono de uma „liberdade‟
ficticia, ganhando mal, vestindo mal, alimentando-se
mal [...], embrutecendo-se num trabalho de dez horas
diarias em condições ante-hygienicas.915

Para Basbaum, o negro é socialista por natureza, porque sua

vivência no “habitat” original “não se desprendeu ainda das tradições

comunistas em que viviam os seus avós africanos”916. Concluiu

dizendo que:

O negro não compreende a exploração do homem pelo


homem, é incapaz de praticá-la, não sabe ganhar nem
guardar dinheiro, não empresta a juros, não se
preocupa em acumular riquezas. Por isso mesmo, na
sociedade burguesa, será sempre um fracassado.917

Mesmo que o autor esteja construindo sua argumentação em

torno da compatibilidade dos negros ao movimento comunista,

parece-nos um pensamento um pouco pessimista e generalista, pois

ele não vê saída para a ascensão do negro numa sociedade burguesa.

914
BASBAUM, op. cit., p. 182.
915
CARNEIRO, Situação do negro no Brasil, p. 238.
916
BASBAUM, op. cit., p. 182.
917
Ibidem, p. 181.

303
Obviamente, que sua leitura está viciada pela concepção do “ser

negro” do PCB, conforme pode ser notado naquele fragmento escrito

por Brandão que transcrevemos. O autor reafirmou a ideia de

incapacidade do negro de exercer determinadas funções no setor

econômico e social pelo simples fato de pertencer a uma determinada

raça. Não acreditamos que os termos “incapaz”, “não sabe ganhar”,

“fracassado” e tantos outros usados por Basbaum sejam

involuntários, e muito menos, tão distorcidos do que pensavam

outros comunistas. Não foi à toa que Brandão assumiu seu mea

culpa, por não tratar devidamente a questão racial.

Os negros conscientes, que se adaptaram, bem ou mal,


á super-estructura politica da sociedade brasileira,
sabem perfeitamente que os seus interesses
immediatos e futuros não são em nada diversos dos do
proletariado em geral e desejam, além da instrucção,
da alimentação sufficiente e do melhoramento das
condições de trabalho, o reconhecimento dos seus
direitos – como de todas as raças opprimidas do paiz, -
a collaboração, no mesmo pé de igualdade, com o
branco na obra de reconstrucção economico-politica do
Brasil.918

A conscientização do negro significava, na visão dos

comunistas, uma etapa fundamental para iniciar o processo de luta

por direitos como alimentação, educação, melhores condições de

trabalho e igualdade frente aos brancos. Reside aí a afinidade do que

está sendo proposto por Carneiro com o partido. Conforme Carneiro,

os negros estavam somando um grande contingente de proletários

para as fileiras do PCB, pois somente “a sociedade comunista, que

918
CARNEIRO, Situação do negro no Brasil, p. 240.

304
reconhece ás raças opprimidas até mesmo o direito de se

organizarem em Estado independente, conseguirá realizal-a, abolindo

a propriedade privada [...]”919, como também, somente assim

acabaria com a exploração “do homem pelo homem”920.

Pensar na condição do negro na Bahia é quase que rememorar

a leitura do romance Jubiabá, que é representativo sobre as reflexões

de alguns comunistas acerca dos “proletários de cor”, em especial os

negros. Como já demonstramos, Carneiro havia demonstrado essa

relação no livro Religiões Negras (1935) e no artigo Situação do

negro no Brasil, que escreveu em 1934 para o I Congresso Afro-

Brasileiro. É relevante a ponderação de Rossi, quando coloca que o

artigo supracitado simbolizou um dos esforços de interpretação do

negro sob o prisma marxista, como também serviu de ponte para

inseri-lo no campo de estudo dos africanistas921, pois seu autor tinha

“ambições de se projetar como intelectual para além dos limites da

fronteira”922.

As discussões em torno da classe e das raças dentro do PCB

foram uma das grandes conquistas do movimento, especialmente,

quando da participação dos intelectuais do partido nos congressos

afro-brasileiros. Mas, acreditamos que o ápice dessa conquista

ocorreu com o II Congresso Afro-Brasileiro, não apenas por reunir

919
Ibidem, p. 241.
920
Idem.
921
ROSSI, O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de estudos das
relações raciais no Brasil, p. 171-173.
922
Ibidem, p. 171.

305
intelectuais comunistas que debateram a questão racial atrelada à

ideia de classe, como por dar maior visibilidade às discussões em

torno do candomblé e a repressão policial que sofriam seus fiéis.

Carneiro, mobilizado por sua agenda de luta pela liberdade

religiosa do povo de santo, também estava, na acepção de Aruã Silva

de Lima, alinhado às lutas globais travadas pelos comunistas em

torno do negro923. O jovem comunista usou as páginas de seus

artigos e livros para denunciar o problema de repressão sofrido pelos

adeptos do candomblé. Dentre as diversas críticas, ele esclareceu que

“as autoridades policiaes desrespeitam as disposições constitucionais

que se referem á religião, fechando candomblés, detendo pais-de-

santo, aprehendendo objetos do culto africano”924.

A denúncia de Carneiro não era um exagero. Com a

“modernização” ao modo europeu, os terreiros de candomblé foram

rejeitados por alguns grupos das elites locais. A imprensa fora um

dos principais agentes de vigilância das ações dos candomblecistas. O

Diário da Bahia orientava a população que era necessário superar a

cultura da superstição, bruxaria e outros elementos culturais

deixados pelos africanos925. Portanto, os candomblés incomodavam

pelos barulhos dos batuques numa sociedade majoritariamente

923
LIMA, Comunismo contra o racismo: autodeterminação e vieses de
integração de classe no Brasil e nos Estados Unidos (1919-1939), p. 200.
924
CARNEIRO, Situação do negro no Brasil, p. 239.
925
REIS, op. cit., p. 108-115.

306
católica e intolerante, por isso não eram aceitos pelos civilizados926. A

imprensa também usava termos inadequados e preconceituosos

como “porco”, “degradante” e “pocilga africana”, com intuito de

“alertar” a população baiana sobre os períodos de adentrar nos

espaços “infectos” dos terreiros927.

Foi no congresso que se cogitou a ideia de criação da União das

Seitas Afro-Brasileiras. Mesmo que Carneiro informe a Ramos que iria

fundar o Conselho Africano da Bahia, no dia 03 de agosto de 1937,

com representantes de cada candomblé, somente no dia 26 de

setembro de 1937, ocorreu a sessão de posse da União, na qual

Carneiro assumiu a Secretaria Geral e Martiniano Eliseu do Bonfim a

presidência928. Na carta de 22 de setembro daquele ano, o comunista

pede para Ramos escrever felicitando o presidente da União e, ainda,

recomendou que telegrafasse “a tempo de chegar pra sessão de

instalação, que é à noite”929. Mas, como se deu a consolidação desse

projeto? Esta é uma questão que precisa ser pensada, especialmente

pelo fato de que a bibliografia consultada não aprofunda o processo

de construção da agremiação.

926
Ibidem, p. 117-119.
927
Ibidem, p. 120-121.
928
CARNEIRO, Edison. [Carta] 22 de set. 1937, Bahia [para] RAMOS, Arthur,
Rio de Janeiro. 1f; CARNEIRO, Edison. [Carta] 19 de jul. 1937, Bahia [para]
RAMOS, Arthur, Rio de Janeiro. 1f; CARNEIRO, Edison. [Carta] 27 de set. 1937,
Bahia [para] RAMOS, Arthur, Rio de Janeiro. 1f
929
CARNEIRO, Edison. [Carta] 22 de set. 1937, Bahia [para] RAMOS, Arthur,
Rio de Janeiro. 1f. O jornal Diário do Brasil cometeu um equívoco ao afirmar
que houve a posse da União no dia 28 de setembro de 1937. Não bate com a
data sugerida por Carneiro nas cartas que consultamos. Cf. Jornal do Brasil, Rio
de Janeiro, p. 15, 29 de set. 1937.

307
As cartas trocadas entre Carneiro e Ramos são significativas

para entendermos o cenário de construção, consolidação e proposta

da União:

Estou organizando um Conselho Africano da Bahia, que


ficará encarregado de dirigir a religião negra, tirando à
policia essas atribuições. Vamos mandar um memorial
ao governo, pedindo a liberdade de religião, só esse
Conselho, onde haverá representantes de todos os
candomblés, mas também do Instituto Afro-Brasileiro
da Bahia, já em organização, e a Comissão do
Congresso.930

Não sabemos dizer ao certo o que seria o Conselho ou Instituto

Afro-Brasileiro. Pela documentação, parece que o conselho seria uma

confraria regida por um estatuto e formada pelo secretário geral,

presidente, Comissão do II Congresso Afro-Brasileiro e

representantes dos terreiros de candomblé. Por outro lado, o Instituto

ao qual Carneiro se refere parece ter sido o nome inicial dado à

União, mas depois mudou para o nome definitivo. O nome do

Instituto só aparece nas correspondências anteriores a setembro de

1937, significando que realmente o referido órgão passou a se

chamar União das Seitas Afro-Brasileiras alguns dias antes da noite

de posse.

Carneiro pediu a colaboração de Ramos no convencimento do

governador do estado acerca da importância da criação do novo

projeto que estava em curso, pois a União só seria possível com a

conquista da liberdade religiosa dos negros. Também expôs que iria


930
CARNEIRO, Edison. [Carta] 15 de jul. 1937, Bahia [para] RAMOS, Arthur,
Rio de Janeiro. 2f.

308
mandar um memorial para o governador pedindo liberdade religiosa e

o reconhecimento do mesmo ao Conselho como autoridade máxima

na luta pelos direitos religiosos dos terreiros931.

Acreditamos que a consolidação da União, no dia 26 de

setembro, representa o esforço dos comunistas e representantes dos

terreiros na luta pela liberdade de culto e valorização da cultura afro-

brasileira, mas também representou os esforços de intelectuais

estudiosos do tema que apoiaram aquele grupo, como Ramos.

Ferraz escreveu artigos para jornais explorando aspectos da

religiosidade das comunidades ribeirinhas do Recôncavo baiano. O

artigo Festas e superstições das aguas na Bahia de Todos os Santos

publicado pela revista O Cruzeiro no dia 02 de julho de 1938,

reafirmou o compromisso do autor e seus companheiros na defesa da

liberdade religiosa.

931
CARNEIRO, Edison. [Carta] 19 de jul. 1937, Bahia [para] RAMOS, Arthur,
Rio de Janeiro. 1-2f.

309
Festa religiosa no Recôncavo da Bahia.932

No artigo, Ferraz faz uma descrição do cenário da Baía de

Todos os Santos, sem esquecer um elemento sequer, como

suas tradições populares e religiosas, suas igrejas


erguidas nos outeiros como sentinellas, suas senzalas
caindo de velhas, seus pobres praieiros que vivem
somente da pesca e arrastam o peso de todas as lendas
ligadas ao heroísmo dos seus avós da Independencia. E
a não ser a pesca que vae escasseando, vivem os
ilhéos de suas primitivas industrias de palha ou de
taquara, do seu plantio de mandioca ou de verduras, da
indústria de barro vidrado. Os alugados nas plantações
de canna e de côco, quando não achem trabalho nas
caieiras que fumegam ao longo de quantas ilhas do
nosso litoral.933

Parece claro para o autor que a região da Baía de Todos os

Santos tem suas características próprias e é a região herdeira de

elementos culturais e arquitetônicos de um passado marcado pela

escravidão, como pela riqueza da cultura afro-brasileiro ali deixada

para as gerações futuras. Como notou Ferraz, ali também viveram –

e ainda vivem – povoações ou comunidades ribeirinhas detentoras de

manifestações religiosos próprias. Concluiu:

O pittoresco das romarias dedicadas aos seus


padroeiros, que tomam o nome característico de
„acompanhamento‟, é realmente notável. Longas filas
de embarcações de todos os formatos, largam do porto
no dia do festejo, entre regozijo geral. Não permanece
um barco ancorado. Velas alvas e bandeiras coloridas,
cânticos sagrados e profanos, cuícas e xeque-xeques de
mistura, uma algazarra que se estende por toda a
longa fila de embarcações. O andor com a imagem
adorada de vae no lanchão da frente, ambandeirado em

932
FERRAZ, Aydano do Couto. Festas e superstições das aguas na Bahia de
Todos os Santos. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, p. 35, 02 de jul. 1938.
933
Idem.

310
arco, com a gente mais importante da localidade.
Saltam em procissão, chegada à igreja onde vae ficar
exposto o andor, e á tarde o samba e a corrida de
canòas e de saveiros, o passeio a pé da Philarmonica, o
leilão de fructas da terra culminam nos festejos. São
assim quantas festas no costeiro da Bahia?934

Há nesse artigo de Ferraz um olhar atento aos eventos

referentes às festas religiosas das comunidades ribeirinhas, formadas

por pescadores e marisqueiras. É interessante observar que romarias

ainda acontecem nas comunidades ribeirinhas do Recôncavo,

especialmente entre os moradores do distrito de Coqueiros e Nagé,

situados na cidade de Maragogipe. Os saveiros que circulam há mais

de quatrocentos anos pelas águas do Paraguaçu e Baía de Todos os

Santos, ainda são usados pelos católicos, quando da romaria de Bom

Jesus dos Navegantes mencionada pelo autor, ou dos seguidores dos

terreiros de candomblé locais que fazem suas romarias para ofertar

presentes para a orixá Iemanjá935.

O autor ainda lembrou que são muitas as festas que usam as

águas como trajeto:

As festas fetichistas em que opera o sincretismo


religioso afro-negro, ameríndio e catholico tomam uma
importancia crescente em nossos dias. Liturgia que
exerce uma ascendência notável sobre a mystica dos
marítimos e empolga as populações vizinhas ao local de
culto escolhido pelos crentes.936

934
Idem.
935
Segundo Ferraz, “As festas das aguas na Bahia têm uma historia maior do
que parece. Spix e Martius, assistiram no sul da Bahia, uma festa complexa,
com batalhas simuladas e santos catholicos, alguma coisa parecida com a
chegança, typica desta das aguas”. Ele continua falando do encanto que as
festas causavam nos estrangeiros, e fala do turista francês, e alega que a não
separação de classe nas festas gerou ainda mais fascínio no turista do século
XVIII. Idem.
936
Ibidem, p. 37-38.

311
A popularização da prática do candomblé não se restringe

apenas aos trabalhadores ribeirinhos das cidades de Maragogipe,

Cachoeira, São Félix, Mar Grande, mas igualmente à classe proletária

dos espaços urbanos. Carneiro já havia alertado para o fato de que os

terreiros de cultos aos deuses afro-brasileiros eram marcantes nos

bairros proletários como Caminho do Rio Vermelho, Estrada da

Liberdade, Fazenda Garcia, Brotas, Federação, Amaralina, Bate-Folha,

Fazenda Grande, Cabaceiras da Ponte por estarem mais afastados do

central da cidade937. Segundo Reis, os jornais faziam várias

reclamações por conta do barulho dos batuques, mesmo que “os

terreiros na sua maioria ocuparem as áreas distantes do aglomerado

urbano e nem sempre poderiam ser ouvidos por uma vizinhança

muito grande”938.

A relação entre os trabalhadores e o candomblé era muito forte,

como já demonstramos. Carneiro afirmou que existia uma afinidade

entre o proletariado e os orixás, pois a maioria vivia na miséria, onde

talvez o único consolo seja Omolu939, um orixá de classe, “que os

previne contra a bexiga ou outras moléstias que afetem igualmente a

937
CARNEIRO, Religiões negras: notas de etnografia religiosa, p. 49.
938
REIS, op. cit.
939
“O orixá africano Xampanã teve de se dividir em Omolu e Obaluaê, que hoje
correspondem aos Santos católicos São Lázaro e São Roque, santos da saúde.
Muito raro, quase impossível vê-lo ainda como Xampanã, isto é, fora destas
duas formas. As suas cores são o preto e o vermelho, o seu fetiche uma
vassoura pequena com búzios. Ele se alimenta da carne de galo e de bode e de
milho com azeite-de-dendê. Ao descer nos candomblés, Omolu traz apenas um
pano branco sobre os seios da filha-de-santo”. CARNEIRO, Edison. Negros
Bantos: notas de etnografia religiosa e de folclore. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira; Brasília: INL, 1981, p. 172.

312
pele”940. Segundo o autor, o fato de cogitar ir ao hospital gerava

verdadeiro horror entre os pobres, especialmente os negros, pois eles

tinham Omolu como o médico dos pobres. Comentou o autor que o

orixá é “contrabalançado pela sua ternura incontestável pelos negros,

pois, se ele espalha a bexiga, avisa os seus filhos, se devasta uma

determinada região qualquer, promete voltar para curar os

doentes...”941.

Seja na produção acadêmica, organização de eventos,

agremiações ou na literatura, os comunistas Edison Carneiro, Jorge

Amado e Aydano do Couto Ferraz estiveram comprometidos com uma

agenda de luta pela liberdade religiosa, denuncia das repressões aos

terreiros de candomblé, à condição de marginalidade e exploração do

proletariado negro. Demonstramos que os comunistas baianos

tomaram para si o esforço de fazer o PCB pensar o negro enquanto

parte do proletariado e, ao mesmo tempo, esforçavam-se para fazer

despertar naqueles a “consciência de classe”, fosse por meio da

literatura, dos artigos de jornais, congressos, coleções, conferências,

associações entre outras práticas.

940
Ibidem, p. 169-170.
941
Ibidem, p. 171.

313
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reconstituição do itinerário dos intelectuais comunistas

baianos nos anos de 1920 foi uma etapa importante para

entendermos o processo de formação dos intelectuais Aydano do

Couto Ferraz, Edison Carneiro e Jorge Amado.

As atuações desses intelectuais em grupos literários como AR

acabaram determinando, os tipos de temas e modelos estéticos que

tomariam como referência na década de 1930. Aceitemos como

exemplo os romances amadianos que representam, dentro do

movimento regionalista uma tentativa de entender os problemas da

geração de Amado, sobretudo o de encontrar novos caminhos para

interpretar o Brasil partindo de questões regionais.

Apreendemos que tanto o “tradicionismo dinâmico” de Carlos

Chiacchio quanto o “regionalismo tradicionalista” de Gilberto Freyre,

foram esforços construídos com o intuito de ser um movimento

regionalista interessado em refletir o Brasil a partir de problemas

sociais, econômicos e políticos que afetavam as regiões Norte e

Nordeste, mas esses elementos deveriam ser entendidos enquanto

componentes da identidade nacional. Os intelectuais que atuaram no

regionalismo buscaram conquistar, por meio de seus romances, a

posição de novos intérpretes da realidade brasileira.

Era exatamente isso que faziam os escritores regionalistas

Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, José

Américo de Almeida, Gilberto Freyre, Amado e tantos outros

314
escritores mencionados. Esses intelectuais compunham um grupo que

ficou conhecido como a “geração de 30”, com publicações

majoritariamente editadas pela editora José Olympio ou pela editora

e livraria de Augusto Frederico Schmidt, e que estava comprometida

em fazer um romance-documento que representasse os problemas

sociais do país, sem perder de vista as especificidades regionais.

Sabemos que o ingresso de Amado, Carneiro e Ferraz nas bases

do PCB ocorre em meados da década de 1930, e fora preponderante

para a tomada do modelo estético da URSS como referência.

Referimo-nos ao realismo socialista imposto como “manual” para a

produção artístico-literária, conforme notamos no discurso de Andrei

Zhdanov para os participantes do I Congresso de Escritores

Soviéticos, em 1934, em Moscou.

Caberia aos romances amadianos o papel de tomar como

referência a realidade dos trabalhadores, executando a função

didático-pedagógica de conscientizar tais sujeitos das lutas que

precisavam travar para conseguirem a derrota do sistema capitalista,

que era entendido por Carneiro como uma espécie de “nova

carapaça” da escravidão do proletariado, especialmente, dos negros.

Nesse sentido, a luta dos comunistas contra o racismo e

exploração dos trabalhadores negros do pós-abolição ganhou

contornos significativos com suas participações nos congressos afro-

brasileiros, ocorridos nas cidades de Recife (1934) e Salvador (1934).

Foi com o II Congresso Afro-Brasileiro que os comunistas

315
conseguiram maior espaço, tendo em vista que Carneiro e Ferraz

foram os principais organizadores do evento. Importante relembrar

que esse congresso se contrapunha, em certa medida, ao congresso

de Recife, pois Carneiro não concordava com a apropriação feita por

Freyre e Arthur Ramos do negro como objeto.

Pensando nisso, Carneiro e os demais organizadores

convidaram não apenas intelectuais renomados, como fizeram

questão de integrar pais e mães de santo, capoeiristas, grupos de

samba e outros sujeitos sociais. A iniciativa do grupo baiano remete a

tentativa de mostrar que os negros não poderiam ser entendidos

como meros objetos de investigação científica, mas como sujeitos

produtores de cultura e portadores de códigos socioculturais

específicos. A postura dos organizadores do evento tem muito do que

demonstramos estar representado nos romances de Jorge Amado.

O PCB viu os congressos como uma das oportunidades de

consolidar suas discussões em torno das questões raciais no Brasil.

As reflexões sobre o negro não poderiam desconsiderar sua recente

inserção no proletariado. Os comunistas se estimularam a pensar na

complexidade do mundo operário, entendendo aí o racismo como um

dos desafios a serem superados, pois, caso contrário, não se poderia

ter um movimento proletário forte e comprometido com os

movimentos políticos.

Os debates fomentados por Ferraz e Carneiro, nos periódicos e

livros, demonstram o comprometimento dos comunistas baianos

316
tanto no combate ao racismo quanto repressão às “casas de axé”. Daí

resulta a criação da União das Seitas Afro-Brasileiras, ocorrida no

congresso da Bahia, e que teve a coordenação primordial de

Carneiro, Ferraz e do babalaô Martiniano Eliseu Bonfim.

Acreditamos que conseguimos resultados significativos com a

pesquisa sobre a atuação dos intelectuais comunistas baianos nas

décadas de 1920 a 1930. Conseguimos mapear os espaços de

sociabilidade que eles circularam, analisar os romances de Amado da

década de 1930 e modelos estéticos tomados como referência.

Também analisamos a agenda política dos comunistas em torno das

questões raciais, classes e étnico-religiosas, como tentamos

aprofundar algumas lacunas que fomos encontrando na historiografia.

317
REFERÊNCIAS

Fontes

1 – Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de


Janeiro

1. 1 – Artigos de intelectuais comunistas em jornais

AMADO, Jorge. Personagem de romance e na vida. O Jornal, Rio de


Janeiro, p.3, 24 de mai. 1936.
CARNEIRO, Edison. Notas sobre “Suor”. O Jornal, Rio de Janeiro, p.3,
21 de out. 1934.
_________, Edison. Uma toada triste vem do mar. O Jornal, Rio de
Janeiro, p.3, 24 de nov. 1935.
_________, Edison. Samba. O Jornal, Rio de Janeiro, p.3, 19 de jul.
1936.
_________, Edison. Uma toada triste vem do mar. Diario de
Pernambuco, Recife, p.1, 08 de dez. 1935.
_________, Edison. A rainha do mar. Correio da Manhã, Rio de
Janeiro, p.8, 19 de abr. 1936.
FERRAZ, Aydano do Couto. Peregrino errante. O Cruzeiro, Rio de
Janeiro, p.25, 12 de nov. 1938.
______, Aydano do Couto. Festas e superstições das aguas na Bahia
de Todos os Santos. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, p. 35, 02 de jul.
1938.
______, Aydano do Couto. Cinco minutos num mundo diferente. In:
O Cruzeiro, Rio de Janeiro, p. 6-7, 06 de mai. 1939.
______, Aydano do Couto. 2º Congresso Afro-Brasileiro. O Jornal, Rio
de Janeiro, p. 2, 25 de out. 1936.
______, Aydano do Couto. Jubiabá e a poesia do mar. Diário de
Notícias, Rio de Janeiro, p. 19, 12 de abr. 1936.
______, Aydano do Couto. Uma questão de escolas. Diário de
Pernambuco, Pernambuco, p. 2, 13 de dez. 1936.
______, Aydano do Couto. Monumentos religiosos da Bahia. Revista
da Semana, Rio de Janeiro, p.15, 02 de set. 1939.
SODRÉ, Nelson Werneck. Pinheiro Viegas. Correio Paulistano, São
Paulo, p.13, 28 de mai. 1939.

318
1. 2 – Artigos de outros intelectuais em jornais
D‟ALMEIDA, Victor. Um cultor do gênero satyrico. Gazeta de Notícias,
Rio de Janeiro, p.15, 16 de jan. 1938.
MILLIET, Sérgio. História social do Brasil. Diário de Notícias, Rio de
Janeiro, p.1, 07 de mai. 1939.

1. 3 – Outros artigos consultados

O Jornal, Rio de Janeiro, p. 8, 31 de jan. 1936.


O Jornal, Rio de Janeiro, p. 1, 15 de jul. 1936.
O Jornal, Rio de Janeiro, p. 5, p. 29 de nov. 1936.
O Jornal, Rio de Janeiro, p. 2, 23 de jan. 1938.
Diário de Pernambuco, Recife, 30 de ago. 1936.
Diário de Pernambuco, Recife, p. 1, em 29 de jul. 1936.
Diário de Noite, Rio de Janeiro, p. 2, 27 de ago. 1936.
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 6, 29 de dez. 1936.
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 8, 5 de jan. 1937.
Diário de Notícias, Rio de Janeiro, p. 4, 20 de nov. 1931.
O Imparcial, Rio de Janeiro, p. 2, 23 de out. 1931.
Diário da Manhã, Espírito Santo, p. 1, 21 de jan. 1932.
O Jornal, Rio de Janeiro, p. 8, 27 de abr. 1937.
Diário de Pernambuco, Recife, p.10, 01 de nov. 1936.
A Noite, Rio de Janeiro, p. 8, 26 de jan. 1937.
O Jornal, Rio de Janeiro, p. 8, 20 de abr. 1930
O Jornal, Rio de Janeiro, p. 1, 17 de out. 1937.
Diário de Pernambuco, Recife, p. 8, 22 de ago. 1937.
Diário de Pernambuco, Recife, p. 1, 24 de out. de 1937.

2 – Acervo Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

2. 1 – Correspondências

CARNEIRO, Edison. [Carta] 22 de set. 1937, Bahia [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 1 fl. Carta a Arthur Ramos acusando o
recebimento de "As Culturas Negras no Novo Mundo" e pede apoio
para a "União das Seitas Afro-Brasileiras na Bahia”.

319
__________, Edison. [Carta] 30 de nov. 1936, Bahia [para] RAMOS,
Arthur, Rio de Janeiro. 4 fls. Carta a Arthur Ramos agradecendo o
apoio dado à publicação do seu livro "Religiões Negras", e indagando
sobre os direitos autorais de "Novos Estudos Afro-Brasileiros”.

__________, Edison. [Carta] 15 de jul. 1937, Bahia [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 2 fls. Carta a Arthur Ramos agradecendo pela
colaboração na revista "Flamma", informa que remeterá o capítulo e
os clichês que estavam faltando no livro "Negros Bantus" e que está
organizando o "Conselho Africano da Bahia".

__________, Edison. [Carta] 11 de mai. 1936, Bahia [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 3 fls. Carta a Arthur Ramos apresentando e
pedindo colocação para o irmão Ivan de Souza Carneiro, portador do
prometido livro em escrita mussulmi e insiste para que compareça ao
II Congresso Afro-Brasileiro.

__________, Edison. [Carta] 21 de fev. 1936, Bahia [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 1 fl. Carta a Arthur Ramos comunicando a
remessa dos originais de "Religiões Negras" e solicita que faça
algumas correções no texto.

__________, Edison. [Carta] 19 de jul. 1937, Bahia [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 3 fls. Carta a Arthur Ramos comunicando que
está empenhado em conseguir a liberdade religiosa para os negros
através do "Conselho Africano da Bahia", pede seu apoio para a causa
e informa sobre a organização de um "Instituto Afro-Brasileiro".

__________, Edison. [Carta] 27 de out. 1937, Bahia [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 2 fls. Carta a Arthur Ramos elogiando "As
Culturas negras no Novo Mundo", faz críticas ao livro "Xangôs do
Nordeste", de Gonçalves Fernandes, e indaga sobre a publicação do
livro "Negros Bantus”.

__________, Edison. [Carta] 14 de nov. 1938, Bahia [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 1 fls. Carta a Arthur Ramos elogiando a idéia
da publicação dos "Anais" e informa sobre o ensaio acerca dos
resultados da escravidão na inteligência dos negros.

__________, Edison. [Carta] 08 de jan. 1938, Bahia [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 2 fls. Carta a Arthur Ramos elogiando o
trabalho de edição do livro "Negros Bantus", pede para anunciar o
lançamento do novo livro "A Saudade da África" e remete resumo do
índice do livro.

__________, Edison. [Carta] 23 de abr. 1936, Bahia [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 3 fls. Carta a Arthur Ramos encaminhando

320
fotos e acréscimos ao livro "Religiões Negras" e confirma a realização
do II Congresso Afro-Brasileiro na Bahia.

__________, Edison. [Carta] 27 de jan. 1936, Mar Grande, Bahia


[para] RAMOS, Arthur, Rio de Janeiro. 4 fls. Carta a Arthur Ramos
indagando sobre a publicação do 2° volume dos "Estudos Afro-
Brasileiros" e sobre a realização do II Congresso Afro-Brasileiro e
apresenta um plano de estudos para um livro sobre os Bantus na
Bahia.

CARNEIRO, Sousa. [Carta] 05 de mar. 1936, Rio de Janeiro [para]


RAMOS, Arthur, Rio de Janeiro. 2 fls. Carta a Arthur Ramos
informando que está preparando novos livros sobre o folclore no
Brasil e que seu filho Edison está terminando um livro sobre negros.

CARNEIRO, Edison. [Carta] 20 de abr. 1938, Bahia [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 3 fls. Carta a Arthur Ramos informando que o
"Sindicato da Glória do Professor Arthur Ramos" seria dissolvido caso
não fosse publicado o livro "O Negro no Brasil" e pagos os direitos
autorais do mesmo.

__________, Edison. [Carta] 10 de jan. 1937, Bahia [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 1 fl. Carta a Arthur Ramos informando que
pretende editar uma revista sobre o II Congresso Afro-Brasileiro e
que o III Congresso será realizado em São Paulo em 1939.
__________, Edison. [Carta] 15 de jul. 1936, Bahia [para] RAMOS,
Arthur, Rio de Janeiro. 1 fl. Carta a Arthur Ramos informando que
remeteu o convite-circular para o II Congresso Afro-Brasileiro.

__________, Edison. [Carta] 04 de jan. 1936, Bahia [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 3 fls. Carta a Arthur Ramos informando sobre
o andamento das pesquisas para o livro "O Fetichismo Negro da
Bahia" e comunica a descoberta de um caderno em escrita mussulmi
e a tentativa de elaborar um vocabulário nagô-português.

__________, Edison. [Carta] 05 de ago. 1938, Bahia [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 1 fl. Carta a Arthur Ramos informando sobre o
anúncio do livro "O Negro no Brasil" no jornal "Letras".

__________, Edison. [Carta] 01 de mai. 1936, Bahia [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 1 fl. Carta a Arthur Ramos pedindo para não
incluir o artigo "Presença do Boi" no livro "Religiões Negras".

__________, Edison. [Carta] 06 de jun. 1936, Bahia [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 2 fls. Carta a Arthur Ramos reiterando convite
para o II Congresso Afro-Brasileiro e comenta um artigo sobre
capoeira de Angola que havia escrito.

321
__________, Edison. [Carta] 16 de jun. 1936, Bahia [para] RAMOS,
Arthur, Rio de Janeiro. 1 fl. Carta a Arthur Ramos remetendo o
primeiro número da revista "Flamma" e solicita colaboração para a
mesma.

__________, Edison. [Carta] 27 de set. 1937, Bahia [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 3 fls. Carta a Arthur Ramos remetendo recorte
de jornal que contém críticas ao livro "Religiões Negras".

__________, Edison. [Carta] 09 de abr. 1937, Bahia [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 3 fls. Carta a Arthur Ramos remetendo uma
letra de samba e outra de afoxé.

__________, Edison. [Carta] 17 de jan. 1938, Bahia [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 1 fl. Carta a Arthur Ramos solicitando a
inclusão do livro "A Saudade da África" na Biblioteca de Divulgação
Científica e informa que irá remeter o trabalho de Salvador Garcia
Agüero sobre a presença africana na música nacional de Cuba.

__________, Edison. [Carta] 27 de mar. 1937, Bahia [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 2 fls. Carta a Arthur Ramos sugerindo que
publique os "Anais do II Congresso Afro-Brasileiro" pela Biblioteca de
Divulgação Científica, envia o índice do livro "Negros Bantus" e
indaga sobre a possibilidade de editá-lo.

ANDRADE, Mario. [Carta] 22 de set. 1937, São Paulo [para] RAMOS,


Arthur, Rio de Janeiro. 1 fl. Carta a Arthur Ramos tecendo
comentários ao livro de Edison de Souza Carneiro.

CARNEIRO, Edison. [Carta] 24 de mai. 1937, São Paulo [para]


RAMOS, Arthur, Rio de Janeiro. 1 fl. Carta a Arthur Ramos tratando
da publicação dos "Anais do II Congresso Afro-Brasileiro" e informa
que recebeu convite de Mário de Andrade para participar do
Congresso de Língua Nacional Cantada.

__________, Edison. [Carta] 10 de ago. 1936, São Paulo [para]


RAMOS, Arthur, Rio de Janeiro. 2 fls. Cartão a Arthur Ramos
informando que está trabalhando na revisão do jornal "Estado da
Bahia" e indaga sobre a publicação do livro "Religiões Negras".

__________, Edison. [Telegrama] 09 de jan. 1937, São Paulo [para]


RAMOS, Arthur, Rio de Janeiro. 1 fl. Telegrama a Arthur Ramos
informando a data do "II Congresso Afro-Brasileiro" e dizendo que o
Governo custeará sua hospedagem.

3 – Artigos em anais e livros de intelectuais comunistas

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