Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
CONSELHOS REGIONAIS DE PSICOLOGIA É permitida a reprodução desta publicação, desde que sem alterações e citada a
fonte. Disponível também em: www.cfp.org.br.
CENTRO DE REFERÊNCIA TÉCNICA EM PSICOLOGIA Projeto Gráfico: Agência Movimento
E POLÍTICAS PÚBLICAS – CREPOP Diagramação: Agência Movimento
Revisão e normalização: MC&G Design Editorial
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA A ATUAÇÃO Direitos para esta edição – Conselho Federal de Psicologia: SAF/SUL Quadra 2,
Bloco B, Edifício Via Office, térreo, sala 104, 70070-600, Brasília/DF
DE PSICÓLOGAS(OS) NA EDUCAÇÃO BÁSICA (61) 2109-0107 E-mail: ascom@cfp.org.br/www.cfp.org.br
Impresso no Brasil – agosto de 2019
Edição Revisada
Bibliotecária Priscila Pena Machado CRB-7/6971
Sistema de Bibliotecas da Universidade São Francisco - USF
Brasília, 2019 Ficha catalográfica elaborada por: Priscila Pena Machado CRB-7/6971
Informações da Edição Revisada Informações da 1ª Edição (2013)
Técnicas(os)
Cristina Trarbach (CRP01); Maria de Fátima dos Santos Neves (CRP02); Natani
Evlin Lima Dias (CRP03); Pablo Mateus dos Santos Jacinto (CRP03); Leiliana Sousa
(CRP04); Roberta Brasilino Barbosa (CRP05) Edson Ferreira Dias Júnior (CRP06); Ra-
faela Demétrio Hilgert (CRP07) Regina Magna Fonseca (CRP09); Letícia Maria Soares
Palheta (CRP10); Mayrá Lobato Pequeno (CRP11); Iramaia Ranai Gallerani (CRP12);
Katiuska Araújo Duarte (CRP13); Mônica Rodrigues (CRP14); Liércio Pinheiro de Araú-
jo (CRP15); Mariana Moulin Brunow Freitas (CRP16); Zilanda Pereira Lima (CRP17);
Érika Aparecida de Oliveira (CRP18); Lidiane de Melo Drapala (CRP19); John Wedson
dos Santos Silva (CRP21); Lívia Maria Guedes de Lima Andrade (CRP22); Stéfhane
Santana Da Silva (CRP23).
PLENÁRIO RESPONSÁVEL PELA REVISÃO PLENÁRIO RESPONSÁVEL PELA 1ª EDIÇÃO
Diretoria Diretoria
Rogério Giannini – Presidente Humberto Cota Verona – Presidente
Ana Sandra Fernandes Arcoverde Nóbrega – Vice-presidente Clara Goldman Ribemboim – Vice-presidente
Pedro Paulo Gastalho de Bicalho – Secretário Monalisa Nascimento dos Santos Barros – Tesoureira
Norma Celiane Cosmo – Tesoureira Deise Maria do Nascimento – Secretária
Conselheiras(os) Efetivas(os)
Iolete Ribeiro da Silva – Secretária Região Norte
Conselheiras(os) efetivas(os)
Flávia Cristina Silveira Lemos – Secretária Região Norte
Clarissa Paranhos Guedes – Secretária Região Nordeste
Aluízio Lopes de Brito – Secretário Região Nordeste
Marisa Helena Alves – Secretária Região Centro Oeste
Heloiza Helena Mendonça A. Massanaro – Secretária Região Centro-Oeste
Júnia Maria Campos Lara – Secretária Região Sudeste
Marilene Proença Rebello de Souza – Secretária Região Sudeste
Rosane Lorena Granzotto – Secretária Região Sul
Ana Luiza de Souza Castro – Secretária Região Sul
Fabián Javier Marín Rueda – Conselheiro 1
Célia Zenaide da Silva – Conselheira 2
Conselheiras(os) suplentes
Conselheiras(os) Suplentes Adriana Eiko Matsumoto
Maria Márcia Badaró Bandeira – Suplente Celso Francisco Tondin
Daniela Sacramento Zanini – Suplente Cynthia Rejane Corrêa Araújo Ciarallo
Paulo Roberto Martins Maldos – Suplente Henrique José Leal Ferreira Rodrigues
Fabiana Itaci Corrêa de Araujo – Suplente Márcia Mansur Saadallah
Jureuda Duarte Guerra – Suplente Região Norte Maria Ermínia Ciliberti
Andréa Esmeraldo Câmara – Suplente Região Nordeste Mariana Cunha Mendes Torres
Regina Lúcia Sucupira Pedroza – Suplente Região Centro Oeste Marilda Castelar
Sandra Elena Sposito – Suplente Região Sudeste Roseli Goffman
Cleia Oliveira Cunha – Suplente Região Sul (in memoriam) Sandra Maria Francisco de Amorim
Elizabeth de Lacerda Barbosa – Conselheira Suplente 1 Tânia Suely Azevedo Brasileiro
Paulo José Barroso de Aguiar Pessoa – Conselheiro Suplente 2
Psicólogas convidadas
Angela Maria Pires Caniato
Ana Paula Porto Noronha
Sumário APRESENTAÇÃO DA 2.ª EDIÇÃO
HUMBERTO VERONA
Presidente do Conselho Federal de Psicologia
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) apresenta à catego-
ria e à sociedade em geral o documento de Referências Técnicas
para a Atuação de Psicólogas(os) na Educação Básica, produzido a
partir da metodologia do Centro de Referência Técnica em Psicolo-
gia e Políticas Públicas (Crepop). Este documento busca construir
referência sólida para a atuação da Psicologia na área.
As referências construídas têm como base os princípios éti-
cos e políticos norteadores do trabalho das(os) psicólogas(os),
possibilitando a elaboração de parâmetros compartilhados e legi-
timados pela participação crítica e reflexiva da categoria no cam-
po da Educação.
Estas orientações refletem o processo de diálogo que os
conselhos vêm construindo com a categoria, no sentido de se le-
gitimar como instância reguladora do exercício profissional. Por
meios cada vez mais democráticos, esse diálogo tem se pautado
por uma política de reconhecimento mútuo entre os profissionais
e pela construção coletiva de uma plataforma profissional que seja
também ética e política.
Esta publicação marca mais um passo no movimento recente
de aproximação da Psicologia com o campo das Políticas Públicas.
Aborda o cenário delicado e multifacetado da Educação Básica no
contexto da defesa e dos direitos humanos na Escola.
A opção pela abordagem deste tema reflete o compromisso
dos conselhos federal e regionais de psicologia com a qualifica-
ção da atuação das(os) psicólogas(os) em todos os seus espaços
de atuação. Nesse sentido, aproveito para agradecer a instituições
como o Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira
(FENPB), a Associação Brasileira de Psicologia em Emergências e
Desastres (Abraped), a Associação Brasileira de Psicologia Escolar
e Educacional (Abrapee) e a Associação Brasileira de Ensino de
NA EDUCAÇÃO BÁSICA
ciais, políticas, culturais e econômicas.9
A análise da história da educação brasileira, do sentido da es-
cola e do sistema de valores presentes nos grupos populares do Bra-
sil urbano, realizada por Fonseca (1994), destaca a importância da
reflexão sobre a escola hoje, bem como sobre todos os elementos
presentes em seu cotidiano. A escola constitui-se espaço amplo de
A presença de psicólogas(os) nos espaços da Educação Bá- socialização que busca favorecer experiências e a produção de co-
sica tem protagonizado polêmicas de diversas naturezas quer na nhecimento para a vida, integrando crianças e jovens às principais
Psicologia, quer na Educação. Polêmicas cujas raízes são históricas redes sociais importantes para sua formação.
e fundam-se em práticas de ambas as áreas relacionadas ao proces- Contudo, a escola compreendida como instituição que produz
so de ensinar e aprender. A proposta deste eixo é trazer elementos e reproduz as contradições da sociedade na qual se insere, nem
para uma reflexão crítica sobre o contexto geral da Educação e o sempre vem assegurando o exercício de uma cidadania ativa. Além
projeto ético-político da Psicologia, base sobre a qual construímos disso, considerando os processos de vida que se constituem no con-
referências como propostas orientadoras ao exercício profissional vívio e nas relações, condição para o ensinar e o aprender, percebe-
na Educação Básica. mos a importância de trabalhar os conflitos e a violência que muitas
Propor Referências para a Atuação de Psicólogas(os) na Edu- vezes são produzidos nas práticas institucionais.
cação Básica, em diversos contextos do campo da Educação, é
constituir um conjunto de princípios e diretrizes cuja concepção de
Educação, de Psicologia e de Psicologia na Educação encontra-se Declaração de Hamburgo sobre Educação de Adultos (1997);
expressa na Carta de Brasília – Psicologia: Profissão na Construção Compromisso de Educação para Todos – Dacar (2000);
da Educação Para Todos (2009),6 nas Normativas Nacionais e Inter- Declaração de Cochabamba - Educação para Todos (2001);
nacionais para a Educação Básica (marcos lógicos e legais)7 e nas Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos -UNESCO (2006);
Plano Nacional de Educação (2014/2024);
Base Nacional Comum Curricular (2017);
6 Documento produzido ao final do Ano Temático da Educação, promovido pelo Relatórios da Conferência Nacional de Educação 2010, 2014 e 2018;
Conselho Federal de Psicologia. Marcos Legais: Constituição Federal/1988;
Marcos Legais: Constituição Federal/1988;
7 Cf.: MARCOS LÓGICOS: Lei 9394/96 (Diretrizes e Bases Educação Nacional, alterada em 2017 pela Reforma
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); do Ensino Médio);
Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança - ONU 1989; Resolução CNE 02/15 (Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação
Convenção Internacional relativa à luta contra a Discriminação no Campo do Ensi- inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica
no (1960); para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a Formação continuada).
Recomendações relativas à Condição Docente (1966);
Declaração Mundial sobre Educação para Todos – Declaração de Jomtien (1990); 8 - Contribuições da Psicologia para a Conferência Nacional de Educação – CO-
Declaração de Nova Delhi sobre Educação para Todos (1993); NAE 2010 .
Plano de Ação da Declaração de Santiago (1998); 9 Sobre a natureza e a especificidade da Educação, cf. SAVIANI, 2015.
DA(O) PSICÓLOGA(O)
• Produzir deslocamento do lugar tradicional da(o) psicóloga(o)no sen-
tido de desenvolver práticas coletivas que possam acolher as tensões,
buscando novas saídas para os desafios da formação entre educadores
e educandos;
• Romper com a patologização, medicalização e judicialização das prá-
ticas educacionais nas situações em que as demandas por diagnósti-
Finalizando essas Referências, consideramos que as(os) pro- cos fortalecem a produção do distúrbio/transtorno, da criminalização
fissionais da área Escolar e Educacional, embora tenham, cada vez e da exclusão.
mais, avançado no conhecimento dos processos de escolarização • Formar profissionais da Psicologia para se dedicarem a este campo de
assim como das problemáticas históricas e contemporâneas da atuação e poderem acompanhar os estudantes em contextos sociais de
educação, ainda têm muitos desafios nesse âmbito de atuação. O desenvolvimento.
compromisso do CFP e CRPs com a Educação Básica tem estado
cada vez mais explícito, mas ainda há muito o que ser conquistado, Defendemos, a partir desses princípios, uma Psicologia Es-
principalmente na formação profissional para atuação nesse campo colar crítica e contextualizada. Esta é possível de ser desenvolvida
( GUZZO & MEZZALIRA, 2011) E, nesse cenário de muitas e múl- também por psicólogas(os) que trabalham em áreas que interagem
tiplas demandas, apoiados nos princípios que defendemos para a com a Educação, como por exemplo, as áreas da Saúde, Assistência
atuação de psicólogas(os) na Educação Básica (CFP & CRPs, 2010), Social e o Sistema de Garantia de Direitos da criança e da(o) ado-
propomos: lescente. Para isso, é importante que também esses profissionais,
além das(os) psicólogas(os) escolares/educacionais, tenham co-
• Compor com a equipe escolar, a elaboração, implementação e avalia- nhecimento das políticas públicas nacionais de Educação, da rede
ção do Projeto Político Pedagógico da Escola e, a partir dele, cons- de atendimento e que encontrem espaços de interlocução para in-
truir seu projeto de atuação, como um profissional inserido e implica- tegrar seus conhecimentos e ações.
do no campo educacional;
Novas formas de intervenção, certamente serão produzidas,
• Problematizar o cotidiano escolar, colaborando na construção cole- desta vez, coletivas e integradas na construção, gestão e execução
tiva do projeto de formação em serviço, no qual professores possam das políticas públicas para a promoção e garantia dos direitos da
planejar e compor ações continuadas; criança e dos jovens na direção da educação para todos.
• Construir, com a equipe da escola, estratégias de ensino- aprendiza- Conforme pudemos observar no decorrer desse documento,
gem, considerando os desafios da contemporaneidade e as necessida- atualmente, na área de Psicologia Escolar e Educacional, identifica-
des da comunidade onde a escola está inserida; se um conjunto significativo de pesquisas e trabalhos que marcam
• Considerar a dimensão de produção da subjetividade, sem reduzi-la diferentes estilos de atuação, articulando dimensões sociais, polí-
a uma perspectiva individualizante, afastando-se do modelo clínico ticas e institucionais em uma perspectiva que luta por transforma-
-assistencial; ções das práticas e da realidade educacional.
• Valorizar e potencializar a construção de saberes, nos diferentes espa- E, a título de síntese, apresentamos alguns aspectos impor-
ços educacionais, considerando a diversidade cultural das instituições tantes às intervenções: a) compreensão das práticas cotidianas que
e seu entorno para subsidiar a prática profissional;
______. Relações Raciais: referências técnicas para atuação de LIBÂNEO, José Carlos & FREITAS Raquel A. Marra da Madeira (Orgs).
psicólogas(os). Brasília, 2017. Políticas educacionais neoliberais e escola pública: uma qualida-
de restrita de educação escolar. Goiânia: Espaço Acadêmico, 2018.
CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DE SÃO PAULO E GRUPO
INTERINSTITUCIONAL QUEIXA ESCOLAR. Medicalização de Crian- ______; OLIVEIRA, João Ferreira de; TOSCHI, Mirza Seabra. Educa-
ças e Adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões ção Escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez,
sociais à doença de indivíduos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010. 2012. (Coleção Docência em Formação).
v. 1, pp. 57-68. ______. Políticas educacionais no Brasil: desfiguramento da es-
FACCI, Marilda Gonçalves Dias; MEIRA, Marisa Melillo.; TULESKI, Sil- cola e do conhecimento escola. Cadernos de Pesquisa, São Paulo,
vana Calvo. (Orgs.). A exclusão dos incluídos: uma crítica da Psico- v. 46, n. 159, pp. 38-62, jan.-mar. 2016.
MESZÁROS, I. A educação para além do capital. Tradução: Isa Ta- ______. Educação socialista, Pedagogia Histórico-Crítica e os desa-
vares. São Paulo: Boitempo, 2005. fios da sociedade de classe. In: LOMBARDI, José Claudinei; SAVIANI,
Dermeval (Orgs.). Marxismo e Educação: debates contemporâ-
NENEVE, M.; SOUZA, M. P. R. A educação para cidadania: intenção e neos. Campinas: Autores Associados, 2005.
realidade. Revista Educação & Cidadania, Campinas, v. 5, n. 1, pp.
75-84, jan.-jun, 2006. SOUZA, M. P. R. Políticas Públicas e Educação: desafios, dilemas e
possibilidades. In: VIÉGAS, L. S.; ANGELUCCI, C. B. (Orgs.). Políticas
PARKER, I. Revolution in Psychology Alienation to Emancipation. Públicas em Educação. Uma análise Crítica a partir da Psicologia
London: Pluto Press, 2007. Escolar. 2. ed., São Paulo: Casa do Psicólogo, 2011. v. 1, pp. 229-243.
PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de sub- SOUZA, M. P. R. Problemas de aprendizagem ou problemas de esco-
missão e rebeldia. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990. larização? Repensando o cotidiano escolar à luz da perspectiva his-
tórico-crítica em Psicologia. In: OLIVEIRA, Marta Kohl; REGO, Teresa
______. Psicologia e ideologia: uma introdução crítica à psicologia Cristina; SOUZA, Denise Trento R. (Orgs.). Psicologia, Educação e
escolar. São Paulo: T. A. Queiroz, 1984. as temáticas da vida contemporânea. São Paulo: Moderna, 2002.
PELBART, P. P. Elementos para uma cartografia da grupalidade. In: pp. 177-195.
SAADI, F; GARCIA, S. (Orgs.). Próximo ato: questões da teatralidade ______.; SILVA, S. M. C.& YAMAMOTO, K. (Orgs.). Atuação do psicó-
contemporânea. São Paulo: Itaú Cultural, 2008. logo na Educação Básica: concepções, práticas e desafios. Uber-
PENTEADO, T. C. Z.; GUZZO, R. S. L. Educação e psicologia: a cons- lândia: EdUFU, 2014. v. 1. 320 p.
trução de um projeto político-pedagógico emancipador. Psicologia TADA, Iracema Neno Cecilio. Os desafios de atuação do psicólogo
& Sociedade. São Paulo: ABRAPSO, v. 22, n. 3, pp. 569-577, 2010. escolar: da educação especial à educação inclusiva. In: SOUZA, Ana
ROCHA, M. L. Educação e saúde: coletivização das ações e gestão parti- Maria Lima et al. (Orgs.). Psicologia, saúde e educação: desafios
cipativa. In: MACIEL, I. (Org.). Psicologia e educação: novos caminhos na realidade Amazônica. São Carlos, SP: Pedro e João Editores/Porto
para a formação. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2001, pp. 213-229. Velho, RO: EdUFRO, 2009. pp. 85-118.
Organizadora
Heloiza Helena Mendonça Almeida Massanaro Coordenação Geral/ CFP
Yvone Duarte
Especialistas Coordenação de Comunicação Social
Elisa Zaneratto Rosa Denise de Quadros
André Almeida (Editoração)
Marta Elizabeth de Souza
Equipe Técnica do Crepop/CFP
Rosimeire Aparecida Silva
Monalisa Barros e Márcia Mansur Saadallah /Conselheiras responsáveis
Colaboração: Sandra Fischete
Natasha Ramos Reis da Fonseca/Coordenadora Técnica
Técnica Regional: Djanira Sousa Cibele Cristina Tavares de Oliveira /Assessora de Metodologia
Klebiston Tchavo dos Reis Ferreira /Assistente Administrativo
Diretoria
Humberto Cota Verona – Presidente
Referências bibliográficas conforme ABNT NBR 6022, de 2003; 6023,de Clara Goldman Ribemboim – Vice-presidente
2002; 6029, de 2006 e 10520, de 2002. Monalisa Nascimento dos Santos Barros – Tesoureira
Deise Maria do Nascimento – Secretária
Direitos para esta edição – Conselho Federal de Psicologia: SAF/SUL Quadra
2,Bloco B, Edifício Via Office, térreo, sala 104, 70070-600, Brasília-DF Conselheiros efetivos
(61) 2109-0107 /E-mail: ascom@cfp.org.br /www.cfp.org.br Flávia Cristina Silveira Lemos
Impresso no Brasil – Julho de 2013 Secretária Região Norte
Aluízio Lopes de Brito
Catalogação na publicação
Secretário Região Nordeste
Fundação Biblioteca Nacional
Biblioteca Miguel Cervantes
Heloiza Helena Mendonça A. Massanaro
Fundação Biblioteca Nacional Secretária Região Centro-Oeste
Marilene Proença Rebello de Souza
Secretária Região Sudeste
Ana Luiza de Souza Castro
Secretária Região Sul
Conselheiros suplentes
Adriana Eiko Matsumoto
Celso Francisco Tondin
Conselho Federal de Psicologia Cynthia Rejane Corrêa Araújo Ciarallo
Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas(os) no CAPS -
Henrique José Leal Ferreira Rodrigues
Centro de Atenção Psicossocial / Conselho Federal de Psicologia. -
Brasília: CFP, 2013.
Márcia Mansur Saadallah
100 p. Maria Ermínia Ciliberti
ISBN: 978-85-89208-55-0 Mariana Cunha Mendes Torres
1. Psicólogos 2. Políticas Públicas 3. Saúde Mental 4. CAPS Marilda Castelar
Roseli Goffman
Sandra Maria Francisco de Amorim
Tânia Suely Azevedo Brasileiro
Psicólogas convidadas
Angela Maria Pires Caniato
Ana Paula Porto Noronha
Conselheiras responsáveis:
Conselho Federal de Psicologia:
Márcia Mansur Saadallah e Monalisa Nascimento dos Santos Barros
CRPs
Carla Maria Manzi Pereira Baracat (CRP 01 – DF), Alessandra de Lima
e Silva (CRP 02 – PE), Alessandra Santos Almeida (CRP 03 – BA),
Paula Ângela de F. e Paula (CRP04 – MG), Analícia Martins de Sousa
(CRP 05 – RJ), Carla Biancha Angelucci (CRP 06 – SP), Vera Lúcia
Pasini (CRP 07 – RS), Maria Sezineide C. de Melo (CRP 08 – PR),
Wadson Arantes Gama (CRP 09 – GO/TO), Jureuda Duarte Guerra
(CRP 10 – PA/AP), Adriana de Alencar Gomes Pinheiro (CRP 11 – CE/
PI/MA), Marilene Wittitz (CRP 12 – SC), Carla de Sant’ana Brandão
Costa (CRP 13 – PB), Elisângela Ficagna (CRP14 – MS), Izolda de
Araújo Dias (CRP15 – AL), Danielli Merlo de Melo (CRP16 – ES),
Alysson Zenildo Costa Alves (CRP17 – RN), Luiz Guilherme Araujo
Gomes (CRP18 – MT) André Luiz Mandarino Borges (CRP19 – SE),
Selma de Jesus Cobra (CRP20 – AM/RR/RO/AC)
APRESENTAÇÃO
12
Apresentação
HUMBERTO VERONA
Presidente do Conselho Federal de Psicologia
13 14
Sumário
Considerações sobre a Gestão dos Serviços e Pro-
APRESENTAÇÃO 13 cessos de Trabalho nos CAPS 107
PREFÁCIO 19 Os Desafios da Gestão Cotidiana do Trabalho nos
CREPOP – Centro de Referência Técnica em Psico- CAPS 109
logia e Políticas Públicas 19 Formação Profissional 115
Objetivo e Campo de Atuação 19 Considerações Finais 117
A Pesquisa do CREPOP/CFP 20 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 119
Processo de elaboração de Referência Técnica 22 ANEXO I 123
O Processo de Consulta Pública 25
INTRODUÇÃO 27
EIXO I: DIMENSÃO ÉTICO-POLÍTICA DAS POLÍTI-
CAS DE SAÚDE MENTAL 45
Considerações Sobre as Políticas de Saúde No Brasil 45
EIXO II – PSICOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS DE
SAÚDE MENTAL: A NECESSÁRIA MUDANÇA DE
PERSPECTIVA 73
História da Psicologia e sua Relação com as Políticas
Públicas de Saúde / Saúde Mental 73
A Inserção da Psicologia na Saúde Pública e na
Reforma Psiquiátrica 78
Teorias em Psicologia e Atenção à Saúde Mental 83
As Práticas das (os) Psicólogas(os) nos CAPS 85
EIXO III: A ATUAÇÃO DA(O) PSICÓLOGA(O) NA
POLÍTICA DO CAPS 91
O Modo de Fazer: desinstitucionalização da prática e
intervenção na cultura 91
A Clínica no Território e o Confronto com as Verdades
do Manicômio 97
Trabalho em Rede: uma resposta sempre complexa e
necessária à desconstrução do manicômio 101
EIXO IV – GESTÃO DO TRABALHO 107
16
Prefácio
17 18
PREFÁCIO Políticas Públicas, que consiste em pesquisar nacionalmente
o fazer das(os) psicólogas(os), diante das especificidades
CREPOP – Centro de Referência Técnica em Psicologia e regionais.
Políticas Públicas A proposta de investigar a atuação de psicólogas(os) em
O Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas políticas públicas específicas visa apreender o núcleo da prática
Públicas consiste em uma ação do Sistema Conselhos de profissional da(o) psicóloga(o), considerando áreas distintas
Psicologia que dá continuidade ao projeto Banco Social de nas Políticas Públicas. Todas as áreas são eleitas a partir de
Serviços em Psicologia, referindo-se a uma nova etapa na critérios como: tradição na Psicologia; abrangência territorial;
construção da presença social da profissão de psicóloga(o) no existência de marcos lógicos e legais e o caráter social ou
Brasil. Constituiu-se em uma maneira de observar a presença emergencial dos serviços prestados.
social da (o) psicóloga (o) e do movimento da Psicologia no seu A eleição do CAPS como área de investigação da atuação
Protagonismo Social. profissional de Psicólogas(os) surgiu a partir de uma demanda
Nesse sentido, a ideia fundamental é produzir informação da categoria, observada no V Congresso Nacional de
qualificada para que o Sistema Conselhos possa implementar Psicologia-CNP, realizado em 2004. Esse tema emergiu junto
novas propostas de articulação política visando maior reflexão a tantos outros que apontavam para o Sistema Conselhos a
e elaboração de políticas públicas que valorizem o cidadão necessidade de uma maior qualificação e orientação para a
enquanto sujeito de direitos, além de orientar a categoria sobre prática nos serviços públicos.
os princípios éticos e democráticos para cada política pública. Para tratar de tema tão caro para a Psicologia, a comissão de
Dessa forma, o objetivo central do Crepop se constituiu para elaboração dessa referência e com intuito orientar o texto desta
garantir que esse compromisso social seja ampliado no aspecto referência, decifiu por apresentar a seguir a definição do Serviço
da participação das(os) psicólogas(os) nas políticas públicas. no Centro de Atenção Psicossocial-CAPS, suas estruturas, a
Dentre as metas do Crepop estão, também, a ampliação da rede de atendimento para introduzir conceitos e contexto sobre
atuação da(o) psicóloga(o) na esfera pública, contribuindo para os quais esta referência tratará, fomentanto assim o imaginário
a expansão da Psicologia na sociedade e para a promoção dos e o interesse do leitor.
Direitos Humanos, bem como a sistematização e disseminação
do conhecimento da Psicologia e suas práticas nas políticas A Pesquisa do Crepop
públicas, oferecendo referências para atuação profissional
nesse campo. A metodologia de pesquisa do Crepop se divide em três
Cabe também ao Crepop identificar oportunidades circuitos: o primeiro é o Levantamento de Campo com o objetivo
estratégicas de participação da Psicologia nas políticas públicas, de delimitar o campo de investigação; o segundo trata da
além de promover a interlocução da Psicologia com espaços Investigação da Prática com objetivo de aplicar, em todos os
de formulação, gestão e execução em políticas públicas. Regionais, os instrumentos definidos como necessários para a
investigação nacional; e o terceiro a Produção de Referência
Objetivo e Campo de Atuação consiste no processo de elaboração de referências técnicas,
O conjunto de ações em pesquisa desenvolvidas pelo Sistema específicas para cada área investigada.
Conselhos de Psicologia, por meio do Crepop, está organizado O processo investigativo da Rede Crepop implica na
a partir da diretriz Investigação Permanente em Psicologia e construção e atualização de um banco de dados para comportar
19 20
informações referenciadas, inclusive geograficamente, sobre diferentes modalidades dos CAPS, fazer uma delimitação na
profissionais de Psicologia, legislações, documentos, programas abordagem da referencia técnica. A Comissão de especialistas
e entidades que desenvolvem ações no campo das Políticas do Documento de Referência sobre CAPS reconheceu as
Públicas. Faz parte da metodologia a participação voluntária, diferentes modalidades de CAPS, suas especificidades e, ao
tanto na etapa dos questionários quanto na etapa dos grupos. mesmo tempo, sua organização e funcionamento a partir de
Processo de elaboração de Referência Técnica princípios comuns.
Diante disso, este documento não pretende abordar aspectos
Os Documentos de Referência, ou Referências Técnicas, específicos a atuação em cada modalidade de CAPS. A escolha
são recursos que o Conselho Federal de Psicologia oferece feita durante o processo de elaboração do documento foi tomar
às (aos) psicólogas (os) que atuam no âmbito das políticas como referência a atuação nos CAPS I, II e III. A comissão
públicas, como instrumento para qualificação e orientação de entende que essa referência também contribuirá com o trabalho
sua prática profissional. em outros tipos de CAPS. Ao mesmo tempo, reconhece que a
Sua redação é elaborada por uma Comissão Ad-hoc atuação da (o) psicóloga (o) no CAPSi e no CAPS ad requer
composta por um grupo de especialistas reconhecidos por suas referências que respondam aos desafios específicos das
qualificações técnicas e científicas, por um conselheiro do CFP demandas neles atendidas.
mais um conselheiro do Comitê Consultivo e um Técnico do Vale destacar que o Sistema Conselhos de Psicologia, por
Crepop. O convite aos especialistas é feito pelo CFP e não meio do Crepop, possui o compromisso de também referenciar
implica em remuneração, sobretudo, porque muitos desses a prática profissional de psicólogas (os) nas políticas públicas
são profissionais que já vinham trabalhando na organização sobre Álcool e outras Drogas.
daquela política pública específica, e recebem o convite como
uma oportunidade de intervirem na organização da sua área de O Processo de Consulta Pública
atuação e pesquisa.
Nesta perspectiva, espera-se que esse processo de A Consulta Pública é um sistema criado e utilizado em várias
elaboração de referências técnicas reflita a realidade da prática instâncias, inclusive governamentais, com o objetivo de auxiliar
profissional e permita também que o trabalho que vem sendo na elaboração e coleta de opiniões da sociedade sobre temas
desenvolvido de modo pioneiro por muitas (os) psicólogas (os) de importância. Esse sistema permite intensificar a articulação
possa ser compartilhado, criticado e aprimorado, para uma entre a representatividade e a sociedade, permitindo que esta
maior qualificação da prática psicológica no âmbito das Políticas participe da formulação e definição de politicas públicas. O
Públicas. (CFP, 2012) sistema de consulta pública permite ampliar a discussão da
Para construir as Referências Técnicas para atuação no coisa pública, coletando de forma fácil, ágil e com baixo custo
CAPS, foi formada uma Comissão em 2009, composta por as opiniões da sociedade.
quatro especialistas que voluntariamente buscaram qualificar a Para o Sistema Conselhos de Psicologia/ Rede Crepop, a
discussão sobre atuação das (os) psicólogas (os) no campo da ferramenta de consulta pública abriu a possibilidade de uma
saúde mental. ampla discussão sobre a atuação da (o) psicóloga (o) no
Para elaborar o documento esse grupo precisou, a partir CAPS, permitindo a participação e contribuição de setores
das análises dos dados e resultados da pesquisa, que especializados, da sociedade em geral e, sobretudo, de toda
apresentavam a participação de psicólogas (os) atuando nas a categoria na construção sobre esse fazer da (o) psicóloga
21 22
(o). Assim, o processo de elaboração do documento torna-se
democrático e transparente.
Com relação ao documento de referências técnicas para
atuação de psicóloga (o) no CAPS, a consulta pública foi
realizada no período de 30 de abril a 26 de junho de 2012 e
contou com a participação de 338 psicólogas (os) e gestores
que tiveram acesso ao documento, tendo o texto em consulta
recebido, ao todo, 17 contribuições. Junto a esse processo foi
realizado um debate on-line, no dia 23/05/12, sobre o mesmo
tema com a participação de 2005 profissionais, gestores,
professores e alunos de Psicologia.
23
INTRODUÇÃO
26
INTRODUÇÃO um conjunto de equipamentos e serviços de atendimento
integral e humanizado, conforme descrito a seguir:
Para apresentar este tema tão caro para a Psicologia, a
comissão de elaboração dessa referência, com intuito de Centro de Atenção Psicossocial – CAPS: São instituições
orientar o texto, optou por construir uma introdução com a destinadas a acolher pessoas com sofrimento psíquico grave
definição do Serviço no Centro de Atenção Psicossocial-CAPS, e persistente, estimulando sua integração social e familiar,
sua estrutura e a rede de atendimento, para depois introduzir apoiando-os em suas iniciativas de busca da autonomia.
conceitos importantes, alem do contexto sobre os quais esta Apresenta como característica principal a busca da integração
referência tratará. dos usuários a um ambiente social e cultural concreto, designado
Os Centros/Núcleos de Atenção Psicossocial (CAPS/NAPS) como seu território, o espaço da cidade onde se desenvolve a vida
são serviços da rede pública de saúde que visam, como parte de cotidiana de usuários e familiares, promovendo sua reabilitação
uma rede comunitária, à substituição dos hospitais psiquiátricos psicossocial. Tem como preceito fundamental ajudar o usuário a
- antigos hospícios ou manicômios - e de seus métodos para recuperar os espaços não protegidos, mas socialmente passíveis
cuidar de transtornos mentais. Foram instituídos por meio da à produção de sentidos novos, substituindo as relações tutelares
Portaria/SNAS Nº 224 - 29 de Janeiro de 1992 (BRASIL, 2001). pelas relações contratuais, especialmente em aspectos relativos
A respeito da constituição do primeiro CAPS no Brasil, afirma à moradia, ao trabalho, à família e à criatividade.
Goldberg: “A expectativa dos profissionais dessa instituição A atual política prevê a implantação de diferentes tipos de
era oferecer um cuidado personalizado aos pacientes, com a CAPS:
complexidade que cada caso requer, por períodos tão longos
quanto o tipo da evolução de sua doença exigisse e sem afastá- • CAPS I – Serviço de atenção à saúde mental em municípios com
los da família e da comunidade” (GOLDBERG, 1998, p.12). população de 20 mil até 70 mil habitantes. Oferece atendimento
Assim, o CAPS é serviço estratégico na concretização da atual diário de 2ª a 6ª feira em pelo menos um período/dia.
política de Saúde Mental do Brasil, que pretende oferecer uma • CAPS II – Serviço de atenção à saúde mental em municípios com
rede de serviços substitutiva aos hospitais psiquiátricos, capaz população de 70 mil a 200 mil habitantes. Oferece atendimento
de responder às necessidades das pessoas com sofrimento diário de 2ª a 6ª feira em dois períodos/dia.
psíquico respeitando sua cidadania e o cuidado em liberdade. • CAPS III – Serviço de atenção à saúde mental em municípios com
No contexto da Reforma Psiquiátrica, os serviços substitutivos população acima de 200 mil habitantes. Oferece atendimento
devem ter a missão de superar o paradigma manicomial, em período integral/24h.
direcionados por novas bases e valores éticos que venham a • CAPS ad – Serviço especializado para usuários de álcool e
produzir uma nova forma de convivência solidária e inclusiva. outras drogas em municípios de 70 mil a 200 mil habitantes.
Os CAPS têm se constituído como dispositivos que buscam • CAPS ad III – Serviço especializado para usuários de álcool e
tornarem-se substitutivos às internações psiquiátricas, outras drogas em municípios com população acima de 200 mil
oferecendo, além da atenção à crise, um espaço de convivência
e a criação de redes de relações que se alarguem para além dos
locais das instituições, atingindo o território da vida cotidiana 1 - Para conhecer toda metodologia de elaboração dos documentos de
referências técnicas do Sistema Conselhos/Rede Crepop, ver Documento de
dos usuários. Metodologia do Crepop 2011, in http://crepop.cfp.org.br
Atualmente, a Rede de Saúde Mental é composta por 2 - Ver http://crepop.cfp.org.br
27 28
habitantes, por período integral/24h. drogas: São leitos de retaguarda em hospital geral com
• CAPS i - Serviço especializado para crianças, adolescentes e metas de implantação por todo o Brasil. (BRASIL, 2012).
jovens (até 25 anos) em municípios com população acima de
200 mil habitantes. Centros de convivência: Os Centros de Convivência são
estratégicos para a inclusão social das pessoas com transtornos
Segundo dados atualizados do Ministério da Saúde, existem mentais e pessoas que fazem uso de crack, álcool e outras
hoje no Brasil 822 CAPS I; 431 CAPS II; 63 CAPS III; 272 drogas, por meio da construção de espaços de convívio e
CAPS ad e 149 CAPSi e 5 CAPS ad III perfazendo um total de sustentação das diferenças na comunidade e em variados
1742 serviços. (Saúde Mental em dados 10 - BRASIL, 2012) espaços da cidade. (BRASIL, 2011). Estes dispositivos
ainda não recebem financiamento do Ministério da Saúde.
Serviços Residenciais Terapêuticos – SRT: São casas
localizadas no espaço urbano, constituídas para responder às Unidade Básica de Saúde: A Unidade Básica de Saúde
necessidades de moradia de pessoas com sofrimento psíquico como ponto de atenção da Rede de Atenção Psicossocial tem
graves, egressas de hospitais psiquiátricos ou hospitais de a responsabilidade de desenvolver ações de promoção de
custódia e tratamento psiquiátrico, que perderam os vínculos saúde mental, prevenção e cuidado dos transtornos mentais,
familiares e sociais; moradores de rua com transtornos ações de redução de danos e cuidado para pessoas com
mentais severos, quando inseridos em projetos terapêuticos necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras
acompanhados nos CAPS. São 625 casas implantadas drogas, compartilhadas, sempre que necessário, com os demais
no Brasil, com 3.470 moradores em 2011. (BRASIL, 2012) pontos da rede. As ações da Estratégia de Saúde da Família
(ESF) e Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) estão
Programa de Volta para Casa – PVC: Este programa foi referenciadas nas Unidades Básicas de Saúde. (BRASIL, 2011)
instituído pela Lei Federal 10708 de 31 de julho de 2003, e
tem por objetivo garantir a assistência, o acompanhamento e a Consultório na Rua: Equipe constituída por profissionais
integração social, fora da unidade hospitalar, de pessoas com que atuam de forma itinerante, ofertando ações e cuidados de
sofrimento psíquico, com história de longa internação psiquiátrica saúde para a população em situação de rua, considerando suas
e também nos hospitais de custódia e tratamento (02 anos ou diferentes necessidades de saúde. No âmbito da Rede de Atenção
mais de internação ininterruptos). É parte integrante deste Psicossocial é responsabilidade da Equipe do Consultório na
Programa o auxílio-reabilitação, pago ao próprio beneficiário Rua ofertar cuidados em saúde mental para (i) pessoas em
durante um ano, podendo ser renovado, caso necessário. São situação de rua em geral; (ii) pessoas com transtornos mentais
3.961 beneficiários do PVC no país em 2011. (BRASIL, 2012) e (iii) usuários de crack, álcool e outras drogas, incluindo
ações de redução de danos, em parceria com equipes de
Serviço Hospitalar de Referência para atenção a pessoas outros pontos de atenção da rede de saúde. (BRASIL, 2011)
com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades
de saúde decorrentes do uso de álcool, crack e outras Escola de Redutores de Danos (ERD): As Escolas de Redutores
de Danos do SUS tem como objetivo a qualificação da rede de
serviços, por meio da capacitação teórica e prática de segmentos
profissionais e populacionais da comunidade, que atuarão na
29 30
rede de atenção substitutiva em saúde mental, com a oferta de pesquisa e produção de referência pelo Crepop.
ações de promoção, prevenção e cuidados primários, intra ou Em Dezembro de 2011, o governo brasileiro estabelece entre
extramuros, que superem a abordagem única de abstinência. suas prioridades na saúde, a Rede de Atenção Psicossocial
(BRASIL, 2010). (RAPS) pela Portaria GM/MS nº 3.088/2011 –, preconiza o
Em 2005, o Ministério da Saúde apresentou como referência atendimento a pessoas com sofrimento ou transtorno mental e
para constituição de rede de saúde mental o seguinte desenho: com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras
drogas. Essa portaria impacta diretamente a estrutura da Rede
de atendimento da Saúde Mental.
A RAPS passam a serem formadas por sete componentes
da Rede de Saúde, desde a Atenção Básica , passando
pela Atenção Psicossocial Especializada, a Urgência e
Emergêncian e a Atenção Residencial de Caráter Transitório.
As RAPS também são compostas pelos componentes da
Atenção Hospitalar, Estratégias de Desinstitucionalização e a
Reabilitação Psicossocial.
31 32
especialização Latu-sensu e 59% é da área da Psicologia atendendo usuárias/os nos CAPS, em hospitais ou indo às
Clínica; 16,1% exercem atividade docente; 30,8% realizaram suas casas. Alguns profissionais também atuam produzindo
pesquisa científica sobre o tema. reflexões e conhecimento sobre o trabalho em Psicologia
Sobre a atuação profissional foi identificado que as/ através da publicação de artigos ou pesquisas, da divulgação
os respondentes atuavam em diferentes modalidades de do trabalho desenvolvido por variados meios de comunicação
atendimento nos CAPS. Destes, 43,2% trabalhavam em CAPS (jornais locais, rádios comunitárias, entre outros).
I, 32,5% em CAPS II; 13,4% em CAPS ad; 7,9% em CAPSi A análise dos desafios, segunda questão, foi realizada
e 3,1% em CAPS III. Quanto ao tempo de atuação, 38,1% identificando os principais temas presentes nas respostas.
atuavam no CAPS há menos de dois (2) anos; 85,3% trabalham Quase totalidade dos registros feitos pelas/os participantes
em Organizações Públicas; 39,4% têm vínculo de trabalho da pesquisa, os desafios estão intimamente associados às
regido por Estatuto de Servidores Públicos. Destaca-se como dificuldades vividas no cotidiano. Foram apontadas questões
dado importante para a citada pesquisa, a identificação de políticas e administrativas, que se fizeram presentes quando
que apenas 33,1% do total, embasam seu trabalho na Política falaram sobre: implementação das políticas públicas;
Nacional de Saúde Mental. Ainda sobre desenvolvimento especificidades locais; burocracia; a inexistência e implantação
do trabalho no CAPS, 35,5% desenvolvem atividades de de rede de assistência integrada a esses serviços específicos
assistência/ tratamento Psicológico; 88% trabalham em de atenção em saúde mental e modos de lidar com os desafios
conjunto com equipe multiprofissional reduzida; 52,7% utilizam políticos/administrativos. Houve relatos que se remeteram
frequentemente entrevistas como recurso de trabalho; mais diretamente à instituição/local de trabalho em que as(os)
Ainda na pesquisa descritiva havia quatro questões abertas psicólogas(os) atuavam, como espaço físico e recursos
acerca das questões do dia-a-dia das(os) psicólogas(os). A materiais; demanda e recursos humanos; as condições de
primeira questão pedia “descreva em detalhes o que você faz trabalho; e modos de lidar com os desafios relativos à instituição/
em uma semana típica de trabalho, com ênfase nas atividades local de trabalho.
relacionadas ao campo do CAPS”. A segunda, “Quais são os Os relatos sobre a formação e a prática profissional
desafios específicos que você enfrenta no cotidiano de seu foram sobre: capacitação: formação e atualização; exercício
trabalho e como você lida com estes?”. A terceira, “Quais profissional; saúde do trabalhador; e reconhecimento da
novas práticas você e/ou seus colegas têm desenvolvido ou profissão e/ou da(o) profissional. Sobre os modos de lidar com
conhecem que estão produzindo bons resultados que podem os desafios relativos à formação e a prática profissional, uma
ser consideradas uma inovação neste campo. Descreva cada das principais estratégias adotadas para lidar com os déficits
uma dessas novas práticas e indique onde podemos encontrá- da formação profissional em Psicologia e com a ausência de
la (e-mail ou outra forma de contato)”. Por fim, “Sugestões e capacitações nos locais de trabalho é a busca de cursos de
comentários adicionais”. especialização, de pós-graduação, a organização de grupos de
Ao descreverem o que fazem no dia-a-dia, primeira questão, estudos para que a equipe toda estude e discuta os princípios do
as(os) psicólogas(os) caracterizaram a população atendida movimento antimanicomial e a luta para conseguir a supervisão
e as ações específicas que realizam sozinhos e em equipe
multidisciplinar. Dentre as tarefas cotidianas destas(es) 3 - Informação verbal, são falas de psicólogas (os) e gestores atuante nos Centros
profissionais, são realizados atendimentos individual ou grupal. de Atenção Psicossocial, coletadas nos grupos realizados pelos Conselhos
Atuam ainda em situações de crise, em caráter de urgência, Regionais, pesquisa qualitativa Crepop, de psicólogas (os) e gestores atuante
nos Centros de Atenção Psicossocial.
33 34
institucional. Já os relatos sobre a relação com os usuários são Diferentemente, os grupos fechados são compostos apenas
indicados vários desafios relativos ao trabalho desenvolvido por profissionais da psicologia que estão trabalhando em
com os usuários e seus familiares e aos modos como estes CAPS e têm por objetivo promover a discussão de temas mais
se relacionam com as atividades propostas. Outro desafio específicos à realização do trabalho psicológico neste campo.
muito presente nesta relação com o usuário é o de lidar com as As Reuniões Específicas foram propostas pelo Crepop
dificuldades socioeconômicas dos usuários, e com sua adesão Nacional e organizadas localmente pelos CRPs. As reuniões
às atividades oferecidas. Por fim, nesta segunda questão, foram foram orientadas a partir de roteiros previamente elaborados. É
relatados os desafios do trabalho com outros profissionais. No importante ressaltar que alguns CRPs se mostraram cientes da
CAPS o trabalho da(o) psicóloga(o) é realizado muitas vezes diferença entre o que foi solicitado/orientado e o que foi possível
em conjunto com profissionais da equipe multiprofissional que realizar. Um dos aspectos apontado, por técnicas/os dos CRPs,
compõe o CAPS e algumas vezes envolve o trabalho com foi a dificuldade de contatar os profissionais dos CAPS:
profissionais de outros serviços e de outras áreas.
As respostas à questão três da pesquisa apresentavam três Inicialmente, tentamos entrar em contato com a
eixos argumentativos principais: “conheço novas práticas”; “não Coordenação de Saúde Mental – COSAM, através
conheço novas práticas”; e “não há inovação”. Destaca-se que da Secretaria de Saúde, mas numa ida ao prédio da
as respostas quanto a conhecer novas práticas na maioria das Secretaria onde antes funcionava, soubemos que a
COSAM não funcionava mais lá. Depois de um tempo,
vezes, refere-se às experiências da/o própria/o profissional que
soubemos que foi transferida para o local onde funciona
participou, praticamente não havendo referências a outras/os. o Instituto de Saúde Mental. (...) Quinze dias após,
Por fim, a questão quatro era um espaço aberto para recebemos uma resposta com os contatos dos CAPS e
comentários e sugestões, os registros feitos pelas/os solicitando que nos dirigíssemos diretamente à gerência
participantes foi possível identificar que a maioria das do CAPS pedindo as informações sobre os psicólogos.
respostas era relativa a sugestões dirigidas a diferentes Neste meio tempo, a técnica já havia entrado em
interlocutores. Entre eles endereçadas principalmente a contato com o Adolescentro, por já conhecer o pessoal
esfera governamental/ gestores públicos; universidades/ que lá trabalha, e com o COMPP, por ser perto de sua
faculdades; e a outras/os profissionais da Psicologia que residência. (CREPOP/CFP, 2007)3
atuam em CAPS, que fogem ao alcance desta pesquisa. As
sugestões ao Sistema Conselhos de Psicologia/Crepop foram Os resultados da pesquisa qualitativa identificaram que a
de novas pesquisas que serão consideradas posteriormente. implantação dos CAPS ocorria de maneira distinta nas diferentes
regiões do Brasil, apontando que os principais problemas
Etapa Qualitativa – Reuniões Específicas (RE) e Grupos eram relativos à ausência de políticas locais (estaduais e
Fechados (GF): municipais) e, consequentemente, de investimentos nos CAPS
e nos equipamentos da rede de saúde mental, visto que, foram
As reuniões específicas e os grupos fechados têm objetivos registrados relatos de que, em muitos locais, não existia uma
diferentes. As reuniões específicas são abertas à participação rede de atenção à saúde mental ou, quando esta existia, não
de profissionais que atuam nos CAPS, gestores, estudantes/ estava articulada adequadamente.A análise qualitativa dos dados
estagiários, além das (os) psicólogas (os), e buscam discutir apontou também para questões de inconsistência técnica diante
a situação do campo pesquisado em determinada região. das propostas da Política Nacional de Saúde Mental, como a
permanência de um modelo de atenção centrado na figura do
35 36
médico; uma tensão entre uma abordagem psicossocial e uma de encaminhamento de algum usuário para outro tipo de serviço
abordagem estritamente clínica; e que em alguns lugares, as na área, uma estratégia utilizada para que isso ocorra se dá pelo
ações de saúde mental ainda estão restritas ao espaço do CAPS, conhecimento entre os profissionais das diferentes instituições:
assim, a forma como a política está estruturada acaba contribuindo
para o “aprisionamento” das ações no interior da unidade. Não há rede de referência articulada; os trabalhos em
rede geralmente têm mais a ver com relações mais
“CAPS de interior é CAPS tudo(..) eu acho que é a próximas (pessoais) entre o profissional do CAPS com
grande barreira que vamos tentar ultrapassar, porque a outros, o que garante uma funcionalidade mínima da
história do psicólogo que tá fazendo só os grupos, isso tá rede. A própria Coordenação de Saúde Mental do Estado
relacionado à história das APACS. E no interior é muito não estimula nem oferece direção para esse tipo de
complicado. A sobrevivência de CAPS é muito complexa” trabalho, nem há relatos dessa atividade das secretarias
(...) “E outra coisa também é que os psicólogos e municipais de saúde. (CREPOP/CFP, 2007)
profissionais precisam fazer o trabalho extra muro. E
esse trabalho significa não estar ali fazendo as oficinas Apareceram diversos problemas em relação ao espaço físico e
e não estar necessariamente gerando uma APAC na à falta de infraestrutura:
verdade fazemos entender que esse é o trabalho mais
importante do CAPS.” (CREPOP/CFP, 2007) As unidades representadas não possuem uma estrutura
física adequada, há uma grande dificuldade em atender
Sobre a prática profissional da(o) psicóloga(o), a análise aos usuários devido ao espaço (não apropriado), o que
dos dados demonstrou que, em geral, aparecem dificuldades muitas vezes impede de ser realizado um bom trabalho,
de diversas ordens, desde a falta de profissionais, ausência de inclusive nos trabalhos das oficinas. (CREPOP/CFP,
supervisão, falta de formação continuada, além da dificuldade 2007)
de articular uma rede de referência na região para ampliar as
possibilidades de cuidado com os usuários, para transformar o Em outra unidade o espaço físico do CAPS é compatível
com a demanda, mas o que complica é que o ambulatório
modelo de atenção às pessoas com sofrimento psíquico e garantir
psiquiátrico funciona no mesmo lugar e em dias de
os princípios do SUS. atendimento complica um pouco. (CREPOP/CFP, 2007)
Nos relatos das reuniões foi evidenciado que em muitos locais
não existe uma rede de atenção à saúde mental ou esta não está Muitas foram as queixas referentes à falta de recursos materiais.
articulada: Esses englobam desde material de escritório, alimentação para os
usuários, transporte para visitas domiciliares, até medicamentos:
Na maioria das cidades/comunidades não existem serviços
de reabilitação psicossocial, com os quais as equipes dos
Transporte para os usuários – entre as dificuldades
CAPS possam construir uma ação complementar; (...) O
materiais trazidas pelo grupo destacou-se a falta de
que existe em alguns locais são reuniões entre serviços
transporte para os usuários. Faltam carros para realização
da rede pública. Em geral setoriais, em poucos casos
das visitas e transportes coletivos para atividades extra-
observa-se ações intersetoriais, mas que não chegam a
muros realizadas pelo Caps. (CREPOP/CFP, 2007)
funcionar como rede; (CREPOP/CFP, 2007)
Na ausência de uma rede articulada, quando há necessidade Os Grupos Fechados foram propostos buscando analisar as
37 38
especificidades do trabalho dos profissionais da Psicologia nos A atuação multiprofissional é freqüente e valorizada, mas
CAPS, nos modos de atuação e nos principais conflitos e dilemas há alguma insegurança quanto a ações intersetoriais,
vividos no cotidiano da prática profissional. principalmente relacionadas a diagnose. É comum, ainda
Os relatos indicam que de um modo geral as (os) psicólogas iniciativas de planejamento conjunto das ações e de
supervisão técnica, além de estudos de caso. (CREPOP/
(os) desenvolvem uma multiplicidade de tarefas no contexto do
CFP, 2007)
CAPS e que há demandas tanto para atividades clínicas quanto
Estamos aprendendo a fazer Psicologia dentro dos
psicossociais, como indica o relato: serviços, estamos aprendendo a trabalhar em equipe,
porque até então a nossa prática profissional era muito
Foi relatado, também, que, nos CAP’s os/as profissionais mais aquela tradicional, em consultório, com hora
de Psicologia desenvolvem as seguintes atividades: marcada, com o seting terapêutico estabelecido. Para o
triagem, coordenação de grupo operativo, atendimento CAPS nós vamos fazer as adequações de acordo com a
e acompanhamento individual (como técnico de realidade de cada oficina, levando-se em consideração
referencia), encaminhamento para profissionais a criatividade das pessoas, levando-se em consideração
específicos, inclusive psicoterapeuta, atendimento à também o que está sendo trabalhado naquele momento.
família, palestra para os usuários e família, tanto na (CREPOP/CFP, 2007)
própria instituição, CAPS, como nas comunidades de
origem dos usuários. (atividade de caráter preventivo). O trabalho em grupo no contexto do CAPS também foi muito
Realizam também, reuniões técnicas (com a equipe de
valorizado nos relatos e para alguns este trabalho é um facilitador
trabalho para discussão de admissões, altas e situações
diversas), reuniões clínicas (com todas as equipes, com
da ressocialização:
De acordo com os profissionais as potencialidades e
estudo, discussão de casos, informes e pontos de pauta),
possibilidades da Psicologia nos CAPS tratam-se da
reuniões administrativas (abrange todos os funcionários
realização de atendimentos que priorizem o trabalho
a fim de tratar assuntos gerais), evolução de prontuários,
em grupo, buscando através destes atendimentos a
visitas institucionais para estabelecer parceria e rede
ressocialização dos usuários e por meio das oficinas de
de apoio psicossocial, visitas a residência dos usuários,
geração de renda e reinserção no trabalho. (CREPOP/
elaboração de laudos, organização e elaboração de
CFP, 2007)
eventos comemorativos com a participação dos técnicos,
usuários e familiares, atendimento em situação de crise
e supervisão de estagiários. Essas atividades são Organização do Documento
desenvolvidas tanto individualmente quanto em dupla
ou em grupos com outros profissionais. (CREPOP/CFP, O documento de referencias técnicas para a prática de
2007) psicólogas(os) no centro de atenção psicossocial - CAPS, está
dividido da seguinte forma:
Um aspecto que aparece em vários relatos é relativo à Eixo I – Dimensão Ético-Política das Políticas de Saúde
centralidade do trabalho em equipe e à importância da articulação Mental A proposta deste eixo é discutir aspectos da evolução
dos diversos profissionais que compõem as equipes: das políticas de saúde e saúde mental no Brasil, como subsídio
para uma melhor compreensão dos aspectos históricos que
Lá a gente não tem esse negócio de ‘é meu, é seu’, lá influenciaram a constituição do Sistema Único de Saúde e o
a gente tenta trabalhar como equipe. (CREPOP/CFP, processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil. O eixo aborda
2007)
39 40
a temática Reforma Psiquiátrica como um marco histórico e
conceitual de transformação na saúde mental, destacando a
importância deste movimento para essa reestruração das práticas
de saúde no país.
Eixo II – Psicologia e Políticas Públicas de Saúde Mental:
a necessária mudança de perspectiva
O objetivo deste eixo é buscar compreender a relação histórica
da Psicologia com as Políticas Públicas de Saúde, especialmente
no âmbito da Saúde Mental. Destaca-seDestacando a inserção
da Psicologia na Saúde Pública pelo mote do movimento da
Reforma Psiquiátrica, valorizando este como balizador para a
relação da Psicologia e a Saúde Metal. O eixo aborda ainda quais
as teorias em Psicologia e Atenção à Saúde Mental se relacionam
com as práticas das (os) Psicólogas(os) nos CAPS.
Eixo III – A Atuação da (o) Psicológica (o) na Política do
CAPS
Pretende-se neste eixo trazer à reflexão a atuação de
psicólogas(os) nos Centros de Atenção Psicossocial – CAPS,
abordando o modo de fazer, a desinstitucionalização da prática
e intervenção na cultura, a criação de lugares de tratamento e
convívio entre diferentes, de realização de trocas simbólicas e
culturais. O eixo também propõe a reflexão sobre os desafios da
clínica no território e o confronto com as prática da internação,
abordando os lugares e as práticas que desconstroem, em seu
fazer cotidiano.
Eixo IV – Gestão do Trabalho
O objetivo deste eixo é analisar as relações da Gestão
dos Serviços e Processos de Trabalho nos CAPS a partir da
implementação e consolidação do Sistema Único de Saúde. O
eixo retrata das ações de promoção, prevenção e recuperação
na rede de serviços, nos diferentes níveis de gestão, refletindo
sobre a necessidade de se garantir a perspectiva de uma gestão
participativa.
No final, o documento apresenta uma lista de referências que
clarificam e complementam questões abordadas no texto. Essas
referências são importantes para embasar práticas e estudos
além deste documento.
41 42
EIXO I: DIMENSÃO ÉTICO-POLÍTICA
DAS POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL
43 44
EIXO I: DIMENSÃO ÉTICO-POLÍTICA DAS POLÍTICAS de inserção escolar; a segunda, refere-se a um processo
DE SAÚDE MENTAL político de transformação da assistência pública ofertada aos
portadores de sofrimento mental. Um processo crítico que propõe
a superação do manicômio ou do hospital psiquiátrico como
Considerações Sobre as Políticas de Saúde No Brasil
resposta às questões postas pela loucura, por meio da criação de
novos lugares de tratamento – os serviços substitutivos, que se
Esse eixo tem por objetivo discutir alguns aspectos da
constituem como espaços de convívio, sociabilidade e cuidado e
evolução das políticas de saúde e saúde mental no Brasil, como
ferramentas de mudança da percepção social sobre a experiência
subsídio para uma melhor compreensão dos aspectos históricos
da loucura e o cidadão em sofrimento mental.
que influenciaram a constituição do Sistema Único de Saúde e
Tanto a saúde mental quanto a reforma psiquiátrica, na resposta
o processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil. Esse sistema se
que dão à demanda social, correm sempre o risco de servir à
sustenta numa concepção de política pública na qual o Estado,
normalização dos sujeitos, quando descuidam de questionar os
entendido como Estado Democrático de Direito, se organiza
discursos que em nome da boa saúde, propõe a anulação das
para oferecer respostas aos problemas sociais, considerando
diferenças, a produção da igualdade, não dos direitos, mas dos
os direitos sociais historicamente conquistados pela sociedade,
comportamentos, como saída exitosa de um tipo de tratamento.
dentre eles, aqueles relacionados à saúde.
De todo modo, é preciso reconhecer que o Ministério da
No nosso país, a situação crítica no enfrentamento dos
Saúde fez uma priorização, por meio da política e do processo
problemas de saúde da população impôs a necessidade de
da Reforma Psiquiátrica, de atender a população com sofrimento
mudanças e desencadeou, a partir do final da década de 70, o
mental com quadros clínicos mais graves, levando em conta
processo da Reforma Sanitária, que culminou com a construção
os princípios da equidade do SUS. Considera-se que a saúde
do Sistema Único de Saúde, garantido pela Constituição Federal
mental é um conceito muito mais abrangente e abarca uma serie
de 1988, no seu capitulo II que trata da Seguridade Social,
de outras pessoas com sofrimento mental que também merecem
especificamente na seção II que trata do direito à saúde - art. 196
cuidados, bem como intervenções em diversos projetos da saúde
a 200 (Brasil, 1988). A estruturação e a implementação desde
pública e outros projetos de políticas sociais. A construção das
então é um processo dinâmico e permanente. Concomitante a este
políticas de saúde no Brasil tem antecedentes históricos que
processo, impulsionada pelo Movimento de Luta Antimanicomial,
merecem destaque. Apresentaremos a seguir alguns deles. Vale
foi implementada uma nova política de Saúde Mental, com o foco
salientar que a sistematização que passa a ser apresentada está
prioritário na construção de uma rede substitutiva aos Hospitais
baseada na obra de alguns autores, aqui citados. A partir da leitura
Psiquiátricos.
desses autores, fizemos uma divisão por períodos, resumindo
Vale destacar uma diferença: no campo da saúde pública, a
o funcionamento da política de cada período. Enfatizamos que
saúde mental é o locus da Reforma Psiquiátrica, entretanto, há
este trabalho não pretende ser uma extensa revisão bibliográfica
entre saúde mental e reforma psiquiátrica, diferenças significativas.
sobre histórias de saúde pública no Brasil, mas situa alguns
Enquanto a primeira pode ser compreendida como inscrição de
marcos importantes para uma contextualização básica acerca dos
diferentes estratégias que visam a produção de algum modo de
inclusão de questões subjetivas na produção de bem-estar e de
4 - Sobre esses acontecimentos, ver filme “Políticas de Saúde no Brasil: um
saúde, alcançando a diferentes sujeitos e situações, por exemplo: século de luta pelo direito à saúde” - Documentário do cineasta Renato Tapajós,
atividades voltadas para o empoderamento de mulheres vítimas lançado pelo Ministério da Saúde em 2006. Na verdade é uma versão atualizada
de processos de exclusão ou violência, crianças com dificuldades de um filme de 1982.
45 46
serviços cujas referências para atuação são aqui apresentadas. o país nesse momento. Nesse contexto e em plena política de
No Brasil Colonial, o arcabouço político-administrativo era higienização, em meados do século XIX, mais precisamente em
marcado por estratégias de dominação entre os colonizadores 1852, ainda no Brasil imperial, foi criado pelo Estado o primeiro
e a população local, transformando as relações sociais, de hospital psiquiátrico no Rio de Janeiro, o Hospital Dom Pedro II.
trabalho e produção local até então existentes, numa relação de Assim, é nesse contexto que o Brasil vai reeditar, num primeiro
submissão da população da colônia às normas e gerenciamento momento, em certa medida aquilo que representou nos países
do país colonizador. Segundo Somarriba (1984), nos séculos XVI europeus ao longo do século XVII a grande internação, como
e XVII, as ações de saúde eram quase inexistentes como ações prática de recolhimento daqueles que representam a desordem,
estatais e existia um número irrisório de médicos. Práticas dos a partir de um projeto de controle social. Gradativamente e com
curandeiros, parteiras e afins eram predominantes em nossa o desenvolvimento e o fortalecimento da presença do saber
sociedade. As primeiras ações de caráter mais coletivo foram psiquiátrico e de outras ciências afins na organização da instituição
feitas pelos senhores de engenho e tais ações eram dirigidas médica recém inaugurada, essas práticas se especializam e
à mão-de-obra escrava. O aumento da demanda externa por ganham cada vez mais cientificidade, aprimorando-se diagnósticos
produtos agrícolas, de um lado e, ao mesmo tempo a escassez de e práticas médicas voltadas à cura da doença mental.
mão de obra, reduzida ao trabalho dos escravos nesse período, Analisando historicamente as políticas de saúde mental no
tornou interessante e necessário, para os senhores de engenho, Brasil, devemos considerar que, do ponto de vista das ações do
curar e estender a vida de seus escravos. Algumas medidas Estado, a política de assistência para o chamado louco, durante
foram tomadas de maneira mais homogêneas, como: proteção muitos anos, se pautou pelo oferecimento à população de
à mãe escrava e aos recém-nascidos, instalação de enfermarias tratamento em Hospitais Psiquiátricos, manicômios ou hospícios.
e cuidados com a alimentação, vestuário e higiene nas grandes Sabe-se que essa oferta não se deu por acaso, mas estava, e
fazendas. Em relação à saúde mental, existiam algumas ainda está, sustentada no chamado saber cientifico da psiquiatria,
instituições, do tipo abrigos, que eram gerenciados pela Igreja disciplina da Medicina que se constituiu de forma efetiva no final
Católica e que abrigavam os chamados loucos, muito embora, do século XIX e que ganhou através de Philipe Pinel, médico
em grande parte, essas pessoas eram assimiladas e toleradas francês, o estatuto de ciência. A partir de então, a loucura passou
nas relações sociais cotidianas. Essa situação se estende até a ser do domínio da medicina e a ser reconhecida como doença
o período imperial, quando se instalam no Brasil as primeiras mental. Enquanto tal passou a ser tratada em instituições próprias
instituições hospitalares e o desenvolvimento de práticas e especificas, destinadas a esse fim. Dessa forma surgiu o
científicas de saúde. A vinda da família real ao Brasil inaugura manicômio ou hospital psiquiátrico, designado templo da loucura,
processos de desenvolvimento social, científico e econômico, mas, sobretudo, da ciência e graças a ele a psiquiatria criou corpo,
de emergência de formação intelectual e de institucionalização enquanto especialidade. Essa história se repete, então, no Brasil.
antes não assistidos no país. Nesse momento, o Brasil é cenário Foi no espaço dos hospícios que se criaram as primeiras gerações
de fortalecimento e incentivo ao pensamento científico e a todo de psiquiatras brasileiros, quando ainda nem havia uma cátedra
aparato institucional de sua sustentação. A metrópole é aqui. de psiquiatria nas faculdades de medicina. O manicômio, local
Por isso, o Brasil é também cenário onde se instalam práticas onde a loucura deve-se desvelar para o conhecimento médico,
higienistas nos centros urbanos em expansão e onde o pensamento representa a própria possibilidade de existência da psiquiatria.
eugênico ganha força a serviço da institucionalização de formas Segundo Filho (1996), com a proclamação da República em
de pensar e de agir que respondam ao projeto emergente para 1889, surge a necessidade da criação de um estado-nação.
47 48
Isso, contudo, não destruiu as Oligarquias Regionais e nem os composta de grupos de oligarquias e da burguesia emergente. A
resquícios monarquistas centralizadores. Na Primeira Fase da marca do governo foi de uma postura autoritária, instalando uma
República (1889-1930), a saúde teve como característica principal estrutura administrativa corporativa, sob o arcabouço político
o caráter filantrópico e emergencial. A saúde pública é tratada populista. Dois pontos merecem destaque no que tange à saúde
como área específica e seus recursos destinados à assistência (FILHO, 1996). O primeiro deles diz respeito ao fato da Constituição
médico-hospitalar e ações coletivas de controle de epidemias .4 de 1934 ter definido as responsabilidades específicas do Estado
Do ponto de vista da saúde mental, o advento da República no que se refere à legislação sobre normas de assistência
vai concretizar e intensificar a perspectiva citada acima de social, às estatísticas de interesse coletivo, ao exercício das
transformação da loucura em doença mental e, portanto, objeto profissões liberais e técnico-científicas, aos cuidados com a
de saber médico especializado. O Hospício Pedro II passa a se saúde e assistência públicas, à fiscalização das leis sociais,
chamar Hospital Nacional de Alienados e é transformado em às garantias na legislação trabalhista de assistência médica e
instituição pública em 1890. Sua natureza assistencial e seu sanitária aos trabalhadores e à gestante. Em relação ao segundo
caráter religioso perdem espaço para o caráter científico e para ponto que merece destaque, afirmamos a responsabilidade da
o projeto médico curativo orientado pela perspectiva da ciência União, Estados e Municípios no estímulo à educação eugênica,
positivista. Também em 1890 é criada a “Assistência Médica e no amparo à maternidade e à infância, na adoção de medidas
Legal dos Alienados” para organização da assistência psiquiátrica legislativas e administrativas, no compromisso com a restrição
no Brasil. Em 1903 temos a primeira Lei Federal de Assistência da mortalidade e morbidade infantis e na determinação de
aos Alienados. Percebe-se a clara institucionalização e ações de higiene social, para impedir a propagação de doenças
cientificização do tratamento à loucura no Brasil. Assistiu-se nesse transmissíveis. Nesse contexto, foi proposto o cuidado da higiene
período a participação da psiquiatria nas ações de saneamento mental e houve incentivo à luta contra os venenos sociais.
e reorganização da vida urbana. Não à toa, vê-se crescer na Do ponto de vista da assistência psiquiátrica, é promulgada
população psiquiátrica em 31% o conjunto de estrangeiros. em 1934 a segunda Lei Federal de Assistência aos Doentes
Além disso, destaca-se a implementação das colônias agrícolas Mentais que “dispõe sobre a profilaxia mental, a assistência e a
como aperfeiçoamento dos hospícios e a expansão do projeto proteção à pessoa dos psicopatas e a fiscalização dos serviços
medicalizante. Ganham força as ideias de prevenção, profilaxia e psiquiátricos”. A internação psiquiátrica é reforçada como principal
higiene mental, apoiadas nas teorias das degenerescências, que meio de tratamento, assim como o poder do psiquiatra na direção
preveem predisposições individuais hereditárias para as doenças dos serviços. A Lei também é responsável por afirmar, parcial
mentais. É assim que a análise e o crivo moral adquirem caráter ou totalmente, a suspensão da cidadania do doente mental.
médico-científico de diagnóstico e que o projeto eugenista ganha Ainda como marca da nova perspectiva em relação ao papel do
legitimidade no país. Nessa perspectiva, é criada em 1923 a Liga Estado na gestão da saúde, a criação do Serviço Nacional de
Brasileira de Higiene Mental. Assim, problemas sociais diversos Doenças Mentais é responsável pela federalização da assistência
e uma série de processos que representavam degradação psiquiátrica no Brasil nos anos de 1940. (ROSA, 2003)
moral são naturalizados e tem sua responsabilidade atribuída Na Terceira Fase da República (1946-1964) destaca-se a
às suas vítimas, por meio das perspectivas e leituras biológicas, Constituição de 1946. A partir dela, a União faz a organização
hereditárias e organicistas (Rosa, 2003). Na Segunda Fase da da defesa permanente contra as grandes endemias, começa a
República (1930-1945), temos um Estado com características legislar sobre seguros e previdência social, promove a defesa
modernizadoras, sustentadas por uma coalizão não hegemônica, e proteção da saúde, legisla sobre o exercício das profissões,
49 50
assegura a autonomia dos municípios quanto à organização de o setor de saúde obtidos no período anterior sofrem um recuo
alguns serviços públicos locais (sem especificar os serviços de significativo. As políticas refletidas nas legislações sobre a saúde
saúde) e determina a assistência obrigatória à maternidade, à pública têm caráter discriminatório, de natureza vaga e evolução
infância e à adolescência. Essa Constituição também estipulou lenta. A Constituição de 1967 não imprimiu na Carta Magna o
vencimentos integrais na aposentadoria de trabalhadores direito à saúde como inerente à cidadania e o dever do Estado na
vitimados por acidentes ou moléstias profissionais contagiosas garantia do seu gozo. Ao contrário, a assistência médica apenas
ou incuráveis. foi garantida aos trabalhadores e dependentes vinculados ao
Em relação à assistência psiquiátrica, é preciso afirmar a sistema previdenciário, criando uma situação de pré-cidadania
existência, nesse momento, de experiências de contestação em para os demais brasileiros quanto ao direito à saúde. Destaque-
relação ao modelo hegemônico até então existente. O trabalho se que na Constituição de 1967 foi feita a organização da polícia
de Nise da Silveira (1905-1999) que, no hospital de Engenho federal para o combate ao tráfico de entorpecentes; essa mesma
de Dentro no Rio de Janeiro, produz uma importante tensão Constituição determinou a competência da União para estabelecer
e contestação claramente marcada na criação da Seção de planos nacionais de saúde e celebrar tratados e convênios com
Terapêutica Ocupacional (que deu origem ao Museu de Imagens os Estados estrangeiros e organizações internacionais, além de
do Inconsciente) tem como mérito a crítica permanente à redução permitir a colaboração entre entidades religiosas e o Estado.
do sujeito à doença e a possibilidade de dar voz, expressão, Assegurou, ainda, a autonomia municipal quanto à organização
circulação e estabelecer relação a partir dos sentidos e significados dos serviços públicos locais. (FILHO, 1996).
escondidos e sufocados pelo tratamento psiquiátrico. Destaca-se Como decorrência, do ponto de vista da assistência psiquiátrica
também a experiência anterior de Ulysses Pernambuco (1892- a grande herança desse período é a privatização dos serviços
1943) que atuando em Recife ampliou a organização assistencial com características clientelistas e a constituição da chamada
para serviços abertos e ambulatoriais, opondo-se à visão indústria da loucura. A criação do Instituto Nacional de Previdência
organicista e enfatizando fatores psicológicos e sociais como Social estende aos trabalhadores segurados do sistema e seus
determinantes dos processos psíquicos. Apesar disso, as críticas dependentes a assistência psiquiátrica. Esses são remetidos aos
então formuladas em relação aos modelos de assistência não hospitais da rede privada por meio da contratação de seus leitos
foram suficientes para sua reversão. A partir de 1950, Institutos psiquiátricos. Os leitos privados passam a crescer dez vezes mais
de Aposentadoria e Pensões incorporam internação psiquiátrica que os leitos públicos. O perfil social da população psiquiátrica
em sua cobertura assistencial, utilizando-se principalmente da cresce em trabalhadores previdenciários urbanos acometidos
rede hospitalar privada. A partir da metade da década de 1950, por sofrimentos decorrentes das condições de trabalho impostas
a disponibilidade das drogas psicotrópicas no mercado e a pelo desenvolvimento econômico, o que altera também o perfil
necessidade de reparação de mão de obra para o desenvolvimento nosológico dessa população, que passa a ser constituída por
capitalista vão tensionar a alteração das estruturas asilares. diagnósticos como neuroses e alcoolismos, numa reedição da
(ROSA, 2003). psiquiatrização de problemas sociais. A perspectiva preventista
Na Quarta Fase Republicana (1964-1985), o país esteve sob se instala com força, exigindo uma reformulação da assistência
o regime de Ditadura Militar e as possibilidades de avanços para psiquiátrica que vai apontar para ambulatorização da assistência
e redução de custos com hospitais psiquiátricos, sem, contudo,
5 - Produtos expressivos deste período, como a reportagem: “Nos porões da uma diminuição efetiva no financiamento das internações
loucura” (Nas décadas de 1970/1980), de Hiram Firmino e o filme “Em nome da psiquiátricas. Assim, chegamos a um quadro de polarização entre
razão” (1979), de Helvécio Ratton, chocaram a opinião pública.
51 52
a rede hospitalar psiquiátrica e os serviços ambulatoriais pontuais, da população sem direito a assistência.
sem um efetivo questionamento da concepção que orientava os Assim, na Quinta Fase da República (1986-período atual),
modelos de tratamento. (ROSA, 2003) com o fim da ditadura, passamos à construção do Estado
Desta forma, em síntese, em relação à assistência psiquiátrica, Democrático de Direito. É nessa fase que temos o fortalecimento
desde o final dos anos 1950, o Brasil acumulava uma grave e visibilidade social do Movimento da Reforma Sanitária e o
situação nos hospitais psiquiátricos: superlotação; deficiência Movimento de Reforma Psiquiátrica no Brasil. Vale destacar que
de pessoal; maus-tratos grosseiros; falta de vestuário e de o Movimento de Reforma Sanitária inicia-se no final dos anos
alimentação; péssimas condições físicas; cuidados técnicos 1960 e início dos anos 1970, com recuo no período da ditadura,
escassos. Como vimos, a partir do golpe militar de 1964, até ganhando força novamente no final dos anos 1970. A partir desse
os anos 1970, proliferaram amplamente clínicas psiquiátricas Movimento, a abordagem dos problemas de saúde se constitui
privadas conveniadas com o poder público, obtendo lucro fácil por como a base teórica e ideológica de um pensamento médico-
meio da “psiquiatrização” dos problemas sociais de uma ampla social que, ao olhar para o processo saúde-doença, aponta para
camada da população brasileira. Criou-se assim a chamada os problemas estruturais no Brasil. Esse movimento ocorreu no
“indústria da loucura”. No final dos anos 1980, o Brasil chegou a interior dos Departamentos de Medicina Preventiva e Social das
ter cerca de 100.000 leitos em 313 hospitais psiquiátricos, sendo Universidades Federais do Brasil - DMPS. Os DMPS:
20% públicos e 80% privados, conveniados ao SUS, concentrados
principalmente no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Minas Gerais. [...] foram a base na qual se desenvolveram a produção
Os gastos públicos com internações psiquiátricas ocupavam o 2º de conhecimentos sobre o estado de saúde da população
lugar entre todos os gastos com internações pagas pelo Ministério e sobre a organização das práticas sanitárias, produção
da Saúde. Eram raras outras alternativas de assistência – mesmo essa, frequentemente articulada com os modelos
experimentais de organização da prática médica, quer
as mais simples, como o atendimento ambulatorial.
para efeito de demonstração, quer para finalidade
Também é preciso citar que se estabeleceu a divisão entre didáticas (DONNAGELO 1993, p. 26)
uma assistência destinada aos indigentes – recebidos pela
rede pública – e outra aos previdenciários e seus dependentes Paralelo a esse movimento, nos interiores das periferias
– encaminhados aos hospitais privados conveniados. De metropolitanas, principalmente na cidade de São Paulo, as donas
qualquer forma, as condições dos hospitais, privados ou públicos, de casa, juntamente com a igreja, estavam se reunindo para
continuava extremamente precária. Além disso, o poder público discutir as condições e agravos de saúde da comunidade, nas
não exercia qualquer controle efetivo da justificativa, da qualidade chamadas “comunidades eclesiais de base”.
e da duração das internações. Diversos vídeos, documentários, Portanto, os anos de 1970 são anos de denúncias e críticas.
livros, publicações denunciam essa situação em relação à violação Diversos segmentos sociais se organizaram nessa época, ao
de direitos e à situação degradante dos hospitais psiquiátricos .5 longo do processo de redemocratização do país. Nesse contexto,
O Brasil ingressa na Quinta Fase Republicana com uma enorme segundo Cézar Campos (2006) (MINAS GERAIS, 2006), “o
efervescência de movimentos sociais, questionando a ausência Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental começou a tomar
do Estado na formulação e na garantia de políticas de saúde a sua corpo: trabalhadores da área se organizaram, apontando os
população. No que tange à saúde pública, a sociedade se dividia graves problemas do sistema de assistência psiquiátrica do país
entre aqueles trabalhadores formais com carteira assinada que e propondo formas de trabalho que pudessem romper com esse
tinham garantia de assistência médica e um grande contingente
53 54
modelo.” uma maior clareza do real significado dessas instituições e de
A verdadeira força de sustentação exercida pelo manicômio não seu papel normalizador. O templo da loucura, bem como sua
estava em produzir resultados terapêuticos, mas sim de exclusão existência, permanecia inquestionável.
social, de exclusão física, bem como de exclusão em relação ao Em dezembro de 1987 aconteceu a realização do II Congresso
universo da cidadania. Não sendo o louco um cidadão, sustentava- Nacional dos Trabalhadores de Saúde Mental, em Bauru, São
se todo tipo de violência contra o mesmo. Com a abertura política Paulo. Na ocasião, foi proposta uma radicalização do movimento
que começa a dar visibilidade à luta dos movimentos sociais, de trabalhadores, a partir da constatação de que a humanização
buscou-se a implementação do regime democrático, possibilitando dos hospitais, com a criação de programas ambulatoriais
que, no setor da saúde mental, os trabalhadores se manifestassem (constituição de equipes de saúde mental em unidades básicas),
junto à sociedade sobre a assistência psiquiátrica brasileira. não havia sido suficiente para dar conta de produzir uma relação
Começa então a se desencadear no Brasil, principalmente na diferente da sociedade com o fenômeno da loucura. Os loucos
Região Sudeste, uma série de congressos, seminários e debates continuavam a ser internados e segregados do convívio social.
sobre o tema. O mesmo aconteceu de forma geral em relação Esse movimento se ampliou e passou a ser denominado de
à assistência à saúde como um todo através do movimento de Movimento da Luta Antimanicomial. Desde então, o Movimento
Reforma Sanitária. Assim, o final dessa década foi marcado por se instituiu como um ator e um interlocutor de fundamental
uma série de denúncias públicas feitas pelos trabalhadores de importância para o Estado implementar políticas públicas que
saúde mental em relação às péssimas condições a que estavam atendam realmente às necessidades das pessoas com sofrimento
submetidos os portadores de sofrimento mental internados nos mental, criando condições para a sua inclusão social. Assim, em
manicômios. síntese, os marcos fundamentais desse período são:
Em Minas Gerais, aconteceu também nesse período, o III
Congresso Mineiro de Psiquiatria - 1979, que contou com a • Realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde (junho/1986)
participação de dois atores importantíssimos que iriam influenciar
de maneira decisiva os corações e mentes de centenas de Marco político decisivo para os rumos da saúde pública do Brasil
profissionais que atuavam neste setor: a presença do psiquiatra que apontou claramente para a construção do SUS – Sistema
italiano Franco Basaglia e do sociólogo francês Robert Castel. Único de Saúde, quando discutiu o conceito de saúde como direito
Ambos estavam atuando na Europa juntamente com outros fundamental da pessoa humana, a necessidade da construção de
profissionais no sentido de mudar os rumos da assistência um sistema único de saúde e as bases de financiamento para o
psiquiátrica, produzindo textos, estimulando discussões teóricas setor. Ressaltamos a importância da participação popular nessa
sobre a psiquiatria, seu papel, função e seus fundamentos conferência, representada pelos seus 5000 delegados.
filosóficos.
Instaurou-se a partir de então, uma série de debates e • Constituição Federal (1988)
seminários sobre a realidade das instituições manicomiais. Era
preciso modificar, reformular e, principalmente, humanizar os
hospitais psiquiátricos. Gastou-se quase 10 anos em discussões, 6 - A Declaração foi proclamada no dia 14 de Novembro de 1990 pela Conferência
implementando programas que visavam a melhoria dessas Regional para a reestruturação da Atenção Psiquiátrica na América Latina
instituições. Essas discussões foram extremamente necessárias no contexto dos Sistemas Locais de Saúde. Essa Conferência foi convocada
a esse processo, mas faltava aos profissionais de saúde mental pela Organização Panamericana de Saúde e da Justiça, os Parlamentos e a
Previdência Social, entre outros prestadores de serviços.
55 56
Conhecida como a “Constituição Cidadã”, garantiu o direito à possibilidades de convívio com as diferenças, fazendo com que
saúde no Capítulo II – Seguridade Social. Nos seus artigos 196 a sociedade entendesse que a diferença é algo que faz parte da
a 200 são expressos os princípios que definem a saúde como sociedade.
direito de todos e dever do Estado. É necessário considerar que a implantação de uma nova política
de saúde mental no país sofreu a influência de acontecimentos
• O Movimento de Luta Antimanicomial importantes no campo da saúde como um todo. Já nos referimos
às conquistas do movimento da Reforma Sanitária, que levou à
Desde o final dos anos 70, vários trabalhadores estavam reformulação da política de saúde expressa na VIII Conferência
insatisfeitos e indignados com a “assistência” oferecida às Nacional de Saúde, a qual estabeleceu os princípios e as
pessoas com sofrimento mental do país. Para publicizar tal diretrizes do Sistema de Saúde Brasileiro. O conceito de saúde foi
situação inúmeras denúncias na mídia, debates e seminários redefinido como sendo um direito inalienável das pessoas e que
foram realizados no meio profissional, mas foi somente no final diz respeito à sua qualidade de vida, transcendendo, portanto,
dos anos 1980, precisamente durante a realização do II Congresso às doenças, estando muito mais relacionado com as condições
Nacional dos Trabalhadores de Saúde Mental, realizado em gerais de existência, como moradia, saneamento básico,
Bauru-SP, que foi realizada uma profunda avaliação da situação alimentação, condições de trabalho, educação e lazer. Sendo a
da assistência psiquiátrica brasileira. Esta avaliação levou os saúde um direito do cidadão e um dever do Estado, compete a
profissionais a promoverem uma ruptura decisiva em relação à este último a construção de um Sistema Único de Saúde (SUS)
situação vigente, propondo mudanças aos princípios teóricos predominantemente público, descentralizando, hierarquizado,
e éticos da assistência, e defenderem a radicalidade de uma equânime, com a participação e controle da população na
utopia ativa “Por uma sociedade sem manicômios”, como norte implantação das políticas de saúde e com a destinação adequada
para aqueles que decidiram fazer uma mudança na sociedade de recursos para o setor. As políticas de Saúde Mental estão
na sua relação com os chamados loucos. Fica colocado para submetidas a esses princípios e diretrizes, bem como sofrem
aqueles que fizeram essa opção lutar contra todas as formas de pressões e influências de organismos internacionais. Assim, em
opressão social na busca da sua superação. Esse congresso 1990, a Declaração de Caracas6 estabeleceu a reestruturação da
despertou sonhos e desejos de transformação efetiva das assistência psiquiátrica na América Latina, de forma a assegurar
relações da sociedade com a loucura. Uma das invenções mais o seu desenvolvimento em benefício das populações da região.
significativas deste movimento foi a criação do “18 de Maio” – Dia Em 17 de Dezembro de 1991, a Organização das Nações Unidas
Nacional da Luta Antimanicomial. A proposta era de que nesse propôs em assembleia a proteção das pessoas portadoras de
dia acontecesse em todo país a mobilização de núcleos, ONGs, enfermidade mental e a melhoria da assistência.
associações e serviços públicos de saúde mental identificados Vemos, assim, que a experiência de Reforma Psiquiátrica
com os princípios do movimento, fazendo circular no âmbito local, brasileira não está isolada. Há, do ponto de vista mundial,
na mídia, na cultura, nas relações sociais as discussões sobre as uma revisão das formas de relação e tratamento dispensado à
políticas de saúde mental. Os profissionais, usuários, familiares e loucura, então concebida como doença mental, que influenciou
simpatizantes ao movimento vão as ruas manifestar, por meio de o processo brasileiro e com o qual ele, então, passou a compor,
eventos culturais expressivos, a questão da loucura e sua relação guardando suas especificidades. Nesse sentido, cabe uma rápida
com a sociedade. O rompimento com a cultura manicomial seria revisão e destaque a pontos fundamentais de alguns processos
uma ação constante do Movimento, buscando e construindo de reformas psiquiátricas realizados na Europa e Estados Unidos
57 58
em torno da segunda metade do século XX. mesma equipe deve se encarregar do paciente nos diferentes
Principalmente no final da Segunda Guerra Mundial, com serviços e momentos do tratamento, desde a prevenção até
o projeto de Reconstrução Nacional da Europa sob princípios a cura e a pós cura, tendo como base e referência para o
democráticos, era necessário rever o funcionamento dos hospitais acompanhamento o território a que pertence. O objetivo desse
Psiquiátricos. Importante considerar o enorme contingente modelo é de se evitar que o hospital psiquiátrico seja o centro da
de pessoas jovens que estavam traumatizadas pelos efeitos atenção a saúde mental, devendo o usuário ser prioritariamente
da guerra e a necessidade de recuperá-las a fim de utilizar a tratado nos serviços extra-hospitalares.
força do seu trabalho no projeto de reconstrução dos países.
A necessidade de implantar sistemas de saúde e a existência • As comunidades terapêuticas no sistema de saúde da Grã-
de uma vontade coletiva de rever valores, de reconstruir as Bretanha
sociedades sob bases e princípios de liberdade e de solidariedade
levaram a implantação de sistemas sanitários e a necessidade O funcionamento dos hospitais psiquiátricos como
de revisão do funcionamento dos hospícios. Assim, há um comunidades terapêuticas foi uma experiência predominante
conjunto de movimentos, experiências e processos de Reforma nos países anglo-saxões. Nas comunidades terapêuticas, a
Psiquiátrica vivenciados principalmente em países europeus, que responsabilidade pelo tratamento não é apenas do corpo técnico,
produzirão uma revisão das formas de tratamento da loucura e mas também de outros integrantes da comunidade, inclusive e
da organização da assistência psiquiátrica. Citemos alguns deles: principalmente dos usuários. Nestas instituições pressupõe-se
a criação de um ambiente de co-responsabilidade entre todos
• Psicoterapia Institucional e a Psiquiatria de Setor (França) que estejam na comunidade. O modelo de saúde anglo-saxão
também previu a implantação de serviços de saúde mental diário
Segundo Desviat (1999), a diretriz do modelo assistencial com a criação de unidades psiquiátricas em hospitais gerais. Um
da Psicoterapia Institucional é a manutenção da instituição ponto fundamental desse modelo é a garantia de continuidade
psiquiátrica, a partir da sua radical transformação. A sua do tratamento pelo médico de saúde da família. Também nesse
existência não está em questão, pois o que faz a instituição modelo a mesma equipe de saúde mental atendia às demandas
ser um manicômio são as relações, práticas e lógicas que se ambulatoriais e hospitalares nos diferentes recursos da área,
estabelecem na assistência prestada aos internos. Nesta lógica, fossem de pacientes crônicos ou agudos. O sistema de saúde
todos estão doentes e a instituição deve ser tratada em seu inglês é dividido em regiões e cada região se divide em áreas.
conjunto, alterando-se radicalmente as relações estabelecidas, (COOPER, 1992; DESVIAT pag.37).
de modo a horinzotalizá-las e transformar a instituição de cuidado
num espaço de produção de liberdade, de participação, de • Psiquiatria comunitária ou preventiva (EUA)
acolhimento das diferenças, de valorização de cada sujeito.
Do ponto de vista sanitário, a França adotou a territorialização e É de conhecimento de todos que o sistema de saúde americano
a setorização da assistência, permitindo um melhor conhecimento não é universal e tão pouco se constitui como um direito de todos
da população, o que propicia a elaboração de programas de e dever do estado. Os americanos têm o seu sistema de saúde
saúde num processo de maior aproximação entre os profissionais ainda hoje dominado pelas seguradoras. No entanto, a saúde
e os usuários. É a chamada Psiquiatria de Setor. Outro principio pública se ocupa de dois programas naquele país. O primeiro
do modelo é a ideia de continuidade de tratamento ou seja, uma
59 60
direcionado para os pobres e ao tratamento das tuberculoses, de da instituição psiquiátrica no centro da discussão do processo
portadores de doenças venéreas, de usuários de álcool e outras de reforma por entendê-la como uma instituição de violência e
drogas e ao atendimento à saúde mental; o segundo é o programa violadora permanente dos direitos humanos e de cidadania. O
de proteção pública contra os riscos ambientais (DESVIAT, 1999). modelo italiano de assistência também pressupõe o modelo
Nos anos 1960, o governo Kennedy, criou os centros de saúde territorializado, com a superação gradativa dos hospitais
mental, que tinham dentre os seus objetivos a garantia de acesso psiquiátricos e sua substituição por uma rede de serviços de
e de informações adequadas à população alvo sobre a existência saúde mental cujo funcionamento é integrado dentro do território,
e as características dos diferentes programas, a gratuidade, prevendo que uma mesma equipe de saúde mental deve fazer
a ênfase na prevenção de doenças e a responsabilização do desde as visitas domiciliares e demais acompanhamento do
governo pelo doente e sua família. Esses centros deveriam paciente em todos os seus momentos. O projeto essencial é
proporcionar atendimentos de emergência e a hospitalização devolver aos sujeitos sua condição de cidadania e participação
dos usuários 24 horas por dia, todos os dias da semana, as social.
consultas externas e a educação da comunidade. Também foram
implantados programas de atenção infantil, casas de transição, Todos esses modelos apresentam alguns pontos em comum
programas para os usuários de álcool e outras drogas e o sistema que merecem destaque, tais como:
de avaliação. No entanto, esta política governamental não teve
êxito, pois os centros estavam sem o suporte de um sistema - Os modelos se desenvolveram de maneira desigual dentro de
nacional de saúde pública e foram implantados em número cada país conforme cada região.
insuficiente para a demanda existente (DESVIAT, 1999).
Do ponto de vista conceitual, a psiquiatria americana foi marcada - Regiões onde se tem uma gama diferenciada de serviços de
pelas ideias de prevenção de Gerald Kaplan, que consistia num saúde mental e projetos efetivos de reinserção social demonstram
conceito de prevenção em saúde mental articulado em três níveis. que é possível prescindir dos hospitais psiquiátricos.
O nível primário consistia em se intervir nas condições individuais
e ambientais de formação da doença mental; o segundo nível - Evidenciam necessidade de investimentos de recursos
ocupava-se do diagnóstico precoce das doenças mentais; e o financeiros e a firme decisão dos grupos condutores da política
terceiro nível referia-se à readaptação do usuário à vida social em se fazer a reforma com clareza dos princípios conceituais e
após o seu momento de crise e consequente melhora. O recurso éticos que possibilitem efetivamente que os usuários de saúde
à internação psiquiátrica apenas ocorria quando esgotada outras mental possam se tratar em liberdade e ter uma existência
possibilidades de tratamento e apenas por curtos períodos de digna, com seus direitos humanos respeitados.
tempo (DESVIAT, 1999, pag. 60 a 61).
- Guardada as devidas diferenças entre os modelos, fica claro
• A Psiquiatria democrática italiana que todos buscam diminuir ou prescindir do hospital psiquiátrico
como centro do tratamento.
A implantação do modelo italiano tem na figura do psiquiatra
Franco Basaglia e de outros psiquiatras que integraram o - As reformas psiquiátricas evoluem melhor quando realizadas
seu grupo, como Franco Rotelli, a construção de uma nova juntamente com as reformas sanitárias de cada país.
realidade para a psiquiatria, colocando em questão a existência
61 62
- Os processos de reforma psiquiátrica estão inseridos nos nesse Sistema que ela se realiza. Considerando o processo
contextos sociais e políticos de cada país e sofrem os no qual esse se tornou possível, a produção de uma série
reflexos das políticas mais amplas dos governos em relação à de marcos legais influíram decisivamente na implantação
constituição de seus sistemas de saúde. da reforma psiquiátrica brasileira. Assim, passamos a citar
marcos essenciais para a consolidação e institucionalização
O processo de reforma psiquiátrica no Brasil da Reforma Psiquiátrica como política de saúde mental no
Brasil: a I Conferencia Nacional de Saúde Mental (1987). A
• O processo de mudança no campo da assistência em realização desta conferência, como desdobramento da VIII
saúde mental que temos assistido no Brasil nos últimos Conferência Nacional de Saúde, já citada anteriormente,
anos, conhecido como Reforma Psiquiátrica, apresenta uma foi um momento importante de discussão da construção
enorme complexidade, seja no campo político, assistencial de novas políticas assistenciais, de uma nova legislação
ou cultural a que está referida. A Reforma Psiquiátrica psiquiátrica e da cidadania enquanto um eixo orientador
Brasileira tem antecedentes históricos distantes e múltiplos, destas discussões. Nesta conferência aconteceu uma
que estão ao mesmo tempo vinculados a movimentos reunião “paralela”, que deu origem ao Encontro de Bauru.
sociais, experiências de assistência e transformação de
marcos teóricos e conceituais relativos ao campo. No geral • Encontro de Bauru (1987). Criação do movimento
e considerando a pluralidade que constitui essa trajetória, da Luta Antimanicomial com uma utopia ativa “Por
temos como marca comum um processo no qual, em vários Uma Sociedade Sem Manicômios”. Criação do dia 18
países do mundo, e inclusive no Brasil, trabalhadores da de Maio como Dia Nacional de Luta Antimanicomial.
saúde mental se posicionaram contra as condições de vida
e a forma excludente e desumana de atenção a que estavam • Lei 8080. Dispõe sobre as condições para a promoção,
submetidas as pessoas portadoras de sofrimento mental. A proteção e recuperação da saúde, a organização e o
reforma psiquiátrica brasileira sofreu e sofre a influência de funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras
todos os processos de reforma acima citados e apresenta providências. Esta lei entrou em vigor em 19 de Setembro
também suas particularidades de acordo com a diversidade de 1990. A partir dela foi definida a responsabilização da
política cultural brasileira. Nossa reforma é influenciada pelos União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com as
princípios conceituais de importantes autores da Europa atribuições de elaborar as normas para regular as ações e
e Estados Unidos, mas também sofremos a influência da serviços de Saúde executados isoladamente ou em conjunto
produção recente de inúmeros profissionais de saúde mental por pessoas naturais ou jurídicas, de direito público ou
de diferentes pontos do país que constroem no cotidiano de privado. Começou-se a estruturar o Sistema Único de Saúde.
seu trabalho referências importantes que compõem a nossa
extensa rede nacional de saúde mental, conforme buscamos • Lei 8142, 28 de Dezembro de 1990. Esta lei surgiu
elencar ao final desse trabalho. De todo modo, é importante devido aos vetos que a Lei 8080/90 recebeu em relação
considerar que em cada país esse processo se deu a partir à participação da comunidade (Artigo 11-vetado) e ao
das condições objetivas e concretas configuradas. No Brasil, repasse direto de recursos (§§2º e 3º, do Art.33e § 5º Art.35-
como vimos, a instituição do SUS é referência fundamental vetados). Com esta lei foi possível garantir a participação da
para organização da Política de Saúde Mental, posto que é
63 64
comunidade no controle e fiscalização do SUS, mediante grande participação dos usuários e ampliou o debate sobre
a criação dos Conselhos de Saúde e das Conferências de modelo assistencial, recursos humanos e financiamento. A
Saúde, visto que estes dispositivos são de fundamental IV Conferência Nacional Intersetorial de Saúde Mental foi
importância para o crescimento do SUS. Também foi conquistada pela Marcha dos Usuários a Brasília, em 2010.
disciplinada a transferência dos recursos arrecadados
pela União para os Estados, Distrito Federal e Municípios. • Encontro Nacional dos usuários. I Encontro Nacional em
São Paulo (1991), II Encontro Nacional no Rio de Janeiro
• Projeto de Lei Paulo Delgado (1989). Mecanismo (1992), III Encontro Nacional em Santos (1993), IV Encontro
importante para garantir a discussão por todo o território Nacional em Goiânia (2000). Marcos da participação crescente
nacional da proposta de criação de uma lei com o objetivo de usuários e familiares no movimento da Luta Antimanicomial.
de proteger, promover e melhorar a vida das pessoas com Um dos resultados desses encontros foi a aprovação da carta
transtornos mentais, por serem particularmente pessoas de direitos e deveres dos usuários, no encontro de Santos.
vulneráveis e vítimas de abusos e violação dos seus direitos.
O projeto refletiria uma sociedade que respeita e cuida de • I Encontro Nacional da Luta Antimanicomial em Salvador
seu povo. A ideia de se fazer uma lei surgiu dos militantes (1993) - Marco de consolidação de um movimento social de
da luta antimanicomial, com o apoio total de um parlamentar abrangência nacional com a participação de profissionais,
comprometido com um projeto de transformação nacional, usuários e familiares. No encontro houve a definição do
o ex-deputado federal Paulo Delgado. A lei deveria ser um processo organizativo do movimento e o importante espaço
marco referencial para o desenvolvimento de políticas de de troca de experiências antimanicomiais de todo país. O
saúde mental, para garantir atenção, tratamentos adequados e movimento realiza ainda, o II Encontro Nacional em Betim/
apropriados à proteção dos direitos de pessoas com transtornos MG (1995), III Encontro Nacional em Porto Alegre/RS (1997),
mentais e a promoção de saúde mental das populações. IV Encontro Nacional em Paripueira/AL (1999), V Encontro
Nacional em Miguel Pereira/RJ (2001). Que deram origem a
• Intervenção no Hospital Psiquiátrico “Anchieta” em Santos dois movimentos: MLA – Movimento da Luta Antimanicomial e a
(1989). Marco decisivo para viabilização e a demonstração de RENILA – Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial.
que era possível prescindir do hospital psiquiátrico e realizar
sua substituição efetiva por uma rede de serviços abertos de • A Lei 10216 de 06/04/2001. Esta Lei foi fruto de um longo
atenção contínua, orientados pelo respeito à cidadania dos trabalho no Congresso Nacional a partir do projeto de lei de
usuários. A construção de uma rede substitutiva ao hospital autoria do deputado Paulo Delgado, acima citado. Em todo
psiquiátrico no município de Santos em São Paulo inspirou a período de sua tramitação houve inúmeras discussões,
criação em vários municípios do país de redes de saúde mental. debates, seminários, no Congresso Nacional e por todo país,
tendo finalmente sido aprovada uma legislação que, embora
• II Conferencia Nacional de Saúde Mental (1992). não se expresse com a determinação do projeto original em
Marco de consolidação da participação dos usuários na relação à efetiva extinção dos hospitais psiquiátricos, aponta
conferência e aprofundamento das discussões a respeito para a reorientação do modelo assistencial e garante direitos
das legislações, assistência e cidadania dos usuários. A III humanos mínimos aos portadores de sofrimento mental.
Conferência Nacional de Saúde Mental (2001) contou com
65 66
Apesar de termos, com a nova Constituição, uma legislação se reapresentam a cada momento sob novos desenhos. As
inovadora e progressista, com diretrizes para a criação de políticas atuais tendências e o fortalecimento efetivo da perspectiva da
fortes, ainda não alteramos significativamente as desigualdades privatização, na medida em que se realiza em gestões concretas,
sociais para a efetiva criação de uma sociedade mais justa e explicitam dificuldades de avançar o SUS, de realizar a qualidade
igualitária no que tange principalmente ao acesso e garantia da assistência, de constituir redes, de fazer concretizar os
de qualidade das políticas públicas. Os direitos sociais ainda princípios da atenção integral e do controle social. Embora
estão sendo tratados por áreas ou setores segmentados. Apesar afirmada como direito, na construção das políticas locais de saúde,
dos avanços de uma Constituição que instituiu a seguridade estaduais e municipais, assistiu-se uma enorme diversidade, com
social, afirmando saúde, previdência e assistência como áreas a existência de gestões que resistem à implementação de uma
integradas de proteção social e exigindo a garantia de proteção rede pública de saúde e de políticas sociais intersetoriais, o que
a riscos que podem atingir indistintamente todos os cidadãos, se desdobra em inúmeras dificuldades na assistência prestada
o que se vê atualmente são setores que funcionam ainda de pelos trabalhadores nos serviços existentes. No campo da saúde
maneira fragmentada. Embora cada área tenha por diretriz a mental, embora exista um redirecionamento e ampliação dos
descentralização de suas ações, ainda funcionam de maneira recursos para o setor, existe um constante tensionamento em
vertical em todos os níveis de governo. torno da inversão da lógica do modelo assistencial hospitalar para
Os reflexos dessas formas de estruturação de políticas públicas a implantação de um modelo assistencial aberto e comunitário.
aparecem cotidianamente nos serviços ofertados às populações, A construção da rede de serviços substitutivos (Centros de
especialmente aos grupos que necessitam de formas e estratégias Atenção Psicossociais - CAPS, Centros de Convivência, Serviços
de proteção que requerem ações transversais e integradas, Residenciais Terapêuticos, Núcleos de Trabalhos Cooperados,
especialmente os portadores de sofrimento mental, usuários de leitos em hospitais gerais, consultórios de rua, atenção à saúde
álcool e outras drogas, idosos, crianças e adolescentes e outros mental na atenção básica) tem sido implementada por inúmeros
grupos vulneráveis de nossa sociedade. municípios como novos espaços assistenciais, que objetivam
Como foi visto anteriormente, o processo de construção das pôr fim ao silenciamento e à exclusão que milhares de pessoas
políticas de saúde no Brasil vem de um longo período, marcado trazem do chamado “tratamento nos hospitais psiquiátricos”.
por um permanente tensionamento entre os anseios da sociedade Contudo, há municípios e estados que ainda encontram fortes
na conquista e garantia de seus direitos e a própria organização resistências e gestões que insistem em retomar e fortalecer
e direção política do Estado Brasileiro. antigos modelos e perspectivas, fazendo, por exemplo, coexistir
O direito à saúde é um dos pilares na constituição de uma o hospital psiquiátrico, sucateando a rede substitutiva, ou (re)
sociedade mais justa e democrática. Efetivá-lo significa ir além investindo em modelos ambulatoriais.
dos serviços assistenciais sanitários. Saúde é um conceito que O objetivo maior desses novos serviços e da rede substitutiva é
expressa um processo complexo e a garantia de seu direito acolher e resgatar a subjetividade de cada um e, ao mesmo tempo,
revela essa complexidade também na medida em que se torna possibilitar a construção de redes relacionais e de convivência
necessária a construção de políticas específicas no interior da social. A implantação de um modelo psicossocial implica numa
política pública de saúde, como é o caso da política de saúde mudança de concepção acerca das pessoas com sofrimento
mental. mental e na busca de saídas e construção de estratégias em
A conquista da saúde como direito de todos e política pública diversos campos que fazem conexão direta ou indiretamente com
estatal é, ao mesmo tempo, ainda uma luta. Inúmeras resistências o campo da saúde mental, para fazer caber entre nós aquilo que
67 68
muitos consideram não ter cabimento: a loucura.
Esse desafio é especialmente complexo nos dias atuais, dado
o momento delicado pelo qual passa o Sistema Único de Saúde
– SUS: as forças contrárias ao sistema se unem buscando a sua
privatização, aliados aos tecnocratas do próprio sistema que
cedem a essas pressões. Isso coloca em risco uma conquista
histórica do povo brasileiro: ter a saúde como um direito inalienável
e inequívoco.
69 70
EIXO II – PSICOLOGIA E POLÍTICAS
PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL:
A NECESSÁRIA MUDANÇA DE
PERSPECTIVA
71 72
EIXO II – PSICOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS DE Sem dúvida, essa direção não representava a totalidade de
SAÚDE MENTAL: A NECESSÁRIA MUDANÇA DE práticas psicológicas destinadas aos chamados loucos, alienados,
ou doentes mentais. Perspectivas contra-hegemônicas, num
PERSPECTIVA
primeiro momento claramente orientadas pelas contribuições
da Psicanálise, apresentavam-se na direção de resgatar as
História da Psicologia e sua Relação com as Políticas Públi-
singularidades, os sentidos e as trajetórias expressas nas
cas de Saúde / Saúde Mental
experiências tomadas e reduzidas pelo saber médico-psicológico
como doença.
As mudanças que se desenvolveram no Brasil a partir do
No século seguinte o desenvolvimento da Psicologia como
final do século XIX, relativas principalmente às transformações
ciência, a expansão do seu ensino em diferentes cursos e seus
econômicas, de organização social e seus desdobramentos
desdobramentos em práticas de intervenção como resposta a
no campo cultural, foram de fundamental importância para a
demandas da sociedade brasileira naquele momento levaram
expansão do saber psicológico nas áreas da saúde, da educação
à regulamentação da profissão, que se deu em 1962. A
e do trabalho. O crescimento do processo de urbanização e
profissionalização da Psicologia e a perspectiva da formação
industrialização do país e o agravamento de problemas sociais
superior como possibilidade de ascensão para as camadas
enfrentados demandaram respostas que viriam a se concretizar
médias da população levaram ao aumento do número de cursos
com a presença da Psicologia e de outras disciplinas subsidiando
e da procura de estudantes para os mesmos. “Em 1975, vamos
os processos de administração científica do trabalho, da saúde e
assistir a um verdadeiro boom de psicólogas(os) e de escolas de
da educação. (ANTUNES, 2001)
Psicologia” (BOCK, 1999, p. 75). Além disso, é preciso considerar
Coincidente com esse processo, vemos surgir nesse momento
que a institucionalização da profissão, por meio da criação legal
os primeiros hospícios brasileiros, como resposta às demandas
dos Conselhos de Psicologia em 1971, e ainda sua organização
de organização social impulsionadas pelo progresso e as novas
em associações e sociedades extra-universitárias tem um papel
configurações do cenário brasileiro. Nesse contexto, “(...) a
importante na consolidação da profissão. Ao lado dos Conselhos
medicina higiênica – como a medicina mental – vai constituir um
profissionais, outras entidades e associações organizativas
discurso sobre todas as instâncias da vida, invadindo as esferas
da Psicologia vão se constituindo, representando processo
das relações pessoais para moldá-las segundo os propósitos da
importante para o crescimento e o reconhecimento da profissão.
ordem e da disciplina urbana” (CUNHA, 1986, p.35).
O resultado desse processo pode ser claramente observado hoje,
Os hospícios representarão, então, uma forma de manejo
numa Psicologia que conta com cerca de 220 mil profissionais
da população considerada resíduos improdutivos e de uma
inscritos ativos no Sistema Conselhos de Psicologia e com um
enorme massa de sujeitos que não respondiam às exigências de
conjunto de entidades relativas ao campo sindical, ao campo da
contratualidade das novas formas de organização da vida social.
formação e ainda outras tantas relativas a áreas específicas de
No interior dos hospícios e de instituições médicas correlatas, o
atuação e produção de conhecimento em Psicologia.
desenvolvimento e a expansão dos conhecimentos psicológicos
O crescimento da profissão e sua frágil incorporação no mercado
representavam a contribuição da Psicologia como ciência afim
formal de trabalho, assim como a tradição de formação presente
à Psiquiatria. A Psicologia subsidiava não apenas as finalidades
nos cursos, caracterizará a Psicologia da década de 1970, cujas
de higienização social, como apontava para um conjunto de
marcas ainda estão fortemente presentes na profissão. Segundo
práticas clínicas, de origem profilática e direcionadas aos sujeitos
Bock (1999), as(os) psicólogas(os) brasileiras(os) concentram
considerados normais (ANTUNES, 2001).
73 74
sua atuação no campo da clínica privada, desenvolvendo uma desenvolvimento de aprendizagem para todos os que
prática elitista e descolada do movimento histórico do país. É nele se envolvem: usuários, técnicos e familiares. Afinal
apenas a partir da década de 1980 que, por meio de movimentos de contas, é nesse microcosmo social que se exercita
encabeçados inicialmente pelas entidades organizativas da até as últimas consequências (ou pelo menos deveria ser
assim) o experimento que propomos a toda a sociedade
categoria, a profissão começa a pautar pontos relativos às
e que consiste em admitir e garantir a convivência plural
possibilidades de respostas da Psicologia às urgências das lutas de loucos e de supostos normais (DE OLIVEIRA SILVA,
sociais travadas na direção da democratização da sociedade e 2003, p.97)
da promoção da justiça social. É assim que as(os) psicólogas(os),
talvez mais claramente algumas de suas entidades organizativas, Em função de todo esse processo de envolvimento da
passam a se implicar em processos como a luta por melhores Psicologia com a garantia de direitos e com as ações necessárias
condições de trabalho, as necessidades de políticas de proteção diante do acirramento das desigualdades na sociedade brasileira,
integral às crianças e adolescentes, a luta por uma política com especial destaque ao seu compromisso com a garantia da
pública de saúde universal e integral, dentre outros. A Psicologia promoção e da atenção integral à saúde como política pública,
passa a ter em sua pauta as graves desigualdades da sociedade assistiu-se ao longo das décadas que se sucedem a um
brasileira e a promoção de políticas de proteção e garantia de significativo crescimento da presença das (os) psicólogas (os) nas
direitos sociais. políticas públicas, em especial nas políticas públicas de saúde.
É nesse momento histórico que as(os) profissionais Uma pesquisa realizada pelo Conselho Regional de Psicologia
psicólogas(os) participam ativamente dos movimentos pela do Estado de São Paulo em 1981 apontava que nesse Estado,
Reforma Sanitária no país, citados no capítulo anterior, essenciais dos 20.000 psicólogos inscritos, 66% atuavam na profissão, dos
para a futura instituição do Sistema Único de Saúde (SUS), ao quais 45% trabalhavam como autônomos e 57% concentravam-
mesmo tempo em que também nesse momento há uma importante se na área clínica. As demais áreas de atuação indicadas pela
participação da categoria no Movimento dos Trabalhadores da categoria eram a Psicologia Organizacional e a Psicologia
Saúde Mental, que em 1987 se transforma em Movimento da Luta Escolar, que respectivamente concentravam a atuação de 21%
Antimanicomial, com a participação de usuários, familiares e da e 12% da categoria. Apenas 4% dos psicólogos desenvolviam
sociedade civil organizada, como vimos anteriormente. suas atividades no serviço público. (Bock, 1999). No ano de
Segundo De Oliveira Silva (2003), o Movimento dos 1988, a pesquisa “Quem é o Psicólogo Brasileiro” indicava que
Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) forjado nas jornadas no Brasil cerca de 40% da categoria concentrava sua atividade
antiditatoriais dos fins dos anos de 1970 foi uma das fontes que na área Clínica, aparecendo ainda como áreas de atuação o
ofereceu bases e referências políticas iniciais para que, anos campo Organizacional e Escolar, concentrando 17% e 7% das
depois, pudesse se reaglutinar o polo crítico da saúde mental no atividades profissionais, respectivamente. Há uma frágil presença
Brasil, a partir do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial. em atividades de docência e pesquisa (5%), mas a incipiente
participação dos psicólogos em um novo campo de trabalho,
A existência de um movimento social, plural e democrático indicado como área comunitária e concentrando a atuação de
nas bases instituídas desde 1993 pelo Movimento
cerca de 2% da categoria. A atualização da mesma pesquisa no
Antimanicomial, com seus espaços plenários nacionais,
ano de 2009 indica que, apesar da permanência de pouco mais
com suas campanhas, com suas potencialidades
enquanto espaços de expressão pessoal, coloca-se, de 50% da categoria na atividade clínica, na sua imensa maioria
evidentemente, como uma importante referência de desenvolvida de forma privada e autônoma, há uma expansão
75 76
de áreas de atuação da categoria e uma maior presença da A Inserção da Psicologia na Saúde Pública e na Reforma
Psicologia nas políticas públicas, especialmente no campo Psiquiátrica
da saúde. Segundo dados da pesquisa, 17% da categoria tem
como sua principal área de atuação o campo organizacional/ O campo de fenômenos para o qual se orientam as políticas
institucional e 11% desenvolve suas atividades principalmente públicas de saúde e de saúde mental desde a instituição do SUS
na área educacional, refletindo ainda a história de inserção e apresenta-se como processo social complexo. O objeto deixa
institucionalização da Psicologia na sociedade brasileira. As de ser a doença ou a doença mental como processo natural ou
atividades de docência, pesquisa, psicologia jurídica e outras não abstrato e converte-se no conjunto de condições concretas de
especificadas aparecem como principais para 7% da categoria. existência da população, seus determinantes nos processos
11% da categoria indica como principal área de atuação na saúde-doença, suas expressões em experiências de sofrimento de
Psicologia políticas públicas de saúde, segurança e educação. sujeitos singulares. Assim, os profissionais que desde a instituição
Indica a pesquisa que, excetuando-se cerca da metade da do SUS passam a compor as equipes dos diversos serviços da
categoria que desenvolve suas atividades profissionais como rede de atenção à saúde estão orientados para intervenções que
autônomos, o setor público caracteriza-se hoje como o maior representem transformações sob o território, compreendido não
empregador (dos psicólogos empregados, 40,3% estão no setor apenas como espaço físico, com suas características e condições
público, 24,4% em empresas e organizações privadas e 35,3% em próprias, mas como campo de relações, de vínculos e de modos
organizações sem fins lucrativos), sendo a maior concentração e formas de organização da vida produzidas pelos homens que
na saúde pública. nele habitam. Como resultado, do ponto de vista da construção
Recente levantamento realizado pelo Conselho Federal de histórica dos conhecimentos e práticas no campo das ciências e
Psicologia indica que temos hoje: 29.212 psicólogos atuando profissões da saúde, fomos forçados a um redirecionamento, que
no SUS; 20.463 psicólogos atuando no SUAS (CENSO SUAS, se coloca no sentido da exigência da produção de estratégias que
2011); 1.103 psicólogas(os) atuando no Judiciário. respondam às diretrizes do Sistema Único de Saúde e, no caso
Assim, há nas últimas duas décadas e desde a instituição do da saúde mental, à política de Reforma Psiquiátrica desenvolvida
Sistema Único de Saúde uma importante ampliação da presença no âmbito do SUS.
de psicólogos nas políticas públicas de saúde e uma importante Portanto, a significativa inserção dos psicólogos no Sistema
implicação da categoria com a garantia do direito à atenção integral Único de Saúde e nos serviços de saúde mental do SUS,
à saúde, por meio de sua participação nas lutas e no trabalho impulsionados pelo projeto antimanicomial forjado desde um
cotidiano do SUS. Do mesmo modo, é significativa a participação movimento social, produziu um redirecionamento da Psicologia,
dos trabalhadores psicólogos na reorientação do modelo de ao lado de outras profissões da saúde, em relação à sua tradição
assistência em saúde mental na saúde pública, levando a uma histórica relativa às orientações éticas, teóricas e metodológicas.
reconstrução dos compromissos e das práticas tradicionalmente O transtorno mental, tomado como situação limite de um
acumuladas e desenvolvidas pela profissão. processo social complexo e problemático, que se expressa e se
constitui como sofrimento na experiência de sujeitos singulares,
força a definição de uma nova forma de atuação para a Clínica,
exigindo transformações metodológicas e tecnológicas para o
atendimento em saúde mental. Os transtornos mentais graves
77 78
com que lidam essa clínica são, antes de serem tomados como seios enormes, pés chatos - Prontuário, Maria José, 22
uma patologia, portanto, doença mental, tomados como processos anos, negra, internada em 12-3-1920. (CUNHA, 1986, p.
complexos, que implicam a trajetória de vida de sujeitos singulares 124)
em condições objetivas e concretas de existência.
É bem verdade que a análise histórica da constituição dos O campo da Reforma Psiquiátrica ancora-se no reconhecimento
dispositivos do saber e das práticas psiquiátricas nos mostra de que o fato psíquico se inscreve, necessariamente, como
que o ponto de corte para a construção do comportamento fato social. No caso da loucura ou da psicose, como queiramos
bizarro ou desviante como alvo das intervenções psiquiátricas, chamar, trata-se de um fato social significativo, a partir do qual
sobretudo na geração das demandas de internações, situou-se emanam formas de gerenciamento historicamente produzidas no
antes em marcadores sociais do que em marcadores clínicos campo médico-sanitário como formas de agenciamento que são
ou da sintomatologia estritamente psíquica. (DE OLIVEIRA também sociais.
SILVA, 2009, p.41). A esse respeito, a obra de Cunha (1986) é
Somente quando os sintomas interferem na ordem social
de especial valia, na medida em que, ao analisar os prontuários
de forma relevante, o sujeito será inscrito no quadro
das pessoas internadas no hospício do Juquery, um dos primeiros do desvio psiquiátrico, sobretudo quando afetadas as
hospitais psiquiátricos brasileiros, na primeira metade do século suas qualidades de autoregulação, autonomia pessoal
XX, evidencia como os crivos para a construção dos diagnósticos e/ou econômica ou de perturbação da ordem. Não que
e para a determinação das medidas de internação e tratamento os elementos de alteração do funcionamento psíquico
estão, antes de tudo, no desvio social do comportamento, quando deixem de ser relevantes na definição da gravidade
não nas expressões culturais ou físicas próprias de uma raça. dos casos psiquiátricos, mas apenas quando essas
Vale citar alguns exemplos: alterações ultrapassam um certo patamar da crítica
social, os encaminhamentos dos casos os direcionam na
(...) Freqüentou o colégio, onde aprendeu a ler e escrever. busca de ajuda e, mais especificamente, na demanda de
Não consta que houvesse padecido de moléstias graves. internações. Portanto pode-se considerar que, nos casos
Foi sempre um pouco débil de constituição, como de denominados como “urgências psiquiátricas” e que
regra sucede com os mestiços entre nós. Por morte demandam internações, ao lado dos seus componentes
de seu progenitor é que começa a sua história mental psíquicos, encontram-se envolvidos vultosos elementos
propriamente dita. Usufruindo pequeno rendimento de de administração de situações sociais complexas que
herança, entregue a si mesma, começou a revelar-se não são compatíveis com as simplificações analíticas
incapaz de gerir seus bens, que dissipava sem conta (...). e institucionais mormente encontradas na estruturação
Um pouco mais tarde, sua conduta entrou a manifestar dos dispositivos clínicos tradicionalmente disponíveis.
singularidades. Certa vez, comprou trajes masculinos e (DE OLIVEIRA SILVA, 2009, p.41).
saiu a viajar nesse estado. Foi reconhecida como mulher
e presa pela polícia (...). Achamos, pelo exposto, que se Disso decorre uma nova direção de intervenção no campo
trata de uma degenerada fraca de espírito em que se da saúde mental, caracterizada pela perspectiva da atenção
vai instalando pouco a pouco a demência - Prontuário, psicossocial, que se colocou como orientadora do desenvolvimento
Antonia P. de A., 22 anos, parda, solteira, procedente da do projeto institucional dos CAPS, como dispositivos estratégicos
capital, internada em 22-6-1918. (CUNHA, 1986, p. 143) da rede substitutiva de saúde mental. A atenção psicossocial
Os estigmas de degeneração física que apresenta são os aponta para a necessidade de produzir intervenções tendo em vista
comuns de sua raça: lábios grossos, nariz esborrachado,
79 80
as condições de existência de sujeitos concretos, intervenções saúde e doença, conseguindo protagonizar novas formas de lidar
complexas e individualizadas, que respondam à necessidade de com seu adoecimento e construir novas possibilidades de vida
cada caso e se orientem para as redes de relação e circulação dos comunitária, familiar, novas formas de construção de relações
indivíduos. Segundo autora, a perspectiva da atenção psicossocial afetivas, novos trânsitos em campos e espaços de trabalho.
aponta para o campo das práticas e intervenções profissionais em As posturas profissionais devem estar orientadas para essa
saúde mental, para o campo teórico-técnico relativo à definição do finalidade. Desse modo, os psicólogos precisam construir novas
objeto dessa área e para uma perspectiva ético-política. Do ponto leituras, que respondam a essas exigências. Leituras que tomem
de vista do primeiro aspecto, a atenção psicossocial aponta para a psicopatologia compreendendo as questões sociais e culturais
a necessidade de construir dispositivos e redes que representem que a atravessam. O psicólogo necessita perceber as dificuldades
a superação do modelo asilar, assim como intervenções que relativas a cada território de convivência e os desafios postos
direcionem a assistência para as transformações necessárias na busca por direitos de cidadania das pessoas com as quais
nas configurações subjetivas e nos processos de produção trabalha.
social. Do ponto de vista teórico-conceitual, essa perspectiva De certo modo, podemos dizer que os psicólogos tem como
exige a substituição da referência à doença mental e sua cura desafio a possibilidade de construir a crítica ao discurso médico
para uma leitura sobre a existência concreta dos sujeitos e seus e à perspectiva reducionista acerca da experiência da loucura.
sofrimentos. Finalmente, a orientação ético-política aponta para a O desafio está posto como necessidade para o reconhecimento
construção permanente, dentro e fora dos serviços, da condição da dimensão cultural que atravessa a existência desses sujeitos
de cidadania daqueles historicamente invalidados nas relações e conforma suas subjetividades. Tal reconhecimento é essencial
sociais. Nas palavras de Oliveira Silva (2009, p.41): para resgatar a dimensão humana do fenômeno da loucura e a
dimensão do sofrimento que atravessa essa experiência humana.
Portanto o paradigma da clínica psicossocial das psicoses Desde uma perspectiva antropológica sobre o fenômeno da
pretende devolver à clinica a condição de operar com a loucura, o trabalho do psicólogo incide menos sobre a cura de uma
complexidade do seu objeto, manejando um conjunto doença ou um sintoma e mais sobre a produção de subjetividades
heterodoxo de recursos e possibilidades que extrapolam que, podemos dizer, devem se produzir como subjetividades
os limites disciplinares, acadêmicos e/ou corporativos
inconformadas. Inconformadas no sentido da recusa à reprodução
que, tradicionalmente, moldaram de forma reducionista
os fenômenos sobre os quais pretende intervir, de apática, homogênea e pasteurizada imposta pela sociedade
modo a submetê-los às conveniências protocolares das moderna, por suas formas de controle, pela organização de suas
instituições. ( DE OLIVEIRA SILVA; 2009) relações de trabalho e pelos processos de sustentação do modo
de produção vigente. Subjetividade é processo vivido e tecido
Essa perspectiva de linha de cuidados para as pessoas com a longo da trajetória do sujeito. Para ser insurgente, primeiro é
transtornos mentais (que é também hoje uma perspectiva de preciso acolher no próprio corpo a sua inquietação e o seu traço
orientação para o cuidado de outras doenças crônicas) pauta uma de diferença. Os psicólogos, como outros trabalhadores dessa
transformação importante às profissões no campo da assistência, clínica, não produzem apenas intervenções técnicas, mas antes
marcadas tradicionalmente por uma forte vocação ambulatorial. disso disponibilizam acolhimento para dar suporte à travessia que
Ela exigiu e exige do sistema de saúde e das profissões nele o outro deve construir em sua experiência como sujeito humano.
inseridas um processo longo e complexo de cuidados, orientados Nessa travessia, cada um deve encontrar as condições e os
pela possibilidade da pessoa se apropriar do seu processo de lugares possíveis para a afirmação da sua diferença como valor
81 82
positivo. Isso representa a construção de coletivos responsáveis, trabalha, a loucura, requer, como já anunciado, uma leitura para
que assumem posições na sociedade em nome de uma direção além dos referenciais médico-sanitários e, portanto, é bem-vindo
ético-política. A ética que queremos afirmar está pautada nos o diálogo com o campo da Sociologia, do Direito, da Filosofia, da
valores da igualdade de direitos e do respeito às diversidades Antropologia.
e cabe aos profissionais, parceiros nesse empreendimento Não obstante essa pluralidade de leituras que podem construir
de tecer novas biografias e produzir novas subjetividades, o nosso olhar, sem dúvida a construção do trabalho intensivo e
questionamento permanente acerca da direção da transformação cotidiano de cuidados busca ferramentas oriundas do campo
que estão construindo na realidade por meio de sua atuação. teórico relativo à constituição da subjetividade, do psiquismo,
do comportamento humano. A respeito disso, é preciso que os
Teorias em Psicologia e Atenção à Saúde Mental psicólogos tenham clareza do lugar da teoria na construção de
seu trabalho profissional da rede substitutiva de saúde mental. É
Nessa discussão, cabe a pergunta acerca de quais os referenciais preciso reconhecermos que o campo de intervenção produzidos
teóricos no campo da Psicologia que, como orientadores desse desde a Reforma Psiquiátrica Antimanicomial não se fundou
trabalho, podem subsidiar os psicólogos na leitura e na prática de a partir de uma teoria ou de um conjunto teórico. Ao contrário
atenção psicossocial que estejam orientadas por esses princípios. disso, a busca ou a produção de conhecimentos teóricos que
A construção dessa nova perspectiva de intervenção e desse expressassem e subsidiassem esse trabalho se deu a reboque
novo direcionamento na construção das políticas de saúde exige da construção cotidiana de práticas, a princípio orientada pelas
a sustentação de uma posição teórica frente ao fenômeno da diretrizes preconizadas pelo SUS, pela Reforma Psiquiátrica e
loucura. Em relação ao debate relativo aos referenciais teóricos pelo ideário Antimanicomial. Desse modo, os psicólogos devem
dos psicólogos no campo da atenção psicossocial, algumas reconhecer que o conhecimento teórico da Psicologia deve se
reflexões preliminares de tornam necessárias. colocar, diante de sua prática nos CAPS, como secundário,
A primeira delas diz respeito ao reconhecimento de que a no sentido de que esse conhecimento deve estar a serviço e
produção do saber científico não é neutra e que, portanto, os submetido ao referencial e às diretrizes orientadoras do processo
conjuntos teóricos disponíveis expressam diferentes projetos da Reforma. Ou seja, é necessário perguntar se os referenciais
de ciência, que apontam para distintos projetos de sociedade adotados respondem à direção de uma ética inclusiva, libertária e
e, portanto, referenciam intervenções na direção desses que aponte para o respeito e a construção da cidadania da pessoa
projetos. Isso deve nos lançar, no campo da Psicologia, a um com transtorno mental. Assim, é um campo ético que delimita os
diálogo interrogante em relação aos compromissos e diretrizes limites dos recursos teóricos e técnicos que podem ser tomados
que se desdobram dos diversos campos teóricos. Portanto, os e disponibilizados para o trabalho nos CAPS.
referenciais que os psicólogos assumem e nos quais buscam Por isso, é necessário recusar referências que reduzem o
referências para a orientação teórico-prática de seu trabalho, sujeito à condição de objeto da investigação científica, assim
expressam que concepção de homem e sociedade e de que como é preciso recusar perspectivas a partir das quais o saber
forma se comprometem com a transformação da realidade? científico tenha primazia sobre a garantia de direitos dos usuários.
Outra reflexão importante diz respeito ao reconhecimento Também é preciso recusar teorias que apontem no sentido da
de que o fenômeno com o qual trabalhamos nos CAPS impõe normalização e da mera adaptação dos sujeitos. É necessário, no
embasamentos oriundos de diferentes campos do saber. Assim, lugar disso, buscar referenciais que subsidiem a perspectiva de
a apreensão da complexidade do fenômeno com o qual se atuar para produzir saúde, transformar subjetividades e emancipar
83 84
os sujeitos. O referencial teórico deve ser capaz de responder para aproximação do serviço aos usuários em regiões rurais,
a um projeto ético. Esse projeto ético está orientado para a experiências de atividades em contato direto com a comunidade,
possibilidade da convivência, da diversidade, da sustentação de oficinas com utilização de diferentes recursos (música, leitura e
diferentes existentes, garantida a condição de uma cidadania. A escrita, cuidados com corpo e beleza, informática), programas de
cidadania não é fazer do louco não louco, não é fazer do louco geração de trabalho e economia solidária, dentre outros.
um sujeito de razão, mas é compreender um campo da cidadania Novamente, não cabe a essas referências listar as práticas
constituído como espaço da pluralidade. A universalidade do que devem ser desenvolvidas pelos psicólogos nos CAPS,
acesso aos direitos deve comportar as singularidades. nem tampouco um conjunto de intervenções que possam se
A pesquisa realizada com os psicólogos que trabalham nos caracterizar como práticas inovadoras. Salientamos, no lugar
CAPS aponta para a utilização de uma pluraridade de referenciais disso, que as práticas serão tanto mais exitosas quanto mais
teórico, técnicos e conceituais, com destaque às abordagens de responderem às exigências e desafios de cada contexto, na
base psicanalítica, abordagens a partir do referencial da Psicologia direção da atenção psicossocial referenciada. Do mesmo modo,
Social e abordagens de base comportamental. Não cabe apontar a inovação das práticas deve ter como critério a produção de
os campos epistemológicos, teóricos e conceituais que melhor respostas diante da necessidade de intervenções dos projetos
respondem ou dialogam com os parâmetros éticos e as diretrizes terapêuticos individualizados e as condições de cada território.
do campo da Reforma Psiquiátrica, indicando ou limitando a Sem dúvida, do ponto de vista das intervenções tradicionalmente
princípio a utilização de determinados conjuntos teóricos. Mas consolidadas no campo da Psicologia, isso deverá representar
é preciso afirmar o compromisso do profissional psicólogo uma reinvenção de práticas e de tecnologias de intervenção.
se perguntar, na busca de referenciais teóricos no campo da Pela relevância do seu lugar na orientação das práticas
Psicologia (considerando, sobretudo, sua construção histórica), psicológicas e também na orientação das medidas de assistência
que respostas esses referenciais lhe oferecem no encontro em saúde mental, cabe uma reflexão final sobre a questão do
com a loucura, sua coerência com os princípios orientadores da diagnóstico e seu papel na construção das ações de atenção
Reforma e sua possibilidade de subsidiar as práticas da atenção psicossocial e, portanto, na construção das intervenções nos
psicossocial conforme afirmadas acima. CAPS. A prevalência do diagnóstico psicopatológico representa
um reducionismo e, em última instância, a prevalência do discurso
As Práticas das(os) Psicólogas(os) nos CAPS técnico, médico, científico e racional sobre a loucura. É a captura
da lógica científica da normalidade que reduz a experiência da
Do mesmo modo que as teorias, os referenciais relativos às loucura à doença. Nessa perspectiva, o diagnóstico se apresenta
práticas e às técnicas desenvolvidas no serviço devem estar como conclusão e descrição imutável da condição do sujeito, que
submetidos às diretrizes do SUS e da Reforma Psiquiátrica e aponta para a previsão de um destino.
a ética do projeto antimanicomial. A pesquisa realizada com os Na clínica da saúde mental, os psicólogos devem construir
psicólogos apresenta um conjunto significativo de atividades diagnósticos que se apresentem como ponto de orientação
como acolhimento, discussão de casos em equipe, psicoterapias, num percurso a ser construído na história do sujeito. Ele deve
atendimento às crises, elaboração de planos individuais de significar a possibilidade, muito menos de responder sobre uma
cuidado, grupos e oficinas, atividades dirigidas diretamente à doença e muito mais de indicar as possibilidades de projetos
reinserção social, dentre outras. No que tange ao destaque de a partir do que se identifica como um modo do sujeito atuar na
práticas ou experiências inovadoras, apresentam-se estratégias vida, estabelecer relações e constituir sua experiência subjetiva.
85 86
Assim, a construção do diagnóstico deve apontar um dado da
biografia do sujeito que ajude a pensar transformações possíveis
nessa biografia. O diagnóstico não deve, por isso, ser buscado
para responder ao psicólogo ou à equipe quem é o sujeito ou
qual a sua doença, mas para apresentar dificuldades desse
sujeito que apontem as possibilidades de assistência da equipe e
do profissional na construção parceira de uma nova trajetória de
vida.
Portanto, do ponto de vista do diagnóstico, das teorias e das
referências de projetos de intervenção para a prática dos psicólogos
nos CAPS, devemos nos orientar sempre pela indagação acerca
de que a servem os recursos utilizados e se eles estão a serviço
da atenção psicossocial orientada pelos princípios da reforma
psiquiátrica antimanicomial. Sem dúvida, essa reflexão levará
os psicólogos à produção permanente de saberes e de práticas
profissionais. Nesse sentido, podemos afirmar que o campo da
atenção à saúde mental orientado por tais princípios pauta uma
transformação necessária à própria Psicologia, considerada a
tradição a partir da qual esta se produziu.
87 88
EIXO III: A ATUAÇÃO DA(O)
PSICÓLOGA(O) NA POLÍTICA
DO CAPS
89 90
EIXO III: A ATUAÇÃO DA (O) PSICÓLOGA (O) NA cabe aos CAPS, suas equipes e recursos clínicos, não recuar
POLÍTICA DO CAPS frente à loucura ou ao sofrimento psíquico, tomando posição e
se contrapondo à exclusão como método de tratamento, mas
também oferecendo ao estrangeiro da razão (LIMA, 2002)
O modo de fazer: desinstitucionalização da prática e
hospitalidade, manejos criativos e singulares para fazer contorno
intervenção na cultura.
à dor intensa e assegurar ao sujeito os direitos de um cidadão.
Cabe ainda ao CAPS, a invenção, pretensão que contrariaria a
A Reforma Psiquiátrica, política pública do Estado brasileiro
lógica que o instituiu, contudo, é importante salientar que a clínica
de cuidado com as pessoas de sofrimento mental, é, em
antimanicomial não é um fazer eclético, nem tampouco destituído
sua concepção e proposta, muito mais que uma reforma da
de sentido. Ao contrário, a criação, a invenção desta nova prática
assistência pública em saúde mental. É, antes, e, sobretudo, um
de trato e relação com a loucura sustenta-se em princípios éticos
complexo processo de transformação assistencial e cultural que,
claros e definidos. O direito à liberdade, o consentimento com
ao deslocar o tratamento do espaço restrito e especializado de
o tratamento, o respeito à cidadania e aos direitos humanos, a
cuidado da loucura: o hospital psiquiátrico, para a cidade, que
participação do usuário no serviço; articulam-se aos conceitos de
provoca mudanças no modo como a sociedade se relaciona com
território, desinstitucionalização, porta aberta, vínculo, trabalho em
esta experiência. O que coloca, de saída, para todos os outros
equipe e em rede. Este conjunto formam os pontos de orientação
dispositivos inventados por esta política, a saber, os chamados
que organizam e dão sentido ao cuidado nestes lugares.
serviços substitutivos, e os CAPS são um destes serviços, uma
A pergunta: o que se faz num lugar como este, como é
dupla missão: a de serem lugares de cuidado, sociabilidade e
o tratamento dentro de um CAPS, quais são os recursos
convívio da cidade com a loucura que a habita.
terapêuticos adotados por esta prática de cuidado, questões
Lugares de tratamento e convívio entre diferentes, de realização
sempre endereçadas à Reforma Psiquiátrica, é antecedida,
de trocas simbólicas e culturais, enfim, lugares e práticas que
portanto, por uma orientação ética que diz por que se faz assim e
desconstroem, em seu fazer cotidiano, uma arraigada cultura
não de outro modo.
de exclusão, invalidação e silenciamento dos ditos loucos, ao
Tornou-se lugar comum a afirmação de que nos serviços
promover intervenções no território que revelam possibilidades
substitutivos ocorre uma prática inventiva, desinstitucionalizadora.
de encontro, geram conexões, questionam os preconceitos e
E isto é absolutamente verdadeiro. Nos novos serviços, nos
fazem aparecer a novidade: a presença cidadã dos portadores de
CAPS, muito do que é feito, grande parte da experiência
sofrimento mental.
cotidiana de técnicos, usuários e familiares não encontra
Os CAPS – Centros de Atenção Psicossocial - são uma das
referência em nenhuma teoria ou disciplina. Não está previsto
invenções deste processo que se articulam e ganham potência
em nenhum manual de Psicologia ou qualquer outra disciplina
no pulsar da rede na qual se inserem, e cumprem, dentro da
e nem sempre se formaliza como saber teórico. “Práticas que
arquitetura aberta, livre e territorializada da reforma, um importante
– é importante assinalar– ocorrem ao lado de, e convivem com
papel.
intervenções absolutamente legitimadas e aceitas pelo saber
Cabe a este estratégico serviço a resposta pela atenção
técnico-científico”. (Desinstitucionalização da prática e práticas
diária e intensiva às pessoas com sofrimento mental, oferecendo
da desinstitucionalização. Texto apresentado no Encontro
acolhimento, cuidado e suporte desde o momento mais grave
Nacional “20 anos de Bauru” mimeo. Bauru, 2007. CFP). Ou seja,
_ a crise, senha de ingresso no manicômio, até a reconstrução
a invenção convive com a tradição, sempre balizada, contudo, por
dos laços com a vida. Materializando uma máxima psicanalítica,
91 92
uma ética: a da liberdade e do respeito às diferenças. Segue-se reside a novidade, a subversão: se o ato se faz contra a vontade
a tradição quando a mesma, suas prescrições e normas “não se de um sujeito, é porque há aí o reconhecimento da expressão de
constituem em obstáculos à vida e ao direito humano”. um querer, da capacidade de manifestar e decidir sobre sua vida
Pode-se afirmar, portanto, que em essência a prática nos e seus atos, mesmo que em crise ou surto. E visando minimizar
CAPS é um embate entre a tradição e a invenção, a construção os riscos de possíveis abusos da razão no uso do poder sobre
do novo na negação do velho; ou ainda, a construção diária de a loucura, o responsável por este ato fica obrigado a prestar
outro paradigma para o cuidado com a loucura que insere entre contas do mesmo, informando-o ao Ministério Público, instância
seus recursos e como condição preliminar para o tratamento, convocada pela lei, a avaliar e decidir quanto a pertinência da
a cidadania de quem é cuidado e de quem cuida. Uma relação decisão e os efeitos que provocou no exercício da cidadania do
de cuidado, onde nos dois polos – terapeuta/paciente, devemos sujeito à mesma submetido. Este é o sentido dado pela Lei da
sempre encontrar um cidadão. Reforma Psiquiátrica a internação involuntária.
A liberdade é um dos direitos de todo cidadão. E, para a Completamente distinta é a internação compulsória. Nesta não
Reforma Psiquiátrica, é o ponto de partida da clínica. O que é feito há manifestação de vontade, mas imposição de pena. Aqui temos
tem na liberdade sua causa e consequência. Cuidar em liberdade um ato jurídico, uma prescrição legal determinada por um juiz e
é, mais que uma máxima, uma diretriz. É posição que se traduz decidida no curso de um processo e nunca fora dele.
na prática e em sentidos variados. Inicia-se na supressão das O projeto antimanicomial é comumente compreendido como
grades, na eliminação dos espaços de isolamento e segregação, uma ética que apenas beneficia as pessoas com sofrimento
ou seja, na substituição da arquitetura da exclusão, para alcançar mental.
um ponto subjetivo e cidadão: o consentimento com o tratamento. Uma “leitura simplista e equivocada, que confunde direito
Para tratar, rigorosamente, é necessário ser livre para decidir com privilégio, dimensão que a luta antimanicomial jamais
quando e porque tratar-se, sendo igualmente importante, para reivindicou para os ditos loucos. A defesa do direito à
esta clínica, tratar sem trancar, tratar dentro da cidade, buscando liberdade e a cidade para os portadores de sofrimento
mental, reconhece a exclusão de que eles foram e ainda
os laços sociais, o fortalecimento ou a reconstrução das redes
são vítimas e reclama o seu direito por cidadania por
que sustentam a vida de cada usuário. compreender que esta é uma condição preliminar para a
Liberdade e responsabilidade são, portanto, conceitos clínica”. (SILVA, 2010, pg. 147)
orientadores da prática clínica dos serviços substitutivos e dos
CAPS, em particular. A responsabilidade foi problematizada pela Tratar em liberdade é não pressupor a reclusão como modo de
reforma psiquiátrica e a grande novidade foi a introdução do tratar, subvertendo tanto a lógica quanto o pensamento clínicos.
reconhecimento da vontade e da responsabilidade na experiência Abertas as portas, suprimidas as grades _ primeira tomada de
da loucura. Ao modular a internação – artigo 4º da lei 10216 de decisão, outra mudança deve se operar. Faz-se necessário
2001, dá a esta o estatuto de um recurso entre outros e não mais abandonar a posição de tutores dos loucos e da loucura,
o recurso, a ser usado quando os demais houverem se esgotado. recusando, ainda, a condição de agentes da ordem, inventando ou
Deste modo, produziu um corte em relação às práticas de descobrindo o novo lugar e função a ser exercida: o de parceiros
sequestro da loucura. Além disso, distinguiu a aplicação jurídica da loucura.
da terapêutica. No campo do tratamento, a internação pode se Uma das máximas basaglianas ensina que é “preciso colocar
dar em acordo com a vontade do sujeito, voluntariamente, e em entre parênteses a doença para encontrar o homem”. Deslocar
desacordo com seu querer, involuntariamente. E neste ponto o olhar da doença para o cidadão que sofre e para o sujeito que
93 94
se manifesta e assim se expressa é um giro na posição de quem referência. Mais que qualquer outro recurso, o que a prática nos
cuida que possibilita desvelar, na manifestação do sofrimento, os CAPS revela de mais potente é que é o vínculo o recurso que
sentidos ou significados que o mesmo revela ou expressa, mas melhor trata o sofrimento. É esta ferramenta, se quisermos assim
também, as conexões e rupturas que põem em jogo. nomear, que reveste todos os recursos disponíveis e possíveis de
O sofrimento psíquico ou a crise - sua expressão mais serem utilizados de sentido terapêutico e os tornam potentes na
intensa - podem assim ser percebidos para além da dimensão resposta. Assim, um remédio tem tanto valor de alívio quanto um
psicopatológica. Entra em jogo aqui, a necessária escuta e o simples passeio, ou uma festa, ou ainda, a conquista de condições
reconhecimento do sujeito e do laço social. Assim, temos a dignas de vida, a elaboração ou a subjetivação da experiência do
psicopatologia articulada à dimensão subjetiva e ao laço social. sofrimento e a construção de um saber sobre a mesma.
A crise do sujeito, ou o conflito que não encontrou lugar na E aqui é preciso considerar as dimensões singular e coletiva
subjetividade e por isso tornou-se insuportável e transbordou, dos vínculos. No plano micro, a importância do vínculo com um
precisa ser escutada naquilo que esta produz de tensionamento, técnico específico e no coletivo ou macro, o vínculo com um serviço.
ruptura ou conexão com os laços sociais. Mudando a abordagem, A desconstrução do manicômio é também e de modo sensível,
muda-se, também, a resposta. Não mais traduzida como senha um processo de substituição de referências, de reendereçamento
para a perda da cidadania, a crise pode ser inscrita e tratada do pedido de resposta à dor, antes dirigido à instituição total,
buscando a responsabilização possível, naquele momento a lugares e sujeitos que assumem a responsabilidade ética de
e o consentimento do sujeito/cidadão com o tratamento. As cuidar e funcionar como suporte para a vida de sujeitos/cidadãos
intervenções, não mais exteriores e traduzidas pela razão, vulneráveis e sempre em vias de exclusão social.
orientam-se pela palavra do sujeito. Não mais assentada sobre o princípio único da totalização e
Tomar a fala do louco como orientador da intervenção sobre seu homogeneização, buscando respostas singulares e complexas, a
sofrimento é uma novidade, uma ruptura com a institucionalização prática nos CAPS assume o desafio de construir seu conhecimento
que culminou na consagração da loucura como sinônimo de na partilha dos saberes. Um trabalho, portanto, coletivo, feito a
doença mental e esvaziou esta experiência de sua verdade, muitas mãos e fruto de diferentes perspectivas que se orienta
tornando inócuo e destituído de sentido o seu dizer. pelo saber do louco e neste se baseia para desenhar o projeto de
tratamento a ser ofertado. Sempre singular e distinto, na medida
No meio do mundo sereno da doença mental, o homem mesma da singularidade de cada experiência de sofrimento e do
moderno não se comunica mais com o louco; há de um momento de vida de cada usuário, esta metodologia introduz na
lado, o homem de razão que delega para a loucura o prática clínica um operador – o projeto terapêutico singular, que
médico, não autorizando, assim, relacionamento senão articula o sentido dos recursos colocados à disposição de cada
através da universalidade abstrata da doença... a
um.
linguagem da psiquiatria, que é monólogo da razão sobre
a loucura, só pôde estabelecer-se sobre um tal silêncio. Bússola que orienta usuários e equipes no percurso pelo serviço
(FOUCAULT, pg. 153, 2002. Prefácio (folie et déraison) e pela rede, o projeto terapêutico singular, articula os recursos
in Ditos e Escritos nº I. Problematização do sujeito: colocados à disposição pela política, mas também aqueles que
psicologia, psiquiatria e psicanálise. nos trazem cada usuário, seus familiares e suas referências.
Instrumento mutável que busca responder às necessidades,
Neste ponto é preciso destacar outro importante conceito: o naquele momento e para cada usuário, sendo ainda a expressão
vínculo ou a transferência e um desdobramento ou efeito deste, a e o espaço de inscrição das soluções e estratégias criadas por
95 96
cada um na reconstrução de sua história e vida. suspensa e o sujeito necessita, sempre, de tutela.
Para um, a permanência diária e hospitalidade noturna farão A necessidade do manicômio como resposta para alguns
o contorno ao sofrimento; para outro, a oferta de uma ida ao casos é hoje um dos argumentos que desafiam a capacidade
cinema e ao teatro, a participação na assembleia e na festa; o criativa, criadora ética de um CAPS. Quase sempre os casos
medicamento e a terapia, a negociação e a acolhida dos familiares supostos como impossíveis para um CAPS apresentam maior
ou, a conquista de uma moradia, o acesso ao trabalho; e para fragilidade dos laços, ou uma situação de abandono e ausência
todos a porta aberta que permite o acesso direto e no momento de referências. Para estes, a prévia receita da exclusão.
que uma questão fizer urgência e desorganizar o ritmo do viver, A adequação do sujeito à norma, lembramos, não responde
sem mediações e burocracias. O acesso ao serviço, à proteção e à sua necessidade singular. O manicômio, resposta da razão
à palavra para fazer valer os direitos e a subjetividade. à loucura, apenas agudiza e torna mais miserável e indigna
Mas, a clínica dos CAPS distancia-se, e muito, da ideia corrente qualquer vida. Ou seja, não é solução, mas resposta simplista
que referencia a percepção social acerca do fazer clínico. Ou seja, da racionalidade. Desconstruí-lo, em tais situações, requer e
a clínica de um CAPS não se faz só de colóquios íntimos. Conjuga introduz no cuidado em saúde mental situações que extrapolam,
elaboração subjetiva e reabilitação no processo de construção da transcendem o arsenal terapêutico, ou melhor, que enriquecem
autonomia e da capacidade de cada usuário. Por isso, agrega à a clínica ao nesta introduzir as questões relativas à vida e não à
psicoterapia e ao medicamento, a potência de outros recursos e doença.
intervenções. No texto “Da instituição negada a instituição inventada”,
Oficinas, assembleias, permanência, hospitalidade, mediação Franco Roteli nos diz que a instituição em questão era o conjunto
das relações entre os sujeitos e seus familiares, suas referências de aparatos científicos, legislativos, administrativos, de códigos
e redes têm tanto valor quanto os recursos da ciência e da técnica. de referência cultural e de relações de poder estruturados em
Tratar - para esta clínica, é construir as condições de liberdade e torno de um objeto bem preciso: “a doença”, à qual se sobrepõe
capacidade de se inserir na cidade, de fazer caber a diferença - no manicômio o objeto “periculosidade”. Por que queremos
sempre singular, no universal da cidadania, com cada usuário. esta desinstitucionalização? Porque, a nosso ver, o objeto da
Psiquiatria não pode nem deve ser a periculosidade ou a doença
A clínica no território e o confronto com as verdades do man- (entendida como algo que está no corpo ou no psiquismo de uma
icômio. pessoa). Para nós, o objeto sempre foi a “existência-sofrimento
dos pacientes e sua relação com o corpo social”. O mal obscuro
As crônicas do cotidiano de um CAPS são repletas de cenas da Psiquiatria está em haver constituído instituições sobre a
que demonstram, em ato, os sentidos da desinstitucionalização. separação de um objeto fictício - a doença - da existência global,
O inusitado presente nas mesmas é efeito de uma aposta que complexa e concreta do paciente e do corpo da sociedade.
desconstrói pontos de “verdade” da tradição. Por exemplo: Deste modo, percebe-se que as ações/intervenções
a convocação à responsabilidade do sujeito não se dá pela prioritárias na prática clínica dos CAPS não provêm da química
imposição da autoridade, nem, apenas, no momento da nem da elaboração, importantes e necessárias, mas parte do
recuperação da saúde. Passa, pela descoberta da lucidez e da conjunto de estratégias típicas da reabilitação psicossocial, que
capacidade de decisão, mesmo no momento da crise, o que joga evidenciam a ausência de direitos, a desabilitação promovida
por terra e desconstrói a crença de que a crise é momento onde pela institucionalização de um modo de vida doente e promovem,
a capacidade de decidir e responder por seus atos encontra-se como forma de superar tais limites, o acesso ao campo dos
97 98
direitos e o exercício do protagonismo dos sujeitos, tecendo junto A adesão ao tratamento ou sua ausência deve ser sempre
com este, redes de suporte e sustentação para seu modo próprio problematizada no movimento e curso de uma história de
de experimentar o sofrimento e conduzir a vida. tratamento, implicando a quem conduzo tratamento na tarefa
Na perspectiva da desinstitucionazação as terapias – seja e responsabilidade de buscar contornos que impliquem os
químicas ou psicoterápicas, são meros recursos de mediação envolvidos - usuários, familiares, equipes, gestores e a cidade,
num processo amplo de reconstrução dos modos de viver de no compromisso com a vida, o cuidado e os direitos.
cada sujeito. Uma clínica com tal nível de complexidade pede formação
Contudo, é preciso lembrar que como processo em curso, à altura. Formação acadêmica, mas, sobretudo, formação
a prática dos CAPS e a ética libertária da reforma psiquiátrica eticamente orientada para a liberdade, capaz, portanto, de refletir
convivem e se defrontam, cotidianamente, com os mitos da criticamente sobre o seu fazer, cujo desafio é
incapacidade, periculosidade, com os mandatos de tutela e
exclusão, ou seja, com a lógica manicomial que interpela a [...] fazer da teoria uma elaboração permanente, que
Reforma Psiquiátrica e os CAPS na validade de sua resposta, sustente, sem conformar, uma prática clínica que, por
mesmo frente à sensível inovação de sua prática e seus efeitos sua vez, não perca de vista o compromisso terapêutico
transformadores. que a legitima. A indagação sobre a loucura a serviço do
interesse pelos loucos. A busca da verdade a serviço da
Um tema frequente e que angustia as equipes dos CAPS e
liberdade e da solidariedade. (BEZERRA,1992. pag.37. )
demais serviços da rede substitutiva, a adesão ao tratamento
revela, um dos limites da aposta da clínica antimanicomial: o Franco Rotelli aponta que
consentimento com o tratamento. Operar de forma avessa à
tradição exige criatividade, disposição e aposta nos efeitos [...] de alguma forma somente eles (os usuários) nos
subjetivos da implicação responsável de cada um com o obrigam, se não fecharmos nossos olhos, a esta busca
sofrimento e o modo de tratá-lo. Tradicionalmente, a resposta contínua por novas estratégias. São eles os nossos
seria dada, sem questionamentos, pelo polo da razão, ou seja, formadores. No momento em que aceitamos este papel
pela tradução dada pelo técnico à expressão do sofrimento. de ser formados por eles, então finalmente começamos
Na desinstitucionalização um giro se produzirá e aí, o que era a entender alguma coisa do que fazemos e, neste
simples, ou melhor, simplificado, torna-se complexo. Entra em momento, muda-se a relação, e até mesmo o nosso
cena o sujeito louco e sua responsabilidade. paciente percebe que algo mudou. (ROTELLI,2008 pag.
44)
Deste modo enquanto o sujeito que sofre não reconhece
quem o cuida como recurso de alívio para sua dor, ainda que
Desinstitucionalizar a prática implica em abandonar o
frequente ao serviço, mesmo que se mostre obediente à
manicômio como causa, como sentido lógico que prescreve
proposta de organização do tratamento, a eficácia deste percurso
modos de vida limitados, anônimos e sem voz. E para isso não
permanecerá reduzida. E o desenlace ou o abandono de um
há manual ou código de conduta, mas há uma ética. A ética da
projeto de tratamento pode significar, entre outras coisas, um
liberdade. E há saber. Saber que quase nada se sabe e que o
desencontro entre oferta e demanda, uma recusa ativa de quem
outro, o louco, pode e deve nos orientar quanto às possibilidades
é tratado à oferta que lhe é feita, ou ainda, a adoção de outra
de saída para sua dor.
solução - às vezes construída no silêncio e na solidão subjetiva,
que não coloca o usuário em conexão com o serviço.
99 100
Trabalho em rede: uma resposta sempre complexa e Lugar da contradição, mas também das possibilidades de
necessária à desconstrução do manicômio. encontros e saídas, da tessitura de redes afetivas e materiais,
entre outras, a cidade é a escolha ética da reforma psiquiátrica
A escolha da ideia de rede como modo de organizar os par inscrição e exercício da clínica cidadã do sofrimento psíquico.
serviços toma como ponto de partida a negação da arquitetura Como na Raíssa de Calvino pelo traçado das cidades correm
rígida e hierárquica do manicômio, ou melhor, do sempre vertical fios invisíveis que ligam, por instantes, um sujeito a outro e no
e fechado hospital psiquiátrico, mesmo quando moderno e movimento de conexão e desconexão traçam formas mutantes.
asséptico, propondo em seu lugar a instituição de estações de A cidade feliz contém seu avesso e assim sucessivamente, no
cuidado, de pontos de referência horizontais e abertos. Este é um movimento próprio do viver. Dialético, por isso, vivo; contraditório
dos sentidos. e real, eis o modo ético da prática clínica da reforma psiquiátrica
Estar em rede também é estar em movimento. Nenhum revelado no espelho da cidade.
dos dispositivos ou pontos de cuidado funciona fechado em si
mesmo, e aumentam sua potência quando se articulam em rede.
Guimarães Rosa definiu rede como “uma porção de buracos
atados por pedaços de barbante”. Ou seja, malha aberta, com
furos ou espaços para a criação de possibilidades. Mas ainda,
malha na qual os usuários podem descansar sua loucura. Uma,
entre as múltiplas redes que compõem a cidade, uma rede de
saúde mental é ponto de ancoragem. É lugar de hospitalidade e
fio que ajuda a construir laços com o outro.
Escolher a cidade como lócus da experiência clínica com
psicóticos pede um trabalho em rede como condição para superar
a totalização e a exclusão. Mais que um conjunto de serviços,
a rede é, de modo muito sutil e sensível, aquilo que a anima, a
pulsação do desejo de cada um dos sujeitos, protagonistas das
cenas da desinstitucionalização.
101 102
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
CONSELHOS REGIONAIS DE PSICOLOGIA
CENTRO DE REFERÊNCIA TÉCNICA EM PSICOLOGIA É permitida a reprodução desta publicação, desde que sem alterações e
E POLÍTICAS PÚBLICAS citada a fonte. Disponível também em: www.cfp.org.br e em crepop.pol.org.br
1ª edição – 2013
Projeto Gráfico – IDEORAMA
Diagramação – IDEORAMA
Revisão – Positive Idiomas
Equipe Técnica/CRPs
Renata Leporace Farret (CRP 01 – DF), Thelma Torres (CRP 02 – PE), Gisele
Vieira Dourado O. Lopes (CRP 03 – BA), Luciana Franco de Assis e Leiliana
Sousa (CRP04 – MG), Tiago Regis (CRP 05 – RJ), Ana Gonzatto, Edson
Ferreira e Eliane Costa (CRP 06 – SP), Carolina dos Reis (CRP 07 – RS),
Referências Técnicas para a Prática de Psicólogas (os) no Centro Ana Inês Souza (CRP 08 – PR), Marlene Barbaresco (CRP09 – GO/TO),
de Referência Especializado da Assistência Social - CREAS Letícia Maria S. Palheta (CRP 10 – PA/AP), Djanira Luiza Martins de Sousa
(CRP11 – CE/PI/MA), Juliana Ried (CRP 12 – SC), Katiúska Araújo Duarte
(CRP 13 – PB), Keila de Oliveira (CRP14 – MS), Eduardo Augusto de Almeida
(CRP15 – AL), Patrícia Mattos Caldeira Brant Littig (CRP16 – ES), Zilanda
Pereira de Lima (CRP17 – RN), Fabiana Tozi Vieira (CRP18 – MT), Lidiane de
Melo Drapala (CRP19 – SE), Vanessa Miranda (CRP20 – AM/RR/RO/AC)
Brasília, fevereiro/2013
1ª Edição
XV Plenário
Gestão 2011-2013
Diretoria
Humberto Cota Verona – Presidente
Clara Goldman Ribemboim – Vice-presidente
Deise Maria do Nascimento – Secretária
Referências bibliográficas conforme ABNT NBR 6022, de 2003, 6023, de Monalisa Nascimento dos Santos Barros – Tesoureira
2002, 6029, de 2006 e10520, de 2002.
Conselheiros efetivos
Direitos para esta edição – Conselho Federal de Psicologia: SAF/SUL Quadra Flávia Cristina Silveira Lemos
2,Bloco B, Edifício Via Office, térreo, sala 104, 70070-600, Brasília-DF Secretária Região Norte
(61) 2109-0107 /E-mail: ascom@cfp.org.br /www.cfp.org.br Aluízio Lopes de Brito
Impresso no Brasil – Dezembro de 2011 Secretário Região Nordeste
Heloiza Helena Mendonça A. Massanaro
Catalogação na publicação
Fundação Biblioteca Nacional
Secretária Região Centro-Oeste
Biblioteca Miguel Cervantes Marilene Proença Rebello de Souza
Secretária Região Sudeste
Ana Luiza de Souza Castro
Secretária Região Sul
Conselheiros suplentes
Adriana Eiko Matsumoto
Celso Francisco Tondin
Conselho Federal de Psicologia Cynthia Rejane Corrêa Araújo Ciarallo
Referências técnicas para Prática de Psicólogas(os) no Centro de
Henrique José Leal Ferreira Rodrigues
Referência Especializado da Assistência Social - CREAS / Conselho
Federal
Márcia Mansur Saadallah
de Psicologia. - Brasília: CFP, 2012. Maria Ermínia Ciliberti
58 p. Mariana Cunha Mendes Torres
ISBN: 978-85-89208-56-7 Marilda Castelar
1. Psicólogos 2. Políticas Públicas 3. Proteção especial Sandra Maria Francisco de Amorim
I. Título. Tânia Suely Azevedo Brasileiro
Roseli Goffman
Psicólogas convidadas
Angela Maria Pires Caniato
Ana Paula Porto Noronha
Conselheiros responsáveis:
Conselho Federal de Psicologia:
Márcia Mansur Saadalah e Monalisa Nascimento dos Santos Barrros
CRPs
Carla Maria Manzi Pereira Baracat (CRP 01 – DF), Alessandra de Lima
e Silva (CRP 02 –PE), Alessandra Santos Almeida (CRP 03 – BA),
Paula Ângela de F. e Paula (CRP04 – MG), Analícia Martins de Sousa
(CRP 05 – RJ), Carla Biancha Angelucci (CRP 06 – SP), Vera Lúcia
Pasini (CRP 07 – RS), Maria Sezineide C. de Melo (CRP 08 – PR),
Wadson Arantes Gama (CRP 09 – GO/TO), Jureuda Duarte Guerra
(CRP 10 – PA/AP), Adriana de Alencar Gomes Pinheiro (CRP 11 – CE/
PI/MA), Marilene Wittitz (CRP 12 – SC), Carla de Sant’ana Brandão
Costa (CRP 13 – PB), Elisângela Ficagna (CRP14 – MS), Izolda de
Araújo Dias (CRP15 – AL), Danielli Merlo de Melo (CRP16 – ES),
Alysson Zenildo Costa Alves (CRP17 – RN), Luiz Guilherme Araujo
Gomes (CRP18 – MT) André Luiz Mandarino Borges (CRP19 – SE),
Selma de Jesus Cobra (CRP20 – AM/RR/RO/AC)
APRESENTAÇÃO
12
Apresentação
HUMBERTO VERONA
Presidente do Conselho Federal de Psicologia
13 14
Sumário
Introdução 17
EIXO 1 - Dimensão Ético-Política para a Prática das(os)
Psicólogas(os) no Centro de Referência Especializado
da Assistência Social - CREAS 27
O Centro de Referencia Especializado de Assistência
Social – CREAS 31
A Psicologia e o paradigma da cidadania 33
Desafios e potencialidades no trabalho do CREAS 37
EIXO 2: Psicologia e a Política de Assistência Social 43
Psicologia, SUAS e Políticas Públicas 45
Psicologias – o trabalho com famílias e pessoas em
situação de vulnerabilidade e risco social e pessoal por
violação de direitos 48
EIXO 3: Atuação da(o) Psicóloga(o) no CREAS 57
Construindo Práticas 62
EIXO 4: Gestão do Trabalho na Política de Assistência
Social 81
O trabalho na Assistência Social 83
Os cotidianos profissionais na Proteção Social Especial 92
Desafios a serem enfrentados 99
Considerações Finais 101
Referências 105
16
INTRODUÇÃO
17 18
Introdução de vulnerabilidades e riscos pessoais e sociais, a partir do
desenvolvimento de potencialidades e fortalecimento de vínculos
O Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas familiares e comunitários.
Públicas consiste em uma etapa na construção da presença A PSE destina-se a famílias e indivíduos em situação de
social da Psicologia como profissão no Brasil que dá continuidade risco pessoal ou social, cujos direitos tenham sido violados ou
ao projeto Banco Social de Serviços em Psicologia do Sistema ameaçados por ocorrência de violência física ou psicológica, abuso
Conselhos de Psicologia. Constituiu-se em uma maneira ou exploração sexual; abandono, rompimento ou fragilização de
de observar a presença social da(o) psicóloga(o) e do seu vínculos ou afastamento do convívio familiar devido à aplicação
Protagonismo Social. de medidas.
Nesse sentido, a ideia fundamental do Crepop é produzir As atividades da Proteção Especial são diferenciadas de
informação qualificada para que o Sistema Conselhos possa acordo com níveis de complexidade (média ou alta) e conforme a
implementar novas propostas de articulação política visando situação vivenciada pelo indivíduo ou família. Os serviços de PSE
maior reflexão e elaboração de políticas públicas que valorizem o atuam diretamente ligados com o Sistema de Garantia de Direito -
cidadão enquanto sujeito de direitos, além de orientar a categoria SGD, exigindo uma gestão mais complexa e compartilhada com o
sobre os princípios éticos e democráticos para cada política Poder Judiciário, o Ministério Público e com outros órgãos e ações
pública. do Executivo. Cabe ao Ministério do Desenvolvimento Social e
Dessa forma, o objetivo central do Crepop se constituiu em Combate à Fome - MDS, em parceria com governos estaduais e
garantir que esse compromisso social seja ampliado no aspecto da municipais, a promoção do atendimento às famílias ou indivíduos
participação das(os) psicólogas(os) nas políticas públicas. Dentre que enfrentam adversidades.
as suas metas estão a ampliação da atuação da(o) psicóloga(o) O CREAS é a unidade pública estatal de abrangência
na esfera pública, contribuindo para a expansão da Psicologia municipal ou regional que tem como papel constituir-se em
na sociedade, a promoção dos Direitos Humanos, bem como a lócus de referência, nos territórios, da oferta de trabalho social
sistematização e disseminação do conhecimento e da prática da especializado no SUAS a famílias e indivíduos em situação de
Psicologia no âmbito das políticas públicas, a partir da construção risco pessoal ou social, por violação de direitos.
de referências para essa atuação profissional. O papel do CREAS no SUAS define suas competências que,
Cabe também ao Crepop identificar oportunidades, estratégias de modo geral, compreendem:
e a participação ativa da Psicologia nas políticas públicas, com • ofertar e referenciar serviços especializados de caráter
intuito de promover a interlocução da Psicologia com as esferas continuado para famílias e indivíduos em situação
de formulação, gestão e execução em políticas públicas. de risco pessoal e social, por violação de direitos,
conforme dispõe a Tipificação Nacional de Serviços
SUAS e CREAS Socioassistenciais;
• a gestão dos processos de trabalho na Unidade,
incluindo a coordenação técnica e administrativa da
O Sistema Único de Assistência Social, criado a partir da Política
equipe, o planejamento, monitoramento e avaliação
de Assistência Social, se organiza em dois níveis de proteção: a das ações, a organização e execução direta do
Proteção Social Básica - PSB e Proteção Social Especial - PSE. trabalho social no âmbito dos serviços ofertados, o
A PSB oferta um conjunto de serviços, programas, projetos e relacionamento cotidiano com a rede e o registro de
benefícios da Assistência Social que visa prevenir situações informações, sem prejuízo das competências do órgão
19 20
profissional da Psicologia na área da Proteção Social Especial.
gestor de assistência social nessa direção, a oferta de
serviços especializados pelo CREAS deve orientar-
se pela garantia das seguranças socioassistenciais,
A Pesquisa do CREPOP/CFP
conforme previsto na PNAS e na Tipificação Nacional
de Serviços Socioassistenciais QUE inclui os seguintes O processo investigativo da Rede CREPOP implica na construção
serviços, nominados a seguir: e atualização de um banco de dados para comportar informações
• Serviço de Proteção e Atendimento referenciadas, inclusive geograficamente, sobre profissionais de
Especializado a Famílias e Indivíduos Psicologia, legislações, documentos, programas e entidades que
(PAEFI); desenvolvem ações no campo das Políticas Públicas.
• Serviço Especializado em Abordagem
Sendo assim, a pesquisa sobre atuação de psicólogas(os) no
Social;
• Serviço de Proteção Social a
CREAS foi realizada no ano de 2009, entre os meses de setembro a
Adolescentes em Cumprimento de novembro, tendo sido realizada em duas etapas, uma etapa nacional,
Medida Socioeducativa de Liberdade do tipo descritiva, a partir de um instrumento on-line; e uma etapa
Assistida (LA), e de Prestação de qualitativa, realizada pelas unidades locais do Crepop, localizadas
Serviços à Comunidade (PSC); nos Conselhos Regionais de Psicologia. Ressalta-se que, à época,
• Serviço de Proteção Social Especial o Sistema Conselhos contava com apenas 17 CREPOP’s Regionais.
para Pessoas com Deficiência, Idosas O Sistema Conselhos de Psicologia, por meio do Crepop ao
e suas Famílias; longo dos últimos anos implementou uma série de pesquisas
• Serviço Especializado para Pessoas na área da Assistência Social, como pesquisa sobre atuação de
em Situação de Rua.(BRASIL/MDS,
Psicólogos na proteção especial de crianças e adolescentes (o
2011b)
antigo Programa Sentinela, a Pesquisa sobre Psicólogas(os) em
Metodologia
Medidas Socioeducativas em Unidades de Internação, Pesquisas
sobre Programas de Atenção a Mulher em Situação de Violências,
A proposta de investigar a atuação de psicólogas(os) em
pesquisas essas que antecederam aa Pesquisa sobre o CREAS e
políticas públicas específicas ou transversais visa entender o
contribuíram para construção e escolha dessa área de investigação
núcleo da prática profissional da(o) psicóloga(o), considerando a
de atuação do Psicólogo).
exclusividade de cada área, saúde, educação, Assistência Social,
Assim, em 2009, o conjunto de psicólogas(os) respondentes
e assim de cada Política Pública. Todas as áreas são eleitas a partir
da primeira etapa da pesquisa totalizaram 522 profissionais que
de critérios como: tradição na atuação da Psicologia; abrangência
já atuavam no CREAS. Faz parte da metodologia a participação
territorial; existência de marcos lógicos e legais e o caráter social
voluntária de psicólogas(os) na pesquisa, tanto na primeira etapa,
ou emergencial dos serviços prestados.
descritiva como na qualitativa.
Dessa forma o Centro de Referência Especializado de Assistência
Os dados descritivos permitiu que se pudesse construir o perfil
Social – CREAS emergiu como tema de investigação do Crepop logo
sóciodemográfico destes profissionais que são em sua maioria de
após a sua implementação pelo Sistema Único de Assistência Social
mulheres 88,1%, de cor branca 66,4%, com idade entre 23 e 31 anos
- SUAS e da publicação das Referencias Técnicas para Atuação de
(54%), pós –graduadas 54,4%, com pouco tempo de atuação como
Psicólogos no CRAS (CFP, 2007), pois a experiência de construir
psicóloga(o) 31% trabalhavam como psicólogas(os) há menos de 2
referencias para o CRAS apontou para o Sistema Conselhos a
anos.
necessidade de uma maior qualificação e orientação para a prática
O perfil nos mostra também a sua inserção no trabalho do
21 22
CREAS dos respondentes destes 40% era recém contratados, Nesta perspectiva, espera-se que esse processo de
pois trabalhavam no CREAS a menos de 1 ano, 92% eram elaboração de referências técnicas possa gerar reflexões de
contratadas(os) como Psicólogas(os), atuavam em organizações práticas profissionais, que possibilite visualizar o trabalho que
públicas 88,1%, com contratos temporários 32% e 52,2% vem sendo desenvolvido por muitas psicólogas(os) e também
ganhavam até R$ 2.000,00. possa ser compartilhado, criticado e aprimorado, para uma
Os resultados da pesquisa qualitativa identificaram que a maior qualificação da prática psicológica no âmbito das Políticas
implantação dos CREAS ocorria de maneira distinta nas diferentes Públicas.1 (CFP, 2012)
regiões do Brasil, apontando que os principais problemas eram Para construir o Documento de Referências Técnicas para a
relativos à ausência de políticas locais (estaduais e municipais). Prática de Psicólogas(os) no Centro de Referência Especializado
Sobre a prática profissional do psicólogo, a análise dos dados da Assistência Social - CREAS, foi formada uma Comissão em
demonstrou que, em geral, aparecem dificuldades de diversas 2009, com um grupo de especialistas indicado pelos plenários
ordens, desde a falta de profissionais, ausência de supervisão, dos Conselhos Regionais de Psicologia e pelo plenário do
falta de formação continuada, além da dificuldade de articular Conselho Federal. Assim, esta Comissão foi composta por
uma rede de referência na região para ampliar as possibilidades quatro especialistas que voluntariamente buscaram qualificar
de atendimento das famílias de forma integral, para transformar a discussão sobre Prática de Psicólogas(os) no Centro de
e fortalecer os vínculos e convívio familiar e comunitário no Referência Especializado da Assistência Social - CREAS
enfrentamento do risco social. Outras dificuldades apontam para
Rede de atenção a ação do Estado, que deveria ser de oferecer O Processo de Consulta Pública
políticas e garantia de sustentabilidade às famílias, para fortalecê-
las e proporcioná-las outras formas de inclusão, não observa às A metodologia de elaboração de referências técnicas do
necessidades e o contexto em que vivem o público atendido. Sistema Conselhos de Psicologia/Rede CREPOP se utiliza
do processo de consulta pública como uma etapa do processo
O Processo de elaboração de Referência Técnica de referenciação e qualificação da prática profissional das (os)
psicólogas em políticas públicas.
Os Documentos de Referências Técnicas são recursos que A Consulta Pública é um sistema criado e utilizado em várias
o Conselho Federal de Psicologia oferece às psicólogas(os) instâncias, inclusive governamentais, com o objetivo de auxiliar
que atuam no âmbito das políticas públicas, como recurso para na elaboração e coleta de opiniões da sociedade sobre temas de
qualificação e orientação de sua prática profissional. importância. Esse sistema permite intensificar a articulação entre
Sua redação é elaborada por uma Comissão Ad-hoc composta a representatividade e a sociedade, permitindo que esta participe
por um grupo de especialistas reconhecidos por suas qualificações da formulação e definição de politicas públicas. O sistema de
técnicas e científicas, por um Conselheiro do CFP mais um consulta pública permite ampliar a discussão da coisa pública,
Conselheiro do Comitê Consultivo e um Técnico do CREPOP. coletando de forma fácil, ágil e com baixo custo as opiniões da
O convite aos especialistas é feito pelo CFP e não implica em sociedade.
remuneração, sobretudo, porque muitos desses são profissionais
que já vinham trabalhando na organização daquela política
pública específica, e recebem o convite como uma oportunidade 1. Para conhecer toda metodologia de elaboração dos documentos de referências
de intervirem na organização da sua área de atuação e pesquisa. técnicas do Sistema Conselhos/Rede Crepop, ver Documento de Metodologia
do Crepop 2011, in http://crepop.cfp.org.br
23 24
Para o Conselho Federal de Psicologia o mecanismo de Organização do Documento
Consultas Públicas se mostra útil para colher contribuições,
tanto de setores especializados quanto da sociedade em geral O documento de referencias técnicas para a prática de
e, sobretudo, das(os) psicólogas(os), sobre as políticas e os psicólogas(os) no centro de referência especializado da
documentos que irão orientar as diversas práticas da Psicologia assistência social - CREAS, está divido da seguinte forma:
nas Políticas Públicas.
Para o Sistema Conselhos de Psicologia/ Rede Crepop, Eixo I – A proposta deste eixo é analisar o significado da
a ferramenta de consulta pública abriu a possibilidade de uma Política de Assistência Social, a partir de seu marco legal e
ampla discussão sobre a Prática de Psicólogas(os) no Centro seu compromisso ético-político enquanto política pública. Visa
de Referência Especializado da Assistência Social - CREAS, apresentar e refletir sobre as questões éticas que permeiam a
permitindo a participação e contribuição de toda a categoria na atuação da(o) psicóloga(o) em seu trabalho no CREAS - Centro
construção sobre esse fazer da(o) Psicóloga(o). Por meio da de Referência Especializado da Assistência Social, uma unidade
consulta pública o processo de elaboração do documento torna-se pública estatal da Proteção Social Especial, estabelecida na
democrático e transparente para a categoria e toda a sociedade. Política Nacional de Assistência Social (BRASIL, 2004).
Com relação ao Documento de Referências Técnicas para a Eixo II – O objetivo deste eixo é buscar compreender a relação
Prática de Psicólogas(os) no Centro de Referência Especializado entre a Psicologia e a Política de Assistência Social, a partir da
da Assistência Social - CREAS, a Consulta Pública foi realizada análise do significado das políticas públicas e de uma psicologia
no período de 04 de junho a 15 de julho de 2012 e contou com comprometida com a garantia de direitos da população brasileira.
a participação de 503 psicólogas(os) que tiveram acesso ao Os resultados da pesquisa (CFP/CREPOP/2009) apontam
documento, tendo o texto em consulta recebido, ao todo, 28 questões importantes sobre essa relação e que serão discutidas
contribuições. Junto a esse processo foi realizado um debate on no decorrer deste eixo.
line, no dia 29 de junho de 2012, sobre o mesmo tema com a Eixo III – Pretende-se neste eixo trazer à reflexão a atuação
participação de profissionais, gestores, professores e alunos de de psicólogas(os) nos Centros de Referência Especializado de
Psicologia. Assistência Social – CREAS, abordando os desafios a serem
O sistema conselhos acolheu todas as contribuições enfrentados pelos profissionais de psicologia no campo em
encaminhadas no processo de consulta pública, o que levou a questão, a fim de apontar diretrizes para a atuação das(os)
Comissão ad-hoc de especialistas a aprimorar o texto que vai psicólogas(os) neste serviço.
referenciar a Prática de Psicólogas(os) no Centro de Referência Eixo IV – O objetivo deste eixo é analisar as relações e os
Especializado da Assistência Social - CREAS. Após a consulta processos de trabalho no âmbito da Política de Assistência Social
pública e o debate on line, esta Comissão contou também com e os desafios para sua efetivação, retratando as atuais reflexões
a colaboração na discussão sobre o texto de uma psicóloga, por desenvolvidas pela Psicologia, particularmente por psicólogas(os)
sua inserção na política do CREAS, exercendo seu trabalho no que atuam nos Centros de Referência Especializado de
CREAS. Assistência Social – CREAS. Neste contexto, é fundamental
reconhecer que o debate sobre a gestão do trabalho no SUAS
afeta o conjunto amplo das categorias profissionais envolvidas
com a implementação do Sistema Único de Assistência Social.
25 26
EIXO 1 - Dimensão Ético-Política para
a Prática das(os) Psicólogas(os) no
Centro de Referência Especializado da
Assistência Social - CREAS
27 28
EIXO 1 - Dimensão Ético-Política para a Prática
sem preocupação com a qualidade do atendimento, mas com o
das(os) Psicólogas(os) no Centro de Referência
controle das comunidades (ROSEMBERG, 1997, p.142).
Especializado da Assistência Social - CREAS As concepções de assistência social, brevemente apresentadas
acima, caracterizaram o que se convencionou chamar de
A proposta deste eixo é analisar o significado da Política de assistencialismo, “o uso distorcido e perverso da assistência –
Assistência Social, a partir de seu marco legal e seu compromisso ou a desassistência”, nas palavras de Pereira (2007, p.64). Seu
ético-político enquanto política pública. Visa apresentar e objetivo não era atender as necessidades ou muito menos os
refletir sobre as questões éticas que permeiam a atuação da(o) direitos da população, mas perpetuar posições sociais. A partir de
psicóloga(o) em seu trabalho no CREAS - Centro de Referência 1986, após a abertura política no país, há uma forte mobilização
Especializado da Assistência Social, unidade pública estatal da popular pela ampliação do Estado, por meio da oferta de políticas
Proteção Social Especial, estabelecida na Política Nacional de públicas que viessem garantir direitos sociais já prescritos em
Assistência Social (BRASIL, 2004). Convenções Internacionais. Com a promulgação em 1988 da
Até 1988, a assistência social2 no Brasil não era considerada Constituição Federal vigente, a Assistência Social passa a figurar
política pública de garantia de direitos do cidadão e dever do como política pública não contributiva, ao lado da Saúde e da
Estado. Apesar de existir desde o Brasil Colônia, por meio de Previdência, configurando um paradigma centrado na noção de
ações de amparo e da filantropia aos abandonados, a sua ação cidadania: direito de todos os cidadãos que dela necessitarem.
era pautada por “valores e interesses que se confundiam com No início da década de 90, apesar da retração do Estado,
dever moral, vocação religiosa ou sentimento de comiseração” proposto pelo projeto neoliberal que se instalava no país, um
(PEREIRA, 2007). No início da república, a assistência social amplo movimento nacional em prol da implementação da política
era compreendida a partir da higiene pública e foi criado um de Assistência Social impulsiona a aprovação da Lei Orgânica
complexo tripé médico-jurídico-assistencial de intervenção na de Assistência Social (LOAS), em 1993. Esta nova lei vem
vida familiar, que propunha controle e segregação daquelas regulamentar os artigos 203 e 204 da Constituição Federal e criar
famílias que não se adaptavam ao projeto civilizatório moralista as condições para a institucionalidade da Assistência Social como
que se desenhava no país (RIZZINI,1997). Nos períodos política de garantia de direitos no país. A prescrição na LOAS de
seguintes, assistiu-se na área a hegemonia de ações e políticas implantação de Conselhos e Conferências de Assistência Social
compensatórias que pudessem apenas minimizar as carências nas três esferas de governo, articulado com um forte movimento da
da população, a partir de concepções populistas e clientelistas sociedade civil, consegue promover um processo de construção
que visavam ganhos eleitorais. Na década de 70, com a ditadura da gestão pública e participativa da Assistência Social. Mas foi
militar, o modelo de atendimento na assistência social seguia a em 2004, com a organização da política em forma de Sistema
ideologia da Doutrina de Segurança Nacional, uma estratégia de Único de Assistência Social (SUAS)3, que o novo modelo de
aproximação de lideranças comunitárias e políticas a partir de
sua “obra social’, incentivando em larga escala, ações ofertadas
através de convênios com organizações não governamentais, 3. O SUAS teve suas bases para implantação na Política Nacional de Assistência
Social – PNAS em 2004, por meio da Resolução CNAS nº 145/2004 e sua
operacionalização sendo materializada pela Resolução CNAS nº 130/2005, que
trata da Norma Operacional Básica do SUAS. Este acúmulo de construção da
2. Usa-se a letra minúscula para tratar de ações fragmentadas de assistência política pública de Assistência Social foi referendado pela Lei nº 12.435, DE 6 DE
social que não eram organizadas enquanto uma Política de Assistência Social, JULHO DE 2011 que alterou assim a LOAS- Lei nº 8.742/1993. O CNAS aprovou
regulamentada somente em 1993, através da Lei Orgânica de Assistência Social. em dezembro de 2012 a nova NOBSUAS 2012 através da resolução 33/2012.
29 30
gestão organiza os serviços, programas, projetos e benefícios, [...]a unidade pública de abrangência e gestão municipal,
tendo como base o território e a centralidade na família, para sua estadual ou regional, destinada à prestação de serviços a
concepção e implementação. indivíduos e famílias que se encontram em situação de risco
É fundamental que a (o) psicóloga (o) que trabalhe no CREAS pessoal ou social, por violação de direitos ou contingência
e que demandam intervenções especializadas da proteção
conheça bem os marcos legais da Política de Assistencial Social,
social especial (BRASIL, 2011, artigo 6º).
em especial aqueles que tenham relação direta com a proteção
especial. Recomenda-se a leitura e discussão em equipe de
Os fenômenos sociais que perpassam os sujeitos que chegam
todos os documentos legais e suas atualizações4, pois as
ao CREAS não são prerrogativas de populações pobres. A violação
referências aqui colocadas pelo Conselho Federal de Psicologia,
de direitos, o agravamento de situações de risco pessoal e social,
não substituem a regulamentação já produzida.
o afastamento do convívio familiar, a fragilização ou rompimento
de vínculos e a violência intrafamiliar ou doméstica acontecem em
O Centro de Referencia Especializado de Assistência Social
todas as classes sociais. A exclusão social e/ou a vulnerabilidade
– CREAS
social está presente nas muitas histórias que se ouve nos CREAS.
“Entre a exclusão e a integração social existe uma vasta zona de
O CREAS se materializa dentro do SUAS como uma
vulnerabilidade social” (FILGUEIRAS, 2004, p.28). São situações
unidade pública estatal da Proteção Social Especial de média
que representam a não participação do sujeito no usufruto dos
complexidade, capaz de promover a superação das situações
bens sociais, a solidão e/ou a estigmatização social. Outras
de violação de direitos tais como violência intrafamiliar, abuso
situações também podem estar relacionadas aos eventos que
e exploração sexual, situação de rua, cumprimento de medidas
causam a violação de direitos, como o abuso de álcool e drogas,
socioeducativas em meio aberto, trabalho infantil, contingências
transtorno ou sofrimento mental, ou a repetição de padrões de
de idosos e pessoas com deficiência em situação de dependência
comportamentos familiares, às vezes intergeracionais, como a
com afastamento do convívio familiar e comunitário, discriminação
violência doméstica e o trabalho infantil. Portanto, são dimensões
em decorrência da orientação sexual e/ou raça/etnia, dentre
do vínculo social e de acesso aos bens sociais que se expõem
outros. (BRASIL, 2011).
para configurar uma situação de violação de direito.
No SUAS o CREAS é definido como:
O público chega ao CREAS encaminhado por juízes,
promotores ou conselheiros tutelares, a partir de denúncias,
eventos de violência intrafamiliar, ato infracional ou por busca
ativa. O CREAS compõe assim o Sistema de Garantia de Direitos
4. Os principais marcos legais são a Lei Orgânica de Assistência Social (com as - SGD. Esse Sistema foi caracterizado na Resolução 113/2006
novas redações dadas pelas Lei nº. 12.435 e Lei nº. 12.470); a Política Nacional de
do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
Assistência Social- PNAS de 2004, as Normas Operacionais Básicas - NOB/SUAS
2012 e NOB/ RH de 2006; a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (CONANDA) para a efetivação dos direitos voltados para a infância
de 2009; as Orientações sobre a Gestão do Centro de Referência Especializado e adolescência. Entretanto essa forma de organização da política,
de Assistência Social - CREAS - 1ª Versão de 2011, as Orientações técnicas do através de um conjunto articulado de ações governamentais e
Centro de Referência Especializado de Assistência Social de 2011, além das não governamentais da União, Estados e Municípios nos eixos de
leis e normativas que tratam dos segmentos atendidos nos CREAS : Estatuto da
Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, Política Nacional para a Inclusão da promoção, defesa e controle de direitos, também está presente
Pessoa com Deficiência, Lei Maria da Penha, Sistema Nacional de Atendimento na Política Nacional do Idoso, da Pessoa com Deficiência e em
Sócioeducativo , entre outros outras políticas de defesa de direitos de segmentos específicos.
31 32
O SGD é composto pelos órgãos judiciais, defensorias públicas, determinações prescritas nos marcos legais. A concepção da
polícias, conselhos tutelares, ouvidorias, conselhos de direitos, política de Assistência Social com vistas à garantia dos direitos e
conselhos setoriais e de maneira transversal e intersetorial, ao desenvolvimento humano se expressa na noção de cidadania,
articula todas as políticas públicas. Um Sistema como esse tomada aqui como “um direito a ter direitos”. Conforme nos
deve funcionar em rede, mas articular órgãos tão distintos em ensina Bobbio (1992) a cidadania é um valor ético que exige
competências e vinculação institucional, sem hierarquia de um posicionamento constante para almejar consonância entre o
gestão entre si, não é tarefa simples e muitas vezes as ações são reconhecimento do direito e sua efetiva proteção. Dessa forma,
fragmentadas, superpostas ou contraditórias (AKERMAN, 2012). consideramos a política de Assistência Social em processo de
A superação da situação de direito violado no CREAS exige, consolidação. Concordando com Silvia Telles, (1999, p.175) “os
portanto, intervenções complexas e singulares, com articulação direitos são uma herança da modernidade, uma promessa de
de toda a rede do SGD. Sendo o trabalho no CREAS de natureza igualdade e justiça”.
interdisciplinar, intersetorial e interinstitucional, consideramos que Em consonância com esta perspectiva, a atuação da(o)
é um compromisso ético do psicólogo no CREAS contribuir para psicóloga(o), pautada na concepção dos direitos fundamentais
melhorar os fluxos e a articulação das instituições que compõem está explicitada no nosso Código de Ética:
o SGD, evitando que as famílias e indivíduos referenciados nos
CREAS sofram o que Santos (2010) nomeia como dupla opressão, O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na
“pois além de já terem experienciado uma trajetória de violação promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e
de direitos, são submetidos a uma violência provocada por um da integridade do ser humano, apoiado nos valores que
itinerário dentro do SGD com muitos obstáculos” (AKERMAN, embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
(CFP, 2005).
2012, p .6).
A rigor, não existe uma prática profissional sem um
A Psicologia e o paradigma da cidadania
posicionamento político. Não existe imparcialidade, não existe
neutralidade. Podem-se encontrar trabalhos alienados, mas,
Apesar dos avanços da legislação e da implementação do
mesmo eles, estão objetivando e subjetivando uma posição em
SUAS, ainda permanece o peso da herança histórica da relação
relação à concepção de direitos humanos. O posicionamento ético
do Estado brasileiro com famílias pobres, vulneráveis e/ou
aqui proposto se coaduna com a institucionalidade da psicologia
excluídas. Essa promessa toma contornos complexos, devido à
como profissão que considera “a relevância dos direitos humanos
enorme desigualdade social existente no país. O discurso dos
para a consolidação e o exercício da cidadania (...) e para o
direitos se contrapõe a outras representações que naturalizam
exercício de toda e qualquer atividade profissional, notadamente
a vulnerabilidade social, causadas por “vontade própria da
para a Psicologia e os psicólogos”. (Resolução do CFP N.º 011
população”.
de 1998).
Como vimos anteriormente, essa herança ainda traz para
Na Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do
a política de Assistência Social, práticas assistencialistas,
Sistema Único de Assistência Social - NOB/RH/SUAS (BRASIL,
clientelistas e preconceituosas, que reforçam uma cultura
2006), a noção de cidadania é apresentada como um princípio
política que precariza a gestão da política. Essa concepção
ético do/a trabalhador/a do SUAS, definida como “defesa
que ainda persiste em vários municípios do país, se materializa
intransigente dos direitos socioassistenciais”. A Psicologia em
no CREAS através da baixa institucionalidade em relação às
sua história da profissão atuou mais de uma vez em processos
33 34
de ajustamento do sujeito ou de conformidade com a realidade, Referendado por nosso código de ética, a reflexão sobre a prática
que hegemonicamente buscava colocar no indivíduo a da(o) psicóloga(o) no CREAS deve permitir a constante revisão de
responsabilidade por sua condição social. Esse passado, que seus posicionamentos diante das situações e dilemas com as quais
precisa ser compreendido criticamente dentro de um processo vai se defrontar no exercício de seu trabalho cotidiano.
histórico geralmente descontínuo, vem sendo reconstruído em Um Código de Ética profissional, ao estabelecer padrões
consonância com a construção de uma sociedade de direitos. esperados quanto às práticas referendadas pela respectiva
A psicologia, por meio de seus profissionais, pela academia e categoria profissional e pela sociedade, procura fomentar a auto-
entidades, vem se constituindo como uma força crítica bastante reflexão exigida de cada indivíduo acerca da sua práxis, de modo
presente na desconstrução de práticas e paradigmas anacrônicos a responsabilizá-lo, pessoal e coletivamente, por ações e suas
existentes no campo socioassistencial. Não é novidade a atuação conseqüências no exercício profissional. A missão primordial de
da psicologia em defesa de direitos de crianças e adolescentes; um código de ética profissional não é de normatizar a natureza
no repúdio a toda forma de discriminação; na crítica às instituições técnica do trabalho, e, sim, a de assegurar, dentro de valores
totais, à judicialização da vida, à medicalização da sociedade e à relevantes para a sociedade e para as práticas desenvolvidas, um
criminalização da pobreza e a várias outras situações de violação padrão de conduta que fortaleça o reconhecimento social daquela
de direitos. Essas questões atravessam todas as políticas categoria. (CFP, 2005, p.1).
públicas, mas tem especial relevância na construção da política de Posto isso, cabe a(o) psicóloga(o) avaliar continuamente suas
Assistência Social entendida como proteção social para garantia concepções a respeito das histórias de exclusão que muitas
e/ou reparação de direitos. vezes se ouve e vivencia nos CREAS. A citação abaixo retirada
A política de Assistência Social foi definida a partir das suas da pesquisa CREPOP/CFP/2009 explicita o quanto o público
três funções: a proteção social, a vigilância socioassistencial e da Assistência Social traz uma complexidade que precisa ser
a defesa social e institucional. A prática da psicologia discutida refletida, sob o risco de reforçar a exclusão a que ele já está
acima, nos remete à função de defesa social e institucional exposto:
definida pela PNAS/2004 é reafirmado na NOB/SUAS/2005, a
partir, dentre outras, da seguinte concepção: [...] público que a escola não dá conta, que a unidade de
saúde não dá conta [...] que a própria assistência não
O direito à cidadania não é só declaratório, isto é, não dá conta” . Alguns casos, (...) “extrapola os níveis de
depende só de palavras ou texto de lei. Ele precisa ter complexidade (...) conhecidos. (CFP/CREPOP/2009).
processualidade, precisa procedimentalizar o acesso aos
direitos na gestão da política. Esses direitos precisam Em contrapartida, esse bordão a respeito do público que
estar presentes na dinâmica dos benefícios, serviços, é atendido no CREAS deve ser o incentivo a uma posição
programas e projetos socioassistenciais. O paradigma permanente e firme de tolerância, resiliência. Portanto, requer
da universalização do direito à proteção social supõe a profissionais qualificados para um atendimento às situações
ruptura com idéias tutelares e de subalternidade, que complexas que demandam um trabalho articulado, integrado,
identificam os cidadãos como carentes, necessitados, democrático e participativo.
pobres, mendigos, discriminando-os e apartando-os do
A seguir apontaremos algumas referencias de como a
reconhecimento como sujeitos de direito. NOB/SUAS
(BRASIL, 2005, p.21). psicologia pode contribuir no trabalho social interdisciplinar com a
defesa da cidadania e construção de novos projetos de vida para
as famílias e indivíduos em seu trabalho no CREAS.
35 36
Desafios e potencialidades no trabalho do CREAS nessa resolução diz respeito à equipe multiprofissional do mesmo
serviço, pois nesse caso, quando o atendimento for conjunto, o
A pesquisa sobre atuação da(o) psicóloga(o) nos CREAS, registro deve ser realizado em um único prontuário.
realizada pelo CREPOP (CFP/CREPOP/2009), revelou alguns Como já foi discutido neste texto, o CREAS se organiza a partir
desafios na dimensão ético-política da atuação da(o) psicóloga(o) de um trabalho em rede com outras instituições e requer, portanto,
que serão analisados a seguir com apontamentos de referências ações integradas. Assim, nos estudos de caso realizados em
para o enfrentamento desses desafios. rede, deve ser observado o princípio do sigilo e também o do
Um primeiro grupo de desafios se refere a questões relacionadas compartilhamento de informações de forma ética, conforme
ao princípio ético do sigilo. Nota-se que as (os) psicólogas (os) descrito na cartilha elaborada conjuntamente pelos Conselhos
se preocupam com essa questão e buscam garanti-lo, de uma Federais de Psicologia e de Serviço Social:
forma ou de outra, demonstrando ser esse um princípio que foi
assumido pela categoria. Entretanto, manifestam preocupação O Código de Ética Profissional de assistentes sociais e
com a garantia do sigilo devido à precariedade dos locais onde psicólogos(as) estabelece direitos e deveres que, no
ficam guardados os prontuários de atendimento e a organização âmbito do trabalho em equipe, resguardam-lhes o sigilo
das salas de atendimento, que muitas vezes não isolam o som profissional, de modo que estes(as) não podem e não
devem encaminhar, a outrem, informações, atribuições e
e permitem a quem está de fora ouvir o que se fala do lado de
tarefas que não estejam em seu campo de atuação. Por
dentro. Outra preocupação apontada, diz respeito à divulgação de outro lado, só devem compartilhar informações relevantes
informações em reuniões de estudos de caso com profissionais para qualificar o serviço prestado, resguardando o seu
da rede ou em relatórios enviados ao Judiciário ou Conselhos caráter confidencial, assinalando a responsabilidade, de
Tutelares. Assim, cabe esclarecer aqui algumas dúvidas a esse quem as receber, de preservar o sigilo. Na elaboração
respeito, bem como discutir estratégias de garantia do sigilo conjunta dos documentos que embasam as atividades em
prescrito no nosso Código de Ética. equipe interdisciplinar, psicólogos/as e assistentes sociais
Cabe lembrar que os Conselhos Profissionais têm a atribuição devem registrar apenas as informações necessárias para
de orientar e fiscalizar os profissionais e as instituições quanto ao o cumprimento dos objetivos do trabalho.
exercício da profissão5. Na resolução do CFP nº 01 de 2009, fica (CFESS, CFP, 2007. p.38).
explicitado que o registro documental em papel ou informatizado
sobre a prestação de serviços das(os) psicólogas(os) têm caráter Outro grupo de desafios apontados na pesquisa se configura
sigiloso. A guarda do registro documental é de responsabilidade na realização de atividades que não são de competência
compartilhada entre a(o) psicóloga(o) e a Instituição. O prontuário do CREAS, ou mesmo da Política de Assistência Social que
deve conter informações sucintas sobre “o trabalho prestado, a demonstram que a identidade do CREAS ainda tem muito a
descrição e a evolução da atividade e os procedimentos técnico- avançar. Na concepção da assistência social como caridade e
científicos adotados” (CFP, 2009). É importante lembrar que, assistencialismo, onde o sujeito e sua família, abandonados
conforme essa resolução citada, o usuário ou seu representante pelo Estado, e responsabilizados assim, pela sua condição, a
legal tem a garantia de acesso integral às informações registradas assistência visa apenas minimizar a situação. Com o rompimento
pela (o) psicóloga (o) no seu prontuário. Outro aspecto tratado dessa concepção, a partir do paradigma da cidadania, o Estado
reconhece uma situação de violação de direitos e convoca este
cidadão e sua família para promover junto com ele a superação
5. Esse tema será aprofundado no Eixo IV. da situação em que se encontra. Neste chamado está implícito
37 38
um acolhimento, através de vínculo com o profissional que o que irá acolher o público encaminhado.
recebe no CREAS. Assim, muitas psicólogas (os) acreditam que Em relação às atividades realizadas pelas (os) psicólogas (os)
esse vínculo que estabelecem com o público deve ser trabalhado nos CREAS, que são determinadas por gestores ou juízes , tais
através da psicoterapia. Na pesquisa realizada pelo CREPOP, a como a obrigação de realização de laudos psicológicos para o
psicoterapia aparece como atividade no CREAS, por um lado, Judiciário, averiguação de denúncias, trabalho concomitante
porque alguns psicólogos crêem que essa é a sua função, e por em outras políticas7, e outras práticas fora dos critérios
outro, por que não conseguem vagas ou encaminhamentos para regulamentados, parecem caracterizar uma situação de abuso de
a política de saúde e, percebendo a importância deste tratamento, autoridade ou posicionamentos assistencialista ou clientelista. O
se propõem elas mesmas a realizá-los. Destaca-se que esta que recomendamos, em relação a todas as situações apontadas
não deve ser uma atividade desenvolvida no SUAS . Ela deve acima, é o desenvolvimento de ações políticas que possibilitem o
ser ofertada pela política de saúde, e por outros serviços, como exercício do controle social sobre a execução da política, a partir
clinicas-escolas ligadas às Universidades, clinicas sociais, etc. dos preceitos do SUAS. Portanto, os espaços dos Conselhos de
Torna-se importante afirmar que o atendimento psicossocial Assistência Social, bem como fóruns de trabalhadores, dentre
realizado no CREAS também tem um efeito terapêutico na outros são lugares legítimos para o debate sobre os limites e
medida em que busca a compreensão do sofrimento de sujeitos possibilidades de atuação.
e suas famílias nas situações de violação de direito, e visa a Como vimos na história da Assistência Social, muitas
promoção de mudança, autonomia, superação. Entretanto, na concepções clientelistas, tutelares e assistencialistas ainda
política de assistência social, o vinculo estabelecido entre o disputam posições. Portanto é necessário romper com essas
profissional e o público do CREAS deve ser construído a partir do práticas nos serviços e ocupar os espaços institucionais já
reconhecimento de uma história de vida, imersa em um contexto previstos na política como conselhos, conferências, mesas de
social, sem uma perspectiva individualizante. Para isto, várias negociações, capacitações, entre outras. Essas atividades, como
atividades combinadas são importantes para provocar reflexões já apontadas anteriormente fazem parte da função de defesa
e novos pertencimentos sociais, que podem produzir esse efeito social e institucional prevista nas normativas do SUAS. Promover
terapêutico que apontamos acima, tais como a realização de a defesa de direitos representa confrontar posições políticas.
grupos psicossociais, a inclusão em novas sociabilidades, o Ressaltamos que a iniciativa da(o) psicóloga(o) deve ter a direção
retorno à escola, o apoio financeiro ou material, o acolhimento, do coletivo, de um movimento político que busque a mudança
entre outros.6 social, a quebra de paradigmas e o rompimento com práticas
A pesquisa do CREPOP (CFP/CREPOP/2009) aponta conservadoras e dominantes. Essas atividades não podem ser
ainda desafios em relação à articulação com a rede de Saúde vistas como uma perda de tempo em detrimento das atividades
e também com outras políticas e instituições que estabelecem prescritas na função de proteção social ao público.
interfaces com o trabalho nos CREAS, tais como: a burocracia Na pesquisa (CFP/CREPOP/2009) verificou-se também que
dos encaminhamentos, a desarticulação da rede, a morosidade além dos desafios, as(os) psicólogas(os) têm encontrado também
do judiciário, a precariedade dos Conselhos Tutelares, entre
outros. Um posicionamento ético político da(o) psicóloga(o) no 7. Este contexto foi explicitado na pesquisa CREPOP/CFP/2009, cujos relatos
CREAS passa pelo incentivo, fortalecimento e articulação da rede configuravam diversas situações de precarização da atuação de psicólogas (os) :
municípios nos quais os profissionais dividem-se entre as diferentes políticas, ou até
mesmo, na Política de Assistência Social, divididos nos serviços da proteção social
6. Estas atividades serão apresentados no Eixo III básica e da proteção social especial dentre outros.
39 40
muitas potencialidades no trabalho nos CREAS, evidenciadas em nos lembra Oliveira (CFP/MDS, 2010), inovar é criar e não
muitas inovações implementadas e consideradas exitosas pelas improvisar. A criação é realizada a partir das condições dadas, mas
mesmas. As práticas descritas em relação ao público, à equipe, deve representar um avanço verdadeiro, autêntico, genuíno, vivo.
aos gestores, à rede, à mídia e sociedade em geral8, envolvem Os desafios que se apresentam para o exercício da psicologia
trabalhos com grupos variados de famílias, jovens e pessoas no campo da Assistência Social trazem tanto a oportunidade de
atendidas, formação da equipe, supervisão de casos, parcerias criação, quanto o risco de manter a precariedade das situações
com universidades, modalidades inovadoras de visita familiar problemas, através da resolução individual e paliativa desses.
e de busca ativa, construção de fluxos de encaminhamentos, Citando o Músico Geraldo Vandré: “quem sabe faz a hora, não
entre outras; enfim, uma diversidade quase tão grande, quanto espera acontecer”, consideramos que as inovações são muito
o número de psicólogas(os) que trabalha no CREAS. Essa bem vindas, e devem ser gestadas, compartilhadas, monitoradas,
constatação indica o quanto a psicologia já avançou em sua avaliadas e divulgadas coletivamente, contribuindo assim para o
compreensão no campo da política pública de Assistência Social. desenvolvimento da psicologia enquanto profissão no campo da
O caderno da coleção Capacita SUAS I, volume 3, publicada pelo Assistência Social.
Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome - MDS,
com o objetivo de assessorar os gestores de Assistência Social
do país na elaboração de planos municipais, reafirma essa idéia,
ao acolher experiências inovadoras:
41 42
EIXO 2: Psicologia e a Política
de Assistência Social
43 44
EIXO 2: Psicologia e a Política de Assistência Social ditadura militar e de pouca participação popular enfraqueceram a
força e a conscientização (FREIRE, 1980) do cidadão brasileiro
O objetivo deste eixo é buscar compreender a relação entre frente aos seus direitos e deveres. Atualmente, faz-se necessário
a Psicologia e a Política de Assistência Social, a partir da ressignificar o termo público e incorporá-lo como algo da nossa
análise do significado das políticas públicas e de uma psicologia vida, da nossa realidade e do nosso país. Assim, torna-se
comprometida com a garantia de direitos da população brasileira. importante a construção de um sentimento de pertença e de
Os resultados da pesquisa (CFP/CREPOP/2009) apontam apropriação das políticas e unidades públicas que são nossas,
questões importantes sobre essa relação e que serão discutidas enquanto cidadãos e cidadãs.
no decorrer deste eixo.
O termo público, associado à política, não é uma
Psicologia, SUAS e Políticas Públicas referência exclusiva ao Estado, como muitos pensam,
mas sim à coisa pública, ou seja, de todos, sob a égide
de uma lei e apoio de uma comunidade de interesses.
Segundo relatam os dados da pesquisa (CFP/CREPOP/2009),
Portanto, embora as políticas públicas sejam reguladas
83,9% das(os) psicólogas(os) consideram a sua atuação
e frequentemente providas pelo Estado, elas também
profissional inserida no campo das políticas públicas. Este é englobam preferências, escolhas e decisões privadas
um dado relevante, que aponta o compromisso da categoria podendo (e devendo) ser controladas pelos cidadãos. A
com questões mais coletivas, com a defesa de direitos e o política pública expressa, assim, a conversão de decisões
reconhecimento do âmbito público como espaço de atuação. privadas em decisões e ações públicas, que afetam a todos.
Esse fato aponta para um novo perfil profissional, já que a (PEREIRA, 1994 apud CUNHA e CUNHA, 2003, p. 12).
profissão foi historicamente caracterizada como elitista, sem
atuação no espaço público e com uma visão descontextualizada Como já apontado no eixo anterior uma nova realidade política
dos fenômenos sociais. teve início com a mobilização de trabalhadores, estudantes,
Para se compreender a presença da Psicologia na Política comunidades e outros movimentos sociais populares da década
de Assistência Social é necessário um debate mais amplo de 1970 que defendiam o retorno da democracia e a melhoria
sobre as políticas públicas. Essas surgem como um dever do das condições de vida. Nesse processo de redemocratização no
Estado e direito do Cidadão, tendo como base os princípios da Brasil, a Constituição Brasileira de 1988 definiu os direitos sociais
universalidade e da equidade na consolidação da justiça social. da população brasileira que foram traduzidos em deveres do
Segundo Silveira et al. (2007, p. 21), “por meio delas, os bens e Estado por meio das políticas públicas.
os serviços sociais são distribuídos, redistribuídos, de maneira a As construções e efetivação das políticas públicas são então
garantir o direito coletivo e atender às demandas da sociedade”. legitimadas a partir da promulgação da Constituição Brasileira de
Quando se fala em política pública, precisa-se esclarecer o 1988, trazendo consigo a consolidação e institucionalização dos
termo “público”. Na cultura brasileira, muitas vezes ele é utilizado direitos sociais e a participação popular, articulando democracia
como algo que não tem dono, que não precisa de cuidado, que representativa com a democracia participativa. Segundo Amman
pertence ao poder executivo, legislativo ou judiciário. Mas não (1978, p.61), “a participação popular é o processo mediante o qual
se pode esquecer que essa falta de sentimento de pertença e as diversas camadas da sociedade tomam parte na produção, na
de identidade de lugar (GÓIS, 2005) é um fato que não é algo gestão e no usufruto dos bens de uma sociedade historicamente
natural e sim construído por uma história. No Brasil, os anos de determinada”. Esta acontece nas instâncias de controle social,
45 46
como nos Conselhos, espaço que aglutina o Estado e a sociedade (2007), a participação da psicologia nas políticas públicas deve
civil para deliberar, fiscalizar e avaliar a execução das políticas ser pautada na garantia dos direitos humanos, na emancipação
públicas; nas Conferências específicas, em que o governo e a humana, na cidadania e a serviço das lutas contra as injustiças,
sociedade civil, em suas representações por segmentos, discutem pobreza e violência. Não deve reforçar a tutela do Estado, a visão
na esfera municipal, estadual e federal, os rumos das políticas da caridade e a submissão dos sujeitos às políticas públicas.
públicas; nos Fóruns que contribuem com reflexões e propostas Nas próximas seções, discutiremos um pouco mais sobre as
para formulação de políticas sociais e públicas. Além destes, possibilidades e potencialidades da psicologia no CREAS.
existem outras formas de participação, tais como: manifestações
de rua, documentos de abaixo-assinado, referendos, plebiscitos, Psicologias – o trabalho com famílias e pessoas em situação
eleições, audiências públicas, entre outras. Ressaltamos que de vulnerabilidade e risco social e pessoal por violação de
todas as categorias profissionais, cidadãos, cidadãs, movimentos direitos
sociais, Organizações Não-Governamentais (ONGs) e demais
grupos que atuam nas políticas públicas precisam apropriar- As discussões da pesquisa realizada pelo Crepop (CFP/
se destes espaços de participação, contribuindo para que as CREPOP/2009) apontam dificuldades que as(os) psicólogas(os)
políticas públicas realmente cumpram o seu papel na melhoria da afirmam enfrentar na pratica cotidiana. As discussões indicaram que
qualidade de vida da população ou mesmo que sejam inovadas, para muitas(os) psicólogas(os) que atuam no campo da Assistência
alteradas e melhoradas. A partir da consolidação da atuação da Social ainda não está bem delimitado o seu papel. Alguns/mas
psicologia na esfera pública, é fundamental a participação da apontaram, também, que a atuação dos profissionais da Psicologia
categoria nos espaços de regulamentação das políticas públicas. se confunde com a atuação dos/as assistentes sociais e os papéis
Segundo Saadallah (2007), a participação da psicologia nestes profissionais não estão bem definidos no CREAS.
espaços passa por duas vias importantes: a primeira através da De fato as orientações técnicas sobre o trabalho no CREAS não
representação institucional da Psicologia, por meio das instancias distingue as funções dos profissionais que compõem a equipe de
representativas da categoria, como os conselhos regionais e referência, mas consideramos que, apesar desses profissionais
federal de psicologia, as entidades sindicais, as associações de exercerem a mesma função, cada categoria profissional no CREAS
ensino e pesquisa em psicologia, dentre outras. Já a segunda, se trabalha a partir de teorias e metodologias relacionadas com a
dá através da participação direta da(o) profissional psicóloga(o), sua área de conhecimento. No caso da Psicologia, consideramos
envolvida nestes espaços de participação. que esta tem muito a contribuir com a proteção social especial
Podemos afirmar que a atuação da Psicologia na Política de de famílias e/ou indivíduos tendo como foco a subjetividade e os
Assistência Social está sendo construída, a partir de uma reflexão processos psicossociais.
crítica sobre seu potencial e papel. Segundo Sawaia (2009), a A partir da história da psicologia, podemos perceber que a
inserção da Psicologia nas políticas públicas acontece de forma a regulamentação da profissão de psicóloga(o) no Brasil em 1962
tensionar alguns paradigmas vigentes reforçadores da concepção teve como objetivo principal o atendimento das demandas oriundas
de que “as políticas públicas, por seu caráter abrangente, se fazem das classes dominantes. Os reflexos da ditadura militar no meio
antagônicas à subjetividade e à singularidade” (SAWAIA, 2009, p. acadêmico repercutiram de forma preponderante na consolidação
365). Nessa perspectiva, a Psicologia tem o desafio de contribuir de teorias e metodologias psicológicas que assegurassem
para os processos subjetivos de emancipação e autonomia dos um perfil de profissional liberal e elitista que não trabalhava o
sujeitos em situação de violação de direitos. Para Saadallah sujeito no seu contexto social. Essas características da profissão
47 48
contribuíram para a formação de um profissional que focava suas desenvolveu na sua visão clínica tradicional e as segundas
ações em espaços privados e quase não tinha inserção no âmbito como aquelas que possibilitam uma atuação em consonância
das políticas públicas, dos movimentos sociais e do terceiro setor. com os propósitos das políticas públicas. Assim, classifica a
Segundo Bock (2003), três aspectos marcaram a construção prática convencional como centrada no plano individual, onde o
deste perfil profissional: naturalização e universalização dos individuo é visto como a-histórico, isolado de seu contexto social.
fenômenos psicológicos sem contextualizá-los com o social, A perspectiva teórica que embasa sua prática é unidisciplinar e
falta de participação política da categoria e a responsabilização a natureza da intervenção é: ‘intra-psi’, com caráter ‘curativo’,
unicamente das pessoas por seu desenvolvimento. remediativo, sendo que as abordagens teóricas e metodológicas
Neste contexto histórico, a atuação da(o) psicóloga(o) esteve são originárias basicamente no “âmbito da própria psicologia. Em
marcada pela clínica tradicional e privada, tendo um único modelo contraponto, a perspectiva emergente, prioriza práticas centradas
de intervenção: a psicoterapia. Importava à(o) psicóloga(o) olhar em contextos e grupos, com ações de caráter mais preventivo,
para o sujeito a partir de suas questões privadas, intra psíquicas, onde encontra-se uma pluralidade de abordagens, oriundas
individuais, na sua busca pelo crescimento e conhecimento. Este também de áreas afins com a psicologia.
modelo de intervenção tornou-se uma referencia para a atuação Complementarmente ainda, considera-se que a psicologia
das(os) psicólogas(os) em geral. A reprodução deste modelo deve atuar a partir da visão interdisciplinar, tendo em vista que
clínico tradicional em muitos casos, pode se transformar em uma uma profissão complementa a outra ou constituem novos saberes
prática normativa e reguladora de comportamentos sociais. conjuntos. A atuação não deve ter como foco o atendimento
Nesses 50 anos da profissão no Brasil, muitas mudanças e psicoterápico, e sim psicossocial. A demanda de tratamentos
transformações aconteceram na inserção das(os) psicólogas(os) psicoterápicos, como já citada, identificada pelo profissional de
na direção de uma atuação comprometida e contextualizada psicologia na Assistência Social, em casos que necessitem de
com a realidade social. “No final da década de 80, começaram atendimento, será encaminhada para outros equipamentos da
novos movimentos de mudança na atuação profissional e adotou- rede local ou regional, vinculados à política pública de saúde,
se o lema do compromisso social como norteador da atuação como recomendado pelo CFP (2007).
psicológica” (CFESS/CPF, 2007, p. 20). Em consonância com Também é tarefa da(o) psicóloga(o) aprender a reconhecer o
esta visão, a intervenção do Profissional da Psicologia apontou sofrimento psíquico não somente como demanda de psicoterapia,
para práticas voltadas para a promoção dos sujeitos, a partir de mas o exercício e o desafio que se coloca para a psicologia na
sua própria participação e envolvimento nas ações realizadas, Assistência Social é justamente o de construir outras respostas
de acordo com o seu contexto, história e vivências, buscando que considerem as características do território de origem do
alternativas para sua inserção social na direção da garantia de usuário e que possam incidir na melhoria das condições de vida
direitos. Segundo Vasconcelos (2011, p.4), as(os) psicólogas(os) desse sujeito.
se permitiram a “ousadia de experimentar novas práticas que De acordo com os apontamentos acima, alguns autores tem se
julgavam mais adequadas ao novo contexto, e foram flexibilizando debruçado em pensar as contribuições da psicologia no SUAS em
a identidade profissional aprendida no passado” . uma perspectiva não tradicional. Senra e Guzzo (2012) discutem
Vasconcelos (2011) analisou as tendências detectadas na a atuação das/os psicólogas(os) e apontam reflexões sobre o
prática profissional da(o) Psicóloga(o) e as caracterizou como compromisso social da profissão, propondo um posicionamento
práticas convencionais ou práticas emergentes, considerando crítico dos profissionais diante das contradições existentes
as primeiras como aquelas que historicamente a psicologia na sociedade e na profissão. Para aprofundar a formação
49 50
profissional da Psicologia e a implantação do SUAS, Romagnoli Segundo a PNAS :
(2012) apresenta a inserção micropolítica da(o) psicóloga(o) e a
importância de trabalhos transdisciplinares, como um elemento [...] a vulnerabilidade social materializa-se nas situações
importante no SUAS. As políticas sociais e a Psicologia são que desencadeiam ou podem desencadear processos de
discutidas por Yamamoto e Oliveira (2010) no Brasil pós-1985 exclusão social de famílias e indivíduos que vivenciem
com a inserção da(o) psicóloga(o) no campo do bem-estar contexto de pobreza, privação (ausência de renda, precário
ou nulo acesso a serviços públicos) e/ou fragilização
social. Os autores apresentam um histórico dessa relação e
de vínculos afetivos, relacionais e de pertencimento
problematizam a formação profissional que não está preparada social, discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por
para trabalhar com pessoas em situação de pobreza, o que exige deficiência, dentre outras.(BRASIL, PNAS, 2004)
novos conhecimentos e mudanças de postura profissional. As
discussões de Ximenes, Paula e Barros (2009) direcionam-se Na prática, as (os) psicólogas (os) têm lançado mão de várias
para as contribuições e tensões entre a Psicologia Comunitária e teorias produzidas no campo da psicologia. Os participantes
Assistência Social, apontando para eixos norteadores da prática dos Grupos de Psicólogos da pesquisa (CFP/CREPOP/2009)
profissional a partir de metodologias participativas. relataram a diversidade teórica e metodológica que utilizam
Essas temáticas pontuam questões desafiadoras para para a sua prática profissional. Dentre as mais utilizadas estão:
a Psicologia e precisam estar presentes no dia-a-dia como Psicologia Social, Psicanálise, Psicoterapia Breve, Teoria
impulsionadoras de uma prática profissional comprometida Sistêmica, Psicologia Social Comunitária, Psicodrama, Gestalt,
ética e politicamente com a transformação social. Conceitos Psicologia Humanista, Teoria Cognitivo-Comportamental e
como vulnerabilidade social, desigualdade social, pobreza, Psicologia Analítica, dentre outras. O que se pretende não é
violação de direitos precisam ser trabalhados a fim de que definir uma única teoria para a atuação profissional, mas sim,
possamos compreender como as pessoas que se encontram apontar para princípios que devem nortear a sua prática, tais
nessas situações fortalecem suas potencialidades para o como: respeito aos direitos humanos, democracia, emancipação
enfrentamento desses problemas. Os desafios de enfrentar os e autonomia dos sujeitos. Pensamos que estes princípios estão
processos de fortalecimento, de participação, de emancipação, em consonância com as tendências não convencionais da prática
de autonomia e de libertação contribuem para a construção de da psicologia discutidas acima, buscando a contextualização
práticas e saberes psicológicos que visem à garantia dos direitos das teorias e metodologias à realidade própria na qual são
e ao desenvolvimento humano dos indivíduos e das famílias que desenvolvidas as políticas públicas. Segundo Barros (2007), a
procuram o CREAS. atuação do profissional de Psicologia deve levar em conta três
Para compreender esse sujeito que chega ao CREAS, dimensões: Teórica – em que deve utilizar conceitos e categorias
a(o) profissional de Psicologia precisa ter elementos para da teoria que funcionem como uma lente para poder aprofundar o
apreender tanto as relações complexas presentes no contexto conhecimento da realidade; Ético-política que considera aspectos
de vulnerabilidade social associado a violação de direitos, quanto éticos, princípios, visão de homem e de mundo que ajudam o
a maneira como esse sujeito percebe e vivencia esse contexto. profissional a determinar sua forma de atuação; e Metodológica
Para Sawaia (2002), o sofrimento humano é ético e político e não - que possui um conjunto de técnicas, de instrumentos, de
tem origem somente no indivíduo, mas também nas relações estratégias que favoreceram questões tais como:
construídas socialmente. Está relacionado com aspectos histórico,
político, social e econômico de exclusão social presente no Brasil.
51 52
[...] inserção no modo de vida comunitário, acesso, a formação no país e uma capacitação básica para lidar com os
sensibilização e mobilização das pessoas e dos grupos conteúdos da Psicologia, no sentido de campo de conhecimento
ali existentes, formas de abordar determinados temas, e de atuação” (Art. 7º) e por ênfases curriculares, “entendidas
disponibilidade de recursos materiais e organização das como um conjunto delimitado e articulado de competências e
pessoas para realizar determinada ação (BARROS, 2007,
habilidades que configuram oportunidades de concentração de
p. 22).
estudos e estágios em algum domínio da Psicologia” (Art. 10º)
A partir dessas dimensões proposta por Barros (2007), é Essas mudanças na formação da psicologia incorporaram a
possível contextualizar a atuação dos profissionais do CREAS a visão generalista da/o psicóloga/o e redefiniram que as áreas
fim de que possam desempenhar suas funções tendo como foco da Psicologia presentes nos cursos de graduação passam pelas
os objetivos preconizados no Guia de Orientações Técnicas do ênfases curriculares, que agregam várias áreas. Tem como
CREAS : princípios e compromissos indicados no Art. 3º das Diretrizes
Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em
• O fortalecimento da função protetiva da família; Psicologia, dotando o profissional dos conhecimentos requeridos
• A construção de possibilidades de mudança e para o exercício das competências e habilidades gerais que estão
transformação em padrões de relacionamento especificadas abaixo:
familiares e comunitários com violação de direitos; I. Construção e desenvolvimento do conhecimento
• A potencialização dos recursos para a superação científico em psicologia;
da situação vivenciada e a reconstrução de II. Compreensão dos múltiplos referenciais que buscam
relacionamentos familiares, comunitários e com o apreender a amplitude do fenômeno psicológico
contexto social, ou construção de novas referências, em suas interfaces com os fenômenos biológicos e
quando for o caso; sociais;
• O empoderamento e a autonomia; III. Reconhecimento da diversidade de perspectivas
• O exercício do protagonismo e da participação social; necessárias para a compreensão do ser humano e
• O acesso das famílias e indivíduos a direitos incentivo à interlocução com campos do conhecimento
socioassistenciais e à rede de proteção social; e que permitam a apreensão da complexidade e
• A prevenção de agravamentos e da institucionalização. multideterminação do fenômeno psicológico;
(BRASIL, 2011, p. 51) IV. Compreensão crítica dos fenômenos sociais,
econômicos, culturais e políticos do país, fundamentais
Os diálogos entre a Psicologia e o SUAS são importantes ao exercício da cidadania e da profissão;
V. Atuação em diferentes contextos considerando as
no desenvolvimento de marcos teórico-metodológicos
necessidades sociais, os direitos humanos, tendo em
contextualizados na realidade social de exclusão, vulnerabilidade
vista a promoção da qualidade de vida dos indivíduos,
e violação de direitos. grupos, organizações e comunidades;
O novo cenário da formação em Psicologia com a aprovação VI. Respeito à ética nas relações com clientes e usuários,
das Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em com colegas, com o público e na produção e
Psicologia (CNE/CES 62/2004), amplia o olhar para essa nova divulgação de pesquisas, trabalhos e informações da
forma de atuação, exigida nesse contexto social. As Diretrizes área da Psicologia;
afirmam que a Formação em Psicologia deverá ser composta por VII. Aprimoramento e capacitação contínuos. (CNE/CES
um núcleo comum que “estabelece uma base homogênea para 5/2011).
53 54
Como vimos, a psicologia tem muito a contribuir como
profissão, que juntamente com outras, desenvolve práticas que
potencializem a mudança social preconizada pelo SUAS. Os
desafios de construir uma atuação profissional da psicologia
alicerçada na teoria, prática e no compromisso social, impulsionam
a busca incessante por novos caminhos que auxiliem no exercício
da cidadania na Política Nacional de Assistência Social.
55 56
EIXO 3: Atuação da (o)
Psicóloga (o) no CREAS
57 58
EIXO 3: Atuação da (o) Psicóloga (o) no CREAS das intervenções públicas. O conceito de família incorporou as
transformações que ocorreram e estão ocorrendo em seu interior
Pretende-se neste eixo trazer à reflexão a atuação de psicólogas ao longo do tempo. Essa família precisa ser compreendida
(os) nos Centros de Referência Especializado de Assistência em suas singularidades e potencialidades, demandando dos
Social – CREAS, abordando os desafios a serem enfrentados profissionais uma revisão do seu trabalho e construção de formas
pelos profissionais de psicologia no campo em questão, a fim de de abordar e compreender esse espaço de relações.
apontar diretrizes para a atuação das(os) psicólogas(os) neste Deter-se nestes aspectos amplia para o profissional de
serviço. Psicologia as possibilidades de identificação e trabalho com as
Produzir referências implica em deparar-se com os desafios potencialidades individuais, familiares e comunitárias das/os
apontados para a psicologia na atualidade. Estes desafios não destinatárias/s da ação. É importante que a(o) psicóloga(o) saia
têm sido poucos, afinal falamos de uma prática que vem sendo do lugar de identificação de “problemas”, de culpabilização ou
construída no fazer, e muito tem sido exigido dos profissionais. busca de responsáveis, para o lugar de viabilizadores de espaços
Portanto, a base dessa construção deve ser a análise e o diálogo criativos e geradores de alternativas individuais e coletivas na
constantes. A reflexão do fazer traz para os profissionais da perspectiva da superação das situações de violação.
psicologia inúmeras indagações, mas também aponta para Dessa forma, a Política de Assistência Social neste momento
práticas que se diferenciam no sentido de romper processos de de consolidação e implementação traz o desafio da mudança de
fragilização instalados na sociedade nas mais diferentes formas paradigma na constituição do fazer. Agrega ao desenvolvimento
de relações. das metodologias de trabalho, a necessidade da construção
Para discutir a atuação de psicólogas (os) junto ao CREAS, participativa, trazendo aqueles que eram objeto da ação do
faz-se necessário retomar, ainda que sucintamente, algumas outro, para o lugar de sujeitos. Neste sentido, exige análises
bases conceituais importantes da Política de Assistência Social: a mais aprofundadas dos contextos singulares das famílias e dos
centralidade na família enquanto espaço privilegiado de proteção coletivos em que estão inseridos. A intervenção da psicologia
e cuidado, e os territórios, como base de organização dos serviços, deve contribuir para a ressignificação, pelos sujeitos, de suas
com suas especificidades, particularidades, singularidades, histórias, ampliando sua compreensão de mundo, de sociedade
complexidades e dinâmicas. A perspectiva territorial vem e de suas relações, possibilitando o enfrentamento de situações
reconhecer que nestes espaços se originam tensões, mas cotidianas.
também as possibilidades de superação. Essa dimensão deve Na lida cotidiana compreende-se que as situações com as quais
trazer a compreensão do território enquanto espaço de interação, nos deparamos podem ser decorrentes de condições e estruturas
mas exige cuidado para não criar estigmas para a população, sociais violadoras de direitos. Essa compreensão faz com que
produzindo segregação. O território deve ser incorporado os profissionais envolvidos lancem mão de novas estratégias
enquanto espaço de articulação, considerando seu potencial para de intervenção, sem perder suas referências técnico-cientificas,
alternativas de enfrentamento das situações de violação e melhor assim como a especificidade de cada área de formação. Como
compreensão do publico atendido, na perspectiva de aproximar já discutido no Eixo anterior, o cenário requer dos profissionais
os serviços da população. Já o reconhecimento da importância da Psicologia a necessidade de considerar os processos de
da família na construção das políticas públicas se apresenta sofrimento instalados nas comunidades e territórios, lugar onde as
como central nas discussões. A matricialidade sociofamiliar famílias estabelecem seus laços mais significativos (CFESS/CFP,
aponta para a família enquanto espaço de proteção e eixo central 2007). Desse modo, a Psicologia comprometida com a promoção
59 60
de direitos sociais deve romper com práticas culpabilizadoras, e/ou coletivas.
considerando a experiência de sujeitos, enquanto seres capazes Ao profissional de psicologia cabe revisitar seu fazer, traduzir
de implicar-se e contribuir para respostas às situações de violações e transmitir seu compromisso, apontar para um posicionamento
de direitos que vivenciam, construindo novos significados para ético-politico. Cabe ainda romper com pressupostos teóricos
sua vida, da família e da comunidade. que servem à manutenção da desigualdade posta, partindo
Assim, ao definir a intervenção a ser adotada na política, é para novas concepções no campo dos conceitos, metodologias
preciso considerar tanto a dimensão subjetiva como a objetiva e intervenções, abrindo espaço para ação contextualizada
dos fenômenos sociais. Sawaia (2001) apresenta a subjetividade na vivência de pessoas e grupos. Faz-se importante também
enquanto questão política, processo de conversão do social e agregar um olhar crítico e de posicionamento frente à realidade
político ao psicológico e vice versa, tendo como eixo a humanidade social. Isso implica em romper com intervenções superficiais e
na sua historicidade. É preciso considerar o sujeito em sua relação fragmentadas, que sem aprofundar nos contextos em que se
com a sociedade e pensar sobre as influências que esta tem em aplicam atribuem aos sujeitos a responsabilidade pelo que lhe
cada individuo e/ou grupos, considerando assim sua constituição ocorre e pela solução dos problemas. Algumas práticas, que por
histórica. É fundamental construir uma prática que venha romper vezes são apresentadas como inovadoras, podem ser na verdade
com diagnósticos onde se pretende identificar o funcionamento perpetuadoras de uma realidade social de segregação e violação
psíquico, sem compreendê-lo enquanto parte de um sujeito que de direitos, e nada contribuírem para transformação social e
interfere e vivencia interferências do contexto social, sujeitos inserção dos sujeitos.
de capacidades e fragilidades, que são construídas a partir das
relações, das condições e valores sociais. Construindo Práticas
[...]falar do fenômeno psicológico é obrigatoriamente falar A intervenção da psicologia no campo social requer a
da sociedade. Falar da subjetividade humana é falar da construção de estratégias que exige da (o) psicóloga (o) ir além
objetividade em que vivem os homens. A compreensão do dos modelos teóricos, assumindo a função política e social da
‘mundo interno’ exige a compreensão de ‘mundo externo’, ação, ou seja, perceber-se enquanto sujeito desta prática.
pois são dois aspectos de um mesmo movimento, de um
Ao considerar a prática das (os) psicólogas (os) no CREAS e as
processo no qual o homem atua e constrói/modifica o
mundo e este, por sua vez, propicia os elementos para a contribuições da Psicologia nesse espaço é importante observar
constituição psicológica do homem (BOCK, 2007, p.22). alguns dados trazidos pelo Relatório Descritivo da Pesquisa Crepop
(CFP/CREPOP/2009). Inicialmente, as(os) participantes são em sua
A psicologia, ao compor as equipes de referencia dos CREAS, maioria mulheres (88,1%), sendo a maior concentração na faixa
contribui para um olhar na perspectiva do sujeito em sua relação etária de 24 a 31 anos (54,9%), ou seja, trata-se de profissionais
na família e na sociedade. Ao refletir sobre a dimensão subjetiva jovens. Com relação ao tempo e atuação como psicóloga(o) 28,3%
dos fenômenos sociais tenta superar a dicotomia existente possuem entre 5 a 10 anos de experiência, seguido de 24,2% com
em que historicamente apenas aspectos individuais eram 2 a 4 anos de experiência. Podemos então considerar que há um
considerados. Mudanças na qualidade de vida, superação de numero expressivo de psicólogas(os) com inserção recente na
fragilidades e situações de violência e outras violações de direitos prática, construindo fazeres numa política que também é recente e
e são possíveis ao se considerar o enfrentamento cotidiano da vem sendo constituída. Com relação à formação temos um grande
realidade vivida, construindo soluções que podem ser individuais número de profissionais com especialização (86,5%), podendo ser
61 62
um aspecto importante para a construção de práticas diferenciadas. a subjetividade presente nos fenômenos sociais, incluindo os
Outro dado relevante apontado em diversos relatos foi a ausência de reflexos de conteúdos sociais, culturais e históricos na constituição
definição do papel das(os) psicólogas(os), sendo este identificado desse sujeito e de suas relações. É preciso aprofundar o
como um importante desafio do trabalho no CREAS. Os dados conhecimento e compreensão de pessoas, famílias e/ou grupos
nos mostraram ainda uma política que vem se constituindo nos inserindo os diferentes aspectos de constituição individual e grupal
municípios nas mais diferentes condições e com profissionais que e seus reflexos na sociedade. Esta contribuição da Psicologia
por sua vez tem buscado contribuir com seu fazer e formação. coaduna com os objetivos da atenção ofertada no CREAS, que
Outro dado importante identificado foi sobre a reflexão do trabalho: deve orientar-se pela garantia das seguranças socioassistenciais,
74,3% dos entrevistados apontam não trabalhar com indicadores de viabilizando intervenções especializadas no âmbito do SUAS,
acompanhamento/avaliação de sua intervenção. É preciso refletir na busca de romper com situações de violação e promover o
sobre esse dado, uma vez que os resultados das intervenções fortalecimento da função protetiva da família, a partir das ações
constituídas contribuem para a construção da Vigilância Social9, desenvolvidas no seu acompanhamento.
função fundamental para subsidiar a definição da política de atenção
para a Proteção Social Básica e Especial a ser desenvolvida, Metodologias de trabalho e a prática da psicologia no CREAS
respectivamente nos CRAS e CREAS nos municípios.
A compreensão é de que a ação dos profissionais envolvidos Na busca de metodologias e estratégias, a atuação dos
na Política de Assistência Social passa por um processo profissionais deve respeitar as singularidades de cada caso,
de transformação, onde a ação técnica deve romper com o priorizando a decisão conjunta com famílias e indivíduos. Os
assistencialismo e a benemerência, sair da escuta apenas do resultados da pesquisa do Crepop (CFP/CREPOP/2009), no que
explícito, da demanda manifesta. Significa ir para além, buscar a diz respeito à atuação profissional de psicólogas (os) no CREAS,
escuta comprometida com uma reflexão provocativa, revelando permitiram identificar ações que se diferem muito entre si, sendo
contextos e suas tensões. Neste sentido, é imprescindível rever que o público atendido com maior frequência é composto por
a prática, criando novos arranjos e avaliando com o que de fato crianças, adolescentes, mulheres e idosos que tiveram os direitos
estamos comprometidos. violados.
Lembramos novamente que a Psicologia pode contribuir de Cabe apontar que a Tipificação Nacional de Serviços
maneira diferenciada em sua intervenção, trazendo para análise Socioassistenciais descreve os serviços a serem ofertados
nos CREAS, a saber: Serviço de Proteção e Atendimento
Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI), Serviço
9. Vigilância Social: refere-se à produção, sistematização de informações, Especializado de Abordagem Social assegurado também em
indicadores e índices territorializados das situações de vulnerabilidade e risco
pessoal e social que incidem sobre famílias/pessoas nos diferentes ciclos da
unidade referenciada da rede socioassistencial, Serviço de
vida (crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos); pessoas com redução de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida
capacidade pessoal, deficiência ou abandono; crianças e adultos vitimas de formas Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de
de exploração, de violência e de ameaças; vitimas de preconceito por etnia, gênero Serviços a Comunidade (PSC) e Serviço de Proteção Social
e opção pessoal; vitimas de apartação social que lhes impossibilite sua autonomia e Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias
integridade, fragilizando sua existência; vigilância sobre os padrões de serviços de
assistência social em especial aqueles que operam na forma de albergues, abrigos, que pode ser ofertado no Domicilio do Usuário do serviço, em
residências, semi-residências, moradias provisórias para os diversos segmentos Centro-Dia, no CREAS ou Unidade Referenciada. (BRASIL, 2011,
etários. Os indicadores a serem construídos devem mensurar no território as p.19 a 26(b))
situações de riscos sociais e violação de direitos. (PNAS, 2004, p.39).
63 64
As principais ações descritas para o trabalho social essencial a e objetivos do SUAS, especialmente do CREAS.
ser desenvolvido junto aos Serviços de Proteção Social Especial Conforme já descrito anteriormente a atenção ofertada
– Média Complexidade são: acolhida; escuta; estudo social, pelos serviços do CREAS tem como objetivos propiciar:
diagnostico socioeconômico, monitoramento e avaliação do acolhida e escuta qualificada visando o fortalecimento da
serviço; orientação e encaminhamentos para a rede de serviços função protetiva da família; a interrupção de padrões de
locais; construção do plano individual e/ou familiar de atendimento; relacionamento familiares e comunitários com violação de
orientação sócio-familiar; atendimento psicossocial; orientação direitos; a potencialização dos recursos para superação
jurídico-social; referência e contra-referência; informação, da situação vivenciada e reconstrução de relacionamentos
comunicação e defesa de direitos; apoio à família na sua familiares, comunitários e com o contexto social ou construção
função protetiva; acesso a documentação pessoal; mobilização, de novas referências; o acesso aos direitos socioassistenciais
identificação da a família extensa ou ampliada; articulação da e à rede de proteção; o protagonismo e participação social; a
rede de serviços socioassistenciais; articulação com serviços prevenção do agravamento da violação e da institucionalização
de outras políticas setoriais; articulação interinstitucional com (BRASIL, 2011, p. 51(b)).
demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos; elaboração de Ainda com relação à atuação profissional, o relatório
relatórios e/ou prontuários; estimulo ao convívio familiar, grupal e descritivo da pesquisa(CFP/CREPOP/2009) nos apresenta
social; mobilização e fortalecimento do convívio e de redes sociais dados referentes ao conhecimento dos marcos teóricos e
de apoio (BRASIL, 2009, p. 20). legais da Política de Assistência Social. Estes devem ser
Nos dados da pesquisa do Crepop (CFP/CREPOP/2009) referência para a estruturação do trabalho técnico no CREAS,
as ações realizadas por psicólogas(os) com maior frequência trazendo subsídios para o processo de discussão e definição
foram: Acolhimento, Entrevista Inicial e Triagem; Atendimentos das ações técnicas a serem incorporadas, de maneira a
Individuais, Plantões; Grupos; Elaboração de Plano de atender os objetivos do serviço e as demandas de indivíduos
Acompanhamento Individual e/ou Familiar; Visitas Domiciliares, e famílias. Os cinco principais documentos consultados pelas/
Acompanhamento dos usuários nos diversos serviços do sistema os psicólogas/os foram: Estatuto da Criança e do Adolescente
judiciário; Relatórios Técnicos, Laudos e Avaliações; Ações (50,8%), Lei Orgânica da Assistência Social (38,2%), CREAS-
integradas com a rede; Atuação em equipes multidisciplinares; Guia de Orientação n. 1 (38%), Política Nacional de Assistência
Atividades educativas e de esclarecimentos para a população em Social (37,3%), Declaração Universal dos Direitos Humanos
geral e Coordenação dos serviços. (28,9%) e Constituição Federal do Brasil (28,7%). Além disso,
Cabe então uma reflexão acerca dos apontamentos 50% afirmam conhecer parcialmente o Guia de Orientações do
levantados na pesquisa. Observamos que não só há diversidade CREAS/MDS 1ª versão (BRASIL, 2005). Ao considerarmos o
nos fazeres, mas também a realização de atividades que não período em que se deu a pesquisa do CREPOP e a publicação
se encontram descritas nos documentos de referência, tais das normativas pelo MDS, isso pode apontar para profissionais
como: plantão; triagem; laudos; atendimento às demandas que vem buscando apropriar-se do conhecimento sobre os
do sistema judiciário, dentre outras. Acreditamos que esta processos de trabalho. Entretanto, ainda há o que se avançar
questão precisa ser problematizada e discutida internamente no que tange à capacitação e apropriação de conhecimento
pela equipe técnica e também com o órgão gestor e outras com relação à área de atuação. Tem-se aqui uma tarefa
instâncias políticas. Discutir os processos de trabalho é que não cabe apenas aos profissionais, mas também aos
fundamental para a definição de ações alinhadas às normativas gestores, que devem investir na capacitação de suas equipes
65 66
e na viabilização de espaços de debate e reflexão sobre a de preconceitos e conclusões prévias, tornando o ambiente
Política de Assistência Socia. Os desafios postos à pratica dos receptivo. Afinal trata-se de famílias e/ou indivíduos que trazem
profissionais envolvidos devem ser partilhados e trabalhados complexidades decorrentes de situações de violência e/ou violação
coletivamente, assim como a reflexão sobre a contribuição que de direitos que podem ter sido ocasionadas por fatos isolados
diferentes áreas podem trazer para a constituição do trabalho ou se vir manifestando ao longo de anos. Neste momento de
em equipe. É de fundamental importância que os documentos acolhida é fundamental o olhar atento para as especificidades de
sejam discutidos tanto nos serviços e nos espaços diretos de cada caso, reconhecendo a dimensão subjetiva presente, criando
formação e estudo dos profissionais no campo, como também condições para o vínculo.
pelos cursos de graduação preparando o profissional em A escuta sensível aponta para a atuação profissional livre
formação para sua pratica futura. de preconceitos ou conclusões no decorrer do atendimento/
Apresentamos a seguir algumas atividades que são acompanhamento. Esta acolhida demanda ao profissional
fundamentais para o desenvolvimento do trabalho técnico. disponibilidade para de fato entrar em contato com realidades
Pretende-se apresentar alguns aspectos da prática, tentando complexas e diferenciadas, tentando compreender as diferentes
apontar as atividades fins, ou seja, aquelas voltadas diretamente maneiras que cada família tem de lidar com as situações
para o atendimento à população, e também as atividades vivenciadas É importante entender que a privação em suas
meio, que fazem parte do processo de trabalho, mas não estão diversas formas impõe diferentes reações e limites aos indivíduos
relacionadas ao atendimento direto. e grupos na interação com a realidade.
Destaca-se ainda, que a Tipificação Nacional de Serviços
Socioassistenciais (BRASIL, 2009) e o documento de Acompanhamento Psicossocial – Diz respeito à atuação
Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado conjunta de profissionais cujo objetivo é direcionar a ação de
de Assistência Social (BRASIL, 2011) apontam atribuições maneira mais abrangente com conhecimentos e habilidades
para o trabalho dos técnicos de nível superior nos serviços especificas de diferentes áreas, “sem que com isso aconteça uma
a serem ofertados pelo CREAS sem fazer distinção por justaposição das práticas profissionais e com isso possa existir
áreas de formação. Entretanto é possível identificar algumas a construção de alternativas junto com a família” (Simionato et
contribuições e especificidades que o olhar da psicologia pode al. 2002). Exige frequência e sistematização dos atendimentos,
trazer a estas atividades utilizando-se de diferentes metodologias e instrumentais.
As principais atividades relacionadas ao atendimento direto, Nessa intervenção o foco está em conhecer o individuo e/ou
atividades fins, da população no CREAS são: família identificando demandas explicitas e implícitas, levando
em conta seu contexto social, cultural, a rede que acessa e/ou
Acolhida - É o contato inicial com a pessoa e/ou família que conta, as dificuldades vivenciadas, expectativas dentre outros
será atendida e inserida no acompanhamento. Momento de aspectos. É também o espaço onde será possível estabelecer
estabelecimento de vínculos, exige do profissional escuta sensível vinculo favorecendo uma relação de discussão e reflexão
das demandas. É o momento também de apresentar o serviço sobre as dificuldades encontradas no cotidiano, promovendo o
e fornecer informações sobre o que é ofertado, esclarecendo fortalecimento de potenciais e autonomia, mantendo um olhar
possíveis dúvidas. Deve possibilitar a aproximação do usuário para os aspectos que constituem fenômenos sociais e interferem
com o serviço. na vida de indivíduos, famílias e grupos.
É fundamental a postura acolhedora dos profissionais, livre No decorrer do acompanhamento se dará a elaboração do
67 68
Plano de Acompanhamento Individual e/ou Familiar10, com a profissionais no campo social.
definição das estratégias de intervenção a serem utilizadas, As estratégias aplicadas para o acompanhamento psicossocial
propiciando, a partir das ações, as seguranças de acolhida, podem ser diversas, partindo do atendimento individual, para a
de convívio ou vivência familiar, comunitária e social, de utilização de técnicas grupais, visitas domiciliares, dentre outras,
desenvolvimento de autonomia individual, familiar e social. Essa constituindo espaços coletivos de socialização, trocas, informação
construção deve ser feita em conjunto com indivíduos e/ou e fortalecimento de indivíduos, famílias e comunidades. No
famílias, de forma democrática e participativa, e a rede envolvida trabalho psicossocial a intervenção profissional aponta para a
no acompanhamento, contemplando reflexões e avaliações construção de um novo fazer, bem como pressupõe a constituição
periódicas de forma a permitir redefinições quando necessário. de um campo do conhecimento que, a partir do saber específico
Cabe apontar que no atual contexto se impõe uma nova de cada formação, deve permitir uma leitura ampliada do contexto
prática, em que a intervenção se propõe em novas dimensões a que se aplica e das relações sociais ali estabelecidas. Neste
do conhecimento, ainda não definitivamente construído, mas que sentido, a psicologia agrega aspectos do campo subjetivo, ou
vem se constituindo num processo contínuo. A palavra e a escuta seja, as relações que se estabelecem entre pessoas e espaços e
se constituem em ferramentas fundamentais que permitem um a repercussão na família e sociedade, considerando a intervenção
aprofundamento no conhecimento da família e no estabelecimento em realidades dinâmicas que se alteram a partir destas relações,
de vínculos entre o profissional, a família e seus membros. É gerando transformação.
preciso superar a abordagem tecnicista nas quais diferentes áreas
têm ações específicas de maneira independente, e desenvolver Entrevista – Procedimento de coleta de dados e orientação,
percepções que se integram e se complementam, potencializando mas também de continuidade da acolhida para aquele que
a ação. O objetivo é, a partir de um processo objetivo, trazer a chega e busca inserção no serviço. Este procedimento integra
compreensão de indivíduos e grupos através de seus processos o acompanhamento psicossocial. Este é um momento de
subjetivos, num contexto que se constitui histórica e socialmente, estabelecer um contato individualizado e atento às demandas
em que a luta de forças antagônicas está presente. É da troca e potencialidades da família e seus membros, priorizando o
cotidiana que surge a ação psicossocial, com o compromisso registro das informações coletadas, assegurando a privacidade
de levantar competências e estabelecer responsabilidades, num e a apropriação das singularidades da família e seus membros,
processo de compartilhamento, viabilizando a soma de saberes assim como da dinâmica das relações em seu interior. Também é
e o estabelecimento de estratégias de intervenção, sem perder o momento de levantar informações para construção do prontuário
as especificidades das formações, mas criando competências no serviço e/ou registro do cadastro informatizado. A entrevista
contribui também para o aprofundamento de aspectos relevantes
10. Plano de Acompanhamento Individual e/ou Familiar – Conforme documento de na compreensão de indivíduos e famílias, dinâmicas de relações
Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – estabelecidas, percepção de mundo, motivações para a busca
CREAS (BRASIL, 2011), compreende o atendimento ofertado de forma continuada do serviço ou nos casos de encaminhamento e também sobre o
atendendo as demandas apresentadas, que envolve atendimentos individuais, motivo gerador do referenciamento ao CREAS.
familiares e em grupo; orientação jurídico-social; visitas domiciliares dentre outras
estratégias de intervenção. Deve ser construído em conjunto com cada família/
A entrevista não se esgota num único momento, sendo
indivíduo, apontando as estratégias a serem adotadas; encaminhamento e também uma oportunidade de interação com o serviço e suas
periodicidade dos atendimentos, proporcionando escuta qualificada e reflexão e ações/atividades, bem como de estabelecer vínculos favorecendo
construção de novas possibilidades de interação a familiares e com contexto social confiança e segurança. Visa ampliar conhecimento sobre o sujeito
e o enfrentamento das situações de violação.
69 70
e/ou sua família, trazendo a luz sua historia e relações sociais, individuais e para a família, a prevenção de agravamento na
rede informal com que conta e demandas apresentadas. situação de violação, promovendo a transformação nos padrões
de relacionamento familiares e comunitários de violação de
Visita Domiciliar – A visita domiciliar se constitui em uma das direitos. Os grupos podem constituir-se em espaço de vínculos e
estratégias de aprofundamento do acompanhamento psicossocial. identificação de condições e situações similares, estimulando um
É uma forma de atenção com o objetivo de favorecer maior conjunto de pessoas na busca de soluções a partir de potenciais
compreensão a respeito da família, de sua dinâmica, valores, individuais e coletivos.
potencialidades e demandas, orientações, encaminhamentos, Esta estratégia de intervenção pode ser utilizada no processo de
assim como de estabelecimento de vínculos fortalecedores do acompanhamento de diferentes formas, considerando situações
processo de acompanhamento. e demandas que se pretende focar: grupo composto por membros
Este é um momento mais concreto que pode estimular a família de diferentes famílias, grupos de famílias, grupos intergeracionais,
para a busca e construção conjunta de meios para romper com grupos específicos para adolescentes, mulheres, dentre outros.
o quadro de violação. Deve pautar-se no respeito à privacidade Trabalhar a família como grupo ou trabalhar com grupos de famílias
da família, tendo seu foco previamente definido, sendo utilizada significa considerar as relações, a convivência entre pessoas que
sempre que houver a compreensão de sua necessidade. Por trazem histórias e experiências diversas. O trabalho com grupos
ser um momento de atenção individualizada, permite visualizar propicia a construção e troca de conhecimento, oportunidade de
a família e sua dinâmica em seu espaço de convivência e construir enfrentamento de situações vivenciadas, fortalecimento
socialização, além de aproximar-se de sua realidade. e identificação de potencias, fortalecimento de autonomia e
vínculos. Podem ser de reflexão, de convivência, temáticos, focais
Intervenções grupais - Dentro das estratégias de intervenção e pontuais ou períodos prolongados, potencializando o direito à
utilizadas, diferentes denominações de grupos são descritas. convivência familiar e comunitária.
Segundo Pichon-Rivière, grupo se caracteriza como um conjunto
de pessoas movidas por necessidades semelhantes, que se Articulação em Rede - Importante para a completude dos
reúnem em torno de uma tarefa, um objetivo mútuo, onde cada objetivos estabelecidos no atendimento e no acompanhamento.
um exercita a fala, expressa opiniões, preservando as diferenças. Viabiliza o acesso do destinatário aos direitos e inserção em
Neste espaço o indivíduo constrói sua identidade, na relação diferentes serviços e programas, incluindo outras políticas,
com o outro (PICHON-RIVIÈRE, 1980). A partir do grupo novas não apenas os serviços socioassistenciais. Favorece a visão
aquisições são possíveis. É através desse espaço de expressão integrada, articulada, intersetorial e a construção de respostas
que resignificações se dão, a experiência de cada um pode ser conjuntas no enfrentamento das situações de violência, assim
recriada, repensada, ou seja, as relações que se estabelecem a como viabiliza o acesso a direitos socioassistenciais, integrando
partir da troca e da comunicação podem trazer a superação de as políticas sociais, buscando romper com a fragmentação no
situações vivenciadas. acompanhamento e atenção às famílias.
Também é no grupo que se dá a convivência de indivíduos Cabe destacar a relevância do estabelecimento e definição
e/ou famílias, apoio e reflexão, a aquisição de novos dos fluxos no processo de trabalho e atendimento do CREAS,
conhecimentos, a comunicação, a troca, o desenvolvimento de apontando a rede de serviços e suas conexões. Assim é que
habilidades e potencialidades, fortalecendo e resignificando se define o processo de referência e contra-referência, evitando
os vínculos familiares e comunitários, a construção de projetos ações de mero encaminhamento. É preciso haver definição das
71 72
responsabilidades no processo de intervenção junto aos indivíduos e complementariedade de diferentes políticas, a saber: saúde,
e/ou famílias, garantindo a complementaridade e articulação, educação, assistência social, habitação, esporte, lazer e cultura.
permitindo a reflexão conjunta e a co-responsabilização dos Somente a partir dessa compreensão os resultados podem ser
envolvidos. Na articulação da Rede destacam-se os órgãos de alcançados.
defesa de direitos: Conselho Tutelar, Poder Judiciário, Ministério Para a articulação de diferentes políticas a Assistência Social
Público, Defensoria Pública, Delegacias Especializadas e tem papel preponderante.
Organizações da Sociedade Civil (Centros de Defesa, Fóruns de
Defesa de Direitos), dentre outros. O órgão gestor de assistência social tem papel preponderante
Segundo Akerman (2012) o SUAS traz para o Sistema de na interlocução com outras políticas e órgãos de defesa de
Garantia de Direitos muitos questionamentos sobre quais são direitos e na institucionalização da articulação do CREAS
as atribuições e competências de cada uma das instituições com a rede, inclusive, por meio da construção e pactuação
de fluxos de articulação e protocolos intersetoriais de
que o compõem. Os vários órgãos buscam trabalhar de forma
atendimento. (BRASIL, 2011(b)).
integrada, mas articular uma rede como essa, com características
tão diversas, não é tarefa simples e muitas vezes as ações são
Na Norma Operacional Básica do SUAS (2005) está explicitado
fragmentadas, superpostas ou contraditórias. Dessa forma,
como um dos princípios organizativos do SUAS, as ações de
as famílias e pessoas atendidas convivem com vários atores
gestão de interface que a Assistência Social deve promover
sociais que muitas vezes expedem orientações divergentes.
para a garantia do cumprimento de seus preceitos. A noção de
Como vimos, o público já chega ao CREAS com uma história de
articulação aparece detalhadamente descrita na referida Norma,
exclusão social, e submetê-los aos fluxos burocráticos da rede
como uma importante estratégia para a efetivação do direito ao
representa uma dupla opressão. Praticar a articulação da rede
acesso às outras políticas públicas e sociais e a integração com
pressupõe agendas em comum, para construção, de consensos,
órgãos que compõem o Sistema de Garantia dos Direitos:
sobre os desafios e as propostas de enfrentamento destes, tanto
no nível da organização, acompanhamento e avaliação de fluxos,
• Articulação interinstitucional entre competências e
quanto no estudo de casos particulares. Esses encontros serão ações com os demais sistemas de defesa de direitos,
frutíferos se o clima for de compartilhamento de dificuldades e em específico com aqueles de defesa de direitos
potencialidades de cada uma das instituições da rede, sem se de crianças, adolescentes, idosos, pessoas com
transformar em espaços de disputas de posições. deficiência, mulheres, negros e outras minorias; de
A articulação de rede tem como princípios a flexibilidade proteção às vítimas de exploração e violência; e a de
e a horizontalidade e quanto mais dinâmica for, mais atrai adolescentes ameaçados de morte; de promoção do
novas conexões. Assim, os pactos e acordos, que deverão direito de convivência familiar;
ser formalizados pelos gestores, já estarão costurados pelos • Articulação intersetorial de competências e ações
profissionais da rede e desta forma, têm mais chance de serem entre o SUAS e o Sistema Único de Saúde – SUS por
intermédio da rede de serviços complementares para
compreendidos e instituídos.
desenvolver ações de acolhida, cuidados e proteções
Novas temáticas e demandas apontam para reorganização como parte da política de proteção às vítimas de danos,
no processo de desenvolvimento das políticas publicas e sociais, drogadição, violência familiar e sexual, deficiência,
trazendo a compreensão de que nenhuma política se encerra fragilidades pessoais e problemas de saúde mental,
em si. As respostas às demandas sociais exigem a articulação abandono em qualquer momento do ciclo de vida,
73 74
associados a vulnerabilidades pessoais, familiares e acompanhamento da família e/ou indivíduo no serviço, onde
por ausência temporal ou permanente de autonomia será necessário avaliar quais informações são importantes
principalmente nas situações de drogadição e, em e pertinentes para compreensão do caso em tela, revelando
particular, os drogaditos nas ruas; acompanhamento, resultados, intercorrências e considerações
• Articulação intersetorial de competências e ações
técnicas, além contribuir para organização e sistematização do
entre o SUAS e o Sistema Nacional de Previdência
Social gerando vínculos entre sistemas contributivos
trabalho. Para tanto, é necessário a definição de instrumentais para
e não-contributivos; esse registro. Serão essas informações que instrumentalizarão o
• Articulação interinstitucional de competências e monitoramento, avaliação e a gestão para a individualização do
ações complementares com o Sistema Nacional e acompanhamento às famílias e/ou indivíduos. Destacamos dois
Estadual de Justiça para garantir proteção especial a instrumentais de registro: os prontuários e os relatórios técnicos.
crianças e adolescentes nas ruas, em abandono ou
com deficiência; sob decisão judicial de abrigamento 1. Prontuários – Nos prontuários estarão registradas as
pela necessidade de apartação provisória de pais e informações de cada indivíduo/família contendo especificidades
parentes, por ausência de condições familiares de de cada caso. Devem ser registrados todos os procedimentos
guarda; aplicação de medidas socioeducativas em
adotados, estratégias e dados referentes a cada família/
meio aberto para adolescentes;
• Articulação intersetorial de competências e ações
indivíduos. É importante constar informações referentes à
entre o SUAS e o Sistema Educacional por intermédio evolução e progressos do caso, bem como demandas e desafios
de serviços complementares e ações integradas para identificados, discussões de caso e planejamentos. Também
o desenvolvimento da autonomia do sujeito, por meio deverá conter o Plano de Acompanhamento Individual e/ou
de garantia e ampliação de escolaridade e formação Familiar. É no prontuário que será apontada a análise de cada
para o trabalho. (BRASIL, MDS, 2005) caso, que considerará as especificidades e singularidades de
cada indivíduo e/ou família, apontando demandas, objetivos,
Portanto, é no encontro, nas potencialidades de interfaces, estratégias e evolução. Deve considerar as intervenções e
nas trocas de experiências, na consolidação dos entendimentos metodologias adotadas, os resultados alcançados e a maneira de
acerca das competências e atribuições de cada uma das lidar com as experiências de cada individuo e/ou família.
instituições que a identidade do CREAS e da equipe de referência
vão sendo construídas. 2. Relatório Técnico – A elaboração de relatórios é uma das
Temos ainda dentre as atividades e responsabilidades atividades desenvolvidas pelas/os psicólogas/os, apontadas na
técnicas aquelas voltadas para o trabalho interno decorrente da pesquisa realizada pelo Crepop (CFP/CREPOP/2009). Estes
intervenção técnica junto à população atendida no CREAS, ou devem conter informações sobre as ações desenvolvidas
seja, atividades meio, mas que também são importantes para no atendimento aos indivíduos e/ou famílias acompanhadas
efetivação do pretendido com a ação técnica. pela equipe no CREAS. Através do relatório deve ser possível
Registro de Informação - Procedimento presente em todo observar o processo do atendimento e acompanhamento da
processo de funcionamento do CREAS e do acompanhamento família ao longo do tempo, trazendo informações relevantes
às famílias e/ou indivíduos, imprescindível para a construção de para compreensão do caso em tela. No caso dos psicólogas(os)
informações e para subsidiar a definição e construção das ações. é preciso observar o disposto na Resolução do CFP nº 07 de
O registro das informações refere-se especificamente ao 2003, que dispõem sobre a produção de documentos. Segundo a
75 76
referida Resolução, os relatórios devem conter uma redação bem leitura de textos, dividindo o espaço de reunião em aprimoramento
estruturada e apropriada ao que se destina. Nele as afirmações teórico, discussão, construção e avaliação objetiva do trabalho
devem apresentar sustentação em seu corpo, com análise do que é planejado, possibilitando, ainda, supervisão técnica com
apresentado e uma conclusão decorrente do que foi desenvolvido presença, inclusive, de profissionais externas ao equipamento,
no atendimento e acompanhamento. O relatório deve ter como como por exemplo integrantes de Instituições de Ensino Superior
referência o Plano de Acompanhamento individual e/o familiar, e ou especialistas que possam contribuir no desenvolvimento e
deve considerar e analisar os condicionantes históricos e sociais qualificação da equipe.
e seus efeitos na constituição dos sujeitos, trazendo para reflexão
os aspectos subjetivos que se implicam na relação indivíduo e Reunião para Estudo de Caso – Espaço para estudo e
seu contexto social e que por vezes constituem dinâmica de análise dos casos em acompanhamento no serviço. O objetivo é
violações. Na elaboração de documentos a(o) psicóloga(o) deve ampliar a compreensão de indivíduos e famílias em suas relações,
também observar os princípios e dispositivos do Código de Ética particularidades e especificidades, na busca de estratégias
Profissional do Psicólogo. e metodologias de intervenção para alcance dos resultados
Observa-se ainda, que “Os relatórios do CREAS não devem identificados e apontados no Plano de Acompanhamento individual
se confundir com a elaboração de “laudos periciais”, relatórios ou e/ou familiar, avaliando resultados alcançados e demandas, assim
outros documentos com finalidade investigativa que constituem como necessidade de readequações.
atribuição das equipes interprofissionais dos órgãos do sistema Deve manter periodicidade e contar com todos os envolvidos
de defesa e responsabilização” (BRASIL, 2011, p.43 e 70(b)). no caso atendido, contemplando não apenas a equipe do CREAS,
mas também profissionais da rede conforme pertinência. A troca
Reunião de Equipe – Tem como objetivo debater e entre profissionais de diferentes áreas é privilegiada neste espaço
problematizar o trabalho articulado e integrado, avaliar e definir contribuindo para o trabalho multi ou interdisciplinar.
caminhos possíveis para seu desenvolvimento. Traz para reflexão Nesse processo de registro da prática e construção de
questões operacionais e referentes às relações e articulações referências, indagações se destacam e apontam para as
da equipe. Momento em que o trabalho desenvolvido deve ser urgências no processo de implementação da política, bem
debatido e avaliado, possibilitando rever o planejamento e metas como na construção de referências para o fazer técnico. Afinal
estabelecidas. Deve manter uma periodicidade, com pauta trabalhamos com realidades dinâmicas, que falam e traduzem
estabelecida e presença de toda equipe. A partir do monitoramento estruturas, relações de poder, saberes, trocas, vivências e
das ações a equipe poderá avaliar as estratégias utilizadas, as realizações. Mas se tem o desafio de construir o novo sem
responsabilidades estabelecidas no processo, encaminhamentos abandonar ou desqualificar o que vem sendo realizado e sim
efetivados no período, referência e contra-referência, articulações avaliar o que melhor atende as demandas contemporâneas da
e parcerias com a rede. De forma objetiva, avaliar o trabalho do sociedade. As indagações do cotidiano trazem maior clareza à
serviço, da equipe (interno-externa) e demandas para atingir percepção de que o objeto do trabalho na Política de Assistência
objetivos propostos no serviço. Este espaço deve contemplar o Social são as relações individuais, coletivas e institucionais.
debate de questões operacionais e conceituais, conjunturas e Não se trata apenas de atender a questões materiais, mas as
dilemas, contradições vivenciadas viabilizando a articulação e implicações da falta de condições na vida dessas famílias e da
integração da equipe. comunidade em geral.
Na reunião de equipe é possível criar um momento de estudo e Constata-se aqui, a provocação que o cotidiano nos
77 78
impõe: construir práticas que agreguem diferentes campos de
conhecimento para a intervenção psicossocial, intersetorial,
em rede e em equipe, mantendo exaustivo debate sobre o
fazer, resultados e potenciais futuro. É preciso construir uma
prática profissional pautada na análise de contextos culturais,
sociais, econômicos e políticos que estabelecem relações de
poder e conflito que interferem profundamente em indivíduos
e famílias e sua maneira de relacionar-se com o externo,
uma vez que reagem ao que lhe afeta, como em situações
de desemprego, violência, falta de acesso a bens e direitos,
discriminação, dentre outros. Isso exige dos profissionais a
construção de um fazer técnico diferenciado, que, sem perder
as especificidades de cada área do conhecimento, somem
entre si para reconhecer os sujeitos das políticas de atenção
em sua integralidade e especificidade.
Tem-se como mais um dos desafios problematizar a
formação que deve estar embasada na realidade de atuação do
profissional de Psicologia, apontando a complementariedade e
singularidade em relação ao trabalho em equipe nas políticas
públicas. A atuação traz o questionamento de como constituir
um fazer apropriado da trajetória histórica das políticas no
país, incorporando os princípios e diretrizes das legislações da
Assistência Social.
79
Referências Técnicas para atuação
do(a) psicólogo(a) no CRAS/SUAS
Ficha catalográfica
Catalogação na publicação Serviço de
Biblioteca e Documentação
Instituto de Psicologia da Universidade de
São Paulo
3 4
Conselho Federal de Psicologia Centro de Referência Técnica em
XIII Plenário (gestão 2005-2007) Psicologia e Políticas Públicas
(CREPOP)
Diretoria
Marcus Vinícius de Oliveira Silva
Ana Mercês Bahia Bock
Conselheiro Responsável
Presidente
Grisel Crispi
Marcus Vinícius de Oliveira Silva
Coordenadora
Vice-presidente
Monalisa Nascimento dos Santos Barros Equipe Técnica
Secretária Ariana Barbosa Silva
Odair Furtado Cláudio Henrique Pedrosa
Tesoureiro
Márcio Nunes de Paula
Conselheiros Efetivos
Apoio
Acácia Aparecida Angeli dos Santos
Yvone Magalhães Duarte
Adriana Alencar Gomes Pinheiro Coordenadora Geral do CFP
Alexandra Ayach Anache Redação
Ana Maria Pereira Lopes Iolete Ribeiro da Silva
Iolete Ribeiro da Silva Rita de Cássia Oliveira Assunção
Nanci Soares de Carvalho Silvia Giugliani
Psicólogos Convidados Sueli Ferreira Schiavo
Regina Helena de Freitas Campos Revisão
Vera Lúcia Giraldez Canabrava Adpeople Comunicação
Conselheiros Suplentes
Andréa dos Santos Nascimento
André Isnard Leonardi
Giovani Cantarelli Conselho Federal de Psicologia
Maria Christina Barbosa Veras SRTVN Qd 702 – Ed. Brasília Rádio Center sala 4024-A
Maria de Fátima Lobo Boschi CEP: 70.719-900 Brasília/DF
Fone: (61) 2109-0100
Rejane Maria Oliveira Cavalcanti
Fax: (61) 2109-0150
Rodolfo Valentim Carvalho Nascimento
www.pol.org.br
Psicólogos Convidados Suplentes e-mail: contato@pol.org.br
Deusdet do Carmo Martins http://crepop.pol.org.br
Maria Luiza Moura Oliveira e-mail: crepop@pol.org.br e crepop.contatos@pol.org.br
5 6
Sumário
Apresentação........................................................................... 09
Nota introdutória...................................................................... 11
I – Dimensão ético-política da Assistência Social..................... 13
II – Psicologia e Assistência Social........................................... 21
III – Atuação do psicólogo no CRAS........................................ 27
IV – Gestão do trabalho no SUAS............................................ 37
Considerações finais................................................................ 41
Referências.............................................................................. 43
Sugestões de leitura................................................................. 47
Anexos..................................................................................... 51
O processo de consulta pública pelo CREPOP......................... 52
Relação dos psicólogos que contribuíram para a construção
deste documento...................................................................... 58
7 8
Apresentação tem como objetivo trazer para a reflexão, com os profissionais
da Psicologia, aspectos da dimensão ético-política da Assistência
Social, a relação da Psicologia com a Assistência Social, a
O compromisso social da Psicologia foi construído com a atuação da(o) psicóloga(o) no CRAS e a gestão do trabalho no
participação de psicólogos e psicólogas de todo o país em SUAS. Apresentam-se algumas referências para a atuação da/o
diferentes projetos. Essa Psicologia valoriza a construção de psicóloga/o no CRAS sem a pretensão de apresentar um modelo
práticas comprometidas com a transformação social em direção a único, fechado, mas apontar possibilidades e convocar a categoria
uma ética voltada para a emancipação humana. Na última década, à reflexão e contribuição.
diferentes experiências possibilitaram a divulgação de um conjunto
de práticas direcionadas aos problemas sociais brasileiros, práticas Ana Mercês Bahia Bock
que apontavam alternativas para o fortalecimento de populações Presidente do Conselho Federal de Psicologia
em situação de vulnerabilidade social, assim como para o no XIII Plenário 2004–2007
fortalecimento dos recursos subjetivos para o enfrentamento das
situações de vulnerabilidade. Como resultado dessas experiências
houve uma ampliação da concepção social e governamental acerca
das contribuições da Psicologia para as políticas públicas, além
da geração de novas referências para o exercício da profissão de
Psicologia no interior da sociedade (CFP, 2005).
Nesse sentido, o Sistema Conselhos criou o Centro de
Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP)
com a finalidade de identificar a existência de práticas relevantes,
sistematizar e documentar essas práticas e disponibilizá-las para
toda a sociedade. O CREPOP tem, como conceito principal, a
produção de informação qualificada que visa ampliar a capacitação
dos psicólogos na compreensão das políticas públicas de modo
geral e a compreensão teórico - técnica do processo de elaboração,
planejamento, execução das políticas públicas nas diversas áreas
específicas: saúde, educação, Assistência Social, criança e
adolescente e outras.
Com base nessa delimitação, apresentam-se, nesse documento
referências técnicas para a atuação da(o) psicóloga(o) no Centro
de Referência em Assistência Social (CRAS). Este documento
9 10
Nota introdutória Portanto, a construção de Referências para atuação do(a)
psicólogo(a) no CRAS/SUAS traduz o esforço de desenvolvimento
de um método coletivo de produção de conhecimento sobre a
Processo de construção de referências técnicas pelo CREPOP intervenção profissional em políticas públicas. Nesse sentido,
a opção pela modalidade de consulta pública procurou garantir
O Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas e fortalecer a participação da categoria e o protagonismo da
Públicas – CREPOP surgiu para oferecer à Psicologia um novo profissão.
olhar sobre os compromissos com as Políticas Públicas e com
os Direitos Humanos. O CREPOP traz, como principal propósito, Marcus Vinícius de Oliveira Silva
ampliar a atuação dos psicólogos e das psicólogas na esfera Vice-Presidente do Conselho Federal de Psicologia
pública, expandindo a contribuição profissional da Psicologia para Conselheiro responsável pelo CREPOP
a sociedade brasileira e, conseqüentemente, colaborando para a no XIII Plenário 2004–2007
promoção dos Direitos Humanos no país.
Todas as ações do CREPOP caminham no sentido de oferecer
referências para a prática profissional, elaborando diretrizes
para os(as) psicólogos(as) do Brasil. O conjunto de ações
desenvolvidas, considerando suas finalidades e a posição que ele
ocupa no Sistema Conselhos, está organizado em três diretrizes
concebidas nacionalmente, mas abertas a variações em função
das especificidades regionais, que são definidas por cada unidade
local.
A primeira diretriz constitui-se no subprojeto “o CREPOP
como Recurso de Gestão” – que opera como catalisador das
ações políticas dos Conselhos. A segunda define o subprojeto
de “Pesquisa Permanente em Políticas Públicas”, que visa à
localização e manutenção de um processamento constante dos
dados e informações relativos aos(às) psicólogos/as e às políticas
públicas brasileiras. A terceira diretriz define o subprojeto de
“Investigação da Prática Profissional” – que busca apreender o
núcleo e o campo da prática profissional dos(as) psicólogos(as)
nas áreas específicas das políticas públicas.
11 12
I – Dimensão ético-política da
Assistência Social
13 14
atravessada por ações que tinham em sua intenção a lógica das de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero
benesses, dos clientelismos e, principalmente, a manutenção da ou por deficiências, dentre outras) (PNAS, 2004, p.27).
condição de subalternidade aos que a ela recorriam. A proteção social básica ocupa-se das ações de vigilância social,
A Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004), prevenção de situações de risco por meio do desenvolvimento
operacionalizada através do SUAS (2005), traz como projeto de potencialidades e aquisições e do fortalecimento de vínculos
político, a radicalização dos modos de gestão e financiamento familiares e comunitários. Casos notadamente complexos,
da política de Assistência Social. Essas marcas, se garantidas e que implicam violação de direitos (violência e abuso sexual,
legitimadas por meio dos movimentos populares, da participação exploração do trabalho infantil, pessoas em situação de rua etc.)
plena de seus usuários e do fortalecimento dos espaços e são encaminhados aos serviços e programas, correspondentes à
instâncias de controle social, deverão fazer com que as ações Proteção Social Especial.
propostas estejam conectadas com seus territórios, seus sujeitos, Segundo a PNAS (2004), a proteção social especial é
suas prioridades. Estamos, então, falando da sua efetividade
(...) uma modalidade de atendimento assistencial destinada a
enquanto política para a promoção da vida.
famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco
Insistimos nesta articulação entre a Assistência Social e a pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos
afirmação da vida – não por acaso ou por retórica - mas porque é e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas,
disso que se trata. Esta é a questão a ser aprofundada, o desafio a cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua,
ser enfrentado por nós, profissionais da Psicologia, intervindo por situação de trabalho infantil, entre outras (PNAS, 2004, p.28).
meio da política da Assistência Social. É preciso estar atento às
Quando estamos dentro dos territórios de pertencimento das
potencialidades e às vulnerabilidades instaladas nas comunidades,
camadas mais apartadas do acesso a bens e serviços, no Centro
nos territórios, onde as famílias estabelecem seus laços mais
de Referência de Assistência Social – CRAS, motivo da elaboração
significativos. É preciso “ir onde o povo está”, já disseram antes.
deste primeiro documento, o que temos como propósito é nos
O SUAS propõe a sua intervenção a partir de duas grandes
ocuparmos das situações que demandam atenção, cuidado,
estruturas articuladas entre si: a Proteção Social Básica, que dá
aproximação. O CRAS tem como objetivo o desenvolvimento
conta da atenção básica, e a Proteção Social Especial, considerando
local, buscando potencializar o território de modo geral. O foco
a necessidade de ações de média e alta complexidades. De acordo
da atuação do CRAS é a prevenção e promoção da vida, por isso
com a PNAS (2004), a proteção social básica tem como objetivos:
o trabalho do psicólogo deve priorizar as potencialidades. Nossa
prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de atuação deve se voltar para a valorização dos aspectos saudáveis
potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos presentes nos sujeitos, nas famílias e na comunidade. A atuação
familiares e comunitários. Destina-se à população que vive em do psicólogo no CRAS tem foco na prevenção e “promoção de
situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação
vida”, mas isto não significa desconsiderar outros aspectos
(ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos,
dentre outros) e ou fragilização de vínculos afetivos – relacionais e relacionados às vulnerabilidades.
15 16
Temos muito que ver fora dos consultórios, dos settings da realidade local, na sua complexidade, nas suas brechas, nas
convencionais. Temos a oportunidade de estabelecer muitos suas possibilidades de alterar o que está posto.
olhares, muitas conexões, muitas redes. Temos a oportunidade Todos esses passos serão de enfrentamento, de
de trabalhar com a vida, não com o pobre, o pouco, o menos. desnaturalização da violação dos direitos, de superação das
Temos o dever de devolver para a sociedade a contradição, contradições sociais, se, cada vez mais, e mais profundamente,
quando muitos não usufruem de um lugar de cidadania, que nós estivermos implicados na sua execução. Diretamente, na
deveria ser garantido a todos, como direito. Para isto devemos medida em que é necessário propor ações de monitoramento,
nos ocupar de todos os casos, pois eles estão ali, pedindo algo, definição de indicadores de funcionamento e de resultado que
e, às vezes, porque demoramos demais, nem pedindo estão mais. orientem nossas atividades. Indiretamente, pois o sujeito, atendido
Mais motivos temos para nos aproximar e retomar o que deve ter plenamente por um profissional implicado com o seu processo de
ficado perdido nos fragmentos dos atendimentos segmentados, cidadania, desenvolve, pela própria experiência, a autonomia e o
dos encaminhamentos assinalados nos papéis, mas ainda não empoderamento, para fazer valer os seus direitos.
inscritos na vida. É importante articularmos nossas ações às já existentes
Para tanto, e para chegar perto de quem realmente mais nas comunidades e realizadas pelos moradores das regiões e
precisa, será importante não inventar a roda, e, sim, fazer territórios atendidos pelo CRAS. Um dos grandes desafios refere-
a roda andar. É preciso articular com ações existentes nas se à articulação com a rede socioassistencial e intersetorial,
regiões, nas comunidades. Devemos, pela condição de sujeito além do desenvolvimento de ações de forma integrada e
integral, entender o desafio da incompletude institucional e da complementar, que perceba o sujeito e a comunidade de forma
intersetorialidade. Potencializar parcerias, articular as ações integral e não fragmentada. Esse diálogo permanente fortalece
que complementam nossa intervenção, e por esta integração laços e parcerias e potencializa ações de forma continuada.
preencher de significado cada passo proposto, para nós (técnicos) Desta forma, pensar estratégias que considerem esses aspectos
e para os destinatários da nossa intervenção, pois esta estratégia fortalece nossa atuação e aproxima-nos da comunidade e de suas
nos fará ganhar em efetividade e resultado. Certamente fará demandas.
ganhar a todos em cidadania. Uma atuação comprometida com a promoção de direitos, de
Existem experiências que podem ser pontos de potência. É cidadania, da saúde, com a promoção da vida e que leve em conta
o caso de se reconhecer o processo altamente territorializado e o contexto no qual vive a população referenciada pelos CRAS tem
capilarizado, no qual vêm se constituindo as ações do Programa o suporte teórico e prático de Sílvia Lane, Martín Baró, Sawaia
Saúde da Família (PSF). Nesta mesma ótica propõe-se o trabalho e de vários outros estudiosos da Psicologia Social, da Psicologia
do CRAS, tendo como proposta constituir-se enquanto espaço Comunitária, da Psicologia do Desenvolvimento, da Psicologia
de referência e porta de entrada para os serviços da Assistência Institucional, dentre outras.
Social. Essas atuações ocorrem dentro da lógica de trabalho em A Psicologia tem produzido conhecimentos que embasam
rede, articulado, permanente e não ocasional, no reconhecimento a atuação profissional no campo da Assistência Social e que
17 18
subsidiam o desenvolvimento de atividades em diferentes espaços potencial dos usuários dos serviços, enquanto sujeitos capazes
institucionais e comunitários. Esses conhecimentos possibilitam de autonomia e independência e que não necessitavam continuar
que o psicólogo realize ações que envolvam proposições de nesse processo de exclusão e de tutela.
políticas e ações relacionadas à comunidade em geral e aos Este é o nosso compromisso ético-político, cada vez mais
movimentos sociais de grupos étnico-raciais, religiosos, de implicado com a produção de bem-estar bio-psicossocial, cada
gênero, geracionais, de orientação sexual, de classes sociais e vez mais comprometido com a promoção da vida. Propor, a partir
de outros segmentos socioculturais, com vistas à realização de das nossas intervenções, atravessar o cotidiano de desigualdades
projetos da área social e/ou definição de políticas públicas. e violências a estas populações, visando o enfrentamento e
Com base nesses conhecimentos, intervenções psicológicas superação das vulnerabilidades, investindo na apropriação, por
com a finalidade da promoção da autonomia têm envolvido a todos nós, do lugar de protagonista na conquista e afirmação de
participação efetiva da comunidade, parcerias com instituições direitos.
como igrejas e movimentos sociais, ações comprometidas com o Temos compromisso com a autonomia dos sujeitos, com a
bem-estar, com a diversidade e as subjetividades de todos. Como crença no potencial dos moradores e das famílias das populações
afirma Lane (2001), a Psicologia deve recuperar o indivíduo na referenciadas pelos CRAS, para que rompam com o processo
interseção de sua história com a história de sua sociedade, pois é de exclusão/marginalização, assistencialismo e tutela. É
somente este conhecimento que permite compreender o homem fundamental a apropriação do lugar de protagonista na conquista
como produtor de sua história. Assim, a participação social é e afirmação de direitos, para que possamos trabalhar com essa
condição básica à cidadania. perspectiva. Para uma atuação ética e política, compreendemos
A Psicologia pode contribuir para resgatar o vínculo do usuário ser imprescindível a identificação e apropriação da atuação,
com a Assistência Social. A dignidade do público-participante é enquanto profissional, e crença no que se faz, mesmo diante de
favorecida a partir de uma relação qualificada com a Assistência adversidades e desafios inerentes a ela. Isso contribui para um
Social. Isto impõe a necessidade de se pensarem possibilidades protagonismo de fato, capaz de fomentar, em outros, a construção
de enfrentamento das dificuldades de realização do controle de autonomias e a geração de outros protagonistas.
social. Existe, de fato, espaço para os usuários, na elaboração
das ações e políticas destinadas a sua comunidade? A partir de
uma análise crítica da Assistência Social, os psicólogos devem
contribuir para a superação dessas barreiras.
Nós, psicólogos, temos muito a contribuir neste processo.
Trazemos, como acúmulo, as aprendizagens e convicções
forjadas na luta pela afirmação da Reforma Psiquiátrica, pela
desinstitucionalização, em todas as suas formas, explícitas
ou maquiadas. Nesse movimento, a crença norteadora foi no
19 20
II – Psicologia e Assistência Social
21 22
pelas experiências, condições de vida e significados construídos ao Assim, a oferta de apoio psicológico básico é uma possibilidade
longo do processo de desenvolvimento. Alterar o lugar do sujeito nas importante, de forma a facilitar o movimento dos sujeitos
políticas de Assistência Social, potencializando a sua capacidade para o desenvolvimento de sua capacidade de intervenção e
de transformação, envolve a construção de novos significados. transformação do meio social onde vive (CFP, 2005), uma vez
Para romper com os processos de exclusão, é importante que o que visa à potencialização de recursos psicossociais individuais e
sujeito veja-se num lugar de poder, de construtor do seu próprio coletivos frente às situações de risco e vulnerabilidade social.
direito e da satisfação de suas necessidades. No entanto, essa As atividades desenvolvidas no CRAS estão voltadas para o
mudança de significados envolve também o contexto social que alívio imediato da pobreza, para a ruptura com o ciclo intergeracional
deve re-significar a compreensão sobre como a vulnerabilidade da pobreza e o desenvolvimento das famílias. Os psicólogos no
social é produzida. CRAS devem promover e fortalecer vínculos sócio-afetivos, de
É preciso, portanto, olhar o sujeito no contexto social e político forma que as atividades de atendimento gerem progressivamente
no qual está inserido e humanizar as políticas públicas. Os cidadãos independência dos benefícios oferecidos e promovam a
devem ser pensados como sujeitos que têm sentimentos, ideologias, autonomia na perspectiva da cidadania. Atuar numa perspectiva
valores e modos próprios de interagir com o mundo, constituindo uma emancipatória, em um país marcado por desigualdades sociais,
subjetividade que se constrói na interação contínua dos indivíduos e construir uma rede de proteção social é um grande desafio.
com os aspectos histórico-culturais e afetivo-relacionais que os Temos o compromisso de oferecer serviços de qualidade, diminuir
cercam. Essa dimensão subjetiva deve ser levada em consideração sofrimentos, evitar a cronificação dos quadros de vulnerabilidade,
quando se organizam e executam as políticas públicas. defender o processo democrático e favorecer a emancipação social.
Compreender o papel ativo do indivíduo e a influência das relações Para isso, é importante compreender a demanda e suas condições
sociais, valores e conhecimentos culturais sobre o desenvolvimento históricas, culturais, sociais e políticas de produção, a partir do
humano pode favorecer a construção de uma atuação profissional conhecimento das peculiaridades das comunidades e do território
que seja transformadora das desigualdades sociais. Ao levar em (inserção comunitária) e do seu impacto na vida dos sujeitos. Qual
consideração essa dimensão do desenvolvimento dos sujeitos, é a demanda apresentada pelos usuários da Assistência Social?
contribui-se para a promoção de novos significados ao lugar do Num modelo assistencialista, os profissionais são os
sujeito cidadão, autônomo e que deve ter vez e voz no processo ‘salvadores’ que fazem de tudo para aliviar a miséria. O problema
de tomada de decisão e de resolução das dificuldades e problemas é que, quando se colocam nesse lugar, invertem a demanda e
vivenciados. acham que sabem o que é melhor para o usuário. O importante,
Valorizar a experiência subjetiva do indivíduo contribui para no entanto, é compreender a demanda dos usuários, em seus
fazê-lo reconhecer sua identidade e seu poder pessoal. Operando aspectos históricos, sociais, pessoais e contextuais, para se
no campo simbólico e afetivo-emocional da expressividade e da realizar uma intervenção psicológica mais efetiva e resolutiva, com
interpretação dialógica, com vistas ao fortalecimento pessoal, base na demanda planejada (construída pelo diálogo entre o saber
pode-se desenvolver condições subjetivas de inserção social.
23 24
do técnico e do população referenciada), e não só na demanda buscando a interação de saberes e a complementação de ações,
espontânea. com vistas à maior resolutividade dos serviços oferecidos;
Na relação com as famílias é importante também estar atento 3. Atuar de forma integrada com o contexto local, com a
ao processo de culpabilização da família. A extrema valorização realidade municipal e territorial, fundamentada em seus
da família e a idealização do núcleo familiar contribuíram para se aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais;
pensar que “ (...) se tudo se remete à família, tudo é culpa da família” 4. Atuar baseado na leitura e inserção no tecido comunitário,
(MELMAN, 2002, p. 38). Respeito mútuo, respeito a si próprio e para melhor compreendê-lo, e intervir junto aos seus
reconhecimento do outro são importantes para a construção de moradores;
relações de confiança entre profissionais e população atendida e 5. Atuar para identificar e potencializar os recursos psicossociais,
para se possibilitar uma postura autônoma, contribuindo para a tanto individuais como coletivos, realizando intervenções nos
re-significação do lugar do indivíduo, empoderando-o enquanto âmbitos individual, familiar, grupal e comunitário;
sujeito cidadão de direitos. 6. Atuar a partir do diálogo entre o saber popular e o
Quando os profissionais têm disponibilidade para revisitar e saber científico da Psicologia, valorizando as expectativas,
aprimorar suas ações, com base no conhecimento compartilhado experiências e conhecimentos na proposição de ações;
com diferentes profissionais e usuários, realizam troca de saberes 7. Atuar para favorecer processos e espaços de participação
e constroem práticas interdisciplinares mais colaborativas, ricas e social, mobilização social e organização comunitária,
flexíveis. A prática interdisciplinar é uma prática política, um diálogo contribuindo para o exercício da cidadania ativa, autonomia
entre pontos de vista para se construírem leituras, compreensões e controle social, evitando a cronificação da situação de
e atuações consideradas adequadas, e visa à abordagem de vulnerabilidade;
questões relativas ao cotidiano, pautadas sobre a realidade dos 8. Manter-se em permanente processo de formação
indivíduos em seu território. profissional, buscando a construção de práticas
Para o enfrentamento dessas situações, é relevante também contextualizadas e coletivas;
a identificação e consideração das expectativas, necessidades e 9. Atuar com prioridade de atendimento aos casos e situações
potencialidades dos usuários e a análise da adequação das ações de maior vulnerabilidade e risco psicossocial;
propostas ao campo da Assistência Social. 10. Atuar para além dos settings convencionais, em espaços
Princípios que devem orientar a prática do psicólogo no CRAS: adequados e viáveis ao desenvolvimento das ações, nas
1. Atuar em consonância com as diretrizes e objetivos da instalações do CRAS, da rede socioassistencial e da
PNAS e da Proteção Social Básica (PSB), cooperando para a comunidade em geral.
efetivação das políticas públicas de desenvolvimento social e Desde o ponto de vista conceitual, a ação do psicólogo
para a construção de sujeitos cidadãos; e do assistente social e as diretrizes do Ministério de
2. Atuar de modo integrado à perspectiva interdisciplinar, em Desenvolvimento Social unem-se na reabilitação psicossocial
especial nas interfaces entre a Psicologia e o Serviço Social, de um lado e de outro, na promoção da cidadania e do
protagonismo político.
25 26
III – Atuação do psicólogo no CRAS
27 28
Segundo as orientações técnicas do Ministério do do CRAS com os serviços oferecidos por outras políticas públicas,
Desenvolvimento Social (MDS), as ações dos profissionais que por meio da intersetorialidade.
atuam no CRAS devem Em se tratando do trabalho do psicólogo, que, conforme
(...) provocar impactos na dimensão da subjetividade política dos sugerido alhures, deve enfatizar as relações da pessoa com os
usuários, tendo como diretriz central a construção do protagonismo seus contextos, atentar para a prevenção de situações de risco e
e da autonomia, na garantia dos direitos com superação das contribuir para o desenvolvimento de potencialidades pessoais e
condições de vulnerabilidade social e potencialidades de riscos coletivas, este profissional deve pautar seu atuação pelos marcos
(BRASIL, 2006a, p. 13). normativos da Assistência Social, como o Guia de Orientação
As atividades do psicólogo no CRAS devem estar voltadas Técnica – SUAS Nº 1 (BRASIL, 2005), que versa sobre as
para a atenção e prevenção a situações de risco, objetivando atuar diretrizes metodológicas para o trabalho com famílias e indivíduos,
nas situações de vulnerabilidade por meio do fortalecimento dos bem como sobre os serviços e ações do PAIF ofertados pela equipe
vínculos familiares e comunitários e por meio do desenvolvimento de profissionais do CRAS. Portanto, em casos de identificação de
de potencialidades e aquisições pessoais e coletivas. demandas que requeiram ações e serviços não previstos nestes
Intervir em situações de vulnerabilidades, dentro da aparatos normativos, como, por exemplo, o acompanhamento
Assistência Social, implica diretamente em promover e favorecer clínico de natureza psicoterapêutica, o profissional de Psicologia
o desenvolvimento da autonomia dos indivíduos, oportunizando deve acessar outros pontos da rede de serviços públicos existentes
o empoderamento da pessoa, dos grupos e das comunidades. no seu território de abrangência ou no plano municipal, com vistas
Temos, aqui, a necessidade de mudanças nos referenciais teórico- à efetivação dos direitos dos usuários a serviços de qualidade e à
metodológicos, na fundamentação dos programas, projetos, devida organização das ações promovidas pelas políticas públicas
serviços e benefícios que devem se dar em nova ótica, investindo-se de Seguridade Social.
no potencial humano. Esse investimento pode produzir superação Conforme estabelece a Norma Operacional Básica de Recursos
e desenvolvimento, mas, para tanto, também são fundamentais Humanos do SUAS (NOB–RH/SUAS), atuam, no CRAS,
mudanças na forma de compreendermos a pobreza e a maneira de assistentes sociais, psicólogos e, em alguns casos, também outros
atuarmos sobre ela, gerando, por meio dos vínculos estabelecidos profissionais (BRASIL, 2006b). Portanto, o psicólogo passou a
no atendimento, e de um conjunto de ações potencializadores, o integrar as equipes de trabalhadores do SUAS e vem contribuindo
rompimento do ciclo de pobreza, a independência dos benefícios para que o CRAS cumpra seus objetivos dentro da política de
oferecidos e a promoção da autonomia, na perspectiva da Assistência Social. Esse local de atuação traz para o psicólogo
cidadania, tendo o indivíduo como integrante e participante ativo alguns desafios, dentre eles:
dessa construção. » apropriar-se dos marcos legais e normativos operacionais
Para produzir esses resultados devem ser identificados/criados da política pública em geral e, em especial, das políticas de
serviços que dêem retaguarda às ações do CRAS. Nesse sentido, Assistência Social, dentre outras: Constituição Federal – 1988;
deve-se identificar redes de apoio e deve-se articular os serviços Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS/1993; Estatuto
29 30
da Criança e Adolescente – ECA/1990; Plano Nacional de 5. compromisso em garantir atenção profissional
Assistência Social – PNAS/2004; Política Nacional do Idoso direcionada para a construção de projetos pessoais e
– PNI/1994; Política Nacional de Integração da Pessoa com sociais para a autonomia e sustentabilidade;
Deficiência – NOB-SUAS/2005; Novo Código Civil; leis, 6. reconhecimento do direito dos usuários a terem acesso
decretos e portarias do Ministério do Desenvolvimento a benefícios e renda e a programas de oportunidades para
Social, que possam ser pertinentes à ação dos profissionais; inserção profissional e social;
» apropriar-se dos fundamentos ético legais, teóricos e 7. incentivo aos usuários para que exerçam seu direito
metodológicos para o trabalho com e para as famílias, de participar de fóruns, conselhos, movimentos sociais e
seus membros e indivíduos, considerando, sobretudo, cooperativas populares de produção;
as necessidades e possibilidades objetivas e subjetivas 8. garantia do acesso da população a política de
existentes no território onde estes atores vivem; Assistência Social, sem discriminação de qualquer natureza
» apropriar-se de conhecimentos sobre: indicadores de (gênero,raça/etnia, credo, orientação sexual, classe social
vulnerabilidade e risco sócio-psicológico; especificidades ou outras), resguardados os critérios de elegibilidade dos
étnicas e culturais da população brasileira; trabalho social diferentes programas, projetos, serviços e benefícios;
com famílias, seus membros e indivíduos; trabalho com 9. devolução das informações colhidas nos estudos e
grupos e redes sociais; dialética exclusão/inclusão social; pesquisas aos usuários, no sentido de que estes possam
leitura sócio-psicológica da realidade, como pesquisa-ação- usá-las para o fortalecimento dos seus interesses;
participante; políticas públicas, dentre outros; 10. contribuição para a criação de mecanismos que venham
» orientar-se pelos princípios éticos que devem nortear a a desburocratizar a relação com os usuários, no sentido de
intervenção dos profissionais da Assistência Social, conforme agilizar e melhorar os serviços prestados.
proposto na NOB–RH/SUAS: A prática profissional do psicólogo junto a políticas públicas de
1. defesa Intransigente dos direitos socioassistenciais; Assistência Social é a de um profissional da área social produzindo
2. compromisso em ofertas, serviços, programas, projetos suas intervenções em serviços, programas e projetos afiançados
e benefícios de qualidade que garantam a oportunidade na proteção social básica, a partir de um compromisso ético e
de convívio para o fortalecimento de laços familiares e político de garantia dos direitos dos cidadãos ao acesso à atenção
sociais; e proteção da Assistência Social. A partir da interface entre
3. promoção, aos usuários, do acesso a informação, várias áreas da Psicologia, estas ações estão sendo construídas
garantindo conhecer o nome e a credencial de quem os numa perspectiva interdisciplinar, uma vez que vão constituindo
atende; várias funções e ocupações que devem priorizar a qualificação da
4. proteção à privacidade dos usuários, observando o intervenção social dos trabalhadores da Assistência Social.
sigilo profissional, preservando sua privacidade e opção e A concepção da Assistência Social como um direito e, portanto,
resgatando a sua história de vida; estabelecida como uma política pública, aponta a necessidade de
31 32
superação da atuação na vertente de viabilizadores de programas movimentem na condição de co-construtoras de si e dos seus
para viabilizadores de direitos, exigindo o conhecimento da contextos social, comunitário e familiar;
legislação, dos direitos e da compreensão do cidadão enquanto » compreender e acompanhar os movimentos de construção
autônomo e com potencialidades. subjetiva de pessoas, grupos comunitários e famílias,
O psicólogo deve integrar as equipes de trabalho em igualdade atentando para a articulação desses processos com as
de condições e com liberdade de ação, num papel de contribuição vivências e as práticas sociais existentes na tessitura sócio-
nesse processo de construção de uma nova ótica da promoção, que comunitária e familiar;
abandona o assistencialismo, as benesses, que não está centrada » colaborar com a construção de processos de mediação,
na caridade e nem favor, rompendo com o paradigma da tutela, das organização, mobilização social e participação dialógica que
ações dispersas e pontuais. impliquem na efetivação de direitos sociais e na melhoria das
A relação com a equipe e o usuário deve pautar-se pela parceria, condições de vida presentes no território de abrangência do
pela socialização e pela construção do conhecimento, respeitando CRAS;
o caráter ético conforme determina o Código de Ética Profissional » no atendimento, desenvolver as ações de acolhida,
do psicólogo. entrevistas, orientações, referenciamento e contra-
Apontam-se, a seguir, algumas diretrizes para a atuação do referenciamento, visitas e entrevistas domiciliares,
psicólogo nos serviços, benefícios e programas do CRAS: articulações institucionais dentro e fora do território de
» desenvolver modalidades interventivas coerentes com abrangência do CRAS, proteção pró-ativa, atividades
os objetivos do trabalho social desenvolvido pela Proteção socioeducativas e de convívio, facilitação de grupos,
Social Básica e Proteção Social Especial (média e alta), estimulando processos contextualizados, auto-gestionados,
considerando que o objetivo da intervenção em cada uma práxicos e valorizadores das alteridades;
difere, assim como o momento em que ele ocorre na família, » por meio das ações, promover o desenvolvimento de
em seus membros ou indivíduos; habilidades, potencialidades e aquisições, articulação e
» facilitar processos de identificação, construção e fortalecimento das redes de proteção social, mediante
atualização de potenciais pessoais, grupais e comunitários, assessoria a instituições e grupos comunitários;
de modo a fortalecer atividades e positividades já existentes » desenvolver o trabalho social articulado aos demais
nas interações dos moradores, nos arranjos familiares e na trabalhos da rede de proteção social, tendo em vista os
atuação dos grupos, propiciando formas de convivência direitos a serem assegurados ou resgatados e a completude
familiar e comunitária que favoreçam a criação de laços da atenção em rede;
afetivos e colaborativos entre os atores envolvidos; » participar da implementação, elaboração e execução dos
» fomentar espaços de interação dialógica que integrem projetos de trabalho;
vivências, leitura crítica da realidade e ação criativa e
transformadora, a fim de que as pessoas reconheçam-se e se
33 34
» contribuir na elaboração, socialização, execução, no
acompanhamento e na avaliação do plano de trabalho de seu
setor de atuação, garantindo a integralidade das ações;
» contribuir na educação permanente dos profissionais da
Assistência Social;
» fomentar a existência de espaços de formação permanente,
buscando a construção de práticas contextualizadas e
coletivas;
» no exercício profissional, o psicólogo deve pautar-se
em referenciais teóricos, técnicos e éticos. Para tanto, é
fundamental manter-se informado e atualizado em nível
teórico/técnico, acompanhando as resoluções que norteiam
o exercício;
» na ação profissional, é fundamental a atenção acerca do
significado social da profissão e da direção da intervenção da
Psicologia na sociedade, apontando para novos dispositivos
que rompam com o privativo da clínica mas não com a formação
da Psicologia, que traz, em sua essência, referenciais teórico-
técnicos de valorização do outro, aspectos de intervenção e
escuta comprometida com o processo de superação e de
promoção da pessoa;
» os serviços de Psicologia podem ser realizados em
organizações de caráter público ou privado, em diferentes
áreas da atividade profissional, sem prejuízo da qualidade
teórica, técnica e ética, mantendo-se atenção à qualidade e
ao caráter do serviço prestado, as condições para o exercício
profissional e posicionando-se, o psicólogo, enquanto
profissional, de forma ética e crítica, em consonância com o
Código de Ética Profissional do psicólogo.
35 36
IV – Gestão do trabalho no SUAS
37 38
os estados e municípios, muitas vezes, tiveram de buscar capacidade de comunicação o compromisso social entre as equipes
alternativas de contratação dos novos trabalhadores, em função de trabalho, os gestores do sistema, instituições formadoras e o
do constrangimento legal da lei de Responsabilidade Fiscal e sem controle social. Estimula também a produção de saberes, a partir
orientações corretas e claras de como proceder a essas novas da valorização da experiência e da cultura do sujeito das práticas
exigências, sobretudo pelas características dos programas e pela de trabalho, numa dada situação e com postura e escuta ativas,
sua instabilidade administrativa e orçamentária. Assim sendo, os críticas e reflexivas.
municípios tornaram-se os principais responsáveis pela contratação Um dos principais desafios aos processos de educação
de trabalhadores e pelo gerenciamento dos serviços, utilizando, permanente consiste em articular a visão global do sistema
inclusive, parcerias com Organizações Não Governamentais com a análise dos problemas efetivos da prática em contextos
(ONGs) ou Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público específicos. Para isso, a NOB/RH–SUAS prevê que a educação
(OSCIPs) e contratos com cooperativas. permanente dos trabalhadores da área da Assistência Social deva
Com isso, surgiram problemas associados à precarização dos ser promovida com a finalidade de se produzirem e difundirem
vínculos de trabalho. O trabalho precário é um obstáculo para o conhecimentos que devem ser direcionados ao desenvolvimento
desenvolvimento das políticas públicas, compromete a relação de habilidades e capacidades técnicas e gerenciais, ao efetivo
dos trabalhadores com o sistema e prejudica a qualidade e a exercício do controle social e ao empoderamento dos usuários para
continuidade de serviços essenciais. Diante dessa situação, é o aprimoramento da política pública.
importante implantar e concretizar uma política de valorização Os trabalhadores sociais, organizados em equipes, devem,
do trabalhador. Frente ao desafio do trabalho para a Assistência sistematicamente, desenvolver atividades de reflexão sobre
Social, é importante identificar quem é o trabalhador que atua na as práticas em grupos e fortalecer os laços sociais. A troca de
Assistência Social e onde ele se encontra. experiências e a interlocução entre pares possibilitam promover
As unidades dos CRAS sistematizam o trabalho da Assistência o entendimento, buscar alternativas e soluções, acompanhar
Social e constituem a porta de entrada e de controle da rede o trabalho desenvolvido pelos colegas e discutir obstáculos
socioassistencial. Outras entidades governamentais e não enfrentados, uma vez que não se encontram respostas fechadas
governamentais também fazem parte na execução dos serviços, sobre a condução da prática. É na discussão e reflexão sobre o papel
programas e projetos envolvendo outros trabalhadores da Assistência profissional acumulado no cotidiano que passa a ser observado um
Social. É necessário garantia mínima dos direitos desses trabalhadores rico espaço de aprendizado para se compreenderem os motivos,
e isto está relacionado ao financiamento da política do SUAS. fundamentarem as intervenções, investigarem as informações. É
A proposta de educação permanente, que vem sendo de fundamental importância realizar o registro e intercâmbio das
implantada no Brasil desde 2003, na área da saúde, e que agora experiências, para o fortalecimento da inserção profissional por
está sendo implantada na área da Assistência Social, destaca a meio da qualidade dos serviços oferecidos.
importância do potencial educativo no processo de trabalho para
a sua transformação. Busca a melhoria da qualidade do cuidado, a
39 40
Considerações finais
41 42
Referências
43 44
MELMAN, J. Família e Doença Mental: repensando a relação
entre profissionais de saúde e familiares. São Paulo:
Escrituras, 2002.
BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Sistema
Único de Assistência Social – SUAS. Norma Operacional
Básica (NOB/SUAS). Construindo as bases para a
implantação do Sistema Único de Assistência Social. Brasília,
jul. de 2005.
POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (PNAS),
aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social por
intermédio da Resolução nº 145, de 15 de outubro de 2004,
e publicada no Diário Oficial da União – DOU do dia 28 de
outubro de 2004.
45 46
Sugestões de leitura
47 48
FREIRE, P. Educação e Mudança. São Paulo: Paz e Terra, 2002. NOVARA, Enrico. Promover os talentos para reduzir a probreza.
Estud. av., maio/ago. 2003, vol.17, n.48, p.101-123.
FURTADO, Odair. Psicologia e compromisso social – base
epistemológica de uma Psicologia crítica. PSI – Rev. Psicol. OSZALAK, Oscar; O’DONNELL, Guillermo. Estado y políticas
Soc. Instit., Londrina, v. 2, n. 2, p. 217-229, dez. 2000. estatales en América Latina: hacia una estrategia de
investigación. Buenos Aires: CLACSO, 1976.
GOMES, Mônica Araújo PEREIRA, Maria Lúcia Duarte. Família em
situação de vulnerabilidade social: uma questão de políticas RIBEIRO, Marlene. Exclusão e educação social: conceitos em
públicas. Ciênc. saúde coletiva, abr./jun. 2005, vol.10, n.2, superfície e fundo. Educ. Soc., jan./abr. 2006, vol.27, n.94,
p.357-363. p.155-178.
GUARESCHI, Neuza; COMUNELLO, Luciele Nardi; NARDINI, SAWAIA, B. (org.). As Artimanhas da Exclusão: análise
Milena; HOENISCH, Júlio César. Problematizando as práticas psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes,
psicológicas no modo de entender a violência. In: Strey, 2002.
Marlene N.; Azambuja, Mariana P. Ruwer; Jaeger, Fernanda
Pires (orgs.). Violência, gênero e políticas públicas. Porto SAWAIA, B.; NAMURA, M. R. (org.). Dialética exclusão/
Alegre: Edipucrs, 2004. inclusão: reflexões metodológicas e relatos de pesquisas na
perspectiva da Psicologia Social crítica. São Paulo: Cabral
LANCETTI, A. Assistência Social e Cidadania: invenções, Editora Universitária, 2002.
tensões e construção da experiência de Santos. São Paulo:
Hucitec, 1996. SILVA, Ionara Ferreira da. O processo decisório nas instâncias
colegiadas do SUS no estado do Rio de Janeiro.
LANCETTI, A. Clínica peripatética. São Paulo: Hucitec, 2006. [Mestrado]. Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de
Saúde Pública,2000. 100 p. Disponível em <http://portalte
LAVINAS, Lena; NICOLL, Marcelo. Atividade e vulnerabilidade: ses.cict.fiocruz.br/transf.php?script=thes_chap&id=000087
quais os arranjos familiares em risco? Dados, 2006, vol.49, 05&lng=pt&nr m=iso.
n.1, p.67-97.
IPEA. (2007). Políticas Sociais - acompanhamento e análise.
LOPES, Andréia de Araripe. O compromisso social dos Edição Especial 13. Brasília. Disponível em
psicólogos brasileiros evidenciado nas publicações da <www.ipea.gov.br>.
revista Psicologia Ciência e Profissão UNIVERSIDADE
FEDERAL DE SANTA CATARINA. Centro de Filosofia
e Ciências Humanas. Programa de Pós-graduação em
Psicologia, 2005.
49 50
ANEXOS
51 52
Acesso ao documento de diretrizes CRP A maioria dos psicólogos que enviou contribuições para o
28/05 3 1,1% CRP 6 62 20,9% documento trabalha em organizações públicas (89%). ONGs e
29/05 5 1,8% CRP 4 41 13,9% organizações privadas somam 10% e, aproximadamente, 1% atuam
30/05 12 4,3% CRP 11 39 13,2%
em outros tipos de organização. Mais da metade (68%) trabalha
31/05 13 4,6% CRP 3 25 8,4%
no atendimento psicológico; 27%, em assessoria técnica; 5%, com
01/06 15 5,4% CRP 5 21 7,1%
02/06 9 3,2% CRP 16 18 6,1%
ensino e pesquisa.
03/06 6 2,1% CRP 8 16 5,4%
04/06 9 3,2% CRP 12 14 4,7% Tipo de organização
05/06 5 1,8% CRP 1 13 4,4%
Organização pública 262 88,5% 4,1% 1,4%
6,1%
06/06 8 2,9% CRP 13 12 4,1%
07/06 2 0,7% CRP 7 12 4,1% ONG, filantrópico 18 6,1%
53 54
Acesso ao documento de Diretrizes Upload A maioria dos psicólogos que enviaram contribuições para o
01/06 2 5,9% 04/06 1 2,9% documento trabalham em organizações públicas (85%). Não houve
02/06 1 2,9% 17/06 1 2,9% contribuição de psicólogos que atuam em organizações privadas ou
04/06 1 2,9% 24/06 1 2,9%
de quem a natureza de sua atuação seja ensino e pesquisa.
09/06 1 2,9% 26/06 1 2,9%
Os CRPs que tiveram maior participação foram, respectivamente, Ensino e pesquisa 0 0,0%
55,9%
CRP 11, CRP 06 e CRP 12. Não houve participação dos psicólogos Total 34 100,0%
registrados nos CRP 02, CRP 07, CRP 08, CRP 09, CRP 10, CRP
14, CRP 15 e CRP 16. O local de trabalho mais citado foi o CRAS (43%) seguido
de prefeituras (31%) e ONGs (11%). CAPS e Ministério do
CRP
Desenvolvimento Social foram citados uma vez.
CRP 11 15 44,1%
CRP 6 8 23,5%
CRP 12 3 8,8%
CRP 4 2 5,9%
CRP 3 2 5,9%
CRP 1 2 5,9%
CRP 5 1 2,9%
CRP 13 1 2,9%
Total 34 100,0%
55 56
Onde trabalha Lista dos psicólogos que contribuíram para a construção
CRAS 15 42,9% deste documento:
Prefeitura 11 31,4%
ONG 4 11,4%
Fundação 3 8,6%
Ada Cristina Guimarães de Sousa Gustavo Henrique Carretero
CAPS 1 2,9%
Adna Fabíola Guimarães Teixeira Jackline Modesto Cunha
Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome 1 2,9% Alessandra Ávila Medeiros João Paulo Pereira Barros
Total 35 100,0% Alexandre José de Souza Peres Joice Pacheco
Aline Rosa Pontes Milet Freitas Larissa de Brito Feitosa
Bárbara Barbosa Nepomuceno Leandro Estevam Sobreira
Como visto anteriormente, 34 psicólogos enviaram documentos.
Carlos Eduardo Esmeraldo Filho Luana Rêgo Colares de Paula
Mas, no CRP 11, a maioria dos psicólogos formou um grupo (13
Chryscea Oliveira Lucila Moraes Cardoso
pessoas) criando um documento único. Somando a contribuição do
Cláudia Garcia Parente Lucilene Ortiz Petin Medeiros
grupo com as outras individuais, totalizaram 22 contribuições. Com
Darlane Silva Maria da Graça Zanuzzo
relação às contribuições, os psicólogos do CRP 06 somaram 36%;
Emanuel Meireles Vieira Milene da Silva Mocheuti
seguidos pelos CRP 11 e CRP 12, ambos com 14%; e, em terceiro
Emilio Brkanitch Filho Ralden de Souza
os CRP 04, CRP 03 e CRP 01, com 9%. Houve uma contribuição
Érica Laís Tanaka Rogério Alves Leoni
(4,5%) dos CRP 05 e CRP 13.
Fabiano Chagas Rabêlo Rosimeire Melo dos Santos
Fábio Porto de Oliveira Rozane de Freitas Alencar
CRP
CRP 6 8 36,4%
Flora Lima Chaves Vívian Ulisses Barbosa
CRP 11 3 13,6%
Geny Beckert Wilma de Fátima César Bezerra
CRP 12 3 13,6%
CRP 4 2 9,1%
CRP 3 2 9,1%
CRP 1 2 9,1%
CRP 5 1 4,5%
CRP 13 1 4,5%
Total 22 100,0%
57 58
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
Especialistas
Ana Maria Pereira Lopes
Cristal Oliveira Moniz de Aragão
João Leite Ferreira Neto
Luis Vagner Dias Caldeira
1ª Edição
Brasília, 2019
© 2019 Conselho Federal de Psicologia Informações da 1ª Edição
É permitida a reprodução desta publicação, desde que sem alterações e citada a
fonte. Disponível também em: www.cfp.org.br.
Coordenação Geral/ CFP
Miraci Mendes — Coordenadora Geral
Projeto Gráfico: Agência Movimento
Diagramação: Agência Movimento
Gerência de Comunicação
Revisão e normalização: MC&G Design Editorial
Luana Spinillo Poroca — Gerente
Diretoria
Rogério Giannini — Presidente
Ana Sandra Fernandes Arcoverde Nóbrega — Vice-presidente
APRESENTAÇÃO ...................................................................................06
Pedro Paulo Gastalho de Bicalho — Secretário
Norma Celiane Cosmo — Tesoureira
INTRODUÇÃO .......................................................................................08
Conselheiras(os) Efetivas(os)
Iolete Ribeiro da Silva — Secretária Região Norte EIXO 1
Clarissa Paranhos Guedes — Secretária Região Nordeste
Marisa Helena Alves — Secretária Região Centro Oeste DIMENSÃO ÉTICO-POLÍTICA DA RELAÇÃO ENTRE PSICOLOGIA E ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE .........16
Júnia Maria Campos Lara — Secretária Região Sudeste
Rosane Lorena Granzotto — Secretária Região Sul EIXO 2
Fabian Javier Marin Rueda — Conselheiro 1 A PSICOLOGIA E A ATENÇÃO BÁSICA NO BRASIL ..........................................................................................33
Célia Zenaide da Silva — Conselheira 2
Sobre os avanços possíveis com uma Considera a pessoa em sua singularidade e inser-
ção sociocultural, buscando produzir a atenção
Política Nacional de Atenção Básica integral, incorporar as ações de vigilância em
saúde — a qual constitui um processo contínuo
Apenas mais recentemente, na década de 2000, foi possível à e sistemático de coleta, consolidação, análise e
Atenção Básica, no plano da institucionalidade, mostrar alguma po- disseminação de dados sobre eventos relaciona-
tência de ação na saúde das pessoas. Isto ocorreu com a instalação dos à saúde — além disso, visa a o planejamento
da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), nos anos de 2006, e a implementação de ações públicas para a pro-
depois em 2011, e mais recentemente em 2017, por meio de por- teção da saúde da população, a prevenção e o
tarias ministeriais, que atenderam princípios constitucionais para o controle de riscos, agravos e doenças, bem como
setor saúde do país. para a promoção da saúde (POLÍTICA NACIONAL
Com as portarias da PNAB foi alcançada, no plano político, algu- DE ATENÇÃO BÁSICA, 2017).
ma regulação sobre a ação econômica em face de grandes inimigos
do SUS, a saúde privada. Foram previstos recursos que consideram
aspectos sócio-demográficos e epidemiológicos, implantação de es- No território, ainda, metodologicamente, pode ser destacado
tratégias e programas da AB, abrangência da oferta de ações e ser- que a Política Nacional de Atenção Básica deve “superar compreen-
viços, desempenho dos serviços de AB e recursos de investimentos. sões simplistas, nas quais, entre outras, há dicotomia e oposição en-
tre a assistência e a promoção da saúde”, quando a ação, em face
Com uma retomada de sua origem, a AB, nesse começo de
dos seus fenômenos, deve levar em consideração “múltiplos deter-
século XXI, passou a ser considerada o “ponto” mais estratégico
minantes e condicionantes” (BRASIL, 2017).
para um sistema de saúde biopsicossocial, para além da retórica.
Tal importância delegada à AB pode ser estendida para a Psicologia A fim de exemplificar as possibilidades e alcance da Atenção
que passa a ter nesse espaço lugar aonde pode dar sua contribuição Básica, sob a égide da riqueza fenomênica que envolve sua presen-
técnica e política, de militância pelo seu estabelecimento. A ideia de ça no território, vejamos algumas dessas extensões:
ponto de atenção aqui colocada é decorrente da colocação da AB • A AB pode açambarcar, a um só tempo, toda a popula-
em rede, melhor dizendo, no centro dessa rede, que já não é mais ção de um território, realizando ações que sejam funda-
considerada hierarquizada, mas poliárquica, tal como desenhada mentais para o “caminhar pela vida”, como controle de
na perspectiva técnica de redes por Mendes (2011) e na perspectiva doenças, por meio de vacinas; prevenção de afecções
rizomática de Gilles Deleuze e Félix Guatarri (2010).
A falta de transporte é outro problema constante, que se agra- Equipes de trabalho muito numerosas, com pou-
va quando a população atendida está na zona rural. Isso dificulta ca integração entre os profissionais de diferentes
tanto o acesso da população aos serviços quanto a ida das(os) pro- áreas, dificultando abordagens transdisciplinares
fissionais ao território, gerando em vários casos uma redução das e mais efetivas. (P41-178).
reuniões de matriciamento (SOUSA FILHO, 2019). Em certos locais o trabalho em equipe simples-
A grande variabilidade das condições de trabalho na AB decor- mente não se concretiza. Não temos equipes
re da municipalização desse âmbito do trabalho em saúde. Em um multidisciplinares e em muitos momentos faltam
país com tantas diferenças e desigualdades é difícil estabelecer uma discussões sobre os casos, os profissionais traba-
norma geral que possa ser cumprida por todas as secretarias de saú- lham isoladamente [...]. (P41-306).
______. ______. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa. Equipes de referência e apoio
Atenção Básica. Saúde na escola / Ministério da Saúde, Secretaria especializado matricial: um ensaio sobre a reorganização do tra-
de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Brasília: Mi- balho em saúde. Ciênc. Saúde Coletiva, v. 4, n. 2, pp. 393-403,1999.
nistério da Saúde, 2009. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttex-
br/bvs/publicacoes/caderno_atencao_basica_diretrizes_nasf.pdf>. t&pid=S1413-81231999000200013&lng=en&nrm=iso>. Acesso em:
Acesso em: 25 Out 2019. 25 Out 2019.
______. ______. Portaria n.º 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a ______.; DOMITTI, Ana Carla. Apoio matricial e equipe de referên-
Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretri- cia: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar
zes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia em saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, pp. 399-
Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saú- 407, fev. 2007. . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?s-
de (PACS). 2011. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saude- cript=sci_arttext&pid=S0102-311X2007000200016&lng=en&nrm=i-
legis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html>. Acesso em: 25 Out 2019. so>. Acesso em: 25 Out 2019.
______. ______. Portaria n.º 3.124, de 28 de dezembro de 2012. Re- CARDOSO, M. M.; FERREIRA, R. G. Educação continuada ou per-
define os parâmetros de vinculação dos Núcleos de Apoio à Saúde manente: objetivo comum predominando especificidades frente
da Família (NASF) Modalidades 1 e 2 às Equipes Saúde da Famí- a o processo ensino-aprendizagem. Revista Saúde e Desenvolvi-
lia e/ou Equipes de Atenção Básica para populações específicas, mento, Rio de Janeiro, v. 5, n. 3, pp. 126-136, 2014.
cria a Modalidade NASF 3, e dá outras providências. 2012. Dispo- CASÉ V. Saúde mental e sua interface com o programa de saúde
nível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/ da família: quatro anos de experiência em Camaragibe. In: LAN-
prt3124_28_12_2012.html>. Acesso em: 25 Out 2019.
MONTERO, M. A Tensão entre o fortalecimento e as influências alie- SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Bra-
nadoras no trabalho psicossocial comunitário e político. In: GUZZO, sileira, 2002.
R. S. L.; LACERDA JR., F. (Orgs.). Psicologia e Sociedade: interfaces SAWAIA, Bader. B. (Org.). As artimanhas da exclusão: uma análise
no debate da questão social. Campinas: Alínea, 2010. p. 65-81. ético-psicossocial da desigualdade. Petrópolis: Vozes, 1999.
MORAIS, A. P. P.; TANAKA, O. Y. Apoio matricial em saúde mental: al- SPINK, M. J. (Org.). A Psicologia em diálogo com o SUS: prática
cances e limites na Atenção Básica. Saúde e Sociedade, São Paulo, profissional e produção acadêmica. São Paulo: Casa do Psicólogo,
v. 21, n. 1, pp. 161-170, 2012. 2007.
Especialistas
Adriana Bernardes Pereira
Kátia Rubio
Rodrigo Acioli Moura
Brasília, 2019
1ª edição
© 2019 Conselho Federal de Psicologia Informações da 1.ª Edição
É permitida a reprodução desta publicação, desde que sem alterações e citada a
fonte. Disponível também em: www.cfp.org.br. Coordenação / CFP
Projeto Gráfico: Agência Movimento Miraci Mendes Astun – Coordenadora Geral
Diagramação: Agência Movimento Cibele Tavares – Coordenadora Adjunta
Revisão e normalização: MC&G Design Editorial
Gerência de Comunicação (GCom)
Luana Spinillo – Gerente
André Almeida – Analista Técnico – Editoração
Diretoria
Rogério Giannini – Presidente APRESENTAÇÃO ............................................................................................................... 06
Ana Sandra Fernandes Arcoverde Nóbrega – Vice-presidente
Pedro Paulo Gastalho de Bicalho – Secretário INTRODUÇÃO .......................................................................................................................07
Norma Celiane Cosmo – Tesoureira
EIXO 1
Conselheiras(os) efetivas(os)
Iolete Ribeiro da Silva – Secretária Região Norte Dimensão ético-política da Psicologia Social do Esporte............................................ 38
Clarissa Paranhos Guedes – Secretária Região Nordeste
Marisa Helena Alves – Secretária Região Centro-Oeste EIXO 2
Júnia Maria Campos Lara – Secretária Região Sudeste
Rosane Lorena Granzotto – Secretária Região Sul A constituição da Psicologia do Esporte no caminho das Políticas Públicas ......... 50
Fabian Javier Marin Rueda – Conselheiro 1
Célia Zenaide da Silva – Conselheira 2 EIXO 3
Conselheiras(os) suplentes Atuação da(o) Psicóloga(o) nas Políticas Públicas para o Esporte ............................57
Maria Márcia Badaró Bandeira – Suplente
Daniela Sacramento Zanini – Suplente
Paulo Roberto Martins Maldos – Suplente
EIXO 4
Fabiana Itaci Corrêa de Araujo – Suplente Diretrizes para o trabalho na Psicologia Social do Esporte ........................................ 88
Jureuda Duarte Guerra – Suplente Região Norte
Andréa Esmeraldo Câmara – Suplente Região Nordeste
Regina Lúcia Sucupira Pedroza – Suplente Região Centro-Oeste CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................104
Sandra Elena Sposito – Suplente Região Sudeste
Cleia Oliveira Cunha – Suplente Região Sul (In memoriam) BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................108
Elizabeth de Lacerda Barbosa – Conselheira Suplente 1
Paulo José Barroso de Aguiar Pessoa – Conselheiro Suplente 2
APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO
Limites do sigilo profissional e violação de direitos às empresas, aos projetos sociais e também ao esporte. Diante do
não reconhecido, a(o) psicóloga(o) tinha elementos de outros locus
Ainda que utilizada indiscriminadamente para caracterizar di- para criar e desenvolver um modelo que se adequasse a uma nova
ferentes atitudes, a ética é um preceito que fundamenta vários con- realidade. E assim se fez a Psicologia do Esporte no Brasil, desde
ceitos. Portanto, não seria viável afirmar uma ética do Esporte, uma que o psicólogo João Carvalhaes trouxe do universo da psicologia
ética da Psicologia ou quaisquer subéticas para contextos criados organizacional elementos para avaliar e intervir no futebol, ainda na
conforme a necessidade social ou momento histórico, isso porque década de 1950.
a ética busca refletir a respeito das noções e princípios que funda- A atuação da(o) psicóloga(o) está pautada em um código de
mentam a vida moral. O esporte, como valor cultural, passível da ética que é mais que um código de conduta “porque nos fala de um
intervenção da Psicologia, também uma criação humana, reflete e espírito político envolvido na atuação profissional e da responsabi-
recria essa condição. Por isso é necessário refletir sobre a prática lidade que a(o) psicóloga(o) tem com o desenvolvimento da cida-
da(o) psicóloga(o) no esporte e qual a sua relação com valores bá- dania dos sujeitos e com a promoção da saúde.” (LUCCAS, 2000, p.
sicos fundamentais da Psicologia. 70). Já o esporte é hoje um fenômeno influenciado por inúmeros in-
É cada vez maior o número de psicólogas(os) envolvidos com teresses, regidos por regras próprias conforme o momento e o lugar
práticas profissionais no ambiente esportivo. Essas práticas abran- onde ele se dá. Isso tem levado, por exemplo, a inúmeras interpre-
gem desde o psicodiagnóstico de atletas individualmente até acom- tações do conceito de fair play, um tipo de código de ética esportivo
panhamento e intervenção em equipes, constituindo-se um dos não formalizado, e a uma indefinição da melhor conduta esportiva
grandes desafios profissionais da atualidade, visto que apesar de ser do atleta tanto em situações de treinos como de competições.
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 58 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 59
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
áreas do saber começaram a ser convocadas a colaborar com a tas demandas sociais para diversas áreas do saber. As referidas
árdua tarefa de evitar os acidentes, com: (1) a concepção, adoção mudanças, consequências e preocupações sociais vão caracte-
ou implementação de normas e códigos de conduta no trânsi- rizar um cenário propício à criação de um sistema com a fina-
to e sua fiscalização por meio de convênios com a polícia; (2) lidade de organizar o trânsito brasileiro e formar profissionais
planejamento e intervenção junto às vias a partir da engenha- de diversas áreas capacitados para prestar a devida colaboração
ria (e.g., instalação de sinalização vertical e horizontal); e (3) – dentre eles as psicólogas e psicólogos do trânsito a partir de
seleção e formação de motoristas e cidadãos para conviver no sua perspectiva com foco em processos mentais e de seus ins-
trânsito, com os assistentes sociais, médicos e, posteriormente, trumentos técnicos para quantificá-los. À(Ao) profissional da
os psicólogos. área, é importante não só conhecer, como também compreender
Foi dessa maneira que os primeiros automóveis e cami- definições de trânsito, de Psicologia do trânsito e o itinerário
nhões começaram a transitar em nossas cidades no início do sécu- histórico dessa área, pois tal compreensão determina em parte
lo passado, esboçando um novo modelo de deslocamento que se a atuação profissional. Esses tópicos serão abordados a seguir.
tornaria hegemônico, baseado no transporte rodoviário (SILVA;
GÜNTHER, 2009a). Segundo os autores, o surgimento desse pa-
Contextualizando a história da Psicologia do Trânsito
radigma, isto é, de pensar os deslocamentos na cidade, não acon-
teceu sem razão: foi fruto de uma série de fatores econômicos, po-
líticos e sociais atuantes. A mudança ocorreu também por opções Existem várias definições de trânsito. Por exemplo, Arrudão
de políticas urbanas na esfera federal e estadual, assim como por (1966) define trânsito como o deslocamento de pessoas ou coisas
pressão das elites da época, que apoiavam a indústria automobi- pelas vias de circulação. Vasconcelos (1985) o define como um con-
lística do país (LAGONEGRO, 2008). Com isso, as cidades se junto de todos os deslocamentos diários feitos pela via e que aparece
expandiram e foram sendo “moldadas” por vias calçadas ou asfal- na rua como forma de movimentação geral, tanto do pedestre como
tadas; as pessoas foram morar cada vez mais longe do trabalho; os do veículo. Para o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), trânsito é a
órgãos de trânsito, por sua vez, se (re)organizaram para dar conta utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em
de gerenciar o crescente volume de veículos e de habilitações; as grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estaciona-
sinalizações viárias começaram a fazer parte das paisagens e das mento e operação de carga ou descarga, em condições seguras (BRA-
rotinas dos usuários do trânsito (SILVA; GÜNTHER, 2009a). SIL, 1998). Esse mesmo documento acrescenta ainda que o trânsito
Essa breve caracterização da evolução do trânsito e dos em condições seguras é um direito de todos e dever dos órgãos do
transportes no Brasil nos oferece elementos para identificar mui- Sistema Nacional de Trânsito. Rozestraten (1988), por sua vez, defi-
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 60 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 61
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
ne trânsito como o conjunto de deslocamento de pessoas e veículos externos, inconscientes e conscientes, que podem provocar ou
nas vias públicas que tem como objetivo assegurar a integridade de alterar, apontando como objeto da Psicologia do Trânsito, lato
seus participantes, requerendo, para tanto, um sistema convencional sensu, os diversos usuários das vias, os comportamentos que
de normas preestabelecidas e de conhecimentos de todos. corroboraram a construção de vias e veículos e aqueles indispen-
Essas definições deixam claro que o trânsito é uma cons- sáveis à criação de leis e sua fiscalização. Stricto sensu, o objeto
trução social que atende às necessidades humanas de movimen- é o estudo do comportamento específico dos usuários das vias –
tar-se de um lugar para o outro. Sendo assim, a psicóloga e o psi- pedestres, ciclistas, motociclistas e motoristas (CFP, 2000). Essa
cólogo do trânsito não pode perder de vista os aspectos sociais, definição ajuda no sentido de tornar compreensível à psicóloga
culturais e históricos interatuantes (veja Eixo 1 desta referência). e ao psicólogo, e aos profissionais de outras áreas, um caminho
Mesmo quando se considera, tradicionalmente, que o sistema de que permita um possível olhar sobre o fenômeno a partir da Psi-
trânsito é composto por três elementos, isto é, homem, veículo cologia, buscando contribuir para responder perguntas como: o
e via, é preciso reconhecer que esses elementos precisam estar que estuda a Psicologia do Trânsito e em que aspecto do trânsi-
interligados e em pleno funcionamento para garantir o direito de to intervém? Essas definições ampliam, por exemplo, a ação da
ir e vir das pessoas (ROZESTRATEN, 1988). A psicóloga e o psicóloga e do psicólogo para outros participantes do trânsito,
psicólogo do trânsito, portanto, jamais devem perder de vista a além do motorista, tradicionalmente foco das intervenções pro-
complexidade das relações, a fim de não se deter exclusivamente fissionais (veja as primeiras legislações que mencionamos), e
em um desses elementos (o homem), sob o risco de isolá-lo num sugere o estudo tanto do comportamento quanto dos processos
vácuo social, num psicologismo infrutífero. A compreensão do mentais sob várias perspectivas da Psicologia.
que é trânsito, por sua vez, está refletida nas definições da área, Na segunda definição, a Psicologia do Trânsito é vista
do que é Psicologia do Trânsito. como um campo multidisciplinar que envolve um intercâmbio
O Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2000) define Psi- de saberes de diversas áreas da Psicologia e de ciências afins
cologia do Trânsito como um campo disciplinar que se comuni- que, direta ou indiretamente, estudam o fenômeno do trânsito e
ca com outras subáreas da Psicologia, assim como com outros dos transportes em sua complexidade e interface com os fenô-
campos do saber, reconhecendo, portanto, sua referida com- menos biológicos e sociais (CFP, 2000). Nesse sentido, a Psico-
plexidade. São apresentadas duas definições de Psicologia do logia do Trânsito é vista como uma área de aplicação da Psicolo-
Trânsito. Na primeira, o CFP toma os conceitos de Rozestraten gia Ambiental e da Psicologia Social, que estudam, por meio de
(1988) e a define como uma área da Psicologia que investiga os métodos científicos, o comportamento humano no ambiente do
comportamentos humanos e os fatores e processos internos e trânsito em todas as suas dimensões e suas correlações com os
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 62 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 63
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
fatores sociais, políticos, econômicos, culturais e estruturais que tendimento dos elementos que o compõe, conforme dissemos,
influenciam o sistema de funcionamento, gestão, organização e especialmente a partir do foco nos processos mentais e de instru-
fiscalização do trânsito (CFP, 2000). mentos técnicos para quantificá-los; porém, tem avançado para a
A Psicologia do Trânsito aborda as questões de maneira a ampliação dos seus horizontes, conforme pudemos caracterizar
respeitar o exercício pleno da cidadania, considerando os princí- nas definições do CFP (2000) descritas acima.
pios de compromisso social da Psicologia, atuando em diversos O fazer psicológico no contexto do trânsito tem sido asso-
contextos nos quais sejam contempladas as necessidades sociais ciado quase que exclusivamente à demanda por segurança viá-
de todos os atores que compõem o trânsito. Essa definição, por ria. Inicialmente, o motorista foi, e ainda é, o principal foco de
sua vez, contribui no sentido de colocar o participante do trân- intervenção por meio da aplicação de instrumentos e técnicas
sito em um contexto e em um conjunto de relações e determi- psicológicas. Os comportamentos de risco do motorista, a sua
nantes além da dinâmica dos indivíduos, isto é, o trânsito não é propensão ou não a se envolver em acidentes, também foram
um produto apenas de nossas ações, mas também da interação alvos de estudos e intervenções (CAMPOS, 1978a, 1978b).
com outras forças que estão em outros níveis de análise, isto é, Para uma atuação qualificada, foi necessário, na década de
sociais, políticas, econômicas etc., que a psicóloga e o psicólogo 1950, que a Psicologia desenvolvesse pesquisas (e.g., VIEIRA,
têm de considerar (ver Eixo 1 desta referência). Além disso, su- 1953) para fundamentar a sua prática e responder à demanda
gere ampliação do raio de atuação da psicóloga e do psicólogo por segurança viária. Naquela época, as indagações eram: o que
do trânsito quando indica que aspectos caros à Psicologia in- avaliar? Como medir? Quais os parâmetros? É o que sabíamos
fluenciam na gestão, organização e fiscalização do trânsito, esti- ou podíamos fazer à época com os conhecimentos de que dispú-
mulando os profissionais a ir além de sua atividade pericial com nhamos.
foco no (futuro) motorista.
No Brasil, a Psicologia do Trânsito iniciou-se em São Pau-
A Psicologia do Trânsito surgiu em 1910, em um labora- lo, em 1913, com o trabalho do engenheiro Roberto Mange na
tório da Universidade de Harvard, a partir do trabalho de Hugo seleção e orientação de funcionários da Estrada de Ferro Soroca-
Münsterberg, primeiro psicólogo a submeter os motoristas de bana (HOFFMAN; CRUZ, 2003). Todavia, com o incentivo ao
bonde de Nova York a uma bateria de testes de habilidade e inte- automóvel como matriz de transporte cada vez mais utilizada, e
ligência. Esse método de avaliação foi aperfeiçoado e utilizado em detrimento das demais, a Psicologia logo direcionou suas ati-
por outros países como Alemanha, França e Espanha (ROZES- vidades aos motoristas, em razão das demandas sociais. Assim,
TRATEN, 1998). A Psicologia do Trânsito, portanto, nasce da na década de 1950, no Rio de Janeiro, iniciou-se a contratação
necessidade de compreensão do fenômeno do trânsito e do en-
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 64 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 65
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
de psicólogos pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran), considerando que esses marcos legais são os principais para toda
cuja finalidade era estudar o comportamento dos condutores e as e qualquer psicóloga e psicólogo que trabalhe na avaliação de
causas humanas envolvidas nas ocorrências de acidentes, sendo motoristas. Ademais, quase 30% dos entrevistados, ainda que
utilizadas provas de aptidão, personalidade e entrevista psicoló- trabalhassem no campo, disseram não ter nenhum conhecimento
gica (HOFFMAN; CRUZ, 2003). a respeito dessas duas últimas normas, isto é, 27,7% e 21,2%,
Nesse período, a Psicologia do Trânsito centrava a sua respectivamente.
atuação no “fator humano” por meio de seleção, orientação e
instrução profissional na área de transportes, e as primeiras pes-
Marcos regulatórios para avaliação psicológica de
quisas e publicações focavam esse tema. Em 1962, com o ad-
vento da profissão de psicólogo (Lei nº 4.119/1962), o Contran, motoristas
ratificou a avaliação psicológica como uma etapa obrigatória
para a obtenção da CNH.
Nesta seção, referenciamos parte importante desses mar-
Isto posto, descreve-se a seguir, de forma cronológica, os cos para a psicóloga e o psicólogo do trânsito. Partimos de uma
avanços das legislações nacionais e, após o advento da profis- narrativa histórica que será dividida, didaticamente, em três pe-
são de psicólogo no Brasil, notadamente sobre a avaliação em ríodos, percorrendo datas de documentos normativos e de eventos
(futuros) motoristas, uma vez que foi essa a principal “porta de com repercussões importantes: (1) a partir dos anos 1900 até a
entrada” dos psicólogos na área, como ainda hoje é. No cam- década de 1950; (2) da década de 1960 até a década de 1990; e (3)
po da Psicologia do Trânsito, serão abordadas as possibilidades dos anos 2000 até os tempos atuais. Ressaltamos que muitos ato-
de atuação, ações e desafios. Abordar os marcos regulatórios é res sociais (sejam instituições, grupos ou indivíduos) participaram
fundamental, notadamente porque a pesquisa do Crepop (2009) e contribuíram, em maior ou menor grau, para os acontecimentos
evidencia que menos da metade das psicólogas e dos psicólogos aqui narrados e para outros. Embora tenham sido a meta, esses
respondentes (48,2%) disseram ter pleno conhecimento do CTB; acontecimentos não esgotam toda a dinâmica dos fatos históricos,
65% afirmaram ter pleno conhecimento da Resolução Contran devendo ser encarados mais como exemplos representativos, que
nº 267/2008, que estava em vigor à época, e 67% tinham ple- servem para referenciar um entendimento pela psicóloga e pelo
no conhecimento do Manual de Avaliação Psicológica de Can- psicólogo, especialmente com a participação do CFP.
didatos à Carteira Nacional de Habilitação e Condutores de
À psicóloga e ao psicólogo interessado em pesquisar
Veículos Automotores (Resolução CFP nº 12/2000, vigente na
sobre as resoluções do CFP mencionadas neste texto, assim
ocasião da pesquisa). Ressaltamos que essa situação preocupa,
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 66 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 67
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
como todas as outras já publicadas, recomendamos que acesse contemplados futuramente em legislações de âmbito nacional –
o portal de serviços do CFP pela internet, lançado em 2018, no por exemplo, no primeiro marco regulatório do trânsito instituí-
endereço <https://atosoficiais.com.br/cfp>. No site estão dispo- do nacionalmente, que estabeleceu as bases para a futura prática
nibilizadas as atualizações de cada norma com um link para as do profissional da Psicologia, o Decreto-Lei nº 2.994/1941, que
normas correlatas, o que proporciona melhor entendimento dos instituiu o nosso primeiro Código Nacional de Trânsito. A par-
parâmetros éticos e contribui para uma atuação cada vez mais tir daí, vieram outros códigos e foram instituídos decretos-lei,
qualificada. leis, resoluções e eventos que, de alguma forma, impactaram a
sociedade e a Psicologia (SILVA, 2012). À continuidade, neste
Eixo 2, abordaremos esses documentos, destacando-se entre eles
A partir dos anos 1900 até a década de 1950 aquelas que incidiram diretamente no fazer psicológico nesse
contexto (veja as Tabelas 4 e 6).
A menção mais antiga ao comportamento humano no trân- De acordo com o referido Decreto-Lei, o futuro motoris-
sito na legislação brasileira, conforme mencionamos anterior- ta deveria se submeter ao exame fisiológico/médico e psicológi-
mente, está no Ato nº 146 da Prefeitura de São Paulo, publi- co para “estabelecimento do perfil psicofisiológico profissional
cado em 1903. Ele estabelece, no artigo 6º, a necessidade de mínimo, compatível com o exercício da atividade” (§ 1º, artigo
uma “carta de conductor de automovel”, que seria concedida 100). Os índices do perfil psicofisiológico profissional seriam
mediante prova de que o peticionário conhece o funcionamento revistos anualmente por uma comissão designada pelo Contran,
do veículo automotor, sabendo manobrá-lo e “possua os requi- e tais índices variavam nas modalidades de exercício de ativida-
sitos necessários de prudência, sangue frio e visualidade” (grifo de entre “amador”, “profissional” e “transporte coletivo”, sendo
nosso). Nesse período, o documento de habilitação do condutor necessária realização de novo exame quando da transferência
era fornecido pelas prefeituras e, somente após a edição do Có- de uma categoria para outra (bastante semelhante ao que temos
digo Nacional de Trânsito, em 1966, é que a emissão da CNH atualmente). O exame feito para obtenção de “licença para prati-
passou a ser responsabilidade do estado. É oportuno notar na cagem” serviria também para a prova de habilitação, desde que
citação anterior os três requisitos relacionados a aspectos psi- o prazo entre o exame psicofisiológico e a realização da prova
cológicos e físicos, isto é, prudência, sangue frio e visualidade, não fosse superior a 12 meses.
que são estabelecidos, mesmo que de maneira bastante simples, O candidato poderia ser “recusado” por não ter o mínimo
como pré-requisitos ou como condições básicas importantes “perfil psicofisiológico” exigido ou por se apresentar sob efeito
para dirigir. Os aspectos psicológicos e físicos também seriam de “álcool ou inebriantes”. Essas duas questões, colocadas desde
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 68 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 69
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
o primeiro Código de Trânsito, parecem permanecer em aberto Tabela 4 – Histórico dos códigos de trânsito instituídos no Bra-
até os dias atuais: a primeira pela inexistência desse chamado sil e algumas de suas alterações relacionadas ao trabalho da
perfil psicofisiológico mínimo (veja a resolução atualmente em psicóloga e do psicólogo
vigor, Contran nº 425/2012), e a segunda pelas controvérsias em Decreto-Lei nº 2.994, de 28 de janeiro de 1941:
torno da validade/precisão e da possível violação de direitos do Institui o Código Nacional de Trânsito.
exame toxicológico de larga janela de detecção – como é chama- Código
Decreto-Lei nº 3.651, de 25 de setembro de 1941:
Nacional de
do atualmente esse exame para verificar, somente em motoristas Dá nova redação ao Código Nacional de Trânsito.
Trânsito
profissionais, o que era chamado anteriormente de uso de “ine- (1941) Decreto-Lei nº 9.545, de 5 de agosto de 1946:
Dispõe sobre a habilitação e exercício da ativida-
briantes”, a partir de amostras, por exemplo, de fio de cabelo,
de de condutor de veículos automotores.
de pelo ou de unha, que identifica o consumo de drogas ilícitas
Lei nº 5.108, de 21 de setembro de 1966: Institui
em um período mínimo de 90 dias (veja Lei nº 13.103/2015, que
o Código Nacional de Trânsito.
alterou o atual Código de Trânsito). Em relação ao uso de álcool Decreto nº 62.127, de 16 de janeiro de 1968:
e direção, após longos anos de discussões e embates (desde os Aprova o Regulamento do Código Nacional de
anos 1940, pelo menos), foi somente a partir dos anos 2000, Código Trânsito.
com a chamada “Lei Seca” – como foi rotulada a Lei Federal Nacional Decreto nº 84.513, de 27 de fevereiro de 1980:
de Trânsito Altera disposições do Regulamento do Código
nº 11.705/2008 (BRASIL, 2008) e a Lei Federal nº 12.760/2012
(1966) Nacional de Trânsito.
(BRASIL, 2012) – que se estabeleceu a impossibilidade de con-
Decreto nº 86.714, de 10 de dezembro de 1981:
sumir bebida alcoólica enquanto dirige veículo. Isso demonstra Promulga a Convenção sobre Trânsito Viário. O
a dificuldade de concretizar e operacionalizar os requisitos que a Brasil aderiu à Convenção sobre trânsito viário de
lei estabelece, seja cientificamente, por um lado, seja pela acei- Viena.
tação social e política, de outro. Mais uma vez, um cenário que Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997: Institui
inclui tensões, interesses e disputas que envolvem a sociedade o Código de Trânsito Brasileiro.
Lei nº 9.602, de 21 de janeiro de 1998: Dispõe so-
de maneira geral, incluindo segmentos com interesses econômi- Código de
bre legislação de trânsito e dá outras providências.
cos, e que a psicóloga e o psicólogo não devem ignorar (confor- Trânsito
Brasileiro Lei nº 10.350, de 21 de dezembro de 2001: Altera
me exposto no Eixo 1). a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Có-
(1997)
digo de Trânsito Brasileiro, de forma a obrigar a
realização de exame psicológico periódico para os
motoristas profissionais.
Fonte: Elaborada pela comissão ad hoc de especialistas do CFP.
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 70 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 71
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
A nova redação do primeiro Código de Trânsito (em se- veículos (BRASIL, 1946). Esse documento informava explicita-
tembro de 1941, oito meses depois da promulgação do Decre- mente que deveria ser organizado um conjunto de testes para o
to-Lei), passou a considerar que o exame psicofisiológico seria exame psíquico, a critério da junta médica, sem caráter elimina-
realizado apenas quando fosse apurada a culpa do condutor nos tório, até que fossem estabelecidas as “médias normais” do perfil
casos de acidente grave e desde que decorridos mais de dois psicofisiológico do condutor do veículo. Ficava mantida ainda a
anos do último exame a que ele tivesse sido submetido (veja recusa, por exemplo, de candidatos a motoristas que se entregas-
a Tabela 4 para o histórico de algumas alterações dos códigos sem “a vício de entorpecentes”, que fizessem “uso imoderado de
de trânsito). O exame psicológico estava, portanto, suspenso do bebidas alcoólicas” ou que apresentassem “perturbação mental”
processo de obtenção da carteira de habilitação ou da mudança que impossibilitasse a condução segura (BRASIL, 1946).
de categoria, conforme era previsto anteriormente. Tal medida Entre os anos de 1946 (época da alteração do Código de
fez perder o caráter preventivo do exame psicológico, conforme Trânsito) e 1966 (ano de promulgação do segundo Código de
proposto inicialmente, para o candidato adquirir a habilitação Trânsito), o Brasil registra uma série de avanços para o reco-
(SILVA, 2012). De acordo com o autor, esse pode ser considera- nhecimento da Psicologia como ciência e profissão, notadamen-
do o primeiro veto à avaliação psicológica no processo de habili- te mediante contribuições de Emilio Mira y López, por meio
tação, ou um prenúncio do veto presidencial que ocorreu muitos de trabalhos no Instituto de Seleção e Orientação Profissional
anos depois, na década de 1990, conforme será discutido adian- (Isop), que desde 1947 era presidido por ele, e na Associação
te. Seriam “eliminados” os candidatos que, após exame das con- Brasileira de Psicotécnica, que foram decisivos para o reconhe-
dições de sanidade física e mental, apresentassem “existência cimento da Psicologia como profissão em 1962. Os trabalhos
de moléstias extenuantes, nervosas, medulares ou contagiantes, desse psicólogo no contexto do trânsito repercutiram em parte
bem como os alcoólatras, os toxicômanos, os fisicamente debili- na Resolução do Contran nº 262/1953, tornando obrigatório o
tados, os emotivos acentuados e os portadores de lesão orgânica exame psicotécnico aos candidatos a motoristas. Conforme Da-
capaz de comprometer sua atividade como condutor de veículos, gostin (2006, p. 22), nos anos de 1950, eram desenvolvidos no
ou que não admita correção” (BRASIL, 1941). Isop vários estudos para amparar o trabalho do psicólogo:
Ainda na década de 1940, foi promulgado outro Decreto-
-Lei, nº 9.545, que causou impacto na futura profissão de psi- A entrevista tinha como função coletar informa-
cólogo, que abordava a habilitação e o exercício da atividade ções sobre as condições familiares, ambientes de
trabalho, entre outros. Já as provas de habilida-
de condutor de veículos automotores, indicando as normas para des específicas visavam identificar qualidades
o exame médico (físico e mental) de candidatos a condutor de psicológicas consideradas indispensáveis aos
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 72 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 73
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
condutores. Por último, na avaliação da perso- ria dispor dos serviços médicos e psicotécnicos. Esses “exames
nalidade, fazia-se uso de técnicas expressivas
gráficas como Psicodiagnóstico Miocinético – psicotécnicos” deveriam ser uniformes em todo o país e com
PMK. normas indicadas pelo Contran, sendo aplicados nos seguintes
casos:
O ano de 1953 inaugura, portanto, uma nova fase na legis- (1) Para certificar diretores e instrutores de escolas de for-
lação sobre a avaliação psicológica de motoristas. Sob a denomi- mação de condutor de veículo automotor. Esses exames
nação de “exame psicotécnico”, a avaliação de funções psicoló- seriam uma das condições para que cumprissem essas fun-
gicas passa a ser estudada por especialistas e, aos poucos, com o ções, conforme expedido pelos Departamentos de Trânsito
movimento para reconhecimento da Psicologia como profissão, (Art. 139): “II – obter aprovação em exame psicotécnico
passa a ser realizada por profissionais com formação específica. para fins pedagógicos, feito em entidade oficial ou creden-
Daí em diante, as normativas que disciplinam a matéria passam ciada”.
a considerar a figura da psicóloga e do psicólogo no atendimen- (2) E também para os candidatos à condução de transporte
to de (candidatos a) motoristas no processo de formação como coletivos e cargas perigosas. No caso de serem reprova-
condutores de veículos. A história registra também que começa- dos, os candidatos seriam submetidos a novo exame psi-
mos a enfrentar as primeiras críticas nessa tarefa, relacionadas, cotécnico, na presença de médico do Instituto Nacional de
por exemplo, ao seu elevado custo e ao prejuízo causado com Previdência Social. Adicionalmente, esse decreto previa
o afastamento do motorista do seu meio de vida, sem direito o seguinte: “Art. 156. O Conselho Nacional de Trânsito
ao recebimento de aposentadoria, quando considerados inaptos poderá estender a exigência do exame psicotécnico aos
(VIEIRA, PEREIRA, CARVALHO, 1953). candidatos à habilitação a tôdas as categorias de veículos
automotores”. Nesse caso, “somente poderá fazer-se onde
a repartição de trânsito estiver aparelhada para realizá-lo”
Da década de 1960 até a década de 1990 (art. 254). Essas são algumas das raízes legais do trabalho
de avaliação psicológica implementado atualmente.
Em 1968, o Decreto nº 62.127 aprovou o Regulamento do No âmbito da categoria profissional da Psicologia, é im-
Código Nacional de Trânsito (veja a Tabela 4) e passou a pre- portante destacar que o Decreto nº 5.766/1971 criou o Conselho
ver que o Departamento Estadual de Trânsito (Detran), instância Federal e os CRPs (e foi efetivamente regulamentado pelo De-
responsável pelo processo de habilitação de motoristas, deve- creto nº 79.822 de 1977), sendo essa condição fundamental para
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 74 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 75
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
que a recém-criada profissão pudesse ser disciplinada por órgão Tabela 5 – Outros documentos/eventos importantes sobre o eixo
competente. Assim, a criação do Sistema Conselhos de Psicolo- ético-político para a área da Psicologia do Trânsito e mobilidade
gia oportunizou avanços para que o exercício profissional tam- Conselho Federal de Psicologia
bém no contexto do trânsito fosse realizado em atendimento aos Formação da Comissão Ad Hoc de Psicologia do Trânsito do
padrões normatizados do conselho de categoria. CFP (1981)
I Fórum Nacional de Psicologia do Trânsito (1999)
Em 1980, o Decreto nº 84.513, de 27 de fevereiro, alterou
Cadernos de Psicologia no Trânsito e Compromisso Social
o Regulamento do Código Nacional de Trânsito e passou a exi-
(2000)
gir que, além dos diretores e instrutores das escolas de formação
Seminário Circulação Humana e Compromisso Social (2001)
de condutor de veículo automotor (atualmente, Centros de For- VI Congresso Brasileiro de Psicologia do Trânsito (2004)
mação de Condutores), também fossem submetidos a “exame Pesquisa Exploratória sobre o Processo de Avaliação Psicológica
psicotécnico para fins pedagógicos” os examinadores de Depar- para a Obtenção da
tamento de Trânsito. Carteira Nacional de Habilitação (CFP, 2006)
Em 1981, o CFP formou uma comissão para estudar e ofe- Fundação do Movimento Nacional pela Democratização do
recer propostas ao Contran sobre os trabalhos das psicólogas e Trânsito (2007)
Seminário Psicologia e Mobilidade: Espaço Público como um
psicólogos. Participaram, por exemplo, o professor Reinier Ro-
Direito de Todos (2009)
zestraten e Efraim Rojas Boccalandro, dentre outros colegas da
Caderno Psicologia e Mobilidade: Espaço Público como um Di-
área da Psicologia. Essa comissão iniciou diálogos entre o CFP
reito de Todos (2010)
e o Contran, visando buscar a construção de legislação e orien-
Avaliação Psicológica: Diretrizes na Regulamentação da Profis-
tação para os profissionais que atuavam na área (veja a Tabela 5
são (2010)
para uma visão geral dos eventos que produziram documentos Ano da Avaliação Psicológica: Textos Geradores (2011).
na área). Logo após, foi publicado o artigo “O que é a Psicologia Seminário Psicologia do Trânsito em Trânsito pelo Brasil (2012)
do Trânsito” na primeira edição da revista Psicologia: Ciência e Relatório do Seminário Psicologia do Trânsito em Trânsito pelo
Profissão de 1981, do CFP. Brasil (2012)
Seminário Psicologia e Comportamento no Trânsito (2015)
Caderno de Psicologia do Tráfego: Características e Desafios no
Contexto do Mercosul (2016)
Fonte: Elaborada pela comissão ad hoc de especialistas do CFP.
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 76 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 77
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
Ainda nesse ano, o Brasil passou a ser signatário, através cólogos discutiram não só a necessidade de avanços na legisla-
do Decreto nº 86.714/1981, da Convenção Internacional de Vie- ção e nas referências da atuação na área, mas também o modo
na, celebrada na Áustria, em novembro de 1968, para aumentar como a avaliação de motoristas era percebida naquele momento.
a segurança viária através da padronização, por exemplo, de si- Com o Código de Trânsito de 1997 mantendo a avaliação
nalização viária/veicular e de circulação/uso da via pública. psicológica, o Contran passou a estabelecer procedimentos para
A década de 1980 também foi enriquecida por diversos a avaliação de candidatos à CNH (veja a Tabela 6 para um his-
debates na área da Psicologia do Trânsito. Podem ser destacados tórico das resoluções do Contran que incidem no trabalho do
os congressos da área: psicólogo perito examinador de trânsito). Com isso, em 1998, a
• I Congresso de Psicologia do Trânsito (Conpsitran), em Resolução Contran 51 foi a primeira a dispor sobre os exames de
Porto Alegre (RS), em 1981 aptidão física e mental e de avaliação psicológica, estabelecendo
percentis mínimos para a área cognitiva, prática e de equilíbrio
• II Conpsitran, em Uberlândia (MG), em 1983
psíquico, indicando ainda a necessidade de comprovar a realiza-
• III Conpsitran, em São Paulo (SP), em 1985 ção de curso de capacitação de 120 horas para o credenciamento
• IV Conpsitran, no Rio de Janeiro (RJ), em 1987 como psicólogo perito examinador de trânsito pelos Detrans. No
mesmo ano, o Contran promulgou a Resolução nº 80, revogando
• V Conpsitran, em Goiânia (GO) em 1989
a anterior e estabelecendo novos parâmetros técnicos para a ava-
No final dos anos 1990, apesar de os marcos regulatórios liação psicológica em grau de revisão de inapto, constituída por
da política descritos anteriormente considerarem a relevância da três psicólogos em uma junta especial de saúde.
Psicologia para a segurança no trânsito, a avaliação psicológica
para obtenção da CNH foi vetada, inicialmente no atual CTB
(Lei nº 9.503/1997). À época, foi um momento de grande mo- Tabela 6 – Histórico das resoluções que incidem no trabalho do
bilização nacional. O CFP e os CRPs se mobilizaram e seus re- psicólogo perito examinador de trânsito
presentantes compareceram ao Congresso Nacional, juntamente Dispõe sobre os exames de aptidão física e men-
Res. nº 51,
com outras instituições e profissionais para argumentar em prol tal e os exames de avaliação psicológica a que
de 21 de
da manutenção da avaliação psicológica. Foi esclarecido ao le- se refere o inciso I, do art. 147 do Código de
maio de
Trânsito Brasileiro e os §§ 3º e 4º do art. 2º da
gislativo, naquele momento, o papel da Psicologia e da avalia- 1998
Lei 9.602/98.
ção de motoristas, sensibilizando os deputados e conseguindo
derrubar o referido veto. Nesse período, as psicólogas e os psi-
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 78 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 79
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
Res. nº 80, Res. nº Dispõe sobre o exame de aptidão física e men-
Altera os Anexos I e II da Res. nº 51/98-Contran,
de 19 de 425, de tal, a avaliação psicológica e o credenciamento
que dispõe sobre os exames de aptidão física e
novembro 27 de no- das entidades públicas e privadas de que tratam
mental e os exames de avaliação psicológica.
de 1998 vembro de o art. 147, I e §§ 1º a 4º e o art. 148 do Código
Estabelece Normas e Procedimentos para a for- 2012 de Trânsito Brasileiro.
Res. nº
mação de condutores de veículos automotores e Altera a Resolução nº 425, de 27 de novembro
168, de
elétricos, a realização dos exames, a expedição de 2012, do Contran, que dispõe sobre o exame
14 de de- Res. nº
de documentos de habilitação, os cursos de for- de aptidão física e mental, a avaliação psicoló-
zembro de 500, de 28
mação, especializados, de reciclagem e dá ou- gica e o credenciamento das entidades públicas
2004 de agosto
tras providências. e privadas de que tratam o art. 147, I e §§ 1º a
de 2014
Dispõe sobre o exame de aptidão física e men- 4º e o art. 148 do Código de Trânsito Brasileiro
Res. nº – CTB.
tal, a avaliação psicológica e o credenciamento
267, de 15
das entidades públicas e privadas de que tratam Fonte: Elaborada pela comissão ad hoc de especialistas do
de feverei-
o art. 147, I e §§ 1º a 4º e o art. 148 do Código CFP.
ro de 2008
de Trânsito Brasileiro.
Altera a Res. nº 267, de 15 de fevereiro de 2008,
Res. nº do Contran, que dispõe sobre o exame de apti- A referida intensa mobilização da categoria profissional
283, de 01 dão física e mental, a avaliação psicológica e o
para manter a avaliação psicológica de motoristas culminou,
de julho de credenciamento das entidades públicas e priva-
2008 das de que tratam o art. 147, I e §§ 1º e 4º e o art. dois anos depois, em 1999, no I Fórum Nacional de Psicologia
148 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB. do Trânsito, que ensejou, posteriormente, vários desdobramen-
Estabelece procedimento administrativo para tos importantes, incluindo várias ações institucionais e eventos
Res. nº
submissão do condutor a novos exames para para mobilizar e discutir a área e temas relacionados na década
300, de
que possa voltar a dirigir quando condenado seguinte, como a edição do manual para avaliação psicológica
04 de de-
por crime de trânsito, ou quando envolvido em
zembro de de candidatos à carteira nacional de habilitação e condutores de
acidente grave, regulamentando o art. nº 160 do
2008 veículos automotores (Resolução CFP nº 12/2000). Além dis-
Código de Trânsito Brasileiro.
Altera a Resolução nº 267/2008-Contran, que so, a mobilização produziu importante debate acerca dos rumos
Res. nº dispõe sobre o exame de aptidão física e mental, na área de trânsito, cujo objetivo era elaborar diretrizes para as
327, de 14 a avaliação psicológica e o credenciamento das políticas e normativas internas ao Sistema Conselhos de Psi-
de agosto entidades públicas e privadas de que tratam o
cologia. A articulação entre Psicologia e políticas públicas de
de 2009 art. 147, I e §§ 1º a 4º e o art. 148 do Código de
Trânsito Brasileiro. trânsito e transporte começou a ser institucionalizada no âmbito
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 80 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 81
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
do Sistema Conselhos, ampliando a perspectiva de atuação da Tabela 7 – Atribuições do especialista em Psicologia do Trân-
Psicologia no contexto do trânsito, especialmente quanto ao seu sito
potencial nas áreas de planejamento urbano, saúde e educação Procede ao estudo no campo dos processos psicológicos, psi-
(CFP, 2000). cossociais e psicofísicos relacionados aos problemas de trân-
sito.
Realiza diagnóstico da estrutura dinâmica dos indivíduos e
Dos anos 2000 até os tempos atuais
grupos nos aspectos afetivos, cognitivos e comportamentais.
Colabora na elaboração e implantação de ações de engenharia
O referido manual para avaliação psicológica de candi- e operação de tráfego.
datos à CNH e condutores de veículos automotores (Resolução Desenvolve ações socioeducativas com pedestres, ciclistas,
CFP nº 12/2000) introduziu uma exigência mínima específica condutores infratores e outros usuários da via.
de qualidade referente à atuação na área do trânsito, buscando Desenvolve ações educativas com: diretores e instrutores dos
solução para problemas antigos já apontados historicamente em Centros de Formação de Condutores, examinadores de trânsi-
outras ocasiões, como na 10ª Reunião Anual de Psicologia de to e professores dos diferentes níveis de ensino.
Ribeirão Preto (PEREIRA, 1980). As competências atribuídas Realiza pesquisas científicas no campo dos processos psico-
às psicólogas e psicólogos do trânsito, elencadas no Caderno lógicos, psicossociais e psicofísicos, para elaboração e im-
de Psicologia do Trânsito e Compromisso Social, fizeram que a plantação de programas de saúde, educação e segurança do
Psicologia do Trânsito figurasse como especialidade em Psicolo- trânsito.
gia, conforme Resolução CFP nº 14/2000. As atribuições desses
Realiza avaliação psicológica em condutores e candidatos à
especialistas estão na Tabela 7 e são consideradas um avanço,
carteira de habilitação.
uma vez que, até então, todas as ações do CFP foram no sentido
Participa de equipes multiprofissionais no planejamento e
de regulamentar a prática de avaliação psicológica no processo
realização das políticas de segurança para o trânsito.
de habilitação.
Analisa os acidentes de trânsito, considerando os diferentes
fatores envolvidos para sugerir formas de evitar e/ou atenuar
as suas incidências.
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 82 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 83
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
buições explicitadas não fazem parte efetivamente das práticas
Elabora laudos, pareceres psicológicos, relatórios técnicos e
da maior parte das psicólogas e dos psicólogos, embora tenham
científicos; desenvolve estudos sobre o fator humano para fa-
um valor pedagógico importante para indicar aos estudantes e
vorecer a elaboração e aplicação de medidas de segurança.
profissionais o que se pode fazer (SILVA, 2012; CFP, 2009).
Elabora e aplica técnicas de mensuração das aptidões, habili-
Cabe sinalizar que, no Eixo 3 desta referência técnica, seguimos
dades e capacidades psicológicas dos condutores e candida-
também na perspectiva de referenciar a dimensão técnica do tra-
tos à habilitação, atuando em equipes multiprofissionais para
balho da psicóloga e do psicólogo, que se relaciona com essas
aplicar os métodos psicológicos de diagnóstico.
atribuições. Destacam-se a avaliação psicológica, a educação
Dialoga com os profissionais da área médica e da educação
para o trânsito e a atividade docente na relação com a mobilida-
(instrutores /professores/examinadores) por meio de estudos
de humana e o trânsito.
de caso de candidatos à Carteira Nacional de Habilitação.
Desenvolve estudos de campo e em laboratório, do comporta- Voltando para nossa cronologia, no ano de 2001, ainda
mento individual e coletivo em diferentes situações no trânsi- pela mobilização da categoria profissional, o Código de Trânsi-
to para sugerir medidas preventivas. to teve nova alteração com a Lei nº 10.350/2001, estendendo a
avaliação psicológica para as renovações da carteira de habili-
Estuda os efeitos psicológicos do uso de drogas e outras subs-
tação para os motoristas que exercem atividade remunerada ao
tâncias químicas na situação de trânsito; presta assessoria e
veículo. Outras importantes resoluções do CFP disciplinaram o
consultoria a órgãos públicos e privados nas questões relacio-
exercício profissional em perícia psicológica de motoristas para
nadas ao trânsito e transporte.
proibir qualquer tipo de vínculo com centros de formação de
Atua como perito em exames de habilitação, reabilitação ou
condutores (Resolução CFP nº 016/2002), permitir realização de
readaptação profissional.
outras atividades desde que fora do horário destinado àquele fim
Fonte: CFP (2000).
(Resolução CFP nº 006/2010) e deixar de limitar a quantidade de
Essas atribuições cumpriram – e ainda cumprem – o papel atendimentos por dia (Resolução CFP nº 008/2013).
de sugerir novas práticas à psicóloga e ao psicólogo do trânsito,
Em 2001, ocorreu em São Paulo o Seminário Psicolo-
estimulando a inserção em novos espaços de atuação (SILVA,
gia, Circulação Humana e Subjetividade, que discutiu, dentro
2012). Segundo o autor, algumas dessas atribuições são inova-
do Sistema Conselhos, temas ligados ao espaço público, como
doras para a época, com enfoque na atuação ampla e interdisci-
as garantias fundamentais do cidadão, educação para o trânsi-
plinar, sugerindo, a partir disso, outras atividades profissionais.
to, questões relacionadas à Psicologia, trânsito e saúde e sobre
Decorridos 18 anos desde a publicação do CFP, muitas das atri-
o compromisso social da formação e atuação em Psicologia.
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 84 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 85
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
Esse evento também foi um desdobramento do já mencionado I ploratória sobre o Processo de Avaliação Psicológica para a Ob-
Fórum Nacional de Psicologia do Trânsito. tenção da Carteira Nacional de Habilitação (CFP, 2006). Os re-
Ainda em 2001, houve a criação do Sistema de Avaliação sultados desse estudo evidenciaram um avanço no trabalho das
de Testes Psicológicos (Satepsi) pelo CFP. Uma de suas motiva- clínicas credenciadas nos Departamentos Estaduais de Trânsito,
ções advinha das amplas discussões sobre a avaliação psicológi- identificando, por exemplo, um baixo índice de uso de cópias
ca e a qualidade dos instrumentos disponíveis no país. A má qua- dos testes psicológicos e aprimoramento profissional na área da
lidade dos instrumentos afetava a credibilidade das psicólogas avaliação psicológica de motoristas.
e dos psicólogos em diversas áreas, incluindo as avaliações em Em 2007, aconteceu a 7ª edição do Congresso Brasileiro
motoristas. Com a criação do Satepsi, as psicólogas e psicólogos de Psicologia do Trânsito, em Curitiba (PR), focado nas pesqui-
peritos em trânsito tiveram seu trabalho novamente afetado, des- sas e avanços da área. Em 2010, na mesma cidade, ocorreu o
sa vez pelo fato de vários instrumentos amplamente usados não Congresso Interamericano de Trânsito e Transporte, que contri-
terem sido aprovados pelo Sistema naquele momento. buiu na divulgação, expansão e aprofundamento teórico e práti-
Outro desdobramento importante aconteceu posteriormen- co da área de trânsito e transporte no âmbito dos países america-
te, no VI Congresso Brasileiro de Psicologia do Trânsito: Com- nos. Importantes nomes internacionais da Psicologia do trânsito
promisso Social com a Mobilidade Humana, em Campo Grande e transporte estiveram presentes: Heikki Summala (Finlândia),
(MS), realizado pelo CFP em parceria com o CRP 14 MS/MT. Linda Steg (Holanda) e Bryan Porter (Estados Unidos).
O evento significou uma retomada da realização dos congressos Em 2007, o Conselho Federal de Psicologia agregou di-
nacionais da área, que na década de 1980, conforme citamos, versos atores para discutir o trânsito e fundou com eles o Movi-
foram importantes espaços de discussão e de articulação da ca- mento Nacional pela Democratização do Trânsito (MNDT). Fa-
tegoria. Esse evento foi marcadamente importante, pois houve ziam parte do movimento, além do CFP, a Universidade Católica
uma aproximação efetiva da Psicologia com outras áreas que Dom Bosco (MS), a ONG Rua Viva, a ONG Criança Segura, a
atuam no trânsito, como a Medicina, a Engenharia, a Arquitetura Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) e o Insti-
e Urbanismo e o Direito, dentre outras, promovendo discussões tuto de Certificação e Estudos de Trânsito e Transporte (Icetran),
para além da avaliação psicológica no contexto do trânsito. que capitanearam as discussões. Porém, mais de 30 entidades
Em 2006, o CFP realizou uma ação geral em conjunto com chegaram a fazer parte desse movimento que está, atualmente,
os conselhos regionais, nas clínicas de trânsito, que gerou um inativo. As discussões ocorriam de forma horizontal, sobretudo
relatório de fiscalização, cuja ação foi denominada Pesquisa Ex- a respeito das discrepâncias entre as políticas públicas de trân-
sito, assim como sobre as estratégias para o enfrentamento, por
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 86 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 87
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
exemplo, dos acidentes de trânsito, do contingenciamento de cunho administrativo para as clínicas credenciadas (vigilância sani-
recursos e da educação para o trânsito. O grupo produziu um tária) e, em 2012, a Resolução nº 425 passou a disciplinar sobre “o
manifesto cobrando das autoridades do SNT o cumprimento das exame de aptidão física e mental, a avaliação psicológica e o cre-
legislações em vigor e a garantia de um trânsito seguro para a denciamento das entidades públicas e privadas”, com alteração pela
população brasileira, realizando também uma audiência públi- Resolução nº 500/2014, que passou a exigir apenas que psicólogos
ca no Congresso Nacional, que chamou a atenção dos políticos e médicos estivessem inscritos nos respectivos conselhos regionais
para essas questões. (suspendendo a exigência de tempo mínimo de dois anos de forma-
Em 2008, o Contran, por meio da Resolução nº 267, dis- do). Atento às mudanças do processo de avaliação psicológica de
pôs a sobre a avaliação psicológica e passou a exigir a realiza- (candidatos a) motoristas, o CFP editou a Resolução nº 007/2009
ção de curso com 180 horas de capacitação (e não mais de 120 – instituindo normas e procedimentos para a avaliação psicológica no
horas), para credenciamento de psicólogo perito examinador de trânsito, atualmente em vigor.
trânsito. Nessa normativa, ficou ainda definido o prazo para que Ainda em 2009, a partir das discussões do MNDT e de
os interessados em se credenciar apresentassem a especialidade diversos encontros com a categoria, ocorreu o Seminário Nacio-
em Psicologia do Trânsito registrada na carteira de identidade nal de Trânsito e Mobilidade: O Espaço Público como Direito
profissional. O prazo foi prorrogado, no mesmo ano, pela Reso- de Todos, em São Paulo, na sede do CRP 6. Esse evento gerou
lução Contran nº 283/2008. a publicação Trânsito e mobilidade humana: o espaço público
A Resolução Contran nº 300/ 2008 estabeleceu procedi- como direito de todos. Tratou-se de um evento com caráter inter-
mento administrativo para submissão do condutor a novos exa- disciplinar, com a presença de engenheiros, arquitetos, médicos,
mes para voltar a dirigir quando condenado por crime de trânsito sanitaristas, enfermeiros, psicólogas e psicólogos e um conjunto
ou quando envolvido em acidente grave. Essa resolução, que muito grande de profissionais que estavam interessados em dis-
tem por objetivo regulamentar o artigo 160 do Código de Trân- cutir, dentro do eixo mobilidade e trânsito, a tríade segurança
sito brasileiro, parece instituir a avaliação psicológica como uma pública, saúde e educação para o trânsito.
medida de punição, quando na verdade ela é realizada porque No mesmo ano, o CFP promoveu o debate online “Desa-
o candidato à obtenção da CNH, em razão do crime de trânsito fios da Psicologia na Interface com o Trânsito e com a Mobilida-
cometido ou do acidente grave em que se envolveu, deve se sub- de”, com a participação da professora Edinilsa Ramos (Fiocruz),
meter a novo processo de formação como motorista. da professora Amélia Damiani (geógrafa da USP) e de Marcos
Em 2009, a Resolução Contran nº 327 inseriu a exigência de Bicalho (urbanista e membro da ANTP). Nesse debate, os auto-
res atentaram para o fato de os contextos de mobilidade e trân-
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 88 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 89
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
sito estarem ligados à economia do mercado e à subjetividade textos de uso. Foi observado pelo referido GT que mais de 50%
humana, desenvolvendo uma cultura do uso do carro ao invés do das proposições estavam relacionadas à avaliação psicológica no
uso do transporte público. contexto do trânsito. A partir dessa constatação, foi desenvolvida
Em dezembro de 2010, durante a Assembleia de Políti- a proposta de realização do seminário Psicologia do Trânsito em
cas, da Administração e das Finanças (APAF) do Sistema Con- Trânsito pelo Brasil, no mesmo ano. Esse evento envolveu cer-
selhos de Psicologia, foi aprovado um Grupo de Trabalho (GT), ca de 1.500 participantes em 17 estados e promoveu discussões
cujo objetivo era qualificar a avaliação psicológica sob diversos com psicólogos da categoria sobre diversos temas relacionados ao
contextos, além de desenvolver uma visão mais ampla sobre a trânsito. Para tanto, o seminário foi dividido em três eixos: (1) Psi-
avaliação psicológica, que precisava ser contemplada a partir cologia do Trânsito no Brasil e no Mundo; (2) Mobilidade Urbana
de uma prática contextualizada, com determinações históricas, e Políticas Públicas para o Trânsito e 3) Avaliação Psicológica no
sociais, políticas e econômicas. O GT que organizou esse tra- Contexto do Trânsito. Foram objetos de discussão:
balho foi composto pelo CFP e pelos conselhos de Psicologia
da Bahia, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e • a atuação da psicóloga e do psicólogo na avaliação
Amazonas. psicológica para obtenção da CNH;
Em 2011, o CFP emitiu nota técnica (Resolução CFP nº • o título de especialista em Psicologia do Trânsito;
1/2011) ressaltando a importância do uso de instrumentos psi-
• a autonomia da psicóloga e do psicólogo na esco-
cológicos com validade de critério para esse fim, e resolução
lha da bateria de instrumentos e técnicas para ava-
(Resolução CFP nº 9/2011) destacando que, na avaliação psi-
liação psicológica;
cológica no contexto do trânsito, devem ser aferidos no mínimo
três tipos de atenção. A Tabela 8 sumariza as resoluções do CFP • as relações com o Detran;
sobre avaliação de motoristas e avaliação de maneira geral, que • as condições de trabalho e muitas outras interven-
são importantes para todos os psicólogos. ções possíveis, com vistas a um avanço na atuação,
O Ano da Avaliação Psicológica foi então iniciado em maio incluindo a discussão sobre mobilidade urbana.
de 2011 e concluído com um seminário nacional sobre o tema, em
março de 2012. Um dos objetivos desse processo foi mapear as
Ainda em 2012, logo após a realização de todos os semi-
necessidades para qualificação da avaliação psicológica e adequar
nários em âmbito nacional, foi proposto um novo debate online
essas ferramentas aos parâmetros éticos da profissão e aos con-
na sede do CFP, com a presença dos psicólogos Fabián Rueda
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 90 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 91
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
(USF); Fábio de Cristo (UFRN) e Andrea dos Santos Nascimen- de Medicina de Tráfego e do I Congresso Brasileiro de Psicolo-
to (Ufes). Esse debate discutiu os desafios e conquistas para a gia de Tráfego.
Psicologia do Trânsito. Além disso, um relatório final foi pro-
duzido pelo CFP com o produto dos seminários regionais (refe-
Tabela 8 – Histórico de resoluções do CFP referentes à avalia-
rente ao tema Psicologia do Trânsito em Trânsito pelo Brasil) e
ção psicológica em motoristas e avaliação psicológica de modo
entregue às autoridades responsáveis pelo Sistema Nacional de
geral
Trânsito, dentre elas: Contran, Departamento Nacional de Trân-
sito (Denatran), Ministério das Cidades, Ministério da Saúde e Conselho Federal de Psicologia
Ministério da Justiça. Avaliação psicológica em Avaliação psicológica de
motoristas modo geral
Em 2015, o CFP realizou o Seminário Psicologia e Com-
Define teste psi-
portamento do Trânsito, uma atividade preliminar à 2ª Confe- Institui o Manual
cológico como
rência de Alto Nível sobre Segurança no Trânsito, promovida para Avaliação
método de avalia-
Psicológica de
pela Organização das Nações Unidas (ONU) em Brasília. Como Res. nº Res. nº ção privativo do
candidatos à CNH
fruto de ações conjuntas realizadas pelo CFP e com as comissões 012/2000 025/2001 psicólogo e regu-
e condutores de
lamenta sua ela-
de Trânsito e Consultiva em Avaliação Psicológica (CCAP), foi veículos automo-
boração, comer-
lançada a publicação Psicologia do tráfego: características e tores.
cialização e uso.
desafios no contexto do Mercosul (CFP, 2016). Dispõe acerca do
No mesmo ano, foi fundada a Associação Brasileira de trabalho do psi-
Altera a Res. CFP
cólogo na avalia-
Psicologia de Tráfego (Abrapsit), que visa a promover o desen- n.º 002/2003, que
ção psicológica
volvimento técnico-científico do exercício profissional na área define e regula-
de candidatos à
Res. nº Res. nº menta o uso, a
de tráfego e circulação humana em todos os modais: terrestre, Carteira Nacional
016/2002 005/2012 elaboração e a
aéreo e aquaviário, o que é uma novidade, considerando o per- de Habilitação e
comercialização
condutores de veí-
curso histórico que narramos neste Eixo 2. A Abrapsit tem pro- de testes psicoló-
culos automotores
movido eventos, publicado livros e participado das reuniões da gicos.
(veda vínculo com
Câmara Temática de Saúde e Meio Ambiente no Trânsito, além CFCs).
de articular parcerias com outras entidades como a Associação
Brasileira de Medicina do Tráfego. Essa parceria resultou, dois
anos depois, na realização conjunta do XII Congresso Brasileiro
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 92 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 93
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
Revoga a Res. Estabelece diretri-
CFP nº 012/2000, zes para a realiza-
publicada no Define e regu- ção de Avaliação
DOU do dia 22 lamenta o uso, Psicológica no
de dezembro de a elaboração e a exercício profis-
Res. nº 2000, Seção I, e Res. nº comercialização sional da psicólo-
007/2009 institui normas 002/2003 de testes psico- ga e do psicólogo,
e procedimentos lógicos e revoga regulamenta o Sis-
Nota téc-
para a avaliação a Res. CFP Nº. Nota técnica so- Res. Nº tema de Avaliação
nica nº
psicológica no 025/01. bre atenção. 009/2018 de Testes Psicoló-
001/2011
contexto do Trân- gicos – SATEPSI e
sito. revoga as Resolu-
Altera a Res. CFP ções nº 002/2003,
Nº 016/2002. nº 006/2004 e
Dispõe acerca do nº 005/2012 e
trabalho do psi- Notas Técni-
cólogo na avalia- cas nº 01/2017 e
ção psicológica Altera a Res. CFP 02/2017.
de candidatos à n.º 002/2003; es- Altera o anexo II
Carteira Nacional tabelece revisão da Res. CFP nº
Res. nº Res. nº
de Habilitação e periódica de da- 007/2009, para
006/2010 006/2004 Res. nº
condutores de veí- dos empíricos das destacar o cará-
009/2011
culos automotores propriedades de ter processual da
(permite reali- um teste. avaliação psicoló-
zação de outras gica.
atividades, desde
que fora do ho-
rário destinado
àquele fim).
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 94 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 95
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
sinalizam a urgente necessidade da Psicologia
Revoga o artigo 86 responder à problemática gerada pelo fenôme-
da Resolução CFP no trânsito. Enquanto fenômeno que se dá nas
nº 18/2000, subs- vias públicas e envolve o ir e vir de pessoas, não
tituído pelo artigo pode ser entendido apenas como um campo dis-
85 da Resolução ciplinar voltado para o indivíduo em suas ações
008/2013 no trânsito. O tempo presente exige considerar o
CFP nº 03/2007 objeto da Psicologia inserido historicamente na
(que limitava a interface entre o espaço público e o privado para
realização de 10 a construção do bem-estar e da qualidade de vida
avaliações psico- para todos. (CFP, 2000, p. 9)
lógicas por dia).
Fonte: Elaborada pela comissão ad hoc de especialistas do CFP. Diante disso, nesta seção, serão abordados três tópicos im-
portantes para a psicóloga e o psicólogo do trânsito se preparar
e, mais do que isso, se inserir de maneira mais efetiva e sistemá-
Em 2018, por meio da Resolução CFP nº 09/18, o Sistema
tica tanto nos debates quanto nas ações de planejamento e mobi-
de Avaliação de Testes Psicológicos (Satepsi) foi atualizado, re-
lidade urbana, educação e cidadania e violência. Trata-se de uma
forçando o seu papel de agente catalisador de evolução dos instru-
breve introdução a essas temáticas, que não são tão comuns na
mentos de avaliação psicológica no país, desde a sua criação no
formação na área. Por exemplo, conforme o Crepop (2009), ape-
início dos anos 2000.
nas 5,3% dos psicólogos entrevistados desenvolvem atividades
voltadas à gestão, formulação e avaliação de políticas públicas
Políticas sobre a construção do espaço público, o seu de mobilidade urbana, transporte e trânsito; 82,5% das respos-
tas informam que os psicólogos não trabalham com indicadores
uso e os deslocamentos
de acompanhamento/avaliação de sua intervenção. Além disso,
essa pesquisa evidenciou, por exemplo, que mais da metade dos
Nos tópicos anteriores deste Eixo 2, foram abordados psicólogos respondentes (64,2%) não tinham nenhum conheci-
aspectos do trabalho da psicóloga e do psicólogo no tema trân- mento sobre o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), e que
sito. Contudo, para além do CTB, é necessário compreender e 53,3% não tinham nenhum conhecimento da Política Nacional
discutir como outras políticas se articulam para construir o es- de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violência (à
paço público em que se dão os deslocamentos, sendo que essas época, a Portaria nº 737/2001-MS), sendo este último documento
discussões: considerado pelos participantes um dos cinco mais importantes
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 96 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 97
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
para seu trabalho. Os dados também não foram alentadores em ciclistas que, enquanto usuários do espaço público, estão em
relação a outros marcos lógicos e legais investigados no período. condições vulneráveis ao dividir espaços com máquinas em mo-
Assim, como um passo importante para o psicólogo am- vimento. Será necessário, então, que a Psicologia possa discutir
pliar sua inserção nessas relevantes atividades, é preciso pelo aspectos relevantes do planejamento urbano que orienta polí-
menos identificar e reconhecer os diversos espaços de discus- ticas públicas no setor – por exemplo, a utilização do desenho
são e as diversas demandas sociais, dentre as quais serão aqui universal no planejamento urbano (isto é, a ampliação do uso
destacadas: planejamento e mobilidade urbana, educação e ci- dos espaços públicos pelo maior número de pessoas sem a ne-
dadania e violência. Além disso, é fundamental construir e usar cessidade de adaptações posteriores) e a participação popular na
indicadores para acompanhar e avaliar tanto sua atividade e seu formulação do Plano Diretor Participativo, que é a participação
impacto quanto as ações ou políticas em que estão envolvidos. popular na construção do instrumento que orienta a política de
Nesse sentido, o Eixo 1 oferece os fundamentos para entender as desenvolvimento e de ordenamento da expansão urbana do mu-
razões pelas quais as psicólogas e os psicólogos devem se inserir nicípio. A seguir, nesta seção, serão sumariamente referenciados
nessas questões, isto é, um posicionamento ético e político da os seguintes documentos: o Estatuto da Cidade, a Política Na-
Psicologia. As políticas públicas são fruto de ações de gover- cional de Mobilidade Urbana e a Política Nacional de Trânsito
no que influenciam a vida dos cidadãos, devendo ser pensadas (PNT). Esses documentos trazem novos modos de construção de
também por meio de concepções de cidade. Então, a Psicologia políticas públicas na perspectiva do direito à cidade e acesso ao
do trânsito também importa, uma vez que, conforme aborda- transporte público.
mos naquela seção, os espaços são nossos reflexos e também O Estatuto da Cidade, criado pela Lei nº 10.257 em 2001,
nos constituem e instituem uma forma de estar no mundo e dele apresenta a oportunidade para que a política urbana cumpra seu
fazer parte. objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções so-
ciais da cidade. Essa lei prevê a existência de órgãos colegiados
de política urbana nos três níveis de governo e ainda destaca a
Planejamento e mobilidade urbana necessidade de estudos de impactos (ambientais e de vizinhan-
ça), devendo a operação urbana consorciada contar com a parti-
cipação de moradores e usuários permanentes para avaliação das
São discussões importantes sobre esse tema: a acessibi-
melhorias sociais alcançadas com as transformações urbanísti-
lidade de pessoas idosas (considerando, por exemplo, o rápido
cas. As psicólogas e os psicólogos, seja de maneira autônoma,
envelhecimento populacional no Brasil) e das pessoas com de-
como representantes de entidades ou como membros de equipe
ficiência e a qualidade de vida de pedestres, ciclistas e moto-
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 98 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 99
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
de planejamento, podem passar a dialogar com o poder público perspectiva da cidadania e da qualidade de vida, sumarizando
para a consecução da referida política. vários documentos sobre a temática. O acidente de trânsito é
A PNT, promulgada em setembro de 2004, foi resultado compreendido como uma ocorrência evitável e, para tal, é neces-
de uma ampla discussão que envolveu os três níveis de governo sário mostrar à sociedade que as variáveis que o envolvem são
(Federal, Estadual e Municipal) e diversos órgãos e entidades, controláveis, e está sob a responsabilidade de todos contribuir
assim como a população em geral. A PNT aponta caminhos e para aprimorar o convívio nas cidades, nas estradas e nas rodo-
condições para uma abordagem mais integrada do trânsito, des- vias. Nesse documento constam, também, projetos de educação
de o uso do solo até a educação e o meio ambiente, passando de trânsito desde o ensino fundamental até o superior, em curso
pelo desenvolvimento urbano e regional, a mobilidade urbana no governo à época, tratando o trânsito a partir do uso e da ocu-
e o sistema viário (BRASIL, 2004). Trata, também, o trânsito pação do solo, como também do transporte de pessoas e de car-
como uma questão multidisciplinar que envolve problemas so- gas. Em geral, os programas sobre o tema possuem a finalidade
ciais, econômicos, laborais e de saúde que devem ser enfrenta- de modificar atitudes e comportamentos, seja de um grupo, uma
dos pelo poder público e pela sociedade. A PNT é atualmente escola, uma comunidade, até mesmo de um estado e país para
disciplinada pela Resolução Contran nº 514/2014. uma convivência harmoniosa. Nesse ponto, os psicólogos pos-
suem larga expertise no estudo das atitudes, crenças e valores,
A Política Nacional de Mobilidade Urbana, criada em
por exemplo no campo da Psicologia Social e Psicologia Am-
2014 pela Lei nº 12.587 para ser instrumento da política de de-
biental – expertise que também pode ser aplicada no contexto
senvolvimento urbano, prevê a criação de órgãos colegiados,
do trânsito.
apresentando especial preocupação com a política tarifária do
transporte público urbano e com a infraestrutura necessária, por O exercício da cidadania é feito a partir do conhecimen-
exemplo, para a mobilidade a pé e de bicicleta. to dos direitos e deveres, além da prática e da vigilância para
que sejam efetivados. Para auxiliar nesse processo, por meio de
ações e de investigações, as psicólogas e os psicólogos devem
Educação e cidadania conhecer ainda outros documentos que se relacionam a esse
tema. Por exemplo, o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003),
a Acessibilidade Universal (Decreto nº 5.294/2004), a Lei de
No caderno Trânsito, questão de cidadania (BRASIL, Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) e o
2004), o Ministério das Cidades aborda a segurança no trânsi- Estatuto da Metrópole (Lei nº 13.089/2015). Não se pode falar
to, assim como o sistema, a política e as normatizações sob a em mobilidade humana sem que se incluam todas as pessoas, a
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 100 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 101
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
fim de que possam acessar os equipamentos e bens públicos da
Violência
cidade.
Recomendamos, ainda, acessar o site do Denatran5, no link
“Educação”, onde estão disponíveis vários materiais, como cam- A violência no trânsito é um problema global, razão pela qual
panhas, cursos, publicações, projetos e vídeos. Indicamos que se a Organização Mundial da Saúde criou, em 2011, a Década Mun-
conheça especificamente: o Prêmio Denatran de Educação no dial pela Segurança no Trânsito7. O Brasil está entre os dez países
Trânsito, que ocorre nos meses de setembro com a finalidade de com maiores índices de mortes no trânsito, sendo por isso incluído no
incentivar a produção de trabalhos voltados ao tema trânsito; e o Projeto Segurança no Trânsito em Dez Cidades (Road Safety in Ten
Programa Educa, lançado em 2018, que reúne materiais direcio- Countries – RS10), financiado pela Fundação Bloomberg. No Brasil,
nados ao Ensino Fundamental I e II para incluir na organização essa ação está em curso por meio do Programa Vida no Trânsito, exe-
curricular das escolas o trânsito, como tema transversal à saúde, cutado pelo Ministério da Saúde e pela OPAS, como ação nacional
meio ambiente, ética e cidadania, de acordo com as disciplinas e em correspondência à Década da OMS (SILVA et al., 2013). É im-
áreas de conhecimento. Os livros podem ser baixados gratuita- portante a psicóloga e o psicólogo individualmente não só conhecer,
mente no referido site do Denatran6. mas influenciar os órgãos que os representam para participar ativa-
mente das ações da Década.
Existem também eventos internacionais/nacionais que en-
volvem a temática, como o Dia Mundial sem Carro, celebrado O Mapa da Violência tem sido reconhecido como uma
em 22 de setembro com a finalidade de estimular a reflexão so- referência importante na publicação dos dados também sobre
bre o uso em massa e a dependência que criamos do automóvel; acidentes de trânsito. O mapa publicado em 2013, por exemplo,
e a Semana Nacional de Trânsito, que é comemorada anualmen- apresentou um panorama da evolução da violência no trânsito,
te no período compreendido entre 18 e 25 de setembro (art. 326 com foco na mortalidade de motociclistas, no período com-
do CTB). O Contran é responsável por estabelecer os temas e os preendido entre 1980 e 2011, analisando os dados dos estados,
cronogramas das campanhas de âmbito nacional, que deverão capitais e municípios, podendo ser utilizado para análise de al-
ser promovidos por todos os órgãos ou entidades do Sistema guns fatores estreitamente relacionados à produção dos traumas
Nacional de Trânsito. de trânsito, que têm produzido prejuízos financeiros, sofrimen-
tos e sequelas físicas e psicológicas. Os acidentes com moto-
cicleta são um desafio atual para as políticas de trânsito que as
5 Disponível em: <www.denatran.gov.br>.
6 O link direto para o material é: <https://www.denatran.gov.br/educa- psicólogas e os psicólogos devem atentar. As contribuições da
cao/109-educacao/publicacoes/633-educacao-para-o-transito-ensino-fundamen- 7 Veja o site oficial da Década: <https://nacoesunidas.org/campanha/se-
tal>. guranca-transito/>.
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 102 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 103
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
Psicologia no enfrentamento da violência de trânsito, seja no de- de Desenvolvimento Sustentável (Decreto nº 8.892/2016). As
senvolvimento de estratégias de engenharia, de fiscalização ou ações da Psicologia do Trânsito, sejam individuais ou coletivas,
de educação, precisam considerar a complexidade do fenômeno devem também alinhar-se a essas importantes metas. Além dis-
trânsito, que inclui questões sociais e econômicas na manuten- so, existe possibilidade de aumentar a adesão a eventos como o
ção de um status que demanda segurança viária. A violência no Maio Amarelo, um movimento cuja finalidade é chamar a aten-
trânsito tem alcançado tão grande destaque que, em janeiro de ção da sociedade para os elevados índices de mortalidade no
2018, a Lei nº 13.624 alterou o Código de Trânsito em vigor para trânsito no mundo10, e o Dia Mundial em Memória das Vítimas
criar o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trân- de Trânsito, lembrado em todo o mundo no terceiro domingo de
sito, que definiu para 2028 o prazo para redução em 50% das novembro, conforme adotado pela ONU.
mortes no trânsito. Dessa maneira, o Brasil parece já reconhecer
que será difícil atingir essa meta, anteriormente acordada com a
ONU para ser atingida até 2020, por ocasião da Década Mundial De onde viemos e para onde (possivelmente) vamos?
de Segurança no Trânsito.
Outros documentos internacionais/nacionais importantes Neste Eixo 2, contextualizamos a história da Psicologia do
sobre o tema são os relatórios globais sobre segurança no trânsi- Trânsito e abordamos de forma cronológica os marcos regulató-
to (Global Status Report on Road Safety), publicados pela OMS, rios para avaliação psicológica de motoristas, a partir dos anos
sendo o mais recente de 20158, e a Agenda 2030 para o Desen- 1900 até os tempos atuais. Esse resgate histórico do contexto
volvimento Sustentável, articulada pela Organização das Nações de produção dos textos normativos para a formulação das polí-
Unidas, que estabelece um plano de ação para as pessoas, para o ticas públicas de trânsito, com o recorte do processo de forma-
planeta e para a prosperidade, buscando fortalecer a paz univer- ção de motoristas, ajuda-nos a compreender que a demanda por
sal com mais liberdade. São 17 objetivos que se desdobraram em conhecimentos psicológicos inicialmente estava relacionada a
169 metas que orientam os planos de desenvolvimento nacionais uma perspectiva de segurança pública. Dessa forma, ainda hoje
dos países por meio de acordos internacionais. Esses objetivos e as instituições impõem e asseguram a legalidade do exercício
metas incluem também os temas trânsito, transporte e mobilida- profissional da psicóloga e do psicólogo para esse fim específi-
de9. O Brasil possui uma Comissão Nacional para os Objetivos co. Após o advento da profissão, várias psicólogas e psicólogos,
8 Link para os relatórios da Organização Mundial da Saúde sobre segu- pesquisadores e o Conselho Federal de Psicologia esforçam-se
rança no trânsito (em inglês): <http://www.who.int/violence_injury_prevention/
road_traffic/en/>. para ampliar a visão dos profissionais em relação a sua práxis na
9 Conheça o site da Agenda: <https://nacoesunidas.org/pos2015/agen-
da2030/>. 10 Conheça o site desse movimento: <https://www.maioamarelo.com/>.
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 104 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 105
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
área. Reforçamos que uma possibilidade real para isso é a inser-
ção nas políticas sobre a construção do espaço público, seu uso EIXO 3
e os deslocamentos (por exemplo, de planejamento e mobilidade
urbana, de educação e cidadania e de violência). Mas temos o
desafio de pelo menos identificar e reconhecer os diversos es-
Psicologia, mobilidade humana
paços de discussão e as diversas demandas sociais, dentre elas
aquelas operacionalizadas nos documentos oficiais que destrin-
e trânsito: dimensão técnica
cham as políticas que são, em geral, desconhecidas da psicóloga
e do psicólogo do trânsito. Os curiosos atrapalham o trânsito
Gentileza é fundamental
A constatação de que existem diversos setores da socieda- Não adianta esquentar a cabeça
Não precisa avançar no sinal
de que disputam entendimentos exercendo campos de influên- Dando seta pra mudar de pista
cias para a formulação de políticas públicas indica a necessidade Ou pra entrar na transversal
Pisca alerta pra encostar na guia
de a categoria profissional organizar-se e valer-se do Sistema Para-brisa para o temporal
Conselhos de Psicologia e de outras instâncias, como as asso- Já buzinou, espere, não insista,
Desencoste o seu do meu metal
ciações profissionais, para garantir que as políticas promovam Devagar pra contemplar a vista
saúde e qualidade de vida dos usuários e trabalhadores. Histori- Menos peso do pé no pedal
Não se deve atropelar um cachorro
camente, o CFP e outras instituições têm realizado ações junto Nem qualquer outro animal
ao tema, cuidando do que existe e também ampliando as possi- Todo mundo tem direito à vida
Todo mundo tem direito igual
bilidades de atuação. Todas as ações realizadas colocaram uma Motoqueiro, caminhão, pedestre
perspectiva de autonomia em relação ao trabalho, dialogando Carro importado, carro nacional
Mas tem que dirigir direito
com o referencial ético-político que dá sustentação à atuação da Para não congestionar o local
psicóloga e do psicólogo no campo em questão. A presente pu- Tanto faz você chegar primeiro
O primeiro foi seu ancestral
blicação da referência técnica do Crepop na área demonstra esse É melhor você chegar inteiro
cuidado e preocupação, sinalizando a importância de atuação na Com seu venoso e seu arterial
A cidade é tanto do mendigo
prevenção e promoção da saúde, assim como na educação para Quanto do policial
o trânsito, equilibrando o tripé “Saúde, Educação e Segurança Todo mundo tem direito à vida
Todo mundo tem direito igual
Pública” para uma compreensão mais orgânica do trânsito e da Travesti, trabalhador, turista
mobilidade humana. Solitário, família, casal
Todo mundo tem direito à vida
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 106 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 107
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
Todo mundo tem direito igual foi que 87,8% das respostas informaram não ter sido possível rea-
Sem ter medo de andar na rua
Porque a rua é o seu quintal lizar pesquisa científica a partir dos conhecimentos e experiências
Todo mundo tem direito à vida adquiridas no campo de mobilidade urbana, transporte e trânsito.
Todo mundo tem direito igual
Boa noite, tudo bem, bom dia, Convém retomar a ideia de que, conforme foi concebido,
Gentileza é fundamental
Pisca alerta pra encostar na guia o papel destas Referências (e consequentemente desta seção,
Com licença, obrigado, até logo, tchau. cujo foco é a dimensão técnica) não é ser um manual que ensina
(Arnaldo Antunes e Lenine, Rua da Passagem)
como fazer. Para isso existem outros documentos e bibliografia
apropriados, além de formação específica. O papel desta Refe-
Neste eixo abordaremos a dimensão técnica do trabalho do rência é descrever um panorama geral da área e das atividades
psicólogo do trânsito, notadamente em três conjuntos de atividades, da psicóloga e do psicólogo (por exemplo, aos que estão se inse-
incluindo: a avaliação psicológica, a educação para o trânsito e a rindo na área), referenciando documentos importantes e, adicio-
atividade docente na relação com mobilidade humana e trânsito, nalmente, sinalizando alguns pontos críticos que a psicóloga e o
assim como serão discutidos os desafios relacionados (alguns de- psicólogo (como os mais experientes na área) devem considerar
les relacionados à música de Arnaldo Antunes e Lenine). A missão naquilo que já fazem (e.g., avaliação psicológica), a fim de que
deste eixo é bastante árdua por se relacionar a uma série de compe- nosso exercício profissional seja (continue sendo) feito com ri-
tências profissionais (isto é, conhecimentos, habilidade e atitudes), gor e qualidade. E, naquilo que se quer expandir para outras ati-
muitas delas discutidas ao longo dos eixos anteriores e, adicional- vidades (como a educação), espera-se servir de ponto de partida.
mente, outras que fundamentam a construção e o uso de indicadores
para acompanhar e avaliar tanto a(s) atividade(s) de psicólogas e
psicólogos, com seu(s) impacto(s), quanto as ações ou políticas em 3.1 - Avaliação Psicológica no processo de
que tais profissionais se envolvem. A base para isso, por sua vez, é habilitação de condutores
justamente a pesquisa científica (ou, dito de uma maneira mais acei-
ta “na prática”, um diagnóstico do problema e os impactos das in-
tervenções). E sobre esses tópicos é oportuno destacar que, segun- O Crepop (CFP, 2010) evidenciou que as atividades mais
do a pesquisa do Crepop (CFP, 2010), conforme já mencionamos, desenvolvidas pelas psicólogas e pelos psicólogos do trânsito são
82,5% das respostas informam que as psicólogas e os psicólogos voltadas ao exame de avaliação psicológica para CNH (76,7% das
não trabalham com indicadores de acompanhamento e avaliação de respostas). Devido a sua relevância para muitas psicólogas e psi-
sua intervenção. Outro dado preocupante revelado nessa pesquisa cólogos atualmente, abordaremos nesta seção a psicogênese do
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 108 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 109
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
comportamento humano no trânsito, a avaliação psicológica como Com esse trecho literal, reforçamos que qualquer inver-
processo, as habilidades (mínimas) avaliadas dos (futuros) moto- são ou mudança na ordem desse fluxo fere a normativa. As psi-
ristas, além dos métodos, técnicas e instrumentos psicológicos co- cólogas e os psicólogos devem conhecer as leis e normativas da
mumente utilizados para tal. Dessa forma, no Eixo 2 esperamos ter área de trânsito, especialmente aquelas que se relacionam dire-
deixado claro como essa atividade foi historicamente constituída, tamente ao seu trabalho. Destacamos aqui duas delas, referentes
os documentos que a regem e como chegamos até o modelo de ava- à avaliação no processo de habilitação: a Resolução Contran nº
liação atual para, então, avançarmos em outros pontos neste Eixo 3. 425/2012 e a Resolução CFP nº 007/2009 (ambas já descritas no
No contexto da habilitação de motoristas, a avaliação psi- Eixo 2, nas Tabelas 6 e 8). A avaliação psicológica no contexto
cológica é atualmente compulsória nas seguintes situações: ob- de habilitação de motoristas, portanto, precisa ser realizada em
tenção da CNH, adição ou mudança de categoria e renovação da todos os estados brasileiros seguindo as normativas do Contran
CNH. Neste último caso, a exigência não é para todos os mo- e do CFP. Incorrem em falta ética, portanto, os profissionais que
toristas, apenas para aqueles condutores que exercem atividade não atendem essas determinações dos órgãos responsáveis.
remunerada com o veículo. Atualmente, por ocasião da discus- No processo de avaliação psicológica avaliam-se habi-
são do Projeto de Lei nº 8.085/2014, que visa alterar o Código lidades mínimas do (futuro) motorista. Mas como se definiram
de Trânsito Brasileiro, existe um movimento da Psicologia para as habilidades mínimas e os indicadores que devem ser avalia-
que a avaliação psicológica seja estendida também para todos os dos? Uma resposta reside na compreensão das principais fases
casos de renovação da CNH (CFP, 2018b). da psicogênese do comportamento, fundamentais no paradigma
Cabe ressaltar, ainda, que a avaliação psicológica constitui cognitivista e na teoria da informação (ROZESTRATEN, 2004).
a primeira etapa avaliativa do processo de habilitação, conforme Será possível perceber, em seguida, como esse paradigma está
regulamentação do Contran nº 168/2004 (p. 1, grifos nossos): contido nas normatizações atuais do processo.
Trânsito
Avaliação Psicológica como processo
Indivíduo
O CFP (2007) define avaliação psicológica como uma fun-
ção privativa do profissional de Psicologia e, de acordo com a
Resolução CFP 07/2009 (p. 3), esta é
Figura 1. Inter-relações entre indivíduo-trânsito-sociedade
Fonte: Elaborada pela comissão ad-hoc de especialistas do CFP. entendida como o processo técnico-científico de
coleta de dados, estudos e interpretação de infor-
mações a respeito dos fenômenos psicológicos,
que são resultantes da relação do indivíduo com
O entendimento dessa inter-relação possibilita à psicóloga a sociedade, utilizando-se, para tanto, de estra-
e ao psicólogo que realiza a avaliação psicológica no processo tégias psicológicas – métodos, técnicas e ins-
trumentos. Os resultados das avaliações devem
de habilitação contextualizar e deixar mais nítido o seu trabalho, considerar e analisar os condicionantes históri-
porque justifica a avaliação psicológica do (futuro) motorista e cos e sociais e seus efeitos no psiquismo, com a
finalidade de servirem como instrumentos para
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 112 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 113
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
atuar não somente sobre o indivíduo, mas na 2. coleta de informações;
modificação desses condicionantes que operam
desde a formulação da demanda até a conclusão 3. integração das informações e desenvolvimento das hi-
do processo de avaliação psicológica.
póteses iniciais;
4. indicação das respostas e comunicação dos resultados
É fundamental reforçarmos o entendimento de que a (apto, inapto temporário e inapto).
avaliação psicológica é o processo por meio do qual obtemos
Assim, com um olhar mais amplo para o candidato/motoris-
informações sobre condições psicológicas dos (futuros) moto-
ta, para além das métricas dos testes psicológicos, os “dados ad-
ristas. Encarar a avaliação como processo implica, portanto, na
vindos dos testes psicológicos devem ser reunidos às informações
compreensão de que não se pode considerar testagem como si-
fornecidas por outros recursos avaliativos, com o objetivo de que
nônimo de avaliação. A testagem pode (ou não) fazer parte do
sua compreensão final inclua as informações contextuais” (CFP,
processo avaliativo, e no contexto da habilitação de motoristas
2011a). Todos esses dados, devidamente analisados, interpretados
tem sido uma prática atual, considerada por vezes indispensável
e integrados, devem ser expressos junto com a conclusão do pro-
para amparar as conclusões da psicóloga e do psicólogo. To-
cesso, por meio de um documento psicológico: o laudo, que é
davia, não se pode tolerar a descaracterização do processo de
decorrente de avaliação psicológica (CFP, 2009). Não é incomum,
avaliação psicológica, sob qualquer justificativa (por exemplo,
todavia, que uma parcela de psicólogas e psicólogos atribua ou-
de dar maior celeridade à atividade), reduzindo-a à testagem, o
tro nome a esse documento (parecer ou síntese). A Resolução nº
que infelizmente ainda é muito comum na prática. As psicólogas
007/2003 trata, portanto, de laudo, e não de outro documento psi-
e os psicólogos envolvidos nessa incompreensão estão cometen-
cológico. Não pode ser denominado como parecer, uma vez que,
do, além de um erro conceitual, em falta ética de acordo com o
de acordo com o entendimento atual, este não é um documento
exposto na resolução que embasa essa prática.
decorrente de avaliação psicológica. Ademais, conforme a referi-
Existem pelo menos quatro passos essenciais para alcançar da Resolução, não existe um documento denominado síntese.
os resultados esperados da avaliação psicológica (CFP, 2013):
A literatura especializada também evidencia problemas na
1. objetivos da avaliação (no caso do processo de habili- elaboração dos laudos e consequências éticas para psicólogas e
tação: obtenção e renovação da CNH, adição ou mu- psicólogos que é preciso evitar/conter. Por exemplo, Silva e Al-
dança de categoria da CNH e exercício de atividade chieri (2011) avaliaram a qualidade do preenchimento dos laudos
remunerada com o veículo) e escolha de instrumentos psicológicos e sua guarda por psicólogas e psicólogos peritos em
e estratégias adequadas; trânsito. Os autores identificaram: ausência de informações de
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 114 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 115
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
identificação dos usuários e dos instrumentos; uso de terminolo-
Habilidades (mínimas) avaliadas dos (futuros)
gias não técnicas expressando resultados; laudos pouco elucidati-
vos, objetivando apenas preencher os campos disponíveis, porém motoristas
sem integração entre os dados coletados por meio de instrumentos,
observações e entrevistas; ausência de identificação e do carimbo
Inicialmente vale ressaltar que existem dois tipos de con-
com o número do CRP do profissional; laudos não encontrados,
dutores, os que utilizam seus veículos para se movimentarem
mesmo dentro do período de validade (cinco anos). Em outro es-
rumo às suas atividades profissionais, sociais, de lazer e afins e
tudo, Zaia, Oliveira e Nakano (2018) analisaram os processos éti-
outros que, além disso, utilizam o veículo como atividade pro-
cos publicados no jornal do CFP e evidenciaram que grande parte
fissional, isto é, exercem por meio dele atividade remunerada.
se refere à avaliação psicológica e, dentro desse processo, chamou
As habilidades mínimas aferidas para qualquer condutor são:
atenção a existência frequente de laudos mal elaborados, parciais
(A) tomada de informação; (B) processamento de informação e
e tendenciosos, sem fundamentação técnica e científica, incluindo
tomada de decisão; (C) comportamento; e (D) traços de perso-
aqueles elaborados no contexto do trânsito.
nalidade (CFP, 2009). Conforme argumentamos ao apresentar a
Nesse sentido, cabe apontar às psicólogas e aos psicólogos Figura 1, é possível identificar nesta normatização a influência
da área a necessidade de zelar não só pela elaboração dos seus do paradigma cognitivista, a partir da teoria da informação. Veja
documentos como também pela guarda organizada desses mate- a Tabela 9 para uma visão geral das habilidades mínimas para
riais, que compõem seu registro documental (veja a Resolução dirigir, seus indicadores e métodos/técnicas comumente usados.
CFP nº 001/2009). Sem isso, a imagem e a credibilidade não
(a) Tomada de informação
só da psicóloga e do psicólogo como da própria área pode ser
abalada, tanto pelos questionamentos dos examinandos quanto O CFP (2011b), a partir da exigência do Contran, define
da sociedade. Isto posto, são descritas a seguir as habilidades essas habilidades, conceituando tomada de informação:
mínimas exigidas no processo de avaliação psicológica (veja
Tabela 9). como o fenômeno pelo qual o ser humano pro-
cessa uma quantidade limitada de informações
das várias informações disponíveis. Em outros
termos, a atenção refere-se à capacidade e esfor-
ço exercido para focalizar e selecionar um estí-
mulo para ser processado, levando o indivíduo a
responder a determinados aspectos do ambiente,
em lugar de fazê-lo a outros, permitindo que o
indivíduo utilize seus recursos cognitivos para
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 116 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 117
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
emitir respostas rápidas e adequadas mediante Para a aferir a inteligência e a memória de curto prazo
estímulos que julgue importantes (CFP, 2011b).
existem testes psicológicos aprovados e que foram construídos
utilizando em suas amostras normativas candidatos à CNH e
O CFP ainda define o construto atenção e determina, em condutores.
nota técnica, que é necessário aferir três tipos de atenção. De
A avaliação de orientação espacial, identificação signifi-
acordo com o CFP (2011b, p. 1), “Ressalta-se a necessidade de
cativa, julgamento ou juízo crítico e tomada de decisão tem o
que, ao realizar avaliação psicológica no contexto do trânsito,
objetivo de obter informações a respeito da capacidade do in-
sejam aferidos, no mínimo, três tipos de atenção”. Sendo as-
divíduo se situar no tempo e espaço; de sua escala de valores
sim, considera os diferentes tipos de atenção – difusa/vigilância/
para perceber e avaliar a realidade para, dessa forma, identificar
atenção sustentada; atenção concentrada; atenção distribuída/di-
os julgamentos que levam a atitudes seguras no trânsito (CFP,
vidida; atenção alternada –, conforme definidos pela literatura e
2009).
pelos manuais de instrumentos padronizados.
(C) comPorTamenTo
(b) ProcessamenTo de informação e Tomada de decisão
Conjunto de reações (tempo de reação, coordenação viso
Afere-se como indicador desses processos a inteligên-
e áudio-motora) do indivíduo em face das interações propicia-
cia, definida como a capacidade de resolver problemas novos,
das pelo meio altamente dinâmico (Figura 1). E considerando o
relacionar ideias, induzir conceitos e compreender implicações,
ambiente do trânsito, o comportamento poderá será investigado
assim como a habilidade adquirida de determinada cultura por
também por meio de entrevista e de situações hipotéticas, bus-
meio da experiência e aprendizagem.
cando verificar sua adequação às situações no trânsito, sejam
A memória é considerada outro indicador, conceituada elas individuais ou coletivas.
como a capacidade de registrar, reter e evocar estímulos em um
(D) Traços de Personalidade
curto período de tempo (memória em curto prazo) e capacida-
de de recuperar uma quantidade de informação armazenada na A justificativa para a aferição deste indicador é a ne-
forma de estruturas permanentes de conhecimento (memória de cessidade de que haja equilíbrio entre os diversos aspectos de
longo prazo). Na prática, a avaliação da memória de curta du- personalidade: controle emocional, ansiedade, impulsividade
ração é feita por poucos profissionais e, para alguns, isso é feito e agressividade. As técnicas, os métodos e testes psicológicos
no momento de reavaliação, quando o candidato é considerado que podem ser usados para avaliar a personalidade e os demais
inapto temporário. processos e construtos descritos anteriormente serão abordados
brevemente no próximo tópico.
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 118 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 119
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
Tabela 9 – Habilidades mínimas para dirigir, seus indicadores e
Métodos, técnicas e instrumentos psicológicos utilizados
métodos/técnicas comumente usados
Habilidades Indicadores Métodos e técnicas
no contexto do trânsito
mínimas comumente usados
A. Tomada • Atenção difusa/vigilância/ • Instrumento pa-
de informa- atenção sustentada; atenção dronizado O profissional tem autonomia em sua escolha do instru-
ção concentrada; atenção dis- • Entrevista mento. Ao fazer essa escolha é necessário verificar os instru-
tribuída/dividida; atenção mentos mais adequados, ou seja, aqueles que devem ser con-
alternada siderados apenas para os contextos e propósitos para os quais
• Deverão ser aferidos no mí- os estudos empíricos indicaram resultados favoráveis. A razão
nimo três tipos de atenção
de destacar isso, inicialmente, reside no fato de alguns Detrans
B. Proces- • Orientação espacial • Instrumento pa-
samento de dronizado tentarem, equivocadamente, obrigar a psicóloga e o psicólogo a
• Identificação significativa
informação • Entrevista aplicar testes específicos (isto é, indicando os nomes dos testes).
• Inteligência
e tomada de Tal escolha é uma competência da psicóloga e do psicólogo, que
• Memória
decisão devem selecionar o instrumento ou técnica que avalia o indica-
• Julgamento ou juízo crítico
C. Compor- • Tempo de reação • Observação dor do processo psicológico estabelecido na legislação:
tamento • Coordenação viso e áudio- • Entrevista
-motora • Instrumento pa- §2 – A psicóloga e o psicólogo têm a prerrogativa
• Capacidade para perceber dronizado de decidir quais são os métodos, técnicas e instru-
quando as ações no trânsi- mentos empregados na Avaliação Psicológica, des-
de que devidamente fundamentados na literatura
to correspondem ou não a
científica psicológica e nas normativas vigentes do
comportamentos adequados, Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2018, p. 2).
sejam eles individuais ou
coletivos
D. Traços de • Equilíbrio entre os diversos • Instrumento pa- A Resolução Contran nº 425/2012, no seu artigo 6º, des-
personali- aspectos de personalidade, dronizado taca as técnicas e os instrumentos utilizados na avaliação psi-
dade especialmente os relaciona- • Questionário cológica: entrevistas diretas e individuais; testes psicológicos,
dos ao controle emocional,
• Entrevista dinâmicas de grupo e escuta e intervenções verbais. Tais instru-
ansiedade, impulsividade e
agressividade mentos foram reiterados pelo CFP, que orienta os profissionais
Fonte: Elaborada pela comissão ad-hoc de especialistas do CFP. em sua práxis, e são descritos brevemente a seguir.
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 120 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 121
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
A entrevista psicológica é uma conversação dirigida a um Não se deve, portanto, dispensar a entrevista inicial para
propósito definido de avaliação (CFP, 2009). Sua função básica ir direto à etapa de testagem, devido às dificuldades e falhas que
é prover o avaliador de subsídios técnicos acerca da conduta, isso pode produzir no processo de avaliação.
dos comportamentos, conceitos, valores e das opiniões do can- A entrevista devolutiva também faz parte do processo avalia-
didato, completando os dados obtidos pelos demais instrumen- tivo e é obrigatória. O que se observa na prática é que essa entrevis-
tos que serão utilizados. A normativa estabelece uma entrevista ta é realizada para candidatos considerados inaptos (temporários),
individual que aborde: identificação pessoal; motivo da avalia- e que geralmente os candidatos aptos não retornam à clínica para
ção psicológica; histórico escolar e profissional; histórico fami- ter um feedback do resultado. Mas cabe ao profissional informar ao
liar; indicadores de saúde-doença; e aspectos da conduta social cidadão, desde o início do processo, sobre o seu direito legítimo de
(CONTRAN, 2012). Para isso, o CFP (2009) sugere um roteiro tirar dúvidas quanto ao resultado da avaliação psicológica.
de entrevista psicológica, que deve ser conhecido pela psicóloga
Dinâmicas de grupo (e escutas verbais) podem ser utili-
e pelo psicólogo e constam perguntas sobre esses tópicos.
zadas para informar, treinar, resolver um problema, tomar uma
A entrevista deve ser utilizada em caráter inicial do pro- decisão e integrar um grupo (SILVA, 2016). Nesse caso, de acor-
cesso de avaliação psicológica, pois é durante esse procedimen- do com a autora, deve-se buscar informação sobre o candidato,
to que a psicóloga e o psicólogo têm condições de identificar suas condições de saúde e bem-estar, assim como informá-lo
situações que possam interferir negativamente na avaliação psi- sobre o processo de avaliação psicológica e, a partir disso, tomar
cológica, podendo o avaliador optar por não proceder à testagem a decisão da continuidade do candidato no processo avaliativo.
naquele momento, para não prejudicar o candidato (CFP, 2009). Além disso, a dinâmica de grupo permite melhorar a comuni-
De acordo com a normativa 425: cação entre os participantes da avaliação, desmistificar o pro-
cesso de avaliação psicológica e identificar possíveis problemas
Nesse caso, o candidato deverá retornar em mo- para tomadas de decisão. Se no início da avaliação psicológica
mento posterior. O psicólogo deve, portanto,
planejar e sistematizar a entrevista a partir de
o profissional utilizar primeiro a dinâmica de grupo com uma
indicadores objetivos de avaliação correspon- entrevista psicológica em seguida, a análise sobre o indivíduo
dentes ao que pretende examinar. O psicólogo
deve, durante a entrevista, verificar as condições
poderá ser aprofundada e, assim, será melhor verificado o pro-
físicas e psíquicas do candidato ou examinando blema situacional e comportamental que foi observado durante
(CONTRAN, 2012, p. 5).
as etapas anteriores (SILVA, 2016). Será possível fazer desse
processo avaliativo um processo educativo, de aprendizagem de
múltiplos olhares? Fica a reflexão.
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 122 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 123
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
Teste psicológico pode ser conceituado como uma medi- examinandos no trânsito a partir dos testes aplicados no processo
da objetiva e padronizada de uma amostra do comportamento de habilitação. Por exemplo, após extensa análise da literatura,
do sujeito, tendo a função fundamental de mensurar diferenças Cristo e Alchieri (2015) evidenciaram que, no que diz respeito
ou mesmo semelhanças entre indivíduos, ou entre as reações às comparações entre grupos de acidentados e não acidentados
do mesmo indivíduo em diferentes momentos. O teste precisa ou de infratores e não infratores, apenas:
ter evidências empíricas de validade e precisão e também deve
ser normatizado. Cabe ao profissional seguir todas as recomen- estudos isolados demonstram diferença entre os
dações contidas nos manuais dos testes, bem como nas atuali- grupos (que podem ser ao acaso) ou não esta-
belecem evidências de validade preditiva, ou
zações divulgadas, para garantir a qualidade técnica e ética do seja, não indicam a probabilidade de predizer o
trabalho. Para a interpretação dos resultados dos testes psico- comportamento a partir dos resultados dos testes
psicológicos. Em suma, os resultados não são re-
lógicos, recomenda-se a utilização das normas específicas e/ou plicados em outros estudos, e variam em função
gerais dos instrumentos, conforme orientações constantes nos da medida psicológica utilizada, do critério de
segurança estudado e da forma de apreendê-lo
respectivos manuais (CFP, 2011b). (relato verbal ou registro no Detran).
O Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (Satepsi)11
oferece vários testes psicológicos favoráveis para aferir diferentes
Dessa maneira, continuam sendo necessárias pesquisas
construtos psicológicos. O Satepsi está com nova interface e infor-
sobre a validade preditiva dos instrumentos para examinar me-
mações atualizadas. A psicóloga e o psicólogo do trânsito poderão
lhor a relação entre os aspectos psicológicos e o comportamen-
facilmente obter uma lista de testes psicológicos (tanto favorá-
to do motorista, de fato, no trânsito (SILVA; ALCHIERI, 2007,
veis quanto desfavoráveis) para avaliar os construtos requeridos
2008, 2010). Isso contribuirá para que a psicóloga e o psicólogo
no processo de habilitação. Uma maneira de buscar esses testes
concluam com maior confiança sobre a aptidão ou inaptidão do
é por palavra-chave (por exemplo, “personalidade”), seguindo os
(futuro) motorista, uma vez que haverá evidências de que seus
passos: ao entrar no site do Satepsi, clique em “lista do Satepsi”
instrumentos são sensíveis para estabelecer relações probabilís-
> “Psicólogo pode usar” > “Testes Psicológicos Favoráveis” >
ticas de que o candidato poderá se envolver ou não em acidentes
selecionar o construto de interesse dentre as opções listadas, neste
ou infrações. Apesar disso, estudos sugerem que os candidatos
exemplo, “Personalidade”.
à obtenção/renovação da CNH percebem a importância da ava-
É preciso reconhecer algumas limitações no uso de tes- liação psicológica no processo de habilitação (AMBIEL; MOG-
tes psicológicos, dentre elas, a predição de comportamentos dos NON; ISHIZAWA, 2015).
11 Disponível em: <http://satepsi.cfp.org.br/>. Acesso em: 30 out. 2018.
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 124 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 125
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
Nesta seção buscamos enfatizar que o profissional de Psi-
cologia precisa assimilar que um processo técnico-científico re-
3.2 - Educação para o trânsito
quer conhecimento e habilidade para o manuseio das estratégias
de avaliação e entender o contexto em que está inserido o candi- Na pesquisa do Crepop (CFP, 2010), psicólogas e psicó-
dato. O nosso país tem uma dimensão continental e diversidade logos respondentes destacaram a educação para o trânsito como
cultural, social e econômica por região e até mesmo por locali- campo de interesse. Conforme esse estudo, 21% das respostas
dade. As avaliações, portanto, precisam ser analisadas a partir indicam a área de educação para o trânsito como estratégica para
desses condicionantes, com rigor científico. operacionalização do serviço, demonstrando que as:
Ademais, nosso fazer psicológico deve ser pautado na éti-
ca e na cidadania, compreendendo a relação das pessoas com Ações relativas à educação para o trânsito apare-
o espaço público (rua de passagem), com subjetividade e sin- ceram em diversos relatos e de diferentes modos
dependendo da inserção do/a profissional. Na
gularidade e ainda, com a complexidade do fenômeno trânsito. maioria das vezes estava associada a ações de-
Nesse sentido, ao profissional de Psicologia cabe também olhar senvolvidas em escolas com crianças e adoles-
centes, mas também foram citadas práticas em
para a mobilidade humana e fazer de sua atuação uma ação de campanhas educativas, que envolviam outros
reflexão e mudança de paradigmas do uso da cidade, espaço de profissionais ligados ao trânsito e em palestras
dirigidas a empresas que buscam sensibilizar
convivência de carros e pessoas, com seus desejos, objetivos e os/as funcionários para as questões relativas ao
a liberdade de se locomover com segurança no seu cotidiano. trânsito. (FGV, 2007 p. 25)
A partir disso, poderemos lançar um olhar para a importância
do nosso trabalho e, ao mesmo tempo, estar conscientes das li- Para psicólogas e psicólogos que atuam ou têm intenção
mitações que se impõem no que concerne à perícia psicológica de atuar em educação para o trânsito, ressaltamos que ela pre-
no processo de habilitação. Na próxima seção abordaremos as cisa estar pautada nos princípios e diretrizes do Contran sobre
possibilidades de atuação da psicóloga e do psicólogo no campo o tema. Nesse sentido, ao abordar a educação para o trânsito
da educação para o trânsito. nestas Referências Técnicas procuramos cumprir dupla função:
apresentar os marcos lógicos e legais que disciplinam a educação
para o trânsito e, a um só tempo, refletir acerca dos princípios e
valores em que se fundamenta a legislação.
Para ampliar a inserção do fazer psicológico nas ações de
educação para o trânsito de órgãos e entidades componentes do
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 126 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 127
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
SNT, é importante considerar inicialmente o histórico da educa- Após quase três décadas de vigência do Código Nacional de
ção para o trânsito na legislação sobre a matéria. Em seguida, Trânsito de 1966, o Projeto de Lei nº 3.710 foi publicado no Diá-
abordaremos o modo de atuar em educação para o trânsito no rio do Congresso Nacional, em 6 de julho de 1993, para atualizar
SNT, em diversos contextos. a legislação sobre trânsito. O texto final desse PL foi apresentado
em 23 de setembro de 1997 e instituiu, finalmente, a educação
para o trânsito como direito de todos e dever prioritário de órgãos
A Educação para o Trânsito na legislação e entidades componentes do SNT (capítulo VI do CTB). Compos-
to originalmente por seis artigos, o capítulo da educação foi alte-
rado em 2009 pela Lei nº 12.006, que inclui outros cinco artigos
Em mais de cem anos de legislação de trânsito, o atual
sobre a veiculação de publicidade em canais de comunicação.
CTB, instituído em 1997, foi o primeiro código a dedicar um
capítulo à educação. Os anteriores, publicados em 1941 e 1966, O artigo 76 do capítulo VI do CTB avançou na regulamen-
trataram o trânsito exclusivamente como questão de uso da via tação da matéria com a seguinte redação:
pública, a ser disciplinado pela ação fiscalizadora do Estado.
A educação para o trânsito será promovida na
A primeira legislação a dispor sobre a habilitação e o exer- pré-escola e nas escolas de 1º, 2º e 3º graus, por
cício da atividade de condutor de veículos automotores data de meio de planejamento e ações coordenadas entre
os órgãos e entidades do Sistema Nacional de
1946, estabelecendo como critério para concessão da carteira de Trânsito e de Educação, da União, dos Estados,
motorista a aprovação nos exames médicos (de capacidade físi- do Distrito Federal e dos Municípios, nas res-
pectivas áreas de atuação. (BRASIL, 1997).
ca e de sanidade mental) e técnicos (de conhecimentos de regras
de circulação e dos comandos do veículo).
A formação de motoristas passou a ser regulamentada so- Mesmo tendo sido publicado após a Lei de Diretrizes e
mente em 1968, pela Resolução do Contran nº 390, em razão Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), lei que redefi-
de o Código de Trânsito de 1966 ter previsto o funcionamento niu a denominação dos níveis escolares, o CTB manteve a de-
das escolas de aprendizagem para motoristas. Nesse Código de nominação apresentada pela LDB de 1971 (isto é, pré-escola e
Trânsito estava prevista a divulgação de noções de trânsito nas 1º, 2º e 3º graus). Depois de quase vinte anos de vigência, o
escolas primárias e médias do país, promovida pelo Ministério CTB foi alterado por mais de trinta leis e teve diversos de seus
da Educação e Cultura (art. 125), com a realização de campa- dispositivos regulamentados por mais de setecentas resoluções
nhas educativas ao menos uma vez por ano (art. 124). publicadas pelo Contran, órgão máximo e coordenador do SNT,
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 128 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 129
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
com competências de caráter consultivo e normativo. Apesar de
Como atuar em educação para o trânsito no Sistema
tantas normativas, a denominação equivocada dos níveis escola-
res sequer foi alterada, explicitando o descompasso entre as leis Nacional de Trânsito?
que balizam a educação para o trânsito. Um conjunto dessas re-
soluções visou disciplinar a educação para o trânsito, tanto para
As Resoluções do Contran e as Portarias do Denatran que
a formação de motoristas quanto para a capacitação de profis-
tratam da educação são destinadas a orientar atividades na capa-
sionais de centros de formação de condutores, capacitação de
citação de profissionais de Centros de Formação de Condutores
agentes de trânsito, campanhas publicitárias e formação escolar
no processo de habilitação de motoristas, no contexto escolar,
de crianças e adolescentes.
nas campanhas publicitárias e na formação de agentes de trânsito
Para que as ações de governo na gestão do trânsito se- (Figura 2). Essas atividades são abordadas nesta seção e são fre-
jam efetivas, o CTB cuidou em destinar os recursos arrecadados quentemente realizadas por instituições credenciadas nos Detrans,
com a cobrança das multas de trânsito para as áreas de educa- como Centros de Formação de Condutores, órgãos e entidades
ção de trânsito, sinalização, engenharia de tráfego, de campo, componentes do SNT, escolas públicas e privadas, em alguns ca-
policiamento e fiscalização, considerando-as estratégicas para a sos com assessoria de profissionais autônomos. Dessa maneira, a
segurança e qualidade de vida. A destinação da receita arrecada- psicóloga e o psicólogo poderão se beneficiar dos conhecimentos
da com cobrança de multas está disciplinada pelo artigo 320 do expostos nesta seção, seja como gestores/as ou consultores/as.
CTB, pela Resolução nº 736/2018 do Contran e pela Portaria nº
149/2018 do Denatran.
Educação para o trânsito no processo de habilitação
À psicóloga e ao psicólogo interessados em ir além para
pesquisar sobre essas e outras legislações de trânsito, recomen- de motoristas
damos acessar o site do Denatran <www.denatran.gov.br> e cli-
car nos links que são atualizados constantemente: Deliberações,
A Resolução Contran nº 168/2004 estabelece a estrutura
Portarias e Resoluções.
curricular básica para o curso teórico no processo de formação
de motoristas, reciclagem de motoristas infratores, transporte
coletivo de passageiros e transporte escolar, sendo os operadores
dessa atividade os Centros de Formação de Condutores creden-
ciados pelos Detrans.
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 130 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 131
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
trutor de trânsito, por sua vez, é necessário realizar curso de capa-
citação cujo currículo abarque a disciplina Noções de Psicologia da
Educação, com carga horária equivalente a aproximadamente 10%
do total do curso. Veja, também na Tabela 10, um sumário dos con-
teúdos sobre bases psicológicas da aprendizagem na capacitação de
instrutores de trânsito e suas cargas horárias (da disciplina e total
do curso).
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 134 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 135
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
promoção da PNT no que se refere à execução de ações e cursos Tabela 10 – Conteúdos sobre relacionamento interpessoal e
voltados ao exercício da cidadania, à mobilidade e à segurança sobre as bases psicológicas da aprendizagem por curso e suas
no trânsito. Dentre as competências da Escola Pública de Trân- cargas horárias
sito destaca-se a possibilidade de parcerias com outros órgãos, Cursos Conteúdo sobre relacio- Carga Carga
entidades, instituições e segmentos organizados da sociedade previstos namento interpessoal horária da horária
pela disciplina total do
para a execução dos cursos, garantindo recursos financeiros para Resolução curso
realização das atividades. Contran nº
168/2004
– Comportamento solidá-
rio no trânsito;
Educação para o trânsito na capacitação de agentes
– O indivíduo, o grupo e a
de trânsito sociedade;
– Responsabilidade do
Reciclagem condutor em relação aos
Somente em 2017, através da Portaria nº 94, o Denatran 6 horas/ 30 horas/
para conduto- demais atores do processo
aula aula
instituiu o curso de agente de trânsito, destinado a profissionais res infratores de circulação;
que executam atividades de fiscalização, operação, policiamento – Respeito às normas es-
ostensivo de trânsito ou patrulhamento nos órgãos integrantes tabelecidas para segurança
do Sistema Nacional de Trânsito. O curso pode ser oferecido no trânsito;
por instituições privadas, com carga horária mínima de duzentas – Papel dos agentes de fis-
horas-aula, com destaque para os módulos Ética e cidadania (8 calização de trânsito.
h/a), Psicologia aplicada (12 h/a) e O papel educador do agente
(8 h/a).
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 136 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 137
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
– Aspectos do comporta- – Aspectos do comporta-
mento e de segurança no mento e de segurança no
transporte de passageiros; transporte de escolares;
– Responsabilidade do – Responsabilidade do
condutor em relação aos condutor em relação aos
demais atores do processo demais atores do processo
de circulação; de circulação;
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 138 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 139
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
– Aspectos do comporta- – Atualização dos conheci-
mento e de segurança na mentos desenvolvidos no
condução de veículos de Atualização curso;
emergência;
Transporte – Retomada de conceitos;
– Comportamento solidá- 5 horas/ 16 horas/
coletivo de – Relacionamento da teoria
rio no trânsito; aula aula
passageiros e da prática;
– Responsabilidade do
condutor em relação aos – Principais dificuldades
demais atores do processo vivenciadas e alternativas
de circulação; de solução.
– Atualização dos conheci-
– Respeito às normas es- mentos desenvolvidos no
tabelecidas para segurança curso;
no trânsito;
Atualização – Retomada de conceitos;
– Papel dos agentes de fis- 5 horas/ 16 horas/
Veículo de 15 horas/ 50 horas/ Transporte – Relação da teoria e da
calização de trânsito; aula aula
emergência aula aula escolar prática;
– Atendimento às diferen-
ças e especificidades dos – Principais dificuldades
usuários (pessoas portado- vivenciadas e alternativas
ras de necessidades espe- de solução.
ciais, faixas etárias /outras – Atualização dos conheci-
condições); mentos desenvolvidos no
curso;
– Características dos usuá- Atualização
rios de veículos de emer- – Retomada de conceitos;
veículo de 5 horas/ 16 horas/
gência; emergência – Relacionamento da teoria aula aula
– Cuidados especiais e e da prática;
atenção que devem ser dis-
– Principais dificuldades
pensados aos passageiros e
vivenciadas e alternativas
aos outros atores do trânsi-
de solução.
to, na condução de veícu-
los de emergência
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 140 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 141
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
Cursos pre-
vistos pela
Conteúdo sobre bases Carga Carga ho-
psicológicas da aprendi- horária da rária total
Como são financiadas as ações em educação para o
Resolução zagem disciplina do curso trânsito?
Contran
nº 358/2010
Conceitos básicos
Toda receita arrecadada com a cobrança das multas de
– principais teorias e suas
trânsito deve ser destinada a atender exclusivamente as despe-
contribuições;
sas públicas com sinalização, engenharia de tráfego e de campo,
– processo de aprendiza- policiamento, fiscalização e educação de trânsito. A Resolução
gem do jovem e do adulto;
Contran nº 638/2016 disciplina a matéria e compreende, no ar-
– relações da Psicologia e a tigo 11, que:
prática pedagógica.
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 142 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 143
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
uma trajetória ainda para ser percorrida nesse importante pilar A formação sistemática em Psicologia do Trânsito na gra-
do trânsito em que a Psicologia importa, conforme identificamos duação precisa ser impulsionada. Apenas em algumas poucas
nos conteúdos dos cursos (Tabela 10). Na próxima seção abor- instituições oferecem a disciplina Psicologia do trânsito ou dis-
daremos as possibilidades de atividades docentes. ciplinas que contemplam discussões sobre mobilidade humana,
trânsito e transporte. Nesse sentido, mister se faz destacar algu-
mas iniciativas conduzidas por docentes e alunos de graduação
3.3 - Atividades docentes e de pós-graduação no território brasileiro. Podem ser listadas,
como exemplos, a Universidade de Brasília (UnB), a Univer-
sidade Federal do Paraná (UFPR), a Universidade Federal do
A docência se apresenta como um importante fazer da Maranhão (UFMA), a Universidade Federal de Santa Catarina
psicóloga e do psicólogo do trânsito, mais especificamente no (UFSC) e Universidade de São Paulo (USP). Essas instituições
ensino superior, na pós-graduação ou nas capacitações. É nesses possuem projetos de pesquisa permanentes, seja na interface
espaços que ocorrem a formação e a qualificação do (futuro) com a Psicologia Ambiental, com Psicologia Social, com a Edu-
profissional na seara da mobilidade humana. A pesquisa do Cre- cação, com a Psicologia Geral, com a Psicofísica, com a Psico-
pop (CFP, 2010) evidenciou que apenas 13,7% dos respondentes logia do trabalho e ergonomia. Existem outras que aprofundam
realizavam atividades docentes, dentre elas, por meio de: pales- seu campo de pesquisa na padronização de testes psicológicos
tras e seminários (36,8%), aula e/ou supervisão de estagiários para a realidade brasileira – é o caso da Universidade São Fran-
(18,4%), aula/curso de pós-graduação lato sensu (especializa- cisco (USF) – e na avaliação psicológica e Psicologia Ambiental,
ção, 15,8%), aula no ensino médio (10,5%), aula para estagiá- como a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
rios de outras disciplinas (10,5%) e aula/curso de pós-graduação
Geralmente, para uma parcela dos graduandos o contato
stricto sensu (mestrado e/ou doutorado, 7,9%). Parece haver,
inicial com a área é feito a partir de disciplinas como Introdução
portanto, um campo a ser explorado, porém que exige elevado
à Psicologia ou Psicologia, ciência e profissão, para que conhe-
grau de formação que requer, dentre outras coisas, interesse e/
çam as várias áreas da nossa profissão por meio de entrevistas de
ou vocação. Nesta seção abordaremos a docência na graduação,
campo, nas quais perguntam, por exemplo, o que é a área e qual
na pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado), assim
o papel do psicólogo. Isso é muito bom, mas é preciso fazer mais
como alguns temas de ensino/pesquisa e desafios na pesquisa
para cativar os alunos. Quanto aos estágios supervisionados em
acadêmica. Finalizaremos com uma amostra de livros e mate-
Psicologia do trânsito, nossa percepção é que a quantidade de es-
riais em português que podem ser usados com a finalidade de
tagiários é muito baixa, se comparada a outras áreas tradicionais
montar disciplinas e cursos.
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 144 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 145
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
da Psicologia, mesmo que nossa área possua longas raízes (veja tornam o profissional mais preparado para construir suas respos-
Eixo 2). Muitos futuros psicólogos e psicólogas não escolhem tas (políticas, teorias específicas da área, métodos de pesquisa),
essa área para trabalhar ou pesquisar, afinal, não se pode querer concentrando disciplinas no processo de avaliação psicológica,
o que não se conhece. Contudo, há muito que fazer e criar para especialmente na testagem (aprendendo vários testes, não raro
incentivar as/os alunas/os; poderemos nos surpreender com o sem a compreensão do porquê de avaliar determinado processo
quanto isso pode ajudar a oferecer bases para que um conjun- psicológico; veja a psicogênese do comportamento no trânsito
to maior de profissionais se interesse verdadeiramente pela área neste Eixo 3). Não se pode perder de vista a formação gene-
de mobilidade humana e trânsito. Veja, por exemplo, Alchieri, ralista do especialista; afinal, a psicóloga e o psicólogo serão
Silva e Gomes (2006), que compartilharam uma experiência de especialistas em Psicologia do trânsito, e não em avaliação psi-
estágio em um Detran, incluindo o planejamento, as ações e os cológica, embora estes conhecimentos sejam muito importantes.
resultados obtidos. As especializações têm um grande papel, que não pode ser res-
No caso da pós-graduação lato sensu (especialização), as trito; portanto, devem focar em dar ferramentas a psicólogas e
oportunidades de formação ampliaram-se a partir de 2008, mas psicólogos para construir suas respostas, de modo a ajudá-los a
não por uma necessidade reconhecida pelos profissionais, e sim ampliar o campo profissional, que ainda está muito fechado ao
por uma obrigatoriedade do Contran, conforme já abordamos. mercado das clínicas.
A Resolução nº 267/2008 estabelecia que, a partir de 2013, só Quanto à pós-graduação stricto sensu (mestrado e dou-
poderiam realizar avaliação psicológica de motoristas os profis- torado), a quantidade de psicólogas e psicólogos interessados
sionais com o título de especialista na área. Isso repercutiu na é muito baixa, infelizmente – embora o Brasil tenha boas ins-
ampliação do mercado profissional para os docentes de Psicolo- tituições e pesquisadores capazes de oferecer uma formação de
gia do trânsito. Contudo, na falta de profissionais com elevada qualidade aos interessados, desde a perspectiva da Psicologia
formação e com esse perfil para ensinar, psicólogas e psicólogos Ambiental, passando pela Psicologia Social, Experimental até a
de áreas afins encontraram à época um vasto campo de trabalho. avaliação psicológica. De fato, é durante esta formação que as
Atualmente esse mercado de especializações diminuiu a oferta, pesquisas atuais têm sido produzidas. A psicóloga e o psicólogo
mas ainda existe, agora mais ajustado às demandas de novos do trânsito interessados na docência devem seguir esse percurso
interessados, em vez da demanda reprimida de outrora por conta a fim de formar outros futuros bons colegas.
da referida obrigatoriedade. Quanto a pesquisas, estágios e projetos de extensão, é pos-
Algumas especializações em Psicologia do trânsito não sível encontrar trabalhos de graduação (projetos de extensão e
contemplam discussões importantes da área ou atividades que iniciação científica, além de trabalhos de conclusão de curso),
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 146 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 147
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
de mestrado e doutorado relacionados aos seguintes temas: ins- quanto de fora dela. Isso é importante porque, como temos dis-
trumental da avaliação psicológica; inclusão de educação no cutido, a mobilidade humana e o trânsito são tópicos interdisci-
trânsito nas escolas; álcool e direção automobilística; saúde do plinares. A este respeito, reforçamos que o extenso material re-
motorista de transporte coletivo; representações sociais sobre o ferenciado ao longo dos Eixos deste documento é um rico ponto
automóvel e estereótipos de gênero na direção; desengajamento de partida. Uma vez que foram aqui compilados em função dos
moral; hábito de dirigir; escolha do modo de transporte; tecno- nossos objetivos, eles podem ser objetos de leitura sistemática
logias e educação para o trânsito; acessibilidade; mobilidade de posteriormente em cursos, disciplinas, grupo de estudo, assim
pedestres e ciclistas; epidemiologia dos acidentes de trânsito e como em projetos de pesquisa e de extensão na comunidade.
relatos de intervenções. Além do clássico livro do professor Reinier Rozestranten,
Um desafio que se coloca para a academia no que tange às Psicologia do Trânsito: conceitos e processos básicos (1988), desta-
teorias da Psicologia e à própria Psicologia do trânsito, de for- camos obras brasileiras organizadas por acadêmicos e que discutem
ma abrangente e interseccional, é pensar possíveis articulações no o comportamento de pedestres, motoristas, testes psicológicos, edu-
debate acerca da mobilidade humana com os direitos humanos, cação infantil etc.: Psicopedagogia do Trânsito (ROZESTRATEN,
políticas públicas, educação para o trânsito e com o sistema de 2004), livro que aborda princípios psicopedagógicos da educação
transporte, pensando ainda na segurança pública articulada com a transversal e é voltado para professores do ensino fundamental; Com-
saúde mental. Outro desafio é melhorar não só a quantidade, mas portamento humano de trânsito (HOFFMANN; CRUZ; ALCHIE-
a qualidade das pesquisas, especialmente seus delineamentos. No RI, 2003). Mais quatro livros foram lançados depois de 2010; em
que se refere às psicólogas e aos psicólogos que já trabalham na 2012 foi organizado pelo professor Fábio de Cristo o livro Psicologia
área, por sua vez, especificamente na avaliação de motoristas, e trânsito: reflexões para pais, educadores e (futuros) condutores; em
muitos não se sentem qualificados para fazer pesquisa. Assim, em 2015, Pesquisas sobre comportamento no trânsito foi organizado por
geral, as psicólogas e os psicólogos do trânsito têm se dedicado Harmut Günther, Fábio de Cristo, Ingrid Neto e Zuleide Feitosa, tra-
muito mais à profissão do que à ciência que fundamenta sua práti- zendo uma série de capítulos com resultados de diversas teorias do
ca. Aquele interessado na docência deve associar e esse trabalho a campo da Psicologia relacionadas ao trânsito e ao transporte. A obra
pesquisas e/ou extensão, que são os motores do desenvolvimento Projetos de educação para o trânsito, financiada pela Coordenação
da ciência e motivadores para os alunos aprenderem fazendo. de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e publi-
A literatura nacional e internacional de livros e de ma- cada em 2016, foi organizada pela professora Alessandra Bianchi
teriais didáticos tem crescido, sendo fundamental conhecê-los (UFPR) e possui uma série de relatos de intervenção da Psicologia
para mostrar, por exemplo, a riqueza da área, tanto da Psicologia na área da Educação, abrangendo crianças e adolescentes e os níveis
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 148 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 149
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO
de ensino fundamental, médio e superior. Nessa obra, observa-se um Portal de Periódicos da Capes/MEC <http://www.periodicos.
esforço de profissionais de diversos campos do saber acadêmico na capes.gov.br/>. Existe também o Portal de Psicologia do Trân-
construção de alternativas de intervenção na área da Educação em sito <http://www.portalpsitran.com.br/>, que concentra diversas
conjunto com a Psicologia, tais como Letras, História, Direito, Peda- informações, eventos e referências (artigos, relatórios técnicos,
gogia, Química, entre outros. dissertações de mestrado, teses de doutorado) específicos sobre
No ano de 2017, o Manual de Psicologia do Trânsito, orga- mobilidade humana, trânsito e transporte. O Portal Psitran pos-
nizado por Roberto Cruz, Paulus Wit, Caroline de Souza, introdu- sui um grupo de discussão por e-mail, a Rede Latino-Americana
ziu uma série de discussões e projetos implementados por psicólo- de Psicologia do Trânsito – Relapsitran, do qual é possível fazer
gas e psicólogos do trânsito. Outro livro publicado no mesmo ano parte gratuitamente. O grupo tem o objetivo de trocar informa-
foi o primeiro volume de Psicologia no tráfego: questões e atua- ções diversas sobre a área na América Latina. Para finalizar,
lidade, uma produção da Associação Brasileira de Psicologia do acreditamos que, com todo o material apresentado nesta seção
Tráfego (Abrapsit). Deve ser lançado em breve o livro Psicologia e ao longo desta Referência, é possível o docente inspirar e des-
do trânsito e transporte: manual do especialista, sob organização pertar a vocação em muitos futuros psicólogos para trabalhar no
de Fábio de Cristo, colaborando com a prática da psicóloga e do trânsito, tão necessária para desenvolver a área, realimentando o
psicólogo em clínicas psicológicas, empresas dos setores público seu processo de expansão.
e privado, consultoria e academia. Em suma, esperamos que essas
leituras tragam à psicóloga e ao psicólogo do trânsito questões e
problematizações acerca dos desafios e oportunidades de inter-
venção que ainda temos pela frente.
O interessado ou atuante na docência poderá beneficiar-se,
ainda, de vasto e rico material didático e relatórios (em português
e em outros idiomas) no site da Organização Pan-Americana de
Saúde <https://www.paho.org/bra/>12. Destacamos ainda que
outros materiais, como artigos científicos, podem ser acessados
gratuitamente pelo SciELO <http://www.scielo.br/>, PePSIC,
site específico de Psicologia <http://pepsic.bvsalud.org/>, e pelo
12 O link direto para as publicações é: <https://www.paho.org/bra/index.
php?option=com_docman&view=list&layout=default&slug=acidentes-e-vio-
lencias-086&Itemid=965>.
REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 150 REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM 151
POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE HUMANA E TRÂNSITO