Вы находитесь на странице: 1из 21

Psicologia a Serviço da Libertação

Possibilidades e Limites da Psicologia


na Pastoral de Aconselham ento*

L o th a r C. Hoch

In tro d u ç ã o

A a titu d e da te o lo g ia em rela ção à p sico lo g ia tem se carac­


te riza d o pe la reserva, senão p e la suspeita. Isso se e v id e n c ia tanto
p or parte da te o lo g ia pro testa nte e u ro p é ia (1) com o ta m b é m por
p arte da te o lo g ia la tin o -a m e ric a n a de lib e rta çã o .
Entre os teó log o s da lib e rta çã o , por razões óbvias e in te ira ­
m ente ju stifica d a s, a s o c io lo g ia é a c iê n cia m ais v a lo riz a d a com o
p arce ira da te o lo g ia . C onsiderações em torno do papel da p sicolo­
g ia p a ra a lib e rta ç ã o h u m a n a se constituem quase que n u m a e x ­
ceção. (2) Tanto m ais n o tó ria é a observação que G. G u tié rre z faz
no liv ro que se torno u p ro g ra m á tic o para a te o lo g ia la tin o - a m e ri­
cana. (3) Ele diz: "A s e xig ê n cia s da lib e rta ç ã o no p la n o c o le tiv o e

(* ) As con sid era ções a s e g u ir se b a seiam e m p a le stra p ro fe rid a p e lo a u to r, em 03-10-84,


na Faculdade de T e o lo g ia , em São Le opold o, RS.
(1) Cf. E. Thurneysen, d is c íp u lo e a m ig o de K. Barth, e a u to r de um dos clássicos da po i-
m ê n ica : D te L e h re v o n d e r S e e ls o rg e . 4a ed. Z u riq u e , 1976. M e sm o q u e e le a trib u a ò
p s ic o lo g ia um a fu n ç ã o a u x ilia r à te o lo g ia (p. 174), postula q u e q u a lq u e r com pree nsão
da pessoa h u m a n a q u e se a p ó ia na p s ic o lo g ia ou nas ciência s hu m ana s em g e ra l d e ve
ser s e ria m e n te q u e s tio n a d a , pois, s e g undo ele , "v e r d a d e iro co n h e cim e n to d o h o m em
só se a d q u ire a p a rtir da S agrada E scritura" (p. 56}.
(2) S eria a p ro p a g a ç ã o q u e a p s ic o lo g ia tem a lc a n ç a d o nos U.S. A. e o seu e m p re g o nem
s em pre insusp eito p a ra fin s ig u a lm e n te du vid osos um dos m otivos dessa reserva? Se­
ria m as características in d iv id u a lis ta s da a n tro p o lo g ia que n o rte ia m uitas das escolas
p sicológicas? V a le ria a pe na re a liz a r um estu do m ais a p ro fu n d a d o das razões da pos­
tura crítica da Tl fre n te à p s ic o lo g ia . Em alg u n s círculos, p s ic o lo g ia chega a ser s in ô n i­
m o de s afa deza ou de a rtifíc io p a ra a o b te n ç ã o de o b je tiv o s espúrios.
(3) T e o lo g ia da L ib e rta ç ã o . P ersp ectivas. 3 a ed. P etrópolis, 1979.
250

histórico nem sem pre in c lu e m na fo rm a d e v id a à (sic!) lib e rta çã o


psicológica . Esta acrescenta dim ensões que não existem ou n ão es­
tão s u fic ie n te m e n te in te g ra d a s na p rim e ira ” . (4)
A pesar desse a le rta in ic ia l, a p e rg u n ta p e lo papel da psico­
lo g ia na a rtic u la ç ã o d u m a te o lo g ia v o lta d a para o to d o da re a lid a ­
de h um an a não chegou a se firm a r com o tem a na a g e n d a de d e ­
bates da TL.
Entendo, não obstante, que o au to- co n h e cim e n to da pes­
soa h um an a, suas m otivações e suas "ra z õ e s ” m ais p ro fu n d a s p re ­
cisa fa ze r p arte das preocupações d um a te o lo g ia q ue ace n tu a a
h isto ricid a d e e a fa lib ilid a d e de tod a a a ção hu m a n a . A p sicologia
pode a ju d a r ao te ó lo g o e ao não- te ó lo g o a re fle tir c ritica m e n te e
a se conscientizar das suas lim ita çõ e s e necessidades bem com o
dos co n d ic io n a m e n to s psicológicos que o escravizam . N ão
co nsiderá-lo s é e n gan ar-se a si m esm o. A te o lo g ia não pode ser
cú m p lic e dum a fu g a do te ó lo g o de um c o n fro n to consigo mesmo.
A in ca rn a çã o de Cristo não se d eu apenas para d e n tro de c o n te x­
tos sofridos da s o cie da d e ; e la se deu ta m b é m para d e n tro das pro­
fu n d eza s m ais escuras da nossa in d iv id u a lid a d e .
E ve rd a d e que sem lib e rta ç ã o social não há lib e rta çã o in d i­
v id u a l. Isso, no e n ta n to , n ã o nos a u to riz a a e n te d e r que lib e rta ç ã o
social leve a u to m a tic a m e n te à lib e rta çã o in d iv id u a l. A p rim e ira
tem q u e ser buscada com p rio rid a d e sem q ue a ú ltim a seja s a c rifi­
cada.
E na m e d id a em que a psico lo g ia , desde que não esteja a
serviço de o b je tiv o s intim istas ou in d iv id u a lis ta s , possa c o n trib u ir
para a construção de um a sociedade e de um ser h um ano m ais li­
bertados, por que não usá-la?

A dim e n sã o psicoló gica e a d im e n sã o so cio ló g ica do ser hu­


m ano estão in te r-re la c io n a d a s . N ão há razão para se le v a r em
co nsideraçã o apenas um a delas e ig n o ra r a outra. Am bas, ta n to a
p sico lo g ia com o a s o c io lo g ia , precisam conquista r a sua instru­
m ental idade para o fa ze r te o ló g ic o na m e d id a em que elas se a li­
n ham na p erspectiva da lib e rta ç ã o a m p la da pessoa e da so cie d a ­
de. Assim com o nen hu m a delas tem essa fu n ç ã o a p rio ri, a n e n h u ­
ma d elas deve ser ve d a d a a o p o rtu n id a d e de d e m o n stra r a sua
co m p etê ncia .

(4) op . c it., p. 38.


251

A se g u ir ten tarem o s e x e rc ita r um a possível c o n trib u iç ã o da


p sic o lo g ia , e s p e c ia lm e n te da p s ico lo g ia pastoral, para d e n tro d u ­
ma á rea im p o rta n te da p rá tica pasto ra l: o a c o n se lh a m e n to de pes­
soas em situ açã o de crise e so frim e n to .

1 — C o n c e itu a ç ã o

Na a b o rd a g e m da questão psico ló g ica é e m p re g a d a uma


te rm in o lo g ia tã o vasta e d ife re n c ia d a que se to rn a necessário, ao
m enos p re lim in a rm e n te , fa z e r alg un s e sclarecim ento s conceituais.
O que é p sicolo gia ? S egundo a d e fin iç ã o clássica, p sico lo ­
g ia é " a c iê n cia dos fe n ô m e n o s psíquicos e do c o m p o rta m e n to ”
(D ic io n á rio A u ré lio ). A p s ic o lo g ia assim d e fin id a se e n te n d e com o
um a c iê n c ia e m p íric a . Isto é, e la não p re te n d e p a g a r trib u to à f ilo ­
so fia ou à m etafísica. "S u a a m b iç ã o se lim ita a a p resenta r um
q u a d ro tã o conciso q u a n to possível dos co m p o rta m e n to s c o m p le ­
xos... e de seu tra ta m e n to c ie n tífic o " (5)
Esse c a rá ter e strita m e n te c ie n tífic o e de n e u tra lid a d e da psi­
co lo g ia d ia n te da m etafísica tem sido e n fa tiz a d o até m esm o pela
psico lo g ia da re lig iã o . Esta, que p o d e ria ser considerad a um a p ar­
ceira a ch e g a d a d e d iá lo g o com a te o lo g ia , ig u a lm e n te se lim ita a
observar, descrever e a n a lis a r as m anifestaçõe s religiosas com o
obje to s e conteúd os da consciência e do c o m p o rta m e n to h u m a ­
nos. Deus não p ertence ao cam po de interesse do psicólogo. Deus
só e ntra em co n sid e ra çã o na sua pesquisa na m e d id a em q ue a
pessoa h um an a se re la c io n a com e le a través das suas ações. (6)
T odavia, esta postura clássica, d e sco m p ro m e tid a com v a lo ­
res de o rd e m e s p iritu a l a tran scen de n te, não está m ais se m a n te n ­
do com o lin h a única e exclusiva no tra to da questão psico ló g ica do
ser hu m a no . Escola psicológicas com o a da a n á lise e xiste n cia l,
ta m b é m cha m a da de lo g o te ra p ia (rep re sentad a por V ik to r Frankl),
não apenas a m p lia m a questão p sicoló g ica para d e n tro da ques­
tão e s p iritu a l ou tra n sce n d e n ta l, com o fa zem desta o ponto central
de to d o o seu m éto do te ra p ê u tic o . Isto acontece na m e d id a em
que colocam a questão da busca por se ntido de vida com o a per­

(5) Paul N ayrac. M a n u a l de P sico lo g ia . São Paulo, 19,67, p. 10; cf. ta m b é m p .20. V eja
ig u a lm e n te S argent & S ta ffo rd . E n sin a m e n to s bá sico s dos g ra n d e s psicó lo g o s. Porto
A le g re , 1974, p. 11.
(6) Cf. A n to in e V e rg o te . R e lig io n s p s y c h o lo g ie . O lte n e Freiburgo, 1970, p. 12 e 16.
252

gunta central da pessoa h u m a n a , e strib a d a n um a a n tro p o lo g ia


que caracteriza o ser h u m a n o com o um ser essencialm en te o rie n ­
tado para o d iv in o . (7)
Na v e rd a d e , o quê está se v e rific a n d o é um fra c c io n a m e n to
crescente da p s ic o lo g ia em escolas p sico terapê uticas as m ais d i­
versas, cada um a com prem issas, m étodos e o b je tivo s d ife re n te s.
As escolas que m ais têm e n co n tra d o ressonância nos m eios e c le ­
siásticos e p o im ê n ico s são a psicanálise de C.G. Jung, a te ra p ia
centra da no p a c ie n te de C. Rogers e, m ais re ce n te m e n te , a já
m e n cio n a d a lo g o te ra p ia de V. Frankl. A o la d o dessas, existem ou­
tras escolas p sicote ra pê u ticas de g ra n d e in flu ê n c ia , tais com o, a
p sico lo g ia do c o m p o rta m e n to ou b e h a v io rism o de B.F. S kinner, a
psico lo g ia g e stá ltica de F. Perls e a te ra p ia g ru p a i de K. Lewin e J.
L. M o re n o . (8)
A o la d o da p s ic o lo g ia c ie n tífic a , existe a in d a a p sico lo g ia
p o p u la r de n atureza m a rca d a m e n te in tu itiv a . É a a p tid ã o da pes­
soa da rua em observar e co m p re e n d e r c o m portam ento s h u m a ­
nos, baseada g e ra lm e n te na e x p e riê n c ia de vid a e na s e n s ib ilid a ­
de pessoal. E a p s ic o lo g ia do c o tid ia n o que todo o pai e toda a
m ãe, consciente ou in co n scie n te m e n te , e m p re g a na e ducaçã o dos
filh o s ; é a p s ic o lo g ia q u e o v e n d e d o r a m b u la n te , o pastor e todo
a q u e le que lid a com pessoas e m p re g a na sua c o n v iv ê n c ia d iá ria ,
in d e p e n d e n te m e n te do seu grau de cultura. Tam bém essa psicolo­
g ia e a m a n e ira com o e la se a rtic u la m erece ser con h e cid a pelo
pastor ou p e lo a g e n te pastoral que tra b a lh a com o povo, seja no
a co n se lh a m e n to in d iv id u a l, seja na a tiv id a d e g ru p a i e co m u n itá ­
ria.
Para os o b je tivo s da nossa a p re cia çã o esse breve a p a n h a d o
é su fic ie n te para m ostrar q u e , a rig o r, não é possível se fa la r do
pap el da p s ic o lo g ia para a pastoral de a c o n se lh a m e n to , pois, co­
mo vim os, a p sico lo g ia não existe com o um a ciê n cia unívoca. O

(7) Cf. D ie te r Wyss. D ie tie fe n p s y c h o lo g is c h e n S chulen v o n d e n A n fä n g e n b is z u r G eg en*


w a rt. G ö ttin g e n , 1977, e s p e c ia lm e n te p. 276ss; V ik to r E. Frankl. P s ic o te ra p ia e S e n tid o
da V id a . E ditora Q u a d ra n te , s /d .
(8) Cf. P ra k tis c h e s W ö rte rb u c h d e r P a s to ra la n th ro p o lo g ie . V ie n a /G ö ttin g e n , 1975, col.
885ss; W e rn e r Jentsch. D e r S e e ls o rg e r, M o ers. 1982, p. 124ss e 190s. Cf. ta m b é m G e ­
ra ld C orey. Técnicas d e A c o n s e lh a m e n to e P s ic o te ra p ia . Rio, 1983, q u e o fe re c e um a
e x c e le n te visão g e ra l sobre as d ife re n te s escolas psico te /a p ê u tica s. A re sp e ito d a con­
tro vérsia, p a ra nã o d iz e r con fusão , re in a n te na p s ic o lo g ia e, e s p e c ia lm e n te , na p sico ­
lo g ia social c o n te m p o râ n e a , cf. A ro ld o R odrigues. Estudos em P sico lo g ia S ocial. Pe-
tró p o lis , 1979, P. 15-29.
253

que existe são escolas psicológica s e psicoterapê uticas com as


m ais d ife re n te s características. Para sermos exatos, d e ve ría m o s fa ­
la r apenas das p ossib ilid a d e s e dos lim ite s de um a d e te rm in a d a
escola p socológ ica para a pastoral da saúde. A fim de d irim ir d ú v i­
das, pois, é necessário esclarecer q ue o te rm o "p s ic o lo g ia ” é aq u i
e m p re g a d o num se n tid o a m p lo , com o um c o n ce ito q ue e n g lo b a
todas as d ife re n te s lin h a s e escolas de pesquisa q ue visam estudar
e in flu e n c ia r a pessoa h u m a na a p a rtir da perspectiva psíquica.
D evido a esse q u a d ro c on ce itua i um ta n to confuso, nada
mais o p o rtu n o do que o su rg im e n to de um a d is c ip lin a p ró p ria que,
com prem issas te o ló gica s, se acerca da p e rg u n ta p e la re la çã o e n ­
tre p s ic o lo g ia e te o lo g ia . Trata-se da p s ic o lo g ia p a s to ra l.
A p s ico lo g ia pastoral p re te n d e ser um a su b -d iscip lin a da
te o lo g ia pasto ra l. Ela resultou do d iá lo g o e da co o p e ra çã o entre
m édicos e pastores. Por ser um a d is c ip lin a nova, suas a trib u içõ e s e
seu cam po de co m p e tê n cia a in d a não estão c la ra m e n te d e fin id o s .
(9) C laro está que e la p re te n d e a p lic a r co n h e cim e n to s e recursos
da p s ico lo g ia a pratica pastoral, seja no cam po d o a c o n s e lh a m e n ­
to, seja no da educação cristã e u ltim a m e n te ta m b é m na área da
p e d a g o g ia de gru p o . (10)
S. H iltn e r, um dos expo en te s da p sico lo g ia pastoral nos
USA, a trib u i à p s ico lo g ia pastoral um a característica b ip o la r, na
m e dida em que ela é ao m esm o te m po de natureza p sicológica e
te o ló g ic a e de cunho s im u lta n e a m e n te te ó ric o e p rá tico . (11)
E certo que a in d a restam ser esclarecidas m uitas perguntas
sobre a m a n e ira de tra b a lh a r da p s ico lo g ia pastoral. Um a dessas
perguntas consiste em en co n tra r um a fo rm a de concretizar a bipo-
la rid a d e , da q u a l fa la H iltn e r, de m odo a q ue a d im e n sã o te o ló g i­
ca não ve n h a a ser sa crifica d a . Em tod o o caso, considero im p o r­
tan te que se te nh a e n c o n tra d o um canal de d iá lo g o e n tre te o lo g ia
e p s ico lo g ia e que passos estão sendo dados, de la d o a lado, no
sentid o de su p e ra r a n tig o s preconceito s entre am bas.

(9) Cf. P ra k tis c h e s W ö rte rb u c h d e r P a s to ra la n th o ro p o lo g ie , col. 814 ss.


(10) Richard Riess. S ee lso rg e . G ö ttin g e n , 1973, p. 63, nota 103. D ietrich S to llb e rg e n te n d e
a p s ic o lo g ia pa storal não ap enas com o um a d is c ip lin a a u x ilia r no a co n se lh a m e n to
pa stora l, mas de tod a a prá tic a d a Ig re ja . Ela presta serviços a o co n h e c im e n to te o ló g i­
co, ao c o n h e c im e n to da pessoa h u m ana e a o a u to -c o n h e c im e n to . Riess, op. cit. p.
65s.
(11) Riess. op. cit. p. 63s.
254

2 — A lg u m a s c o n sid e ra çõ e s h is tó ric a s s o b re a re la ç ã o e n tre p s i­


c o lo g ia e te o lo g ia

A re la ç ã o entre a p s ic o lo g ia e a te o lo g ia tem passado por


etapas as m ais diversas atravé s dos séculos. Nas sociedades p rim i­
tivas, a cura, não im p o rta se psíquica ou física, era um a fu n çã o
e m in e n te m e n te e e x c lu s iv a m e n te re lig io s a . Isso p o rq u e se e n te n ­
d ia a doença com o sendo o riu n d a da ação de poderes so b re n a tu ­
rais. Assim sendo, cabia a o sacerdote ou ao xa m ã , o representa nte
da d iv in d a d e que tinh a acesso aos seus m istérios e poderes sobre­
naturais, a fu n ç ã o de c o n d u zir o ritu a l a d e q u a d o para con se g u ir a
b e n e v o lê n c ia da d iv in d a d e no sentido de d ire c io n a r seus poderes
de cura para a pessoa d o e n te . A lé m disso, ele possuía o co n h e c i­
m en to das forças da d iv in d a d e existentes na natureza de m o d o a
p o d e r in d ic a r o tip o de p lan tas ou m esm o a n im a is q u e p o d ia m ser
e m p re g a d o s na cura. (12)
Esse u nive rso de id é ias re pe rcu tiu para d e n tro do testem u­
nho b íb lico . Na m e d id a em que a visão do m undo da b íb lia é pré-
c ie n tífic a , é n a tu ra l que ta m b é m a q u i se tenha conservado um a li­
gaçã o intrínseca e n tre re lig iã o e cura. A o g u ia e s p iritu a l, fosse e le
sacerdote ou p ro fe ta , fre q u e n te m e n te cabia ta n to a fu n ç ã o de in ­
te rp re ta r a v o n ta d e d iv in a , com o a de in te rm e d ia r a cura d iv in a (p.
ex. 2 Reis 4.32ss e 20. lss).
No A n tig o Testam ento é Javé quem opera a cura (Salmo
103.3). Tanto é que não existe um a clara e v id ê n c ia de que houves­
se m édicos em Israel. (13) No N ovo Testam ento Jesus ig u a lm e n te
in co rp ora em sua pessoa a fu n ç ã o de sacerdote, p ro fe ta e m édico.
(14) O seu poder de cura se estende ta m b é m aos seus discípulos
(Mc 16.17s).
Com o a d v e n to do p en sa m e n to c ie n tífic o e da descoberta
das causas b io ló g ica s e naturais da doe nça , tam bém a cura tende
a ser d e svin cu la d a da in flu ê n c ia de poderes sobrenatu rais, e, por
conseg u in te da esfera de ação d o sacerdote. As doenças físicas e
psíquicas passam de fo rm a crescente, a ser da co m p e tê n cia secu­
lar do m édico. A o sacerdote fic a reservada a tarefa de m in istra r à

(12) Cf. G. van d e r L e e u w .P h ä n o m e n o lo g ie d e r R e lig io n . 3 a ed. T ü b in g e n , 1970, p. 237ss.


e A d o lf A llw o h n . E v a ng elische P a s to ra lm e d iz in . S tuttgart, 1970, p. 21.
(13) Cf. H.W . W o lff. A n th ro p o lo g ie des A lte n T e sta m e n ts. M ü n ch e n , 1973, p. 21 lss. A.
A llw o h n op. cit. p. 24ss. Q ua nto à fu n ç ã o do ro p ä , cf. ig u a lm e n te W o lff, ib id .
(14) A llw o h n , op. c it., p.31ss.
255

" a lm a ” , co nsiderad a com o um a esfera a c ie n tífic a e a te m p o ra l do


ser hum ano.
Esta d ic o to m ia entre corpo e a lm a co n trib u iu d e cisiva m e n te
para a separação e n tre a fu n ç ã o secular do m édico e, m ais ta rd e ,
da do p sicó lo go e a fu n ç ã o re lig io s a do "c u ra d 'a lm a s " A q u ilo que
nas sociedades p rim itiv a s era um a u n id a d e , passou a se co n stitu ir
num a d u a lid a d e . Com isso a separação e n tre a m e d ic in a / p sicolo­
gia, de um lad o, e te o lo g ia / a c o n s e lh a m e n to pastoral, de outro
la d o , era in e v itá v e l. O s u rg im e n to da psicanálise e a crítica de
Freud a re lig iã o com o m a n ife sta çã o p a to ló g ica de um ser hum ano
d e p e n d e n te fez com que essa re la çã o se deteriorasse m ais a in d a .
(15)
N o te rre n o p rá tico a re la ç ã o e ntre p o im ê n ic a e p sico lo g ia
tem e fe tiv a m e n te desde e n tã o sido m arcada, em traços gerais, por
um a a titu d e de suspeita recíproca. Do lado da psico lo g ia , a in d a
que o q u a d ro se a lte re de aco rd o com a época e o lu g a r, se trans­
m ite a im pressão de que, q u a n d o o pastor se p ro p õ e a tratar pro­
blem as de natureza psíquica, e le está a v a n ça n d o em te rre n o
a lh e io , em á rea que não é da sua co m p e tê n cia . A lg u n s psicólogos
d esa u to riza m o pastor a se e n v o lv e r com p ro b le m a s psicológicos,
porq ue a sua in te rv e n ç ã o d ific u lta a re cu p e ra çã o de pessoas.
A q u i no Brasil, não por ú ltim o d e v id o à posição te o ló g ic a
d ic o tô m ic a assum ida p e la p ró p ria Igreja através da história, esta
a titu d e de d esco nfia nça, e até de desprezo, em re la çã o à ta re fa
do a co n se lh a m e n to pastoral tem sido se ntida de fo rm a especial
em clínicas psico terap ê utica s e hospitais, onde a co n vivê n cia de
m édicos / psicólogos e pastores é in e v itá v e l. Há o breiros que se
sentem inseguros e d e sco n fo rtá ve is q u a n d o são surp re e n d id o s
ju n to a o le ito de um p a cie n te po r um m é d ico ou p sicoterape uta.
Sentem -se com o se estivessem a tra p a lh a n d o .
N ão nos cabe a n a lis a r aqui até que ponto esta sensação de
inseguran ça é causada por um a a titu d e e fe tiv a de a rro g â n cia e de
desco n fia n ça por parte de alg un s m édicos e psicólogos, ou se ela
tem o rig e m num c o m p le x o de in fe rio rid a d e de parte do pastor.
C om o o breiros da IECLB, d evem os recon hece r que a nossa fo rm a ­
ção é d e fic ie n te na á re a da p s ic o lo g ia pastoral e q ue este fa to co n ­

(15) S. Freud. D ie Z u k u n ft e in e r Illu s io n . S tudie nau sgabe , v. IX, Frankfu rt, 1974, p. 135ss.
Sobre o assu nto, cf. J. S ch a rfe n b e rg . S ig m u n d F re u d u n d s e in e R e lig io n s k ritik als H e ­
ra u s fo rd e ru n g fü r d e n c h ris tlic h e n G la u b e n . 3° ed. G ö ttin g e n , 1971.
256

trib u i para a nossa inseguran ça d ia n te de pro fissio n a is da classe


m é d ico -p sico te ra p ê u tica .
No reverso dessa m e d a lh a , encontram os ig u a lm e n te entre
os te ó lo g o s posições pouco am istosas em re la çã o à p sicologia .
Parte dessas ressalvas têm a sua o rig e m na te o lo g ia d ia lé tic a (16)
que in flu e n c io u se n sivelm en te o p en sa m e n to te o ló g ic o ta m b é m
na IECLB. Há um tem o r g e n e ra liz a d o da "p s ic o lo g iz a ç ã o ". N ão en­
contrei q u e m d e finisse e xa ta m e n te o que se e n te n d e p or isso. O
term o nem sequer existe na lín gu a portuguesa. P resum ivelm ente
se tenha em m ente o psicologism o. Psicologism o é a "te n d ê n c ia a
fa ze r pre va le ce r o p o nto de vista p sico ló g ico sobre o de outra c iê n ­
cia, num assunto de d o m ín io c o m u m " e a in d a " a d o u trin a que
c o n s id e ra to d o s os nossos c o n h e c im e n to s m e ro s fa to s
psic o ló g ic o s ". (17)
A meu ver, o que se tem e é que as verdades te o ló g ica s ve­
nham a ser re la tiv a d a s q u a n d o se re fle te sobre a p o ssib ilid a d e de
que fa to re s psicológico s possam ter c o n trib u íd o para alcançá-las.
No fu n d o , o receio do p sicolo g ism o possive lm ente resulta da cre n ­
ça de que os resultados da te o lo g ia sejam verdades "re v e la d a s ".
C om o ta l, elas não precisam prestar contas a n e nhu m a outra c iê n ­
cia.
Na m e d id a em q u e a p sico lo g ia , e s p e cia lm e n te a p sicolo­
g ia pastoral, é um instru m e n to que aguça a nossa percepção para
a re a lid a d e a n tro p o ló g ic a do nosso fa z e r te o ló g ic o , e la , de fa to ,
pode se to rn a r n um a am e aça . N ão à te o lo g ia que p re te n d e ser h o ­
nesta consigo m esm a. Mas a alguns te ó lo g o s que têm d ific u ld a d e
de se c o n fro n ta re m com a sua p ró p ria s u b je tiv id a d e e, por conse­
g u in te , com a re la tiv id a d e do seu saber.
Para c o m p le ta r o q u a d ro , é necessário d ize r que, ao lado
da m e ncion ad a riv a lid a d e entre psico lo g ia e te o lo g ia , se tem ob­
servado ta m b é m um a a titu d e de d iá lo g o e co o p e ra çã o e ntre a m ­
bas.
Já C. G. Jung, filh o de pastor e v a n g é lic o e um dos pais da
p s ic o lo g ia , escreveu um a rtig o sobre a re la çã o e n tre a psicanálise
e a p o im ê n ic a .(1 8 ) Para e le a a tiv id a d e p sico te ra p ê u tica e a p oi-

(16) Cf. A n to in e V e rg o te . R e lig io n s p s y c h o lo g ie . O lte n , 1970, q u e traz um cita d o de K.


Barth, no q u a l e le q u a lific a a p s ic o lo g ia da re lig iã o com "c iê n c ia da id o la tria " (p. 14).
(17) D ic io n á rio A u ré lio .
(18) P sychoanalyse un d S eelsorge, in: P s y c h o lo g ie und R e lig io n . S tudie nau sgabe , 2° ed .,
O lten , 1972, p. 155 ss.
257

m ênica não se e xc lu e m mas se c o m p le m e n ta m m u tu a m e n te . De


uma fo rm a um ta n to sim plista , e le fu n d a m e n ta isso com o a rg u ­
m ento de que d o psicoterape uta se espera a ju d a m édica, e n q u a n ­
to que do pastor ou do padre se espera a ju d a re lig io sa . M esm o as­
sim , Jung tem in s p ira d o te ó lo g o s e psicólogos na busca p o r um a
m a io r com pree nsã o e d iá lo g o m útuo.

Uma postura m ais to le ra n te se tem observado tam bém em


escolas psico terap ê u tica s mais recentes. A discusão in te rd is e ip Ii-
nar que se observa em to rn o da u n id a d e da pessoa h u m a n a em
s entido físico, psíquico, e sp iritu a l e social c o n trib u iu em m u ito pa­
ra q u e o d iá lo g o e n tre a te o lo g ia e as ciências sociais de m odo g e ­
ral te n ha sido in cre m e n ta d o .
A q u i no Brasil m erece ser m e n c io n a d o o C orpo de Psicólo­
gos e Psiquiatras Cristãos que, através de p u blicaçõ es e se m in á ­
rios, e stim u la o d iá lo g o e n tre a p s ico lo g ia e a pastoral de aconse­
lh am e n to .
A o lado de toda essa re fle x ã o a nível a ca d ê m ico , convém
não esquecerm os, se m an tém m u ito viva um a re la çã o e ntre psico­
lo g ia e re lig iã o a nível p o p u la r. O povo, e sp e cia lm e n te nos países
sub de se n vo lvid os e que a p re se n ta m um sincretism o acen tu a d o ,
com o é o caso do Brasil, jam a is a c o m p a n h o u a p o lê m ic a em torno
da distin çã o e ru d iz a d a e n tre p s ico lo g ia e re lig iã o . A nível p o p u la r
o cu ra n d e iro , o b enzed or, o m é d iu m espírita ou u m bandista sem ­
pre co nservaram um a a ura de p o d e r s im u lta n e a m e n te re lig io s o e
secular. A q u i não se d istin g u e en tre o m édico do corpo e o m édico
da a lm a , nem e n tre poderes naturais e so b re -n a tu ra is e, por co n ­
se gu inte , ta m b ém não se d is tin g u e entre c o n h e cim e n to p s ic o ló g i­
co e re lig io s o . Com o te ó log o s, isso nos dá a pensar.

A ntes de a van çarm os na a n á lis e do tem a, é necessário d i­


zer q u e fa la r das p o ssibilida d e s e dos lim ite s da p sico lo g ia s ig n ifi­
ca fa la r ig u a lm e n te das p o ssib ilid ad e s o dos lim ites do a co n se lh a ­
m ento pastoral. R econhecer os m éritos de um a d is c ip lin a não sig­
n ific a desprezar as q u a lid a d e s da outra. Assim com o não q u e re ­
mos e x a lta r e xce ssivam en te a psico lo g ia , ta m b é m não p re te n d e ­
mos e le v a r o a c o n s e lh a m e n to pastoral com o a fó rm u la ú ltim a para
fa z e r fre n te aos p ro b le m a s que a flin g e m as pessoas.
Tanto a p s ic o lo g ia com o a p o im ê n ic a são te ntativas h u m a ­
nas e, por isso m esm o, lim ita d a s para resolver problem as. E não
será com a titu de s a rrog an te s e a u to s u ficie n te s de lado a lado que
258

irem os a va n ça r na ta re fa com um de curar m ales. Isso não s ig n ifi­


ca, por outro lado, d ilu ir d ife re n ç a s e d e ix a r de a p o n ta r com c la re ­
za e o b je tiv id a d e crítica as lim ita çõ e s, as p o ssibilidad es e as carac­
terísticas de cada uma dessas d iscip lina s. O Evangelho nos im p e le
a d is tin g u ir os espíritos. Isto v a le ta n to em re la çã o à p sico lo g ia , co­
m o em re la ç ã o à p ró p ria te o lo g ia .

3 - P o ssib ilid a d e s e lim ite s da p s ic o lo g ia

Com o um a d is c ip lin a c ie n tífic a , a p sico lo g ia se p ropõe a


pesquisar a na tureza psíquica da pessoa h u m a n a e a e n co n tra r
m étodos te ra pê utico s a de qu a d o s para fa z e r fre n te a distúrbios
constatados. Para isso e la se va le :

— da e x p e riê n c ia resu lta n te de estudos com p a ra tivo s de casos;


— da introspecção que ta n to o p a cie n te , com o o p sicoterape uta
fa ze m para co n fro n ta r-se com os seus p ró p rio s m ecanism os e
c o n d icio n a m e n to s psicológicos;
— da observação sistem ática de p aciente s e de suas reações em
d ife re n te s circunstâncias de v id a ;
— da an á lise e a v a lia ç ã o de dados b io g rá fico s, com m a io r ou
m e n o r ê nfase nas e xp e riê n c ia s da in fâ n c ia ;
— do estudo de expressões e sím bolos que a p ró p ria vida psíqui­
ca da pessoa fo rn e c e , tais com o sonhos e outras m anifestações
(p. ex. associações);
— de e xp e rim e n to s e testes fe ito s com pessoas e a n im a is que
po ssib ilita m e sta b ele ce r padrões de c o m p o rta m e n to ou a e la ­
b oração de um d ia g n ó s tic o .(1 9 )

C om o se pode observar, a p s ico lo g ia se ocupa com a pes­


soa h um ana na sua re la çã o consigo m esm o e com o m undo ao seu
redor. Ela não considera com o sendo re sp o n sa b ilid a d e sua ocupar-
se com o re la c io n a m e n to da pessoa com Deus. Q uem espera isso
da psico lo g ia , está s o b re ca rre g a n d o -a com um a ta re fa que ela
m esm a não p re te n d e consid erar com o sendo de sua co m p etência .
A psico lo g ia é, por d e fin iç ã o , um a d is c ip lin a a n tro p o cê n trica .
A te o lo g ia , por sua vez, e, por extensão, ta m b é m a pastoral
de a co n se lh a m e n to , é de c a rá te r te o cê n trico . Isso s ig n ifica que

(19) Cf. R einh old Ruthe. S ee lso rg e — W ie m a c h t m a n das? 2a ed. W u p p e rta l, 1973, p.
18ss.
259

certas pergunta s fu n d a m e n ta is para as quais a psico lo g ia não p re ­


tende d ar respostas, precisam ser respondidas p e la te o lo g ia . Pode
ser, no e n ta n to , que o a co n se lh a m e n to pastoral, para ser coerente
com o seu te o ce n trism o , precise se to rn a r a n tro p o c ê n tric o para
m e lh o r c u m p rir sua ta re fa de e n te n d e r a pessoa hum ana.
O a c o n s e lh a m e n to pastoral não precisa ter re ce io de se tor­
nar he ré tico q u a n d o coloca a pessoa h u m a n a no centro de suas
preocupações. Tam bém Deus se fe z h om e m para resgatar a pes­
soa h u m an a em toda a p ro fu n d e z a da sua h u m a n id a d e . Só que,
ao c o n trá rio da psico lo g ia , a te o lo g ia e o a c o n se lh a m e n to pastoral
não se lim ita m à d im en são a n tro p o ló g ic a da pessoa. O a n tro p o -
centrism o é apena s p ro v is ó rio e in stru m e n ta l. O o b je tiv o ú ltim o do
a co n se lh a m e n to é a re la ç ã o da pessoa com Deus.

Na m e dida , p o ré m , em que esta re la çã o da pessoa com


Deus se m e d ia e se concretiza no re la c io n a m e n to com as d e m a is
pessoas, com a so cie da d e, com a n a tu reza e consigo m esm o, o
cristão, até p o r um a questão de o b e d iê n c ia a Deus e na p re o c u p a ­
ção p e la v iv ê n c ia concreta da sua fé , p recisa se in te ira r da situ a ­
ção na q u a l v ive o seu in te rlo c u to r, inclu sive da sua situação psi­
co ló gica . O c o n h e c im e n to da pessoa h um ana em todas as suas d i­
m ensões é in disp en sá vel para o tra b a lh o com as d ific u ld a d e s e
com o s o frim e n to h um ano.
Portanto, na m e d id a em que a co n stitu içã o psíquica faz par­
te do ser pessoa, não há com o e x c lu ir a p sico lo g ia da p o im ê n ica .
Q uem e xclu i a psico lo g ia , exclu i a psique e q uem exclu i a psique,
está e x c lu in d o um a p a rc e la m arca nte do p ró p rio ser. Com o p o d e ­
mos d e ix a r de con side ra r as dim ensões psicológicas em nosso e n ­
v o lv im e n to p o im ê n ic o com pessoas, se são justam ente fa to re s psi­
cológicos que fre q u e n te m e n te estão na raiz de m ú ltip la s form as
de s o frim e n to hum ano? Se nós não nos re la cio n a rm o s com as pes­
soas nesse nível do seu ser pessoa, nós estarem os c o m p a rtim e n ta -
liz a n d o o nosso in te rlo c u to r e d e ix a n d o -o sozinho num a dim e n sã o
fu n d a m e n ta l da sua vida. E, não raro, justam ente n a q u e la onde
e le vem se s e n tin d o mais sozinho e d e so rie n ta d o .
A se g u ir vou m e n c io n a r a lg u m a s áreas, nas quais e n te n d o
que a p s ic o lo g ia possa ser um a p arceira de a ju d a ao a co n se lh a ­
m ento pasto ra l:
a) Cada pessoa tem necessidades e m otivações de ordem
física, e m o c io n a l, social e e s p iritu a l que tem origens p ro fu n d a s e
260

que fre q u e n te m e n te são desconhecidas p e la p ró p ria pessoa. Os


p ro ble m a s e as angústia s qu e daí resultam bem com o as soluções
m ais a de qu a d a s só p o d e rã o ser encontradas se a raiz m ais p ro fu n ­
da é descobe rta ou, p e lo m enos, vislu m b ra d a . A psico lo g ia pode
a ju d a r ta n to ao pastor com o ao pastorando a a p ro fu n d a r a p ro b le ­
m ática, ou seja, a c o locar a descoberto a real natureza do p ro b le ­
ma. Isto p re v in e o a c o n s e lh a m e n to pastoral de ser s u p e rfic ia l na
busca po r soluções. Isso n a tu ra lm e n te e x ig e m uita ca u te la p or p a r­
te do pastor. Ele não deve exce de r os lim ites da sua co m p e tê n cia e
p e n e tra r m ais a fu n d o do q ue e le p o ste rio rm e n te tem condições
de tra b a lh a r.
b) Com o tod o ser h u m an o , ta m b é m o a g e n te pastoral tem
os seus receios, suas lim ita ç õ e s e até m esm o suas angústias. De a l­
guns destes aspectos e le tem consciência. De outros não. No trato
p o im ê n ic o com pessoas, essas con tin g ê n cia s pessoais po d e m ser
tang id a s e v ire m à ton a e p re ju d ic a r se n sive lm e n te a sua c a p a c i­
d a d e e m p á tic a e a m e a ça re m o seu d e s e m p e n h o pastoral. Em ca­
sos e xtrem os o co n se lh e iro p o d e rá se c o n fro n ta r com um a in c a p a ­
cid a de total de lid a r com o seu p ró p rio p ro b le m a e, por co nsegu in­
te, com o p ro b le m a do outro. A p sicolo gia pastoral é um a a ju d a
para o a g e n te no sentido d e le se d a r conta das suas próprias lim i­
tações pessoais e de te n ta r resolvê-las. Por outro la d o , e le ta m b é m
precisa ter consciência das suas p o te n c ia lid a d e s e das suas h a b ili­
dades, para m e lh o r p od e r colocá-las a serviço do seu in te rlo cu to r.
Em resum o: a psico lo g ia , em especial a psico lo g ia pastoral, pode
c o n trib u ir para a p ro fu n d a r o a u to -c o n h e c im e n to pessoal do conse­
lh e iro e assim m e lh o ra r o seu d e se m p e n h o pastoral.
c) C on h ecim e n tos de p s ic o lo g ia pod e m a ju d a r o a g e n te
pastoral a id e n tific a r o tip o de re la c io n a m e n to que se estabelece
e n tre e le e o seu in te rlo c u to r. A p o im ê n ic a é um a a tiv id a d e que
acon tece no â m b ito da Ig re ja , mas que escapa da suas instâncias
de controle . A conversação p o im ê n ic o - pastoral é de caráter s ig ilo ­
so e transcorre a nível da in tim id a d e pessoal, sendo o seu co n te ú ­
do tão im p re visíve l e d iv e rs ific a d o q u a n to o é a p ró p ria vid a hu­
m ana. Isto representa um a o p o rtu n id a d e , mas se constitui ig u a l­
m ente num p e rig o para a p o im ê n ic a . Eisque e la dá o p o rtu n id a d e
a que se d e s e n v o lv a m re la c io n a m e n to s os mais diversos e ntre os
in te rlo cu to re s que precisam ser id e n tific a d o s p e lo co n se lh e iro pas­
to ra l. O nde isto não acontece , os pa rceiros da p o im ê n ica pod e m ,
sem o d eseja re m conscien te m e n te, se e n v o lv e r em form as de re la ­
261

c io n a m e n to in d e se já ve is e p re ju d ic ia is à fin a lid a d e a que se p ro ­


põem . A p s ic o lo g ia pastoral pode a ju d a r o a g e n te pastoral a id e n ­
tific a r já no in íc io tais fe n ô m e n o s e, com a d e v id a h a b ilid a d e e
re speito,até m esm o c o nvertê -lo s em um instrum ento de co n scie n ti­
zação das necessidades e desejos d o seu in te rlo cu to r.

d) C om o já dissem os a cim a , toda pessoa no trato com seus


sem elhantes fa z uso da p s ico lo g ia e de m ecanism os de persuação
dos q u ais nem sem pre tem consciência. Isso v a le ta m b é m para o
a g e n te pastoral ao lid a r com d ific u ld a d e s de outra pessoa. Assim
sendo, e já que é in e v itá v e l o e m p re g o da psico lo g ia , é p re fe rív e l
que isso seja fe ito de fo rm a consciente e responsável. A té p orque
em não sendo um a a titu d e consciente e p la n e ja d a , existe o p e rig o
do a g e n te se to rn a r v ítim a dos seus m ecanism os inconscientes, co­
mo por e x e m p lo , o dese jo de exerce r a u to rid a d e e p o d e r sobre o
seu in te rlo c u to r ou a necessidade de ter pessoas q ue d e p e n d a m
dele.
A p ró p ria re sp o n s a b ilid a d e p o im ê n ic a re q u e r que o conse­
lh e iro pastoral te nh a consciência, tão a p ro x im a d a qu a n to possí­
v e l, do que está fa z e n d o e de q ue fo rm a está e m p re g a n d o a psico­
lo g ia . A p s ico lo g ia pastoral serve para a e lu c id a ç ã o desse fa to .

e) A p s ic o lo g ia a ju d a o co n s e lh e iro pastoral a m e lh o ra r a
sua c a p a cid a d e de d e te cta r, id e n tific a r ou, em a lguns casos, até
d ia g n o s tic a r p rob le m as no seu p a rc e iro de d iá lo g o . A fa lta de co­
n h ecim e n to s básicos de p sico lo g ia pode fa ze r com que certos p ro ­
blem a s psicológico s que costum am o correr no seio de uma co m u ­
n id a d e d e ix e m de ser id e n tific a d o s e por isso m esm o sub­
estim ados e que dep o is acabem se tra n s fo rm a n d o em dram as pes­
soais e fa m ilia re s . Q uantos p ro b le m a s de v io lê n c ia na fa m ília são
co n fu n d id o s com o sendo causados por d e se m p re g o ou por desa­
juste m a trim o n ia l, p o ré m , se o lhados m ais a fu n d o , se re ve la m co­
mo sendo fru to de um d e s e q u ilíb rio p sico ló g ico ou e m o c io n a l.
Q uantos suicídios por causas ig n o ra d a s têm a sua o rig e m num a d e ­
pressão que n in g u é m , nem m esm o o pastor, soube id e n tific a r. Em
casos extrem os, mas nem tão raros assim, e ncontram o s obreiros
nossos, na m ais sincera e in g ê n u a in te n çã o de fé e testem unho
cristão, preocupados em e x p e lir d e m ô n io s de pessoas, que, na
verd a d e , estão a c o m e tid a s de histeria ou de outras form as de
doenças psicológica s. Há ig u a lm e n te pessoas que nos procuram
com pergunta s e p ro b le m a s de fé , tais com o a in c a p a cid a d e de
262

se re la c io n a re m com Deus e q u e , sem o saberem , são expressões


de c o n flito s e m o cio n a is, não ra ro , a d q u irid o s já na in fâ n cia .
Ou tom em os os inúm eros casos de doença , a p a re n te m e n te
de natureza física, q u e não passam de m anifestações psico-
som áticas resultantes de sobrecarga psicológica, tais com o o
stress e a fa lta de solu ção de p ro b le m a s e m o cio n a is. Entre essas
m en cio no as doenças gastro-intestin ais, com o a úlcera, as doenças
cá rd io - vasculares, com o a hip e rte n sã o a rte ria l, as doenças respi­
ratórias, com o a asm a, bem com o a e n x a q u e ca e outras mais.
Para e v ita r m a l-e n te n d id o s , q u e ro d e ix a r claro que não es­
tou p le ite a n d o que o pastor se ponha a tra ta r de casos com o os que
aca b e i de m e ncio na r: Para isso lhe fa lta , g e ra lm e n te , a fo rm a ç ã o
a d e q u a d a . E é bom q ue e le saiba q ue não é psicó lo g o e nem m é­
dico. O que estou q u e re n d o d ize r, é que o a g e n te pastoral d e v e ria
te r um co n h e c im e n to e le m e n ta r de p s ico lo g ia para p o d e r id e n tifi­
car p rob lem a s de n atureza p sico lóg ica e para poder e n c a m in h a r
tais casos a p ro fissio n a is com pe ten te s para deles tra ta re m . Para a l­
guns pastores não é fá c il a ce ita r o fa to de que eles não são a pes­
soa in d ic a d a para tra ta r de todos os p ro b le m a s que surgem em sua
co m u n id a d e . Nós precisam os a p re n d e r a d e le g a r tarefas. As vezes
d e le g a r é a m e lh o r m a n e ira de a ju d a r. M as para isso precisam os,
antes de m ais nada, a p re n d e r a d is tin g u ir o que é e o que não é da
nossa co m p e tê n cia pastoral!
Reconhecer as p o ssib ilid ad es da p sico lo g ia para o serviço
pastoral na Ig re ja te n d o em vista a lib e rta ç ã o a m p la da pessoa e
da sociedade, não im p lic a em d e ix a r de a p o n ta r para os seus lim i­
tes.
E nquanto a p s ico lo g ia tra d ic io n a l tem p ro cu ra d o a o rig e m
dos p ro b le m a s no passado, mais p recisa m ente , na tra je tó ria b io ­
g rá fica das pessoas, a te o lo g ia e a pastoral de a co n se lh a m e n to
e n fa tiz a m que o nosso c o m p o rta m e n to não se d e riv a e xclu siva ­
m ente de nosso passado pessoal, mas pode ser m arcado p e la ação
de Deus que in cid e sobre nossa vid a . Isto é, a te o lo g ia é porta-voz
de uma m ensagem que rom pe com o d e te rm in ism o que considera
o presente com o um sim ples d e sd o b ra m e n to de co n d icio n a m e n to s
a d q u irid o s na in fâ n c ia . A te o lo g ia está a b e rta para um a a ção de
Deus que ro m p e esquem as fix o s e re d im e n sio n a a vid a in d iv id u a l
e c o le tiv a em m oldes to ta lm e n te novos e im previsíveis.
Isso s ig n ific a q u e , ao c o n trá rio da p s ico lo g ia , a te o lo g ia
não aposta u n ic a m e n te na pessoa hu m a na, seja e le p sicologo ou
263

pastor, ou em recursos hum anos na solução de p roblem as. A in d a


que um a te o lo g ia da in ca rn a çã o reco nh e ça q ue a a ju d a de Deus é
m e d iad a a través da a ju d a h um a n a , e la se nega a c o n fia r no p ró­
p rio ser h u m a n o com o fo n te de to d o o p o te n cia l te ra p ê u tic o neces­
sário para a sua lib e rta ç ã o to ta l. A te o lo g ia p ro cla m a o caráter
" e x tra n o s" da v e rd a d e ira salvação. Em outros term os: e la tem
consciência de que o p ecado fa z parte de nossa natureza hum ana.
Isso não a im p e d e de v a lo riz a r o p o te n cia l h u m a n o para auto-
a ju d a r-se . Nem ta m po uco tra nsfe re e d e le g a para Deus o que é de
co m p e tê n c ia e re s p o n s a b ilid a d e h u m an a . A consciência do p eca­
do é expressão te o ló g ic a do re c o n h e c im e n to da in ca p a cid a d e do
hom em de ser e le m esm o o a rtífic e da p le n itu d e de vid a p re te n d i­
da p e lo C riador. Nós, luteranos, fa la m o s a q u i de ju stifica çã o por
graça.
Isso não s ig n ific a q ue a te o lo g ia se considere um a ciência
supe rior. Tanto e la com o as d e m a is ciências não possam de instru­
m entos hum anos e, po rta n to , lim ita d o s na te n ta tiv a de m e d ia r a
p le n itu d e de salvação. C abe a e la , to d a v ia , de m odo especial a
ta re fa de a le rta r para o p e rig o de que o c o n h e cim e n to da ciência e
suas pretensas soluções sejam a d orad o s no lu g a r do C ria d o r (a psi­
c o lo g ia tem sido o in stru m e n ta l p re d ile to na m a n ip u la ç ã o id e o ló ­
gica de pessoas e sociedades inte ira s). A te o lo g ia e n te n d e que a
ps ico log ia , com o q u a lq u e r outra ciê ncia , podem , no m á xim o , le ­
var a pessoa h um a n a até ao lim ia r de si m esm a, c o n fro n tá -la com
suas p o te n c ia lid a d e e suas lim itações. M as não pode passar disso.
(20) Pois, para a te o lo g ia , o h o m e m está vo ca cio n a d o e d ire c io n a ­
do para a lé m de si m esm o. Seu m arco re fe re n c ia l é a transcendê n­
cia. O o b je tiv o ú ltim o é que Deus seja tudo em todos (1 Co 15.28).

4 — A q u e s tã o do in d iv id u a lis m o

A p sico lo g ia com o de resto ta m b é m a pastoral de aconse­


lh a m e n to têm sido acusadas de o p e ra re m com o um co n ce ito in d i­
vid u a lis ta de pessoa. Diz-se que am bas isolam a pessoa do seu
con texto e lhe o fe re c e m a ju d a de um a fo rm a p riv a tiz a d a e p arti-

(20) Paul T itlich a firm a q u e " a s p e rg u n ta s fu n d a m e n ta is com as q u a is a p sico te ra p ia te rm i­


na só p o d e m ser re spond idas no cam po da te o lo g ia " , cita d o e m W. Jentsch, op. c it., p.
70. Isso, no e n ta n to , n ã o dá a o pastor ou a g e n te pa stora l o d ire ito de c u ltiv a r a lg o co ­
m o um "c o m p le x o de m essias", ou seja, a con sciê ncia de ser o sa lva d o r do ou tro (cf.
R ollo M a y. The A r t o f C o u n s e lin g 1939).
264

cu la riza d a , sem leva re m em conta o co n te xto social e estrutural no


qual se insere o in d iv íd u o .
Essa crítica, em m uitos casos, e fe tiv a m e n te é proceden te.
Em círculos onde certas escolas de p sico lo g ia n o rte -a m e rica n a
exe rce ra m m a io r in flu ê n c ia sobre a pastoral de a co n se lh a m e n to
esse tra ço in d iv id u a liz a n te se fez sentir com m a io r e v id ê n c ia . Ca­
be à a n tro p o lo g ia cristã c o rrig ir tais distorções. P oim ênica é uma
fu n ç ã o e cle sio ló g ica . E o c u id a d o m útu o dos m em bros do corpo de
Cristo. (21) A p sico lo g ia pastoral precisa, p o rtanto, le v a re m consi­
d e ra ç ã o a s o c ia b ilid a d e da pessoa h u m ana e a sua inserção em
estruturas sociais que causam s o frim e n to e opressão.
A te o lo g ia lu te ra n a d e ve m a n te r viva a fu n d a m e n ta ç ã o
e c le s io ló g ic a da p o im ê n ic a pois e la está a rra ig a d a em sua tra d i­
ção. (22) Os A rtig o s de Esm alcalde descrevem a p o im ê n ic a com o
sendo um " m u tu u m c o llo q u iu m et co n s o la tio fra tru m " ("d iá lo g o
m útuo e consolação e ntre os irm ã o s "). O p ró p rio Lutero a n im a a
cada um dos fié is a c o lo ca r o seu corpo no "s e io da c o m u n id a d e e
a p ro curar a ju d a na c o m u n h ã o do corpo e s p iritu a l" e que, por sua
vez, cada um "c a rre g u e o s o frim e n to da c o m u n id a d e ". (23)
Este d eve ser o e sp írito te o ló g ic o qu e n o rte ia o a co n se lh a ­
m e nto pastoral. Este ta m b é m d eve ser o c rité rio q ue d e te rm in a o
e m p re g o da p sico lo g ia no a co n se lh a m e n to , a li onde existe o p e ri­
go de um e stre ita m e n to in d iv id u a liz a n te . A rigor, nem se d e v e ria
fa la r de um a c o n s e lh a m e n to pastoral e, sim, de um aco n se lh a ­
m ento c o m u n itá rio .
Na prática, p o ré m , o que se observa no seio de nossas co­
m unidade s eclesiásticas é a te n d ê n cia de se fo rm a re m círculos de
m exerico e b is b ilh o tic e , em vez de células d um a co m u n id a d e te ra ­
p êutica , re gid as p e lo espírito do a m o r fra te rn o . Assim, as pessoas,
ao invés de se sentirem an im a d a s a c o n fia r as suas d ific u ld a d e s e
a fliç õ e s à "c o m u n h ã o dos s a n to s", confessada no C redo A p o stó li-

(21) Cf. Lothar Hoch. S ee lso rg e und G e m e in s c h a ft. D issertação. M a rb u rg , 1979, p. 53s,
166, 214ss, 239ss.
(22) Na v id a pessoal de Lutero a con fissão in d iv id u a l e p a rtic u la r fo i d e g ra n d e re le vâ n cia .
Ele pe rm a n e ce u g ra to a té a o fin a l de sua vid a a o seu confessor S taupitz por este ter-
lhe a ju d a d o a c o n h e c e r o Deus da graça. Ressaltar a im p o rtâ n c ia da con fissão in d iv i­
du a l não s ig n ific a , p o ré m , n e gar o seu ca rá te r e c le s io ló g ic o . Tam bém esse aspecto se
con stitui num d e s d o b ra m e n to do serviço m ú tuo dos m e m bro s do corpo de Cristo.
(23) Cf. o seu "S e rm ã o d o d ig n ís s im o S a c ra m e n to d o S a n to e V e rd a d e iro C o rp o d e C ris to
e das F ra te rn id a d e s ", de 1519. C ita d o em A. A llw o h n , op. cit. p. 186.
265

co, elas, com m edo de serem in c o m p re e n d id a s e expostas, p re fe ­


rem buscar a p ro te çã o d o d iá lo g o in d iv id u a l ju n to a a lg u é m em
quem podem c o n fia r. Desta fo rm a , a fa lta de co m u n h ã o cristã no
seio das nossas co m u n id a d e s se tra n sfo rm a na c o n tin g ê n c ia que
leva as pessoas a p ro cu ra re m a u x ílio em term os in d iv id u a is , tanto
d e n tro da Ig re ja , co m o ta m b é m fo ra d e la .
E necessário, p o rta n to , que a crítica ao in d iv id u a lis m o da
p o im ê n ic a , a li ond e e la é justa, se faça a c o m p a n h a r da crítica ao
co n te xto e cle sia l e social que faz com que as pessoas p re fira m o
a n o n im a to da a ju d a in d iv id u a l e p riv a d a . Esta fo rm a de p ro cu ra r
a ju d a , não raro, é co nseqü ência do fracasso da c o m u n id a d e m aior
de in te g ra r, c o m p re e n d e r e e d ific a r pessoas em crise.
Torna-se im p re s c in d ív e l, to d a v ia , d is tin g u ir e ntre um a e n ­
trevista de a ju d a a nível in d iv id u a l, de pessoa a pessoa, de um a
in te rv e n ç ã o q ue , consciente ou in co n scie n te m e n te , opera com um
co n ce ito in d iv id u a lis ta de hom em . No p rim e iro caso p oderá se tra ­
tar de um p ro b le m a que, p e la sua natureza, e x ig e um tra ta m e n to
p e rso n a liza d o e até m esm o sigilo so, e n q u a n to que no segundo ca­
so o in d iv id u a lis m o é fru to de um a ce g u e ira que leva em conside­
ração apenas os sintom as d o s o frim e n to e não as suas ve rd a d e ira s
causas estruturais.
Uma p o im ê n ic a ou um a p s ic o lo g ia pastoral, por sua vez,
que le va m em co n side ra çã o a d im e n s ã o social d o ser hum a n o , ja ­
m ais se re s trin g irã o a prestar a u x ílio na esfera in d iv id u a l, a in d a
que esta seja te m p o ra ria m e n te necessária e a d e q u a d a . M u ito p e ­
lo c o n trá rio , o a u x ílio in d iv id u a l p restado a um a pessoa será um
passo na sua c a p a cita çã o para um a v id a in te g ra d a na co m u n h ã o
m a io r da ig re ja e da sociedade. O a c o n s e lh a m e n to in d iv id u a l não
d e v e ria , a não ser em casos especiais, ter um a fin a lid a d e em si
mesm o. Ele tem um a fu n ç ã o in s tru m e n ta l, q u a l seja, a de c o n tri­
b u ir para que a pessoa consiga v iv e r em sociedad e e seja h a b ilita ­
da a luta r por um a c o m u n id a d e e uma sociedad e m ais justa e fr a ­
terna.
T am bém p e lo lado da p s ic o lo g ia se fa z sentir de m odo cres­
cente a p re ocu pa çã o de e n g lo b a r a d im e n sã o social nas suas co n ­
siderações e pesquisas. A té m esm o nos U.S.A. um a pesquisa com
professores e estudantes p ós-gradu ados de p sico lo g ia , re a liz a d o
em 1974, já ap o n to u que a "re le v â n c ia social fo i o tem a m ais fr e ­
q u e n te m e n te c ita d o pelos e ntrevistado s co m o co n stitu in d o um dos
prob le m a s p rin c ip a is da p s ico lo g ia de h o je ". (24) A p sico lo g ia so-

(24) A ro ld o R odrigues. E studos e m P s ic o lo g ia Social, p. 20.


266

ciai tem e fe tiv a m e n te se in s p ira d o no "a n s e io de co lo ca r os co ­


nhecim entos da p s ic o lo g ia a serviço da solução dos p ro b le m a s so­
ciais c o n te m p o râ n e o s ". (25) E verda d e q u e em term os de A m é ric a
Latina pouco se tem fe ito nesse sentido. Mas os p rim e iro s indícios
de um a a p ro p ria ç ã o da p sico lo g ia para um a fin a lid a d e lib e rta d o ra
já se fa z e m sentir. (26)

5 — A d im e n s ã o a n tro p o ló g ic a da te o lo g ia

A psico lo g ia pastoral p re te n de ser um in strum ento que a g u ­


ça a nossa p erce pção para a re a lid a d e a n tro p o ló g ic a do fa z e r te o ­
ló gico e d o nosso tra b a lh o p o im ê n ic o . (27)
P oim ênica não é um a c o n te c im e n to v e rtic a l, no qu a l um
dos atores, o pastor, está n um a posição fo ra do te m p o e do espa­
ço, com o um a p e rs o n ific a ç ã o do p ró p rio Deus capaz de tra n sm itir
a Palavra de fo rm a d ire ta para um ser h u m a n o em situação de
prostração e escuta passiva. P oim ênica é, isto sim , um a c o n te ci­
m ento in te r-h u m a n o e histórico, d e s e m p e n h a d o por personagens
que têm sua tra je tó ria pessoal m arcada por um a série de a c o n te ci­
m ento que passaram a fa z e r parte co n stitu in te do seu ser. E através
dessa sua co n stituiçã o pessoal o cristão m e d ia a m ensagem do
Evangelho de Jesus Cristo, que o im c u m b iu e capacitou para o d e ­
sem penho desta ta re fa . N ão existe o ser cristão e o ser p o im ê n ic o
fo ra do ser pessoa, pois o ser cristão só é possível com o um ser his­
tórico , in ca rn ad o . Isto s ig n ific a que a pessoa h u m a n a não conse­
gue tra n s m itir e nem ta m p o u c o ca pta r a p a la vra de Deus senão
num e m b ru lh o de c o n d icio n a m e n to s hum anos. E de n tre estes con­
dic io n a m e n to s se in clu i ta m b é m a psique hum ana.
A psique é um aspecto da re a lid a d e de cada pessoa, talvez,
um dos mais d ifíc e is ao qu a l tem acesso. E na m e d id a em que a
psico lo g ia c o n trib u i para que esta re a lid a d e do ser hum ana se tor­
ne mais tra nsp aren te e re ve le suas p ro fu nde zas e suas faces o c u l­
tas, a te o lo g ia e a p o im ê n ic a po de m valer-se d ela. A p o im ê n ic a o
fa rá com o in tu ito de m e lh o r fa z e r in c id ir o E vangelho sobre as es­
feras m ais escuras do nosso ser, para que o se n h o rio de Cristo ta m ­
bém a li se m a nife ste .

(25) Ibid.
(26) S egu ndo A. R odrigues, os estudos d o u ru g u a io Jaco bo A. V a re la a p o n ta m nesse se n ti­
do.
(27) Cf. Klaus W in c k le r. Die Funktion de r P a sto ra lp sych o lo g ie in d e r T h e o lo g ie , in : R ichard
Riess. P e rs p e k tiv e n d e r P a s to ra lp s y c h o lo g ie , G ö ttin g e n , 1974, p. 105ss.
267

P oim ênica é a in te rv e n ç ã o pastoral e c o m u n itá ria em a m or


fra te rn a l que visa restaurar a v id a em todas as suas dim ensões a li
onde e la se e n co n tra a m e a ça d a , através de um a ação lib e rta d o ra
que busca re sta b e le ce r um re la c io n a m e n to sadio da pessoa consi­
go m esm a, com a socie d ad e e com Deus.
É e v id e n te q u e, com o um a esfera p a rcia l de m a n ife sta çã o
do nosso ser pessoa, a psique n ão pode ser su p e rv a lo riz a d a em
d e trim e n to de outras dim ensões da vida in te g ra l. Isso, por sua vez,
não nos a u to riz a a s u p e rv a lo riz a r outras fa cu ld a d e s hum anas. Isso
ocorre, por e x e m p lo , cada vez em que caím os na te ntação de con­
sid erarm os a razão co m o o in s tru m e n to e xclu sivo de fa z e r te o lo g ia
e p o im ê n ic a . Tendem os a a char que q u a n to m ais ra cio n a l é a te o ­
lo g ia , ta n to m ais p ro te g id a ela está da s u b je tiv id a d e . Esquecemos,
no en ta n to , que, assim p ro ce d e n d o , dam os e x c lu s iv id a d e a a p e ­
nas um apecto do ser pessoa e descartam os as dem ais com o instru­
m entos úteis na m e d ia ç ã o da v e rd a d e . A nossa e m oção, por
e x e m p lo , é um a das p rim e ira s q u e costum am os d e s q u a lific a r e e x ­
purgar na sua c o m p e tê n c ia te o lo g a l.
Disso resulta a e n tre g a da d im e n sã o p sico -e m o tiva da pes-
soá h u m a n a à sua p ró p ria sorte, ou m e lh o r, e x p u lsa n d o -a do cír­
cu lo nobre da te o lo g ia a c a d ê m ic a , a d e ix a m o s ao d o m ín io dos ca­
rism áticos da fé , aos o pe ra d o re s de m ila g re s q ue atu a m e n tre as
cam adas m a rg in a liz a d a s da p o p u la ç ã o e, nã o por ú ltim o , d e ix a ­
mos que e la passe a ser usada com o in stru m e n to de e ficá cia co m ­
p rovada na criação de necessidades a rtific ia is de consum o na dis­
puta de fa tia s d o m ercado consum idor.
O xa lá aprendêssem os a fa z e r te o lo g ia com todas as fa c u l­
dades e dim e n sõ e s do nosso ser pessoa! Ou que, pe lo m enos, nos
apercebêssem os dos co m po n en te s a n tro p o ló g ico s, inclusive in ­
conscientes, d a q u ilo q ue d e fe n d e m o s e pregam os com o sendo a
m ais pura re v e la ç ã o d iv in a !

Nós n ã o som os criados por Deus para outra fin a lid a d e , e x ­


ceto a de serm os pessoa. O p eca do do h o m e m , do A d ã o , fo i justa­
m ente o de q u e re r ser m ais do que pessoa hum ana. A vin d a de Je­
sus Cristo em fo rm a de ho m em resgatou a d im e n sã o h um ana co­
mo nossa soberana vocação d iv in a . Se Deus não o considerou um
u ltra je tornar-se pessoa hum an a e m Cristo, e n tã o não há razão p a ­
ra aspirarm os a lg o a lé m d a v e rd a d e ira h u m a n id a d e .
268

Jesus C risto in c a rn a d o represe nta o resgate de todas as fa ­


culdades hum anas — in clu sive a psico lóg ica — com o dig n a s de
serem instrum entos de serviço a Deus, ao p ró x im o e ao fa ze r te o ló ­
gico. A h u m a n id a d e de Cristo nos a n im a e nos a u to riz a a investir
todos os recursos e todos as dim e n sõ e s da nossa h u m a n id a d e em
busca da lib e rta ç ã o da pessoa e da sociedade. A cruz de Jesus
Cristo, no e n ta n to , é o sinal e a a d v e rtê n c ia de que a v e rd a d e ira
h u m a n id a d e e a v e rd a d e ira lib e rta ç ã o p e rm a n e ce m um a lv o in a ­
tin g ív e l. A sua cruz re presenta o juízo da nossa cap a cid a d e h u m a ­
na de a u to -lib e rta ç ã o . A sua ressurreição te stifica que q u a lq u e r v i­
tó ria é um a v itó ria do p ró p rio Deus. Cruz e ressurreição ju lg a m
ta m b é m a p s ic o lo g ia co m o in stru m e n to capaz de nos le va r à v e r­
d a d e ira h u m a n id a d e . Ju lg a d a sua e v e n tu a l pretensão de ser um
instru m e n to s a lv ífic o , a p s ico lo g ia pode ser u tiliz a d a com o um a
a ju d a para e n te n d e r m e lh o r a pessoa e a te o lo g ia hum ana. A sua
c o n trib u iç ã o , p orém , fic a restrita à esfera do p ro visó rio . Mas e n ­
q u a n to não viverm os na esfera ú ltim a da nossa destinação, p re ci­
samos da m e d ia çã o das esferas provisórias e p u n ú ltim a s. Pois, e n ­
q u a n to seres históricos e sujeitos òs lim ita ções de te m p o e espaço,
o E vangelho n ã o nos alca nça fo ra das m ed iações espaço- te m p o ­
rais. E e n q u a n to a p s ic o lo g ia nos c o n fro n ta com essas lim itações,
e la é um in stru m e n to ú til. Ela a ju d a a d e sn ud ar a nossa h u m a n id a ­
de. (28) A te o lo g ia e a p o im ê n ic a , por sua vez, e n q u a n to veículos
do p e rd ã o de Deus, nos ca p a cita m a assum ir toda a nossa h u m a n i­
dade. Só h u m a n id a d e assum ida é h u m a n id a d e p e rdoad a.

(28) Ê e v id e n te q u e nessas re fle x õ e s está im p líc ita um a certa postura d ia n te da p e rg u n ta


p e la re la ç ã o e n tre a te o lo g ia e as c iência s sociais. A q u estão q u e se coloca é: em que
m e d id a o e m p re g o d a p s ic o lo g ia n ã o c o m p ro m e te a u to m a tic a m e n te a q u e le q u e a usa
com to d o um c o n ju n to d e prem issas id e o ló g ic a s e a n tro p o ló g ic a s avessas à te o lo g ia ?
Para m im a q u e s tã o está na m esm a lin h a da p e rg u n ta se a lg u é m p o d e u tiliz a r o instru­
m e n ta l m a rxista d e a n á lis e d a re a lid a d e sem se to rn a r m a rxista. P essoalm ente e n te n ­
d o qu e n ã o e xiste um in s tru m e n ta l d e a n á lis e , seja da re a lid a d e social, seja d a re a li­
da d e psic o ló g ic a d o ser h u m a n o , id e o lo g ic a m e n te ne utro . Preciso por isso estar cons­
cie n te desses pressupostos id e o ló g ic o s e me po s ic io n a r c ritic a m e n te d ia n te de le s. A
te o lo g ia po de se v a le r d e in s tru m e n ta is de a n á lis e social ou psico- so cia l, de sde q u e
m a n te n h a sua a u to n o m ia d ia n te dos pressupostos dessas ciências. C o nco rdo com C lo-
d o vis B off q u a n d o e le a firm a q u e o te ó lo g o , de um la d o , não p o d e a c e ita r as a b so lu ti-
zações das outras ciência s, mas, p o r o u tro la d o , n ã o d e v e d e ix a r d e a p ro v e ita r seus re ­
sultados pa ra m e lh o r situ a r seu p ró p rio discurso (cf. T e o lo g ia e P rá tic a , Petrópolis,
1978, p. 115). V e rd a d e ira fé não precisa se se n tir a m e a ç a d a n e m pe lo s resultados da
a n á lis e psic o ló g ic a , nem pelos da a n á lis e m arxista!
269

C onclusão

Com a crescente e s tra tific a ç ã o social que se v e rific a na


A m é ric a Latina em g e ra l e no Brasil em p a rtic u la r, a busca por a u ­
x ílio p sico ló g ico e p s ico te ra p ê u tico passou a ser um p riv ilé g io para
alg u n s poucos abastados. Fica a p e rg u n ta : a q uem recorre o pobre
para tra b a lh a r os e fe ito s psicológico s do de se m p re g o , da sub-
m o ra d ia , da fo m e , da d oença e da incerteza sobre o dia de a m a ­
nhã? Para m im é e v id e n te que to do esse q u a d ro gera angústia ,
desespero e re vo lta .
Isso me leva a crer que a necessidade de a u x ílio p sico ló g ico
não seja um p riv ilé g io ú nico da classe abastada. A d ife re n ç a está
no fa to do rico p o d e r p a g a r um " d iv ã " , e n q u a n to que o pobre não
o p ode. M as às vezes che g o a me p e rg u n ta r em que m e d id a as sa­
las repletas da be n ze d e ira , da ca rto m a n te e do jo g a d o r de búzios,
a b o la de cristal do a stró lo g o , as sessões de u m b a n d a e de e s p iri­
tism o e as p áginas de a c o n s e lh a m e n to em revistas baratas não são
fo rm as p o p u la riz a d a s de " d iv ã s " . Estaria o p o vo c ria n d o um substi­
tuto para um a fu n ç ã o que se e litiz o u e se tornou em p riv ilé g io de
alg un s poucos? E não d e v e ria a Igreja re descobrir a im p o rtâ n cia
do co n fe ssio n á rio de um a fo rm a a tu a liz a d a e re a p re n d e r a o u v ir o
c la m o r do seu povo?
A Igreja, a meu ver, ve nd eu por urr1 p rato de le n tilh a s o seu
d ire ito de p rim o g e n itu ra e s p iritu a l (aqui e n te n d id a com o a vo ca ­
ção de o fe re c e r um a o rie n ta ç ã o g e n u ín a e lib e rta d o ra a pessoas
em crise) à p s ic o lo g ia e litiz a d a de um la d o e às práticas p opula re s
e pseudo- re lig io s a s escravizantes de o u tro lado.
N o re d e sco b rir da sua vocação de ser o u v id o do p o vo , a
Igreja precisa ter consciência de q u e a lib e rta ç ã o in d iv id u a l e c o le ­
tiva inclui a d im e n sã o psico lóg ica . Processos religiosos são sem pre
ta m b é m processos psíquicos.

Вам также может понравиться