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São Paulo
2017
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Renan Silva Proença
São Paulo
2017
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“A história dos homens é uma longa sucessão de sinônimos de um mesmo vocábulo.
Contradizer é um dever”
René Char
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AGRADECIMENTOS
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RESUMO
7
ABSTRACT
8
SUMÁRIO
Introdução p.12
Conclusão p.51
Anexos p.54
9
10
LISTA DE FIGURAS
11
Fig. 25 - Período 11 p.38
Fig. 26 - Período 13 p.40
Fig. 27 - Período 14 p.41
Fig. 28 - Períodos 15 e16 p.41
Fig. 29 - Períodos 17 e 18 p.42
Fig. 30 - Roncar p.43
Fig. 31 - Acelerando p.43
Fig. 32 - Período 23 p.44
Fig. 33 - Período 24 p.45
Fig. 34 - Período 27 p.48
Fig. 35 - Período 30 p.49
Fig. 36 - Períodos 31 e 32 p.50
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INTRODUÇÃO
Com a chegada do novo século trazendo guerras, conflitos sociais, novos meios
de transporte e uma nova dinâmica do tempo, principalmente nas grandes metrópoles, a
necessidade de transmitir cada vez mais estes eventos, foi se tornando latente e
praticamente um caminho sem volta.
A evolução da percussão durante o início do século XX e o interesse em buscar
novos rumos que fugissem dos velhos moldes tradicionais da música, foram muito
importantes para chegar até um cenário onde as artes começassem a se fundir ainda
mais.
A música, o teatro, a dança e a literatura sempre estiveram interligadas, mas com
o passar do tempo, essas manifestações artísticas começaram a se fundir, de um modo
que não fosse possível classificar com uma ou outra, criando assim novas vertentes de
manifestações artísticas.
A música cênica é um exemplo disso, fundindo elementos musicais com
elementos cênicos, coreografias e expressões corporais com literatura. Assim como é
feito na ópera, a música a encenação e a literatura caminham juntas, mas diferente da
ópera, a música cênica não precisa de um teatro específico, uma grande estrutura ou
uma orquestra escondida num fosso para poder existir. Ela existe por si só, onde estiver.
A junção de música cênica e percussão é muito explorada pelos compositores
modernos, e dessa exploração surge ?Corporel, de Vinko Globokar. Uma peça que
explora a sonoridade do corpo do interprete, e expõe o próprio a se apresentar sem
camisa e descalço sem instrumentos para se esconder atrás, seu instrumento é o seu
corpo.
Neste trabalho será criado um guia interpretativo para a peça, através de uma
análise de performance. Por utilizar uma linguagem não convencional, muitos
percussionistas e artistas em geral, acabam evitando o contato com a peça, pois é gasto
muito tempo apenas em entender a escrita e se adaptar a linguagem.
O foco deste trabalho é criar uma ferramenta que possibilite que um artista, seja
ele músico, ator, dançarino ou qualquer outra pessoa que queira interpretar a peça, possa
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ter um contato mais prático com a partitura e consiga com mais facilidade resolver as
questões interpretativas que são apresentadas na peça.
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CAPÍTULO 1:
MÚSICA CÊNICA E PERCUSSÃO
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Ao longo da primeira metade do século XX, a escrita para percussão foi se
desenvolvendo. Foram escritas as primeiras obras para grupos de percussão como as
Rítmicas nº5 e 6 de Amadeo Roldàn em 1929, o intermezzo da ópera “O nariz” de
Shostakovich em 1928, Ionisation de Edgard Varèse em 1931. Até que em 1940, John
Cage compõem Living Room Music, um quarteto de percussão que interagem com o
ambiente, utilizando elementos presente na cena para executar a peça.
(Figura 1, Living Room Music sendo executada pelo grupo MET Orchestra
Percussionists)
16
vestidos de branco serviam café” (GOLDBERG, 2006, p. 108, in KEMUEL,
2017, p.18).
Podemos notar no relato de Goldenberg que o happening buscava evidenciar
eventos cotidianos do homem que são repetidos inúmeras vezes ao longo dos dias sem
sequer serem notados. Um exemplo de Happening é a peça Retrouvailles de Georges
Aperghis, que representa o encontro de duas pessoas.
Outras duas ramificações de música cênica que eram desenvolvidas na época são
a Body Art e a Performance Art, que junto com os happenings, foram responsáveis por
despertar o interesse dos compositores nesse tipo de arte.
1
Link para a performance: https://www.youtube.com/watch?v=0-3LFmAf_DM
17
parte deste princípio de evidenciar o corpo do interprete, apresentando-o sem qualquer
outro instrumento presente em cena.
2
Link para a performance: https://www.youtube.com/watch?v=E3k7fH2L7YU
18
(Figura 4, Ceci n’est pas une balle3 interpretado pelo próprio compositor,,
Alexandre Esperet)
Através do texto de Eric Salzman e Thomas Desi podemos notar que apesar da
semelhança das duas vertentes artísticas, a música cênica ou música teatral, como é
chamada no texto, possui características que divergem das características tradicionais de
uma ópera.
3
Link para a performance : https://www.youtube.com/watch?v=apvHLrOzJaI
19
CAPÍTULO 2:
?CORPOREL
?Corporel é uma peça escrita para um percussionista e seu corpo, mesmo que
muitas vezes ela não seja executada especificamente por um percussionista. Por
envolver muitos elementos cênicos e possui uma linha muito tênue entre música
performance e teatro, acaba chamando atenção e despertando o interesse de pessoas
destas três áreas para sua execução.
Globokar é um compositor, trombonista que utiliza uma estética bem livre com
caráter muitas vezes baseado na improvisação. Globokar tem uma posição política
muito bem definida e muitas vezes acaba passando isso para suas obras. Ele escreve
suas peças de forma com que os interpretes precisem tomar algumas decisões cruciais
no sentido da peça, fazendo assim uma ponte muito necessária, em sua visão, entre
compositor e interprete.
20
de peças é chamado de Laboratorium(1973 – 1985) e é composto de uma peça para 10
integrantes, duas para 9, três para 8 e dois solos para percussão, entre eles o ?Corporel.
Globokar fala sobre o processo de escolha dos sons utilizados na peça em uma
entrevista à F.V. Kumor:
O verso que Globokar utiliza em sua peça é de René Émille Char, que foi um
poeta francês que viveu entre os anos de 1907 e 1988. Fazia parte da resistência
francesa durante a segunda guerra mundial e durante esse período usava o pseudônimo
de Capitão Alexander. Foi no período pós-guerra que ele escreveu o livro l’Age
Cassant, que traz traços do pessimismo e incredibilidade dele com o sistema político
francês e internacional, do qual é extraído o trecho do poema que é utilizado na peça.
René Char também é o autor do poema que que deu origem a uma das obras
primas da segunda metade do século XX, Le Marteau Sans Meître de Pierre Boulez.
Char Escreveu os poemas na década de 30, mas só vinte anos depois seria utilizado por
Boulez para a composição da peça.
21
(Figura 5, Capa do livro L’âge Cassant, de onde foi extraída a frase citada por
globokar em ?Corporel)
2.1. Notação
A escrita gráfica é usada para poder exemplificar e indicar algumas idéias que
muitas vezes uma notação tradicional não consegue. A escrita por gráficos em uma peça
como o ?Corporel possibilita ao compositor mostrar trajetos que as mãos devem
percorrer, tipos de toques diferentes, entre outras pequenas nuances que se tornam
limitadas em uma escrita tradicional. Em Réagir, Globokar fala sobre a
responsabilidade do artista em contribuir ativamente na composição perante uma escrita
gráfica. “Graças aos recentes experimentos e aquisições de música aleatória e gráfica
que, entre outras coisas, tornaram o artista responsável, sentimos o desejo de envolvê-lo
mais profundamente na criação musical.” (GLOBOKAR, Vinko, 1970)
É possível fazer uma comparação entre duas peças cênicas, mas que possuem
características diferentes, o próprio ?Corporel(1985) do francês Vinko Globokar e Ceci
n’est pas une balle(2012) de Alexandre Esperet.
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por cada centímetro de gráfico. As mãos possuem indicação do caminho a ser
percorrido, de onde sair, até onde chegar. A figura 6 traz um dos momentos onde o
compositor alterna entre notação gráfica e a notação tradicional. Podemos perceber
neste trecho que a precisão rítmica está claramente ligada à passagem com a notação
tradicional, enquanto na passagem com a notação gráfica o interprete tem um pouco
mais de liberdade para realizar o gesto.
A partitura de Ceci n’est pas une balle é totalmente escrita com notação
tradicional. Possui uma grande bula, que possui as informações necessárias para o
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interprete conseguir reproduzir os vários movimentos corporais ao decorrer da peça. A
grande diferença desta peça para o ?Corporel é que a peça de Alexandre Esperet é
tocada sincronizada com um tape.
Ambas as peças usam apenas o corpo como instrumento, porém, Esperet utiliza
um tape, que faz com que todas as interpretações tenham o mesmo tempo de duração
estritamente. Ainda que nesta peça também tenham fermatas escritas, não é o interprete
quem define a duração delas e sim a duração do evento reproduzido pelo tape.
Os sons executados pelo interprete nesta peça, assim como em ?Corporel são
executados usando as partes do corpo, mas diferente de Globokar, que explora sons de
pouca amplitude e que muitas vezes estão diretamente ligado com sensações, Esperet
utiliza apenas sons tradicionais, com estalos de dedo, palmas agudas e graves, toques no
peito e nas coxas, entre outros.
Esta peça pode ser estudada com metrônomo e deve ser executada exatamente
no andamento indicado para sincronizar os movimentos corporais com os sons
executados pela gravação.
24
2.2 Elementos Interpretativos
O início da peça, por exemplo, eu busco varrer a plateia com o olhar, para
transmitir um ar de estar descobrindo tudo que há de novo naquele lugar. No período 9
eu utilizo um olhar fixo ao fundo da plateia, mudando também a postura corporal. No
período 24 é onde eu sempre utilizo para interagir com alguém do público, buscando
alguém do meio do público para mandar um beijo.
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Outro ponto importante da utilização do olhar é quando deve ser recitado o
trecho do poema de René Char. Esse é o momento em que o interprete utiliza a
linguagem verbal para se comunicar, e a utilização do olhar é primordial para dosar a
dramaticidade desta passagem da peça.
O olhar é explorado até o último momento da peça, quando o interprete deve dar
um golpe fortíssimo no próprio estomago gritar de dor, em consequência ao golpe, e
então encarar o público com os olhos esbugalhados. Em minha interpretação eu não
encaro o público ao final, pois ao meu ver, esse gesto está atrelado à morte, o que não
está vinculado à minha visão sobre a peça.
Outro ponto que pode ser explorado interpretativamente, é o toque das mãos no
corpo. Globokar indica claramente as vezes que o corpo deve ser acariciado ou
esfregado. Assim como o olhar, o toque tem uma função de trazer o público para mais
perto da performance. O tipo de toque pode indicar o tipo de afeto a ser transmitido, nos
momentos de descoberta do corpo, o movimento das mãos é determinante para envolver
o público na performance. Se o gesto for superficial, sem um envolvimento do próprio
interprete, o público não vai se sentir tocado pelo gesto. Esfregar o corpo violentamente
causa sensações estranhas nas pessoas que estão assistindo, e acabam prendendo o
espectador ainda mais.
Os toques que Globokar indica para as notas percutidas, são os toques duros e os
moles. Os duros com as pontas dos dedos, que algumas vezes também podem ser
substituídos pelos nós dos dedos, e os moles que são tocados pela palma das mãos.
Principalmente nas passagens com os toques duros, o interprete pode usar dos
movimentos antes dos toques, muito mais do que a força, para que o espectador também
sinta essa dor, como se tivesse sido tocado no corpo dele. Apesar de o som ser o grande
objeto a ser trabalhado e manipulado nesta peça, estas sensações estão intrinsecamente
ligadas com a interpretação e com o resultado final da peça.
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CAPÍTULO 3:
GUIA INTERPRETATIVO ?CORPOREL
Esses períodos, como estão sendo chamados, podem estar indicados para serem
tocados um de cada vez, simultaneamente ou até mesmo livremente para serem
executado durante ou depois do período a ser executado.
Uma análise de performance será feita ao longo deste capítulo, e como resultado
desta análise, é criado um guia interpretativo para a execução da peça. Esta ferramenta
de análise de performance é muito importante para o período de construção da ideia que
conduzirá a peça do início ao fim. John Rink descreve um pouco da importância desta
análise:
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Período 1
Corpo:
A figura com a cabeça preenchida é para ser tocada com a ponta dos dedos, a
que em algumas passagens também podem ser substituídas pelos nós dos dedos de
acordo com o interprete, nas partes duras do corpo, ou partes ósseas, como o crânio, a
clavícula, o esterno, a canela, assim como outros lugares que forem descobertos pelo
interprete durante o estudo da peça.
Estas duas indicações de toques, podem ser executados com as duas mãos, de
acordo com a direção da haste da nota indicada no trecho.
Embora o compositor não especifique qual mão deve ser utilizada para tocar a
nota com haste para cima ou para baixo, é aconselhável escolher uma mão para cada
direção de haste, o que vai facilitar na execução de algumas passagens no decorrer da
performance.
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Complementando as notas tocadas ou batidas, são utilizados mais dois
movimentos envolvendo as mãos. Um dos movimentos, que é indicado por uma linha
contínua, é o movimento de alisar, ou acariciar o corpo. Esse movimento é utilizado
através do corpo todo, desde o topo da cabeça até a ponta dos pés, ficando a cargo do
interprete definir a intensidade e a intenção do gesto.
Voz:
(figura 10, mostra a posição em que a boca deve estar, aberta ou fechada)
No símbolo [+] a boca deve estar fechada. No símbolo [o] a boca deve estar
completamente aberta. Estes símbolos são sempre ligados, e a transição entre eles é feita
sempre de forma gradual.
Por último, são apresentados os símbolos que são executados pela boca, quase
como notas percutidas. São eles:
29
(Figura 11, Som de beijo)
Período 2
Manter o corpo ereto e com uma postura adequada para cada passagem da peça,
é um grande desafio, que exige um pouco de preparo físico para se manter ereto e não
acabar curvando a coluna ao longo da peça. O tempo de duração da peça, é medido
30
através da partitura, sendo que um centímetro do gráfico equivale a um segundo de
execução.
Periodo 3
As pausas entre um gesto e outro nem sempre são seguidas estritamente, mas
sim usadas como uma referência, podendo se utilizar da interação com o ambiente e
31
com o público presentes no momento da performance, como por exemplo encarar
alguém que esteja rindo, ou mexendo no celular.
O próximo gesto, se inicia de onde o primeiro gesto se encerrou, com uma mão
no crânio e outra no pescoço, podendo significar a descoberta de dois novos elementos
do corpo, o cabelo e o pescoço.
A partir daí o próximo gesto se desenvolve com as duas mãos tateando toda a
superfície do rosto, sendo que a mão que estava no pescoço vai até o cabelo e a que
estava no cabelo desce para o pescoço, finalizando o gesto na posição inicial. Enquanto
a consoante [h] continua sendo emitida, alternando entre a boca aberta [o] e boca
fechada [+].
A seguir são inseridas duas novas consoantes, o [f] e o [s], ambas também são
executadas alternando a posição da boca entre aberta e fechada. Esse gesto se inicia com
uma das mãos acariciando o rosto, a partir do pescoço, em movimentos circulares
chegando até a cabeça.
32
Essas notas são executadas com a ponta dos dedos em alguma região sonora do
crânio, que deve ser pesquisada pelo interprete. Em sincronia com as notas executadas,
deve se abrir a boca em movimentos súbitos enquanto se emite a consoante [f].
Esses mesmos movimentos são repetidos com as mãos invertidas, com a mão
que tocou a seção rítmica acariciando a região da cabeça, e a outra mão fazendo a seção
rítmica na região óssea do rosto, abaixo dos olhos, enquanto se emite a consoante[s] e se
repete os movimentos de abertura súbita da boca.
O último período se encerra com um gesto sincronizado entre a boca e uma das
mãos. Enquanto o executante emite a consoante [f] com a boa semicerrada, uma das
mãos desce da cabeça em direção à parte óssea do rosto para executar o mesmo motivo
rítmico da frase anterior, sendo que a primeira nota do motivo, é sincronizada com o
fonema [sch].
Período 4
33
Período 5
Período 6
Neste período é inserida uma formula de compasso, o três por quatro, num
andamento sugerido de semínima igual a 44 bpm. Para poder diferenciar essas
passagens com andamentos e formulas de compasso indicadas pelo compositor, eu
utilizo uma interpretação mais clara e rítmica dessas passagens, deixando os gestos mais
claros, e executando o trecho com menos liberdade, para poder contrapor às passagens
de notação gráfica, onde a interpretação acaba sendo um pouco mais livre. As notas
percutidas no segundo compasso devem ser executadas em algum local que possibilite
maior amplitude sonora e ressonância.
Período 7
34
Dentro deste período já existe um contraste dos dois tipos de notação e
interpretação, começando com uma parte gráfica e depois de um silencio, o retorno da
escrita tradicional.
Período 8
Não existe uma transição para o oitavo período, apenas uma pequena pausa entre
o final do sétimo e o começo do oitavo. Assim como no período anterior, existe logo no
início deste período a contraposição dos dois tipos de notação. Neste período, o
interprete segue explorando o tronco, começando com o gesto de acariciar o corpo a
partir do peito, subindo até o topo da cabeça, finalizando em mais uma seção métrica.
35
(figura 21, período 8)
36
Período 9
37
(figura 24, período 10)
Período 11
As frases rítmicas são intercaladas com seções de transição, que introduzem pela
primeira vez alguns dos sons emitidos pela boca, como o beijo e os estalos. Essas seções
vão ficando cada vez maiores.
Uma nova seção de transição é inserida, agora um pouco maior, com dois
segundos de duração aproximada, e a cada nova transição, as mãos começam a explorar
novos lugares do corpo. Nesta segunda transição, o interprete deve acariciar e coçar o
corpo a partir do peito, subindo pela cabeça e depois chegando ao ponto da próxima
frase rítmica, que é a barriga. No ápice desta transição, deve ser emitido o som similar
ao de um temple block, “tipo de tambor de madeira, escavado em forma arredondada,
[...] são usados em templos budistas como sinalizadores, geralmente esculpidos com
desenhos de flores peixe ou dragão” (FRUNGILLO, MARIO, 2003, p.343)
38
Uma nova frase rítmica é inserida, dessa vez, sendo tocada na barriga, sempre
com a parte macia das mãos. Enquanto a frase rítmica é executada, o interprete deve
continuar emitindo os sons com a boca. A cada seção, um novo som é inserido. Nesta
seção o fonema [sch] é inserido, se alternando entre as consoantes [r] e [f]. Não é
determinada pelo compositor a duração exata de cada um dos fonemas executados,
ficando a cargo da interpretação do interprete saber ponderar a duração e a intensidade.
Período 12
39
foram tocados a parte rítmica, cabeça, peito, barriga, coxas e finalizando no próximo
ponto que será a canela.
A consoante que é inserida desta vez é a consoante [s] que deve seguir
alternando com os outros fonemas. Nesta frase rítmica, que deve ser tocada na canela,
existe uma divergência, pois o compositor explica na primeira seção da peça, que
quando tem a figura com a cabeça não preenchida, como uma mínima, a nota deve ser
executada com a parte macia das mãos tocada contra as partes moles, ou macias do
corpo.
Neste ponto da peça, o compositor pede para tocar na tíbia, osso que compõe a
canela, ou seja, uma parte dura do nosso corpo. As soluções encontradas são tocar na
lateral da canela, tentando reproduzir um som mais agudo possível, ou tocar na
panturrilha, porém, dependendo do jeito que o interprete estiver posicionado, esta
segunda opção acaba ficando inviável.
Período 13
Enquanto as mãos percorrem todo esse caminho, o ultimo som que faltava é
inserido, o som de aspirar o ar por entre os dentes. A duração deste som é determinada
pelo interprete.
A última frase rítmica é a mais curta, duas notas, uma com cada mão, tocadas
em regiões macias do pé, que podem se tanto a sola quanto o peito do pé. Enquanto
essas duas notas são tocadas, todos os fonemas utilizados até agora, são executados, de
forma aleatória. Ao final da última nota, o interprete deve se curvar sobre o próprio
corpo, como se estivesse sem consciência. E se manter assim na duração da fermata.
40
(figura 26, período 13)
Período 14
É neste período que se encontra a única parte melódica de toda peça. Um canto
em bocca chiusa, composto de uma melodia sem notas definidas, apenas alturas
referenciais. Estas notas não possuem duração ou altura, são apenas sugestões para
interpretação.
41
(figura 27, período 14)
Períodos 15 e 16
Período 17
42
subindo para o queixo, tocando nos ossos do rosto, até finalizar com a última nota em
uma parte sonora do crânio.
Nos quatro primeiros compassos, uma das mãos faz o movimento de coçar a
barriga, geralmente indicado para realizar o movimento durante as pausas das notas
percutidas com a outra mão. Durante todo o período, são realizadas algumas
intervenções com a voz, executando algumas consoantes e alguns fonemas.
Período 18
Período 19
43
Período 20
Período 21
Todo esse gesto é bem dolorido, e o interprete deve tomar cuidado para não
acabar machucando os pés, pois as batidas contra o solo acabam sendo muito fortes, e
sem muito controle da região do pé onde vai bater.
44
Período 22
Esta frase rítmica deve ser acelerada ao máximo, até perder o controle e acabar
ficando fora de ritmo e incontrolável.
Período 23
Assim que o movimento dos braços e das pernas, do período anterior, estiver
incontrolável, o interprete tem que levantar o corpo e gritar a plena voz a vogal [A].
Para emitir essa vogal, o interprete pode escolher entre algumas opções, dentre
elas cantar uma nota afinada como um cantor lírico, com a voz empostada buscando
uma boa projeção da nota. Ou então emitir um grito muito forte, ignorando notas
definidas, simplesmente um grito, seja ele de susto ou dor.
A escolha da intenção desse grito é muito importante e deve estar de acordo com
as escolhas interpretativas da peça. Simultaneamente ao grito, o interprete faz um
balanço com as pernas fazendo com que o interprete volte a posição inicial da peça,
sentado sobre as pernas cruzadas para dar continuidade ao próximo período.
Período 24
45
O primeiro compasso deste período é inteiro do gesto de coçar a cabeça, ficando
a cargo do interprete decidir sobre o uso de uma ou de duas mãos para realizar o gesto.
Aos poucos, o compositor vai introduzindo os outros elementos, começando pelo som
do beijo, que é emitido assim que o interprete para de coçar a cabeça. A partir daí, os
elementos vão sendo adicionados um a um, sempre alternando os gestos entre coçar a
cabeça, emitir o som com a boca, e tocar uma nota com a ponta dos dedos em uma parte
óssea do pé.
46
Período 25
Esse movimento pode ser executado espalmando as duas mãos contra a cabeça
no final do período ou cruzando-as atrás da cabeça, como se estivesse algemado e preso
à um ponto mais alto que a cabeça, porém esta última opção dificulta que as notas sejam
executadas de forma sonora, e acabam tendo mais uma função visual do que sonora.
Período 26
O único momento de toda a peça que tem uma linguagem verbal compreensível
a qualquer pessoa, que conheça a música ou não, é uma citação de um trecho de um
poema de René Char.
O discurso deve ser feito após ficar em joelhos em frente ao público, o que é um
movimento um pouco complicado, pois sair da posição sentado sobre as pernas
cruzadas e ir para a posição ajoelhado sem mudar a posição das mãos cruzadas atrás da
cabeça.
O equilíbrio do corpo fica um pouco debilitado por causa da posição das mãos,
por causa disso esse movimento deve ser estudado pensando nestas dificuldades. Esse e
outros momentos da peça exigem um pouco mais de força abdominal, fazendo com que
o interprete necessite trabalhar esses músculos para que consiga ter um domínio do
corpo nestes tipos de passagem.
47
Período 27
O primeiro a ser executado, é o som do beijo, que é indicado para começar com
bastantes notas e fazer um ralentando espaçando assim uma nota da outra. Para esse
gesto é indicado a duração de cerca de sete segundos.
Após uma pausa na emissão dos fonemas, mas ainda continuando a esfregar a
cabeça, é iniciado a emissão do próximo fonema, que é o estalar da língua imitando o
som de um temple block. Esse gesto musical deve começar mais lento, e após um
acelerando, chegar à velocidade mais rápida que o interprete consiga executar.
Este último fonema neste momento da peça, é executado de uma forma diferente
da qual o compositor indicou no primeiro período. Ele indica que esses fonemas sejam
todos executados aspirando o ar, ou seja, de fora para dentro do corpo. Porém neste
último gesto, ao deixar as notas mais densas, o interprete deve aspirar e inspirar de
forma acelerada, dando a sensação de agonia, e desespero. Portanto, neste momento da
peça, é necessário inspirar junto com a emissão do fonema.
48
(figura 34, período 27)
Período 28
O período 28 refere-se a levantar-se, porém ele pode ser executado tanto no final
do período 27 quanto no decorrer do mesmo. O interprete deve se levantar com as duas
mãos ainda sobre a cabeça.
Período 29
Período 30
49
É indicado um tempo ad libitum ficando a cargo do interprete definir o
andamento deste último período. Todas as notas devem ser tocadas alternadamente, com
as partes macias ou com as partes duras das mãos, em partes macias ou ósseas do corpo,
sem nenhuma restrição.
Período 31
Período 32
Em minha interpretação, que na maioria das vezes não tinha uma iluminação
adequada, eu me curvava, mas ao invés de encarar o público com os olhos arregalados,
eu mantenho minha cabeça baixa, como se estivesse escondendo o rosto do público.
50
(figura 36, períodos 31 e 32)
51
CONCLUSÃO
A pesquisa de música cênica nos faz perceber que ainda existe um grande
repertório, um pouco específico, mas que não é explorado de fato. Ainda existem
poucos trabalhos sobre este assunto, o que faz com que seja difícil, ainda no século
XXI, conseguir reunir um bom material de apoio para desenvolver ideias.
Durante a segunda metade do século XX houve um grande crescimento desta
vertente da música contemporânea. Muitos compositores como Cage, Kagel, Aperghis,
Globokar e Applebaum foram grandes responsáveis por fazer essa ligação entre esse
tipo de música e o universo da percussão.
Globokar criou o ?Corporel a partir da premissa de exploração sonora do corpo,
fazendo com que o interprete passe a conhecer melhor o seu corpo e o tipo de som que
se pode produzir. Mesclando as artes cênicas com a música, alternando e fundindo essas
duas linguagens, Globokar possibilita uma grande participação do interprete na
construção de sua peça. O interprete é livre para poder fazer algumas escolhas ou até
mesmo inserir elementos próprios no decorrer da peça.
No segundo capítulo é possível notar a contraposição da notação tradicional e da
notação gráfica que é utilizada por Globokar, e entender que a notação tradicional se
traduz, muitas vezes, em uma performance mais livre e aberta, ainda que a peça possua
elementos detalhados, e uma escrita tradicional acaba sendo o oposto, obrigando o
interprete a reproduzir apenas as notas em seus respectivos tempos.
O guia desenvolvido serve para aproximar o interprete da obra, uma vez que por
si só a obra já parece intimidadora à primeira vista e o contato com a partitura, muitas
vezes, acaba distanciando de vez o interprete da peça.
Neste guia é possível entender as nuances da escrita gráfica utilizada por
Globokar e entender onde é possível inserir elementos próprios de interpretação em
cima das sugestões indicadas pelo compositor, apresentar as opções interpretativas e
mostrar algumas resoluções de problemas encontrados durante o estudo da peça.
52
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SALZMAN, Eric. The new music theater: seeing the voice, hearing the body/ Eric
Salzman and Thomas Desi. New York: Oxford University Press, 2008
53
SANTOS, Kemuel Kesley Ferreira dos. Música cênica para percussão: Abordagem
conceitual interpretativa e análise da obra Lost and Found, de Frederic Rzewski.
[manuscrito] / Kemuel Kesley Ferreira dos Santos. – 2017
SCHICK, Steven. The percussionist’s Art: Same bed, Different Dreams. University
of Rochester, New York, 2006
54
ANEXO 1:
PARTITURAS ?CORPOREL
55
56
57
58
59
60
61