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NATUREZA JURÍDICA DA DESERDAÇÃO

NATUREZA JURÍDICA DA DESERDAÇÃO


Soluções Práticas - Fachin | vol. 2 | p. 221 - 239 | Jan / 2012
DTR\2012\389

Luiz Edson Fachin


Pós-Doutorado pelo Ministério das Relações Exteriores do Canadá. Doutor e Mestre em
Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Professor Titular de Direito Civil da UFPR.

Área do Direito: Civil


Resumo: Deserdação. Filho que maneja em face do pai ação declaratória. Hipótese apta
a objetivar procedimento de deserdação. Inocorrência. Exercício do direito constitucional
de ação que não se enquadra como hipótese de deserdação e sua natureza jurídica.
Entendimento doutrinário e jurisprudencial.

Palavras-chave: Deserdação - Injúria - Natureza jurídica - Ascendente - Descendente.


Abstract: Disinheritance. Son that brings declaratory action against his father.
Hypothesis able to objectify disinheritance procedure. Non-occurrence. Exercising the
constitutional right of action, that doesn't fit in the legal hypothesis for disicheritance.
Doctrinal and jurisprudential understanding.

Keywords: Disinheritance - Injury - Legal nature - Ascendant - Descendant.


Sumário:

1. Do objeto da consulta - 2. Dos quesitos formulados - 3. Da natureza jurídica da


deserdação, e de sua distinção e relação a figuras afins - 4. Do exame das hipóteses dos
arts. 1.961 e 1.962 do CC/2002 à luz do objeto da consulta - 5. Da deserdação por
denunciação caluniosa ou crime contra honra - 6. Da deserdação por grave injúria - 7.
Da análise sobre o enquadramento ou não da conduta praticada pelo descendente às
causas de deserdação constantes dos arts. 1.961 e 1.962 do CC/2002 - 8. Da prova da
causa de deserdação e do instrumento processual próprio para esse fim - 9. Das
respostas aos quesitos formulados

1. Do objeto da consulta

Trata-se da viabilidade ou não de se proceder à deserdação de descendente por


ascendente fundada, em suma, na propositura de demanda pelo filho em face do pai e
em afirmações contidas nos autos respectivos.

Esclarecimentos iniciais são necessários quanto ao método e à forma do presente


parecer.

Quanto aos fatos, por fidelidade à exiguidade, ressalte-se que são tomados aqueles que
se encontram explicitamente existentes nos autos em pauta, abdicando-se aqui, então,
de sumariar o que no processo se contém, expondo, pois, seu conteúdo essencial.

Na doutrina é trazido à colação o conjunto de saberes construídos a partir do Código


Civil (LGL\2002\400) anterior e já sob o pálio do atual diploma.

Na legislação vem a lume o teor da Constituição Federal (LGL\1988\3), do diploma civil


material, do diploma civil processual e leis esparsas.

Na jurisprudência acolhe-se o sentido e o alcance de pronunciamentos de Cortes que


sejam pertinentes ao tema, sem o alongamento analítico, fazendo tão só referência
expressa quando necessário.

Conforme patenteado, a pretensão de se levar a efeito a deserdação decorreria


primacialmente da propositura pelo descendente de demanda em face do ascendente,
em cujos autos foram proferidas pelo primeiro afirmações reputadas como ofensivas pelo
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segundo.

Além da análise acerca do cabimento ou não da deserdação no caso em tela, a consulta


requer o exame sobre a existência ou não de instrumento processual apto para, vivo o
ascendente testador, fazer prova da causa de deserdação em face do descendente.

Segundo a narrativa formulada na consulta, à luz dos documentos apresentados, a


demanda ajuizada pelo filho em face do pai consiste em ação declaratória por meio da
qual o autor pretende que se declare a inexistência de contrato de doação a vincular
autor e réu.

O requerido respondeu ao pedido, afirmando que a doação foi aperfeiçoada,


baseando-se em fundamentos de fato que buscam infirmar a narrativa constante da
exordial.

Em sede de impugnação da contestação, o autor reitera os argumentos expendidos na


inicial, rechaçando as afirmativas constantes da contestação, em especial no tocante aos
fundamentos de fato.

Nessa impugnação, foram esgrimidas as afirmações que geram a controvérsia a acerca


do cabimento ou não da deserdação.

Nos autos, o descendente afirma que se trata de aleive a alegação constante da


contestação de que ele teria induzido o ascendente e seus sócios a lhe outorgarem o
direito de receber a totalidade dos honorários advocatícios decorrentes da ação.

Adjetiva, ainda, de similar maneira a alegação de que os acionistas da empresa


administrada pelo ascendente teriam acordado em atribuir ao descendente 15% dos
honorários de sucumbência decorrentes daquela demanda.

Afirma como de má-fé a alegação do ascendente de que este teria aceitado verbalmente
a doação que teria sido proposta pelo descendente.

Adiante, o descendente afirma que a alegação formulada por seu ascendente acerca de
suposta prodigalidade do filho seria “sórdida”.

Por conta dessas afirmações, narra a consulta que o ascendente pretende a deserdação
do descendente por meio de testamento. Daí emergem as questões que conformam a
análise a ser levada a efeito por meio deste parecer.

2. Dos quesitos formulados

O tema central concerne a alguns aspectos da deserdação, especialmente relacionados


com os seguintes quesitos:

1. É possível a deserdação por decisão testamentária do pai em relação à prática de


injúria, calúnia ou difamação?

2. A deserdação por crime contra a honra pressupõe prévia condenação no juízo


criminal?

3. Existem nos autos em cotejo afirmações ou circunstâncias que se enquadrem, sem


dúvida, nas hipóteses de deserdação?

4. É possível formular e aforar pedido judicial de prova antecipada ou justificação quanto


à causa da deserdação?

5. É recomendável o aforamento de pedido judicial de prova antecipada ou justificação


quanto à causa da deserdação no caso em tela?

3. Da natureza jurídica da deserdação, e de sua distinção e relação a figuras afins


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A Constituição Federal (LGL\1988\3) garante o direito à sucessão, como estatui o inc.


XXX do art. 5.º: “é garantido o direito de herança”.

Não obstante a garantia constitucional do direito à herança, é nosso entendimento que


se mantém, mesmo após a Constituição de 1988, o direito do pai destinado a deserdar o
filho, nos estritos termos da lei. Em nosso ver, é insustentável defender a tese segundo
a qual, considerando que é garantido o direito de herança, ninguém poderia mais ser
deserdado ou ser declarado indigno para suceder, em razão do direito à sucessão.

Tal conclusão é singela: a garantia constitucional geral não faz tombar a lei
infraconstitucional que define os parâmetros a partir dos quais se dá a atribuição
sucessória.

Trata-se de garantia que se define em face do Estado, que não pode abolir o direito de
herança. Isso não é o mesmo que afirmar que a Constituição asseguraria a dados
sujeitos, de modo absoluto, o direito de herdar – o que, em nosso entender, não seria
sustentável. Com efeito, a deserdação de um herdeiro vem em benefício de outros, o
que mantém hígida a garantia constitucional geral.

É certo que a atuação é restrita, uma vez que o legislador do Código Civil
(LGL\2002\400) retirou do testador a decisão quanto às causas ou aos casos de
deserdação, devido à gravidade desse ato, não admitindo interpretação extensiva e nem
o emprego de analogia.

As regras legais não deixam margem à dúvida; dispõe, a propósito, o Código Civil
(LGL\2002\400) de 2002 e seus artigos:

“1.961. Os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados,


em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão.

1.962. Além das causas mencionadas no art. 1814, autorizam a deserdação dos
descendentes por seus ascendentes:

I – ofensa física;

II – injúria grave;

(…)

IV – relações ilícitas com a madrasta, ou o padrasto;

V – desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade”.

O art. 1.963 do CC/2002 (LGL\2002\400) traz o preceito que concerne à deserdação dos
ascendentes pelos descendentes.

Adicionam-se a essas regras as seguintes normas expressas nos artigos:

“1.964. Somente com expressa declaração de causa pode a deserdação ser ordenada em
testamento.

1.965. Ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a deserdação, incumbe provar


a veracidade da causa alegada pelo testador.

Parágrafo único. O direito de provar a causa da deserdação extingue-se no prazo de 4


(quatro) anos, a contar da data da abertura do testamento”.

A regra, pois, é direta: a deserdação pressupõe delito ou outro ato reprovável, definido
em lei, do descendente em face do ascendente. Por isso mesmo, a exerdação pode ser
vista como “dúplice via de mão geminada”: de uma parte, ascendentes podem deserdar
descendentes, e vice-versa, de outro lado, a tentativa de prova da causa pode
beneplacitar a demonstração da inexistência de motivo legal suficiente.
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É, enfim, uma manifestação de vontade negativa, embora, a rigor, favoreça outro


herdeiro.

Do campo ético e moral (espelhando na mágoa, ressentimento, desrespeito, além de


questões empresariais de gestão) à seara estrita da técnica jurídica dos crimes contra a
honra, com tipos penais específicos, e da injúria grave (que não se subsume,
necessariamente, ao conceito penal) há uma travessia íngreme a ser vencida.

Em notório caso ruidoso, envolvendo empresário do interior paulista, na Comarca de Y, o


filho promoveu contra o pai representação criminal ao Ministério Público; na hipótese,
sobreveio ao inquérito e à denúncia a absolvição, o que autorizou o ato de exerdação.

Atendeu-se ali, assim, o requisito inafastável da comprovação da veracidade do motivo


alegado pelo testador para decretar a deserdação; de qualquer sorte, o fez mediante
ação ordinária movida contra o deserdado dentro do prazo de quatro anos, tal prazo
contado, por certo, da abertura da sucessão.

Essa regra sobre o lapso temporal se mantém: embora haja proposta legislativa em
curso na Câmara dos Deputados, o novo Código ainda prevê o prazo de quatro anos, a
contar da data da abertura do testamento, para se provar a causa da deserdação; a
proposta é no sentido de reduzir o prazo para dois anos, a partir da data da abertura da
sucessão.

Autores diversos, clássicos e contemporâneos, tratam do tema no Brasil, a principiar por


Orlando Gomes, passando por Miguel Maria de Serpa Lopes, Washington de Barros
1
Monteiro, Maria Helena Diniz e chegando a Leila Moreira Soares, além dos estudos que
têm sido produzidos, nos últimos 10 anos, pelos membros do Instituto Brasileiro de
Direito de Família sobre o tema sucessório, destacando-se Euclides de Oliveira, Zeno
Veloso e Giselda Hironaka. Também recentemente o tema constituiu exame na obra de
2
Salomão de Araújo Cateb.

A deserdação é, pois, matéria de razoável produção doutrinária na linha em que a


considera como sanção civil, a exemplo da exclusão de herdeiro por indignidade ou da
revogação da doação por ingratidão do donatário.

Diferencia-se, de plano, da pura e simples exclusão voluntária de herdeiro legítimo


facultativo: esta última decorre da autonomia privada, como poder de disposição, sem
ter caráter sancionatório; a deserdação, ainda que decorrente também da vontade do
testador, tem caráter de sanção, sujeitando-se ao limite imposto por rol exauriente de
hipóteses, que serão oportunamente analisadas.

Segundo Carlos Maximiliano, a deserdação depende do atendimento simultâneo de


quatro requisitos:

“Para se tornar efetiva a penalidade, é, portanto, indispensável o concurso de quatro


requisitos: (a) ocorrer, pelo menos, uma das causas previstas em lei; (b) consistir
motivo de privação da legítima em um fato já ocorrido quando foi lavrado o testamento;
(c) acharem-se declaradas em ato de última vontade a deserdação e a causa da mesma;
(d) ser provada a existência da causa por aquele a quem aproveita a deserdação, ou
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pelo indivíduo que pretende tornar efetivo esse castigo ao desamoroso”.

Nada obstante se trate de sanção, como se sabe, a deserdação somente se pode operar
mediante disposição testamentária: ou seja, não decorre a deserdação diretamente da
lei, mas, sim, da vontade do testador, autorizado pela lei, à luz de rol taxativo de
hipóteses.

Diferencia-se, de tal modo, da indignidade: enquanto esta se opera por determinação


legal, a deserdação se opera por autorização legal.

A indignidade se caracteriza independentemente de testamento: a prática de qualquer


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das condutas descritas no art. 1.814 do CC/2002 (LGL\2002\400) gera a exclusão por
indignidade. Observe-se que a exclusão se opera sem que se necessite de disposição
testamentária declarando a causa de indignidade, bastando aos legitimados, após a
morte do ofendido, a propositura da ação de exclusão. O testamento somente será
relevante, tratando-se de indignidade, para a reabilitação eventual do indigno, seja
integral, seja parcial.

Demais disso, a indignidade é sanção que pode se aplicar a qualquer sucessor,


testamentário ou legítimo e, entre estes últimos, necessários ou facultativos.

Já a deserdação tem destinatários específicos, que são os herdeiros necessários do


testador. A finalidade da deserdação, como anteriormente exposto, é a de privar os
herdeiros necessários do direito à legítima ou reservatória, pelo que não tem sentido
referir-se a deserdação de herdeiro facultativo ou de algum sucessor testamentário, seja
herdeiro instituído ou legatário.

As causas de indignidade, é certo, são, simultaneamente, causas de deserdação (art.


1.961 do CC/2002 (LGL\2002\400)). Isso não significa, entretanto, identidade entre os
conceitos, à medida que um mesmo fato pode ensejar consequências jurídicas diversas.
Além disso, embora as causas de indignidade sejam também causas de deserdação, os
arts. 1.962 e 1.963 do CC/2002 (LGL\2002\400) indicam causas de deserdação que não
são aptas a ensejar exclusão por indignidade.

Não se pode olvidar, todavia, que sem embargo de ser autorizada por lei, a deserdação
é limitada a rol taxativo de hipóteses – ainda que mais amplo do que aquele rol que
determina as causas de exclusão por indignidade.

Na verdade, a exclusão voluntária de herdeiro necessário é medida excepcional: a regra


é a limitação quantitativa das disposições testamentárias à porção disponível,
preservando-se o direito de descendentes, ascendentes e cônjuge à reservatória.

Somente à guisa de exceção é admitida a exclusão voluntária de herdeiro necessário, a


título sancionatório, pela prática de condutas previamente definidas pelo legislador a
partir de um juízo de desvalor.

À luz do caso em tela, necessário é o exame das causas integrantes desse rol taxativo
para que se possa aferir a presença ou a ausência de hipótese apta a conduzir à
deserdação do herdeiro. É o que se fará a seguir.

4. Do exame das hipóteses dos arts. 1.961 e 1.962 do CC/2002 à luz do objeto da
consulta

Segundo anteriormente descrito, o art. 1.961 do CC/2002 (LGL\2002\400) se reporta ao


art. 1.814 do CC/2002 (LGL\2002\400) quando prevê como causas de deserdação
aquelas hipóteses em que o herdeiro pode ser excluído da sucessão por indignidade.

Por serem manifestamente impertinentes ao objeto da consulta, as hipóteses de


homicídio doloso tentado ou consumado e de ilegítimo ato obstativo da livre expressão
ou da eficácia de disposições de última vontade (previstas no art. 1.814, I e III, do
CC/2002 (LGL\2002\400), ao qual se refere o art. 1.961 do CC/2002 (LGL\2002\400))
são, de plano, excluídas dessa análise.

O mesmo se diga sobre as hipóteses atinentes à violência física, relação libidinosa com
madrasta e abandono de ascendente com doença mental ou grave enfermidade,
previstos, respectivamente, nos art. 1.962 I, III e IV, do CC/2002 (LGL\2002\400).

O art. 1.963 do CC/2002 (LGL\2002\400) se refere à exclusão dos ascendentes pelos


descendentes, o que, por evidente, não se subsume à hipótese em análise, que se refere
a pretensão de deserdação de descendente por ascendente.

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NATUREZA JURÍDICA DA DESERDAÇÃO

Restam, pois, como objetos de exame para o atendimento da consulta, as hipóteses dos
arts. 1.814, II, e 1.961, II, do CC/2002 (LGL\2002\400).

Mister é diferenciar as hipóteses acima referidas, para que se possa compreender


adequadamente do que se trata. Assim, examinar-se-á, doravante, a distinção entre a
deserdação por denunciação caluniosa em juízo ou crime contra a honra e a deserdação
por grave injúria.

5. Da deserdação por denunciação caluniosa ou crime contra honra

Prevê o art. 1.814, II, do CC/2002 (LGL\2002\400) que são excluídos da sucessão
aqueles que houverem “acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou
incorrerem em crime contra a sua honra, de seu cônjuge ou companheiro”.

Nada obstante se trate de hipótese de indignidade, a previsão normativa acima citada se


aplica também à deserdação, por força do disposto no art. 1.961 do CC/2002
(LGL\2002\400), que afirma que os herdeiros necessários podem ser deserdados nas
mesmas hipóteses em que podem ser excluídos da sucessão.

Necessário se faz, nessa toada, apreender o sentido e o alcance da disposição legal em


comento.

A referência constante da norma é, em ambos os casos, a conduta criminosa praticada


pelo herdeiro. Não se trata, aqui, de conceito civil, já que expressamente o inciso em
tela faz referência à prática de crime. É a partir da caracterização dos crimes descritos
no inciso que se consubstanciará ou não a hipótese de deserdação.

A questão reside em saber se o fato criminoso é bastante por si só para ensejar


deserdação ou se haveria exigência de prévia condenação penal.

Em outras palavras, é necessário, para compreender o comando que deflui da norma,


investigar se a deserdação é possível ainda que o autor dos crimes referidos não tenha
sido condenado criminalmente.

A questão é especialmente relevante tratando-se de crime contra a honra, que prevê a


decadência do direito de queixa no prazo de seis meses. É necessário ponderar se,
extinta a punibilidade por essa razão, haveria, ainda, a possibilidade de, comprovados os
elementos da conduta criminosa no juízo cível, aplicar-se ao seu autor a sanção civil
correspondente.

A resposta a esse problema é controversa na doutrina, e demanda bipartir o disposto no


artigo em tela em hipóteses distintas: denunciação caluniosa em juízo e crimes contra a
honra.

Sabe-se que é pacífico o entendimento doutrinário de que, na hipótese de indignidade


(e, por conseguinte, também de deserdação) por homicídio doloso tentado ou
consumado, não é necessária a prévia condenação penal para que a sanção civil possa
ser aplicada.

É que o Código Civil (LGL\2002\400) de 2002, a exemplo do que já constava do Código


Civil de 1916 (LGL\1916\1), não adota o regime de indignidade do Código Civil
4
(LGL\2002\400) francês, que, em seu art. 726, prevê como indigno o condenado por
homicídio.

Mais consentânea com o que deflui da norma do Código Civil (LGL\2002\400) de 2002 é
a orientação que rege o Código Civil (LGL\2002\400) italiano, que não exige prévia
condenação penal.

Naturalmente, a absolvição em que se comprova cabalmente no juízo penal que o


acusado não cometeu o crime produzirá efeitos no juízo cível, afastando a deserdação e
a indignidade.
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NATUREZA JURÍDICA DA DESERDAÇÃO

O mesmo se diga sobre a decisão condenatória no juízo penal, que afasta a possibilidade
de que os fatos e sua qualificação como crime sejam rediscutidos no juízo cível: ainda
que a sentença cível seja indispensável, tanto na exclusão quanto na deserdação, esta
deverá tomar a sentença condenatória penal como prova acerca da caracterização do
crime.

Assim, basta a comprovação dos elementos da conduta criminosa (tipicidade,


antijuridicidade e culpabilidade), independentemente de prévia condenação penal, para
que se apresente a causa de exclusão e de deserdação.

O mesmo raciocínio se aplica à primeira parte do inc. II do art. 1.814 do CC/2002


(LGL\2002\400), que prevê a indignidade (e a possibilidade de deserdação, por força do
art. 1.961 do CC/2002 (LGL\2002\400)) na hipótese de denunciação caluniosa em juízo.

Nessa primeira parte da norma em comento, não se exige condenação penal, bastando
realizar, no cível, a prova acerca da conduta criminosa. Ainda que o Ministério Público
jamais tenha denunciado o autor do delito, ou, ainda que eventualmente extinta a
punibilidade, se os elementos do crime estiverem presentes a deserdação será possível.

É esse o entendimento da doutrina acerca do tema, como se extrai, à guisa de exemplo,


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das obras de Carlos Maximiliano, Caio Mário da Silva Pereira, Arnaldo Rizzardo Destoa
6
desse entendimento Hermenegildo de Barros, citado por Carvalho Santos.

Outra questão que pode emergir a respeito da denunciação caluniosa é se ela deve ter
sido proferida em sede de processo penal ou se bastaria a referência caluniosa em
processo cível.

A jurisprudência, em nosso ver, com razão, diz respeito ao juízo criminal, como se
observa do seguinte julgado:

“(…) Na interpretação mais autorizada do art. 1595, II, do CC, só é passível de exclusão
o herdeiro que haja acusado, caluniosamente, em juízo criminal, a pessoa de cuja
sucessão se trata, ou, ainda, que tenha sofrido condenação por crime contra sua honra”.

Mais controversa é a interpretação a ser dada à segunda parte do inciso, que diz respeito
àqueles que incorrerem em crime contra a honra do de cujus, de seu cônjuge ou
companheiro.
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Carlos Maximiliano não diferencia as hipóteses da primeira e da segunda parte do
inciso, afirmando que, em ambas, desnecessária é a prévia condenação penal. Caio
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Mário da Silva Pereira também não diferencia as hipóteses, fazendo referência expressa
apenas à denunciação caluniosa e afirmando que, nesse caso, desnecessária é a prévia
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condenação penal. O mesmo se infere da obra de Carvalho Santos.

A maior parte da doutrina, ainda que sem tecer maiores considerações sobre o tema,
discorda desse entendimento, afirmando que, sem prévia condenação pelo crime contra
a honra, inviáveis são a exclusão por indignidade e a deserdação.

O argumento utilizado é que a norma prevê as sanções para “aqueles que incorrerem em
crime contra a honra”, afirmando que incorrer em crime é o mesmo que ser condenado
pelo crime.

Esse é o entendimento, entre outros, de Eduardo de Oliveira Leite, Silvio Rodrigues,


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Maria Helena Diniz, Arnaldo Rizzardo e Giselda Hironaka.

Nada obstante a controvérsia doutrinária, a análise do emprego do vocábulo “incorrer”


no direito positivo – notadamente o Código de Processo Penal (LGL\1941\8) – é
vinculada à aplicação de sanção, e não à conduta sancionada propriamente dita. Assim,
têm-se como exemplos o art. 443, § 1.º do CPP (LGL\1941\8), que prevê que o jurado
incorrerá em multa se não comparecer à reunião do júri, bem como o § 3.º do mesmo
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artigo, que dispõe que incorrerá em multa o jurado que se retirar antes de dispensado
pelo presidente.

À luz do emprego do vocábulo no Código de Processo Penal (LGL\1941\8), portanto,


incorre-se em sanção (e não em crime) que, a seu turno, só pode decorrer de decisão
condenatória.

Nesse sentido, a conclusão acima conduz à exegese predominante na doutrina civilista,


de que o crime contra a honra (exceto a denunciação caluniosa em juízo) somente pode
gerar deserdação quando o seu autor for condenado criminalmente pelo delito,
incorrendo na pena a ele correspondente.

6. Da deserdação por grave injúria

A deserdação por grave injúria prevista no art. 1.962, II, do CC/2002 (LGL\2002\400)
não se confunde com o crime de injúria implícito à referência a crime contra a honra
presente no art. 1.814, II, do CC/2002 (LGL\2002\400).

A injúria, aqui, assume sentido próprio ao direito civil, sendo desnecessária a


caracterização da conduta típica.

Nesse sentido, vem a lição de Zeno Veloso:

“Pode-se aproveitar, para o direito civil, o conceito dado pelo excelso penalista Nélson
Hungria: a injúria ‘é a manifestação, por qualquer meio, de um conceito que importe
ultraje, menoscabo ou vilipêndio a alguém. O bem jurídico lesado pela injúria é,
prevalentemente, a chamada honra subjetiva, isto é, o sentimento da própria
honorabilidade ou respeitabilidade’.

(…)

Observe-se, todavia, que a injúria tem um sentido mais amplo, uma compreensão mais
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lata, um conceito mais largo em direito civil do que em direito penal“. (grifos nossos)

Por não dizer respeito necessariamente ao crime de injúria, não vem à tona, aqui, a
necessidade de se discutir se haveria ou não a exigência de prévia condenação penal.
Embora a injúria penal possa se subsumir também ao conceito constante do Código Civil
(LGL\2002\400), este último não se esgota naquele.

Mais que isso, não é qualquer injúria que constitui causa de deserdação, mas, tão só, a
injúria grave. Afirma Washington de Barros Monteiro que é essencial que “ela seja grave,
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intolerável, assinalada pela presença de animus injuriandi“.

A ofensa que define a injúria pode ser verbal, real, ou, ainda, pode decorrer de outras
condutas praticadas contra a honra do de cujus.

A maior dificuldade reside em definir em que consiste a injúria grave a que se refere a
norma em comento. A doutrina é bastante lacônica a esse respeito, sendo também
escassa a jurisprudência.

Com efeito, mais frequentes são os julgados que afirmam o que não é grave injúria do
que aqueles que afirmam como ela se caracteriza.

Washington de Barros Monteiro indica um conjunto de hipóteses em que não se


configura a grave injúria, à luz da jurisprudência sobre a matéria:

“Acerca da injúria grave, como causa de deserdação, encerra a jurisprudência


interessantes aplicações práticas: (a) pedido de interdição do testador, formulado pelo
herdeiro, não configura injúria grave, capaz de acarretar-lhe o castigo; (b) também não
a autoriza o uso regular de ação, embora ao articular os fatos qualificativos do pedido, o
autor venha a se exceder magoando o testador, e vindo afinal a decair, por não haver
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comprovado sua intenção; (c) não constitui motivo para deserdação ter se insurgido o
herdeiro contra doação efetuada pelo testador e contra este proposto ação; (d) de modo
idêntico, ser o herdeiro de idade avançada, cego e portador de alienação mental; (e)
haver requerido destituição do testador do cargo de inventariante, bem como a entrega
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de certo legado (…)”.

Pode-se afirmar, nessa toada, que a jurisprudência é cautelosa na análise da ofensa


afirmada pelos testadores, levando a efeito interpretação restritiva daquilo a que o
Código Civil (LGL\2002\400) denomina de grave injúria.

Observe-se que, conforme a jurisprudência referida por Washington de Barros Monteiro,


acima mencionada, nem mesmo a tentativa frustrada de interdição ou o fato de
demandar o ascendente em juízo seriam aptos a se subsumir ao conceito legal.

Em especial, adquire relevância no caso presente a afirmação do autor de que o ato de


demandar o ascendente não constitui grave injúria.

Note-se que a afirmação do jurista (que cita a jurisprudência sobre a matéria) de que
ainda que o autor da demanda venha a se exceder, magoando o testador, vindo a sofrer
revés na ação proposta, é especialmente relevante para o caso em exame, como se verá
a seguir.

7. Da análise sobre o enquadramento ou não da conduta praticada pelo descendente às


causas de deserdação constantes dos arts. 1.961 e 1.962 do CC/2002

Da análise detida dos autos citados ao início deste parecer, chamam atenção, como
afirmativas mais fortes em face do ascendente demandado pelo descendente, a de que
as alegações constantes da contestação seriam “mentiras”, e de que a assertiva de que
o autor da demanda externaria condutas de prodigalidade seria “sórdida”.

É de se destacar, de antemão, que a propositura pelo descendente de demanda em juízo


em face do ascendente não constitui, por si só, injúria grave apta a ensejar deserdação.

De uma parte, em face do direito constitucional de petição; de outra sorte, se assim o


fosse, v.g., a interdição por prodigalidade – iniciativa que, em tese, busca proteger a
própria família e o ascendente de si próprio – levaria, ao fim e ao cabo, a possibilidade
de deserdação daquele que residiu em juízo para tal fim meritório.

Assim, somente se pode identificar como injuriosa a demanda manifestamente dirigida a


ofender a honra, a respeitabilidade e a autoestima do ascendente, desde que esse
intuito se revele de modo inequívoco dos atos e afirmações constantes do processo.

À luz da premissa acima, destaca-se da consulta formulada a observação de que o autor


da demanda reiteradamente contesta a veracidade das afirmações constantes da peça
de defesa formulada por seu ascendente, atribuindo-lhes o qualificativo de “mentira”.

É possível apreender que teria sustentação a ideia segundo a qual não se dirige, todavia,
diretamente ao ascendente, qualificativo desairoso. Por igual, nem mesmo quando se
afirma que uma das alegações da contestação é “sórdida” pareceria estar o descendente
a se referir ao seu ascendente, mas, sim, exclusivamente, à alegação propriamente dita.

Por essa via, não haveria, como se vê, ofensa dirigida diretamente ao ascendente. Ainda
que sejam, quiçá, excessivos os qualificativos esgrimidos contra as alegações constantes
da contestação, não se afigura ofensa propriamente dita (e, muito menos, ofensa grave)
ao ascendente do autor da demanda.

Convém recordar que o exercício do direito de ação é de natureza jusfundamental, não


se restringindo (e não podendo ser sancionado) quando manejado em face de quem
quer que seja, nem mesmo de ascendentes, descendentes ou cônjuge. Trata-se de
exercício regular de direito.
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NATUREZA JURÍDICA DA DESERDAÇÃO

A impugnação da veracidade da matéria de fato arguida pela parte adversa é, também,


direito decorrente do contraditório e do devido processo legal, garantias constitucionais
fundamentais. Ninguém pode ser deserdado pelo fato de demandar a quem quer que
seja ou de negar a veracidade do que alega a contraparte.

O adjetivar de afirmações alheias como contrárias à verdade, em um processo, integra o


direito ao contraditório e, nessa medida, não pode ser reputado como ilícito.

Assim, o qualificativo “sórdido” seria a única expressa quiçá ofensiva que consta das
petições formuladas pelo descendente. Argumentar-se-á que tal adjetivo, porém, como
exposto, não é lançado ao ascendente, mas, sim, a uma afirmação específica constante
da contestação. Não é bastante, por conseguinte, para configurar grave injúria.

Tampouco se poderia qualificar a afirmação em tela como crime de injúria ou outro


crime contra a honra. Não emerge indício de animus vinculado à ofensa à honra, nem
ofensa objetiva dotada de gravidade.

Não se trata, por evidente, de denunciação caluniosa, uma vez que não há falsa
imputação de delito. Tampouco há difamação, ilesa de dúvida.

Restaria a qualificação como injúria que, todavia, já foi rechaçada mais acima, quando
da análise do conceito mais amplo empregado no direito civil.

É de se ressaltar, ainda, que a injúria como crime, ainda que estivesse presente, não
ensejaria, de acordo com a doutrina majoritária, possibilidade de deserdação sem a
condenação criminal correspondente, do que, à luz dos fatos narrados na consulta, não
se tem notícia.

Estão também afastadas, pois, as hipóteses de deserdação previstas nos arts. 1.814, II,
e 1.961, II, do CC/2002 (LGL\2002\400), inviabilizando, em nosso entender, a
pretensão de se privar o herdeiro de sua legítima, ao menos sob a motivação indicada
no objeto da consulta.

Resta, por derradeiro, examinar o cabimento do instrumento processual cogitado como


apto a fazer prova da suposta causa de deserdação, qual seja, a justificação judicial, o
que adiante será levado a efeito.

8. Da prova da causa de deserdação e do instrumento processual próprio para esse fim

Nada obstante a análise da existência ou não de instrumento processual apto a fazer


prova da causa de deserdação enquanto ainda vivo o testador reste prejudicada pela
conclusão de que aquilo que por meio da referida ação se pretende provar não constitui
causa de deserdação, buscaremos oferecer, ainda que em tese, resposta a essa questão.

Portanto, tomando como hipótese de trabalho a suposição de que, efetivamente, se


pudesse estar diante de causa de deserdação, impende ponderar se o testador poderia,
ainda em vida, lançar mão de demanda que vise a fazer prova, desde logo, da causa de
exclusão de herdeiro necessário afirmada em testamento.

Parte da doutrina oferece resposta negativa, como se recolhe do magistério de Orozimbo


14
Nonato, citado por Zeno Veloso.

A causa de deserdação deve ser provada, prevê o art. 1.965 do CC/2002


(LGL\2002\400), pelos interessados, até quatro anos após a “abertura” do testamento.
Não seria, pois, função do testador fazer prova da causa que afirma no negócio jurídico
de disposição mortis causa.

Já era assim no sistema do Código de 1916, como se vê da lição de San Tiago Dantas:

“A deserdação é difícil no direito brasileiro; em primeiro lugar, ela deve ser expressa e
não só expressa quanto à pessoa deserdada, mas também quanto à causa da
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NATUREZA JURÍDICA DA DESERDAÇÃO

deserdação, enunciada pelo testador e, quanto à causa; esta já não é bastante para que
a deserdação se verifique, pois é necessário que, aberta a sucessão, se faça a prova da
causa exheredationis, que deve ser feita fora do juízo do inventário, visto que se trate de
questão de alta indagação e essa questão de alta indagação há que ser examinada pelo
15
juiz mediante provas”.

De outro lado, todavia, poder-se-ia questionar se a lei civil ou a lei processual vedariam
a propositura de demanda nesse sentido. A resposta a essa questão é negativa.
Define-se um prazo decadencial para a demanda em que se visa a dar eficácia à
deserdação ordenada, o que não significa que o fato que se qualifica como causa de
deserdação não pode ser objeto de prova a ser produzida antes mesmo da morte do
testador.

Cabe, assim, identificar qual o instrumento processual apto a fazer essa prova, e quais
os seus limites e possibilidades.

Zeno Veloso admite medida cautelar visando à produção antecipada da prova, o que
difere da declaração acerca da prova da veracidade da causa de deserdação:

“Há, portanto, um justo interesse de, preventivamente, obter a documentação do


alegado, resolvendo-se, para o futuro, a questão da prova, da prova em si, e da prova
16
somente”.

A cautelar típica de produção antecipada de provas pode não ser a medida mais
adequada, uma vez que se justifica no risco de que a prova não possa ser produzida no
processo principal, que deve ter como partes os mesmos sujeitos que integram a relação
jurídico-processual do processo cautelar. A prova que deveria ser produzida na fase
instrutória do processo principal é produzida na cautelar, antecipadamente.

Há, todavia, outra medida de natureza cautelar que pode ser hábil para o escopo acima
explicitado: a ação de justificação.

Trata-se de demanda cautelar que tem a finalidade de, nos termos do art. 861 do CPC
(LGL\1973\5), “justificar a existência de algum fato ou relação jurídica, seja para
simples documento e sem caráter contencioso, seja para servir de prova em processo
regular”.

Pode ser apta, assim, para que o testador faça prova acerca do fato que está a imputar
ao herdeiro necessário, sob o crivo do contraditório, sem que a produção da prova
precisa, necessariamente, referir-se a um processo principal com as mesmas partes, já
que a prova produzida pode ser levada a efeito “para simples documento, sem caráter
contencioso”. O “documento”, todavia, pode ser utilizado como prova por outrem na
futura ação de deserdação.

É esse o entendimento de Pontes de Miranda, que indicava expressamente a deserdação


17
(e por grave injúria) como exemplo da aplicação do instrumento processual em tela.

É necessário, porém, ressaltar a que se limita essa medida: a justificação serve para
fazer prova do fato que, no entender do testador, pode levar à deserdação, mas não
enseja a deserdação propriamente dita.

Mais que isso, a justificação não tem o condão de, ao seu termo, definir, como coisa
julgada, que o fato provado é causa de deserdação. Essa qualificação jurídica não é
levada a efeito pelo juiz em sede de justificação, de modo que essa demanda não resulta
em qualquer declaração acerca da causa de deserdação.

Com efeito, não se trata de demanda declaratória (até porque inexiste declaração de
mero fato), mas, sim, de caráter essencialmente cautelar: é na ação própria, a ser
proposta apenas após a morte do testador, que os interessados demonstrarão que o
fato, cuja existência foi previamente comprovada mediante a cautelar de justificação, se
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NATUREZA JURÍDICA DA DESERDAÇÃO

subsume às causas de deserdação previstas no Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro.

Em suma: a justificação se limita a provar o fato. Se esse fato é ou não é causa de


deserdação é questão a ser dirimida somente após a morte do testador, por meio da
demanda prevista no art. 1.965 do CC/2002 (LGL\2002\400). O juiz não pode valorar a
prova, devendo limitar-se à sua homologação.

Convém ressaltar que, no caso em exame, a justificação é medida de relevância


duvidosa, já que, nada obstante possa servir para provar a existência, nos autos do
processo que tem como requerente o filho e requerido o pai, das expressões referidas ao
longo deste parecer, tais expressões não são aptas a caracterizar grave injúria – e,
portanto, não são causas de deserdação.

Além disso, sua prova não seria difícil após a morte do ascendente, já que, caso
entendimento diverso pudesse prevalecer, haveria demonstração documental do
emprego das expressões e do próprio fato da propositura da ação.

Assim, nada obstante juridicamente possível, o emprego da justificação no caso em tela


não parece ser útil para a finalidade a que se propõe.

9. Das respostas aos quesitos formulados

Diante das premissas e conclusões acima desenvolvidas, passo a responder aos quesitos
formulados.

1. É possível a deserdação por decisão testamentária do pai em relação à prática de


injúria, calúnia ou difamação?

Resposta: Sim.

2. A deserdação por crime contra a honra pressupõe prévia condenação no juízo


criminal?

Resposta: Há controvérsia doutrinária quanto à expressão “incurso em crime”, havendo


forte corrente doutrinária que sustenta a resposta afirmativa e exige prévia condenação
criminal.

3. Existem nos autos em cotejo afirmações ou circunstâncias que se enquadrem, sem


dúvida, nas hipóteses de deserdação?

Resposta: Apreciando o conteúdo fático e jurídico que permeia o precitado caderno


processual, não se constatam afirmações ou circunstâncias que se amoldem
peremptoriamente às hipóteses de deserdação.

4. É possível formular e aforar pedido judicial de prova antecipada ou justificação quanto


à causa da deserdação?

Resposta: Sim. A justificação é medida adequada a fazer prova de fato ou de relação


jurídica “seja para simples documento e sem caráter contencioso, seja para servir de
prova em processo regular”. A sentença é, todavia, meramente homologatória da prova
produzida, não realizando sua valoração e, por conseguinte, não qualificando o fato, de
antemão, como apto a gerar deserdação.

5. É recomendável o aforamento de pedido judicial de prova antecipada ou justificação


quanto à causa da deserdação no caso em tela?

Resposta: Não. Como dito na resposta ao quesito anterior, sem embargo de controvérsia
doutrinária, possível seria o ajuizamento da medida em tela; nada obstante, uma vez
que, ainda que se pudesse admitir a hipótese de deserdação, a prova produzida em sede
de justificação é do fato, e não da sua definição como causa de deserdação propriamente
dita.
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NATUREZA JURÍDICA DA DESERDAÇÃO

É o parecer.

1 Gomes, Orlando. Sucessões. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001; Serpa Lopes,
Miguel Maria de. Tratado dos registros públicos. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Freitas Bastos,
1955; Barros Monteiro, Washington de. Curso de direito civil – Direito das sucessões. 17.
ed. São Paulo: Saraiva; Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – Direito das
sucessões. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1991; e Soares, Leila Moreira. Testamento. São
Paulo: Editora WVC, 2001.

2 Cateb, Salomão de Araújo. Direito das sucessões. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. vol. 1,
421 p.; _______. Deserdação e indignidade no direito sucessório brasileiro. Belo
Horizonte: Del Rey, 2004. vol. 1, p. 212.

3 Maximiliano, Carlos. Direito das sucessões. Rio de Janeiro: Ed. Freitas Bastos, 1964.
vol. 3, p. 1295.

4 “Art 726. Sont indignes de succéder et, comme tels, exclus de la succesion: 1.º Celui
que est condamné comme auteur ou complice, à une peine criminelle pour avoir
volontairement donné ou tente de donner la mort au défunt.”

5 Rizzardo, Arnaldo. Direito das sucessões. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 90;
Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil – Sucessões. 13. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2001. vol. 6, p. 38.

6 Carvalho Santos, J. M. Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro interpretado. 10. ed. Rio
de Janeiro: Ed. Freitas Bastos, 1963. vol. 22, p. 218.

7 Op. cit., p. 73.

8 Op. cit., p. 29.

9 Op. cit., p. 219.

10 Leite, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo Código Civil (LGL\2002\400). Coord.


Sálvio de Figueiredo Teixeira. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. vol. 21, p. 161;
Rodrigues, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
vol. 7, p. 69; Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões.
19. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 48; Rizzardo Arnaldo, op. cit., p. 91; e Hironaka,
Giselda. Comentários ao Código Civil (LGL\2002\400). Coord. Antônio Junqueira de
Azevedo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. vol. 20, p. 149.

11 Veloso, Zeno. Comentários ao Código Civil (LGL\2002\400). Rio de Janeiro: Forense,


2003. vol. 21. p. 331.

12 Barros Monteiro, Washington de. Curso de direito civil – Direito das sucessões. 35.
ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 241.

13 Idem, ibidem.

14 Veloso, Zeno, op. cit., p. 318.

15 San Tiago Dantas. Direitos de família e das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
p. 528.

16 Veloso, Zeno, op. cit., p. 319.


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NATUREZA JURÍDICA DA DESERDAÇÃO

17 Pontes De Miranda, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil


(LGL\1973\5). Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 297.

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