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1. Do objeto da consulta
Quanto aos fatos, por fidelidade à exiguidade, ressalte-se que são tomados aqueles que
se encontram explicitamente existentes nos autos em pauta, abdicando-se aqui, então,
de sumariar o que no processo se contém, expondo, pois, seu conteúdo essencial.
segundo.
Afirma como de má-fé a alegação do ascendente de que este teria aceitado verbalmente
a doação que teria sido proposta pelo descendente.
Adiante, o descendente afirma que a alegação formulada por seu ascendente acerca de
suposta prodigalidade do filho seria “sórdida”.
Por conta dessas afirmações, narra a consulta que o ascendente pretende a deserdação
do descendente por meio de testamento. Daí emergem as questões que conformam a
análise a ser levada a efeito por meio deste parecer.
Tal conclusão é singela: a garantia constitucional geral não faz tombar a lei
infraconstitucional que define os parâmetros a partir dos quais se dá a atribuição
sucessória.
Trata-se de garantia que se define em face do Estado, que não pode abolir o direito de
herança. Isso não é o mesmo que afirmar que a Constituição asseguraria a dados
sujeitos, de modo absoluto, o direito de herdar – o que, em nosso entender, não seria
sustentável. Com efeito, a deserdação de um herdeiro vem em benefício de outros, o
que mantém hígida a garantia constitucional geral.
É certo que a atuação é restrita, uma vez que o legislador do Código Civil
(LGL\2002\400) retirou do testador a decisão quanto às causas ou aos casos de
deserdação, devido à gravidade desse ato, não admitindo interpretação extensiva e nem
o emprego de analogia.
As regras legais não deixam margem à dúvida; dispõe, a propósito, o Código Civil
(LGL\2002\400) de 2002 e seus artigos:
1.962. Além das causas mencionadas no art. 1814, autorizam a deserdação dos
descendentes por seus ascendentes:
I – ofensa física;
II – injúria grave;
(…)
O art. 1.963 do CC/2002 (LGL\2002\400) traz o preceito que concerne à deserdação dos
ascendentes pelos descendentes.
“1.964. Somente com expressa declaração de causa pode a deserdação ser ordenada em
testamento.
A regra, pois, é direta: a deserdação pressupõe delito ou outro ato reprovável, definido
em lei, do descendente em face do ascendente. Por isso mesmo, a exerdação pode ser
vista como “dúplice via de mão geminada”: de uma parte, ascendentes podem deserdar
descendentes, e vice-versa, de outro lado, a tentativa de prova da causa pode
beneplacitar a demonstração da inexistência de motivo legal suficiente.
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NATUREZA JURÍDICA DA DESERDAÇÃO
Essa regra sobre o lapso temporal se mantém: embora haja proposta legislativa em
curso na Câmara dos Deputados, o novo Código ainda prevê o prazo de quatro anos, a
contar da data da abertura do testamento, para se provar a causa da deserdação; a
proposta é no sentido de reduzir o prazo para dois anos, a partir da data da abertura da
sucessão.
Nada obstante se trate de sanção, como se sabe, a deserdação somente se pode operar
mediante disposição testamentária: ou seja, não decorre a deserdação diretamente da
lei, mas, sim, da vontade do testador, autorizado pela lei, à luz de rol taxativo de
hipóteses.
das condutas descritas no art. 1.814 do CC/2002 (LGL\2002\400) gera a exclusão por
indignidade. Observe-se que a exclusão se opera sem que se necessite de disposição
testamentária declarando a causa de indignidade, bastando aos legitimados, após a
morte do ofendido, a propositura da ação de exclusão. O testamento somente será
relevante, tratando-se de indignidade, para a reabilitação eventual do indigno, seja
integral, seja parcial.
Não se pode olvidar, todavia, que sem embargo de ser autorizada por lei, a deserdação
é limitada a rol taxativo de hipóteses – ainda que mais amplo do que aquele rol que
determina as causas de exclusão por indignidade.
À luz do caso em tela, necessário é o exame das causas integrantes desse rol taxativo
para que se possa aferir a presença ou a ausência de hipótese apta a conduzir à
deserdação do herdeiro. É o que se fará a seguir.
4. Do exame das hipóteses dos arts. 1.961 e 1.962 do CC/2002 à luz do objeto da
consulta
O mesmo se diga sobre as hipóteses atinentes à violência física, relação libidinosa com
madrasta e abandono de ascendente com doença mental ou grave enfermidade,
previstos, respectivamente, nos art. 1.962 I, III e IV, do CC/2002 (LGL\2002\400).
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NATUREZA JURÍDICA DA DESERDAÇÃO
Restam, pois, como objetos de exame para o atendimento da consulta, as hipóteses dos
arts. 1.814, II, e 1.961, II, do CC/2002 (LGL\2002\400).
Prevê o art. 1.814, II, do CC/2002 (LGL\2002\400) que são excluídos da sucessão
aqueles que houverem “acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou
incorrerem em crime contra a sua honra, de seu cônjuge ou companheiro”.
Mais consentânea com o que deflui da norma do Código Civil (LGL\2002\400) de 2002 é
a orientação que rege o Código Civil (LGL\2002\400) italiano, que não exige prévia
condenação penal.
O mesmo se diga sobre a decisão condenatória no juízo penal, que afasta a possibilidade
de que os fatos e sua qualificação como crime sejam rediscutidos no juízo cível: ainda
que a sentença cível seja indispensável, tanto na exclusão quanto na deserdação, esta
deverá tomar a sentença condenatória penal como prova acerca da caracterização do
crime.
Nessa primeira parte da norma em comento, não se exige condenação penal, bastando
realizar, no cível, a prova acerca da conduta criminosa. Ainda que o Ministério Público
jamais tenha denunciado o autor do delito, ou, ainda que eventualmente extinta a
punibilidade, se os elementos do crime estiverem presentes a deserdação será possível.
Outra questão que pode emergir a respeito da denunciação caluniosa é se ela deve ter
sido proferida em sede de processo penal ou se bastaria a referência caluniosa em
processo cível.
A jurisprudência, em nosso ver, com razão, diz respeito ao juízo criminal, como se
observa do seguinte julgado:
“(…) Na interpretação mais autorizada do art. 1595, II, do CC, só é passível de exclusão
o herdeiro que haja acusado, caluniosamente, em juízo criminal, a pessoa de cuja
sucessão se trata, ou, ainda, que tenha sofrido condenação por crime contra sua honra”.
Mais controversa é a interpretação a ser dada à segunda parte do inciso, que diz respeito
àqueles que incorrerem em crime contra a honra do de cujus, de seu cônjuge ou
companheiro.
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Carlos Maximiliano não diferencia as hipóteses da primeira e da segunda parte do
inciso, afirmando que, em ambas, desnecessária é a prévia condenação penal. Caio
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Mário da Silva Pereira também não diferencia as hipóteses, fazendo referência expressa
apenas à denunciação caluniosa e afirmando que, nesse caso, desnecessária é a prévia
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condenação penal. O mesmo se infere da obra de Carvalho Santos.
A maior parte da doutrina, ainda que sem tecer maiores considerações sobre o tema,
discorda desse entendimento, afirmando que, sem prévia condenação pelo crime contra
a honra, inviáveis são a exclusão por indignidade e a deserdação.
O argumento utilizado é que a norma prevê as sanções para “aqueles que incorrerem em
crime contra a honra”, afirmando que incorrer em crime é o mesmo que ser condenado
pelo crime.
artigo, que dispõe que incorrerá em multa o jurado que se retirar antes de dispensado
pelo presidente.
A deserdação por grave injúria prevista no art. 1.962, II, do CC/2002 (LGL\2002\400)
não se confunde com o crime de injúria implícito à referência a crime contra a honra
presente no art. 1.814, II, do CC/2002 (LGL\2002\400).
“Pode-se aproveitar, para o direito civil, o conceito dado pelo excelso penalista Nélson
Hungria: a injúria ‘é a manifestação, por qualquer meio, de um conceito que importe
ultraje, menoscabo ou vilipêndio a alguém. O bem jurídico lesado pela injúria é,
prevalentemente, a chamada honra subjetiva, isto é, o sentimento da própria
honorabilidade ou respeitabilidade’.
(…)
Observe-se, todavia, que a injúria tem um sentido mais amplo, uma compreensão mais
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lata, um conceito mais largo em direito civil do que em direito penal“. (grifos nossos)
Por não dizer respeito necessariamente ao crime de injúria, não vem à tona, aqui, a
necessidade de se discutir se haveria ou não a exigência de prévia condenação penal.
Embora a injúria penal possa se subsumir também ao conceito constante do Código Civil
(LGL\2002\400), este último não se esgota naquele.
Mais que isso, não é qualquer injúria que constitui causa de deserdação, mas, tão só, a
injúria grave. Afirma Washington de Barros Monteiro que é essencial que “ela seja grave,
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intolerável, assinalada pela presença de animus injuriandi“.
A ofensa que define a injúria pode ser verbal, real, ou, ainda, pode decorrer de outras
condutas praticadas contra a honra do de cujus.
A maior dificuldade reside em definir em que consiste a injúria grave a que se refere a
norma em comento. A doutrina é bastante lacônica a esse respeito, sendo também
escassa a jurisprudência.
Com efeito, mais frequentes são os julgados que afirmam o que não é grave injúria do
que aqueles que afirmam como ela se caracteriza.
comprovado sua intenção; (c) não constitui motivo para deserdação ter se insurgido o
herdeiro contra doação efetuada pelo testador e contra este proposto ação; (d) de modo
idêntico, ser o herdeiro de idade avançada, cego e portador de alienação mental; (e)
haver requerido destituição do testador do cargo de inventariante, bem como a entrega
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de certo legado (…)”.
Note-se que a afirmação do jurista (que cita a jurisprudência sobre a matéria) de que
ainda que o autor da demanda venha a se exceder, magoando o testador, vindo a sofrer
revés na ação proposta, é especialmente relevante para o caso em exame, como se verá
a seguir.
Da análise detida dos autos citados ao início deste parecer, chamam atenção, como
afirmativas mais fortes em face do ascendente demandado pelo descendente, a de que
as alegações constantes da contestação seriam “mentiras”, e de que a assertiva de que
o autor da demanda externaria condutas de prodigalidade seria “sórdida”.
É possível apreender que teria sustentação a ideia segundo a qual não se dirige, todavia,
diretamente ao ascendente, qualificativo desairoso. Por igual, nem mesmo quando se
afirma que uma das alegações da contestação é “sórdida” pareceria estar o descendente
a se referir ao seu ascendente, mas, sim, exclusivamente, à alegação propriamente dita.
Por essa via, não haveria, como se vê, ofensa dirigida diretamente ao ascendente. Ainda
que sejam, quiçá, excessivos os qualificativos esgrimidos contra as alegações constantes
da contestação, não se afigura ofensa propriamente dita (e, muito menos, ofensa grave)
ao ascendente do autor da demanda.
Assim, o qualificativo “sórdido” seria a única expressa quiçá ofensiva que consta das
petições formuladas pelo descendente. Argumentar-se-á que tal adjetivo, porém, como
exposto, não é lançado ao ascendente, mas, sim, a uma afirmação específica constante
da contestação. Não é bastante, por conseguinte, para configurar grave injúria.
Não se trata, por evidente, de denunciação caluniosa, uma vez que não há falsa
imputação de delito. Tampouco há difamação, ilesa de dúvida.
Restaria a qualificação como injúria que, todavia, já foi rechaçada mais acima, quando
da análise do conceito mais amplo empregado no direito civil.
É de se ressaltar, ainda, que a injúria como crime, ainda que estivesse presente, não
ensejaria, de acordo com a doutrina majoritária, possibilidade de deserdação sem a
condenação criminal correspondente, do que, à luz dos fatos narrados na consulta, não
se tem notícia.
Estão também afastadas, pois, as hipóteses de deserdação previstas nos arts. 1.814, II,
e 1.961, II, do CC/2002 (LGL\2002\400), inviabilizando, em nosso entender, a
pretensão de se privar o herdeiro de sua legítima, ao menos sob a motivação indicada
no objeto da consulta.
Já era assim no sistema do Código de 1916, como se vê da lição de San Tiago Dantas:
“A deserdação é difícil no direito brasileiro; em primeiro lugar, ela deve ser expressa e
não só expressa quanto à pessoa deserdada, mas também quanto à causa da
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NATUREZA JURÍDICA DA DESERDAÇÃO
deserdação, enunciada pelo testador e, quanto à causa; esta já não é bastante para que
a deserdação se verifique, pois é necessário que, aberta a sucessão, se faça a prova da
causa exheredationis, que deve ser feita fora do juízo do inventário, visto que se trate de
questão de alta indagação e essa questão de alta indagação há que ser examinada pelo
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juiz mediante provas”.
De outro lado, todavia, poder-se-ia questionar se a lei civil ou a lei processual vedariam
a propositura de demanda nesse sentido. A resposta a essa questão é negativa.
Define-se um prazo decadencial para a demanda em que se visa a dar eficácia à
deserdação ordenada, o que não significa que o fato que se qualifica como causa de
deserdação não pode ser objeto de prova a ser produzida antes mesmo da morte do
testador.
Cabe, assim, identificar qual o instrumento processual apto a fazer essa prova, e quais
os seus limites e possibilidades.
Zeno Veloso admite medida cautelar visando à produção antecipada da prova, o que
difere da declaração acerca da prova da veracidade da causa de deserdação:
A cautelar típica de produção antecipada de provas pode não ser a medida mais
adequada, uma vez que se justifica no risco de que a prova não possa ser produzida no
processo principal, que deve ter como partes os mesmos sujeitos que integram a relação
jurídico-processual do processo cautelar. A prova que deveria ser produzida na fase
instrutória do processo principal é produzida na cautelar, antecipadamente.
Há, todavia, outra medida de natureza cautelar que pode ser hábil para o escopo acima
explicitado: a ação de justificação.
Trata-se de demanda cautelar que tem a finalidade de, nos termos do art. 861 do CPC
(LGL\1973\5), “justificar a existência de algum fato ou relação jurídica, seja para
simples documento e sem caráter contencioso, seja para servir de prova em processo
regular”.
Pode ser apta, assim, para que o testador faça prova acerca do fato que está a imputar
ao herdeiro necessário, sob o crivo do contraditório, sem que a produção da prova
precisa, necessariamente, referir-se a um processo principal com as mesmas partes, já
que a prova produzida pode ser levada a efeito “para simples documento, sem caráter
contencioso”. O “documento”, todavia, pode ser utilizado como prova por outrem na
futura ação de deserdação.
É necessário, porém, ressaltar a que se limita essa medida: a justificação serve para
fazer prova do fato que, no entender do testador, pode levar à deserdação, mas não
enseja a deserdação propriamente dita.
Mais que isso, a justificação não tem o condão de, ao seu termo, definir, como coisa
julgada, que o fato provado é causa de deserdação. Essa qualificação jurídica não é
levada a efeito pelo juiz em sede de justificação, de modo que essa demanda não resulta
em qualquer declaração acerca da causa de deserdação.
Com efeito, não se trata de demanda declaratória (até porque inexiste declaração de
mero fato), mas, sim, de caráter essencialmente cautelar: é na ação própria, a ser
proposta apenas após a morte do testador, que os interessados demonstrarão que o
fato, cuja existência foi previamente comprovada mediante a cautelar de justificação, se
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NATUREZA JURÍDICA DA DESERDAÇÃO
Além disso, sua prova não seria difícil após a morte do ascendente, já que, caso
entendimento diverso pudesse prevalecer, haveria demonstração documental do
emprego das expressões e do próprio fato da propositura da ação.
Diante das premissas e conclusões acima desenvolvidas, passo a responder aos quesitos
formulados.
Resposta: Sim.
Resposta: Não. Como dito na resposta ao quesito anterior, sem embargo de controvérsia
doutrinária, possível seria o ajuizamento da medida em tela; nada obstante, uma vez
que, ainda que se pudesse admitir a hipótese de deserdação, a prova produzida em sede
de justificação é do fato, e não da sua definição como causa de deserdação propriamente
dita.
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NATUREZA JURÍDICA DA DESERDAÇÃO
É o parecer.
1 Gomes, Orlando. Sucessões. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001; Serpa Lopes,
Miguel Maria de. Tratado dos registros públicos. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Freitas Bastos,
1955; Barros Monteiro, Washington de. Curso de direito civil – Direito das sucessões. 17.
ed. São Paulo: Saraiva; Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – Direito das
sucessões. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1991; e Soares, Leila Moreira. Testamento. São
Paulo: Editora WVC, 2001.
2 Cateb, Salomão de Araújo. Direito das sucessões. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. vol. 1,
421 p.; _______. Deserdação e indignidade no direito sucessório brasileiro. Belo
Horizonte: Del Rey, 2004. vol. 1, p. 212.
3 Maximiliano, Carlos. Direito das sucessões. Rio de Janeiro: Ed. Freitas Bastos, 1964.
vol. 3, p. 1295.
4 “Art 726. Sont indignes de succéder et, comme tels, exclus de la succesion: 1.º Celui
que est condamné comme auteur ou complice, à une peine criminelle pour avoir
volontairement donné ou tente de donner la mort au défunt.”
5 Rizzardo, Arnaldo. Direito das sucessões. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 90;
Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil – Sucessões. 13. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2001. vol. 6, p. 38.
6 Carvalho Santos, J. M. Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro interpretado. 10. ed. Rio
de Janeiro: Ed. Freitas Bastos, 1963. vol. 22, p. 218.
12 Barros Monteiro, Washington de. Curso de direito civil – Direito das sucessões. 35.
ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 241.
13 Idem, ibidem.
15 San Tiago Dantas. Direitos de família e das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
p. 528.
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