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(P-216)

A PARTIDA DOS
OLDTIMERS
Autor
WILLIAM VOLTZ

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização
VITÓRIO

Revisão
ARLINDO_SAN
Caros apreciadores da série
Perry Rhodan:
Em vez do prefácio que costuma anteceder cada volume da série, apresentamos hoje
uma lista dos mutantes que estão a serviço de Perry Rhodan. Desta forma cumprimos o
desejo manifestado por muitos leitores novos, que solicitaram a publicação da lista.
Segue a relação completa, que retrata a situação no ano 2.401 do calendário terrano.

John Marshall, telepata e chefe do Exército dos Mutantes;


Tako Kakuta, teleportador, nascido no Japão;
Ras Tschubai, teleportador, natural da África;
Betty Toufry, telepata e telecineta;
André Noir, hipnotizador;
Fellmer Lloyd, localizador e telepata;
Kitai Ishibashi, sugestor (variante do hipnotizador);
Tama Yokida, telecineta;
Ivã Ivanovitch Goratchim, detonador (mutante de duas cabeças);
Ralf Marten, teleótico;
Laury Marten, telepata e desintegradora (filha de Anne Sloane, morta em ação);
Wuriu Sengu, espia;
Son Okura, visor de freqüências;
Ernst Ellert, parapolador, que possui a capacidade de adaptar-se completamente a
qualquer psique estranha e anteriormente possuía o dom da teletemporação (desaparecido
em ação).

Além disso devemos mencionar os mutantes polivalentes mais competentes,


pertencentes à raça dos ilts (ratos-castores): Gucky, Geco e Iltu, esposa de Gucky.
Era o que tínhamos a informar sobre os mutantes. Cordiais cumprimentos, e até o
próximo volume.
H. G. Ewers

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — Administrador-Geral que volta ao interior do
planeta infernal, comandando uma expedição.
Don Redhorse — Um piloto arrojado.
Melbar Kasom, Wuriu Sengu, Sven Henderson e Lope Losar —
Companheiros do Capitão Redhorse numa operação
audaciosa.
Icho Tolot — O halutense que tem de fazer um esforço tremendo.
Gessink — Um salteador que defende sua “caverna”.
Groon, Yorgos, Rosaar, Goarg e Poarl — Sobreviventes de um
exército de invasão.
1

As narinas de Redhorse tremiam de forma quase imperceptível quando Losar


apresentou a terceira carta. O cabo Ogh-Taschur não conseguiu reprimir um sorriso de
satisfação. Atirou sua carta elegantemente sobre as outras duas, enquanto Losar dizia em
tom indiferente:
— O dinheiro é nosso, capitão.
As mãos largas do encarregado de armamentos seguraram as cédulas e dividiram-
nas em duas pilhas do mesmo tamanho. Losar ficou com uma das pilhas, enquanto a
outra passou às mãos de Ogh-Taschur.
“Velhos malditos”, pensou Redhorse, amargurado. Seria capaz de jurar que estavam
usando algum truque para derrotá-lo.
Os olhos de Ogh-Taschur brilharam enquanto fitava as cédulas que se encontravam
sobre a mesa.
— Acho que o senhor vai querer uma revanche — disse, esticando as palavras.
Redhorse pôs a mão no bolso e seus dedos seguraram a última cédula que lhe
restava. Provavelmente nunca mais teria oportunidade de gastar esse dinheiro num dos
planetas do Império, ainda mais se conservasse seu tamanho atual, que era de apenas dois
milímetros.
O Capitão Sven Henderson, que se encontrava atrás de Redhorse, observando o
jogo, pigarreou fortemente. Redhorse tirou a cédula e contemplou-a numa atitude
pensativa. Losar assistia a tudo com uma expressão contrariada, enquanto Ogh-Taschur
acompanhava cada movimento do terrano pertencente à tribo dos cheienes.
Redhorse puxou o baralho para perto de si e começou a misturar cuidadosamente as
cartas. Ouviu a respiração ruidosa do cabo.
— Aposto tudo — disse Redhorse com a voz tranqüila.
Losar emitiu um ruído indefinido, que tanto poderia exprimir a esperança de
apoderar-se do dinheiro que ainda restava a Redhorse, como o temor de perder tudo que
tinha ganho. A reação do cabo consistiu num movimento rápido da mão por cima do
rosto. Provavelmente gostaria de recusar, mas Redhorse comandava o jogo e por isso
cabia-lhe fixar o valor das apostas.
— O senhor está sendo leviano, Don — observou Henderson.
Redhorse compreendeu a advertência, mas teve a impressão de que não havia
nenhuma lógica na mesma. Não estava jogando por causa do dinheiro e nem sequer fazia
questão de ganhar. A atividade distraía seus pensamentos, fazia com que de vez em
quando se esquecesse da situação em que se encontravam.
“É uma forma muito cara de esquecer”, pensou num assomo de ironia.
— Quanto tempo ainda vai levar misturando as cartas? — perguntou Ogh-Taschur
em tom impaciente.
Era um homem baixo, incrivelmente magro. Quando ria, os dentes postiços batiam
uns nos outros. No início do jogo Redhorse acreditara que seria capaz de descobrir
qualquer reação emocional do cabo, que o rosto de Ogh-Taschur retrataria o valor das
cartas que o mesmo possuía. Mas não demorara a descobrir que estava enganado. O rosto
de Ogh-Taschur se parecia com a máscara de um palhaço. Seria difícil dizer se atrás da
expressão de tristeza misturada com medo não se escondia a certeza da vitória.
Lope Losar, o encarregado de armamentos, sempre parecia aborrecido, motivo por
que o capitão também não podia orientar-se por ele.
Don Redhorse entregou a primeira carta a Losar, que se encontrava à sua esquerda.
Losar deixou-a sobre a mesa, com a parte traseira virada para cima. Quando recebeu a
primeira carta, o cabo agarrou-a com ambas as mãos e passou a examiná-la.
Redhorse também examinou a primeira carta que recebeu. Era um nove vermelho.
Redhorse fazia votos de que Henderson não se mostrasse assustado. Empurrou a segunda
carta para Losar e entregou mais uma carta a Ogh-Taschur. O homenzinho passou a
língua pelos lábios; tratava-se de um gesto que poderia significar uma infinidade de
coisas.
“Que safados”, pensou Redhorse e olhou para a segunda carta que tinha recebido.
Acabara de entregar a si mesmo um rei preto. Tinha certeza quase absoluta de que a
terceira carta decidiria o jogo. Assim que recebeu a terceira carta, Losar levantou seu
jogo e espalhou-o em leque.
— As coisas não parecem muito boas — disse Ogh-Taschur.
Era o que costumava dizer antes de qualquer jogo, quer as cartas que tivesse fossem
boas, quer fossem ruins. Era um jogador nada ortodoxo, e era justamente isso que sempre
deixava Redhorse perturbado.
A última carta recebida por Redhorse foi um dez vermelho. Tratava-se de um valor
médio. O resultado do jogo dependeria exclusivamente das cartas que os outros tinham
recebido.
— Faça seu jogo — disse Redhorse, dirigindo-se ao encarregado de armamentos.
— Não é nada fácil — disse Losar, embora entendesse de cartas pelo menos tanto
quanto entendia de armamentos — o que era muita coisa.
Pôs na mesa um nove preto, o que bastou para deixar Redhorse embaraçado.
Restava saber qual seria a carta apresentada por Ogh-Taschur.
O magricelo contemplou a carta de Losar como quem vê à sua frente um terrível
fenômeno da natureza, um feitiço lançado por deuses poderosos que se tinham aliado ao
encarregado de armamentos. Seus olhos pareciam ter uma expressão apagada quando ele
os dirigiu para Redhorse e logo a seguir passaram a fitar a cédula que se encontrava sobre
a mesa, bem à frente do capitão. Redhorse fazia votos de que fosse lançada uma rainha
preta, para que ele pudesse aproveitar o rei que possuía. Além disso o lance colocaria o
dez vermelho numa posição desesperadora.
Mas Ogh-Taschur era um homem esperto, que já tinha jogado mil jogos diferentes
em pelo menos cem planetas.
— Um nove é muita coisa — disse, enquanto colocava na mesa um valete
vermelho, dando a impressão de que via perfeitamente que Redhorse não possuía nenhum
valete preto. Com isso o cheiene perdeu seu rei preto, além de passar a ocupar a posição
central no jogo.
Ogh-Taschur colocou um sete vermelho sobre a mesa. Dessa forma o dez vermelho
de Redhorse se transformava numa carta muito poderosa para a última ronda, a não ser
que houvesse outro valete no jogo.
Redhorse atirou seu nove em cima do sete de Ogh-Taschur. Fazia votos de que o
encarregado de armamentos não possuísse nenhuma carta vermelha de grande valor. Não
demorou que seu desejo se cumprisse, pois Losar atirou um sete preto sobre a mesa.
Losar mal acabara de lançar sua carta, quando o encarregado de armamentos se
levantou abruptamente. Um sentimento indefinido dizia a Redhorse o que aconteceria em
seguida, mas ele parecia grudado à cadeira, até mesmo quando Losar tirou a pistola
carregada com projéteis minifoguete e a apontou para Ogh-Taschur.
O cabo ficou tão apavorado que seu rosto se tornou pálido como cera.
Redhorse levantou-se de um salto, derrubando a mesa. Ogh-Taschur cambaleou
para o lado. Quase no mesmo instante ouviu-se o estrondo da explosão.
Antes que Lope Losar pudesse disparar de novo, Redhorse colocou-se a seu lado e
segurou a pistola. O tiro quase o deixara inconsciente. Henderson também se aproximou.
Juntos conseguiram tirar a arma de Losar. O encarregado de armamentos lutava feito um
louco, mas os dois oficiais mantinham-no bem preso em suas mãos.
Redhorse viu a figura baixa de Ogh-Taschur, que estava parado com os braços
pendentes ao lado da mesa tombada.
— Traga imediatamente dois robôs-médicos! — gritou Redhorse para o cabo. —
Não está vendo que Losar sofreu um ataque de loucura do planeta Horror?
Sua voz fez com que o cabo se recuperasse. Ogh-Taschur saiu correndo.
Henderson fitou Redhorse com os lábios cerrados.
— É o sétimo caso em três dias! — exclamou, nervoso.
Redhorse acenou com a cabeça.
— Logo Losar — respondeu. — Pensei que ele fosse mais equilibrado.
No mesmo instante arrependeu-se do que tinha dito, pois sabia que fora injusto. Não
tinha a menor dúvida de que aquilo poderia perfeitamente ter acontecido com ele. Os
ataques tinham alguma ligação com o processo de redução que atingira todos os
tripulantes da Crest II. À falta de outro nome, os médicos tinham dado à doença o nome
de acesso de loucura de Horror. Qualquer pessoa acometida dessa doença pegava a
primeira arma em que conseguia pôr as mãos e investia com a mesma contra seus
companheiros. Era a primeira fase da doença. Depois de várias horas de fúria, que só
podia ser abafada por meio de medicamentos muito fortes, os doentes entravam em
colapso e ficavam como que paralisados por várias horas. Depois disso seu estado voltava
ao normal. Quando recuperavam a consciência, não se lembravam de mais nada.
Dali a três minutos dois robôs-médicos entraram rolando no camarote. Sabiam o
que tinham que fazer. Uma maça abriu-se. Losar recebeu uma injeção e foi comprimido à
força contra a maca. Faixas largas e resistentes prenderam-no à mesma. Ogh-Taschur
ficou parado junto à porta. Estava muito pálido, enquanto via os dois robôs-médicos
levarem o doente.
— Por pouco não acertou em mim — balbuciou o cabo.
Sem dizer uma palavra, Don Redhorse olhou para o lugar em que o projétil tinha
entrado na parede. De repente teve plena consciência da situação em que se encontravam.
Duas semanas do calendário terrano já se tinham passado desde o dia em que a Androtest
II chegara ao lugar. As esperanças que os tripulantes da Crest II haviam depositado na
nave de suprimentos não se tinham cumprido. O Coronel Kotranow e seus companheiros
também tinham voado para a desgraça. Pouco antes a tentativa de destruir a abóbada do
pólo sul por meio de uma carga explosiva também se frustrara. O fato não contribuíra
nem um pouco para levantar o moral da tripulação. Os ataques de loucura de Horror
tornavam-se cada vez mais freqüentes entre os astronautas.
E agora até mesmo Lope Losar, que desde as experiências comuns passadas na
fortaleza das montanhas de Llalag, mantinha uma amizade sincera com Redhorse, fora
vitimado pela traiçoeira doença. Só por acaso Ogh-Taschur ainda continuava vivo.
Redhorse foi levantando lentamente a mesa tombada. Recolheu as cartas e o
dinheiro.
O valete preto estava no lugar de Losar.
***
Via-se pelos rostos dos dois pilotos que as notícias que os mesmos traziam não
eram boas. E via-se também pelos movimentos que faziam dentro de seus uniformes
simples: eram lentos e desajeitados, como se a demora pudesse modificar a sorte dos
terranos perdidos em Horror.
“Como estes homens estão abatidos”, pensou Redhorse, preocupado, ao ver os dois
pilotos atravessar a escotilha blindada que dava para a sala de comando e aproximar-se de
Rhodan e Atlan. Eram homens dotados de uma inteligência penetrante, que lhes permitia
avaliar corretamente a situação, mas que também possuíam bastante disciplina para
mostrar o desespero de que se sentiam possuídos.
A uns dez metros dali estava o oxtornense Omar Hawk com seu okrill. Sherlock
mantinha-se bem quieto. No seu íntimo Redhorse admirava o indivíduo adaptado ao
ambiente que tinha conseguido domar o animal.
Os pilotos pararam bem à frente de Rhodan e fizeram continência.
— Não tivemos a menor dificuldade em nos aproximar da estação do pólo sul,
senhor — disse o porta-voz dos dois. Redhorse sabia que os astronautas tinham viajado
em dois aviões a jato de propulsão química do tipo F-913 G.
— Apresente seu relatório, Tenente Nosinsky — disse Rhodan em tom calmo.
O Tenente Conrad Nosinsky tinha apenas vinte e dois anos de idade, mas com sua
figura robusta e os cabelos escuros parecia ter trinta. Nosinsky não era do tipo de pessoa
que ligava muito para a opinião dos outros, mas era de toda confiança e possuía a
capacidade de avaliar friamente qualquer situação.
— A estação continua a irradiar o campo de condensação — informou o oficial.
Não esperou para ver a reação provocada por suas palavras. Prosseguiu imediatamente.
— Parece que os pequenos canhões da Androtest não conseguiram nada. Além disso o
sargento Galton e eu tivemos oportunidade de verificar que atualmente a estação está
envolvida por um forte campo defensivo.
Um dos homens que se encontravam do outro lado da sala soltou um assobio
estridente.
— Um campo defensivo — repetiu Rhodan em tom pensativo. — Quer dizer que
não teremos mais nenhuma chance de avançar novamente até a abóbada para colocar uma
carga explosiva.
— Perfeitamente, senhor — disse o Tenente Nosinsky. Os presentes sabiam que
diante dos resultados do vôo de reconhecimento uma série de projetos nos quais se
haviam depositado grandes esperanças se tornara inviável.
— Fico-lhes muito grato — disse Rhodan. — Podem retirar-se e descansar um
pouco.
Nosinsky e Galton fizeram continência e abandonaram a sala de comando.
— Acho que teremos de começar tudo de novo — disse Rhodan. — No momento
não temos nenhuma possibilidade de atacar a estação do pólo sul. Temos de concentrar
nossas atenções em prevenir de qualquer maneira a Androtest III, que deverá chegar em
breve, para evitar que esta nave tenha o mesmo destino de suas antecessoras.
— Para isso precisamos de um transmissor de grande potência — lembrou Atlan. —
Nossos hipercomunicadores não estão funcionando. Com os três miseráveis geradores
movidos por combustíveis químicos não estamos em condições de gerar a energia
necessária para alimentar os transmissores.
Sem qualquer esforço visível, Don Redhorse empurrou-se da parede à qual estivera
encostado. Sabia que Rhodan pediria que tomasse a palavra.
— Atlan tem razão — disse Rhodan, concordando com o que o arcônida acabara de
dizer. — Se não dispusermos de um hipertransmissor, não teremos como prevenir a
Androtest. Acontece que existe uma possibilidade de conseguirmos um. Capitão
Redhorse, faça o favor de explicar o que aconteceu no interior do segundo nível de
Horror, quando o senhor teve de realizar um pouso de emergência com uma nave-girino.
Redhorse teve a impressão de sentir nos ouvidos a vibração produzida pelo rugido
dos propulsores da C-II, enquanto sua mente voltava ao passado. Já fazia quase dois
meses e meio desde que a Crest II tinha saído do nível vermelho.
— Acho que não há necessidade de cansá-los com detalhes — principiou Redhorse.
— O que importa são somente os momentos que precederam o impacto da nave-girino
contra o solo. Tenho certeza de que antes da destruição da nave auxiliar pelo menos dois
carros voadores foram expelidos pelo dispositivo positrônico de segurança. Ao que tudo
indica, os veículos de esteiras poderão ser encontrados perto do lugar em que a nave-
girino tocou o solo. Como não entraram na área de ação do condensador potencial,
certamente ainda possuem seu tamanho original, do que se conclui que seus
hipertransmissores ainda devam estar em boas condições.
Redhorse esperou pacientemente que o tumulto que se seguiu às suas palavras
cessasse. Mas foi Rhodan que com um gesto pôs fim às discussões violentas.
— Até parece que o senhor se esqueceu que somos criaturas de menos de dois
milímetros de altura — disse Atlan, dirigindo-se a Redhorse. — O comprimento médio
dos carros voadores é de dez metros. Mesmo que consigamos entrar neles, não teremos a
menor possibilidade de dar partida no veículo de esteira.
— Além disso os carros voadores já devem ter sido destruídos pelos habitantes da
cidade Kraa — observou o Major Hefrich.
Redhorse sabia que Hefrich se agitava facilmente.
— O plano do capitão não é este — interveio Rhodan. — Ele se limitou a relatar os
acontecimentos.
— Ei, au! — fez Redhorse. — Obrigado, senhor.
— Faça o favor de usar uma língua que todos entendam! — disse Hefrich em tom
exaltado. — Este dialeto de cortadores de braços me deixa nervoso.
Redhorse ficou quieto. Perguntou-se como Hefrich poderia saber que ele era filho
dos descendentes dos cheienes de Powder River, que tinham o hábito de cortar o braço
esquerdo dos inimigos tombados.
— Já basta, major! — exclamou Rhodan. — Estamos todos nervosos e
desesperados. Antes de brigar, vamos discutir as chances que temos para chegar ao
segundo nível.
— Sinto muito — disse Hefrich a contragosto.
Redhorse acenou com a cabeça.
— A abertura feita pela Crest para atingir o espaço livre fica a apenas trezentos e
cinqüenta quilômetros daqui — disse Rhodan. — Para um Oldtimer será fácil chegar a
esse lugar.
— O senhor pretende arriscar um avanço direto para o segundo nível?
— De forma alguma! — Rhodan abanou a cabeça. — Por enquanto dois aviões
farão um vôo de reconhecimento e avançarão até o terceiro nível.
O terceiro nível, lembrou Redhorse, era o espaço oco situado logo abaixo da
superfície do planeta Horror. Uma vez rompido o céu artificial desse nível, conhecido
como o nível amarelo, chegava-se ao segundo plano, onde deviam encontrar-se os carros
voadores
Apesar de seu tamanho extremamente reduzido, os aviões do tipo F-913 G
alcançavam uma velocidade de quase dois mach. Dessa forma era de supor que
alcançariam o destino.
Enquanto ficavam expostos aos efeitos do condensador potencial, seus esforços de
encontrar uma solução tomavam-se cada vez mais desesperados. Redhorse tentou refletir.
Até parecia que Maheo se afastara de seu ultimo filho. Talvez já fosse chegada a hora em
que Maheo o convocaria para Wanagi-Yata, o ponto de reunião das almas.
2

A fome atroz abafara quase todos os outros sentimentos de Groon. Estava acampado
com os remanescentes de seu exército num planalto alongado, que se estendia nas
proximidades da grande planície. As esperanças de encontrar uma coisa comestível na
cidade destruída não tinham se realizado. O único lugar em que talvez pudesse haver um
pouco de alimento era inacessível no momento.
Os olhos ardentes de Groon fixaram-se no vale, no lugar em que estava parado o
veículo dos forasteiros que há muito tinham desaparecido.
— Não se movimenta — disse Yorgos, que se encontrava a seu lado.
A voz do subchefe era rouca, e seu crânio de sapo balançava sobre o tentáculo de
um metro de comprimento.
— Assim que tentarmos nos aproximar do veículo, ele se movimentará —
profetizou Groon em tom sombrio. — Só temos uma arma com munição para sete tiros.
A arma a que Groon estava aludindo garantia sua qualidade de chefe. Ainda havia
quatorze soldados com ele, quatorze homens famintos e zangados, que nutriam um ódio
intenso por ele, pois acreditavam que ele os tinha levado para a desgraça. De noite Groon
dormia longe do acampamento. Montava armadilhas sofisticadas, para que o menor ruído
o despertasse. Era mais esperto que os outros e esperava viver mais que eles. Um homem
precisava de menos alimento que quinze. Era um cálculo simples, no qual Groon baseava
toda sua atuação. Yorgos talvez pudesse tornar-se perigoso para ele, mas o subchefe
estava ferido e não teria muito tempo de vida.
— Precisamos tentar — insistiu Yorgos. — Tanto faz morrermos de fome aqui em
cima ou sermos mortos lá embaixo.
Um murmúrio de concordância vindo mais de longe se fez ouvir. Groon ouviu
corpos magros que rastejavam em sua direção. Olhou para trás e havia uma ameaça fácil
de interpretar em seus olhos. Os soldados recuaram, não porque respeitassem Groon, mas
porque tinham medo de sua arma.
Groon sabia que seriam obrigados a atacar o veículo. Esperava que durante o ataque
morressem pelo menos sete homens. Groon adiava constantemente o início do ataque,
pois queria que os soldados estivessem completamente desesperados e desorientados
quando dessem o golpe.
— Temos de atacar em dois grupos — disse Groon. — Um dos grupos distrairá o
inimigo, para que o outro possa aproximar-se do veículo.
Groon começou a distribuir os homens. Agiu de forma complicada, abandonando
constantemente as sugestões que ele mesmo acabara de formular. Dessa forma conseguiu
desviar a atenção dos homens do plano de matá-lo. O mais importante era conseguir
alimento, e Groon tinha certeza de que no momento não se arriscariam a atacá-lo.
— Está se movimentando! — exclamou Yorgos, que olhava constantemente para o
vale.
Groon soltou um grunhido de desprezo. Sabia que Yorgos apenas pretendia distraí-
lo.
Dali a pouco mandou que o subchefe descesse ao vale, acompanhado de oito
soldados. Deveriam aproximar-se do veículo de forma a serem vistos, a fim de atrair o
inimigo para fora do esconderijo. Groon caminharia pelo topo da colina, com os cinco
homens restantes, até atingirem a depressão através da qual poderiam chegar à planície
sem serem vistos.
Groon agira intencionalmente ao deixar que a maior parte dos soldados
acompanhasse o subchefe. Além de aumentar sua própria segurança, este lance poderia
levar Yorgos a arriscar um ataque ao veículo, durante o qual perderia a vida. Groon
perdera um exército na luta pela cidade de Kraa, mas nem por isso se poderia dizer que
não fosse um bom estrategista.
Esperou pacientemente que Yorgos desaparecesse entre as rochas.
— Vamos andando! — gritou para os soldados que tinham ficado para trás.
Teve o cuidado de não ficar de costas para nenhum deles. Sentiu o ódio que se
dirigiu contra ele enquanto os homens passavam por ele, em direção à extremidade do
planalto. Os pés cansados arrastavam-se pelo chão e os uniformes estavam reduzidos a
farrapos.
— À frente, marcha! — ordenou Groon, esquecendo por um instante a situação
difícil em que se encontravam.
Ergueu-se de vez e ficou assustado. Por um instante teve medo de ficar
inconsciente, de tão repentina que foi a tontura. Segurou a arma com tanta força que suas
mãos doeram. Lançou um olhar confuso para as costas dos soldados que andavam à sua
frente.
Será que eles sabiam que naquele momento Groon era bastante vulnerável?
Groon acreditava que os soldados não se sentiam muito melhor. Isso o deixou mais
tranqüilo. Encolheu a cabeça, porque dessa forma se tornava mais fácil conservar o
equilíbrio durante a caminhada. Enfiava constantemente a mão livre no bolso do
uniforme, na esperança de encontrar um resto de sua ração.
O caminho pelo qual seguiram eram difícil e cheio de pedras. Os soldados
passavam entre as pedras gigantescas como grandes insetos. Groon colocou a carabina a
tiracolo, pois precisava das duas mãos para segurar-se. Os outros estavam bem à sua
frente, e por isso teria bastante tempo para abrir fogo caso tivessem a idéia de atacá-lo.
Pedras desmanchavam-se sob seus pés. À sua esquerda ficava o despenhadeiro íngreme.
Um passo em falso, e Groon se precipitaria nas profundezas.
Depois de algum tempo viu o grupo de Yorgo na planície. Agarrou-se à rocha por
um instante, a fim de observar os soldados. Por um breve instante a sensação de triunfo
superou a fome. Reconheceu Yorgos que caminhava à frente do pequeno grupo. Yorgos e
seus homens caminhavam bem na direção do veículo, tal qual Groon ordenara. Restava
saber se pararia em tempo. Groon fazia votos de que isso não acontecesse.
Passou a andar mais depressa, para voltar a ficar à mesma distância de seus homens.
De repente viu um dos soldados que caminhavam à sua frente perder o apoio e cair no
precipício. A queda silenciosa deixou Groon chocado, pois ele queria ouvir um grito de
pânico e angústia. Mas o baque surdo do corpo emagrecido foi o único ruído que chegou
a ele. Groon estremeceu. Os outros quatro homens tinham parado. As cabeças levantadas
olhavam para dentro do precipício.
— Vamos andando! — gritou a voz retumbante de Groon.
As cabeças foram encolhidas abruptamente e os soldados prosseguiram. Groon
passou por cima de uma rocha. Tinha uma boa visão para baixo, mas preferiu não olhar.
Imaginava perfeitamente o acidentado deitado entre as rochas, com os braços abertos e os
olhos amortecidos.
Para os homens que de tanta forma mal conseguiam manter-se de pé o caminho para
a depressão se tornava infinitamente longo. Groon começou a duvidar de que
conseguiriam chegar ao destino, mas não modificou seus planos.
O grupo de Yorgos tinha percorrido aproximadamente metade da distância que o
separava do veículo. No momento tinha-se a impressão de que Yorgos e seus
companheiros agüentariam. Groon deu ordem para que os homens fizessem uma pausa.
Encostou-se a uma rocha, respirando pesadamente. Lançou um olhar para Kraa e teve a
impressão de que dos destroços da cidade abandonada ainda saía fumaça. As silhuetas
escuras dos edifícios queimados pareciam lançar uma ameaça para Groon. E à frente da
cidade — Groon fechava os olhos toda vez que pensava nisso — jazia seu exército, um
exército morto e dizimado, sepultado sob as cinzas, os escombros e a poeira.
Os habitantes de Kraa que ainda restavam tinham fugido. Para eles não adiantava
continuar a viver na cidade destruída.
“Que vitória!” pensou Groon, amargurado.
— Vamos! — gritou. A raiva venceu a fraqueza e impeliu-o para a frente. Passou a
tanger impiedosamente seus quatro companheiros, não lhes dando descanso. Quase no
mesmo instante em que o grupo de Yorgos ultrapassou o lugar em que deveria parar, o
grupo de Groon atingiu o início da depressão. Os quatro homens começaram a inquietar-
se quando viram que Yorgos começava a agir por sua própria conta. Provavelmente
tinham medo de que não sobrasse nada para eles. O rosto de sapo de Groon desfigurou-se
num sorriso feio.
Não demoraria, e Yorgos se envolveria numa luta mortal.
— Yorgos nos está enganando! — exclamou um dos homens em tom resignado.
Entraram na depressão e avançaram rapidamente. As rochas amontoavam-se de
ambos os lados, impedindo a visão para a planície. Mas Groon possuía bastante fantasia
para imaginar como Yorgos e os oito soldados que o acompanhavam avançavam em
direção ao veículo, gulosos e esfomeados. Groon engoliu várias vezes em seco.
Perguntou-se várias vezes quem poderia ser o inimigo que se mantinha escondido
no interior do veículo voador dos forasteiros. Não poderia ser um dos mesmos, pois
segundo diziam os boatos, estes eram lutadores poderosos. Por outro lado, Groon tinha
certeza de que não se tratava de nenhum habitante da cidade Kraa.
Era difícil elaborar um plano de ataque quando a gente não sabia quais eram
exatamente os meios de defesa do inimigo. Quando descobriram o veículo, por pouco não
caíram cegamente na armadilha. Só no último instante Yorgos percebeu que já tinha
aparecido um interessado que não parecia ter muito interesse em contar com sócios
esfomeados. Groon retirou-se o mais depressa que pôde para trás da colina, levando os
remanescentes de seu exército.
Groon admirou-se ao ver que, apesar dos ferimentos graves que tinha sofrido,
Yorgos ainda estava agüentando. O oficial subalterno dispunha de um condicionamento
incrível. Groon começou a ficar desconfiado de que Yorgos ainda dispusesse de
mantimentos. Era uma idéia martirizante.
Saíram da depressão e passaram a movimentar-se em terreno aberto. O chão estava
coberto de pedras, mas em compensação era completamente plano e apresentava várias
fendas. Nas imediações da depressão um penhasco esguio subia até a abóbada celeste.
Groon e seus soldados encontravam-se obliquamente atrás do objeto voador. Groon
notou que o grupo de Yorgos quase tinha alcançado o veículo.
Groon obrigou-se a refletir calmamente. O ato do subalterno, que tinha ultrapassado
o ponto fixado, representava uma insubordinação manifesta. Provavelmente Yorgos
esperava poder ocupar o veículo blindado dos forasteiros e defendê-lo contra Groon.
Tudo dependia da maneira pela qual Yorgos e seus companheiros conseguissem lidar
com a criatura que dominava o lugar cobiçado.
— Por que não prosseguimos? — perguntou um dos soldados em tom impaciente.
— Yorgos está atacando o aparelho voador dos forasteiros — disse Groon. —
Vamos aguardar o resultado.
Os quatro homens sentaram no chão. Groon hesitou um pouco, mas acabou
seguindo seu exemplo. Mas não tirou os olhos dos soldados. Ao mesmo tempo
acompanhava o avanço do grupo maior.
Groon viu que Partoos, um homem alto e robusto, estava alcançando o objeto
voador e começava a escalar o mesmo bem ao lado da entrada. Os outros seguiram-no de
perto. Partoos arrastava-se com movimentos seguros em direção à entrada, que estava
aberta. De repente um braço escuro saiu do avião e agarrou o pescoço de Partoos, logo
embaixo da cabeça. O soldado perdeu o equilíbrio e caiu para trás, cambaleante. Os
outros tentaram passar por ele e entrar no avião, mas um número cada vez maior de
braços saía do mesmo e empurrava os atacantes para trás. Yorgos e outros quatro homens
fugiram. Dois soldados rastejaram às pressas para o outro lado do avião, colocando-se
fora do campo de visão de Groon. Partoos e outro soldado morreram junto à entrada do
veículo. Groon acompanhou a luta desigual com o rosto impassível.
— É um bloos — constatou, apavorado. — Há um bloos no interior do veículo.
Ninguém respondeu. Todos sabiam o que significava lutar com um bloos.
Antigamente os mesmos tinham sido animais domésticos, mas depois de algum tempo
tinham sofrido uma mutação, transformando-se em temíveis animais selvagens.
— Vamos morrer — disse um tentacular pequeno, de nome Looster. — Não
conseguiremos derrotar o bloos.
Groon lançou um olhar para a arma velha que trazia nas mãos, para a qual ainda
possuía sete tiros.
— Vamos! — gritou. Seu grito fez com que os outros se levantassem.
Avançaram cambaleantes, cinco homens famintos e esgotados, que tinham
conquistado uma cidade.
***
Gessink puxou calmamente um dos inimigos mortos para dentro do veículo. O
corpo era pesado, e o bloos não queria gastar suas forças. Gessink tinha certeza de que
dentro em breve haveria outro ataque. Isso não o deixava muito preocupado. Agora, que
o problema da alimentação estava resolvido, não tinha por que afligir-se.
Chegara a recear que os soldados não voltariam, depois que ele os assustara por
ocasião da primeira tentativa de aproximação. Cometera um erro ao atacá-los
imediatamente. Alguma coisa os deixara de sobreaviso antes que entrassem na armadilha
montada por ele, levando-os a se retirarem para trás da colina.
O bloos sabia que ainda tinha muita coisa para aprender. Só mudara de alojamento
duas vezes, Gessink estava decidido a não sair mais do abrigo seguro em que se
encontrava, ainda mais que, segundo parecia, o mesmo lhe garantia um suprimento
regular de alimentos. O bloos tinha certeza de que sempre apareceria alguém que se
interessasse por aquela construção. Gessink esperava que dentro em breve seria mestre na
arte de colocar armadilhas. Haveria de chegar um tempo em que só seria obrigado a sair
do abrigo para retirar as presas que caíssem nas armadilhas.
Gessink lamentou que o outro morto tivesse caído no chão, o que por enquanto o
impedia de trazê-lo para dentro de seu alojamento. Desprendeu cuidadosamente os
farrapos do uniforme que estavam grudados no corpo do soldado. Enojado, atirou-os para
fora. Pôs-se a refletir sobre se deveria começar imediatamente a preparar o cadáver.
Estava com muita fome, mas precisava preparar-se para o próximo ataque. Não havia a
menor dúvida de que este viria. Gessink acreditava que o alojamento em que se
encontrava já pertencera aos soldados. Tinham voltado para ocupá-lo de novo. Mas
Gessink não estava disposto a respeitar os direitos mais antigos.
O bloos não possuía inteligência suficiente para perceber as ligações entre as coisas,
mas era dotado de uma esperteza natural que o levava a agir racionalmente no momento
certo. Antigamente, quando os bloos ainda eram animais domésticos que viviam nas
cidades dos tentaculares, os mesmos nunca tinham saído das jaulas apertadas. Nem
mesmo quando se transformaram em animais selvagens, os bloos perderam o instinto das
cavernas. Procuravam um abrigo seguro e esperavam que suas vítimas se aproximassem.
Cada bloos tinha uma área de caça que pertencia exclusivamente a ele. Raramente
entravam em luta para disputar alguma caverna. Os bloos viviam isoladamente e só se
encontravam na época do acasalamento.
Gessink empurrou o soldado morto para dentro do veículo, a fim de ter maior
liberdade de movimentos. Depois deitou junto à entrada. Um calor agradável reinava no
interior de seu alojamento. Gessink alojou a cabeça alongada entre os quatro braços
dianteiros e olhou para fora.
Sentiu que cada músculo de seu corpo se entesava. Apesar do prolongado período
de fome, estava muito forte.
Seria capaz de matar qualquer ser que se atrevesse a chegar perto dele.
***
Yorgos estava deitado no chão, olhando com uma expressão indiferente para Groon,
que ficou de pé a seu lado, com as pernas afastadas.
— O que está esperando? — gritou.
— Não vou desperdiçar minha munição — respondeu Groon. — Preciso de cada
tiro para matar o bloos.
A cabeça de Yorgos foi recuando lentamente para dentro da cavidade do tórax.
Groon viu que o oficial subalterno estava morrendo. Os soldados mantinham-se a uma
distância respeitosa.
A vitalidade de Yorgos voltou a acender-se mais uma vez.
— O bloos puxou Partoos para dentro do veículo — disse com a voz débil. — Está
nos espreitando.
— Vamos tirá-lo a fogo — asseverou Groon.
— A fogo? — o corpo de Yorgos entrou em convulsões. — Por que fui acompanhá-
lo nesta guerra, Groon?
— Para morrer — respondeu Groon em tom tranqüilo.
O oficial subalterno emitiu um ruído que ninguém entendeu e morreu. Groon
abaixou a cabeça. Entre ele e a cidade de Kraa ficava o veículo que tinham de conquistar,
custasse o que custasse. Groon ainda dispunha de dez soldados, mas os mesmos estavam
próximos ao esgotamento total. Tinha de agir com uma dureza extrema para obrigá-los a
obedecer.
O peso da arma que Groon segurava nas mãos parecia dobrar. As figuras dos dez
homens transformaram-se em sombras confusas. Groon cambaleou. Mas logo voltou a
controlar-se. Passou por cima de Yorgos e estendeu o braço que segurava a carabina.
— Vamos atacar — disse. — Devemos aproximar-nos do veículo de dois lados
diferentes. Tentarei escalar a parte traseira do aparelho para matar o bloos de cima.
Um dos soldados destacou-se do grupo.
— Acho que deveríamos ir à cidade e voltar a examinar cuidadosamente os
depósitos. Certamente encontraremos alguma coisa. Se voltarmos a atacar, o bloos nos
matará.
Groon estreitou os olhos e fitou o soldado que acabara de falar. Não disse uma
palavra. O homem voltou apressadamente ao seu lugar. “Até parece”, pensou Groon,
“que desta vez consegui controlar alguém sem uma arma.”
Dividiu os soldados em dois grupos e saíram andando.
A planície estava inundada por uma luz vermelha. O ar parecia carregado de
eletricidade. O cheiro de queimado vinha da cidade morta. Em toda parte viam-se
canhões tombados e veículos queimados. Os pés de Groon ardiam dentro das botas
pesadas. Groon fechou os olhos por um instante e desejou estar longe desse campo de
batalha, em algum lugar bem calmo, onde pudesse ficar deitado, saciado e satisfeito.
Girou a cabeça sobre o pescoço comprido e olhou para Yorgos, que estava deitado
no chão, atrás dele. O simples uniforme de um soldado morto parecia tirar um pouco do
pavor que acompanha a morte violenta. Mas Groon reconheceu que isso não passa de um
perigoso engano, quando a gente é morta ao lutar por comida.
Groon fez um grande esforço para controlar-se.
Em algum lugar, junto à entrada escura do veículo voador, o bloos estava à
espreita...
3

14 de janeiro de 2.401 — tempo terrano!


Alguns relógios minúsculos, que um homem de tamanho normal não enxergaria
sem um microscópio, mostravam que eram 16 horas.
Cinco aviões, cada um com 26 mm de comprimento, estavam preparados para
decolar no hangar de uma esfera de aço de um metro e meio de diâmetro. Era um mundo
de anões incríveis, no qual apesar de tudo a vida prosseguia em seu curso normal.
Dezesseis horas e um minuto!
No interior da nave reinava o silêncio. Homens de rosto sombrio pensando no
futuro. Ordens transmitidas em voz baixa, seguidas das batidas fortes de vinte e cinco
pares de botas.
Dezesseis horas e dois minutos!
Duas vozes, vindas não se sabia de onde. Eram vozes débeis, conscientes da
importância daquele momento. O zumbido leve dos três conjuntos geradores de
emergência parece tornar-se mais forte. Uma risada louca, vinda não se sabe de onde.
Logo após, o zumbido inconfundível dos robôs-médicos. É a loucura de Horror.
Dezessete casos nos últimos dois dias.
Dezesseis horas e três minutos!
Vinte e cinco seres vivos distribuem-se por cinco objetos voadores de 26 mm de
comprimento. Rostos sérios, mas decididos. O primeiro propulsor químico começa a
rugir. As dimensões sofrem uma distorção, o bramido parece restituir o tamanho normal
às coisas.
Dezesseis horas e quatro minutos!
Cinco Oldtimers precipitam-se eclusa a fora, passam por cima da Crest II e correm
vertiginosamente por cima de uma superfície na qual todas as coisas têm apenas um
milésimo de seu tamanho anterior. Vinte e cinco seres empenhados numa ação
desesperada.
14 de janeiro de 2.401 — tempo terrano!
Em grandes extensões do planeta Terra as pessoas se deliciam com os esportes de
inverno. Quem haveria de lembrar-se da nave-capitânia do Império Solar? Quem haveria
de saber que no momento em que se sorvem coquetéis no interior de bares sofisticados,
vinte e cinco seres minúsculos penetram no interior de um mundo oco artificial, situado
não se sabe bem onde, entre Andrômeda e a Via Láctea?
14 de janeiro de 2.401 — tempo terrano!
Dezesseis horas e cinco minutos!
A eclusa do hangar fecha-se. Um robô-operário isolado caminha para sua posição.
Logo um silêncio carregado de expectativa desce sobre a nave.
Este silêncio durará algum tempo. Um dia. Dois dias. Três dias...
***
Os cinco aparelhos do tipo F-913 G voavam em V acima da superfície do planeta
artificial chamado Horror. O vôo era uniforme e tranqüilo. Os Oldtimers já tinham
deixado atrás o vale e as montanhas Torta de Areia. A abertura feita pela Crest II para
alcançar o espaço livre ficava a apenas 380 km das montanhas Torta de Areia.
O Capitão Don Redhorse, que viajava num dos aviões juntamente com Melbar
Kasom, o mutante Wuriu Sengu, o Capitão Sven Henderson e o encarregado de
armamentos Lope Losar, que já recuperara a saúde, inclinou-se no assento do piloto. A
paisagem que desfilava embaixo deles parecia igual em toda parte. O furo aberto pela
Crest II tinha três mil metros de diâmetro. Para os astronautas, que só tinham dois
milímetros de altura, isso representava uma via de penetração de três mil quilômetros de
diâmetro.
Os dois aviões enviados por Rhodan para fazer um vôo de reconhecimento tinham
trazido notícias boas. Os pilotos não tiveram nenhuma dificuldade em penetrar no nível
amarelo com seus aparelhos. Por ali ainda rugiam as tempestades radioativas. Os dois
Oldtimers tinham regressado depois de uma curta permanência, sem que tivesse havido
qualquer incidente. Isso levara Rhodan a mandar avançar cinco aviões ao mesmo tempo
para o nível vermelho, a fim de procurar os carros voadores que, segundo as informações
fornecidas pelo Capitão Don Redhorse, deviam encontrar-se por lá.
Além disso os cientistas haviam manifestado a esperança de que o processo de
redução aos poucos seria neutralizado automaticamente, desde que os homens
minúsculos conseguissem permanecer por um tempo mais prolongado fora da área de
ação do condensador potencial.
Diante disso Atlan ponderara diante dos cientistas que os tripulantes da Crest II não
se tinham tornado maiores quando a nave pousou no hemisfério norte, muito embora
naquele tempo a estação do pólo norte não existisse mais. Segundo a informação
fornecida pelo computador matelógico, o tempo de permanência fora muito curto para
neutralizar os efeitos produzidos pelo condensador potencial.
Redhorse acreditava que parte da tripulação tinha esperança de recuperar seu
tamanho original, desde que conseguisse sair do hemisfério sul do planeta Horror.
Diante disso o plano de Rhodan, segundo o qual se deveria tentar recolher um carro
voador no nível vermelho, passou a ser encarado de um ângulo inteiramente novo. Além
de terem uma chance de conquistar um blindado voador, os homens talvez pudessem
livrar-se da condição de anões. Era bem verdade que Redhorse tinha suas dúvidas de que
a teoria dos cientistas fosse correta, mas a mesma reforçava sua decisão de, juntamente
com Rhodan e os outros homens, descobrir o lugar em que tinha caído o C-II.
Além de Rhodan e Atlan viajavam nas outras quatro máquinas Icho Tolot, os dois
ratos-castores chamados Gucky e Geco e vários oficiais e especialistas. Para o capitão,
isso era um sinal da importância que Rhodan atribuía à operação.
O problema maior seria encontrar um meio de manipular os comandos gigantescos
de um carro voador, quando o mesmo fosse encontrado. Tolot e Melbar Kasom tinham
levado várias roldanas para dentro dos Oldtimers, o que fazia supor que pretendiam
confiar principalmente na força de seus músculos. Por enquanto não se sabia o que
poderia ser feito pelos três mutantes. Os dois ratos-castores tinham feito algumas
experiências bem-sucedidas nos últimos dias, mas não havia dúvida de que ainda não
tinham recuperado a plenitude de suas forças. Poderiam voltar a falhar a qualquer
momento.
Redhorse, que era otimista por natureza, tinha plena consciência das limitações a
que deviam estar expostos os seres humanos de dois milímetros de altura no interior de
um veículo de dez metros de comprimento. Tinha suas dúvidas de que Rhodan já tivesse
um plano bem definido. No momento o único objetivo que tinham em vista era encontrar
a cidade de Kraa, nas proximidades da qual deviam estar estacionados os veículos de
esteira, a não ser que Redhorse estivesse enganado.
Redhorse voltou a olhar para fora da carlinga e viu lá embaixo o lugar em que a
Crest II tinha rompido a crosta do planeta. Aos seus olhos era um buraco imenso, que
antes parecia um oceano negro que se estendia ao infinito, Rhodan, que pilotava o
primeiro avião, chamou pelo rádio.
— Vamos descer devagar — ordenou. — Antes de mergulhar definitivamente
embaixo da superfície, vamos circular por algum tempo sobre a abertura.
Redhorse lembrou-se de que ainda se encontrava a mil quilômetros do destino.
Como os aviões Oldtimers desenvolviam duas vezes a velocidade do som, os mil
quilômetros continuavam a ser mil quilômetros, mesmo para os micro-homens.
A formação dos cinco aviões dissolveu-se. Os aviões foram descendo um após o
outro. O buraco de penetração parecia transformar-se numa goela enorme. Dali a pouco
Redhorse não via mais a superfície do planeta, muito embora ainda não tivessem
penetrado no interior do mesmo. Tênues nuvens de fumaça subiam das profundezas.
— Está vendo alguma coisa? — perguntou Redhorse, dirigindo-se a Wuriu Sengu, o
espia.
O afro-terrano sacudiu a cabeça.
— Posso distinguir um paredão negro — informou. — Mas isso não significa nada.
Redhorse sabia que o oxtornense Omar Hawk e seu okrill encontravam-se a bordo
do avião pilotado por Rhodan. Este esperava que Hawk e seu animal lhe pudessem
prestar bons serviços.
Os cinco aviões Oldtimers circularam por alguns minutos sobre o lugar em que a
Crest II tinha perfurado a crosta exterior do planeta. Redhorse acreditava que se tratava
de uma precaução de Rhodan, que não queria correr nenhum risco.
Quando Rhodan voltou a falar, sua voz parecia firme e decidida.
— Vamos entrar na galeria um após o outro. Capitão Redhorse, o senhor irá na
frente com seu avião. Acelere até chegar ao nível amarelo. Uma vez lá, nos reuniremos e
prosseguiremos em formação até a segunda abertura feita a tiro pela Crest.
— Perfeitamente, senhor — respondeu Redhorse.
— Caso sejamos atacados no interior do nível amarelo, teremos de retirar-nos em
boa ordem ao nível vermelho. Em hipótese alguma devemos envolver-nos numa luta. —
Rhodan fez uma pequena pausa. — Mas não acredito que alguém dê qualquer
importância a nossos minúsculos aviões.
Redhorse fazia votos de que os fatos viessem confirmar a previsão de Rhodan.
Lembrou-se de que a segunda abertura feita a tiro pela Crest II ficava a apenas algumas
centenas de quilômetros do lugar em que os cinco aviões F-913 G estavam penetrando no
mundo oco. Isso significava que a permanência no nível amarelo seria muito ligeira, a
não ser que houvesse algum imprevisto.
Pela primeira vez a idéia de seu tamanho reduzido deu um sentimento de segurança
a Redhorse. Ninguém daria atenção a seres que andavam por aí com aviões do tamanho
de um inseto. O capitão acreditava que poderiam operar calmamente.
Com alguns movimentos bem treinados modificou a direção do avião. Melbar
Kasom, que estava sentado bem a seu lado, observou os controles. O especialista da USO
era um dos poucos homens que pareciam aceitar o processo de redução com certa
indiferença.
Redhorse ouviu Rhodan enviar os dois aviões seguintes para dentro do poço. O
quarto avião a penetrar na abertura foi um Oldtimer pilotado por Atlan, o arcônida.
Rhodan e sua equipe foram os últimos.
Redhorse esperara que o vôo no interior do nível amarelo corresse sem incidentes,
mas assim mesmo surpreendeu-se com o ambiente monótono. A única coisa que viu
foram nuvens de vapores mais ou menos concentrados, porções de fumaça e de vez em
quando alguns flocos de cinza. Não havia perigo de o Oldtimer ficar preso em algum
lugar, pois em comparação com o tamanho do avião os pontos de saída da nave-capitânia
representavam uma cratera gigantesca.
O contato de rádio com os outros aviões não foi interrompido. Redhorse não se
lembrava de já ter voado com tamanha segurança. Os ventos quentes ascendentes não
podiam afetar os Oldtimers.
— Sessenta quilômetros! — exclamou Melbar Kasom.
Já tinham deixado atrás metade da crosta superficial. Os pilotos dos dois aparelhos
que haviam arriscado o vôo de reconhecimento lhes tinham fornecido dados precisos
sobre o ponto de passagem entre os níveis amarelo e vermelho. Assim mesmo, porém, o
vôo entre as duas galerias consumiria a maior parte do tempo. Afinal de contas, tinham
de vencer uma diferença de altura de oitocentos quilômetros. Além disso havia os
quinhentos quilômetros que separavam os dois pontos de passagem dentro do mesmo
nível.
O raio de ação dos aviões Oldtimers era de 13.000 km. Se conseguissem encontrar
logo a cidade de Kraa, provavelmente não teriam dificuldades. Segundo os planos de
Rhodan, o trajeto do vôo de ida e de volta era de 3.000 km no máximo. No seu íntimo
Redhorse reconheceu que se tratava de uma avaliação muito otimista, pois conforme as
circunstâncias poderiam vagar durante dias a fio pelo nível vermelho antes de encontrar a
cidade e o local da queda da C-II.
— Oitenta quilômetros! — Melbar Kasom falou com a calma de quem está fazendo
um treino.
Todos os aviões transmitiam notícias. Gucky informou que estava captando
impulsos muito intensos dos seres emocionais do nível amarelo. Além disso Sengu já
conseguia ver o terceiro plano, mas não viu nada que pudesse representar um perigo.
Na opinião de Redhorse, as coisas quase chegavam a ser fáceis demais. Esperava
ver a qualquer hora os primeiros obstáculos pela frente. A temperatura externa foi
subindo lentamente. E os detectores de radiações indicavam níveis situados acima da
média. Redhorse achava que isso tinha sua origem nas tormentas que se verificavam no
interior do terceiro plano.
Rhodan deu ordem para que todos os aviões reduzissem a velocidade. Quando
Redhorse fez seu F-913 G penetrar no nível amarelo, o aparelho desenvolvia somente
duzentos quilômetros por hora. Graças à habilidade dos quatro pilotos restantes, os
mesmos alcançaram Redhorse dentro de cinco minutos e voltaram a entrar na formação
em V.
Os aviões de propulsão química voltaram a acelerar. Por enquanto os homens
tinham um conhecimento razoavelmente exato da direção que deviam tomar. Mas isso
mudaria assim que penetrassem no nível vermelho.
Os dois ratos-castores informaram que estava havendo uma emissão de impulsos
mais intensa dos pêlos amarelos, mas não havia perigo de que os mesmos estabelecessem
contato com os humanos. Wuriu Sengu conseguiu enxergar o segundo plano em vários
lugares, mas só havia uma palavra que repetia regular e categoricamente:
— Rochas!
Sherlock, o okrill do Tenente Omar Hawk, descobriu os rastros das duas máquinas
que haviam penetrado no nível antes dele, o que facilitou a busca do lugar de penetração
para o nível vermelho.
Chegaram ao gigantesco buraco mais depressa do que Redhorse esperara. Este
buraco fora aberto a tiros pela esfera de aço que formava a Crest II e tinha mil e
quinhentos metros de diâmetro. Até ali tudo tinha corrido sem incidentes. Redhorse
examinou os controles.
— Mohetto! — disse Redhorse em voz baixa. — Tudo em ordem.
Maheo voltara a entreter sentimentos amigáveis para com seu filho mais jovem.
4

Groon tocou o metal frio do estranho veículo. Um choque elétrico parecia atravessar
seu corpo. Mas era apenas a frieza do material que provocava essa sensação. Não sabia
até que ponto os homens que avançavam do outro lado já se tinham aproximado da
entrada, mas tinha certeza de que deveria estar deitado em cima da entrada, no momento
em que os soldados atraíssem o bloos para fora.
Os órgãos do aparelho digestivo de Groon estavam crispados. Mesmo que
conseguisse comida num futuro próximo, provavelmente não escaparia de uma
enfermidade prolongada. Pela primeira vez desde os tempos da juventude começou a
duvidar do acerto da escolha que fizera ao optar pela carreira militar. Tivera oportunidade
de observar que, à medida que aumentava a fome, a disciplina dos soldados sobreviventes
se deteriorava cada vez mais. As coisas haviam chegado a tal ponto que os mesmos só
podiam ser contidos por uma arma. Este acontecimento deixara Groon mais abalado que
a perda de sua força combatente. Sua fé na superioridade da disciplina militar fora
destruída. Groon já sabia que o uniforme pode ocultar os sentimentos, mas não é capaz de
destruí-los. Em dado momento qualquer ser vivo colocaria seus sentimentos acima do
uniforme que trajava, dependendo da situação, renegaria o próprio.
Até mesmo Groon se tornara vítima desse estado de coisas. Graças à sua
inteligência superior transformara-se numa personalidade que só tinha uma coisa em
comum com a de um soldado: o uniforme.
Se no interior da cidade ainda houvesse alguns inimigos vivos, as coisas poderiam
ter sido bem diferentes. Naquela altura o único inimigo dos soldados era a fome.
Groon empurrou a carabina à sua frente, pela superfície lateral do avião. Segurava
com ambas as mãos a borda das chapas. O movimento bastava para fazê-lo tremer de
fraqueza.
Perguntou-se como faria para subir na cobertura do carro voador. Isso exigiria um
esforço que mesmo em condições normais seria difícil de suportar. Recolheu a cabeça
para dentro da cavidade do tórax. Isso o deixara completamente cego. Pôs-se a escutar
por um instante, pois queria saber se a luta já tinha começado do outro lado do veículo.
Seus músculos enfraquecidos entesaram-se. Sem saber como, conseguiu erguer-se pela
força dos braços, enquanto o sangue martelava no interior dos ombros e as pernas
executavam movimentos convulsivos.
Ficou pendurado por alguns segundos. Finalmente atirou uma das pernas sobre o
pára-lama e deixou-se cair para a frente. Teve a impressão de que nunca mais conseguiria
levantar-se, mas quando fez sair cautelosamente a cabeça e o ar frio tocou seu rosto,
conseguiu pôr-se de pé. Do outro lado estava tudo quieto. Será que os soldados o tinham
abandonado para marchar por conta própria em direção à cidade? Virou a cabeça e olhou
para Kraa. Os destroços da cidade estavam envoltos numa bruma avermelhada. A
planície que separava o veículo do alvo de seu ataque estendia-se, completamente
abandonada. Groon respirou aliviado.
Abaixou-se para pegar a arma e voltou a ficar tonto. Desta vez a sensação foi mais
demorada. Teve de segurar-se com uma das mãos na cobertura do veículo, enquanto
avançava lentamente pelo revestimento da esteira.
Finalmente atingiu o lugar em que havia fendas e orifícios na cobertura, que podiam
ser usados como degraus. Groon ficou com a arma a tiracolo. Receava que o barulho que
estava fazendo já tivesse deixado o bloos prevenido.
Groon cuspiu a pedrinha que trazia na boca há algum tempo, para manter úmida a
língua. Quase chegava a desejar que estivesse deitado na areia, no lugar de Yorgos.
De repente um som forte e estridente atingiu seu ouvido.
Ergueu-se, bastante tenso.
O ruído repetiu-se. Uma, duas, três vezes...
De repente Groon compreendeu o que significava o mesmo. Teria soltado uma
gargalhada amarga, se o raciocínio não o tivesse prevenido de que com isso poderia
chamar a atenção do bloos.
“Covardes!” pensou, furioso. “Covardes de uma figa!”
Os soldados não se atreviam a chegar perto do veículo. Provavelmente os homens
se tinham acomodado a uma distância segura. Toda vez que uma pedra atingia o metal,
ouvia-se o ruído estridente.
Groon começou a subir na cobertura do veículo. Muito antes de chegar ao lugar que
pretendia atingir, conseguia olhar por cima da parte abobadada. Acontecera exatamente o
que ele esperara: os homens estavam deitados no chão, longe da área perigosa, e atiravam
pedras. Ao que parecia, o bloos não demonstrava a menor reação.
Groon subiu de vez na cobertura e ficou deitado, respirando pesadamente. Os
soldados olharam para ele com uma expressão indecisa. Groon estava quase louco de
raiva, mas o raciocínio frio logo levou a melhor, e este lhe disse que não poderia contar
com ninguém. O homem que tinha sido morto juntamente com Partoos continuava
deitado perto da entrada.
Groon avançou pela cobertura, centímetro após centímetro, até ficar deitado bem
em cima da entrada.
Tirou a carabina de cima do ombro. Agiu com muito cuidado, para evitar qualquer
ruído. Os soldados pararam de atirar pedras e olharam para ele com uma expressão tensa.
O rosto de Groon contorceu-se num sorriso forçado. Fazia votos de que o animal
selvagem não demorasse a sair, para que pudesse enfiar as sete balas que lhe restavam no
corpo dele. Mas o animal, que era muito esperto, parecia sentir o perigo, e não seria por
causa de algumas pedradas que o mesmo se deixaria cegar pela raiva.
Naquele momento Groon desejava que Yorgos ainda estivesse vivo. O oficial
subalterno poderia não merecer confiança, mas nunca tinha sido covarde. Groon segurou
a arma com uma das mãos, enquanto com a outra fazia um sinal para os soldados. Viu
que estavam confabulando e imaginou os argumentos que deviam usar para disfarçar a
covardia uns perante os outros.
“Não quero morrer aqui em cima”, pensou Groon. “Por que não avançam logo?”
Voltou a acenar para os soldados, até que sentiu o braço muito pesado. Mas os homens
continuaram indecisos. O medo que sentiam pelo animal parecia superar o receio de
morrer de fome.
“Preciso fazer alguma coisa”, pensou Groon. Mas enquanto pensava assim, deu-se
conta de que estava praticamente indefeso. A respiração era pesada, embora não estivesse
fazendo mais nenhum esforço. Bem que gostaria de saber se o bloos estava à espreita
junto à entrada, ou se mantinha escondido mais no interior do veículo.
Groon voltou a levantar os olhos. Os soldados levantavam-se e começavam a
afastar-se na direção da cidade. Levantou a arma, mas antes de puxar o gatilho recuperou
o autocontrole. Eles o abandonavam. Morreriam um após o outro, entre os escombros
espalhados pela cidade.
O pescoço comprido de Groon avançou por cima da cobertura.
— Olá, bloos! — gritou. — Agora somos só nós dois. Você, eu e esta carabina com
sete tiros. Que tal, bloos? Está gostando?
O bloos não entendia suas palavras, mas percebia pelo tom de voz que havia alguém
por perto que queria matá-lo.
Um sorriso apagado surgiu no rosto de Groon quando o mesmo arrancou um pedaço
de sua calça e pôs fogo no tecido com seu isqueiro. O farrapo começou a soltar fumaça,
largando uma nuvem malcheirosa. Groon prendeu-o no cano da carabina e empurrou-o
por cima da cobertura.
— Vamos, bloos! — gritou. — Saia logo!
***
Ali estava de novo!
O ruído ranhento se fazia ouvir mais uma vez.
Gessink entesou o corpo. Uma suspeita que o assolara o tempo todo acabara de
transformar-se em certeza. Havia alguém na cobertura de sua caverna.
As pedras arremessadas pelos soldados não conseguiram irritar Gessink, mas a
ameaça direta ao seu alojamento era uma coisa bem diferente. No primeiro instante
Gessink teve vontade de sair correndo e distribuir pancadas às cegas, mas resolveu ficar
deitado, todo encolhido. Assim que saísse do abrigo, seu corpo sensível estaria ao alcance
de qualquer ser que quisesse atacá-lo. Quando se limitava a estender o braço robusto, as
coisas mudavam de figura. Neste caso dificilmente haveria um inimigo capaz de derrotá-
lo.
Os soldados que tinham jogado pedras não se atreviam a chegar mais perto. Ao que
tudo indicava, preferiam aguardar os acontecimentos. Gessink não conseguiu dominar o
nervosismo. Será que era um soldado que estava deitado na cobertura? Ou tratava-se de
um inimigo diferente, que ainda não tinha visto?
Gessink não possuía bastante inteligência paia perceber que queriam atraí-lo a uma
armadilha. Era somente o instinto que o advertia para que não saísse da caverna. O ser
estranho voltou a movimentar-se sobre a cobertura. Quem se encontrava no interior do
abrigo tinha a impressão de que alguém estava arranhando a superfície externa do
veículo. A raiva de Gessink crescia cada vez mais. Nunca tinha enfrentado um desafio
como este. O animal selvagem que havia dentro dele queria impeli-lo para fora, enquanto
a inteligência pouco desenvolvida resistia a qualquer mudança de posição. O bloos voltou
a olhar para os soldados. Os mesmos acabavam de levantar-se e saíam andando. Os olhos
pequenos de Gessink acompanharam cada movimento. Parecia que estes inimigos tinham
desistido de lutar com ele.
Mas o outro inimigo continuava em cima da cobertura. Gessink sentia sua presença
com cada fibra de seu corpo. Até mesmo o ar que respirava estava empestado com o
cheiro dessa criatura.
De repente houve um tumulto em cima da cobertura. Os braços de Gessink faziam
movimentos convulsivos, num nervosismo mal contido. Sons incompreensíveis atingiram
o ouvido do bloos. Gessink compreendeu que o inimigo resolvera desafiá-lo. Será que era
tão forte que não precisava esconder-se?
Gessink assumiu a posição de combate. Assim que o desconhecido aparecesse, seus
braços se precipitariam para fora do veículo e o despedaçariam. De repente Gessink
sentiu cheiro de queimado. Espirrou e cobriu a cabeça com os braços.
Uma sombra desceu junto à entrada do veículo. Os braços de Gessink avançaram
violentamente, mas só atingiram o vazio. A única coisa que via era uma nuvem de
fumaça cinzenta. Uma risada louca soou em cima da cobertura. Gessink soltou um grito
de raiva. O inimigo fora mais esperto que ele. O bloos ainda conseguiu controlar-se para
continuar no mesmo lugar. Seus olhos ardiam. O cheiro de queimado era cada vez mais
intenso.
Alguma coisa desceu do telhado, caindo bem à frente da entrada do alojamento de
Gessink. Faíscas levantaram-se. Gessink recuou. O vento tocou a fumaça para dentro de
seu alojamento. Gessink fez avançar um dos braços e afastou o pano fumegante.
Espirrava e respirava com dificuldade. Alguém parecia dançar na cobertura, de tão forte
que era o barulho.
Gessink foi perdendo o autocontrole. Dali a pouco irromperia de seu abrigo, um
corpo oval com braços cheios de garras e uma boca gigantesca, repleta de dentes.
***
Groon segurou firmemente a carabina que estava preparada para disparar. O braço
do bloos saíra tão depressa para afastar o pedaço de uniforme em fogo que Groon não
teve tempo para esboçar qualquer reação.
Groon pôs-se a refletir todo aflito para encontrar um meio de atrair o inimigo para
fora do veículo. Parecia que o bloos não gostava de fogo, mas seria bem possível que
Groon perdesse sua arma se tentasse novamente o truque com o pedaço de pano.
Assim mesmo arrancou mais um pedaço da calça e pôs fogo no mesmo. Esperou
que todo o pano ficasse fumegante e atirou-o pela borda da cobertura. Não se arriscou a
inclinar-se para a frente o suficiente para que pudesse ver tudo. Tinha certeza de que não
poderia demorar muito em enfrentar o animal selvagem, pois do contrário desmaiaria de
fraqueza. Os soldados já tinham desaparecido no meio da luz mortiça vermelha. Sem
dúvida pretendiam dirigir-se à cidade. Groon acreditava que já tinham sido cuidadosos ao
revistar pela primeira vez os escombros, e dessa forma os homens dificilmente teriam
uma chance de encontrar alguma coisa para comer. Antes de abandonar Kraa, os
sobreviventes tinham destruído tudo que pudesse ser útil aos atacantes.
Uma nuvem de fumaça passou por cima do veículo. Groon engoliu em seco. O
bloos reagiria a qualquer momento. Quando saísse, estaria muito irritado e suas reações
seriam imprevisíveis. Groon sabia que teria de fazer uma pontaria melhor do que jamais
tinha feito. Seria necessário enfiar os sete tiros no corpo do monstro antes que o mesmo
soubesse exatamente onde ele estava.
5

Metade do combustível já fora consumido, e ainda não haviam encontrado a cidade


de Kraa. A suposição de Rhodan, de que não precisariam percorrer mais de três mil
quilômetros, revelara-se errônea. Parecia que os cinco aviões, que não eram maiores que
um marimbondo terrano, não tinham a menor possibilidade de descobrir a cidade.
O Capitão Don Redhorse ficava de olho no indicador de combustível, como se isso
pudesse levá-lo a subir mais um pouco.
No momento o aparelho do cheiene estava voando à frente da formação. Rhodan
chamou pelo rádio.
— Parece que teremos de sobrevoar a maior parte do nível vermelho antes de
encontrar a cidade — disse o terrano. — Já está na hora de nos preocuparmos com as
reservas de combustível.
— Resta saber — observou Atlan, que se encontrava em um dos Oldtimers — se
devemos usar o combustível que nos resta para voltar, ou se é preferível prosseguir nas
buscas.
— Isso é uma boa pergunta — confessou Rhodan. — Infelizmente só podemos
escolher uma das duas alternativas.
Houve uma pequena pausa, enquanto as tripulações dos diversos aparelhos
discutiam o assunto.
— Na minha opinião devemos prosseguir — disse Kasom, dirigindo-se a Redhorse.
— Se não conseguirmos avisar a Androtest III, que deverá chegar em breve, a mesma
também estará perdida.
— Também sou a favor do prosseguimento do vôo — acrescentou o Capitão
Henderson. — Ainda dispomos de uma reserva de combustível, pois ao regressar
voaremos em linha reta para o ponto de travessia.
Wuriu Sengu, o mutante, começou a falar em tom de desânimo.
— Infelizmente minha faculdade psi está bloqueada. Talvez Hawk tenha mais sorte
com seu okrill.
Redhorse perguntou-se por que os dois ratos-castores ainda não tinham conseguido
detectar os impulsos mentais dos habitantes de Kraa. Era bem verdade que as faculdades
dos mutantes tinham sido quase completamente eliminadas, mas certamente ainda seriam
capazes de captar as emanações de grande número de seres que viviam num espaço muito
limitado.
O capitão pôs-se a refletir. Comunicou a Rhodan que ele e sua tripulação haviam
votado em bloco pelo prosseguimento do vôo. As notícias que os outros Oldtimers
transmitiram a Rhodan não foram muito diferentes.
— Já esperava que os senhores tomassem essa decisão — confessou Rhodan. — Sei
que todos estão conscientes da gravidade da solução que acaba de ser tomada. —
Redhorse teve a impressão de que um sorriso fugaz atravessou o rosto de Rhodan. — Não
demorará, e teremos consumido mais de metade do combustível. Quando isso acontecer,
já não teremos como voltar.
“É um relato breve, mas muito fiel da situação”, pensou Redhorse.
— Vamos modificar a formação dos aviões — ordenou Rhodan. — Por enquanto o
mais importante é encontrarmos a cidade. Para facilitar o encontro, voaremos em leque.
Assim que um dos pilotos avistar Kraa, voltaremos a nos reunir.
As rotas dos diversos Oldtimers foram fixadas. Redhorse não se sentiu muito à
vontade ao notar que um aparelho após o outro se separava do grupo e seguia sua própria
rota. Os aviões manteriam uma distância tal que o contato direto pelo rádio ainda fosse
possível.
Os Oldtimers sobrevoaram em alta velocidade a paisagem rochosa, passando por
verdadeiras catedrais de pedra. O céu artificial era inundado por uma luz vermelha. Em
algum lugar, atrás da crosta de cem quilômetros de espessura, viviam os gurus, que eram
capazes de, unicamente com suas forças paranormais, produzir o zextoeto sanistore,
nome dado à grande nevada na língua dos índios cheiene.
Redhorse ainda se lembrava perfeitamente de como os dois carros voadores tinham
atravessado uma paisagem congelada. Muito mais difícil que isso seria dar partida num
veículo que, comparado com o tamanho atual dos homens, tinha dez quilômetros de
comprimento.
O ertruso Melbar Kasom, que se encontrava ao lado de Redhorse, inclinava-se
constantemente para a frente a fim de observar melhor a paisagem.
— Até parece que Kraa afundou no solo — disse, dirigindo-se a Henderson.
— Em Horror... — Henderson logo se corrigiu. — No interior do planeta Horror,
tudo é possível.
Redhorse surpreendeu-se olhando constantemente para o indicador de combustível.
A cada quilômetro que percorriam diminuíam as chances de poderem voltar nos
Oldtimers.
— O senhor acredita que ainda encontraremos a cidade, senhor? — perguntou Lope
Losar depois de algum tempo. O rosto do encarregado de armamentos estava pálido e
magro, que eram os sinais típicos de um acesso de loucura de Horror do qual a pessoa
acabara de recuperar-se.
— Não parece que o Chefe queira desistir antes disso — respondeu Redhorse.
O dedo grosso de Kasom tocou na coluna que indicava a quantidade de combustível
de que ainda dispunham.
— Este é mais ou menos o momento em que teríamos de voltar, se quiséssemos ter
uma chance de atingir as montanhas Torta de Areia — disse, esticando as palavras.
Quase no mesmo instante a voz de Rhodan se fez ouvir no pequeno alto-falante do
rádio normal.
— Acabamos de ultrapassar o limite do combustível — disse Rhodan. — As buscas
prosseguirão.
Henderson e Redhorse entreolharam-se em silêncio. O Capitão Redhorse encostou
as pontas dos dedos da mão esquerda à testa, o que era um antiqüíssimo sinal de profundo
respeito de seu povo.
— Enitoene! — disse em tom áspero. — Eu o venero.
***
A paisagem era marcada por formações rochosas bizarras. O ambiente parecia
menos familiar que aquele com o qual se tinham deparado no início do vôo pelo segundo
plano. Talvez fosse porque os homenzinhos estavam vendo o nível vermelho numa
perspectiva diferente. Ao contrário do que acontecera com a paisagem na superfície do
planeta Horror, por ali nada tinha mudado. Os tripulantes dos cinco Oldtimers tiveram a
impressão de que estavam atravessando um universo vermelho que não tinha fim. A
superfície, que não era outra coisa senão a outra face do céu artificial do terceiro nível,
abaulava-se em direção ao horizonte como uma concha gigantesca.
Os pilotos já tinham descoberto duas cidades menores, mas não encontraram sinal
de Kraa. Wuriu Sengu usava sua visão paranormal, Gucky e Geco punham-se a escutar
com seus sentidos telepáticos, o okrill de Hawk procurava localizar alguma pista, mas
ninguém pôde anunciar qualquer resultado positivo.
Pelos cálculos de Redhorse, já deviam ter percorrido oito mil quilômetros. A bordo
do avião estava tudo em silêncio. Todos sabiam que estariam condenados a permanecer
para todo sempre no nível vermelho, se não encontrassem o local em que caíra a C-II,
com os carros voadores.
No interior do aparelho pilotado por Redhorse o ertruso Melbar Kasom começou a
preparar as roldanas construídas por ele e Tolot. Até parecia que a descoberta dos carros
voadores era iminente. Redhorse admirou a maneira pela qual os dois gigantes haviam
construído essas ferramentas com os recursos primários de que dispunham. Fazia votos
de que, se conseguissem encontrar um dos carros voadores, esses aparelhos pudessem
ser-lhes úteis.
Quando descobriram a cidade de Kraa, deram-se conta repentinamente por que
todas as tentativas dos mutantes tinham se frustrado. Kraa era um monte de escombros
que se estendia à sua frente.
— Todos os aviões entrarão em formação! — soou a voz de Rhodan no alto-falante.
— Lá embaixo está Kraa, ou aquilo que sobrou da cidade dos tentaculares.
Não escapou aos olhos penetrantes de Redhorse que certas partes da cidade ainda
estavam ardendo. Concluiu que não fazia muito tempo que a cidade tinha sido destruída.
— Você realmente acredita que isso é Kraa? — perguntou Atlan, comunicando-se
pelo rádio com seu amigo terrano.
— Tenho certeza absoluta — respondeu Rhodan. — Só falta descobrir o lugar em
que caiu a nave-girino. Capitão Redhorse, será que o senhor poderia indicar a posição
aproximada em que devem estar os destroços?
Redhorse pôs-se a refletir por um instante. Teve a impressão de que a paisagem lá
embaixo estava mudada. A cidade parecia maior que um continente inteiro.
— Não se esqueça de que as dimensões relativas sofreram uma modificação —
disse Rhodan, que parecia imaginar quais eram as preocupações do oficial.
— Naturalmente, senhor — disse Redhorse. — Mas é difícil orientar-se novamente
a partir do nada.
Redhorse sentiu que vinte e quatro homens esperavam que ele encontrasse um
ponto de referência. Inclinou-se bem para a frente, enquanto os Oldtimers corriam em
velocidade reduzida sobre a cidade destruída.
— Está tudo muito estranho, senhor — disse o chefe do comando de desembarque
em tom hesitante.
— Quanto a isso não tenho a menor dúvida, Redhorse — disse Rhodan em tom
paciente. — Procure descobrir alguma coisa pela qual possa orientar-se.
O cheiene pôs-se a observar atentamente a paisagem. Lembrou-se de que na
oportunidade sua atenção fora despertada por uma rocha pontuda em forma de alça.
Acontece que naquele momento essa figura pareceria mil vezes maior.
— Chamando todos os pilotos! — disse Redhorse para dentro do microfone. —
Procurem localizar uma formação rochosa em forma de anel. — Descreveu o aspecto
aproximado que devia ter essa formação. Concluiu em tom um tanto inseguro. — É claro
que não sei como isso será agora.
Antes que alguém descobrisse o anel de rocha, a voz do Tenente Hawk se fez ouvir
pelo rádio.
— Tenho a impressão de que Sherlock descobriu uma pista da nave destroçada —
anunciou.
Os okrills eram supersensores. Possuíam a capacidade de detectar os rastros de
acontecimentos que tinham se verificado há muito tempo. Suas faculdades
extraordinárias deixam para trás qualquer infradetector. Era bem verdade que havia
necessidade de um ser humano capaz de comunicar-se com o okrill, e este homem, que
era o único em todo o Império Solar, era Omar Hawk, um indivíduo adaptado ao
ambiente vindo de Oxtorne, que ocupava o lugar de tenente do Corpo Especial de
Patrulhamento Galáctico.
Redhorse respondeu imediatamente.
— Não é possível que tenha sobrado alguma coisa do veículo — disse. — Pelo que
estou lembrado, os destroços se queimaram assim que o carro voador bateu no chão.
— Para Sherlock isso basta. — Hawk soltou uma risada quase imperceptível. —
Meu chapa é capaz de descobrir os rastros infravermelhos de uma lesma que morreu há
mais de dez anos no fundo de um oceano enorme.
Os cinco aviões saíram em alta velocidade para o lugar descoberto por Sherlock.
— Então, capitão? — perguntou Rhodan com a voz calma. — Como estão as coisas
a esta altura?
— Estão inalteradas, senhor. — Redhorse passou a usar instintivamente a
linguagem gutural de seus ancestrais. — Só nos resta fazer votos de que o sapo gigante
de Hawk não se tenha enganado.
De repente Redhorse viu uma mancha queimada negra deslizar bem embaixo de seu
avião.
— Mohetto! — exclamou. — É o local da queda, senhor.
— Espalhem-se! — ordenou Rhodan prontamente. — Podemos começar a procurar
os carros voadores.
— Não se esqueça da cidade! — advertiu Atlan. — Deve ter sido destruída por
alguém que talvez possa representar um perigo para nós.
— Ninguém vai se incomodar com um bando de insetos — piou Gucky em tom
arrogante.
— Tomara que você tenha razão, baixinho — disse o arcônida em tom pensativo.
Os Oldtimers espalharam-se em todas as direções. Redhorse observou o indicador
de massa. Se ainda havia algum veículo de esteira lá embaixo, o aparelho acabaria dando
um sinal.
Redhorse passou a mão nervosamente pelo cabelo negro-azulado. Havia alguma
coisa que o deixava nervoso. Era um pressentimento indefinível, que não sabia explicar.
— Parece que estamos com sorte — observou Sven Henderson.
Sobrevoaram alguns edifícios destruídos na periferia da cidade. Para os micro-
humanos cada um dos edifícios queimados tinha as dimensões de uma cidade. Kraa era
uma superfície infinita coberta por destroços fumegantes, que parecia estender-se até a
linha do horizonte. Redhorse fez uma manobra um tanto violenta com o F-913 G e o fez
correr em direção à paisagem aberta. Nesse lugar as diferenças de tamanho não saltavam
tanto à vista.
De repente o rastreador de matéria deu um sinal. Redhorse não perdeu tempo. Leu
os dados e fez outra modificação de rota.
No mesmo instante a voz de Rhodan se fez ouvir.
— Acabamos de descobrir um dos carros voadores nas colinas. Todos os aviões
deverão reunir-se aqui.
— Atenção, senhor! — gritou Redhorse. — Também encontramos um veículo
blindado. Está na planície. O que devemos fazer?
— Pouse e tente entrar no veículo. Verifique se ainda está em condições de voar.
Enquanto isso vamos cuidar do veículo versátil que se encontra nas colinas.
— Perfeitamente, senhor — respondeu Redhorse.
Reduziu a velocidade, enquanto três aviões corriam atrás do aparelho de Rhodan.
Redhorse percebeu que o Chefe desejava garantir antes de mais nada a posse do veículo
que tinha pousado nas colinas. O índio cheiene não teve nenhuma dificuldade em
interpretar corretamente a preferência de Rhodan pelo veículo que se encontrava mais
longe da cidade. Quanto mais se afastassem de Kraa, menor seria o risco de serem
atacados. Apesar de tudo, Rhodan não queria abandonar antes do tempo o veículo
pousado na planície.
— Tentaremos fazer decolar o veículo — prosseguiu Rhodan. — Enquanto isso o
senhor inspecionará o outro veículo blindado, capitão. Talvez consiga acionar os
propulsores, usando o equipamento de Kasom. Talvez possa usar algumas peças do
equipamento de emergência do próprio veículo.
— Vou mantê-lo informado — asseverou Redhorse.
— Estou vendo o carro! — gritou Lope Losar de repente.
Redhorse olhou na direção em que estava apontando o braço do encarregado de
armamentos. No primeiro instante assustou-se ao ver um monstro de dez quilômetros de
comprimento por quatro de largura embaixo do Oldtimer. Era o que os micro-humanos
viam ao aproximar-se de um veículo de dez metros de comprimento.
— Pelo amor de Deus, Don! — disse Henderson em tom alarmado. — Há alguma
coisa deitada em cima do veículo.
***
Os quatro Oldtimers foram descendo um após o outro sobre a plataforma de carga
do carro voador, situada para o lado da popa. O compartimento de carga aberto era
utilizado para levar um equipamento de emergência que pudesse ser útil aos astronautas
em caso de acidente. Os carros voadores eram veículos versáteis, utilizados inclusive em
situações de emergência.
Rhodan olhou por um instante para a face traseira do carro voador. Não disse uma
palavra. Imaginava perfeitamente que o aspecto do veículo blindado representava uma
carga psíquica pesada para a tripulação. O quadro mostrava com uma nitidez cruel como
tinham diminuído de tamanho.
O terrano magro cerrou os dentes.
— Desçam! — disse em tom áspero.
Encontraram-se à frente dos aviões. Omar Hawk foi o único que se mantinha um
pouco afastado. Seu okrill fazia movimentos nervosos. A figura gigantesca de Tolot
aparecia ao lado de Atlan.
Rhodan olhou para Gucky.
— Vamos, baixinho! Faça uma tentativa.
Todos viram o rato-castor concentrar-se para executar um salto de teleportação.
Dali a alguns segundos Gucky, que costumava ser tão loquaz, baixou a cabeça. Todos
compreenderam o gesto. As energias paranormais continuavam bloqueadas em virtude do
processo de condensação.
Rhodan levantou o braço.
— Vamos entrar pelo poço de ventilação. — Fez um sinal para o imediato da Crest
II. — Major Sedenko, volte para dentro de um dos aviões. Mantenha contato de rádio
com Redhorse.
O oficial, que era um homem calado, fez continência e retirou-se. Não deu mostras
do aborrecimento que sentia porque estava praticamente condenado a permanecer inativo.
Rhodan pediu a Icho Tolot que procurasse o poço de ventilação. O halutense
conseguia locomover-se mais depressa que os outros. Tolot atravessou a plataforma de
carga. Levou pouco menos de meia hora para voltar. Os homens que tinham ficado para
trás aproveitaram o tempo para inspecionar os aparelhos encontrados na plataforma de
carga. Em sua maioria eram grandes demais para poderem ser usados.
— Dificilmente conseguiremos chegar ao poço de ventilação — disse Tolot assim
que voltou. — E será mais difícil ainda levar as talhadeiras por esse caminho. Por isso
sugiro que passemos pelo canal de exaustão, que além de ficar mais perto é mais
acessível.
Rhodan sabia que podia confiar no julgamento do halutense. Os aparelhos
construídos por Tolot e Kasom foram distribuídos entre os homens. Hawk e seu okrill
ficaram na plataforma de carga, para servir de vigia.
Tolot seguiu na frente. Em seguida vieram os dois ratos-castores e os outros
homens. Rhodan e seu amigo arcônida vieram no final. Atlan tinha uma corrente
pendurada sobre o ombro, enquanto Rhodan carregava duas rodas.
— Tudo se repete na história — observou Atlan em tom irônico. — Lembro-me
perfeitamente de que os egípcios resolveram problemas bem mais difíceis com recursos
muito mais rudimentares.
— Quem sabe — respondeu Rhodan em tom não menos irônico — se você não foi
o misterioso deus do sol que, segundo se diz, costumava interferir quando as coisas se
tomavam difíceis.
Atlan passou a falar em tom sério.
— Acho que já desempenhei tantos papéis diferentes que tudo isto para mim não
passa de uma reprise.
— Acontece que esta reprise está sendo realizada numa perspectiva inteiramente
nova; na perspectiva de um micro-homem — disse Rhodan.
— Se eu fosse filósofo por natureza — disse Atlan — poderia objetar que o
tamanho que a gente tem é indiferente, se o mundo que nos cerca também tem suas
dimensões modificadas. — A corrente que o lorde-almirante da USO carregava sobre o
ombro bateu ligeiramente quando voltou a cabeça para Rhodan.
Se discutisse com Atlan, Rhodan estaria enfrentando a sabedoria e a experiência de
dez milênios. Não havia argumento que o arcônida não conseguisse rebater; quando a
lógica não resolvia, obrigava seus interlocutores a entrar no terreno da metafísica.
Rhodan tirou do bolso uma porção de alimento concentrado e enfiou-a na boca.
O rosto de Atlan abriu-se num sorriso franco.
— Parece que o processo de redução não afetou seu apetite.
Icho Tolot já tinha atingido o canal de exaustão.
Esperou que os outros se reunissem a ele. Estava amarrando uma corda comprida na
ponta de uma talhadeira, quando Rhodan e Atlan apareceram ao lado do poço.
O halutense trabalhava com uma rapidez incrível. Prendeu a outra ponta da corda na
grade que cobria o poço. Feito isso, empurrou a talhadeira para baixo. A corda entesou-
se.
Rhodan segurou-se na grade e inclinou-se cuidadosamente sobre a abertura.
— Infelizmente não se vê nada — observou Tolot. — Vou descer pela corda e
desamarrarei a talhadeira. Depois disso o senhor puxe e faça descer o resto do
equipamento.
Enquanto estava falando, o gigante atravessou a grade.
— Quando eu puxar a corda três vezes, isso será um sinal de que tudo está em
ordem — disse.
— E se você não puxar? — perguntou Gucky.
— Nesse caso você irá atrás de mim para salvar-me — sugeriu Tolot, enquanto
segurava a corda muito grossa. Por um instante ficou balançando sobre a abertura, mas
logo desapareceu na escuridão do poço. Rhodan, que estava segurando a corda, não
esperou muito tempo. Tolot logo deu o sinal previamente combinado. Dali a vinte
minutos todos os equipamentos tinham sido introduzidos no poço. Os homens passaram a
entrar no mesmo.
Rhodan atravessou uma área em que a escuridão era completa. Ficou satisfeito
quando finalmente sentiu chão firme sob os pés.
Icho Tolot, que se encontrava bem a seu lado, disse:
— Sei arranjar-me muito bem por aqui, mas para os senhores será bem melhor se
tentarmos iluminar isto quanto antes.
Rhodan lembrou-se de que a chave que ligava as luzes de emergência tinha vinte
milímetros de comprimento. Era muita coisa para os seres que só tinham dois milímetros
de altura, especialmente quando se tornava necessário deslocar a chave noventa graus
para baixo.
Rhodan deixara Geco junto à entrada do poço, a fim de que o rato-castor pudesse
observar Omar Hawk, caso isso se tornasse necessário. Gucky tinha entrado no carro
voador juntamente com os outros.
Tolot, cujos olhos sensíveis à luz infravermelha permitiam uma orientação perfeita,
levou o pequeno grupo para perto da chave-mestra das luzes de emergência.
— Como estão as coisas por aqui? — perguntou Rhodan. — Encontrou algum sinal
da presença de seres estranhos?
A resposta de Tolot foi negativa.
— Parece que ninguém entrou no veículo blindado desde o momento em que o
mesmo ficou parado aqui. A caminhada para perto da chave-mestra das luzes de
emergência tinha consumido mais de meia hora. Rhodan fazia questão de que os
equipamentos fossem levados com eles. Esperava ganhar tempo com isso.
Quando se encontravam embaixo do posto de comando, Tolot teve uma notícia
desagradável para eles. Rhodan já esperava a mesma.
— Pelos nossos padrões, a chave fica cerca de um quilômetro acima de nossa
cabeça — informou o halutense. — Alguém tem uma idéia de como poderemos chegar
lá?
Esta pergunta representou uma ducha fria para a confiança dos homens.
— Farei uma tentativa com a telecinesia — sugeriu Gucky. Dali a alguns segundos
soltou um gemido. Os outros compreenderam que a tentativa tinha fracassado. — A
chave ainda é muito pesada para mim — confessou. — Mas farei o possível para passar
uma corda por cima da chave.
Ruídos fantasmagóricos saíram da escuridão.
— Está bem, baixinho — disse Tolot em meio ao silêncio.
Rhodan sabia que uma corda de mil metros de comprimento estava pendurada
acima deles. Ajudado por quatro homens, Tolot prendeu a ponta no gancho de uma
talhadeira que prendeu em uma chapa do soalho. Cinco homens robustos puseram toda a
força de seus corpos contra a alavanca de tração do aparelho rudimentar. A corrente
rangeu ao passar sobre a corda. A corda entesou-se. Rhodan avançou às apalpadelas até a
alavanca e também fez força. Conseguiram colocar a alavanca na terceira posição. Depois
disso as forças os abandonaram.
— Desse jeito não dá — constatou Tolot. — Subirei até a chave e farei força contra
a mesma. Enquanto isso alguns homens trabalharão com a talhadeira.
— Acha que conseguirá chegar à chave? — perguntou Atlan.
— É claro que conseguirei — respondeu Tolot com a maior calma.
Rhodan ficou com os lábios cerrados. Estavam reduzidos à condição de mosquitos
presos numa sala, que tentavam em vão encontrar uma saída. Como poderiam manipular
um comando, se a respectiva chave tinha duas ou três vezes o tamanho deles? Ainda
podiam dar-se por satisfeitos porque a chave era de plástico leve.
Tolot levou quinze minutos para chegar à chave. Para um halutense isso era um
verdadeiro prodígio. Sua voz vinha de bem longe quando gritou, avisando os homens que
se mantinham à espera de que estava pronto.
Rhodan colocou três homens de cada lado da talhadeira. Deu os comandos. Os
homens fizeram toda força contra a alavanca. O rangido da corrente superou a respiração
ruidosa dos astronautas.
Conseguiram colocar a alavanca na sexta posição. A corda parecia uma mola de aço
esticada.
— A chave está cedendo! — gritou Tolot.
Ouviram a chave, que para um homem normal era muito pequena, cair para baixo.
Em seguida Tolot soltou um estridente grito de alerta. Rhodan imaginava o que estava
para acontecer.
— Vamos dar o fora! — gritou.
Saíram correndo em todas as direções. Tolot, que tinha escorregado na chave lisa
quando esta cedeu à tração da corda e à pressão exercida por suas pernas, caiu como um
projétil. Numa fração de segundo o halutense modificou a estrutura atômica de seu corpo.
Quando tocou o chão, passara a ser uma esfera de aço mais dura que o revestimento.
Logo voltou a pôr-se de pé. Os homens postos em fuga sentiram o abalo provocado pelo
impacto do corpo de Tolot.
Uma luz uniforme espalhou-se pela sala de comando do carro voador.
Rhodan parou e olhou em torno. Teve a impressão de que se encontrava no interior
de uma gigantesca catedral. A cobertura do veículo de esteira estendia-se bem em cima
de sua cabeça. Para o terrano a poltrona de comando parecia uma enorme construção. O
revestimento de plástico do chão, que para um homem normal era completamente liso e
sem irregularidades, estava transformado num trançado de fendas e poros. As
aglomerações de poeira e sujeira transformaram-se em obstáculos formidáveis.
Rhodan sentiu-se grato quando Icho Tolot entrou em seu campo de visão e lhe fez
um sinal. Por um instante a consciência plena da impotência de um micros-ser o deixara
perplexo e abalado.
Reuniram-se embaixo dos controles.
— Agora já podemos arriscar-nos a chegar perto da chave-mestra do reator atômico
— disse Tolot em tom orgulhoso.
A confusão de chaves e alavancas que se estendia em cima de suas cabeças parecia
uma selva impenetrável. Cada chave era do tamanho de uma pequena árvore. A chave do
reator era maior que as demais. Teriam de deslocá-la em mais de cem graus, no interior
das posições de descanso. E não era só isso: também tinham de fazer uma regulagem
precisa, colocando todas as chaves na posição correta. Os campos antigravitacionais
tinham de ser ativados, pois diante da dificuldade de manipular os controles seria muito
arriscado depender exclusivamente dos propulsores durante a decolagem.
Em comparação com tudo isso a ligação das luzes de emergência parecia uma coisa
fácil e sem complicações, feito um brinquedo.
***
O primeiro impulso do Capitão Don Redhorse, que resolvera avisar imediatamente
Rhodan, poderia ser correto, mas quando passou o choque, o cheiene sacudiu a cabeça
sem dizer uma palavra, ao ver Henderson inclinar-se sobre o rádio.
— Vamos com calma, Sven — disse. — Se alarmarmos o Chefe, nós o
impediremos de preparar o outro carro voador para a decolagem. No momento não
corremos nenhum perigo. Por isso sugiro darmos uma olhada por aí, antes de
transmitirmos a informação.
A decisão foi bem ao gosto de Melbar Kasom. O mesmo resmungou em sinal de
concordância. Losar acenou com a cabeça, e Wuriu Sengu manteve uma atitude apática.
Henderson parecia desconfiado, mas não formulou nenhuma objeção.
— O cara que está em cima da cobertura é um eskie — constatou Redhorse. — Um
tentacular — acrescentou, pronunciando a denominação definitiva criada para os
membros dessa raça. — Carrega uma arma e parece bastante cansado.
— Vejo que há mais dois seres no interior do veículo — disse Sengu em voz calma.
— Um deles está morto. Mas o segundo continua bem vivo. — O rosto de Sengu ficou
desfigurado com o esforço. — Parece ter havido uma luta.
— Há um tentacular morto à frente do veículo — constatou Losar.
— Que ser é este que se encontra no interior do blindado? — perguntou Redhorse.
— É uma coisa esquisita — respondeu Sengu, usando a linguagem lacônica que lhe
era peculiar. — Parece uma gigantesca aranha. Há muitos braços ou pernas agrupadas em
torno de um corpo oval.
— Será que é um ser inteligente? — perguntou Redhorse.
— É difícil saber. Não acredito que seja.
— Talvez devêssemos avisar Rhodan — observou Henderson em tom nervoso.
— Por enquanto não — decidiu Redhorse. — Quero saber exatamente o que está
acontecendo lá embaixo.
O Oldtimer descreveu uma curva ampla e voltou a sobrevoar o carro voador.
Redhorse fez o avião descer mais. Viu um pedaço de uniforme fumegante à frente da
eclusa do veículo versátil. O F-913 G voltou a afastar-se em alta velocidade. Melbar
Kasom descobriu Yorgos morto nas proximidades do veículo.
— Mais um morto — constatou. — Parece que a criatura que se instalou em nosso
veículo blindado não é muito pacata.
— Até chega a ser perigosa — disse Henderson em tom enfático.
Não conseguiu ocultar mais o nervosismo. Achava uma irresponsabilidade que
ainda não tivessem avisado Rhodan.
Naquele momento Redhorse já não sabia o que fazer. Não tinha a menor idéia do
que estava acontecendo ou tinha acontecido nas proximidades do carro voador. O simples
fato de que o ser que se encontrava no interior do veículo tinha matado vários
tentaculares não provava que o mesmo era um inimigo. Talvez tivesse sido obrigado a
agir assim. Redhorse imaginava que lá embaixo estava sendo travada uma luta pela posse
do veículo blindado. Logo, eles estavam em terceiro lugar na lista dos competidores que
se interessavam pelo mesmo.
Rhodan tinha dado ordens para que tentassem entrar no veículo. Redhorse sentiu
uma ligeira dormência na nuca. O perigo o atraía, mas naquele momento era responsável
não somente por sua pessoa. Por enquanto o índio cheiene preferiu reprimir o desejo de
pousar
— Parece que o cara que está em cima do carro voador espera que o habitante do
mesmo saia — conjeturou Losar.
— Não estou gostando nem um pouco — resmungou Henderson em tom zangado.
Na escala hierárquica ocupava o mesmo nível de Don Redhorse, mas a maior
autoridade que se encontrava no interior do Oldtimer era Kasom, e o mesmo parecia
apoiar os planos de Redhorse.
— A coisa que está dentro do carro voador começou a movimentar-se — exclamou
Sengu.
Os homens olharam fixamente para baixo, mas tudo continuou em silêncio. O F-913
G atravessou uma nuvem de fumaça que saía do pedaço de uniforme em chamas.
— Está saindo? — perguntou Redhorse.
Sengu parecia indeciso. Mordeu o lábio inferior.
— É difícil interpretar seu comportamento. Talvez possua um grau inferior de
inteligência e saiba o que está à sua espera.
— Enquanto ele estiver lá dentro, não poderemos entrar — ponderou Losar. — Para
nós até que seria bom se o tentacular o matasse do lado de fora.
— Isso não adiantaria nada — respondeu Redhorse. — O tentacular entraria no
veículo assim que tivesse uma chance para isso. Quanto a isso não tenho a menor dúvida.
— Talvez eles se matem um ao outro — disse Kasom em tom calmo.
Redhorse entesou o corpo. A idéia de ficar voando por ali, à espera do momento em
que os dois inimigos investissem um contra o outro, não lhe agradava nem um pouco. A
luta estava sendo travada no interior de um veículo pertencente à Crest II. E a tripulação
da nave-capitânia tinha necessidade urgente do mesmo.
Redhorse resolveu que dali em diante também faria valer suas pretensões.
6

A irritação que o pedaço de uniforme em chamas produzia nos nervos olfativos


supersensíveis de Gessink era cada vez mais insuportável. A cada espirro o corpo do
bloos vibrava mais fortemente. Os braços de Gessink tamborilavam no chão duro. A boca
enorme da fera se abria e fechava constantemente. A cada instante que passava Gessink
ia perdendo cada vez mais a noção das coisas. O ódio surdo que sentia pelo inimigo fazia
crescer seu instinto belicoso.
A única coisa que ainda agüentava Gessink era o medo e a incerteza sobre o que
estava à sua espera fora do abrigo seguro. A parte de sua inteligência rudimentar que
ainda estava funcionando advertia-o insistentemente de que não devia abandonar o
alojamento em que se encontrava. A imagem de seu corpo perfurado por vários projéteis
formava uma visão ameaçadora na mente de Gessink.
Talvez Gessink nunca tivesse abandonado o veículo, se não houvesse uma
influência externa que precipitasse a decisão. O fator decisivo foi um acontecimento
insignificante: a mudança de direção do vento. A nuvem malcheirosa foi tangida bem
para dentro do alojamento de Gessink. Este quase sufocou de nojo e raiva. Seus braços
tamborilavam mais violentamente no chão. Lágrimas verdes desprenderam-se dos olhos.
O bloos saltou da eclusa com a força de uma gigantesca mola de aço.
Groon sentia o frio subir dos pés para o resto do corpo. Reuniu as forças que lhe
restavam para mover as pernas, mas só conseguiu executar alguns movimentos
convulsivos descontrolados. O processo necrótico acabara de ter início. Groon ficou
paralisado de susto. Não esperava que o processo começasse tão cedo. Naquela altura a
medicina já não poderia ajudar Groon. Se não conseguisse alimento bem depressa, não
teria nenhuma chance de ser salvo.
Groon fez sair a cabeça e olhou para o próprio corpo. Seus pés pareciam bem vivos,
embora não os sentisse mais. Se tentasse levantar, seu corpo vergaria e cairia ao chão.
“Ainda tenho os braços”, pensou num assomo de teimosia. Mas era uma teimosia
amarga, que tinha alguma coisa da obstinação insensata com que o moribundo costuma
agarrar-se à vida. Era assim que se sentia Groon, deitado sobre o veículo. Já não sentia
fome, mas era um soldado bem solitário num uniforme esfarrapado e com uma dor
indefinida na área sensorial. Em outros tempos comandara um exército, e até mesmo seus
inimigos reconheceram que era um dos poucos grandes estrategistas de sua cidade. Mas
seu exército fora destruído numa luta insensata junto à cidade de Kraa.
Alguma coisa passou por cima de Groon, zumbindo fortemente. Groon piscou os
olhos, um tanto irritado. Viu um objeto quase imperceptível atravessar o ar. Receava que
sua vista já estivesse falhando e fez votos de que o bloos saísse logo.
Apoiou-se nos braços.
— Ainda estou aqui, bloos! — disse com a voz rouca.
Admirou-se de que sua voz fosse tão fraca e cansada. Falara tão baixo que o bloos
não poderia ouvi-lo.
Groon fechou os olhos por um instante.
Prevenido por um chiado, voltou a abri-los. O bloos estava à sua frente. Saíra do
abrigo como uma flecha.
Groon parou de respirar e disparou três tiros de uma vez. Errou as três vezes. O
bloos virou-se com a boca bem aberta. Groon viu com uma nitidez apavorante as duas
fileiras de dentes amarelos. A calma e segurança com que Groon passou a atirar era
admirável, mas foi muito lento para a massa compacta de braços e dentes. l
Groon disparou mais um tiro. Um braço marrom desceu sobre ele e quase lhe
esmagou o tórax. Groon escorregou. Não havia nenhum lugar em que pudesse segurar-se;
caiu de costas. Bateu fortemente no revestimento da esteira lateral e fraturou um braço.
Mas continuou a segurar a carabina.
O bloos contornou furiosamente o veículo. Rochas menores subiam sob a força de
seus braços como se fossem confetes. O monstro enfurecido foi deixando para trás uma
nuvem de poeira.
Groon fez girar a carabina com o braço são. A única coisa que via era uma sombra
confusa, e a única coisa que conseguia ouvir naquele momento era o ruído produzido
pelo bloos que se aproximava.
— Estou aqui, bloos! — gritou Groon com a voz que já ia falhando.
Uma sombra desceu sobre ele. Groon atirou mais duas vezes. Finalmente uma
pancada desferida com o braço da fera separou sua cabeça do resto do corpo. A carabina
caiu ruidosamente no chão, levando consigo as últimas balas que restavam. Groon
desapareceu sob o corpo do monstro.
Gessink voltou a recuperar o sangue-frio tão depressa como antes fora dominado
por uma raiva absurda. Agarrou o corpo do inimigo abatido e arrastou-o em tomo de seu
alojamento. Depositou o cadáver junto à entrada.
Quando Gessink voltou a levantar os olhos, um resmungo de incredulidade saiu de
sua boca.
A passagem pela qual há pouco saíra do alojamento estava fechada.
7

Quando Rhodan começou a falar, ninguém sentiu a menor decepção pelo fato de
que a tentativa de acionar a chave-mestra do reator atômico, que consumira tantas forças,
acabara por falhar.
— O senhor é mais rápido que os outros, Tolot — disse Rhodan, dirigindo-se ao
halutense. — Faça o favor de ir ao poço de exaustão e traga Geco. Talvez os ratos-
castores consigam exercer sua influência telecinética sobre a chave, desde que façam um
esforço conjunto.
Sem dizer uma palavra, Icho Tolot passou sobre a confusão de cordas e correntes
com as quais tinham tentado em vão modificar a posição da chave. Nem mesmo as forças
tremendas de Tolot tinham sido suficientes para mover a chave enorme.
— Enquanto o halutense não volta, podemos aproveitar o tempo preparando as
chaves de regulagem — disse Rhodan. — O equipamento de que dispomos permite que
coloquemos talhadeiras em três pontos ao mesmo tempo.
Os homens puseram-se a trabalhar. Alavancas, talhadeiras, correntes, cunhas e
cordas foram depositadas embaixo das chaves de regulagem. Cordas foram amarradas em
torno do corpo dos dois homens mais hábeis.
Os mesmos teriam de arriscar a difícil escalada para as chaves. As perfurações
existentes nos revestimentos dos aparelhos eram a única coisa em que podiam segurar-se.
Para os microseres um trecho de um metro representava uma distância de um
quilômetro. Rhodan ficou satisfeito porque as chaves mais importantes tinham sido
instaladas uma abaixo da outra. Dessa forma não precisariam subir mais de quinhentos
metros para alcançar a que ficava mais embaixo.
Assim que os dois alpinistas alcançaram o primeiro objetivo, Icho Tolot voltou.
Geco estava acomodado sobre seus ombros.
— Eu sabia que sem minha ajuda vocês não conseguiriam nada — disse o rato-
castor corpulento em tom arrogante.
Tolot colocou-o no chão de forma pouco delicada. Não deu atenção aos seus
protestos indignados. Geco não queria conformar-se com essa forma de tratamento.
— Tomara que seus dons paranormais tenham pelo menos metade do tamanho de
sua boca — disse Gucky.
Geco lançou-lhe um olhar venenoso e voltou a dirigir-se a Rhodan.
— O que devo fazer? — perguntou em tom solene. Rhodan apontou com o polegar
para o alto.
— Quero que ponha em funcionamento o reator atômico — respondeu em tom
seco.
A auto-segurança de Geco desmanchou-se. Saiu caminhando na direção de Gucky
como quem precisa de auxílio.
— Você já tentou? — quis saber.
Gucky lançou um olhar penetrante para o velho companheiro de lutas.
— É claro que não. Estava à espera do mestre.
Se Geco percebeu o tom de ironia que havia na voz de Gucky, ele não deixou que
os outros o percebessem.
— Vamos lá! — gritou.
Os dois ratos-castores mergulharam numa concentração silenciosa. Em condições
normais até mesmo um único telecineta não teria a menor dificuldade em mover a chave
com suas energias paramecânicas, mas Gucky e Geco ainda estavam submetidos aos
efeitos do processo de redução.
Os homens olharam ansiosamente para o alto. Alguém suspirou baixinho. Até se
poderia ter a impressão de que o ruído fora o sinal decisivo. A chave moveu-se para um
lado. Geco cambaleou ligeiramente, o que era um sinal seguro de que esgotara
completamente suas forças.
— Espalhem-se! — disse a voz de comando de Rhodan. — Precisamos fazer as
regulagens.
Os dois escaladores já tinham alcançado a chave que ficava mais embaixo e
prenderam as cordas à mesma. Luzes de controle que para os microseres eram
verdadeiros sóis acenderam-se em toda parte. O reator atômico acabara de entrar em
funcionamento.
Mas o trabalho mais difícil ainda estava por vir. Teriam que decolar com o carro
voador e percorrer milhares de quilômetros com o mesmo.
***
— Estamos perdendo altura constantemente, Don — constatou o Capitão
Henderson. Estas palavras tinham sido pronunciadas em tom indiferente, mas Redhorse
notou certa recriminação nas mesmas.
— Vamos descer ainda mais — anunciou. — Interferiremos na luta pelo carro
voador.
Por um instante Henderson perdeu o autocontrole.
— Seu... seu índio! — gritou em tom exaltado.
Kasom soltou uma estrondosa gargalhada ao notar que Redhorse sobrevoava o
veículo, sem impressionar-se com as palavras de Henderson. O Oldtimer voltou,
descrevendo uma curva ampla. Wuriu Sengu levantou-se de um salto.
— Está saindo! — gritou o mutante.
Todas as pessoas que se encontravam a bordo do F-913 G sabiam a quem Sengu se
referia. Uma gigantesca sombra marrom-escura saiu velozmente do veículo de esteira. A
carabina do soldado soltou três estampidos em seguida.
— Eis aí nossa chance! — exclamou Redhorse.
O Oldtimer foi descendo cada vez mais rapidamente.
— O que está fazendo, capitão? — perguntou Melbar Kasom.
Enquanto uma das mãos de Redhorse segurava a direção, a outra apontava para a
eclusa aberta do carro voador.
— Nem poderíamos desejar uma entrada melhor que essa — disse com um sorriso
arrojado.
— Um dos dois combatentes entrará depois de nós — profetizou Henderson.
— Isso se ainda conseguir entrar — respondeu Redhorse em tom misterioso.
Viram o soldado ferido cair de cima do veículo e o monstro correr para o outro lado
do mesmo. De repente o veículo ergueu-se à sua frente como uma muralha insuperável.
— Estamos voando depressa demais, senhor! — disse Lope Losar com um gemido.
O Oldtimer precipitou-se em direção à eclusa aberta feito uma abelha de aço.
Redhorse executou a manobra com os olhos semicerrados. O avião entrou em mergulho e
desapareceu no interior da eclusa.
— Por que não pousa logo, Don? — perguntou Henderson.
Redhorse apontou para trás com um movimento quase imperceptível da cabeça.
— Por causa da eclusa — resmungou. — Precisamos fechá-la.
O Capitão Sven Henderson arregalou os olhos. Teve a impressão de que não ouvira
bem.
— Fechar a eclusa? — repetiu em tom de perplexidade. — Não temos a menor
chance de acionar os comandos antes que o soldado ou o monstro entrem.
Redhorse parecia tranqüilo.
— Segurem-se! — gritou para os ocupantes do aparelho. No mesmo instante fez o
Oldtimer subir violentamente. Melbar Kasom foi o primeiro a compreender quais eram as
intenções do capitão. O comando manual da eclusa avançava verticalmente em pequena
extensão para o interior da câmara. Um piloto de grande habilidade poderia, com muita
sorte, roçar a chave de maneira a fazê-la entrar na posição fechada sem que o aparelho
caísse.
O avião passou em alta velocidade logo embaixo do teto da eclusa. Kasom viu a
alavanca, que era uma enorme silhueta negra que se destacava nitidamente contra a
paisagem clara. O ertruso fazia votos de que Maheo, o deus indígena de Redhorse, fosse
misericordioso com eles.
Kasom levantou os olhos ao acaso e viu que Sengu o fitava. Compreendeu que o
mutante também tinha compreendido as intenções do capitão.
O Oldtimer passou embaixo do comando sem tocar o mesmo. Redhorse cerrou os
dentes. Descreveu uma curva fechada e fez o avião voltar à eclusa.
— A chave! — exclamou Henderson. — O senhor pretende abalroar a chave!
— Apresse-se — recomendou Sengu. Parece que o soldado está morto. Neste
momento o monstro o está arrastando em torno do veículo.
O Oldtimer voltou a mergulhar na penumbra da eclusa. Redhorse sabia que a
segunda tentativa seria a última, pois dentro de instantes o monstro voltaria para dentro
do carro voador.
— Pense bem no que está fazendo, Don — advertiu Henderson, esticando as
palavras.
Redhorse tinha certeza de que Henderson não estava com medo, mas a idéia de estar
agindo sem o consentimento de Rhodan não era nada agradável para o chefe do comando
de caça.
A máquina subiu vertiginosamente. O único ponto de referência pelo qual Redhorse
se orientou foi a chave visível a grande distância. Bastava que o avião subisse alguns
milímetros a mais ao passar embaixo da chave para despedaçar-se de encontro ao chão.
Vista da carlinga do avião, a chave crescia rapidamente. Redhorse cerrou os dentes.
Os instrumentos de controle não lhe forneciam nenhum elemento de referência; tinha de
orientar-se exclusivamente pelo sentimento.
— É agora! — gritou.
O Oldtimer levou uma pancada e saiu balançando lateralmente. Redhorse teve de
segurar-se com as duas mãos para não ser atirado para fora do assento. Encostou-se
fortemente ao manche de direção. Conseguiu controlar o F-913 G quando o mesmo se
encontrava a um metro do solo. Olhou para fora e viu a parede externa fechar-se. No
mesmo instante o aparelho pilotado por Redhorse passou pela abertura que restava e
entrou no veículo blindado. A eclusa fechou-se definitivamente mal haviam passado pela
mesma.
Redhorse dispôs-se a pousar bem no centro da sala de comando. O tentacular morto
parecia uma gigantesca montanha que se erguia nas proximidades da câmara da eclusa.
Por um instante todos ficaram em silêncio no interior do Oldtimer.
— Meus parabéns, capitão — disse Kasom. Redhorse saltou do assento piloto,
revelando nisso toda a agilidade de seu corpo magro e bem treinado. Sorriu e olhou
somente para Henderson.
— Hova Hestovahn — disse. — Não foi nada.
***
A corda produziu um estrondo semelhante ao de uma explosão ao romper-se.
Rhodan virou-se abruptamente. Um grito de alerta se fez ouvir. Rhodan deixou-se cair
automaticamente e cobriu a cabeça com as mãos. A ponta da corda rasgada produziu um
baque surdo ao tocar o chão bem ao lado de Rhodan. Este logo se pôs de pé. Os homens
vieram correndo de todos os lados.
O primeiro oficial de artilharia da Crest II, Major Cero Wiffert, ficou preso embaixo
da corda. Estava com o rosto desfigurado de dor.
Rhodan ouviu a parte superior da corda arranhar o revestimento dos aparelhos de
controle, enquanto a mesma balançava de um lado para outro. Uniram seus esforços para
tirar a corda comprida de cima de Wiffert.
O peito do major subia e descia. Teve de fazer um grande esforço para tossir.
— A corda me pegou — explicou. — Antes que tivesse tempo de dar um salto para
o lado, ela me atirou ao chão.
— Como se sente, major? — perguntou Atlan, bastante interessado.
Wiffert conseguiu sorrir.
— Tenho a impressão de que nasci de novo — confessou.
Conseguiu pôr-se de pé, ajudado por Tolot.
— O senhor não deve fazer mais nenhum esforço — recomendou Rhodan,
dirigindo-se ao oficial de artilharia.
Wiffert quis protestar, mas a dor que sentiu de repente fez com que se calasse.
Acenou ligeiramente com a cabeça e encostou-se a um dos parafusos de fixação da
poltrona de comando.
Atlan apontou para a corda rasgada.
— Isso tomará muito tempo — disse.
Já tinham feito as regulagens. Rhodan não quis arriscar-se a decolar antes que
tivessem certeza de que poderiam pilotar perfeitamente o aparelho.
— Tragam outra corda! — ordenou. — Faça o favor de subir, Tolot.
O reator atômico estava funcionando perfeitamente. A aparelhagem
antigravitacional também estava em condições de funcionamento. Só faltava ligar o
sistema de pilotagem segundo os desejos dos homens. Teriam de manter um controle
perfeito sobre o equipamento, pois do contrário o avião poderia espatifar-se de encontro a
uma rocha. Havia sete cordas robustas que desciam do manche principal ao chão. Cada
uma delas estava presa a uma talhadeira. Rhodan esperava que com isso pudesse executar
sem dificuldade manobras menos complicadas. Não seriam capazes de realizar acrobacias
aéreas, mas nem estavam interessados nisso.
O que Rhodan mais temia é que só poderiam voar muito devagar, pois gastariam
algum tempo para fazer uma mudança de rota por meio das talhadeiras.
Rhodan ficou observando atentamente Icho Tolot enquanto este prendia uma corda
nova no lugar da que acabara de romper-se. Uma vez concluído o serviço, o halutense
desceu para onde eles estavam. Era o único participante da operação que não
demonstrava nenhum cansaço. Rhodan e Atlan também resistiram melhor às canseiras do
trabalho difícil que os outros homens, isso graças aos ativadores celulares que usavam.
Um grito de Atlan interrompeu as reflexões de Rhodan. Este levantou os olhos e viu
Omar Hawk descer pela corda que descia pelo poço de exaustão, indo dar na sala de
comando.
— Deve ter acontecido alguma coisa — conjeturou o arcônida.
Rhodan parecia pensativo. Será que o acidente sofrido por Wiffert fora o início de
uma série de contratempos?
Hawk veio apressadamente em sua direção. Quando parou à frente de Rhodan,
parecia completamente calmo. Rhodan fitou-o intensamente.
— O que houve, tenente?
Hawk, do qual se costumava dizer que possuía mais sangue-frio que o próprio
Atlan, estava respirando pela boca, que era um sinal de que tinha se apressado muito para
chegar ali.
— Redhorse está em situação difícil — informou.
— O Major Sedenko manteve contato de rádio com o quinto Oldtimer.
— Fale — pediu Rhodan em tom impaciente.
— Redhorse está preso no interior do carro voador — disse Hawk e virou a cabeça
para olhar para a entrada. Certamente estava preocupado com seu okrill, que ficara em
cima do veículo blindado. Finalmente prosseguiu. Redhorse mencionou um monstro que,
segundo diz, matou alguns tentaculares. Fica à espreita junto à eclusa e tenta entrar no
veículo.
— Tenho a impressão — disse Rhodan, esticando as palavras — que foi o Capitão
Don Redhorse que causou esta situação difícil para si e seus homens. Eles estão correndo
perigo de vida?
Hawk sacudiu a cabeça.
— De forma alguma. Pelo que sei, o avião está em segurança no interior do veículo.
Rhodan esfregou o queixo com os dedos polegar e indicador. Hawk observou-o
atentamente.
— Procure o Major Sedenko, tenente — ordenou Rhodan. — Diga-lhe que informe
o Capitão Redhorse de que ainda temos muita coisa a fazer por aqui. Assim que tivermos
tempo, iremos em seu auxílio. Talvez isso sirva para no futuro abafar um pouco o espírito
aventureiro do cacique.
Hawk nem tentou disfarçar a satisfação que estas palavras lhe causaram.
— Sem dúvida, senhor — disse com a voz rouca.
— Redhorse pôde fornecer informações mais detalhadas sobre o monstro? —
perguntou Rhodan.
— Não senhor. Mas pelo que se depreende da mensagem deve ser muito perigoso.
— A voz de Hawk revelava a tristeza que sentia por estar condenado a transmitir
mensagens de rádio, enquanto coisas muito mais interessantes estavam acontecendo por
ali.
— Pode retirar-se, Hawk — disse Rhodan, despedindo o oxtornense.
— Estou gostando dele — disse Atlan assim que o indivíduo adaptado ao ambiente
não podia ouvi-lo mais. — Acho que merece toda confiança.
— O que vamos fazer com Redhorse? — perguntou Rhodan. — Se as coisas se
tomarem críticas para seu grupo, não poderemos deixar de ajudar.
— Em minha opinião este capitão é um patife refinado — disse Atlan. —
Provavelmente já viu o monstro antes, mas só nos informou a este respeito quando teve
certeza de que não poderíamos chamá-lo de volta.
— Acho que é isso mesmo — admitiu Rhodan.
— Se ele servisse na frota arcônida, já teria sido rebaixado — disse Atlan.
— Sei — respondeu Rhodan. — Por isso mesmo a frota arcônida não existe mais.
***
O Capitão Sven Henderson reclinou-se fortemente na poltrona e olhou com uma
expressão de evidente satisfação para a saída do Oldtimer, que estava aberta.
— Quem sabe — observou em tom irônico — se não assistiremos a um vôo
histórico do Capitão Don Redhorse, que levará o avião de uma chave a outra.
Dessa forma o campeão de acrobacias aéreas fará o carro voador decolar sem
auxílio de ninguém e...
— Fico satisfeito em notar que já recuperou o senso de humor, Sven — interrompeu
Redhorse. — Sente-se satisfeito por termos falado com o Major Sedenko?
— O que me deixa mais tranqüilo é a resposta de Rhodan — respondeu Henderson.
— Dela se conclui que o Chefe não se preocupa desnecessariamente conosco. Pelo
contrário. Confia em que consigamos sair desta situação sem auxílio estranho.
— Por que está apelando para a ironia, capitão? — perguntou Losar. — O senhor
está conosco; é uma coisa que não pode mudar.
Redhorse preferiu ficar calado. Saiu do avião de um salto. Os quatro companheiros
seguiram seu exemplo. Passaram os olhos pela sala de comando, que para eles era um
pavilhão gigantesco.
— Vamos descarregar as talhadeiras — sugeriu Kasom. — Talvez tenhamos uma
possibilidade de fazer decolar este carro voador.
De repente Sengu levantou os braços. Os outros calaram-se imediatamente.
— Está vendo alguma coisa, Sengu? — perguntou Kasom em voz baixa.
O mutante confirmou com um gesto.
— O monstro está se movimentando — informou. — Ficou sentado à frente da
eclusa o tempo todo, bem quieto, mas ao que parece acaba de tomar uma decisão.
— O que está fazendo? — perguntou Redhorse, dirigindo-se ao espia.
O olhar paranormal do mutante acompanhou os acontecimentos que se
desenrolavam ao ar livre. Desceu lentamente os braços.
— Parece que está perdendo a paciência. — Abriu as mãos. — Acaba de retirar-se.
— Tem certeza? — perguntou Losar.
Sengu estremeceu.
— Está voltando — gritou. — Quer...
Sengu foi interrompido por um forte solavanco. Os cinco homens perderam o
equilíbrio e deslizaram pelo chão. Todo o veículo parecia tremer. O Oldtimer balançava,
dando a impressão de que poderia tombar a qualquer momento.
Redhorse fez três cambalhotas antes que conseguisse recuperar o equilíbrio. Pôs-se
de pé num instante e olhou em torno.
Viu Kasom correr em direção ao avião. Losar rastejava pelo chão bem à sua frente.
Sengu e Henderson formavam um novelo de braços e pernas que se agitavam
violentamente.
Sengu, que já estava acostumado a passar por experiências extraordinárias, não
demonstrou nenhum pânico.
— O monstro abalroou a eclusa — disse. — Parece que quer entrar à força.
— Precisamos proteger o avião — gritou Kasom, que se encontrava ao lado do
Oldtimer. — Se houver outro abalo, ele vai tombar.
— Está vendo mais alguma coisa? — perguntou Redhorse, dirigindo-se ao mutante.
— O monstro está sentado à frente da eclusa — informou Sengu em tom titubeante.
— Parece que se surpreendeu por não ter conseguido passar. Acho que fará outra
tentativa.
Ajudaram Kasom a prender o trem de pouso do Oldtimer. Se o avião tombasse, não
teriam mais possibilidade de sair do carro voador. Sengu não tirava os olhos do atacante.
Tiraram todos os aparelhos importantes do Oldtimer o mais depressa que puderam.
Kasom deu ordem para que tudo fosse depositado embaixo da poltrona de comando.
Henderson apontou para o tentacular morto.
— Bem que eu gostaria de encontrar um meio de tirá-lo daqui.
Para os outros o cadáver também representava uma visão desagradável, mas sabiam
que não poderiam fazer nada. Mesmo com a cabeça encolhida, o morto tinha mais de um
metro de comprimento. Para os micro-humanos isso representava mais de um quilômetro.
Provavelmente nem mesmo a tripulação inteira da Crest II seria capaz de remover o
corpo do gigante.
— O monstro voltou a movimentar-se — advertiu Sengu enquanto Kasom estava
preparando as talhadeiras.
— Deitem no chão! — ordenou o ertruso. — Temos de segurar-nos.
— Tomara que a eclusa agüente o impacto — disse Losar.
— Não se preocupe — tranqüilizou Henderson. — Para quebrar a mesma precisa de
uma coisa mais dura.
— O monstro está tomando um grande impulso — informou Sengu.
Redhorse agarrou-se com ambas as mãos, à espera do abalo que estava para vir.
Pensava no Oldtimer. Fazia votos de que o aparelho continuasse de pé.
O segundo solavanco foi duas vezes mais violento que o primeiro. Redhorse foi
arremessado um trecho, juntamente com a corda à qual se segurava. Bateu com as costas
numa talhadeira e ficou deitado. A primeira coisa que fez foi olhar para o avião. O F-913
G continuava de pé. Redhorse expeliu o ar dos pulmões.
— Vamos dar uma olhada na eclusa — gritou a voz estridente de Kasom. — O
monstro desenvolve forças tremendas. Tenho a impressão de que está em condições de
levantar o carro voador.
Ninguém objetou às palavras do ertruso. Durante o segundo abalo as luzes de
emergência começaram a piscar. Estas luzes tinham se ligado automaticamente assim que
a eclusa se fechara.
Os cinco homens atravessaram correndo a sala de comando. Redhorse esperava que
a qualquer momento Sengu anunciasse outra operação de abalroamento do monstro.
Enquanto o gigante enfurecido ficasse perto do veículo, não teriam chance de cuidar dos
comandos.
O terceiro solavanco não foi precedido de qualquer advertência de Sengu. Redhorse
teve a impressão de que o chão estava sendo virado, de tão abruptamente que perdeu o
apoio dos pés. Abriu instintivamente os braços para amortecer o impacto. O carro voador
rangia como se suas peças quisessem desmanchar-se.
— O Oldtimer! — gritou Kasom, que se encontrava nas proximidades.
Redhorse desconfiou que alguma coisa tinha acontecido com o avião. Ouvira uma
pancada no meio do abalo. Levantou-se e olhou na direção em que se encontrava o F-913
G que acabavam de proteger. O aparelho fora arrancado dos suportes e tinha rolado
alguns metros antes de tombar de lado. As talhadeiras que haviam sido colocadas junto à
poltrona de comando estavam espalhadas pela sala.
Redhorse viu que Kasom, Sengu e Henderson se encontravam bem perto dele.
Losar tinha desaparecido.
— Onde está o encarregado dos armamentos? — perguntou Redhorse.
Henderson fez um gesto vago na direção da eclusa.
— Foi olhar como estão as coisas por lá. Os outros precisam cuidar do avião.
— Já é tarde, para isso — resmungou Kasom. — Este Oldtimer não voará mais.
— O rádio — lembrou Redhorse. — Tomara que o rádio ainda esteja em ordem,
para que possamos avisar Rhodan.
Esta idéia parecia servir-lhes de estímulo. Como que a um comando, todos saíram
correndo na direção do avião tombado. Redhorse recriminou-se no seu íntimo por ter
entrado no carro voador com o avião. Teve de constatar que subestimara o inimigo. Duas
rugas verticais surgiram em sua testa. Estava disposto a responsabilizar-se pelo erro que
cometera, mas no momento não tinha tempo para preocupar-se com isso.
— Fique de olho no monstro — disse Kasom, dirigindo-se a Sengu. — Se o carro
voador for abalroado enquanto estivermos perto do Oldtimer, isso poderá significar nossa
morte.
Quando atingiram o avião, Redhorse constatou que as avarias sofridas eram mais
graves do que ele receara. A asa esquerda estava vergada. O sistema de lubrificação
parecia ter sido danificado, pois havia uma poça escura embaixo do avião.
Ninguém disse uma palavra. Todos possuíam bastante experiência para saber que o
avião que se encontrava à sua frente nunca mais decolaria.
— Tomara que por dentro as coisas não estejam piores — observou Henderson. —
A carlinga está quase completamente esmagada.
Subiram pela asa destroçada. Kasom afastou parte da carlinga destruída para que
pudessem penetrar no interior do avião. Redhorse enfiou as pernas pelo buraco que se
formara e deixou-se cair. Pôs os pés no chão inclinado e escorregou um pedaço.
Finalmente pendurou-se no assento do piloto. Havia fragmentos da carlinga espalhados
em toda parte. Redhorse ouviu que os outros também estavam entrando.
Um dos assentos fora arrancado dos suportes e estava pendurado obliquamente
sobre a aparelhagem de rádio. Redhorse e Kasom afastaram o obstáculo. Henderson
aproximou-se e ligou o rádio. Examinou os controles.
— Como estão as coisas? — perguntou Sengu com os lábios semicerrados.
— Tudo intacto — disse Henderson em tom de alívio. — Se nosso amigo que está
do lado de fora ficar quieto por mais alguns minutos, teremos tempo de informar o Major
Sedenko sobre o azar que tivemos.
Era uma atitude típica de Henderson. Ele aludia ao azar que todos tinham tido, sem
fazer a menor alusão ao fato de que ele protestara contra a entrada no carro voador.
No momento em que Henderson conseguiu estabelecer contato, Lope Losar saltou
para dentro do avião. O encarregado dos armamentos fitou os companheiros um após o
outro.
— A parede da eclusa sofreu um forte abaulamento de um dos lados — informou.
— Se houver mais três pancadas fortes, ela cederá.
Henderson levantou os olhos.
— Quer que mencione isto na mensagem que vou expedir?
— Não — decidiu Redhorse. — Não quero que Rhodan venha buscar-nos antes que
consiga decolar com o outro carro voador.
Henderson encolheu a cabeça entre os ombros.
— É possível que esta seja a última oportunidade de expedirmos uma mensagem.
— Talvez fosse conveniente que todos dessem uma olhada na eclusa — sugeriu
Lope Losar em tom zangado.
— Acho que podemos dispensar o esforço — observou Kasom. — Vamos logo,
Capitão Henderson. Chame o Major Sedenko.
Ao dizer isso, o ertruso estava apoiando a decisão que Redhorse acabara de tomar.
Para os cinco homens isso significava simplesmente que teriam de conter o monstro fora
do veículo até que Rhodan aparecesse para tirá-los da situação desagradável em que se
encontravam.
***
O Major Cero Wiffert sentiu o frio da parede atravessar seu uniforme. As dores
tinham diminuído bastante. Observou os outros homens, que se mantinham ocupados
tentando colocar sob controle os últimos comandos.
Wiffert abriu as mãos e empurrou-se lentamente da parede. Conteve a respiração,
pois esperava que as dores voltassem. Deu um passo para a frente. Sentiu-se aliviado ao
constatar que isso não lhe causava nenhuma dificuldade. Esse fato robusteceu a decisão
de participar novamente dos trabalhos. Procurou localizar Rhodan. Descobriu-o no meio
de um grupo de homens que tentava prender uma corda.
Wiffert, um homem de 34 anos, era de estatura baixa, tinha cabelos louros e
apresentava uma grande cicatriz do lado esquerdo da face. O major não era muito loquaz,
mas como primeiro oficial de artilharia da Crest II era um elemento praticamente
indispensável.
Wiffert saiu caminhando a passos seguros em direção ao grupo dos astronautas que
estavam trabalhando. Esforçou-se para manter a cabeça bem erguida, pois receava que a
pressão tremenda que sentira no peito voltasse caso relaxasse a postura.
Quando Wiffert percebeu que seu pé estava preso à borda de um parafuso, já era
tarde para esboçar qualquer reação. O parafuso destinava-se a prender uma das placas de
revestimento do piso. A parte superior do parafuso tinha desaparecido e não fora
substituída. O furo que se formara tinha oito milímetros de diâmetro. Em condições
normais a falta do parafuso não poderia causar problemas.
Acontece que o Major Cero Wiffert só tinha 1,65 mm de altura. Cambaleou e caiu
para dentro da abertura deixada pelo parafuso. Wiffert ainda estava gritando quando
bateu no meio da escuridão e ficou deitado, meio atordoado. Calou-se ao ver bem em
cima a abertura que se tomara fatal para ele. Um débil raio de luz entrava, mas não
chegava ao lugar em que estava Wiffert.
O oficial de artilharia sabia que acabara de cair na sala de máquinas do carro
voador. Se não conseguisse sair dali antes que o veículo versátil decolasse, teria de
familiarizar-se com a idéia de que sua morte estava próxima. Sabia perfeitamente que
naquela altura qualquer grito de socorro seria inútil. Se os companheiros não tinham
ouvido o grito que soltara ao cair, sua voz não seria bastante forte para despertar a
atenção dos outros do lugar em que se encontrava. Só lhe restava esperar que os
companheiros dessem pela sua falta.
Do seu ponto de vista sofrera uma queda de quatro metros, mas na verdade
encontrava-se apenas quatro milímetros embaixo da abertura deixada pelo parafuso.
Wiffert levantou-se cautelosamente. Sentiu-se satisfeito ao constatar que a queda não lhe
causara nenhum ferimento. O cheiro de óleo lubrificante impregnava o lugar. Wiffert saiu
andando, com as mãos bem estendidas. Não possuía nenhum plano para libertar-se, mas
pretendia afastar-se da abertura a uma distância tal que pudesse ser ouvido, a fim de
descobrir em que parte da sala de máquinas se encontrava.
De repente teve a impressão de que o chão subia fortemente. Inclinou o corpo
ligeiramente para a frente e seus dedos tocaram numa peça de metal frio e oleoso. Wiffert
mordeu o lábio. Girou em torno do próprio eixo e saiu caminhando na direção oposta.
Quando tinha dado três passos, encontrou um obstáculo idêntico. Passou a deslocar-se em
ângulo reto em relação à linha imaginária que tinha seguido até então. Conseguiu dar
quase dez passos sem que nada o detivesse. Mas de repente seu pé que ia apalpando o
chão tocou o vazio. Wiffert recuou apressadamente.
Caíra justamente dentro de uma roda dentada. Provavelmente não havia nenhuma
possibilidade de sair da depressão em que se encontrava. Não podia avaliar a
profundidade do abismo que se abria de ambos os lados da roda e os dentes dela eram tão
íngremes e oleosos que seria impossível subir nos mesmos para atingir outra roda, maior
ou menor que aquela sobre a qual se encontrava.
Wiffert pôs-se a refletir sobre a situação em que se encontrava. Teve um calafrio.
Era bem provável que a roda sobre a qual estava começasse a movimentar-se assim que o
veículo decolasse. A mesma não tinha nenhuma relação com o reator atômico ou com os
propulsores, mas era quase certo que estava acoplada a algum comando. O major não era
um pessimista declarado, mas não se iludia quanto ao que lhe poderia acontecer caso não
encontrasse uma saída.
Pôs as mãos à frente da boca em forma de funil e gritou em direção à abertura pela
qual tinha caído. Duvidava de que os dois ratos-castores pudessem ter uma percepção
telepática dele. Além de sofrerem as conseqüências da redução do tamanho de seu corpo,
Gucky e Geco estavam totalmente esgotados por causa dos esforços paranormais que
acabavam de fazer.
Wiffert amaldiçoou-se por ter resolvido voltar ao trabalho. Se não tivesse
desobedecido à recomendação de Rhodan, a essa hora poderia estar em segurança no
lugar em que antes se encontrava.
Wiffert voltou a chamar. Sua voz produziu um eco múltiplo no meio das instalações
mecânicas. Ele receava que o som não chegasse em cima. Perguntou-se até que ponto
teria chegado o trabalho dos homens. Um zumbido regular vindo do reator infundiu no
major a esperança de que a decolagem não era iminente.
De repente a abertura que ficava em cima dele escureceu.
— Estou aqui! — gritou Wiffert. Seu coração começou a palpitar violentamente.
Dali a pouco viu a silhueta de um crânio enorme e inconfundível.
— Tolot! — gritou Wiffert o mais alto que pôde.
— Eu o vejo — disse Tolot, e o som retumbante de sua voz ainda foi reforçado pela
abertura do parafuso. — O senhor escolheu um lugar pouco confortável.
A calma de seu interlocutor fez com que Wiffert recuperasse o equilíbrio.
— Tire-me daqui! — insistiu. — Já pensava que nunca fossem encontrar-me.
Tolot desapareceu sem dizer mais uma única palavra, mas voltou dali a pouco.
— Descerei uma corda, major — disse. — Segure-se nela. Vou puxá-lo para cima.
Wiffert respirou aliviado. Parecia que o perigo tinha sido afastado. De repente
sentiu o chão tremer embaixo dos pés. Os pêlos de sua nuca se eriçaram quando um forte
zumbido atingiu seu ouvido.
— Apresse-se! — gritou. — Parece que esta geringonça vai começar a funcionar.
Viu a ponta da corda balançar somente um metro acima de sua cabeça. Na verdade
era apenas um milímetro, mas no momento Wiffert nem se lembrou disso. Esticou os
braços. Os fios da corda tocaram sua mão. De repente a roda dentada deu um solavanco e
afastou-o lateralmente. Wiffert soltou um grito de pavor e atirou-se contra a face lateral
do dente que ficava atrás dele.
— Parem! — gritou. — Diga-lhes que devem parar!
O barulho da máquina que estava entrando em funcionamento superou suas
palavras. No mesmo instante Tolot fez a corda descer mais um metro e balançou a
mesma. Acontece que Wiffert só a via quando se encontrava bem embaixo da abertura.
Nos outros lugares a escuridão lhe tirava a visão. Ficou apalpando apressadamente os
arredores para pegar a corda, mas suas mãos só tocavam no metal sujo de óleo.
A abertura ficava obliquamente em cima dele. A roda dentada continuava a girar
lenta, mas ininterruptamente. Wiffert arregalou os olhos de medo e olhou para cima, a
fim de descobrir onde estava pendurada a corda. De repente viu Icho Tolot descer pela
mesma. Certamente o halutense tinha prendido a outra extremidade em alguma coisa.
Tolot fez alguns movimentos ágeis, fazendo a corda descrever movimentos pendulares.
Dali a pouco saiu do campo de visão de Wiffert.
— Eu o vejo, major! — disse Tolot em tom zangado. — Tentarei alcançá-lo antes
que seja arrastado para outro lado.
Wiffert sabia perfeitamente o que o esperava do outro lado. Ficou esperançoso ao
lembrar-se de que o gigante era capaz de orientar-se numa noite escura como breu.
— Estique os braços — disse uma voz retumbante.
Wiffert esticou os dois braços para o alto. Sentiu os abalos e a abertura do parafuso
parecia inalcançável para ele, de tão longe que ficara. De repente alguma coisa o agarrou
nos antebraços. Wiffert perdeu o apoio dos pés e sentiu-se arrastado para o alto.
— Foi por pouco — disse Tolot.
Wiffert sentiu o halutense enfiar-lhe a corda nas mãos.
— Segure-se até que eu chegue lá em cima e possa tirá-lo daqui.
A garganta de Wiffert estava tão ressequida que o mesmo só conseguiu emitir um
ruído ininteligível. De qualquer maneira, a única mensagem que poderia transmitir à
pessoa que o salvara era a de concordância total.
Tolot chegou em cima mais depressa do que Wiffert esperara; começou a puxá-lo.
Wiffert teve a impressão de ouvir as rodas dentadas ranger embaixo dele. Mãos solícitas
agarraram-no quando se aproximou do buraco e o puxaram para fora.
Wiffert olhou para Tolot.
— Obrigado — limitou-se a dizer.
— O senhor tem uma maneira estranha de preencher o tempo de descanso — disse
Rhodan com um sorriso.
Wiffert compreendeu a repreensão delicada que estas palavras encerravam.
Acenou lentamente com a cabeça.
— Sinto muito, senhor.
— Um dos comandos direcionais caiu na direção errada — informou Rhodan. —
Por pouco isso não causou sua morte.
Wiffert nem se atrevia a pensar de como escapara da morte por tão pouco. Pegou o
pano que alguém lhe ofereceu e limpou as mãos sujas de óleo.
— Já estou em perfeitas condições para entrar em ação, senhor — disse.
Rhodan fitou-o prolongadamente.
— Está bem, major — disse em tom seco.
Só então Wiffert começou a reagir. Enfiou as mãos nos bolsos da calça, para
disfarçar o tremor que sacudiu seu corpo. Parecia haver um nó em sua garganta.
***
Assim que transmitiram a mensagem destinada a Sedenko, Redhorse e seus
companheiros abandonaram o Oldtimer. Sengu os informava de que o inimigo não estava
fazendo nenhum movimento, mas isso poderia mudar bem depressa.
Melbar Kasom chegara à conclusão de que seria inútil tentar reunir novamente as
talhadeiras. Enquanto estivessem sitiados pela estranha criatura, as chances de acionarem
o reator nuclear seriam extremamente reduzidas.
A única coisa que podiam fazer no momento era aguardar o próximo ato do
inimigo. Redhorse e Henderson puseram-se a procurar um esconderijo adequado,
enquanto Kasom, Sengu e Losar ficavam de olho na eclusa. Quando o monstro
conseguisse entrar no veículo, os homens teriam de esconder-se. Mesmo que o monstro
não notasse sua presença, por estarem tão pequenos, haveria o perigo de serem
esmagados por seus pés.
O Capitão Don Redhorse olhou em torno numa atitude indecisa, quando se
encontravam nas imediações do ombro do tentacular morto.
— Precisamos de um esconderijo que nos ofereça segurança absoluta, mas também
permita a saída rápida, quando Rhodan aparecer para tirar-nos daqui — disse Henderson.
Redhorse lançou um olhar pensativo para o tentacular, cujo peito se erguia à sua
frente como uma montanha enorme.
— Este cadáver representa a única possibilidade de nos escondermos nas
proximidades da saída, a não ser que queiramos nos esconder na câmara da eclusa. Daqui
poderemos atingir a eclusa dentro de vinte minutos.
Um sorriso triste surgiu no rosto de Henderson quando o mesmo se lembrou de que
um homem normal só precisaria dar três ou quatro passos para percorrer a distância que
os separava da eclusa.
— Kasom é de opinião que não devemos ficar escondidos muito perto da entrada —
disse Henderson. — Receia que, ao entrar, o monstro faça desabar a parede exterior,
soterrando-nos sob os destroços.
Redhorse apontou para o cadáver.
Henderson engoliu em seco.
— É uma sensação bem estranha a gente ter de esconder-se num cadáver — disse
em tom queixoso.
Redhorse aproximou-se do tentacular. Teve de fazer um grande esforço para passar
por cima de um pedaço do uniforme esfarrapado. Pediu que Henderson se aproximasse.
— Olhe, Sven! Parece ser um grampo de metal que segurava o uniforme. É oco.
Podemos entrar pela alça. Acho que lá dentro estaremos em relativa segurança.
Henderson entrou no grampo. Sua voz parecia cava quando gritou:
— Acho que é um bom lugar.
— Vamos esperar os outros — disse Redhorse.
Sentaram ao lado do tentacular. Henderson fechou os olhos e bocejou. Redhorse
também sentiu que o cansaço estava aumentando. Estava na hora de chegarem a uma
decisão.
Tiveram de esperar bastante até que seus companheiros aparecessem. Os rostos de
Sengu e Losar mostravam como deviam estar as coisas na parede exterior da eclusa. Mas
Kasom parecia tranqüilo como sempre.
— Parece que o cara que está lá fora resolveu descansar um pouco — disse o
ertruso.
Redhorse mostrou o grampo de metal ao ertruso.
— Se o monstro conseguir entrar, ficaremos escondidos aqui — disse.
Sengu fitou-o prolongadamente.
— Ele vai entrar — disse em tom enfático. — Neste momento está tomando
impulso de novo.
8

Quando descobriram o carro voador, ainda eram em três. Três soldados eram o que
restava de um exército poderoso que tinha saído para conquistar a cidade de Kraa. Os
outros sobreviventes tinham ficado no caminho, vitimados pela fome.
Rosaar, o homem que caminhava à frente dos outros, fez um gesto cansado,
levantando o braço magro. Mas os dois homens que o acompanhavam só pararam quando
ele os segurou.
“Eles se movimentam sem pensar!” refletiu Rosaar. “A fome fez com que ficassem
totalmente apáticos.”
— O carro! — chiou — Ali, entre aqueles prédios desabados.
Quase chegava a ser chocante ver no meio de toda a destruição um carro voador que
parecia em condições de levantar vôo.
— Um carro! — disse Goarg, o segundo homem, em tom estúpido.
Poarl, que era o terceiro, forçou a vista e passou a mão pela testa.
— Onde está? — perguntou em tom desolado. — Não o vejo.
Rosaar explicou. Depois saíram juntos, cambaleantes, em direção à maravilha.
Rosaar não se atrevia a pensar que pudessem encontrar uma coisa que servisse para
comer. Mas tinha esperança de ser capaz de pilotar o aparelho. Ficou apavorado ao
pensar na possibilidade de não terem forças para abrir o veículo, mas quando se
aproximaram sentiu-se aliviado ao notar que o carro voador não estava fechado.
Percebeu que estava caminhando mais depressa. Seus pés arrastavam-se sobre as
muralhas caídas. Poarl e Goarg mal conseguiam acompanhá-lo.
Rosaar passou cambaleante pela eclusa e entrou no carro. Viu vários soldados
mortos espalhados pelo chão. Mas já estava tão habituado à visão da morte que não se
abalou com isso.
De repente viu outra coisa. Uma caixinha que trazia a marcação característica dos
pacotes de alimentos. Rosaar precipitou-se sobre a mesma, emitindo um som gutural.
Ficou preso à perna de um cadáver e caiu bem em frente à caixa. Puxou a mesma com
ambas as mãos. A ganância despertou em sua mente. Este alimento lhe pertencia. Nem
Poarl, nem Goarg deveriam receber qualquer porção do mesmo. Reuniu os alimentos que
caíam da caixa embaixo de seu peito. De repente ouviu alguém estalar a língua atrás dele.
Olhou para trás. Seus companheiros estavam sentados na parte traseira do veículo, entre
algumas pilhas de caixas de mantimentos, e engoliam tudo em que conseguiam pôr as
mãos.
Rosaar chorou sem lágrimas e baixou a cabeça. Haviam encontrado um veículo de
transporte atulhado de alimentos. Quando tinham revistado a cidade pela primeira vez
certamente haviam passado por ele sem vê-lo.
Rosaar comeu até sentir-se enjoado. Depois seu corpo amoleceu. Dormiu.
Quando acordou, não sabia quanto tempo tinha passado. Abriu os olhos e, por mais
estranho que pudesse parecer, imediatamente pensou em Groon. Era um pensamento
inquietante, que logo expulsou do cérebro. Rosaar não tinha a menor dúvida de que seu
chefe não pertencia mais ao mundo dos vivos.
Rosaar fez sair a cabeça. Viu que Poarl e Goarg estavam enrolados entre as caixas
de mantimentos. Mesmo dormindo, seus corpos executavam movimentos convulsivos.
Pareciam viver mais uma vez os horrores da luta e da fome.
Rosaar chamou-os, mas seus companheiros não mostraram nenhuma reação. Só
levantaram a cabeça quando ele começou a bombardeá-los com latas vazias.
Rosaar levantou-se e foi à sala de comando. Por ali as coisas também pareciam estar
intactas. Havia dois morteiros pesados montados sobre a carlinga do veículo de
transporte. Rosaar viu um depósito de bombas devidamente guarnecido bem à frente dos
dois assentos dianteiros. Tudo isso lhe inspirou uma nova confiança. Tinha certeza de que
seria capaz de pilotar o veículo, se é que isso ainda era possível.
Os dois companheiros entraram atrás dele.
— Ainda estou cansado — queixou-se Poarl. — Acho que deveríamos dormir mais
um pouco.
Rosaar lançou-lhe um olhar de desprezo.
— Você acha que devemos esperar até que os habitantes que fugiram de Kraa
voltem? Já está na hora de darmos o fora. Vamos cuidar do carro voador dos
desconhecidos, que está parado na planície. Já podemos atacar o bloos do ar, sem expor-
nos a qualquer perigo.
— Acho que seria preferível voarmos logo para casa — objetou Goarg. — O que
temos que ver com o veículo dos desconhecidos?
Rosaar sentiu-se orgulhoso de repente ao perceber que era mais inteligente que seus
companheiros. Eles o aceitavam como chefe.
— Perdemos um exército — disse em tom tranqüilo. — Nesta cidade ninguém se
sentirá feliz com a presença de três sobreviventes que voltaram de mãos vazias.
— Quer dizer que você pretende conquistar o carro voador dos desconhecidos? —
perguntou Goarg em tom estridente.
— É o que pretendo fazer — confessou Rosaar.
Sem dar atenção aos dois companheiros, pôs-se a examinar a sala de comando do
carro voador, a fim de familiarizar-se com os controles. O veículo fazia parte do
equipamento do inimigo que fora destruído, mas em princípio era bem semelhante ao
usado por seu exército.
Rosaar fechou a entrada. Deu ordem para que os dois soldados se acomodassem nos
assentos. Poarl e Goarg carregavam alimentos. Parecia que tinham medo de que a fome
pudesse voltar.
Rosaar examinou os dois morteiros. Poarl aproximou-se.
— Eu fazia parte do corpo de artilheiros — disse. — Sei lidar com as armas.
Rosaar acenou com a cabeça. Parecia satisfeito. Deu ordem para que Poarl ficasse
em posição atrás dos morteiros e mandou que estudasse atentamente o funcionamento
dessas armas. Ele mesmo abriria o poço de lançamento de bombas quando estivessem
atacando o bloos.
Rosaar descobriu a chave que servia para fechar a entrada. Esperou que o carro
ficasse em condições de decolar e o fez sair de entre os destroços. O avião primitivo
desprendeu-se do solo, gemendo em todos os cantos. O barulho dos dois rotores enormes
penetrava na sala de comando.
Rosaar viu os escombros passarem lá embaixo. Seus olhos examinaram o horizonte.
Finalmente descobriu o destino. O carro voador mudou ruidosamente de direção,
deslocando-se para a grande planície.
***
Para Gessink era uma vergonha terrível ter perdido seu alojamento. Era a pior coisa
que poderia acontecer a um bloos. Gessink acreditava que naquele momento havia um
soldado sentado no interior do abrigo, rindo dos esforços dele, que tentava entrar à força.
Numa raiva insensata, Gessink arremessava os braços contra o soldado morto que
ele tirara de cima do veículo. Notou que a entrada estava um tanto esmagada, mas sua
inteligência rudimentar não era capaz de avaliar a extensão do dano. Deixou-se cair no
chão áspero e esticou os braços. Preferiria morrer, antes de renunciar ao abrigo
maravilhoso que tinha encontrado. Estava com fome, mas não mexeu nos cadáveres dos
inimigos, pois a idéia de preparar seu alimento ao ar livre causava-lhe repugnância.
Gessink sempre acreditara que não houvesse nada que pudesse resistir à força
tremenda de seus braços, mas a entrada do veículo, que continuava fechada, produzira um
forte abalo nessa crença. Se bloos golpeasse uma rocha com toda força, usando os braços,
esta se desmancharia em poeira.
Gessink espirrou enojado quando o vento trouxe o cheiro do pedaço de uniforme
queimado, que já se apagara. Levantou e afastou-se de seu alojamento. Já dispunha
novamente de forças suficientes para se arremessar contra a entrada de sua caverna. Saiu
rastejando sobre as pernas como uma aranha gigantesca.
Virou-se lentamente. Seus músculos entesaram-se. As pernas vergaram e o bloos
saiu numa velocidade incrível em direção ao veículo. Não reduziu a velocidade nem
mesmo nas proximidades da eclusa. Qualquer outra criatura que habitava o planeta
Horror teria sido morta pelo impacto violento produzido pela investida do bloos contra a
parede exterior da eclusa.
Houve um estrondo semelhante ao de uma explosão quando a parede foi arrancada
dos suportes e caiu na câmara da eclusa, juntamente com o atacante enfurecido. As
pernas de Gessink martelaram os destroços. O bloos gritava sua raiva juntamente com o
triunfo e saiu rolando pela entrada demolida.
Dirigiu os olhos pequenos e malvados para o interior da caverna. Bateu os dentes,
numa excitação selvagem.
Finalmente Gessink passou por cima da parede tombada, a fim de sair à procura
daquele que se atrevera a querer apoderar-se de seu alojamento.
***
Sobrevoaram os limites da cidade, mas nem por isso o quadro de destruição sofreu
qualquer mudança. Conquistar uma cidade e destruí-la era uma coisa, mas sobrevoá-la
depois e ver o que se tinha feito era bem diferente. Não que Rosaar se sentisse
arrependido, mas o quadro dos edifícios desmoronados e queimados provocou um
sentimento desagradável para o qual não havia explicação. Rosaar perguntou-se quais
seriam os pensamentos que atravessariam seu cérebro se um dia visse sua cidade nesse
estado.
Goarg e Poarl não pareciam ser molestados por pensamentos desse tipo.
Mantinham-se ocupados classificando os alimentos e empilhando-os na sala de comando.
Rosaar olhou para a planície, para a areia vermelha e os penhascos. Viu um
pontinho bem ao longe. Era a máquina voadora dos desconhecidos, que estava sob o
controle de um bloos.
Rosaar fazia votos de que o combustível fosse suficiente para o que pretendia fazer.
Lembrava-se constantemente de Groon. Às vezes chegava a duvidar de que o chefe
realmente estivesse morto. Os soldados do tipo de Groon pareciam possuir uma
imunidade inexplicável diante da morte. Rosaar procurou resistir à glorificação
inconsciente que estava fazendo da pessoa de Groon. Se quisesse dominar Poarl e Goarg,
teria que desprender-se do chefe do exército, até mesmo no terreno emocional.
— Por que não voamos na direção do objeto voador em cujo interior está alojado o
bloos? — perguntou Poarl e enfiou a cabeça na sala de comando.
— Tanto faz de que lado nos aproximemos — respondeu Rosaar com a voz
tranqüila. — De qualquer maneira, a fera nos ouvirá.
A chance de serem descobertos pelo bloos não parecia deixar os soldados mais
alegres. Rosaar já percebera que seus companheiros não tinham muita vontade de
abandonar a segurança em que se encontravam para acompanhá-lo em mais uma luta. Por
enquanto não tinham mostrado a contrariedade que isso lhes causava. Rosaar sabia que
nem se atreveriam a tanto, pois ele era o único que sabia pilotar o carro voador.
— E possível que Groon já tenha matado o bloos — observou Goarg enquanto se
expremia junto a Poarl para entrar na sala de comando.
Rosaar ficou aborrecido ao notar o medo que vibrava na voz de Goarg.
— Groon morreu! — disse em tom áspero. — Ninguém é capaz de enfrentar um
bloos somente com uma carabina e sete tiros de munição.
Poarl e Goarg entreolharam-se de uma forma que dava a entender que os dois
julgavam Groon capaz de qualquer coisa, até mesmo de matar um bloos com uma
carabina miserável.
Rosaar segurou a direção com tanta força que o sangue abandonou as juntas de seus
dedos. Depois de algum tempo recuperou o autocontrole. Sem dizer uma palavra, Poarl
ocupou o lugar que ficava atrás dos morteiros, enquanto Goarg permanecia em atitude
indecisa junto à entrada. Ao que parecia, resolvera aguardar os acontecimentos.
O ponto escuro que representava o objeto voador estranho aumentava rapidamente.
Rosaar seguia exatamente na direção do mesmo. Já se familiarizara com o ruído dos
rotores, que já não o inquietava. Não sabia explicar as funções desempenhadas por alguns
controles, mas os mesmos não pareciam ser muito importantes para a orientação do vôo.
O carro voador mantinha-se numa altitude média de vinte metros. Assim que se
aproximasse do objeto voador estranho, Rosaar subiria mais, para não ser atingido pelos
efeitos da bomba que pretendia lançar. Mas antes disso queria fazer um reconhecimento
perfeito da área.
Já se encontravam tão perto que podiam distinguir os detalhes.
De repente Goarg soltou um grito.
— Groon! — Sua cabeça tremia, enquanto se inclinava por cima da carlinga.
Rosaar viu o cadáver do chefe do exército jogado à frente do objeto voador dos
forasteiros. O bloos tinha deixado Groon num estado lamentável.
— Ele lutou contra a fera — disse Poarl como quem se sente culpado. — Nós
fugimos, enquanto ele enfrentava um monstro.
— Ele agiu como um idiota! — Rosaar fez um gesto resoluto. — Não soube
raciocinar, senão ele nos teria acompanhado quando fomos à cidade.
— Pode ter sido um idiota, mas foi um idiota valente — constatou Poarl com a
maior calma.
Rosaar teve a impressão de que seria preferível ficar calado. Fez o carro voador
passar por cima do campo de batalha. Não viram sinal do bloos.
— Ainda deve estar no interior do veículo — conjeturou Goarg.
— Vamos dar alguns tiros para fazê-lo sair — disse Rosaar.
O carro voador ganhou altura. Mas antes que pudessem lançar as bombas aconteceu
uma coisa que frustrou seus planos, ao menos por enquanto.
Uma máquina voadora dos desconhecidos apareceu vinda de trás das colinas que
limitavam a planície. Era semelhante àquela que estava sendo ocupada pelo bloos. Foi
Rosaar que a viu primeiro.
— E agora? — perguntou Poarl, que a descobriu em seguida.
— Precisamos atacar os forasteiros — decidiu Rosaar. — São mais velozes que nós.
Se fugirmos, eles nos alcançarão.
Poarl agachou-se atrás dos morteiros. “Está na hora de provar aos dois que sou tão
valente quanto Groon”, pensou num assomo de sarcasmo.
***
Gessink revistou sua caverna por três vezes com o maior cuidado, mas não
encontrou sinal de um intruso. Sentiu-se inclinado a acreditar que a entrada se fechara por
acaso. Começou a ficar mais tranqüilo. Não havia nada que indicasse que houvesse mais
alguém em seu alojamento. Olhou para a entrada, mas por lá tudo permanecia quieto.
Gessink fungou e passou a dedicar sua atenção à vítima de seu ataque, cujo cadáver
jazia nas proximidades da entrada. Já podia prepará-la calmamente. O bloos continuava a
acreditar que possuía um excelente abrigo; devia ser a melhor caverna que existia
naquelas redondezas. Lutaria para conservar a posse da mesma, fosse quem fosse o ser
que quisesse disputá-la.
Gessink passou por cima do cadáver do soldado. Só restavam uns poucos farrapos
do uniforme, que não o incomodavam. Abriu as glândulas que segregavam uma
substância ácida e pôs-se a aspergir a mesma uniformemente sobre sua vítima.
9

O rugido tornou-se insuportável; parecia arrebentar os tímpanos dos homens. As


talhadeiras em que se seguravam começaram a vibrar, enquanto as cordas presas aos
comandos tremiam como se fossem molas de aço.
Rhodan já esperara que a decolagem se transformasse num martírio. Para os
microseres uma série de abalos que um homem de tamanho normal nem perceberia
transformara-se num terremoto de intensidade média. Rhodan olhou atentamente para os
comandos que ficavam lá em cima. O êxito da missão dependia de que as cordas
estendidas ao máximo agüentassem a carga. Pretendiam realizar quase que um vôo cego,
pois do lugar em que se encontravam não tinham nenhuma possibilidade de fazer a leitura
dos instrumentos.
Icho Tolot foi o único que permanecia entre as chaves, a fim de interferir assim que
isso se tornasse necessário. Os dois ratos-castores também estavam de prontidão, mas era
bastante duvidoso que seus poderes paranormais, bastante debilitados, fossem suficientes
para controlar a situação num momento crítico.
Os homens mantinham-se preparados para empurrar as alavancas das talhadeiras
toda vez que se tornasse necessário mudar a rota.
Rhodan levantou o braço. Sabia que todos o observavam.
— Liguem o sistema de propulsão antigravitacional! — ordenou.
Sete homens moveram uma chave que era maior que todos eles juntos. A corda
ficou frouxa quando a chave à qual estava presa entrou na nova posição.
— Excelente! — berrou Tolot, que se encontrava lá em cima.
Rhodan esforçou-se para distinguir alguma coisa na gigantesca tela de visão
externa, mas a mesma parecia um oceano imenso cheio de sombras cinzentas.
— Estamos subindo! — gritou alguém.
Rhodan estremeceu. Acabavam de conseguir o impossível, fazendo o carro voar.
Criaturas minúsculas de menos de dois milímetros de comprimento mantinham sob
controle uma máquina de dez metros. Rhodan teve compreensão pelas demonstrações de
entusiasmo de seus companheiros.
— Preparem-se! — gritou. — O mais difícil ainda está por vir.
O veículo foi subindo. As sombras projetadas na tela mudavam de cor. Ficava cada
vez mais claro, o que era uma prova evidente de que o sistema de propulsão
antigravitacional estava funcionando.
Rhodan pretendia fazer subir o veículo o suficiente para que as formações rochosas
não representassem mais nenhum perigo para ele. O único obstáculo seriam as colunas de
pedra que se erguiam até o céu artificial. Rhodan esperava que conseguissem passar sãos
e salvos por essas formações gigantescas.
— Já subimos bastante — gritou Tolot do lugar pouco seguro em que se encontrava.
Rhodan hesitou um instante. Logo chegaria o instante decisivo, em que os
propulsores entrariam em funcionamento. Fazia votos de que essa operação fosse tão
bem-sucedida quanto o acionamento do sistema de propulsão antigravitacional.
Omar Hawk e seu okrill também tinham descido ao lugar em que ele se encontrava.
O Major Sedenko foi o único que permaneceu num dos Oldtimers, a fim de buscar a
tripulação de Don Redhorse. Sedenko pretendia fazer decolar seu F-913 G da plataforma
de carga do carro voador e entrar no outro veículo blindado. Uma vez lá, recolheria o
grupo de Redhorse e retomaria ao carro voador que acabava de decolar.
Rhodan tinha certeza de que se tratava de uma manobra bem difícil. Mas no
momento havia outros problemas.
— Ligar propulsores! — gritou.
Enquanto alguns homens puxaram com toda força nas respectivas talhadeiras, os
outros se mantinham preparados junto às cordas que levavam aos comandos direcionais.
O sistema de propulsão antigravitacional parou de funcionar. Por um instante o
carro voador ficou suspenso no ar, sem qualquer tipo de propulsão, mas logo deu um
salto para a frente. Rhodan se agarrou a uma corda para não perder o equilíbrio.
Tolot gritava ordens para os homens que trabalhavam nas cordas de direção. O
veículo blindado jogava, mas conservou a altura. Os astronautas escorregavam de um
lado para outro. As talhadeiras quase foram arrancadas dos suportes. Para Rhodan, a
viagem lembrava uma viagem num navio pequenino através de um mar agitado.
A paisagem aberta foi projetada na tela, que para os micro-olhos de Rhodan tinha
quinhentos metros de extensão. Rhodan teve a impressão de distinguir a silhueta da
cidade bem ao longe.
O veículo versátil avançava preguiçosamente, como um monstro primitivo. Os
homens que puxavam as cordas tiveram de empenhar todas as forças para manter a rota.
Rhodan, que também procurava forçar uma das alavancas de uma talhadeira, sentiu que
as veias das têmporas estavam saltando.
Finalmente conseguiram estabilizar a rota. Nenhuma corda se rompera. Rhodan
começou a sentir-se mais confiante.
— Consegue distinguir os detalhes na tela? — gritou para Tolot.
Do lugar em que estava Rhodan, mal se via o halutense.
— Tenho a impressão de que estou vendo o carro voador — respondeu este.
Rhodan lembrou-se de Sedenko, que estava parado na plataforma de carga,
contemplando a paisagem, a fim de decolar assim que visse o veículo versátil.
Parecia que tudo estava correndo segundo os planos.
— Olhem... há alguma coisa no ar bem à nossa frente! — gritou Tolot de repente.
Rhodan levantou abruptamente a cabeça. Viu uma grande mancha negra na tela. Ao
que parecia, a mesma se movimentava. Rhodan teve a sensação do perigo que se
aproximava. Lembrou-se dos soberanos azuis. Se não tivesse acompanhado o fim dos
mesmos com os próprios olhos, poderia ter a impressão de que estavam na iminência de
sofrer um ataque de uma estação desses seres.
— O objeto voador desconhecido vem em nossa direção — informou Tolot.
Os olhos de Rhodan procuraram Atlan. O arcônida estava parado perto de uma
corda direcional, com mais quatro homens, à espera do momento em que teria de entrar
em ação. Parecia notar instintivamente que Rhodan estava olhando para ele. Levantou os
olhos e sorriu.
Rhodan sabia que estariam indefesos diante de qualquer ataque. Seriam incapazes
de ativar um campo defensivo ou de abrir fogo contra o inimigo.
— Sinto impulsos mentais pouco intensos — anunciou Gucky.
— Você é capaz de descobrir quem está pilotando o objeto voador? — perguntou
Rhodan.
Por um instante Gucky parecia prestar atenção a vozes silenciosas.
— Acho que são alguns tentaculares — disse finalmente.
Rhodan respirou aliviado. Se a suposição de Gucky fosse correta, provavelmente
não haveria perigo. Os habitantes de Kraa certamente se lembrariam de quem os tinha
libertado do terror dos soberanos azuis.
De repente um raio atravessou a tela, ofuscando Rhodan. No mesmo instante houve
a detonação. O carro voador deu um salto para a frente. Alguns homens soltaram gritos e
perderam o equilíbrio. Rhodan agarrou-se desesperadamente.
— Segurem as cordas! — gritou.
Se perdessem o controle do carro voador, seria o fim.
— Você tem certeza de que são tentaculares? — perguntou Rhodan, dirigindo-se a
Gucky.
— Tenho! — respondeu a voz estridente do rato-castor. — Mas parece que eles não
sabem que somos seus amigos. Os impulsos mentais que consigo captar só exprimem
maldade e agressividade.
A segunda explosão verificou-se a uma distância maior. Foi incapaz de causar
avarias ao carro voador. Mas Rhodan não se entregou a ilusões. Um único impacto direto
seria suficiente para pôr fim ao seu vôo.
— Precisamos acelerar mais! — gritou para Tolot.
Teve a impressão de ver o gigante de quatro braços colocar todo o peso de seu
corpo contra a respectiva chave. Lembrou-se de Sedenko, que tinha uma tarefa
impossível pela frente. Fazia votos de que o primeiro abalo não tivesse arremessado o
major para fora da plataforma de carga, juntamente com o Oldtimer.
— O inimigo se aproxima! — anunciou Tolot.
Até parecia que a terceira granada fora disparada para reforçar suas palavras:
explodiu bem em cima do carro voador. A pressão do ar fez o veículo pesado descer
obliquamente. Os homens que tinham feito um grande esforço para voltar aos seus
lugares foram atirados para todos os lados. Duas cordas direcionais romperam-se e o
veículo inclinou-se para a frente.
Rhodan percebeu que seria muito difícil evitar a catástrofe.
Abandonou seu lugar e, passando pelo chão inseguro, correu para onde estava a
tripulação, que se encontrava em apuros. De repente o veículo de esteira acelerou.
Rhodan perdeu o equilíbrio e caiu ao chão. O carro voador empinou feito um animal
enfurecido. Os propulsores rugiram. Rhodan foi escorregando pelo chão. Foi parar de
forma pouco suave no meio de uma das equipes incumbidas da direção do veículo. A
quarta granada explodiu bem atrás deles.
— Eles nos perseguem! — gritou o halutense.
Rhodan fez sinais para levar os homens a entrar em ação. Reunindo suas forças,
puxaram a corda e obrigaram o leme a girar.
— Coluna de pedra à frente! — soou o grito de alerta de Tolot.
A explosão da quinta granada quase chegou a abafar seu grito. Chegou bem mais
perto, mas o carro já tinha se afastado de sua área de ação.
Rhodan lançou um olhar para a tela e viu perfeitamente que naquele momento se
encontravam exatamente acima do segundo carro voador, onde o grupo de Redhorse se
mantinha à espera do momento em que chegasse o auxílio.
Caso o Major Jury Sedenko, imediato da Crest II, ainda estivesse vivo, naquele
momento estaria decolando com um Oldtimer da plataforma de carga do carro voador.
Parecia pouco provável que a missão de Sedenko fosse bem-sucedida. Mesmo que
conseguisse libertar Redhorse, só por milagre haveria, depois de seu regresso, um carro
voador capaz de recolher seu Oldtimer.
O veículo de esteira corria velozmente na direção da coluna de pedra, enquanto o
inimigo disparava a sexta granada em sua direção.
***
Estavam sentados lado a lado, no interior do grampo do uniforme do soldado morto.
Mal se atreviam a respirar. O corpo gigantesco do monstro escurecia o ambiente. A fera
devia ter sentado bem em cima do cadáver.
Um brilho estranho surgiu nos olhos de Kasom quando o mesmo se dirigiu a
Redhorse.
— O senhor tem razão, capitão. Este é o lugar mais seguro que existe no interior
deste veículo.
Redhorse esboçou um sorriso. A ironia delicada do ertruso tinha sua razão de ser,
pois fora Redhorse que sugerira que se escondessem ali.
— Não acredito que sejamos descobertos — disse Henderson.
Estas palavras foram proferidas em tom enfático.
A única coisa que podiam fazer era ficar sentados, esperando o que faria o inimigo.
A primeira coisa que o monstro fez ao entrar foi revistar tudo. Só depois disso passara a
dedicar sua atenção à vítima de seus ataques.
Redhorse viu Kasom abrir a boca para dizer alguma coisa. Mas as palavras do
agente da USO foram abafadas por um barulho infernal, que fez Redhorse estremecer.
Até parecia que estavam parados embaixo de uma queda de água.
— Que diabo é isso? — gritou Losar.
Redhorse teve de fazer um grande esforço para entender o que o técnico de
armamentos estava dizendo.
De repente o grampo oco em cujo interior se encontravam sofreu um abalo tão forte
que os cinco homens foram atirados um sobre o outro. Um líquido cáustico esverdeado
penetrou no interior do grampo, enquanto este começava a balançar.
“Estamos sendo arrastados pelo líquido”, pensou
Redhorse, apavorado. Procurou sair das poças que se formavam em toda parte. O
grampo minúsculo rodopiava como um pião na superfície do líquido despejado como
uma súbita tromba d'água, que só poderia ter sido produzida pelo monstro.
Seria inútil tentar ficar de pé. Os movimentos do grampo transformado em barco
sempre voltavam a jogar os homens ao chão. Redhorse cruzou os braços sobre a cabeça,
para proteger a mesma.
Cambaleou de encontro a Kasom. O ertruso usou suas forças tremendas para manter
o capitão erguido. Quase no mesmo instante houve uma forte pancada, e o grampo ficou
parado. Ouviu-se o ruído da inesperada torrente de líquido vindo de fora.
— Caramba! — disse Kasom, passando a mão pelo rosto encharcado. — Nunca
esquecerei esta viagem de barco.
Redhorse viu Sengu rastejar decididamente em direção à abertura e olhar pela
mesma. No mesmo instante o rosto negro do mutante virou-se na direção em que estavam
seus companheiros.
— Fomos arrastados para a eclusa — disse, perplexo. — Estamos cercados de todos
os lados pelo caldo verde. O grampo ficou parado sobre uma peça da eclusa destroçada.
— Que bela situação! — disse Redhorse num assomo de humor fúnebre.
Reuniram-se junto à entrada de seu esconderijo. Redhorse olhou para o curso
d'água, que na verdade não passava de um simples filete.
— Temos de sair daqui antes que sejamos arrastados para baixo dos destroços.
Cerrou os olhos e saltou para fora. Pensou que ia mergulhar no líquido, mas o
mesmo só lhe chegava até os quadris. Saiu caminhando em direção à margem que se
estendia à sua frente sob a forma de uma peça metálica. Kasom e Henderson seguiram-
no.
Redhorse saiu pesadamente do caldo verde e ficou parado, respirando com
dificuldade.
Viu que o grampo voltou a balançar assim que Sengu e Losar saltaram do mesmo.
Dali a instantes voltou a ser carregado pela torrente que tinha crescido de novo. Losar e o
mutante puseram-se a salvo a nado.
Henderson levantou a cabeça e pôs-se a farejar.
— Seu cheiro não é nada agradável, Don — disse com um sorriso irônico.
Redhorse levantou o braço e escondeu o nariz de índio na manga molhada do
uniforme.
— Isso vai diminuir — constatou em tom lacônico.
Um vento frio passou pela eclusa que fora aberta à força, provocando um calafrio
nos homens. Redhorse levantou-se imediatamente.
— Acho que já podemos sair andando — sugeriu. — Levaremos algum tempo para
encontrar um lugar em que estejamos em segurança, e de onde possamos ver o Oldtimer
que vier buscar-nos. — Disse mais alguma coisa, mas suas palavras foram abafadas pelo
estrondo de uma explosão, seguida de perto por cinco outras.
Os homens entreolharam-se.
— Está acontecendo alguma coisa — disse Henderson em tom deprimido.
— Quem dera que tudo isso já tivesse passado — disse Losar.
Começaram a avançar entre os destroços, embora naquela altura já não tivessem
certeza sobre o que estava à sua espera no ponto de destino.
***
Costumava-se dizer que o Major Jury Sedenko era um homem tão calmo que seria
capaz de ficar parado junto à cratera de um vulcão em atividade, acendendo seu cigarro
na lava, antes de pensar em fugir. Naturalmente isso era um exagero, mas Sedenko
realmente era um homem muito calado, que resolvia tudo que tinha de resolver com uma
calma fora do comum.
Talvez tenha sido essa calma proverbial que evitou que Sedenko fosse morto.
Permaneceu imóvel no assento de piloto do Oldtimer, à espera do momento adequado
para a decolagem, sem dar atenção ao inferno que parecia estar solto em tomo dele.
Sedenko sabia que, se não tomasse cuidado, dali a pouco seu avião estaria reduzido
a destroços. A plataforma de carga trêmula poderia transformar-se numa temível
catapulta, se atingisse o Oldtimer no momento em que o mesmo estivesse levantando
vôo. Sedenko teria de esperar até que os abalos diminuíssem. Era obrigado a esperar,
embora já tivessem ultrapassado o lugar em que se encontrava o veículo no qual se
escondiam os cinco homens que pretendia salvar.
Quando finalmente fez decolar o avião, Sedenko não demonstrou nenhuma pressa.
A plataforma do veículo versátil foi ficando para trás. O major recostou-se na poltrona e
aspirou profundamente o ar. A tensão dos últimos minutos começou a abandoná-lo. No
momento não corria nenhum perigo, pois o avião minúsculo em que viajava não
representava um alvo visível para o inimigo que se empenhava obstinadamente em
perseguir o carro voador.
Sedenko fez o Oldtimer voltar na direção da qual tinham vindo com o veículo
versátil. Viu o segundo carro voador bem ao longe. Seguiu exatamente na direção do
mesmo. Não viu nenhum sinal do monstro que estava dando tanto trabalho ao grupo de
Redhorse. O major já começava a recear que a fera tivesse conseguido entrar no carro
voador.
O imediato da Crest II cerrou os dentes e prosseguiu em seu vôo. Não voltaria
enquanto não se certificasse pessoalmente do destino que tinha atingido os cinco homens.
Passou bem por cima do veículo blindado e viu dois tentaculares mortos na frente
da eclusa. Descobriu outro cadáver que se encontrava a uma distância maior. Sedenko
reduziu a velocidade e fez baixar o Oldtimer.
Passou a voar numa direção da qual podia ver a eclusa. E o que pôde ver fez com
que soltasse um gemido. A parede exterior da eclusa fora arrombada à força e caíra para
dentro da câmara. Não era difícil adivinhar quem fora o autor da destruição. Sedenko
começou a preocupar-se seriamente com o destino dos cinco homens que deveria
recolher.
Esqueceu sua própria segurança e fez o Oldtimer seguir na direção da eclusa aberta.
Seus olhos avistaram uma chapa de metal larga, que poderia ser usada como campo de
pouso. Dali a instantes o trem de pouso do minúsculo avião tocou a superfície. Sedenko
deixou os propulsores ligados, para poder decolar sem demora. Abriu a carlinga. O vento
tocou sua face. Era um vento que carregava um odor nauseabundo. Sedenko não seria
capaz de deixar que isso o detivesse. Saiu do avião e escorregou para o campo de pouso.
Teve de orientar-se de novo.
Ouviu ruídos que lembravam o farfalhar das águas de um regato encachoeirado.
Andou mais depressa e chegou à extremidade da chapa metálica. Do lugar em que se
encontrava via quase toda a parte inferior da câmara da eclusa, que se estendia à sua
frente como uma paisagem. A cerca de um quilômetro do lugar em que se encontrava, um
rio esverdeado passava ruidosamente entre os destroços da parede externa da eclusa.
Sedenko teve de fazer esforço para lembrar-se que aquilo que lhe parecia ser um
quilômetro era apenas um metro, e que o rio não passava de uma pequena poça.
Não escapou aos olhos bem treinados de Sedenko que o caminho para o interior do
veículo estaria cercado de grandes dificuldades. Os destroços amontoavam-se em toda
parte. O major nem se atrevia em pensar no que poderia acontecer se o inimigo
desconhecido resolvesse sair. Era bem possível que o Oldtimer fosse destruído. Essa idéia
bastou para que Sedenko se apressasse ainda mais. Correu para a outra extremidade da
chapa metálica, onde seria mais fácil chegar ao chão da eclusa. Ouviu suas botas pesadas
tamborilando o metal, mas não se preocupou com isso. Seria um barulho imperceptível
para um ser que tivesse o tamanho de um homem.
Saltou da chapa metálica e foi parar em cima de uma presilha aberta. Ficou parado
por um instante. A chapa passava por cima da presilha, formando um espaço coberto
escuro, oculto aos olhos de Sedenko. Quando estava prestes a sair andando, o major
ouviu chamar seu nome. Parou e virou-se abruptamente.
A cabeça enorme de Melbar Kasom apareceu embaixo da placa. A faixa de cabelo
em foice estava totalmente desgrenhada. Dali a pouco saiu o rosto indígena de Redhorse.
O capitão sorriu.
— O que está fazendo por aqui, senhor? — perguntou.
Sedenko fez um sinal para os homens.
— Precisamos apressar-nos — gritou. — Conseguimos decolar com o carro voador,
mas fomos atacados.
Não houve necessidade de outras explicações. Voltou para o avião, correndo à
frente dos outros. Numa questão de segundos as pessoas resgatadas desapareceram com
seus uniformes molhados e malcheirosos no interior do avião. Sedenko deixou-se cair no
assento do piloto. Dali a pouco o aparelho subiu da chapa metálica.
— Onde está o carro voador neste momento? — perguntou Kasom.
Sedenko olhou por cima do ombro.
— Se eu soubesse, as coisas seriam simples — respondeu.
O F-913 G uivava enquanto se precipitava pelo ar. O veículo blindado inutilizado
foi ficando para trás lá embaixo. Sedenko bateu com a junta do dedo no indicador de
combustível.
— Ainda temos combustível para cerca de quinhentos quilômetros — disse. —
Diante disso não será difícil compreender que teremos de encontrar o carro voador sem
demora.
Sobrevoaram a paisagem em alta velocidade, deixando para trás Kraa, a cidade
morta, e tomaram a direção das montanhas distantes que limitavam a planície. Depois de
algum tempo Sedenko descobriu o objeto voador inimigo, que tinha atacado o carro
voador.
— Vem em nossa direção — constatou o major. — Até parece que a tripulação quer
voltar para Kraa. — Estreitou os olhos, mas não conseguiu ver o carro voador do qual
tinha decolado.
— Só existem duas possibilidades — disse Wuriu Sengu. — O veículo blindado foi
derrubado, ou então escapou.
***
Teve-se a impressão de que a tela de imagem iria apagar-se, mas era apenas a
superfície rochosa que a obscurecia. Rhodan baixou a cabeça. A qualquer momento
poderia vir o impacto que representaria o fim dos seus esforços. Tinham escapado ao
inimigo, mas os comandos do carro voador reagiam muito devagar.
— Conseguimos passar! — gritou Tolot.
Rhodan e seus companheiros soltaram as alavancas das talhadeiras quase no mesmo
instante. O esforço tremendo esgotara suas energias.
Rhodan levantou os olhos. A tela estava clareando. A paisagem aberta apareceu na
mesma.
— Reduza a velocidade! — gritou Rhodan para o halutense, que continuava lá em
cima.
Aos poucos a rota do carro voador voltou a estabilizar-se. Rhodan deu ordem para
que os homens mais robustos permanecessem junto às cordas, para que pudessem mudar
a direção do veículo assim que isso se tornasse necessário. Aos outros foi concedida a
pausa de que estavam precisando há muito tempo.
Atlan acompanhou Rhodan até que os dois se encontrassem bem embaixo da
poltrona de comando.
— Já temos uma chance de atingir o nível amarelo e estabelecer contato de rádio
com a Crest II — disse o arcônida.
Rhodan franziu a testa.
— Onde está seu pessimismo, almirante?
— Vou desperdiçá-lo com o Major Sedenko — disse Atlan. — E com os cinco
homens que ele vai recolher.
O rosto de Rhodan assumiu uma expressão séria.
— Você acha que Sedenko terá dificuldades?
— Não — respondeu Atlan em tom seco. — Acho que já está entalado nelas.
***
Nunca antes a paisagem do nível vermelho parecera tão solitária e desolada ao
Major Jury Sedenko como naquelas horas. O indicador de combustível quase chegava a
ser uma visão ainda mais desoladora. A quantidade contida nos tanques estavam
diminuindo inexoravelmente. Pelos cálculos de Sedenko poderiam voar mais uns
duzentos quilômetros. A vida da tripulação da Crest II dependia do regresso de Rhodan, e
por isso o Chefe não poderia dar-se ao luxo de esperar pelo Oldtimer pilotado por
Sedenko. Quanto a isso os seis homens que se encontravam a bordo do avião não tinham
a menor dúvida. Se não conseguissem encontrar o carro voador antes que o mesmo
avançasse para o nível amarelo, não lhes restaria outra coisa senão ficar no segundo plano
do mundo oco.
O Oldtimer corria sobre a paisagem desenvolvendo a velocidade máxima. A marca
luminosa do indicador de combustível chegava em direção ao zero.
De repente viram uma grande sombra negra entre as montanhas, bem à sua frente.
Era o carro voador. Redhorse bateu de leve no ombro do Major Sedenko.
— Já vi, capitão — disse Sedenko, respirando aliviado. — Acho que
conseguiremos.
O nariz do Oldtimer passou a apontar na direção das montanhas distantes.
— A velocidade do carro voador não é muito elevada — constatou Sedenko. —
Aproximamo-nos dele rapidamente.
Ainda não estavam definitivamente em segurança. Redhorse imaginava que o pouso
não seria fácil.
Dali a alguns minutos o minúsculo avião encontrava-se acima do veículo de esteira
blindado. Sedenko apontou para baixo.
— Está vendo a plataforma de carga, capitão? — perguntou, dirigindo-se a
Redhorse.
Redhorse inclinou-se para a frente. Reconheceu as máquinas esguias depositadas
sobre a plataforma de carga.
Sedenko fez descer lentamente o Oldtimer.
— Agora o vôo do carro é muito tranqüilo — disse em tom satisfeito. — Durante a
decolagem comportou-se como um animal selvagem.
A idéia de que um grupo de homens que não eram maiores que insetos controlava o
gigantesco veículo deixou Redhorse muito orgulhoso. Permanecera por muito tempo na
sala de controle do segundo carro voador para dar-se conta das diferenças de tamanho
entre os astronautas e os aparelhos que os mesmos tinham de controlar.
Sedenko fez pousar a máquina. Houve um forte solavanco. Redhorse segurou-se
enquanto o Oldtimer rolava pela pista. Finalmente o ruído dos propulsores cessou.
— Chegamos — disse Melbar Kasom. — Agora teremos de encontrar um meio de
chegar lá dentro.
— Vamos passar por um poço de exaustão — disse Sedenko. — Tolot prendeu uma
corda que passa pelo mesmo, indo parar na sala de comando.
Os homens foram saindo do pequeno avião, e recebidos por uma forte lufada de
vento, mas conseguiram movimentar-se em segurança.
Sedenko assumiu o comando. O imediato da Crest II foi o primeiro a desaparecer no
interior do poço de exaustão. Losar e Kasom foram logo atrás dele.
Sengu ficou parado junto à entrada, olhando para Redhorse, que parecia uma estátua
sem vida.
O mutante pigarreou.
— Estão à nossa espera — disse. — Vejo Rhodan e Atlan parados logo embaixo do
poço.
— Vá na frente — disse Redhorse.
Esperou que Sengu entrasse no poço e levantou os olhos para o céu artificial
avermelhado. Inclinou-se respeitosamente para os quatro pontos cardeais.
— He-hau! — A palavra de agradecimento do cheiene atravessou seus lábios em
tom compenetrado.
À medida que o vôo se prolongava, as reações dos homens que trabalhavam nas
cordas de comando iam se tornando cada vez mais lentas. Rhodan dividira as equipes de
tal modo que um dos grupos sempre estivesse descansando, mas apesar disso a carga era
pesada demais para os astronautas.
— Quando atingiram o buraco aberto a tiro pela Crest II, a fim de passar do
segundo nível ao terceiro, o estado de três homens era tão preocupante que Rhodan se viu
obrigado a proibir que continuassem a trabalhar nos comandos.
Provavelmente nunca teriam chegado ao destino se não fossem Icho Tolot e Melbar
Kasom. Especialmente o halutense fazia o trabalho de uma dúzia de homens.
Finalmente saíram no firmamento do terceiro nível. Oitocentos quilômetros
embaixo do lugar em que se encontravam estendia-se o solo do nível amarelo, que
formava a face interna do revestimento exterior do planeta Horror.
Rhodan deu ordem para que todos fizessem uma pausa prolongada, enquanto o
carro voador se dirigia ao próximo destino, deslocando-se com metade de suas forças
bem acima do solo. Resolveram que o veículo pousaria junto à abertura que levava à
superfície do planeta.
Rhodan mandou que a equipe incumbida dos controles descansasse até que o carro
voador se encontrasse apenas cem quilômetros acima da superfície. Nessa altura deu
ordem para que a primeira turma voltasse ao trabalho. Tornava-se necessário levar o
veículo ao ponto combinado. Era o único lugar em que teriam uma chance de estabelecer
contato de rádio com a Crest II e transmitir uma mensagem de alerta à Androtest II, que
estava sendo esperada. Não poderiam arriscar-se a avançar para a superfície com o carro
voador, pois nesse caso haveria o perigo de que o veículo — e os equipamentos de rádio
instalados em seu interior — também tivessem seu tamanho reduzido.
O último trecho do vôo deixou a tripulação do veículo blindado totalmente
esgotada. Os homens incumbidos dos controles tiveram de fazer um grande esforço para
executar as ordens. Finalmente, quando Rhodan já receava que os homens que
trabalhavam nas alavancas das talhadeiras iriam entrar em colapso, avistaram a abertura
extensa feita a tiro pela Crest II.
A operação mais incrível da história da astronáutica chegara ao fim. Um grupo de
micro-homens, cujo tamanho médio não era superior a 1,8 mm, fizera decolar um carro
voador de dez metros de comprimento, além de percorrer com ele um trecho de 10.000
km e fazê-lo pousar.
— Nohetol — exclamou o Capitão Don Redhorse, no momento em que o veículo
blindado ia descendo entre as rochas do nível amarelo.
— Nohetol — Já passou!
10

Oito dias, tempo padrão, já tinham se passado desde que os Oldtimers haviam
partido. O Coronel Cart Rudo, comandante da Crest II, não se atrevia a olhar a esposa de
Rhodan de frente. O que poderia dizer para aliviar suas preocupações martirizantes?
Todos os argumentos seriam inúteis diante do fato de que Rhodan e seus companheiros
deveriam ter regressado há alguns dias.
Mory Rhodan-Abro não deixou perceber o que estava pensando, mas Rudo possuía
bastante senso psicológico para saber interpretar o estranho nervosismo daquela mulher.
Rudo comparou seu relógio com o de bordo, como já fizera muitas vezes nos últimos
dias. Não havia nenhuma diferença. Os dois relógios indicavam exatamente dez minutos
depois das doze horas.
Quase no mesmo instante os receptores de ondas ultracurtas, os únicos que ainda
estavam funcionando a bordo da nave, emitiram um sinal. A reação do operador foi
instantânea, transferindo a ligação para Rudo, mas este logo se colocou a seu lado.
— Cuidarei disso! — observou em tom nervoso. — Avise a esposa de Rhodan.
— Farei isso imediatamente, senhor!
O homem saiu correndo. Rudo nem chegara a ouvir o que falou. Respondeu três
vezes em seguida, transmitindo o sinal combinado.
Não esperou muito tempo. Os impulsos emitidos pelo carro voador foram
registrados pelos receptores. Rudo ficou sabendo que o comando dirigido por Rhodan
encontrara e recolhera um veículo blindado versátil. O veículo estava estacionado na face
interna da camada exterior do planeta Horror, junto ao ponto de penetração do orifício
que a Crest II abrira a tiro.
Rudo apressou-se em confirmar o recebimento da mensagem e ficou à espera de
outras notícias.
Rhodan informou que os pêlos amarelos tinham saído à sua procura logo após sua
chegada ao nível amarelo, mas não os haviam encontrado. Todos os tripulantes
conseguiram colocar-se em segurança antes que fosse tarde. As vibrações dos minúsculos
astronautas não possuíam intensidade suficiente para poderem ser localizadas pelos
intrusos. Rhodan comunicou que os atacantes acabaram por retirar-se. Não havia mais
nenhum perigo.
Outros homens reuniram-se atrás do Coronel Rudo. A multidão abriu alas uma
única vez, para deixar passar a esposa de Rhodan. Rudo fez um gesto tranqüilizador em
sua direção.
Rhodan anunciou que passariam a realizar testes com o transmissor do carro voador.
Dali a algumas horas as primeiras mensagens de hipercomunicação atravessariam o
espaço.
Uma vez transmitida essa informação, Rhodan pôs fim à transmissão.
O Coronel Cart Rudo teve de levantar os braços para interromper a manifestação de
júbilo dos astronautas. Sorriu para Mory.
— Acho que agora está tudo em ordem — disse, falando lentamente. — O carro
voador pousou são e salvo. Daqui a pouco serão iniciados os testes com o
hipercomunicador.
Um dos traços do caráter de Mory fazia com que a mesma pensasse imediatamente
na segurança dos outros.
— É possível que a chegada da Androtest II seja iminente — disse. — Pelo que
informou Kotranow, Tifflor pretendia fazer decolar a terceira nave do tipo Androtest
quinze dias depois da partida do coronel.
— É verdade — confirmou Rudo. — Talvez possamos prevenir a nave esperada
antes que seja tarde.
Mory fitou-o com uma expressão séria.
— Vou fazer uma pergunta e quero pedir que responda com toda franqueza.
Rudo sentiu que estava ficando embaraçado. Não sabia como comportar-se diante
dessa mulher.
— Está bem — disse. — Pode perguntar.
— O senhor acredita que um dia voltaremos ao nosso tamanho normal, coronel?
Rudo fitou-a com uma expressão de perplexidade. Não esperava uma pergunta deste
tipo. Engoliu fortemente em seco e desejava ter uma chance de retirar-se discretamente.
Mas Mory não tirava os olhos dele. A expressão de seu olhar obrigou-o a dar uma
resposta.
— Enquanto estiver respirando, não deixarei de acreditar nisso — respondeu o
Coronel Rudo em tom sério.

***
**
*

São pequeninos como insetos, mas


conseguem dirigir um gigante segundo sua
vontade.
O carro voador está firmemente sob seu
controle, mas o hiper-rádio do mesmo terá de
colocar em alarme a nave de ligação assim que
a mesma se aproxime do planeta Horror.
O plano de Perry Rhodan parece ser
perfeito. Acontece que no mesmo deixou de ser
considerado o fator surpresa. O Perigo Vindo
do Passado, conta a este respeito no próximo
volume da série Perry Rhodan.

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