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(P-225)

ENCONTRO NO
ESPAÇO
Autor
KURT MAHR

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
SKIRO
Estamos no ano 2.401. Há muito os terranos pertencentes
ao Império Solar de Perry Rhodan assumiram a herança
técnico-científica dos arcônidas — mas agora têm de carregar
o peso dessa herança, representado pelo prosseguimento do
conflito com os maahks que, vindos de Andrômeda e
obedecendo às ordens dos misteriosos senhores da galáxia,
avançam para o centro da Via Láctea e chegam a ameaçar a
própria existência do Império Solar e da civilização galáctica.
Allan D. Mercant, chefe da Segurança Solar, enviara
cinco homens condenados à morte ao setor controlado pelos
maahks, na esperança de que esses agentes voltassem com
informações importantes sobre os planos de invasão do
inimigo... A ação de Mercant provoca uma reação dos maahks!
Os cinco agentes regressam da nebulosa anã Andro-Alfa,
para onde tinham sido levados pelo inimigo — mas não são
mais eles mesmos. São criaturas do multiduplicador, que
produziu cópias perfeitas dos originais, que foram mortos. As
duplicatas se parecem com os mortos até a última célula, até o
último átomo. São a quinta coluna do serviço secreto dos
maahks, escalada para preparar a conquista da Galáxia.

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Hilar Kinsey — Comandante da nave Casso, que encontra um
cadáver no espaço.
Pol Kennan — Imediato da nave Ploféia, que tem um encontro
com uma duplicata de um velho amigo.
Grek-1 — Chefe da frota de invasão dos maahks.
Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar.
Atlan — Lorde-almirante e chefe da USO.
Halgor Sorlund, Cole Harper, Imar Arcus, Hegete Hegha e
Son Hao — Membros da quinta coluna dos maahks.
1

Pol Kennan inclinou-se sobre o homem e viu que estava morto.


Os olhos muito arregalados pareciam saltar das órbitas e querer enxergar através do
visor do capacete. O homem estava com os lábios branco-azulados, o rosto era
amarelento e estava profundamente encovado, fazendo com que os maxilares se
destacassem.
Pol levantou-se. As solas das botas rangiam no chão metálico liso da pequena
câmara da eclusa.
— Já é tarde — disse em tom abafado. — Vamos recolhê-lo.
Dois homens que usavam o uniforme de bordo da Frota Solar colocaram o cadáver
numa maca que tinham trazido consigo e retiraram-se, atravessando a escotilha interna da
eclusa, que estava aberta. Pol seguiu-os com os olhos. Ficou indeciso por algum tempo,
mas acabou seguindo os dois homens.
Estava pensativo e não se apressou nem um pouco. Atravessou dois elevadores
antigravitacionais e contornou metade do convés C. Finalmente entrou no hospital da
nave. O Doutor McGuire já estava despindo o cadáver. Limitou-se a cumprimentar Pol
com um gesto.
— Fiquei muito satisfeito — observou, enquanto empurrava a maca móvel em que
estava deitado o cadáver para baixo da lâmpada redonda que ficava no centro da sala. —
Uma dor de barriga, um dedo esmagado... Não haveria necessidade de pescar justamente
um cadáver no espaço.
Colocou as luvas. Pol olhou para trás. A pequena sala de cirurgia de McGuire
brilhava de lado a lado. Desde que a Casso cruzava pela área de Kahalo, McGuire
mantinha sua equipe ocupada, polindo os instrumentos. O vôo correra sem incidentes. A
descoberta de um cadáver que vagava pelo espaço num traje espacial completamente
intacto fora a primeira sensação que houvera nas últimas semanas, desde que a Casso
saíra de Opposite, tomando o rumo de Kahalo.
— Então... que houve? — perguntou Pol em tom impaciente.
— Só o senhor pode dizer — respondeu McGuire em tom contrariado. — O que
este homem estava fazendo lá fora?
Pol pôs-se a refletir.
— Talvez seja uma das vítimas das lutas travadas em torno de Kahalo.
Provavelmente foi atirado para fora da nave em que se encontrava, quando a mesma
explodiu, e desde então ficou vagando...
— Tolice — resmungou McGuire em tom insolente. — Neste caso o traje dele
apresentaria vestígios da explosão. Parece que alguém enfiou este sujeito no traje espacial
quando já estava morto.
— Tudo bem. O senhor deve saber — disse Pol. — Gostaria de saber de que ele
morreu. Enquanto isso examinarei seus pertences. Tudo bem?
McGuire respondeu sem levantar os olhos.
— O traje está limpo. Não há perigo de contaminação.
Pol constatou que o morto não levava nada além dos instrumentos embutidos em
qualquer traje espacial. Estava com os bolsos vazios. O pequeno transmissor de
emergência que ficava do lado esquerdo do peito, e cujos sinais a Casso havia captado há
três horas, trazia o número C-l 265 498uA. Com base neste número seria possível
verificar a quem pertencia o traje espacial. O cartão de identificação que todo membro da
Frota deve trazer sempre consigo não foi encontrado. Pol estranhou esse fato, mas o
cartão poderia ter sido perdido por algum motivo. Sua falta não significava
necessariamente que houvera um crime.
Pol usou o intercomunicador de McGuire para entrar em contato com a sala de
rádio. Mandou que o rádio-operador procurasse descobrir o nome da pessoa a que
pertencia o transmissor de emergência que acabara de ser encontrado. Antes que
McGuire concluísse o exame do cadáver, o rádio-operador voltou a chamar.
— Recebemos informações de Opposite, senhor. O transmissor que traz o número
indicado pertence a Bing Hallgan, de quarenta e dois anos, técnico, que da última vez que
se teve notícias dele se encontrava a bordo da nave de abastecimento Kitara.
— Obrigado — respondeu Pol e desligou.
Notou que McGuire o olhava fixamente.
— Kitara... Isso não lhe lembra alguma coisa? — perguntou.
Pol fez uma careta.
— Estou pensando. Parece que já ouvi o nome — apontou para o cadáver. — E
este?
McGuire abriu os braços, num gesto de perplexidade.
— Acho que foi envenenamento. Mas não me pergunte quando, com quê e por
quê... Não faço idéia. Este homem tem de ser examinado em Kahalo ou Opposite.
Pol fez que sim. Fez uma ligação com o comandante. O rosto carrancudo de Hilar
Kinsey apareceu na tela.
— Já recolhemos o homem, senhor — informou. — O Doutor McGuire constatou
que foi envenenado, mas não sabe com quê. Sugere que nos dirijamos a Kahalo ou
Opposite. Por fora tanto o homem como o traje espacial em cujo interior se encontrava
estão intactos. Não se sabe como pôde ser atingido pelo veneno.
Kinsey resmungou uma coisa incompreensível. Via-se que não estava gostando da
história.
— Foi possível determinar a identidade do homem com base no número de seu
transmissor de emergência. Trata-se de Bing Hallgan, um técnico que se encontrava a
bordo da Kitara.
Pela expressão do rosto de Kinsey, até se poderia ser levado a acreditar que alguém
lhe dissera que o morto era Luís XIV. Sua boca grande, de lábios estreitos, abriu-se
repentinamente. Depois de algum tempo exclamou:
— Hallgan... Kitara...?
— Isso mesmo, senhor — confirmou Pol, espantado.
De repente o rosto de Kinsey desapareceu da tela.
Kinsey se levantara de um salto. Pol ouviu-o gritar.
— Quero uma ligação com Opposite... Rápido! Urgência máxima! Stahlmann,
coloque a nave na rota de Kahalo. Acelere ao máximo. Atenção, sala de rádio. Avisem
Kahalo de que estamos indo para lá.
Uma atividade febril passou a desenvolver-se na sala de comando. Pol ouvia
perfeitamente. Kinsey voltou ao seu lugar. Olhou demoradamente para Pol e disse:
— Vamos à informação que o senhor acaba de prestar, major! Há quatro horas
recebemos um pedido de socorro da Kitara. A nave se encontrou com uma nave
robotizada dos maahks e ficou exposta ao fogo intenso da mesma. E agora o senhor quer
me contar que o homem que acaba de ser encontrado é o técnico Hallgan, que viajava a
bordo da Kitara...?!
***
— Se for verdade...! — disse Perry Rhodan e bateu com o punho direito na palma
da mão esquerda.
Atlan sorriu com uma expressão irônica.
— É verdade. Quanto a isso não tenha a menor dúvida. Eu sabia desde o começo
que havia algo de errado.
— Você... e Gucky! — confirmou Perry Rhodan.
A conversa estava sendo travada no aposento particular de Atlan, a bordo da nave
Crest II. A Crest, que era a nave-capitânia da frota do Império Solar, estava estacionada
em Kahalo. Fazia pouco mais de uma hora que o cruzador de patrulhamento Casso tinha
pousado no planeta. O Major Pol Kennan acabara de apresentar um relato minucioso. O
morto estava sendo examinado na clínica de bordo da Crest. O resultado dos exames seria
entregue a qualquer momento.
Reginald Bell, que se encontrava nos fundos da sala grande e relativamente modesta
pediu a palavra. Fazia pouco tempo que tinha chegado de Opposite.
— As provas que vocês apresentaram ainda não permitem nenhuma conclusão —
objetou. — É possível que o homem tenha caído da nave antes que a Kitara transmitisse o
S.O.S. Isso liquidaria a teoria de vocês, não é mesmo?
— Você acha que a Kitara teria ficado quieta ao notar a perda de um homem? —
respondeu Perry.
— Talvez não tenham percebido logo.
Atlan sacudiu a cabeça.
— Como é que alguém poderia desaparecer de uma espaçonave? — perguntou em
tom de deboche. — Mar agitado, e ele não se segurou direito...?
— Muito bem — resmungou Bell. — Só queria esfriar o entusiasmo de vocês.
Como combinam os fatos dentro de sua teoria?
Perry olhou para ele.
— No dia vinte e um de março de dois-quatro-zero-um — recapitulou — cinco
homens saem da Galáxia, para avançar em direção a Horror, fingindo-se de amigos dos
maahks. Trata-se de uma missão suicida que envolve um risco extremo. Os cinco homens
foram atacados pela peste do centro e sua expectativa de vida é de dois meses no
máximo. No dia treze de abril estes homens regressam a Gêmeos, depois de terem sido
resgatados pela Androtest nas proximidades do sistema de Horror. Dois dias depois a
Crest os leva para Kahalo. Uma vez lá, transferem-se para a nave-transporte Kitara, cuja
tripulação é de doze homens. Kahalo é atacado por uma frota dos maahks e a nave-
transporte faz uma decolagem de emergência, seguindo em direção a Opposite. Dali a
pouco volta a chamar do espaço, informando que estava sendo atacada por uma unidade
maahk. Uma explosão nuclear verifica-se nas imediações da posição indicada pela nave
cargueira. As comunicações pelo rádio são interrompidas. Posteriormente ficamos
sabendo que Kostra-Nor examinou os cinco homens depois que eles regressaram e não
constatou o menor sintoma da peste do centro. E agora, depois que, segundo se afirma, a
Kitara foi para os ares, um membro da tripulação da mesma é encontrado no espaço,
vagando no interior de um traje espacial intacto. Ao que tudo indica, o homem morreu
envenenado.
Interrompeu-se e fitou Bell com uma expressão de curiosidade.
— Será que você não desconfia de que há algo de errado nesta história?
Reginald Bell balançou a cabeça angulosa.
— Depende. Caso você não queira aceitar uma explicação mais inocente, só resta a
conclusão de que os cinco homens estão sujeitos a alguma forma de influência que os
obriga a trabalhar para os maahks. Não é isso que você quer dizer?
— Exatamente.
— Quer dizer que nem mesmo os médicos mais competentes que possuímos são
capazes de constatar essa influência?
— Essas coisas acontecem. Afinal, os maahks são uma raça completamente
diferente da nossa, com uma civilização bem diversa. Nossos métodos de pesquisa
médica foram adaptados principalmente à biologia humanóide. Por isso é possível que
muita coisa proveniente de uma esfera não-humanóide lhes escape. Vamos...
Rhodan foi interrompido pelo intercomunicador. Atlan respondeu ao chamado. Era
o médico-chefe da clínica de bordo.
— Já temos o resultado dos exames preliminares, senhor. Hallgan morreu
envenenado. Os sintomas correspondem aos de uma intoxicação pelo monóxido de
carbono. Hallgan respirou um gás que é absorvido mais facilmente pela hemoglobina do
sangue que o oxigênio. Só há traços de oxigênio em seu sangue. Morreu sufocado.
Perry usou outro microfone para fazer uma pergunta.
— Identificou o gás venenoso?
— Não senhor. Não foi possível. Deve ser uma substância que não conhecemos, e
que se decompõe depois de certo tempo. Os produtos da decomposição do gás puderam
ser detectados. Havia um teor elevado de sais de amoníaco no sangue de Hallgan.
Perry fechou os olhos por um instante.
— Muito obrigado — disse depois de algum tempo e desligou.
Por um instante um silêncio constrangedor encheu o gabinete de Atlan. Rhodan
rompeu o silêncio.
— É claro que isto ainda não permite uma conclusão definitiva — disse em voz
baixa e bastante controlado. — Mas acabo de me lembrar de que a atmosfera que os
maahks respiram contém bastante amoníaco.
2

A despedida de Pol Kennan e Hilar Kinsey foi mais sentimental do que o primeiro
imaginara. Pela primeira vez — desde que Pol o conhecia — aquele homem magro e
ossudo demonstrou uma coisa parecida com um interesse pessoal. Quando Pol lhe
estendeu a mão, Kinsey deu uma palmadinha em seu ombro.
— Sinto muito que tenha de ir embora, major — disse em voz alta. — Mas a
transferência representa uma vantagem para o senhor. Quase chega a ser uma promoção.
A Ploféia... bem, é uma boa nave. Mantenha-se em forma. Sempre que fizer um bom
trabalho, diga que já serviu na Casso. Quando fizer uma bobagem, fique bem quietinho.
Entendido?
— Entendido, senhor — respondeu Pol com um sorriso de deboche.
Fez sua mudança. A Ploféia era um couraçado de oitocentos metros de diâmetro,
comandada pelo Coronel Felipe Hastara. Estava estacionada no mesmo campo de pouso
que a Casso, que era bem menor, cerca de duzentos quilômetros ao sul das pirâmides
dispostas em hexágono. Pol entrou num planador que o levou à eclusa inferior da
gigantesca nave. Enquanto sua bagagem estava sendo carregada, ficou refletindo sobre
sua situação. Com seus trinta e dois anos era um major bem jovem. O posto de imediato
de um cruzador de patrulhamento correspondia ao seu tempo de serviço, que era bastante
reduzido. Agora passaria a exercer as funções de imediato da Ploféia. Tratava-se de um
posto que costumava ser ocupado por um tenente-coronel. Hilar Kinsey tinha razão. A
transferência quase chegava a ser uma promoção.
Usou o elevador expresso para subir ao convés de comando. Enquanto se dirigia ao
camarote particular do Coronel Hastara, lembrou-se de que se esquecera de fazer-se
anunciar. Resolveu passar pelo camarote e ir à sala de comando para reparar a falha. Mas
a escotilha do camarote abriu-se. Um homem pequeno e delicado, de seus quarenta anos,
com cabelos negros, olhos brilhantes e um bigode que quase chegava a ser bem cuidado
demais entrou no corredor. Usava uniforme e insígnias de coronel. Pol fez continência,
ficando numa impecável posição de sentido.
— Cale a boca, major! — gritou o homenzinho.
Pol respondeu com um olhar de perplexidade.
— O senhor não é Pol Kennan?
A voz do baixinho parecia um pouco forçada, mas não chegava a ser antipática.
— Perfeitamente, senhor. Venho da Casso. Peço permissão para apresentar-me para
entrar em...
— Ora veja! Eu já lhe disse que deve calar a boca.
Pol parecia cada vez mais confuso.
— Queira desculpar, senhor. Não estou compreendendo.
— O senhor não se despediu do Tenente-Coronel Kinsey?
— Sim senhor.
— E ele não lhe disse que só deve mencionar o nome da nave em que serviu quando
estiver causando uma boa impressão?
Pol arregalou os olhos.
— Mais ou menos...
— Ele disse textualmente: Quando fizer um trabalho bem feito, diga que serviu na
Casso. Quando fizer uma bobagem, fique quietinho. Não foi?
Pol engoliu em seco.
— Perfeitamente, senhor. Foi o que ele disse.
Hastara continuava com o rosto muito sério.
— Pois o senhor fez uma bobagem. Devia ter-se feito anunciar. Por que mencionou
o nome de sua nave?
De repente deu uma gargalhada. Estendeu a mão para Pol e divertiu-se a valer com
o rosto apavorado do mesmo.
— Seja bem-vindo a bordo, major. Não me leve a mal a brincadeira que acabo de
fazer. Servi cinco anos sob as ordens de Hilar Kinsey e sei qual é o conselho que costuma
dar quando seus subordinados se despedem. Vamos. Vou apresentá-lo aos oficiais...
Pol foi à sala de comando em companhia de seu novo comandante. Sentia-se um
pouco confuso, mas estava bem impressionado. Encontrou todos os oficiais da Ploféia
reunidos. Pol teve de fazer a ronda e sacudiu quatro dezenas de mãos. Só depois disso
teve permissão para dar uma olhada em seu camarote e instalar-se no mesmo.
Como era o imediato da nave, ocupava dois aposentos situados ao lado da suíte do
comandante. Esvaziou suas bolsas e constatou que seus pertences não ocupavam metade
dos armários e gavetas. Teria de aumentar seu enxoval. Era o mínimo que poderia fazer
como imediato de um couraçado.
Enquanto ia tirando suas coisas, pôs a mão num livro de bolso. Estava impresso em
inglês e trazia o título Last Horizon. Pol endireitou o corpo e ficou parado por um
instante. Todo compenetrado, abriu a primeira página e leu as palavras que alguém tinha
lançado no papel: Para você refletir. Uma oferta do Cole.
Num gesto apressado, como se quisesse afastar estes pensamentos, atirou o livro de
volta para dentro da bolsa. Continuou a arrumar suas coisas, mas o livro não lhe saía mais
da cabeça. O livro e Cole Harper, que lhe dera o mesmo.
Cole fora seu amigo. Fora. Contraíra a peste do centro numa das inúmeras viagens
que fizera ao setor central da Galáxia. A última coisa que Pol ouvira dele é que havia sido
transferido para Asto IV. A população de Asto IV era formada por inválidos ou pessoas
que sofriam uma doença incurável. As pessoas que contraíam a peste do centro eram
transferidas para este mundo, para passar o resto dos seus dias no ambiente paradisíaco
desse planeta semelhante à Terra. Pol chegara a solicitar uma licença para ir ao planeta e
visitar Cole. A licença fora negada. Voltara a tentar, mas o resultado fora o mesmo. Viu
que assim não conseguiria nada e resolveu falar com Cole pelo hipercomunicador.
Alguém respondeu ao chamado em Asto IV, mas este alguém disse que sentia muito, mas
o Capitão Cole Harper não poderia falar com mais ninguém.
Foi um golpe duro para Pol. Sempre se entendera muito bem com Cole. Tinham
servido juntos na Calcutá, quando eram tenentes, e as viagens nessa nave eram perigosas
e excitantes.
Cole Harper estava morto. “Já está na hora de eu me conformar com isso”, pensou
Pol e enfiou a bolsa em que não havia mais nada além do livro em um dos armários.
***
Cole Harper fez pontaria com cuidado. Queria acertar a extremidade inferior da
caixa metálica. Era onde ficava o distribuidor. Se a caixa fosse para os ares por estar
submetida a uma sobrecarga, as marcas da destruição seriam mais nítidas nos restos da
parte inferior da caixa. Tudo tinha sido muito bem pensado. Só podia dar certo.
Cole comprimiu o acionador da arma. O raio branco ofuscante da arma energética
atingiu de raspão a borda inferior da caixa. Uma onda de calor espalhou-se. O metal
estalava enquanto ia inchando, ficou incandescente e começou a pingar no chão. Cole deu
um passo para trás.
Dali a um minuto o trabalho estava concluído. O conjunto energético central do
hipertransmissor deixara de existir. Fragmentos incandescentes estavam espalhados pelo
chão. Cole ficou satisfeito com o resultado. Era como se a caixa tivesse ido para os ares
por ter trabalhado em regime de sobrecarga.
A Kitara não tinha mais nenhuma possibilidade de entrar em contato com o mundo
exterior. Isolada, ficou vagando lentamente pelas imensidões salpicadas de estrelas do
centro galáctico. Caso fosse abordada por uma nave terrana, poderiam perfeitamente
alegar que o antigo comandante tinha expedido o S.O.S. antes da hora, mas que na
verdade as salvas da nave maahk não tinham atingido a Kitara em cheio. As marcas dos
tiros que teriam atingido a nave de raspão apareciam em toda parte, e Cole Harper fizera
um trabalho paciente e persistente para que realmente tivessem este aspecto.
Voltou a olhar em torno. Quando se dispunha a abandonar a sala de rádio, o
intercomunicador chamou. Cole ligou o receptor e viu o rosto de Halgor Sorlund
projetado na tela.
— Já terminou aí embaixo? — perguntou Halgor, esticando as palavras como era
seu costume.
— Terminei neste instante — respondeu Cole.
— Pois então está tudo liquidado. Venha ajudar aqui. Cole confirmou com um gesto
e desligou. Enquanto caminhava lentamente em direção à escotilha, perguntou-se por que
de repente não suportava Halgor Sorlund. Halgor era o oficial mais antigo a bordo da
Kitara, depois que a tripulação propriamente dita tinha sido morta com gás venenoso e
seus cadáveres foram expelidos pelas eclusas de detritos, depois de enfiados em trajes
espaciais. Halgor comandava a nave da forma fleumática que lhe era peculiar. Fazia de
conta que as ordens que dava não o interessavam nem um pouco, e que tanto fazia que as
mesmas fossem cumpridas ou não. Até pouco tempo atrás Cole se dava muito bem com
ele. Tão bem como um ser artificialmente gerado pode dar-se com outro ser da mesma
espécie, já que os dois estão ligados por uma finalidade comum.
Fazia mais ou menos um dia que isso tinha mudado. Cole Harper não se sentia
muito bem no papel que estava desempenhando. Um mal-estar persistente o afligia. Não
era que tivesse qualquer dúvida quanto à finalidade da missão que estavam
desempenhando. Afinal, fora muito bem condicionado para a mesma. De dois em dois
minutos tinha a impressão de que havia um relógio em seu cérebro, que o fazia recordar
dolorosamente que seus sentimentos e pensamentos não eram os de um ser humano, mas
sim de um maahk. No entanto, sentia-se como se estivesse no lugar errado. Preferiria que
outra pessoa fizesse o trabalho que tinha de executar por ordem de Halgor. Nas últimas
dez horas destruíra uma porção de aparelhos importantes e colocara o interior da Kitara
num estado que faria supor que houvera uma explosão nuclear nas imediações da nave. A
cada minuto que passava, sentia mais repugnância pelo trabalho que estava fazendo. Em
algum lugar, bem no fundo de seu subconsciente, havia uma coisa que o deixava
perturbado.
Entrou no elevador antigravitacional e subiu ao porão de carga principal. A Kitara
era uma nave-transporte. A potência de seus propulsores era relativamente baixa, mas em
compensação sua capacidade de carga era extremamente elevada. O porão principal
ocupava todo o interior da nave, do convés B ao convés D. Tratava-se de um pavilhão de
cinqüenta metros de comprimento e igual largura, por quarenta metros de altura. Cole
passou por uma escotilha e entrou no recinto gigantesco, vindo do lado em que ficava a
sala de comando. Toda vez que entrava ali, sentia-se perturbado pelos inúmeros aparelhos
espalhados no chão. O fantasma do Cole Harper que já estava morto parecia andar por aí.
Cole Harper fora biofísico. O cérebro que era uma cópia perfeita do original dispunha de
conhecimentos extensos nesta área, mas a técnica mecânica lhe era completamente
estranha.
Halgor Sorlund estava de pé no porão. Embora estivesse com o corpo ligeiramente
encurvado, via-se que tinha um metro e noventa e quatro. Quando viu Cole, fez um sinal
com o braço direito. Cole viu que estava movendo os lábios, mas à distância de vinte
metros em que se encontrava não entendeu uma palavra.
Son-Hao, um chinês pequeno e delicado, estava a uns dez metros dele.
— Ele quer que você ande depressa! — gritou.
Imar Arcus e Hegete Hegha encontravam-se alguns metros atrás de Halgor.
Estavam inclinados sobre um estranho aparelho. Pareciam entretidos na observação do
mesmo, pois nem sequer levantaram a cabeça à entrada de Cole.
— Dê uma mão a eles — disse Halgor em tom indolente.
Cole hesitou.
— Vou ver o que posso fazer.
Imar e Hegete conversavam em voz baixa. Imar era um homem alto e tinha os
ombros mais largos que Cole já tinha visto. Parecia antes um campeão de luta livre que
estivesse inclinado sobre sua vítima, para ver se a mesma ainda fazia algum movimento.
Hegete estava de joelhos e pôs-se a mexer no revestimento do estranho aparelho, que
tinha o aspecto de uma granada de um metro e meio de altura.
Cole olhou para os dois homens. Estes não lhe deram nenhuma atenção. Olhou em
torno e viu Halgor mexer com uma peça do aparelho. Por um instante sentiu uma
tendência quase irresistível de pegar uma das peças metálicas espalhadas por ali e golpear
a cabeça de Halgor com a mesma. Mas logo se espantou com esta idéia. Por que tivera
vontade de fazer uma coisa dessas? Halgor e ele estavam trabalhando em conjunto. As
dificuldades vindas de fora eram muito grandes. Se começassem a brigar, estariam
praticamente perdidos.
Dirigiu-se a Son-Hao, que acabara de pôr de pé, por meio de um guindaste, uma
coluna de um metro de espessura e cerca de oito metros de altura. A figura metálica
erguia-se, brilhante e imponente. Son-Hao passou os dedos pela superfície lisa.
— Posso ajudar? — perguntou Cole.
Son encolheu-se. Parecia assustado.
— Sim, naturalmente — respondeu em tom apressado. — Ajude-me a procurar.
— OK — resmungou Cole. — O que vamos procurar?
Son recuou um passo e mediu a coluna com os olhos.
— Isto é o projetor geral — explicou. — Recolhe os impulsos pré-constituídos,
vindos daqueles aparelhos — apontou para o lugar em que estavam Imar e Hegete. —
Estes impulsos são ligados para formar um sinal de estrutura bem definida, para depois
serem irradiados. Este sinal, por sua vez, libera um canal lateral, situado em posição
perpendicular em relação à via de transporte do sistema de transmissores formado por
Kahalo e pelos sóis dispostos em hexágono. Em outras palavras, retiraremos energia do
transmissor. Tudo que deveria chegar a Kahalo, acabará materializando nas imediações
da Kitara. Entendido?
— Mais ou menos. O transmissor não está equipado para este tipo de trabalho, não é
mesmo?
— É verdade. Talvez não se deva dizer que o aparelho retira energia do sistema de
transmissores. Trata-se antes de um rompimento do canal regular do transmissor. Dada a
estrutura do sinal, uma parte considerável do campo transportador é interrompida no
ponto em que este atinge o canal de comunicação, fazendo com que este seja dirigido
para cá.
— Isso não exige quantidades muito grandes de energia?
Son-Hao acenou fortemente com a cabeça.
— É claro que sim. O aparelho com que Halgor está mexendo é o arco gerador. A
longo prazo é capaz de gerar até um milhão de megawatts. A curto prazo suporta uma
sobrecarga que permite gerar até mil vezes esta potência.
Para Cole estes números não significavam muita coisa. Mas conseguiu imaginar que
devia tratar-se de um volume tremendo de energia.
— Por que isso tem o nome de arco gerador?
Son-Hao lançou-lhe um olhar desconfiado.
— Trata-se de um condensador gravitacional. Um campo dirigido provoca um
colapso gravitacional em certa porção de matéria. Esta passa por um processo de
condensação e, uma vez atingida a densidade crítica, desaparece do nosso Universo. A
curvatura do espaço fecha-se em torno dela. O processo libera certa quantidade de
energia gravitacional. O campo orientado é em forma de arco. Por isso o aparelho é
conhecido como arco gerador.
Cole Harper ficou quieto de repente. Prestou atenção ao que se passava em seu
interior e notou que os conhecimentos que Son lhe estava transmitindo saíam
simultaneamente de seu subconsciente. Até parecia que tinham estado armazenados lá o
tempo todo e que ele mesmo poderia ter respondido às perguntas que acabara de fazer,
desde que refletisse bastante.
Não era a primeira vez que sentia o afloramento de um saber estranho em sua
mente. Isso acontecia toda vez que falava ou pensava em alguma coisa que o verdadeiro
Cole Harper não sabia, ou melhor, não poderia saber, porque a tecnologia de sua raça
ainda não havia evoluído bastante. Quando isso acontecia, começava a tomar consciência
das informações adicionais introduzidas em seu cérebro, porque o mesmo teria de
cumprir certas tarefas que exigiam tais conhecimentos.
Qualquer pessoa que lidasse com campos de transmissão, quer fosse terrano,
arcônida ou maahk, sabia de que maneira o campo de transporte de um transmissor
comum podia ser interrompido e conduzido em outra direção. O verdadeiro Cole Harper
não entendia nada disso, porque sua especialidade era bem diferente. Este conhecimento
não fora transmitido ao cérebro artificialmente copiado, para evitar que ocorresse uma
perda de identidade. Mas o mesmo tinha sido informado sobre o funcionamento do arco
gerador, pois tratava-se de uma informação que não estava ao alcance de nenhum terrano
e que se tornava imprescindível ao êxito da missão que o grupo teria que desempenhar. O
que aconteceria, por exemplo, se Halgor e Son-Hao, Imar e Hegete morressem de
repente? Neste caso teria de estar em condições de executar a tarefa sozinho.
— Como é? — disse Son em meio aos seus pensamentos. — Já podemos...?
Cole sorriu. Parecia um pouco embaraçado.
— Podemos. Vamos procurar o quadro de comando. A coluna será transportada no
interior da bolha energética. Todas as peças têm de ser cuidadosamente protegidas contra
qualquer influência externa. O quadro fica atrás de uma portinhola hermeticamente
fechada. Basta comprimir o acionador com o dedo, e a portinhola se abre
automaticamente.
Son sorriu e acenou com a cabeça. Estava satisfeito.
— Você voltou a pensar sem rodeios — disse em tom de elogio.
Dali a duas horas Cole estava sozinho na sala de comando da Kitara, observando as
telas. Já não precisavam de seu auxílio no porão de carga. A trilha de desvio de impulsos
era um conjunto que no momento adequado retiraria parte da energia do canal de
transporte regular do transmissor solar e levaria o objeto necessário à execução da tarefa
para perto da Kitara. A interferência nas atividades do transmissor seria imperceptível
para qualquer pessoa que não estava preparada para o acontecimento. Os terranos, que
controlavam firmemente o transmissor solar e a conexão de Gêmeos, nem desconfiariam
que um objeto estranho estava sendo introduzido em sua Galáxia.
A Kitara deslocava-se praticamente em queda livre, mantendo constante a
velocidade. Atravessava os setores da Galáxia situados nas proximidades do centro. Os
homens que se encontravam a bordo da nave sabiam que o perigo de serem descobertos
por uma espaçonave do Império era bastante grande. Fazia mais de vinte horas que a
velha nave transportadora tinha saído de Kahalo. Isso aconteceu no instante em que o
transmissor começou de repente a expelir grandes contingentes de naves robotizadas dos
maahks, que passaram a travar uma batalha renhida em torno do planeta. A Kitara
decolara em conformidade com as ordens recebidas, a fim de escapar ao bombardeio
pelos maahks. O piloto a trouxera de volta ao Universo normal a algumas centenas de
anos-luz de Kahalo.
Dali a pouco teve início a fase seguinte do plano para Halgor e seus homens. Hegete
Hegha tirara a cápsula de veneno da prótese da perna e introduzira o gás concentrado no
sistema de distribuição de ar. Dentro de alguns minutos os doze tripulantes estavam
mortos. Os agentes empurraram os cadáveres pela eclusa de detritos. A seguir fizeram
detonar uma bomba nuclear e pouco antes que a mesma explodisse no espaço
transmitiram um S.O.S.
Diante disso a frota do Império registrou a destruição e a baixa da nave Kitara.
Mas ainda havia um perigo. Era possível que uma das naves de patrulhamento
terranas que circulavam aos milhares nessa área para proteger Kahalo localizasse a nave
que se acreditava tivesse sido destruída. O alcance dos rastreadores terranos era
impressionante. Era bem verdade que todos os aparelhos que geravam e consumiam
energia no interior da Kitara tinham sido desligados, com exceção daqueles
imprescindíveis à vida a bordo da nave, a fim de eliminar o perigo do rastreamento
energético. Acontece que até mesmo um corpo metálico completamente inerte poderia ser
detectado a alguns milhões de quilômetros de distância. Como o número das naves do
Império que cruzavam a área era muito grande, não seria nada improvável que alguma
delas se aproximasse a menos que a distância crítica. Halgor incumbira Cole de ficar na
observação. Exatamente de cinco em cinco minutos acionava o rastreador de matéria e
deixava que o mesmo vasculhasse todo o setor espacial durante alguns segundos.
Tratava-se de um instrumento que consumia pouca energia, mas registraria a presença de
qualquer objeto de mais de dez metros de diâmetro que se encontrasse num raio de oito
milhões de quilômetros.
Cole olhou para o grupo compacto de estrelas projetado nas telas e pôs-se a matutar.
Os acontecimentos mais recentes, especialmente o ódio que de repente passara a sentir
por Halgor Sorlund, davam-lhe que pensar. Lembrou-se da evolução de sua
personalidade e tentou descobrir um ponto de partida que lhe permitisse tatear na
escuridão que cercava sua mente.
Tinha sido gerado num mundo que servia de base, situado na ilha sideral
denominada Andro-Alfa. Formara-se à base de energia, conforme dissera o verdadeiro
Cole Harper. Na verdade sua idade não passava de quinze dias terranos. Mas seu cérebro
era a cópia fiel do cérebro de Cole Harper, com o qual se igualava até o último grupo de
moléculas, e nele estavam armazenadas todas as recordações do original. Sabia onde o
mesmo tinha estudado e quais foram seus amigos. Sabia quando sentira pela primeira vez
o desejo de tornar-se cosmonauta. Lembrava-se perfeitamente dos sacrifícios e privações
por que tivera de passar para ver cumprido este desejo. Recordava-se de todos os detalhes
da vida de Cole Harper, da mesma forma que este se lembrava.
Mas sabia mais que o verdadeiro Cole Harper. Sabia como funcionava um gerador
de arco. Sabia que em breve a Galáxia sofreria uma invasão, isto se Halgor e seus
companheiros conseguissem cumprir integralmente sua missão. Sabia que uma
gigantesca espaçonave comandada por Grek-1 apareceria nas imediações da Kitara, assim
que a trilha de desvio de impulsos tivesse sido instalada e o momento apropriado
chegasse. Eram coisas que o verdadeiro Cole Harper não sabia.
No entanto...
As informações adicionais tinham sido introduzidas à força na mente da cópia; não
tinham surgido naturalmente. Estavam gravadas na memória que nem um conjunto de
anotações cuidadosamente lançadas numa placa de escrita. Tinham sido inoculadas nele
que nem um remédio capaz de aumentar suas chances de sobrevivência. Não faziam parte
de seu consciente, mas somente da memória.
“Qual é a diferença que existe entre mim e o verdadeiro Cole Harper?”, perguntou
Cole a si mesmo.
Encontrou algumas respostas corriqueiras. “Sei mais que Cole Harper”, ou então,
“Cole Harper está morto e eu estou vivo.” Mas não era isso que ele queria saber. Desde
que começara a sentir um ódio inexplicável por Halgor Sorlund ficara desconfiado.
Queria saber se existia uma possibilidade de a consciência do verdadeiro Cole Harper
romper as barreiras que o criador de seu cérebro artificial introduzira no mesmo.
Lembrou-se de que por enquanto não tivera nenhuma dificuldade em desempenhar seu
papel. Era a duplicata de um terrano, uma duplicata perfeita, que ninguém conseguiria
distinguir do original. Tinha as mesmas simpatias e aversões de um ser humano. Mas não
tinha a menor dúvida de que era um maahk. Ou, se não pudesse ser considerado um
membro dessa raça, era ao menos um produto da mesma, à qual devia favores.
A mudança foi lenta e passo a passo. Só naquele momento tornara-se nítida a ponto
de não haver mais a menor dúvida. Cole tinha a impressão de que as barreiras do
consciente, levantadas por seus criadores, estavam ficando cada vez mais fracas. Restava
saber quanto tempo levaria o eu original de Cole Harper para fortalecer-se o suficiente
para derrubar essas barreiras.
E então? O que aconteceria?
Cole teve suas dúvidas de que fosse haver uma alteração total. Não acreditava que
um dia pudesse sentir pelos terranos a mesma lealdade que dedicara aos maahks logo
após sua criação. Mas de uma coisa tinha certeza. Uma vez completada a alteração, já não
teria nenhum interesse em colaborar no projeto de Halgor Sorlund. Afinal, este projeto
era perigoso, e ninguém se dispõe a enfrentar o perigo sem que haja um motivo para isso.
Seria preferível manter relações amistosas com os terranos, pois era deles que partia o
perigo. Talvez conseguisse chamar sua atenção para a presença da Kitara sem que Halgor
percebesse. Teria de inventar uma história que afastasse todas as suspeitas. Não
acreditava que as desculpas que Halgor tinha preparado Pudessem enganar os terranos
por muito tempo. Talvez tosse preferível que ele mesmo explicasse espontaneamente a
verdadeira situação, assim que os terranos pusessem os pés na Kitara. Os terranos não
dariam maior importância ao fato de ele ser apenas uma duplicata. Levá-lo-iam a um dos
seus mundos — para bem longe dos setores da Galáxia nos quais os maahks pudessem
penetrar. E era exatamente este seu objetivo. Continuaria vivo.
Encontrou forças para fazer ironia consigo mesmo. Cole Harper certamente fora um
homem muito forte. Fazia apenas algumas semanas que tinha saído da retorta — e já se
sentia atraído para a vida.
Procurou imaginar como seria sua vida: Dispunha do arsenal enorme de recordações
de Cole Harper, que já estivera em inúmeros mundos da Galáxia. Talvez chegasse a ver a
Terra, que era o centro do Império Solar e o berço da Humanidade. Achava que seria
mais que justo que lhe mostrassem o planeta em que tinha nascido a raça segundo cuja
imagem fora feito.
Lançou um olhar distraído para o relógio e viu que estava na hora de acionar o
rastreador de matéria. Ligou o aparelho sem dar muita atenção ao que estava fazendo.
Mal empurrou a chave-mestra, um ponto luminoso apareceu na superfície verde da tela
de ecos.
No mesmo instante uma estranha transformação se verificou em seu consciente.
Cinco segundos atrás ainda estava disposto a chamar a atenção da nave cuja presença
acabara de ser constatada para a presença da Kitara, na intenção de abandonar o projeto e
colocar-se em segurança. Mas de repente nem pensou mais nisso. Até parecia que a
mancha luminosa projetada na tela despertara um reflexo inconsciente em seu cérebro.
Sabia o que tinha que fazer. Halgor precisava ser informado. Enquanto a nave
terrana estivesse por ali, não poderiam ligar nem mesmo uma tesoura automática. Cole
conhecia os hábitos dos comandantes das naves terranas. Os rastreadores de energia
funcionavam ininterruptamente. Os rastreadores de matéria, cujo alcance não era tão
grande, só costumavam ser ligados quando isso se tornava necessário para realizar as
manobras. A Kitara tinha uma chance de passar sem que sua presença fosse notada. Mas
era necessário informar Halgor.
No momento em que pegou o microfone, a consciência reprimida de Cole Harper
começou a revoltar-se. Mas a compulsão vinda do nada era mais forte. O humanóide
voltara a ser aquilo que devia ser segundo a vontade de seu criador: um instrumento dos
maahks.
Cole nem esperou que Halgor respondesse ao chamado. Aproximou o microfone da
boca e gritou:
— Nave desconhecida. Distância de oito milhões de quilômetros!
3

Perry Rhodan parecia mais sério que de costume. Quando Atlan e Reginald Bell
entraram em seu gabinete, limitou-se a acenar com a cabeça. Fazia apenas dois minutos
que tinha feito uma ligação para pedir aos dois que viessem o mais depressa possível.
Não esperou que Bell encontrasse uma cadeira que lhe servisse. Principiou
imediatamente.
— Natã fez a análise dos fatos. Diante dos dados introduzidos no computador
impotrônico, o mesmo chegou à conclusão inequívoca de que a explosão da Kitara foi
uma farsa, e de que Halgor Sorlund e seus companheiros são agentes dos maahks.
Atlan acenou com a cabeça. Não disse uma palavra. Bell fitou-o com uma expressão
de surpresa.
— Natã não conseguiu chegar a qualquer conclusão sobre como foi possível obrigar
os cinco homens a colocar-se a serviço dos maahks — prosseguiu Rhodan. — Por
enquanto o centro de computação não pode prestar qualquer informação sobre os
objetivos dos agentes. Quanto a estes, podemos supor que tenham sido hipnotizados ou
transformados, ou que não se trata dos mesmos homens que saíram daqui há algum
tempo, mas de simples copias dos mesmos. Quem sabe de que recursos dispõem os
maahks? É difícil explicar como um fato de tamanha gravidade pôde escapar aos nossos
médicos e biólogos. Mas no momento isso não tem muita importância.
— O que realmente importa é descobrirmos o que essa gente veio fazer por aqui.
Quais são seus planos? É o que podemos fazer para evitar que os mesmos sejam
executados?
Atlan voltou a levantar-se. Parecia muito nervoso. Fez uma ronda completa em
torno da enorme escrivaninha que ficava no centro da sala, com os braços cruzados nas
costas e a cabeça abaixada.
Parou à frente de Rhodan.
— O objetivo dos maahks só pode ser um — exclamou em tom exaltado. — Invadir
a Galáxia!
Rhodan ouviu-o com muita atenção. Reginald Bell, que estava sentado numa
poltrona muito confortável, disse em tom de deboche:
— Formidável! Já conseguiram introduzir cinco homens entre nós. Se prosseguirem
na mesma velocidade, dentro de dez mil anos completarão sua obra...
— Os cinco homens não formam um grupo de invasão — interrompeu Atlan em
tom áspero. — Talvez tenham vindo para fazer um reconhecimento. É uma possibilidade.
Outra possibilidade é que disponham de meios que os ajudem a... a...
Fez um gesto de perplexidade e de raiva, atirando os braços para o alto, e exclamou:
— Meu Deus! Não sei... Ninguém pode imaginar do que seriam capazes os maahks!
O fato é que estou prevenindo há muito tempo, mas ninguém quer me ouvir. Com os
maahks não se brinca. E volto a prevenir. Procurem a Kitara e prendam os cinco homens
que estão na mesma...
Interrompeu-se ao ver Rhodan acenar animadoramente com a cabeça.
— Não fique nervoso, meu chapa — pediu em tom delicado. — Penso exatamente
como você.
Atlan parecia espantado.
— A frota foi colocada de prontidão — prosseguiu Rhodan. — No momento temos
vinte mil unidades nesta área. Basta que as mesmas introduzam pequenas modificações
em sua rotina de rastreamento, e a Kitara não terá chance de escapar.
Bell levantou-se e aproximou-se de Rhodan.
— Já temos um bom ponto de partida que nos indicará onde mais ou menos
devemos começar a procurar — disse. — Acho que Sorlund e seus companheiros farão
tudo que estiver ao seu alcance para não serem descobertos. Quer dizer que não poderão
recorrer aos vôos lineares, pois se os usassem seriam localizados...
— Além disso — interrompeu Rhodan — a Kitara é uma nave antiga e os cinco
homens não seriam capazes de controlar os instrumentos necessários ao vôo linear.
— Quer dizer que para você a tripulação está morta? — perguntou o arcônida.
Rhodan acenou com a cabeça. Estava com o rosto sério.
— Eles mataram Hallgan. Desta forma não se explica por que não teriam matado os
outros. Acho que fazem questão de ficar bem à vontade durante o trabalho, e dessa forma
não vão querer a tripulação por perto.
Por alguns segundos reinou um silêncio constrangedor. Numa discussão que girava
em torno da existência de várias raças cósmicas a morte de doze homens não deveria
assumir muita importância. Mas examinando melhor o assunto, as coisas mudavam de
figura. Os homens do grupo de Sorlund haviam revelado uma falta total de escrúpulos e
um egoísmo imenso ao assassinar os tripulantes da Kitara. Rhodan sentiu que a raiva ia
tomando conta dele.
— O cadáver de Hallgan — prosseguiu com a voz embargada — foi encontrado a
cerca de uma unidade astronômica do lugar em que a Kitara teria explodido. Tenho
certeza quase absoluta de que Sorlund usou uma das bombas que se encontravam a bordo
da Kitara para fazer a encenação. Resta saber a que distância se encontrava a nave
quando a bomba explodiu. A conclusão a que se chega é que nossa situação não é das
mais felizes. Temos um ponto de referência e podemos supor que a Kitara se encontre
num raio de um bilhão de quilômetros em torno desse ponto. É muito espaço para ser
vasculhado, ainda mais se eles forem cuidadosos.
Voltou para trás da escrivaninha e tirou uma folha de uma pilha, colocando-a no
centro da mesa.
— Quero que você comande a operação de busca, Atlan — disse. — Aqui você tem
as diretrizes gerais. Bell e eu cuidaremos das informações enviadas pelas naves que
participarão da operação e que se encontrem em posição mais afastada. Receio que
alguma coisa vai acontecer. A propósito. Só há quatro ou cinco unidades nas
proximidades do ponto em torno do qual acreditamos esteja a Kitara. Acho conveniente
que as mesmas continuem na mesma Posição. Devem ficar com os rastreadores de
matéria ligados É quanto basta. A Ploféia está estacionada lá fora. Mande que saia e se
dirija ao ponto de referência — estreitou os olhos, como se estivesse refletindo sobre
alguma coisa. — Ah, sim! Outro detalhe. Não sabemos se há outros agentes maahks entre
nós. Devemos manter sigilo sobre as operações de busca e as suspeitas que pesam sobre
Sorlund e seus companheiros. Só daremos as explicações necessárias à compreensão das
ordens que forem dadas — esboçou um sorriso irônico. — Se os maahks atacarem, verão
que erraram nos seus cálculos. Mas quando perceberem já será tarde.
***
Pol Kennan não ficou muito surpreso quando o Coronel Hastara lhe pediu que
comparecesse à sua presença. Afinal, já fazia mais de um dia e meio que se encontrava a
bordo da Ploféia, e por enquanto ninguém se dera ao trabalho de investi-lo com as
devidas solenidades no posto que lhe deveria caber.
Mas acabou percebendo que não fora por isso que Felipe Hastara mandara chamá-
lo. Estava só em seu pequeno gabinete e parecia mais sério que de costume. Retribuiu o
cumprimento de Pol e convidou-o a sentar.
— Vamos diretamente ao assunto — principiou e juntou as mãos sobre a
escrivaninha. — A Ploféia decolará daqui a menos de duas horas. Deram-nos uma
missão. Trata-se de um assunto ultra-secreto. Até mesmo eu não sei tudo. E recebi ordens
para, do pouco que sei, só comunicar aos tripulantes o que for estritamente necessário.
Como vê, estou disposto a violar as instruções que recebi. Quero que saiba tudo que me
foi comunicado. Deve haver alguém que seja capaz de assumir meu lugar caso isso se
torne necessário.
Pol tinha algumas palavras de agradecimento bem torneadas na ponta da língua.
Felipe parecia imaginar o que ele pretendia dizer e fez um gesto para que ficasse calado.
— Esqueça — disse num tom que quase chegava a ser áspero. — Normalmente
nem pensaria em transmitir justamente ao meu oficial mais jovem aquilo que sei. Mas
encontramo-nos numa situação toda especial. Portanto, lá vai. Estamos à procura da
Kitara.
Pol arregalou os olhos.
— A Kitara não existe mais, senhor! — exclamou, perplexo.
Felipe acenou com a cabeça.
— Perfeitamente. Era o que pensávamos, até pouco tempo atrás. Quem nos
convenceu do contrário foi o senhor. Deve estar lembrado de Bing Hallgan.
Pol escorregou nervosamente para a frente em sua poltrona.
— Perfeitamente, senhor. É claro que achei estranho que tivéssemos recolhido um
cadáver intacto, quando depois de uma explosão nuclear só deveriam restar alguns
fragmentos e talvez um ou outro corpo mutilado. Mas...
— Houve outras pessoas que acharam isso estranho — observou Felipe. —
Acharam tão estranho que resolveram consultar Natã.
Isto fez com que Pol se calasse por completo. Ficou imóvel por alguns segundos,
tentando digerir a impressão causada pela informação que Felipe acabara de lhe dar.
Natã, o produto máximo da supertecnologia positrônico-impotrônica! Natã, o sábio!
Natã, o centro de computação que era tão grande que seria capaz de dirigir sozinho os
destinos da Humanidade, caso isso se tornasse necessário. Alguém resolvera consultar
Natã por causa da Kitara. Uma consulta deste tipo só poderia ser apresentada pelos
escalões mais elevados do governo do Império. E se essa gente começava a interessar-se
pelo assunto, devia haver alguma coisa muito importante atrás disso. De repente Pol teve
a impressão excitante de que entrara sem querer num assunto de importância enorme.
— Natã — prosseguiu Felipe em tom calmo e objetivo — acha muito provável que
a Kitara ainda exista, e que o pedido de socorro e a explosão sejam apenas um disfarce. É
claro que isso coloca as pessoas que se encontram a bordo da nave numa situação muito
esquisita. A Kitara é uma velha nave-transporte que tinha doze tripulantes. Bing Hallgan
era um deles. Antes que as naves robotizadas dos maahks aparecessem perto de Kahalo,
cinco homens que não combinavam muito bem com os tripulantes juntaram-se a estes. O
comando supremo da frota incumbira estes homens semanas antes de ir às escondidas a
um dos planetas dos maahks para fazer espionagem. Não sei como isto é feito, mas fui
informado de que os cinco homens foram bem-sucedidos. Permaneceram por pouco
tempo no mundo que serve de base ao inimigo. Este mundo faz parte de uma
concentração de estrelas situada à frente da nebulosa de Andrômeda. Não sei por quê,
mas os homens tiveram de fugir. A fuga foi bem-sucedida. Uma das nossas naves da
classe Androtest recolheu os homens nas proximidades de Horror e levou-os de volta
para Gêmeos. De lá a Crest III os levou para Kahalo, onde foram colocados na Kitara.
Esta nave recebeu ordens para afastar-se assim que os maahks aparecessem nas
proximidades de Kahalo. Alguns minutos depois disso foi transmitido o pedido de
socorro. O resto o senhor já sabe.
Já não havia a menor dúvida. O assunto realmente era importante. Até então
nenhum humano soubera que um punhado de homens conseguira chegar à periferia de
Andrômeda.
— Acredita-se — prosseguiu Felipe — que eles mataram não somente Bing
Hallgan, mas toda a tripulação da Kitara. O crime só pode ter sido cometido pelos cinco
agentes. Quanto aos motivos que os possam ter levado a cometer um ato tão hediondo, só
podemos formular hipóteses. Entre estas hipóteses a mais plausível é a de que estes
homens foram condicionados pelos maahks e resolveram trabalhar para o inimigo. Estão
tramando alguma coisa, mas ninguém sabe o que é. De qualquer maneira, temos de
impedi-los de fazer o que pretendem. Em outras palavras, precisamos encontrar a Kitara e
prender os cinco homens.
Recostou-se na poltrona e fitou as mãos, que continuavam sobre a escrivaninha.
— Vou explicar por que tive de informá-lo sobre isto — disse em voz tão baixa que
Pol mal conseguiu entender o que dizia. — Os cinco homens que, ao que supomos, estão
a bordo da Kitara, são inimigos. Representam uma ameaça à segurança do Império e de
toda a Galáxia. Temos de pô-los fora de ação e tomaremos todas as medidas que se
tornarem necessárias para isso. Entenda bem, Pol. Talvez sejamos obrigados a matá-los.
Pol acenou com a cabeça. Estava confuso e não se sentia muito à vontade.
— Os cinco homens que o comando da Frota havia escolhido para a missão estavam
condenados a morrer. Tinham contraído a peste do centro. Ainda tinham dois meses de
vida. Sabiam disso e acharam que seria uma boa idéia gastar o tempo de vida que lhes
restava na solução de um problema que assume uma importância extraordinária para o
Império.
Ao ouvir falar na peste do centro, Pol lembrou-se de Cole Harper. Espantou este
pensamento. Cole estava morto. Falecera tranqüilamente em Asto IV.
— Se é assim, senhor — objetou — por que vamos preocupar-nos? Os homens
morrerão dentro de pouco tempo, e o problema estará resolvido.
— Não estará, não — respondeu Felipe e seus olhos negros chamejaram. — Os
homens a que acabo de aludir não estão doentes. Não apresentam nenhum sintoma da
peste do centro. Não sabemos por que isso acontece. Talvez os maahks possuam algum
remédio contra esta doença. Talvez outros fatores completamente desconhecidos tenham
interferido no curso da doença. De qualquer maneira, os cinco agentes gozam de boa
saúde e se não conseguirmos pôr a mão neles, poderão cumprir sua missão. Não podemos
permitir que isso aconteça. Fez uma pequena pausa e prosseguiu:
— Afastamo-nos do assunto. Acabo de dizer que é muito importante que estes
homens sejam postos fora de ação. E os sentimentos pessoais não deverão interferir na
ação que leve a isso. Examinei sua ficha individual, Pol. O senhor já foi amigo íntimo de
um homem que desempenha um papel muito importante neste caso. O senhor não deve
permitir que isso interfira com sua atuação. Entendido?
Pol ergueu-se ligeiramente na poltrona.
— Será que o senhor se refere a... — exclamou.
Felipe acenou fortemente com a cabeça.
— Isso mesmo. Um dos homens que se encontram a bordo da Kitara é Cole Harper.
***
Alguém entrou, passando pela escotilha da sala de comando. Cole ouviu-o fungar.
Não virou a cabeça. Continuou a olhar fixamente para o ponto projetado na tela, que
parecia deixá-lo fascinado.
— Era só o que faltava — resmungou Halgor Sorlund com a voz rouca.
Devia ter vindo pela escada. Por isso fungava tanto. O elevador antigravitacional
não podia ser usado. O transporte de um objeto através do campo de gravitação artificial
daria origem à emissão de impulsos energéticos que uma aparelhagem bastante sensível
poderia detectar a grande distância.
— Qual é a direção? — perguntou Halgor.
Cole Harper já esquecera a antipatia que lhe inspirava Halgor. A influência da coisa
estranha que se alojara em seu cérebro e o mantinha sob controle, Halgor lhe parecia um
amigo que se encontrava na mesma situação difícil que ele.
— Rota duzentos e dezoito graus — informou Cole. A nave desconhecida passará
obliquamente à nossa esquerda. No momento de maior aproximação a distância será
inferior a um milhão de quilômetros.
“O diabo sabe que é pouco”, acrescentou em pensamento.
O núcleo da Galáxia estava repleto de radiações residuais emitidas pelos sóis que se
acumulavam no setor. Por isso o rastreamento tornava-se dez vezes mais difícil que nas
áreas periféricas da Via Láctea, onde a distância entre as estrelas era de pelo menos três
ou quatro anos-luz. Mas a uma distância de menos de um milhão de quilômetros as
radiações residuais poderiam ser detectadas até mesmo nessa área, e a nave
possivelmente seria localizada, apesar de todas as precauções que fossem tomadas. Além
disso a Kitara seria projetada que nem uma tocha acesa nas telas da nave estranha, caso
seus ocupantes se lembrassem de acionar os rastreadores de matéria.
Halgor fez alguns cálculos apressados.
— Faltam cerca de duas horas e meia para alcançarmos o ponto de aproximação
máxima — resmungou, contrariado. — Até lá temos de pensar em alguma coisa.
Apoiou o queixo nas mãos e fechou os olhos. Cole começou a ficar nervoso. Que
idéia poderiam ter? Uma nave que não deve ligar seus propulsores não pode mudar sua
rota.
Mordeu os lábios e de repente uma idéia lhe veio à cabeça, vinda do nada. Quis
afastá-la imediatamente, porque parecia muito arriscada. Mas a idéia continuou
obstinadamente em sua mente. Finalmente dirigiu-se a Halgor.
— Preste atenção — pediu. — Sei que você não vai gostar, mas não temos muita
escolha.
Ficou falando durante quinze minutos. Halgor formulou objeções, conforme era de
esperar, mas sua resistência foi diminuindo. Levantou-se.
— É a idéia mais idiota que já ouvi — resmungou. — O que você quer mesmo?
Verniz fosco negro?
— Exatamente — confirmou Cole. — E três bombas nucleares de grosso calibre.
***
A Ploféia decolou no momento combinado e seguiu em direção ao setor espacial de
dois bilhões de quilômetros, em cujo interior se acreditava estivesse a Kitara. Três horas
após a decolagem o couraçado teve um encontro de duas horas com a nave-patrulha EX-
8003, que circulava a quatrocentas unidades astronômicas do setor suspeito, à procura de
eventuais abalos estruturais. O comandante da EX-8003 asseverou que a tripulação de
sua nave não tinha notado nada de extraordinário nas últimas dez horas. Felipe deu
algumas instruções, que em última análise diziam que dali em diante, até o fim da
operação de busca, a EX-8003 ficaria sob seu comando e iria em auxílio da Ploféia toda
vez que isso se tornasse necessário. A EX-8003 era uma nave pequena pertencente à frota
exploradora; seus tripulantes tinham o status de militares, mas em sua maioria eram
cientistas. Os homens não gostavam de ficar circulando a sós e inativos, mas as
instruções de Felipe os deixara ainda mais contrariados. O comandante, que era um
radiólogo que ocupava o posto de major, queixou-se amargamente. Felipe limitou-se a
sorrir amavelmente e disse:
— Meu caro, o senhor deve queixar-se ao destino que os fez vir justamente a este
lugar. Tenho de pegar aquilo em que consigo pôr as mãos. Posso garantir que preferiria
dispor de uma unidade regular da frota em vez de um grupo de cabeças de ovo.
Esta observação não contribuiu para melhorar o relacionamento entre a Ploféia e a
EX-8003. Mas pôs fim às lamentações. A Ploféia afastou-se e seguiu de vez em direção à
área a ser vasculhada.
***
Dali a uma hora viram que o ponto luminoso projetado na tela era um objeto
cilíndrico de pontas arredondadas. Portanto, o veículo espacial que estava atravessando o
caminho da Kitara não era uma nave terrana. Cole Harper respirou aliviado. Estivera
receoso. O objeto cilíndrico que já se havia aproximado a quatro milhões de quilômetros
devia ser uma nave dos saltadores. Cole não tinha a menor idéia do que os saltadores
poderiam estar fazendo em plena área de manobra da frota do Império, mas tinha certeza
de que reagiriam ao seu plano conforme ele esperava.
Imar Arcus e Hegete Hegha continuavam no porão de carga principal, e já tinham
voltado ao trabalho de montar a trilha de desvio de impulsos. O momento crítico se
aproximava, e o aparelho teria de estar pronto quando precisassem dele. Halgor e Son-
Hao fizeram alguns cálculos, enquanto Cole ficava de olho na nave dos saltadores.
Puseram em funcionamento o transmissor automático, que passou a irradiar num ritmo
monótono sempre o mesmo sinal. Sua potência sofria uma variação estatística, dando a
impressão de que havia um defeito no mesmo. Estava regulado de tal maneira que os
saltadores não teriam de ouvir a transmissão quando se aproximassem a menos de dois
milhões de quilômetros.
Halgor continuou na sala de comando, enquanto Son-Hao descia a um dos hangares
e começou a passar verniz negro fosco num carro voador, que os tripulantes da Kitara
costumavam usar para descarregar mercadorias muito sensíveis. Tratava-se de um
veículo bastante desconfortável. Consistia numa plataforma de carga, no assento
completamente aberto do motorista e num potente sistema de propulsão.
Cole Harper recapitulou seu plano pela décima vez. Se não fizessem nada, as
chances de serem descobertos pela nave estranha no momento de maior aproximação
eram aproximadamente de oitenta por vinte. Era um risco que não podiam assumir. Os
saltadores ficariam surpresos e provavelmente pediriam socorro. Mas se os ocupantes da
mesma notassem de antemão que uma nave cujo transmissor de emergência funcionava
ininterruptamente, em base eletromagnética e com um alcance de somente dois milhões
de quilômetros, vagava pelo espaço, aparentemente à deriva, teriam sua curiosidade
despertada e se aproximariam, na esperança de fazer uma presa. Se fosse uma nave
terrana, Cole não teria tanta certeza de que seu plano daria certo. Mas mesmo neste caso
seria de esperar que o comandante resolvesse dar uma olhada no objeto desconhecido
antes de avisar seus superiores. E segundo o plano de Cole ele não teria oportunidade
para isso.
Olhou para o relógio. Eram dezoito horas e vinte e três, tempo de bordo. Dentro de
uma e meia a duas horas poderia dar início à execução de seu plano. Dentro de duas horas
e meia a operação devia ter chegado ao fim e a Kitara se encontraria a alguns milhões de
quilômetros de distância, já que às vinte e uma horas a trilha de desvio de impulsos
deveria entrar em ação.
Cole não se sentia muito à vontade. Lançou um olhar disfarçado para Halgor e
surpreendeu-se ao notar que a velha antipatia que sentia por esse homem voltara a
insinuar-se em sua mente.
4

O patriarca Koltzin manobrava a nave com um cuidado extraordinário. A última


transição o levara a um setor espacial repleto de unidades estranhas. Os impulsos
produzidos pelos vôos lineares vinham de todos os cantos. Koltzin sabia o que significava
isso. Os terranos estavam realizando uma operação em grande escala.
Sua primeira reação iria levá-lo a afastar-se dali o mais depressa possível. Se
efetuasse uma transição rápida, que o levasse o mais longe possível, talvez o deixassem
em paz. Mas logo teve despertada a curiosidade. Queria saber o que os terranos estavam
fazendo por ali. Os boatos mais desencontrados corriam pela Via Láctea. Uma coisa
importante estava acontecendo no centro da Galáxia. Koltzin queria saber o que era.
Sabia perfeitamente que estaria assumindo um risco. Se fosse descoberto, seria de esperar
que o prendessem por alguns dias ou até por várias semanas. O lucro que esperava auferir
com a carga de sua nave dependia principalmente de que chegasse ao destino sem grande
demora. Se levasse algumas semanas, teria de vender sua carga com prejuízo. Mas estava
disposto a assumir o risco. Talvez conseguisse informações que valessem mais que a
carga que estava levando em sua nave.
A tripulação da Koltz LXVI consistia em apenas cinqüenta e cinco homens,
mulheres e crianças. O clã de Koltzin era pouco numeroso. Em compensação tinha
certeza de que podia confiar em sua gente. Quando comunicou sua decisão de
permanecer mais algum tempo na área, não houve nenhuma objeção.
Naquele momento a nave estava sendo pilotada por Koltzin. Em torno dele oito
jovens estavam acompanhando as manobras das unidades terranas e registravam os
resultados das operações em mapas tridimensionais. Pelos cálculos de Koltzin, devia
haver pelo menos vinte naves do Império num raio de dois anos-luz. Esperava que as
manobras dessas unidades lhe pudessem fornecer alguma indicação sobre o que estava
acontecendo.
Koltzin era um homem idoso, com ossos salientes e o corpo ligeiramente inclinado,
mas a perspectiva de desvendar um segredo dos terranos encheu-o com o mesmo
entusiasmo que costumava sentir nos anos mais jovens. Estava sentado na poltrona do
piloto, duro que nem uma estátua, com os dedos da mão direita crispados em torno do
acelerador e a mão esquerda pousada na borda inferior do console, pronta para entrar em
ação. Não tirava os olhos da tela do rastreador. Tudo estava em silêncio na sala de
comando alongada da Koltz LXVI. A tensão eletrizante fizera com que os homens se
calassem.
De repente um chiado agudo rompeu o silêncio. Koltzin continuou imóvel. Parecia
um inseto. Aumentava e diminuía, repetindo-se em rápida seqüência. Koltzin esperou
algum tempo. Um dos seus homens haveria de descobrir do que se tratava.
Finalmente a voz nervosa de Ketzel, que desempenhava as funções de rádio-
operador, se fez ouvir.
— Estamos captando sinais eletromagnéticos, senhor! — exclamou.
— Faça a goniometria — ordenou Koltzin. — E liguem os rastreadores de matéria.
Ouviu-se o ruído de algumas chaves sendo movidas. A sala de comando parecia
adquirir nova vida. As telas verde-escuras dos rastreadores de matéria iluminaram,
lançando um pouco de claridade na penumbra que reinava sobre os comandos.
— É um objeto desconhecido, senhor! — informou alguém. — Está bem perto. A
distância é de dois milhões de quilômetros no máximo.
Koltzin fez um sinal com a mão esquerda. A imagem de eco apareceu em sua tela
de rastreador. O patriarca examinou os dados. O tamanho do objeto correspondia ao de
uma pequena espaçonave. A distância conferia. A Koltz LXVI deslocava-se
obliquamente em direção à nave desconhecida e passaria por ela à distância de cerca de
um milhão de quilômetros. À medida que ia contemplando a tela, Koltzin foi tendo a
impressão de que a nave desconhecida se movimentava em queda livre, tal qual ele
mesmo.
Ficou desconfiado. Se uma nave se deslocava tão devagar em meio à confusão de
estrelas do centro da Via Láctea, devia haver um motivo sério para isso. A Koltz LXVI,
por exemplo, não podia ligar seus propulsores, porque seus ocupantes não queriam que os
terranos localizassem a nave. Será que os motivos da nave desconhecida eram parecidos?
Koltzin prosseguiu em seu raciocínio. Será que os terranos estavam à procura da
nave desconhecida? Quem sabe se a mesma era o motivo da concentração de unidades da
frota que se verificava na área? O patriarca costumava ser bastante ponderado. Mas no
caso poderia arrancar uma presa gorda bem da frente do nariz dos terranos. A presa só
poderia ser gorda, pois do contrário não haveria tantas naves nesta área. Koltzin deixou-
se arrastar pelo entusiasmo.
— O rastreamento e a goniometria conferem, senhor — anunciou o encarregado dos
rastreadores. — Os sinais de rádio são expedidos pelo objeto desconhecido.
Ketzel também soube dar uma novidade.
— Estão transmitindo o código interestelar de pedido de socorro, senhor —
exclamou. — O mesmo é irradiado automaticamente por um transmissor de pequeno
alcance.
Koltzin achou que com isso as coisas mudavam de figura. Ao que parecia, a nave
desconhecida estava avariada. Talvez até estivesse incapacitada de manobrar. Era
possível que nem procurasse esconder-se, mas simplesmente não tinha a possibilidade de
chamar a atenção das outras naves para sua presença.
— Responda ao chamado, Ketzel! — ordenou o patriarca. — Transmita com a
mesma potência que eles estão usando. Não queremos que mais ninguém nos ouça.
O silêncio voltou a tomar conta da sala de comando. Finalmente Ketzel começou a
falar.
— Nave do patriarca Koltzin chamando veículo desconhecido — falava em
intercosmo. — Recebemos seu sinal. Podem ouvir-nos?
Koltzin pôs-se a refletir por um instante sobre se era recomendável citar seu nome.
Achou que não havia motivo para preocupar-se. Não sabia por quê, mas não acreditava
que ainda houvesse alguém vivo na outra nave. Parecia que suas suposições se
confirmavam. Ketzel repetiu o chamado pela décima vez, mas não obteve resposta.
— Pare! — disse Koltzin. — Eles não respondem. Vamos chegar perto deles para
dar uma olhada.
Levantou-se. Os homens esqueceram seus consoles e giraram as poltronas para ficar
de frente para Koltzin.
— Não podemos usar o sistema de propulsão normal — decidiu Koltzin. — Temos
de usar combustíveis químicos para mudar de rota. Ketzel, Vallan, aqui não precisamos
de vocês. Façam o novo direcionamento dos jatos-propulsores. Hortz, calcule a potência
dos jatos e transmita a eles. Jackat, avise os outros.
Todo mundo percebeu a disposição do chefe. O patriarca Koltzin estava prestes a
pegar um grande peixe.
***
— Ele mordeu a isca! — disse Halgor, dando uma risada de deboche.
Cole confirmou com um gesto. Fazia cinco minutos que o saltador tinha respondido
pela primeira vez ao pedido de socorro automático. Repetira várias vezes seu chamado,
mas não obtivera resposta. Cole conhecia os saltadores. A qualquer momento iniciariam a
manobra de mudança de rota. Um saltador não deixaria passar a oportunidade de recolher
uma nave desgovernada, por maior que fosse o risco que estava assumindo.
Aconteceu exatamente aquilo que estavam esperando. Os rastreadores mal e mal
conseguiram captar os impulsos energéticos de pequena intensidade emitidos pelos jatos-
propulsores da nave dos saltadores. Ao que tudo indicava, estavam usando combustíveis
químicos. Dessa forma teriam a vantagem de praticamente não emitir nenhuma radiação
residual na quinta dimensão, que era facilmente captada pelos rastreadores energéticos. O
fato de ter a bordo combustíveis dessa espécie ressaltava uma das características dos
saltadores. Provavelmente não exerciam somente o comércio regular. Também se
dedicavam ao contrabando e levavam um sistema de propulsão química para poder
manobrar a nave sem correr o perigo de ser localizados.
Uma vez completada a mudança de rota, o veículo cilíndrico passou a deslocar-se
em direção a um ponto que ficava exatamente na trajetória da Kitara. Cole fez o cálculo
da rota e tributou ao saltador o respeito que lhe era devido. O mecanismo propulsor que
tinha de usar era mais que rudimentar. Assim mesmo conseguira na primeira tentativa
colocar sua nave numa rota que a faria passar a apenas cinqüenta mil quilômetros da
Kitara. Cole tinha certeza de que até mesmo esta diferença fora perfeitamente calculada.
O saltador precisaria de uma certa tolerância para nos últimos minutos adaptar sua
velocidade à da Kitara, fazendo com que as duas naves se deslocassem à mesma
velocidade e na mesma direção. Cole acreditava que o saltador não teria nenhuma
dificuldade em aproximar-se a menos de cinco quilômetros da Kitara.
Isto combinava perfeitamente com seus planos. Quanto mais próximo estivesse a
nave desconhecida, mais fáceis seriam as coisas para ele.
***
Depois de entrar na nova rota, a Koltz LXVI passou a aproximar-se rapidamente da
nave desconhecida. Koltzin estava satisfeito e nervoso ao mesmo tempo. Seus homens
tinham feito um excelente trabalho. A rota fora muito bem fixada, e o sistema de
propulsão química ainda dispunha de combustível suficiente para realizar a adaptação da
rota.
Quando a nave desconhecida se havia aproximado a cem mil quilômetros, seus
propulsores voltaram a rugir. A Koltz LXVI mudou de rumo. Dentro de dezesseis
minutos a desaceleração neutralizou a componente do deslocamento que se desenvolvia
em sentido contrário ao da nave desconhecida. Ao mesmo tempo a distância entre os dois
veículos reduziu-se para vinte mil quilômetros. Ketzel e Vallan seguiram as instruções de
Hortz, corrigindo o desvio remanescente da rota e imobilizando a Koltz LXVI
relativamente à nave desconhecida. Dali em diante foi relativamente fácil aproximar a
nave cilíndrica do veículo espacial desconhecido. Koltzin achou que seria recomendável
reduzir ao mínimo a distância entre as duas naves, pois dessa forma apareceriam na tela
de um rastreador como um único ponto, a não ser que o rastreamento fosse feito a uma
distância muito reduzida. E Koltzin sabia por experiência própria que quando alguém
procurava uma única nave, a segunda nave escaparia facilmente sem ser percebida.
Koltzin não descansou enquanto Ketzel e Vallan não manobraram a Koltz LXVI
para aproximá-la a menos de quatro quilômetros da nave desconhecida. Certificou-se de
que várias horas se passariam antes que o desvio remanescente se tornasse perceptível e
deu ordem para que os dois homens que se encontravam na sala dos propulsores
voltassem à sala de comando. Receberam suas instruções juntamente com os outros. Pela
primeira vez Koltzin parecia admitir a possibilidade de que a nave aparentemente vazia
poderia ser uma armadilha. Ketzel, que comandaria o grupo de abordagem, recebeu
ordem para manter ininterruptamente contato pelo rádio com Koltzin. Deveria avisar
assim que notasse algo de extraordinário. O patriarca não queria assumir nenhum risco.
Ketzel escolheu cinco homens com os quais abriria a nave desconhecida e entraria
na mesma. Preparou um barco espacial e mandou que os homens se armassem. O
nervosismo crescia a cada segundo que passava. A mancha luminosa branca que
representava a nave desconhecida tremia na tela do rastreador de matéria, ultrapassando
as bordas da mesma. Vallan desligou os aparelhos, porque não havia mais necessidade
dos mesmos. Independentemente disso, a Koltz LXVI acabara de sacramentar sua própria
condenação à morte.
***
— Estão se preparando — disse Halgor, sem tirar os olhos do telescópio
infravermelho. — A escotilha da eclusa está sendo aberta.
Cole levantou-se da poltrona.
— Está bem — resmungou em tom contrariado. — Já vou.
Desceu para o hangar, usando a escada que ficava num poço. Son-Hao estava à sua
espera ao lado do carro voador preparado para decolar, cujas partes brilhantes haviam
sido pintadas de preto. Sorriu.
— Tudo em ordem. O veículo está invisível e as bombas foram engatilhadas.
Cole limitou-se a acenar com a cabeça. Acomodou-se no assento do piloto e fechou
o capacete do traje protetor. Examinou automaticamente as indicações dos instrumentos e
prestou atenção ao chiado leve da mistura gasosa respirável que entrava na cabine.
Finalmente ligou o motor.
Son-Hao deu alguns passos para trás e acionou a escotilha interna da eclusa. O carro
voador dirigido por Cole deslizou para a câmara da eclusa, que estava fortemente
iluminada. Son-Hao parou. A escotilha interna começou a fechar-se. Virou a cabeça e
lançou um olhar ligeiro para as bombas colocadas sobre a plataforma de carga.
De repente as luzes se apagaram. Cole puxou a alavanca do acelerador, fazendo
com que o veículo se precipitasse em direção à escotilha externa. O trabalho de Cole e
Son-Hao tinha sido muito bem coordenado. A escotilha abriu-se no momento exato,
deixando passar o veículo.
Cole estava no espaço. As estrelas aglomeravam-se em torno dele. As formações
eram tão compactas que davam a impressão de uma parede luminosa sólida. Bem à sua
frente um buraco negro em forma de traço abria-se em meio à luminosidade. Era a nave
desconhecida. Cole olhou para trás e viu um círculo escuro, formado pela Kitara em meio
à profusão de estrelas. O círculo foi diminuindo rapidamente. Cole desligara o motor no
momento em que estava atravessando a escotilha externa, mas a aceleração que já
imprimira ao veículo garantia uma velocidade de pelo menos vinte metros por segundo.
Quando se tinha aproximado a um quilômetro, a nave dos saltadores começou a
aparecer nitidamente diante dos seus olhos. O casco irregular da nave refletia a luz das
estrelas, produzindo imagens distorcidas das mesmas. Cole reconheceu uma abertura
pequena no centro do cilindro. Era a eclusa. O comando de abordagem devia aparecer a
qualquer momento. Abriu a válvula de um dos bujões de gás colocados de ambos os
lados dele, fazendo com que a rota do carro voador se modificasse ligeiramente no
sentido da popa da nave cilíndrica. O hélio que saiu do bujão formou imediatamente uma
tênue névoa branca, que se afastou rapidamente, dissolvendo-se no espaço. Cole não se
preocupou nem um pouco com a possibilidade de ser localizado. Seria impossível fazer o
rastreamento energético do carro voador, já que os propulsores do mesmo estavam
desligados e, se o rastreador de matéria ainda estivesse funcionando, só indicaria a esfera
que era a Kitara. Qualquer coisa que se movimentasse entre ela e a nave cilíndrica seria
invisível para os saltadores. E não havia a menor possibilidade de sua presença ser
constatada por meio da observação direta. Ele mesmo só distinguiu a superfície não
polida da grande nave cilíndrica a um quilômetro de distância. Seu veículo pintado com
verniz preto fosco só seria visível a cinqüenta metros de distância. E cinqüenta metros
eram uma distância insignificante. Por isso seria fácil manter-se fora do alcance do
sistema de transmissão de imagem da nave dos saltadores.
Quando ainda se encontrava a quatrocentos metros de distância, o barco espacial
dos saltadores saiu da eclusa embaixo dele, um pouco à esquerda, tomando a direção da
Kitara com um chamejar ligeiro dos propulsores. Cole mordeu os lábios. Estes caras
estavam sendo muito rápidos. “Tomara que a armadilha de Halgor funcione”, pensou.
Bastaria que os rádio-capacetes dos saltadores transmitissem um ruído, por ligeiro que
fosse, e a operação se frustraria.
Começou a frear. Seu original, ou seja, o verdadeiro Cole Harper, tinha experiência
nestas coisas. Por meio dos bujões de hélio comprimido conseguiu imobilizar seu veículo
a cinco metros do casco da nave saltadora que se erguia à sua frente. Manobrou para a
direita e acabou descobrindo os contornos fracos de uma pequena eclusa de passageiros.
O mecanismo de abertura não lhe causou problemas. Alguns segundos se passaram, e a
escotilha se abriu. Colocou o veículo bem à frente da abertura. Era muito largo para
passar pela mesma. Dessa forma o carro voador permaneceu fora do campo de gravitação
artificial que começava logo após a entrada da eclusa. Cole soltou as bombas que se
encontravam na plataforma de carga e empurrou-as em direção à escotilha aberta. Assim
que entraram na câmara da eclusa, caíram ao chão como pedras. Os envoltórios de metal
plastificado resistiram perfeitamente ao ligeiro impacto.
Cole voltou a fechar a escotilha e manobrou seu veículo por meio dos bujões de gás.
Tratou de voltar para sua nave. Sabia que a abertura da eclusa de passageiros devia ter
desencadeado um alarme na sala de comando da nave dos saltadores, mas não tinha a
menor dúvida de que estes concentravam sua atenção exclusivamente nas notícias
transmitidas pelo comando de abordagem. Era possível que mais tarde alguém fosse lá
para trás para verificar qual fora a causa do alarme. Encontraria três bombas, mas não
seria capaz de identificá-las prontamente com base no aspecto exterior, a não ser que
fosse um perito. Pelos cálculos de Cole, pelo menos quinze minutos se passariam antes
que os saltadores descobrissem que alguém havia contrabandeado uma carga perigosa a
bordo de sua nave.
Esvaziou quase completamente o bujão de gás comprimido e deslocou-se em alta
velocidade em direção à Kitara. Contornou a nave conforme tinha sido combinado, usou
o que restava de gás para modificar a rota e executar a frenagem e voltou a entrar por
uma eclusa que ficava na face oposta à nave dos saltadores.
Olhou para o relógio. Apenas onze minutos se tinham passado desde o momento em
que tinha saído da Kitara. O comando de abordagem devia ter subido a bordo há sete ou
oito minutos. Se tudo correra conforme o plano, o comandante da nave dos saltadores
esperava há três minutos que seu comando de abordagem desse notícias. Cole tirou
apressadamente o cinto que o prendia ao assento do piloto e abriu a escotilha interna. Não
quis perder tempo e por isso usou o elevador antigravitacional para subir à sala de
comando. A essa hora não importava mais. Os saltadores certamente acreditariam que as
emanações energéticas tinham sido produzidas por um dos membros do comando de
abordagem.
Halgor Sorlund e Son-Hao estavam na sala de comando. Son-Hao fitou-o com o
rosto impassível. Halgor virou lentamente com a cabeça e fez um sinal com a mão.
— Tudo em ordem?
Cole acenou com a cabeça. Quis dizer alguma coisa, mas engasgou e ficou tossindo.
— Por aqui também — disse Halgor. — Estamos preparados para partir.
Cole deixou-se cair numa poltrona e esperou que o acesso de tosse passasse. Halgor
e Son estavam mexendo nos controles.
— Relógio funcionando — confirmou Halgor. Recostou-se na poltrona e cruzou as
mãos sobre a barriga, como se quisesse preparar-se para assistir a um excitante programa
de televisão. O estômago de Cole contraiu-se. Não sabia por quê. Não havia motivo para
preocupar-se com o que aconteceria nos próximos segundos. Ele mesmo fizera a
regulagem das bombas.
— Faltam três segundos... — anunciou Halgor em tom alegre.
Mal acabou de falar, as telas se apagaram. As objetivas deixaram de funcionar
quando a torrente de luz das explosões atingiu as mesmas. No mesmo instante Cole teve a
impressão de que uma mão de ferro o comprimia de encontro à poltrona. A aceleração da
Kitara era tamanha que os neutralizadores de pressão não conseguiram compensá-la.
Tentou respirar, mas a pressão diabólica não permitiu que os pulmões se dilatassem.
Viu através de uma névoa vermelha que as telas voltaram a iluminar-se, mostrando
novamente o quadro majestoso das estrelas.
Em virtude da aceleração tremenda, a Kitara afastara-se numa questão de segundos
do centro da explosão em cujo interior a nave dos saltadores se desmanchava em gases e
em matéria ionizada.
Lá embaixo, na eclusa, havia alguns saltadores mortos.
Foi a última coisa de que Cole se lembrou antes de perder os sentidos.
5

— Não vamos nos iludir — disse Felipe Hastara, aborrecido. — Podemos andar por
aqui por semanas a fio sem encontrar a Kitara.
Pol estava sentado a seu lado à frente do console do comandante, que ficava numa
plataforma ligeiramente elevada, da qual se via o recinto circular que formava a sala de
comando.
— Não compreendo — confessou Pol. — Se é tão importante que a Kitara seja
encontrada, por que destacaram somente uma nave para as operações de busca?
Felipe sacudiu a cabeça.
— O senhor se esquece de que há pelo menos vinte mil unidades neste setor do
espaço. É uma rede de malha fina, da qual a Kitara não poderá escapar.
— Se é assim, por que precisam de nós?
Felipe fez uma careta.
— Querem que nos aproximemos discretamente o mais possível da Kitara, para
descobrir o que está acontecendo com ela.
Pol tinha outra pergunta na ponta da língua, mas viu-se interrompido pelo som
estridente do alarme. No mesmo instante duas luzes de alerta vermelhas acenderam-se na
base do intercomunicador de Felipe. Este pegou o fone. A tela iluminou-se, mostrando
um rosto nervoso.
— Detectamos um forte impulso produzido por radiações, senhor — disse o
homem. — A interpretação dos dados ainda não foi concluída, mas não há dúvida de que
os impulsos foram produzidos pela explosão de uma bomba nuclear.
Felipe não perdeu a calma.
— Forneça os dados assim que os mesmos estiverem disponíveis — pediu.
Desligou e esfregou as mãos.
— Parece que andamos pessimistas demais — disse com o rosto radiante.
Pol não sabia o que significava aquilo. Alguém fizera detonar uma bomba nuclear.
Para quê? O espaço estava vazio. Só havia algumas naves-patrulha terranas por perto — e
evidentemente a Kitara, caso a mesma realmente vagasse por este setor do espaço. Era
possível que a bomba nuclear tivesse sido lançada pela Kitara, que fora descoberta
repentinamente por uma das naves-patrulha e começava a defender-se. Mas se uma das
unidades tivesse descoberto a Kitara, a Ploféia teria sido informada imediatamente. Fora
combinado assim.
O que teria acontecido mesmo?
Dali a dois minutos o homem incumbido do rastreamento forneceu os resultados da
interpretação dos dados. O impulso energético fora causado por uma explosão nuclear de
potência muito elevada, ocorrida a cerca de treze unidades astronômicas. O impulso
tivera uma duração de oitenta e seis segundos. Durante esse tempo os rastreadores
energéticos da Ploféia ficaram bloqueados para a recepção de outros sinais.
Felipe deu ordem para que as coordenadas exatas do local da explosão fossem
transmitidas ao astronavegador. Feito isso, virou a cabeça para Pol.
— Foram espertos, não foram?
Pol confirmou com um gesto.
— Por que acha que foram espertos? — perguntou Felipe imediatamente. — Sabe o
que quero dizer?
— Acho que sim — respondeu Pol em tom calmo.
— Pois diga!
Pol cruzou as pernas.
— O impulso durou quase um minuto e meio — respondeu. — Foi uma explosão
tão forte que provavelmente não foi causada por uma, mas por várias bombas. Nossos
aparelhos ficaram bloqueados por um minuto e meio. A Kitara é uma nave antiga, mas
sua capacidade de aceleração chega a quarenta mil gravos. Em menos de noventa
segundos pode alcançar, caso conserve a mesma rota, uma velocidade adicional de trinta
e seis mil quilômetros por segundo.
Felipe sorriu.
— Foram muito espertos — confessou. — É claro que com isso a área a ser
vasculhada aumenta consideravelmente. Todavia...
Calou-se e olhou para cima, dando a impressão de que refletia intensamente. Dois
ou três minutos se passaram antes que voltasse a olhar para Pol.
— Não acredito que isso represente uma vantagem para a Kitara — disse em tom
pensativo. — É claro que teríamos de fazer o cálculo pelo computador, mas tenho certeza
quase absoluta. Os homens que se encontram na Kitara sabem tanto de astronáutica
quanto eu. Logo...
Fitou Pol, como se quisesse pedir-lhe que prosseguisse.
— ...logo, a Kitara deve ter tido outro motivo para detonar as bombas — completou
Pol. — Estava em perigo. Teve que detonar as bombas para não ser descoberta. Resolveu
tirar proveito da situação de emergência e acelerou a toda, enquanto os rastreadores
energéticos das naves-patrulha ficaram ofuscados pela explosão.
Felipe estreitou os olhos.
— O senhor quase chega a ser esperto demais, Pol — disse em tom sério.
Mas logo voltou a sorrir.
— Como sabemos — prosseguiu em tom solene — que não foi uma nave terrana
que cruzou o caminho da Kitara, pois, se fosse, teríamos sido informados, só podemos
concluir que nossos amigos acabaram com a vida de um não-terrano.
***
Dali a trinta minutos o rastreador de matéria detectou objetos de pequenas
dimensões, que atravessavam o espaço em velocidade uniforme, mas em várias direções.
A suspeita de Felipe Hastara se confirmara. As bombas tinham sido detonadas para dar
cabo de uma nave desconhecida, que chegara perto demais da Kitara.
Felipe deu ordem para que a EX-8003 se aproximasse e recolhesse o maior número
possível de destroços. Era necessário identificar a nave desconhecida.
No momento não havia sinal da Kitara. Com base na direção e velocidade dos
destroços foi possível determinar o momento e o lugar da explosão. Os resultados
combinaram com as indicações anteriores dos rastreadores.
Dali se concluía que há cerca de trinta e quatro minutos a Kitara se encontrara num
lugar que ficava a apenas três unidades astronômicas da posição da Ploféia. Daquele
momento em diante a nave que estavam procurando deslocava-se a uma velocidade
situada entre zero e 36.000 quilômetros por segundo, numa direção desconhecida. Ou, em
outras palavras, a Ploféia encontrava-se a três unidades astronômicas do centro de uma
esfera em cujo interior devia encontrar-se a Kitara. Na melhor das hipóteses, o diâmetro
da esfera era de apenas alguns milhares de quilômetros — ou seja, o estritamente
necessário para que a explosão não pudesse avariar a Kitara. Felipe recusava-se por
princípio em admitir a hipótese mais favorável. Para ele a esfera em cujo interior teriam
de procurar a Kitara tinha naquele momento um diâmetro de cerca de 75 milhões de
quilômetros, sem contar as três unidades astronômicas que o separavam do foco dos
acontecimentos. E o raio da esfera crescia à razão de mais de um décimo da velocidade
da luz.
No fundo a situação melhorara — pelo menos no momento. Antes da explosão teria
de procurar a Kitara num setor esférico de dois bilhões de quilômetros de diâmetro. Os
rastreadores e outros instrumentos de que dispunha eram melhores que os que se
encontravam a bordo da nave fugitiva.
Uma coisa era muito importante. Não podia perder tempo. A cada segundo que
passava aumentavam as chances de o inimigo lhe escapar. Teria de agir imediatamente.
Do contrário a operação não seria bem-sucedida.
Dali a instantes a Ploféia voltara a atravessar o espaço à velocidade máxima. O
computador positrônico havia determinado, com base nos elementos disponíveis, uma
trajetória que atravessava o setor esférico em contínua ampliação no qual estavam sendo
realizadas as buscas. Essa trajetória permitia que os instrumentos funcionassem com o
máximo de eficiência. Felipe Hastara sabia perfeitamente que o inimigo seria capaz de
detectar as emanações energéticas dos propulsores e do campo defensivo. Mas isso não o
incomodava. Já elaborara sua tática.
Estava na hora de conversar com Pol Kennan. Pol desempenhava um papel muito
importante em seu plano.
***
— É um pedido, não uma ordem — concluiu Felipe.
Pol estava sentado todo duro à frente da escrivaninha de Hastara, no gabinete do
mesmo.
— O senhor está depositando muita confiança em mim, senhor — respondeu em
tom áspero. — Fico-lhe grato por isso.
Felipe teve uma observação sarcástica na ponta da língua, mas por estranho que
pudesse parecer, tinha-se a impressão de que Pol realmente pensava o que estava
dizendo. Felipe engoliu o comentário e preferiu dizer.
— Acho que o senhor está plenamente qualificado para uma operação desse tipo.
Dou-lhe quinze minutos para refletir. Infelizmente não posso conceder mais. A qualquer
momento a Kitara pode aparecer em nossas telas.
Pol levantou-se.
— Obrigado, senhor. Não preciso de nenhum prazo de reflexão. Naturalmente
cumprirei a tarefa que me deu.
Felipe acenou com a cabeça. Não parecia nem um pouco emocionado.
— Obrigado, Pol. Aprecio sua atitude. Desça ao convés E e peça que lhe entreguem
o equipamento. Diga ao sargento Oppelt que ele vai se ver comigo se não lhe der o
melhor que tem.
Pol sorriu, fez continência e foi saindo. O sargento Oppelt era o tipo do homem que
ninguém espera encontrar numa espaçonave. Era pequeno e rechonchudo, tinha pelo
menos cinqüenta anos de idade, usava óculos fora de moda em vez de lentes corretoras e
tinha uma predileção toda especial para as conversas animadas. Pol apresentou seu
pedido. A primeira reação de Oppelt foi a seguinte:
— Deve haver algum engano, senhor. Pelo que me consta, não foi planejada
nenhuma missão que exija estes equipamentos.
Pol mostrou um sorriso amável.
— O senhor deve estar muito bem informado sobre tudo que se planeja a bordo da
Ploféia, não é mesmo, sargento?
O rosto de Oppelt, que estava radiante, ficou um pouco mais sério. Coçou a cabeça,
fazendo com que o boné lhe escorregasse pela testa lisa.
— Infelizmente é isso mesmo — queixou-se. — Tenho trinta e dois anos de
experiência no espaço, enquanto o Coronel Hastara só tem dezesseis — abriu os braços,
como que num gesto de acusação. — Mas ele não quer me ouvir. Deveria consultar-me
sempre que se... esqueça! O que deseja mesmo?
Pol repetiu seu pedido. Depois de ter dado vazão aos seus sentimentos, Oppelt
provou ser um homem entendido e previdente, que sabia administrar o depósito que
estava a seu cargo. Dentro de alguns minutos Pol estava equipado com armas, um traje
transportador, um rádio e porções de alimentos concentrados capazes de sustentar até
mesmo um homem esfomeado durante dez dias. Agradeceu ao sargento e Oppelt garantiu
que sempre teria muito prazer em servi-lo, pedindo ao senhor major que transmitisse
recomendações ao senhor coronel.
Quando Pol caminhava em direção ao elevador antigravitacional, o
intercomunicador chamou de repente.
— Hastara chamando Kennan! Ande depressa, Pol! Temos a Kitara nas telas dos
rastreadores!
Pol saiu correndo.
***
— Droga! — resmungou Halgor. — Não pensei que chegassem tão depressa.
Cole Harper contemplou a mancha luminosa projetada na tela do rastreador. Não se
sentia muito à vontade. Não sabia o que pensar. Não havia dúvida de que se tratava de
uma das naves terranas empenhadas nas buscas. Pela rota que estava seguindo seria quase
impossível que a Kitara não fosse descoberta. Encontrava-se a duas unidades
astronômicas de distância, mas o computador calculara sua trajetória, e a mesma passava
a menos de dez milhões de quilômetros da rota da Kitara. Dez milhões de quilômetros
representavam uma distância crítica. Os rastreadores de matéria mais modernos
funcionavam perfeitamente a esta distância, embora os aparelhos mais antigos
dificilmente alcançassem mais de nove milhões de quilômetros. O destino da Kitara
parecia depender dos instrumentos com que estivesse equipada a nave do Império.
Cole prendeu a respiração enquanto via a mancha luminosa aproximar-se
preocupadoramente. A outra nave não desenvolvia mais de setenta por cento da
velocidade da luz. Dentro de menos de trinta minutos atingiria o ponto de maior
aproximação. Cole olhou para o relógio. Dali a cinqüenta minutos colocariam em
funcionamento a trilha de desvio de impulsos e se encontrariam com a nave vinda para
dar-lhes apoio.
Isto naturalmente se aquela nave não estragasse seus planos. Cole teve uma
sensação desagradável. Os acontecimentos pareciam precipitar-se.
Os minutos foram passando lentamente. Imar Arcus, que se encontrava no
compartimento de carga, chamou, anunciando que Son-Hao tinha regulado a potência do
gerador para o nível desejado, e que no que dependia dele poderiam começar. Cole
explicou que ainda tinham tempo, e que nem tinham certeza se ainda poderiam entrar em
ação. Imar praguejou terrivelmente e desligou. Cole teve a idéia de que os maahks não
tinham sido muito inteligentes ao gerar humanóides com um instinto de conservação
perfeitamente humano. O desejo de sobreviver poderia representar um perigo para a
missão.
Finalmente chegou o momento em que a nave terrana se aproximou da marca dos
dez milhões de quilômetros. Cole ficou com os olhos grudados na tela do rastreador até
que os mesmos começaram a arder. A outra nave permanecia obstinadamente na mesma
rota. Ultrapassou o ponto de maior aproximação e passou a afastar-se da Kitara. Cole
percebeu que durante todo o tempo prendera a respiração. Exalou ruidosamente o ar e
suspirou:
— Conseguimos!
Halgor acenou com a cabeça e levantou-se. O terrano não notara sua presença. Dali
a quarenta minutos desapareceria nas profundezas do espaço. O perigo tinha passado.
Cole sentiu que uma carga tremenda saía de sua consciência, permitindo que voltasse a
pensar seus próprios pensamentos.
Seus próprios pensamentos?
Parecia que estava despertando de um sonho. O velho ódio contra Halgor e tudo que
estava ligado à missão que executavam voltou de repente. Halgor virou-se neste exato
momento. Sobressaltou-se ao notar a expressão do rosto de Cole.
— Vou descer — disse. — Continue com os olhos abertos.
Não dava a perceber se estava preocupado. Cole mostrou um sorriso forçado e
acenou com a cabeça. Halgor saiu. A escotilha fechou-se atrás dele com um chiado. Cole
resolveu que no futuro teria mais cuidado.
***
A Kitara estava mais adiante, cercada pela escuridão. Pol ainda não se recuperara
completamente do choque da catapultagem. Ainda se sentia como se estivesse pendurado
entre duas rodas. Por uma fração de segundo, no momento exato em que saiu da eclusa da
Ploféia, foi cercado pelo campo transportador hiperenergético, que neutralizou a
velocidade enorme que até então mantivera em relação à Kitara e o colocou na rota certa.
A Ploféia já tinha desaparecido. Pol estava preso no interior de um monstruoso traje
transportador. Deslocava-se à velocidade de cerca de 300 quilômetros por segundo em
direção à Kitara. Se tivesse sorte, levaria dez horas para chegar às imediações dessa nave.
Um sistema de propulsão química de pequenas dimensões levaria mais uma hora para
reduzir sua velocidade e aproximá-lo da Kitara.
Isso naturalmente se Halgor Sorlund e seus companheiros não resolvessem mudar a
rota antes disso. Trazia no pulso um pequeno rastreador, que indicava a posição da
Kitara. Sua rota fora adaptada a essa posição. Os aparelhos que possuía para fazer a
navegação espacial a grande distância eram bastante deficientes. Se a Kitara mudasse de
rota, teria de chamar de volta a Ploféia.
Pol nem quis pensar nesta possibilidade. A solidão e a perspectiva de um vôo de dez
horas pela escuridão do espaço eram difíceis de suportar. Precisava de coisas que o
animassem.
Chupou um tubinho que conseguia colocar na boca com a maior facilidade, fazendo
um movimento ligeiro da cabeça. Ingeriu um gole de um nutriente adocicado. Não estava
com fome. Procurou convencer-se de que estava somente experimentando o sistema.
Lançou um olhar para o rastreador. A Kitara aparecia sob a forma de um pontinho
luminoso na extremidade superior do mesmo. O ponto parecia imóvel, mas na verdade
deslocava-se bem devagar em direção ao centro da tela fluorescente, que era do tamanho
de um relógio de pulso.
Levaria dez horas para atingir esse centro. Pouco depois chegaria o momento em
que Pol Kennan reencontraria pela primeira vez, depois de muito tempo, seu velho amigo
Cole Harper.
Pol temia esse momento. Não conseguia soltar o nó que formavam seus
pensamentos e sentimentos. Cole já não era a mesma pessoa que ele conhecia. Talvez
nem fosse o próprio Cole. Precisava descobrir isso antes de aparecer à sua frente. Antes
de fazer qualquer coisa, teria de saber quais eram as intenções dos homens que se
encontravam na Kitara.
Voltou a sugar o tubinho e filtrou o líquido pegajoso entre os dentes antes de engoli-
lo. “Estou é nervoso”, pensou. Deveria tentar dormir um pouco. Alguém já disse que num
traje destes consegue-se dormir tão bem como numa cama muito confortável.
Tentou, mas não conseguiu. Passou o tempo observando o pontinho projetado na
tela do rastreador ou procurando localizar constelações fantásticas em meio ao acúmulo
de estrelas. Esta atividade acabou sendo útil. O cérebro superexcitado começou a relaxar.
Voltou a fechar os olhos e adormeceu sem dificuldades.
***
Reginald Bell entrou no gabinete do Administrador-Geral sem fazer-se anunciar.
Sacudia uma folha de papel na mão direita.
— Uma mensagem direcional da Ploféia! — exclamou, alegre.
Perry Rhodan, que estava inclinado sobre algumas folhas de papel empilhadas em
sua escrivaninha, levantou a cabeça.
— Encontraram a Kitara — prosseguiu Bell e ficou de pé à frente da escrivaninha.
— Fizeram sair um homem que tentará subir a bordo da Kitara sem que seus ocupantes o
percebam. Até lá Hastara manterá a área limpa, para que Sorlund e seus homens não
desconfiem.
Rhodan parecia surpreso.
— Por que resolveu fazer isso? — perguntou.
— Não temos informações sobre isso — disse Bell, dando a entender que
lamentava. — A mensagem é bem lacônica. Talvez pretenda colher certas informações
que não conseguiria se chegasse perto da Kitara com sua nave.
Rhodan recostou-se na poltrona.
— Pode ser — admitiu. — Confio em Hastara. Se resolveu agir assim, ele sabe por
quê. Se houver alguma novidade, avise imediatamente.
Bell fitou-o. Parecia aborrecido.
— Está me mandando embora? — perguntou.
Perry Rhodan fez que sim.
— Tenho que fazer — explicou. — Você sabe que a Kitara não é o único problema
que tenho que resolver.
— Está bem; vou embora — resmungou Bell, fingindo-se de zangado.
Dispôs-se a cumprir o que acabara de prometer. Mas antes que chegasse à porta
ouviu-se o som estridente das sereias de alarme.
Bell parou. Uma voz indiferente e controlada saída do alto-falante do
intercomunicador informou:
— O transmissor das pirâmides entrou em atividade há alguns segundos e vem
rematerializando naves robotizadas inimigas. Conforme as ordens recebidas, cem
unidades da Frota concentram-se em torno do ponto de materialização para atacar o
inimigo.
Perry Rhodan levantou-se de um salto.
— Dê partida na nave! — gritou para Bell. — A Crest vai dar uma olhada de perto.
***
Foi uma batalha durante a qual a pessoa ficava sem saber quais eram mesmo as
intenções do inimigo. Cinqüenta naves-lápis saíram do campo incandescente de energia
condensada que se formara bem acima da superfície de Kahalo. Não tiveram muito tempo
para orientar-se. As unidades da Frota formaram um círculo compacto em torno do
campo energético e seus canhões conversores martelavam impiedosamente o inimigo.
Mesmo que tivessem lançado um número mais elevado de naves ao ataque, os maahks
seriam impotentes diante dessa forma de resistência. As naves-lápis foram arrebentando
uma após a outra sob a fúria tremenda do fogo concentrado.
A batalha durou duas horas. Depois dela não havia mais uma única nave robotizada
nas proximidades de Kahalo. Somente uma unidade conseguiu escapar ao fogo cerrado.
Perry Rhodan deu ordem para que cinco cruzadores da classe Cidade saíssem em sua
perseguição, para que este último inimigo também fosse destruído. Conforme se
observara, a nave inimiga fora atingida várias vezes.
A Crest retirou-se e pousou no mesmo lugar do qual tinha decolado duas horas
atrás. Perry Rhodan, Bell e Atlan encontravam-se na sala de comando. Todos os
instrumentos da nave gigantesca tinham funcionado a plena potência durante a batalha. O
processamento dos dados colhidos estava em pleno andamento.
Mal a Crest acabou de pousar, o comandante do grupo de cruzadores Cidade
chamou para informar que a última nave inimiga acabara de ser destruída. Rhodan virou-
se para o arcônida. Havia um sorriso malicioso em seu rosto.
— Quer dizer que também não foi isso — constatou.
Atlan fitou-o com uma expressão de espanto.
— Não foi o quê? — perguntou Bell, estupefato.
Rhodan apontou para o teto.
— Foi um ataque simulado — disse. — Vocês sabem disso tão bem quanto eu. Se
os maahks quiserem expulsar-nos daqui, lançarão no ataque pelo menos cem vezes mais
unidades, e ainda por cima unidades maiores. Quer dizer que a finalidade do ataque foi
outra. Qual será? Não é difícil adivinhar. Queriam desviar nossa atenção de alguma coisa.
De quê? Quanto a isso não temos certeza. Acredito que mais alguma coisa passou pelo
transmissor além das cinqüenta naves robotizadas. No ardor da luta ninguém percebeu.
Quanto mais reflito, mais certeza tenho de que causamos danos ao inimigo, mas de que
foi ele quem venceu a batalha.
Bell fez um gesto de perplexidade.
— Não compreendo — disse. — Onde você acha que está neste momento a coisa
misteriosa que teria passado pelo transmissor durante a batalha?
Rhodan sorriu.
— Isso é uma boa pergunta, não acha? Por que não espera até que os dados colhidos
sejam processados? Talvez isso nos dê uma resposta.
Atlan olhava para o chão. Até parecia que não percebia nada do que se passava em
torno dele.
— Talvez nosso amigo saiba alguma coisa — disse Bell, apontando para o arcônida.
Atlan levantou os olhos. Parecia confuso.
— Como...? Eu? Não — fez um gesto de pouco-caso. — Só tive uma idéia.
— Que idéia foi essa? — perguntou Rhodan em tom seco.
O arcônida parecia embaraçado.
— Cheguei à conclusão — principiou em tom hesitante — de que tudo estava na
melhor ordem aqui em Kahalo, até que Halgor Sorlund e seus companheiros chegaram.
Depois disso foi o diabo. Kahalo foi atacado por um grupo de naves robotizadas. A
Kitara desapareceu com tudo que havia a bordo. Faz pouco tempo que conseguimos
encontrá-la. Temos certeza quase absoluta de que Sorlund e seus companheiros são
agentes dos maahks. De repente Kahalo sofre um novo ataque, e um ataque que mostra
perfeitamente que o objetivo do inimigo não é a conquista deste planeta — Atlan já
recuperara a autoconfiança e fitou Rhodan com uma expressão de desafio. — Será que
ninguém teve a idéia de que os cinco homens que se encontram a bordo da Kitara estão
na base de tudo isso? De que as coisas que estão sendo introduzidas através do
transmissor devem ter alguma ligação com a Kitara e provavelmente estão sendo levadas
para lá?
— Seria difícil explicar — objetou Bell — como os maahks poderiam levar um
objeto de Kahalo ao ponto em que a Kitara se encontra neste momento sem que nós
percebêssemos.
— Isso se admitirmos que os maahks empregam os mesmos recursos ou ao menos
recursos semelhantes aos nossos — respondeu Atlan. — Qualquer um já terá notado que
em certas áreas a tecnologia dos maahks é mais adiantada que a nossa. Não podemos
negar um acontecimento pelo simples fato de não estarmos em condições de explicar o
mesmo.
Bell interrompeu-o com um gesto.
— Tudo bem, amigo — parecia um tanto contrariado. — Só quis evitar que alguém
tirasse conclusões apressadas, enganando o pessoal. E só isto. Se alguém me apresentar
uma idéia sensata sobre o que os maahks podem ter introduzido pelo transmissor e como
podem ter levado o objeto ao destino sem que nós percebêssemos, serei o primeiro a
concordar com todas as medidas para proteger-nos. Mas por enquanto...
Bell foi interrompido. Um dos oficiais que estavam fazendo o processamento dos
dados fornecidos pelos instrumentos veio correndo em direção a Perry Rhodan.
— Senhor!
Rhodan virou a cabeça.
— A interpretação do hiper-rastreamento foi concluída, senhor — disse o jovem
oficial. — Acho que já encontramos o que os senhores estão procurando. O rastreador
registrou um impulso de grande intensidade um décimo de segundo após o aparecimento
da última nave robotizada. Mas as objetivas acopladas ao mesmo não registram o
aparecimento de qualquer objeto.
— Quer dizer — observou Rhodan — que uma coisa invisível passou pelo
transmissor.
— Isso mesmo, senhor.
Rhodan agradeceu com um gesto. O jovem oficial voltou ao seu lugar de trabalho.
Rhodan coçou a cabeça. Era um gesto que raramente se notava nele. Depois de algum
tempo disse:
— Acho que vamos avisar a Ploféia de que deve estar preparada para qualquer
eventualidade.
6

Cole Harper contava os segundos.


Faltava um minuto e meio para o momento em que seria ativada a trilha de desvio
de impulsos. Cole lançou um olhar nervoso para a tela do rastreador e certificou-se de
que não havia nada na mesma.
Halgor e os outros três estavam lá embaixo, no compartimento de carga. Isso deixou
Cole satisfeito. Não precisava de companhia. Estava plenamente ocupado com os
próprios pensamentos. Tentava fazer as pazes consigo mesmo. Era bem verdade que os
acontecimentos se precipitavam, não lhe dando muito tempo. Caso resolvesse trabalhar
contra Halgor e seus companheiros, não teria mais oportunidade para isso. Mais um
minuto e meio, e tudo teria passado.
Os segundos foram tiquetaqueando. Meio minuto antes do momento crítico Halgor
chamou e perguntou se Cole estava atento. Cole respondeu afirmativamente. Estava
aborrecido e irritado. Parecia haver uma ponta de ironia na voz de Halgor. Será que ele
desconfiara de alguma coisa?
...dez ...nove... oito...
Era inacreditável que os produtos da tecnologia moderna trabalhassem com
tamanha precisão, até mesmo a uma distância enorme. No instante em que o marcador do
relógio atingiu o ponto zero, a faixa retangular de uma gigantesca espaçonave apareceu
na tela do rastreador. Foi um fenômeno inteiramente automático. Era difícil acreditar que
tudo aquilo não fosse apenas um jogo ótico formado por marcadores e ecos do rastreador.
Cole recostou-se na poltrona e contemplou a mancha luminosa. O rastreador
mostrou que a distância média entre a nave retangular e a Kitara era de dezessete
quilômetros. Com base nisso tornava-se fácil calcular que devia ter dois mil e quinhentos
metros de comprimento e quinhentos metros de espessura. Cole ficou surpreso. Os
maahks haviam assumido o risco de introduzir na Galáxia uma de suas maiores naves,
bem nas barbas do inimigo.
Dali a um minuto Halgor chamou.
— Seu serviço terminou — disse. — Venha cá. Estão à nossa espera lá adiante.
Cole obedeceu a contragosto. Quando chegou ao compartimento de carga, Halgor,
Hegete e Son-Hao já tinham colocado os trajes espaciais. Colocou seu conjunto e aspirou
fortemente o ar, enriquecido com porções de ozônio perfumado produzido pela atividade
da trilha de desvio de impulsos.
Halgor abriu a escotilha interna da eclusa. A grande câmara da eclusa foi esvaziada
numa questão de minutos e a eclusa externa abriu-se. Mais adiante estendia-se o tapete
brilhante e silencioso das estrelas, com um enorme retângulo negro no centro.
Foram-se empurrando um após o outro. Usaram os jatos de correção para atingir a
grande nave pelo caminho mais curto. Os maahks certamente já os tinham notado.
Quando se encontravam a dois quilômetros do gigante do espaço, sinais luminosos
coloridos acenderam-se obliquamente à sua frente. Mudaram de rumo e dali a pouco fo-
ram parar na câmara pequena de uma eclusa de passageiros.
Cole Harper teve a impressão de que a escotilha que se fechou atrás dele era a porta
de uma prisão.
As bombas entraram em ação. Uma pequena luz de alerta acendeu-se em seu braço
esquerdo. A atmosfera que estava penetrando na eclusa não se prestava à respiração do
ser humano. No mesmo instante percebeu que o equipamento de climatização de seu traje
espacial estava entrando em funcionamento, fazendo circular o ar frio e puro. O
termômetro externo, que trazia no pulso juntamente com outros instrumentos, subiu para
93 graus centígrados.
Um corredor largo, dotado de esteiras transportadoras, saía da eclusa, subindo
obliquamente. Cole sentiu-se deprimido ao ver o número elevado de instrumentos estra-
nhos que cobriam as paredes, as escotilhas abauladas, de formato estranho, dispostas de
ambos os lados e as nuvenzinhas amarelas que surgiam no ar e voltavam a desaparecer,
como se um ser invisível estivesse fumando um cigarro. Sabia como era uma nave maahk
por dentro. A informação tinha sido introduzida em seu cérebro quando surgiu na retorta.
Mas pensava com o cérebro de Cole Harper. Os conhecimentos sobre o aspecto interior
de uma nave maahk tinham sido acrescentados; não surgiram naturalmente. Cole Harper
sabia o que estava à sua espera, mas sentiu-se como um estranho.
Inclinou o corpo para a frente, para manter o equilíbrio no meio da pressão que a
atmosfera viscosa exercia sobre ele. A nave parecia estar vazia. Cole tinha certeza de que
o comandante maahk mantinha seu veículo espacial em estado de rigorosa prontidão e de
que todos os postos estavam duplamente guarnecidos. A qualquer momento poderia
aparecer uma nave do Império. Cole lembrou-se do desconhecido que vira meia hora
atrás. Será que o mesmo voltaria?
De repente o corredor foi ter a um salão retangular. A esteira transportadora
terminava no centro do mesmo. Cole estava absorto em pensamentos e só notou quando
já era tarde. Saltou da esteira e esbarrou em Imar. Este virou a cabeça e resmungou:
— Tome cuidado, seu idiota!
Cole não respondeu. Olhou para trás. Em toda parte havia saídas de corredores. As
extremidades das esteiras transportadoras formavam um retângulo no centro da sala, que
era do mesmo formato desta, embora fosse menor. Havia uma gigantesca escotilha na
parede oposta. Parecia um arco romano. Halgor saiu caminhando em direção à mesma.
Uma nuvenzinha amarela formou-se ao lado de Cole. Este ouviu um chiado nos
microfones externos. Deu instintivamente um passo para o lado. Conhecia o fenômeno. A
atmosfera continha certa quantidade de compostos de enxofre e silício em forma gasosa.
O calor e a pressão terrível faziam com que constantemente houvesse reações químicas.
No momento da reação os produtos se tornavam visíveis. Mas logo se difundiam e
desapareciam no nada. “Isso deveria assustar a gente”, disse Cole a si mesmo.
A escotilha abriu-se. Cole olhou para além de Halgor e viu uma sala comprida e
oval cheia de instrumentos e de uma neblina amarelenta, em cujo interior se desenvolvia
uma atividade febril. Em vários lugares movimentavam-se as figuras bizarras dos
maahks. Ninguém parecia dar atenção aos cinco humanóides. Halgor passou pela
escotilha. Cole manteve-se logo atrás dele. Fossem quais fossem seus sentimentos em
relação a Halgor, ele o apreciava muito mais que aqueles corpos maciços, cobertos de
escamas branco-acinzentadas, com seus braços tentaculares e uma excrescência entre os
ombros no lugar da cabeça.
Finalmente Halgor conseguiu atrair a atenção de um dos maahks. Este virou-se na
direção dos fundos da sala e gritou algumas palavras incompreensíveis, superando o
barulho que reinava na sala. Um maahk mais alto que os outros saiu do meio da bruma e
aproximou-se de Halgor. Uma imagem foi surgindo na memória de Halgor. Conhecia
aquele maahk. Tratava-se de Grek-1, chefe do Serviço Secreto e comandante da frota
estacionada na área de Horror. Trazia uma caixinha cinzenta sobre o peito. Era uma
tradutora simultânea. Logo, estivera à espera dos humanóides. Parou à frente de Halgor.
Tinha uma cabeça mais alta que o terrano, que quase chegava a ser um gigante entre os
seres de sua raça. As dobras da boca larga movimentavam-se embaixo da excrescência
que havia sobre os ombros. A voz mecânica saída da tradutora simultânea disse em
intercosmo:
— Aguardo seu relatório, terrano!
Halgor relatou. Cole admirou a calma com que ele o fez. Parecia não se
impressionar nem um pouco com o ambiente estranho.
Halgor relatou tudo, desde o momento em que um grupo de naves robotizadas
apareceu sobre Kahalo e a Kitara decolou, até a chegada da bolha de energia com as
peças da trilha de desvio de impulsos e a nave do Império que há meia hora tinha passado
a dez milhões de quilômetros da Kitara sem notar sua presença. Não omitiu o encontro
com a nave dos saltadores e as providências que ele e seus companheiros tinham tomado
a bordo da Kitara para terem uma desculpa caso fossem localizados por uma das naves
empenhadas nas buscas.
O maahk ouviu tudo sem interromper Halgor uma única vez que fosse. Só começou
a falar depois que Halgor tinha concluído:
— Vocês cumpriram sua missão. Daqui em diante comandarei as operações. Não
precisaremos mais de vocês. Vão ser desintegrados.
Alguma coisa explodiu no cérebro de Cole Harper. Com um forte empurrão atirou
Halgor Sorlund para o lado. Grek-1 não lhe tinha dado atenção. Quando deu, viu à sua
frente a boca em funil de uma pequena e mortífera arma energética.
— Vocês não vão fazer nada disso — disse Cole com a voz rouca. Suas palavras,
transmitidas pelo alto-falante externo do capacete, foram recebidas nitidamente pelo
microfone da tradutora. — Você esqueceu um detalhe, Grek-1.
***
Pol Kennan perdera o sentido do tempo e do espaço. Os únicos pontos de referência
de que podia lançar mão eram o cronômetro e o pequeno rastreador, no qual o eco da
Kitara tinha ficado mais luminoso e se tinha aproximado a um ou dois milímetros do
centro.
Já tinha percorrido mais da metade do caminho. O pior era que não tinha a
impressão de que estava se movimentando. Parecia estar parado. O quadro que se
oferecia aos seus olhos era sempre o mesmo. Com o tempo tornou-se difícil convencer
seu consciente, que funcionava em base subjetiva, de que apesar de tudo estava
acontecendo uma coisa, pois aproximava-se cada vez mais do momento decisivo e de
forma alguma estava preso num buraco feito de escuridão e luzes distantes.
Quando se encontrava a cerca de três horas de vôo do destino, aconteceu uma coisa
que interrompeu abruptamente a monotonia enervante. Pol tinha o hábito de examinar o
rastreador uma vez por minuto. Calculara que dessa forma ainda teria de levantar o braço
e contemplar a pequena tela fluorescente um total de cento e setenta e uma vezes. Era um
número suficientemente baixo para servir-lhe de consolo. E neste momento o hábito que
adquirira acabou por revelar-se útil sob outro ponto de vista. Quando estava
contemplando o aparelho, o ponto projetado pelo eco da Kitara iluminou-se subitamente
e continuou a brilhar mais forte que antes.
No início Pol acreditou que se tratasse de uma falha no funcionamento do pequeno
elemento energético que alimentava o rastreador. Os sinais da antena embutida em seu
traje transportador estavam sendo ampliados numa escala maior que a normal.
Comprimiu alguns botões de controle presos a um pequeno quadro de comando flexível
colocado na manga esquerda de seu traje, mas os indicadores mostraram que tudo estava
em ordem.
Isto lhe deu o que pensar. Tentou encontrar uma explicação para o súbito aumento
de luminosidade do ponto projetado pelo eco. A explicação mais simples naturalmente
seria a de que uma segunda nave aparecera no lugar em que antes só estivera a Kitara. Se
a distância entre os dois veículos espaciais fosse bastante reduzida, o aparelho os
registraria sob a forma de um único ponto. Mas parecia difícil explicar de onde poderia
ter vindo a segunda nave e o que poderia estar fazendo nas proximidades da Kitara.
Pol permaneceu durante uma hora num estado de tensão nervosa, já que não
conseguia resolver o mistério. De repente o ponto projetado na pequena tela começou a
dividir-se. Dali a dez minutos não havia mais a menor dúvida sobre a verdadeira situação.
Havia duas naves paradas lá adiante. Pouco importava que fosse muito difícil
explicar o aparecimento do segundo veículo espacial, pois isso não modificava os fatos.
Dali a pouco constatou que a segunda nave era muito maior que a Kitara. Além
disso teve a impressão de que suas dimensões não eram simétricas como as de uma
esfera, conforme acontecia na maioria das naves terranas. O reflexo era retangular.
A calma e a monotonia tinham chegado ao fim. Pol deu-se conta de que sua tarefa
seria muito mais complicada do que ele e Felipe Hastara haviam imaginado.
***
Quando Felipe se preparava para percorrer novamente a área em que estavam sendo
realizadas as buscas, constatou fortes abalos estruturais.
Pretendia atrair a atenção da Kitara para sua nave, a fim de que os homens que se
encontravam a bordo da mesma não tivessem tempo de preocupar-se com o reflexo que o
corpo de Pol Kennan já devia estar lançando sobre as telas de seus rastreadores. As
chances eram de cem contra um de que Halgor Sorlund acreditaria que o reflexo fosse um
meteoro e não lhe desse nenhuma atenção. Apesar disso seria bom atrair sua atenção para
outro lugar.
A intenção de Felipe era esta. Mas de repente os rastreadores reagiram. A
intensidade do abalo estrutural foi tamanha que o mesmo devia ter ocorrido nas
imediações da Ploféia. Segundo os cálculos do computador positrônico, a distância que
separava a nave do foco do abalo era de três unidades astronômicas. Imediatamente
Felipe deu ordem para desligar todos os aparelhos geradores e consumidores de energia
híbrida. Os campos defensivos da Ploféia extinguiram-se, o número dos campos
antigravitacionais artificiais foi reduzido. Dali em diante o couraçado seria tão difícil de
localizar quanto a Kitara.
Só depois de tomadas estas providências Felipe passou a cuidar do processamento
detalhado dos dados. Como já conhecia a distância, não se surpreendeu ao ser informado
de que o objeto desconhecido tinha materializado nas imediações da Kitara. Já o fato de
que, a julgar pela intensidade do abalo, devia tratar-se de um objeto de grandes
dimensões, deixou-o mais abalado. Se prosseguisse na execução de seu plano original,
estaria expondo a Ploféia a um risco incalculável. Se o objeto desconhecido fosse uma
nave maahk de grande tamanho, seria perfeitamente possível que, caso a Ploféia chegasse
muito perto, ela se visse envolvida num combate e acabasse sendo destruída pelas armas
superiores do inimigo. Felipe resolveu permanecer no mesmo lugar e aguardar o
desenrolar dos acontecimentos. Sabia que dessa forma colocaria Pol Kennan em situação
um tanto difícil. Mas preferiu arriscar a perda de seu imediato que a da nave.
Quando já tinha esperado mais de duas horas, recebeu uma mensagem de Kahalo. O
texto, transmitido pelo hiper-raio direcionado modulado, era o seguinte:
Registramos passagem objeto invisível pelo transmissor. Acreditamos que destino
seja Kitara. Fique de olhos abertos.
Felipe confirmou o recebimento da mensagem e disse que a suposição manifestada
na mesma era correta. Acrescentou que resolvera ficar à espera a três unidades
astronômicas da Kitara, até que Pol Kennan transmitisse o sinal combinado.
Kahalo não deu resposta. Felipe ficou satisfeito ao constatar que por lá aprovavam a
decisão que ele tinha tomado.
***
Cole Harper deu-se conta com uma clareza surpreendente no que ele se havia
metido. Se Grek-1 estivesse decidido a fazer com que se calasse, ele o faria, mesmo que
isto lhe custasse a vida. Era um maahk, e os maahks só se guiavam pela lógica. Seu senso
lógico chegava a tal ponto que eram capazes de reprimir o instinto de auto-conservação.
De outro lado, Grek-1 não guardaria nenhum rancor se conseguisse apresentar um
bom argumento lógico. Um bom argumento tinha sua lógica, e até mesmo o maahk mais
graduado tinha de ser obrigado, se necessário pela força das armas, a seguir as leis da
lógica.
Os próximos segundos seriam decisivos. Cole teve uma noção tão nítida disso que
chegou a sentir dores de cabeça.
— Preste atenção! — gritou para Grek-1. — A qualquer momento uma nave-
patrulha terrana pode passar por aqui. Sua nave pode desaparecer, mas a Kitara será
localizada. Qual será a forma mais fácil de impedir que os terranos descubram a verdade?
Deixando que encontrem uma nave com nossos cadáveres e tirem suas próprias
conclusões? Ou permitindo que nós lhes contemos uma história bem bolada, na qual não
possam deixar de acreditar? E então... quando tiverem absorvido a história, eles nos
levarão. Seja qual for o lugar ao qual seremos levados, poderemos continuar a ser úteis a
você e à causa defendida por sua raça — baixou um pouco o cano da arma, para dar a
entender que não estava interessado em matar o maahk. — Será que estes motivos não
bastam para deixar-nos vivos, ao menos por enquanto? Caso você consiga cumprir sua
missão sem ser perturbado por uma nave terrana, ainda terá tempo para tomar uma
decisão a nosso respeito. Até lá, meu caro Grek-1, você prestará um serviço melhor aos
povos maahks se não nos desintegrar.
Voltou a guardar a arma e pôs-se a esperar. O maahk manteve os olhos vidrados em
forma de tubo dirigidos para ele. Cole teve a impressão de que estavam fazendo uma
radiografia dele. Sem dar-se conta disso, foi movimentando a mão em direção à arma. Se
tivesse de morrer, que diabo, então queria ao menos levar alguns desses tipos consigo.
Um minuto passou com uma lentidão martirizante. O barulho que se ouvia na sala
oval tinha cessado. Ninguém entendia o intercosmo sem uma tradutora simultânea, mas
todo mundo sabia que estava havendo uma discussão. Se quase nunca acontecia um
maahk enfrentar seu superior, era ainda mais impossível que uma criatura artificial, um
humanóide terrano, se arriscasse a ameaçar Grek-1, que era o comandante da nave.
Uma tensão horrível encheu a sala. Até parecia um campo elétrico crepitante. Grek-
1 continuava imóvel, fitando o humanóide que se atrevera a ameaçá-lo com a arma. Qual
seria sua decisão? Acabaria reconhecendo que a lógica da criatura artificial era melhor
que a sua? Ou manteria a decisão já tomada?
Finalmente Grek-1 tomou sua decisão, seguro de si e aparentando indiferença pelo
que tinha acontecido
— Você me convenceu, terrano — disse a voz mecânica saída da tradutora. — Seu
cérebro artificial vê a situação de uma forma diferente do meu. Diferente e melhor por
enquanto vocês não serão desintegrados. Tenho outro plano.
7

Correntes quase invisíveis de gases superaquecidos saíam do pequeno sistema de


propulsão, emitindo uma luminosidade azul-pálida. A pressão desencadeada pela
frenagem comprimiu com uma força brutal o desajeitado traje transportador e o homem
enfiado no mesmo. Durante nada menos de uma hora Pol teve de suportar uma
desaceleração de quase 10 g. Ficou vagando, meio acordado, meio inconsciente, incapaz
de levantar o braço para olhar o relógio. Uma eternidade parecia ter-se passado desde o
momento em que a pressão começara a pesar sobre seu corpo com a força de uma chapa
metálica. Já devia ter passado quase uma hora. Por várias vezes Pol apalpara o controle
do propulsor e lutara contra a tendência de pôr fim ao sofrimento. Mas de todas as vezes
a inteligência vencera o medo animalesco, mas isso se tornava cada vez mais difícil. Será
que, se o medo voltasse a assolá-lo, ele ainda teria forças para resistir?
A pressão desapareceu abrupta e inesperadamente. Os pulmões maltratados
aspiraram fortemente o ar puro. A abundância inesperada de oxigênio produziu um
estado de embriaguez em seu corpo. Por um minuto Pol sentiu-se como se estivesse
bêbado. Mas logo recuperou o autocontrole. O quadro que se oferecia aos seus olhos
clareou. A manobra de frenagem fora executada com uma precisão espantosa. A uns
duzentos metros de distância viu o casco esférico da Kitara, que emitia um brilho fosco.
Atrás dela outro objeto voador estava suspenso no espaço, visível somente sob a forma de
um buraco alongado em meio à abundância de estrelas. Até mesmo de longe formava um
quadro deprimente.
Não teve nenhuma dificuldade em realizar a manobra de aproximação que o trouxe
para junto da Kitara. Grudou-se ao envoltório externo da nave, onde ficou preso sob o
efeito da gravidade exercida por esta, e ali permaneceu por dez minutos, conforme previa
o plano. Sem dúvida o tinham localizado. Restava saber quando! Se sua presença fora
notada antes que desse início à operação de frenagem, provavelmente fora considerado
um meteoro e não merecera maior atenção. Mas se só fora detectado quando o sistema de
propulsão já estava em funcionamento, então certamente tinham desconfiado, pois
nenhum meteoro reduz a velocidade sem uma influência vinda de fora.
O traje transportador podia ser notado de longe. As chances de que sua presença
fora notada bem antes do início da frenagem eram bem grandes. A espera de dez minutos
o ajudaria a eliminar todas as dúvidas. Se Halgor Sorlund ou as pessoas que se
encontravam a bordo da outra nave tivessem desconfiado de alguma coisa, eles logo
dariam um sinal de vida.
O prazo fixado por ele mesmo passou sem que acontecesse nada. Ficou tateando ao
longo da curvatura da nave e dali a pouco encontrou a escotilha de passageiros da eclusa
do convés B. Dali a um minuto a escotilha abriu-se. Pol entrou na pequena câmara da
eclusa. Foi atingido em cheio pelo campo de gravitação artificial. Caiu ao chão e de
repente deu-se conta de que estava muito cansado. O prolongado período de frenagem o
deixara esgotado. Antes de fazer qualquer coisa, precisaria descansar alguns minutos.
Ficou deitado no chão e abriu o capacete do traje transportador. Obrigou-se a
respirar de maneira uniforme. Assim que conseguiu manter os pulmões sob controle, pôs-
se a escutar. O silêncio reinava em torno dele. A nave se parecia com um gigantesco
esquife, mas pelo que Pol podia ver, não havia sinais da luta mencionada no último
pedido de socorro transmitido pela Kitara.
Obrigou-se a ficar deitado durante quinze minutos. Depois disso abandonou a
pequena eclusa e penetrou no interior da nave. Ainda tinha a impressão de que não havia
ninguém a bordo. A Kitara era um veículo relativamente pequeno, e além disso sessenta
por cento da mesma eram ocupados pelos grandes porões de carga. Pol tinha certeza de
que, se houvesse alguém a bordo, ele teria ouvido algum ruído. Lembrou-se da nave
grande que se encontrava mais adiante. Talvez Halgor Sorlund e seus companheiros
tivessem ido para lá.
Chegou à escotilha do porão de carga principal e abriu-a cuidadosamente. O recinto
enorme estava muito bem iluminado e o quadro que se ofereceu aos seus olhos fez com
que por um instante Pol deixasse de lado todas as cautelas.
Ali estava a prova de que as suposições de Natã eram corretas. Os aparelhos que
tinham sido montados lá embaixo eram produtos de uma tecnologia estranha. Seu aspecto
era tão esquisito que não era possível definir suas funções. Pol saiu para o corredor
circular que contornava a parede a meia altura e deixou que a escotilha se fechasse atrás
dele. Ficou parado alguns minutos, contemplando a coleção de máquinas e aparelhos
estranhos. Não sabia como os mesmos tinham ido parar a bordo da Kitara.
Descobriu a entrada de uma pequena sala de comando, a alguns metros da escotilha
pela qual tinha entrado. Livrou-se do traje transportador bastante incômodo e escondeu-o
num canto. Fazia votos de que ninguém fosse encontrá-lo. Ainda estava com um traje
espacial completo sobre o corpo. Já dobrara o capacete para trás enquanto estivera
descansando na eclusa de passageiros. Deixou-o lá mesmo. Depois da viagem espacial de
dez horas sentia certa alergia contra os recipientes muito fechados.
Quando saiu da sala de controle e voltou ao corredor, teve a impressão de que
alguma coisa tinha mudado no pavilhão. Parou, estreitou os olhos e procurou lembrar-se
de como tinham sido as coisas antes de ele tirar o traje transportador. De imediato teve a
impressão de que a primeira impressão não resistia a um cuidadoso inventário dos
equipamentos. Tudo continuava no mesmo lugar.
Até onde se lembrava.
Seria mesmo...?
De repente a lembrança de uma pequena máquina, da altura de uma mesa, surgiu
em sua mente. Ela lhe chamara a atenção porque possuía uma cápsula em caracol. Parecia
um gerador de corrente alternada que por engano tivesse parado nas mãos de um artista
barroco. Estivera mais adiante, ao lado de uma torre metálica em forma de fuso, que tinha
cinco metros de altura.
A máquina não estava mais lá.
Pol ficou com os olhos semi-cerrados e pôs-se a refletir sobre se realmente tinha
visto a casa de caracol. Admitindo que sim — será que ela realmente se encontrara no
lugar para o qual olhava fixamente?
Enquanto estava refletindo, houve uma estranha mudança com a torre em forma de
fuso. Parecia que estava se dissolvendo no ar, a começar pelo lado. No início desapareceu
parte da base, que era mais larga. Depois os fusos foram atingidos pelo misterioso
processo de dissolução, no lugar em que eram mais grossos. O fenômeno parecia
desenrolar-se em câmara lenta, mas Pol ficou tão perplexo que só se recuperou do
espanto quando metade da torre tinha desaparecido.
Recuou para a parede e continuou a observar o fenômeno. Com o tempo deu-se
conta de que a força que provocava a dissolução prosseguia em linha reta da esquerda
para a direita. Outras máquinas foram desaparecendo. De vez em quando surgia uma
situação grotesca, quando as partes salientes de certas máquinas, situadas bem no alto,
pareciam flutuar no ar, pois as partes que as sustentavam já tinham desaparecido.
Pol dedicou uma atenção toda especial à plataforma circular sobre a qual se
encontrava. O corrimão da mesma descrevia uma curva suave junto à parede. Pol
conseguiu acompanhar o abaulamento até a extremidade do pavilhão, até mesmo quando
a força invisível, que devorava tudo, já tinha avançado até o centro da sala. Concluiu que
somente os instrumentos, aparelhos e máquinas que se encontravam no chão eram
atingidos pelo processo de dissolução. Era importante saber disso, pois a última coisa que
Pol poderia desejar era que o terrível fluxo também o atingisse.
Pol confessou que não compreendia o que estava acontecendo por ali. Tinha certeza
de que a bordo da Kitara não havia nenhum aparelho capaz de produzir um efeito destes.
Portanto, a influência estranha, fosse qual fosse sua natureza, só podia provir da nave
retangular que estava parada por perto. Pol ficou refletindo sobre se deveria sair da Kitara
e tentar penetrar no veículo estranho. Chegou à conclusão de que seria muito arriscado e
abandonou a idéia. Preferiu dar as costas ao porão de carga principal, deixando que os
acontecimentos seguissem seu curso, e foi andando em direção à sala de comando.
Talvez os instrumentos instalados na mesma pudessem revelar alguma coisa sobre a
natureza do estranho espetáculo a que acabara de assistir. A frente invisível, que
devorava tudo que encontrava em seu caminho, avançava muito devagar. Pelos cálculos
de Pol, mais algumas horas se passariam antes que desaparecessem todas as máquinas
instaladas no porão de carga principal. Por isso haveria tempo de sobra para pôr em
funcionamento os instrumentos e estudar os valores registrados pelos mesmos.
O silêncio reinante a bordo da nave-transporte deixara-o um pouco entorpecido.
Andava de um lado para outro como se estivesse em casa. O ruído dos passos enchia os
corredores vazios. Quando viu a escotilha da sala de comando depois de uma curva do
corredor, cantarolou uma melodia alegre. Não precisava cuidar-se. Poderia sentar na
poltrona do piloto e deixar que os instrumentos trabalhassem por ele. Levaria menos de
trinta minutos para saber o que estava acontecendo por ali. Depois disso ainda haveria
tempo para transmitir o sinal combinado para a Ploféia.
Alguma coisa escondida no fundo do subconsciente o alertava de que as coisas não
eram tão fáceis. Estava eufórico demais e sofria do tipo de otimismo injustificado que
costuma manifestar-se nas pessoas embriagadas ou muito cansadas. Mas não deu atenção
a esta voz.
De repente teve a impressão de que outro ruído se misturara ao barulho dos seus
passos.
Parou. Por um instante acreditou que estivesse enganado. Ouviu o ruído de passos;
não sabia bem de onde. Prestou atenção e chegou a distinguir o ruído de vozes estranhas.
***
— Vamos ativar a bolha energética — disse Grek-1. — Os aparelhos desaparecerão
da mesma forma que apareceram a bordo da Kitara. Não deve ficar nenhum sinal deles.
Vocês podem voltar. Se aparecer uma nave inimiga, darei novas instruções.
Cole Harper virou-se, conforme era esperado, e abandonou a sala oval. De repente
viu-se à frente do pequeno grupo. O avanço desesperado, que salvara a vida dos membros
do grupo, firmara sua autoridade. Parecia que até mesmo Halgor concordava plenamente
em que dali em diante Cole desse as ordens.
Cole sabia perfeitamente que tudo que tinha conseguido era mais um pouco de
tempo. A retirada dos aparelhos que se encontravam no interior da Kitara exigiria
algumas horas. Enquanto a mesma não se completasse, as duas unidades teriam de
permanecer no mesmo lugar e correriam perigo de serem descobertas pela frota terrana
empenhada nas buscas.
Concluída a operação, todos os caminhos estariam abertos para Grek-1 e sua
gigantesca nave. Poderia abandonar a Kitara e deslocar-se em vôo linear, ocupando outra
posição, onde nunca seria descoberto pelos terranos. Havia trilhas de desvio de impulsos
a bordo de sua nave, com as quais poderia retirar a energia do transmissor hexagonal de
Kahalo a qualquer distância.
Em outras palavras, uma vez concluída a descarga da Kitara, os cinco humanóides
se tornavam definitivamente dispensáveis. Cole Harper achava que era uma ironia do
destino que naquele momento só poderiam esperar aquilo que antes temiam, ou seja, que
uma nave terrana aparecesse em tempo para salvá-los da morte certa.
A viagem de volta para a Kitara correu em silêncio. Halgor só começou a falar
quando já se encontravam no interior da câmara da eclusa e estavam tirando os capacetes
de seus trajes protetores.
— Você enfiou a cabeça no laço, Cole. Não havia necessidade disso. Todo mundo
sabe que seremos eliminados assim que tivermos cumprido nossa tarefa.
Cole fitou-o com uma expressão de perplexidade. Depois olhou para Son-Hao, Imar
e Hegete. Em todos os rostos via estampada a mesma expressão de apatia e indiferença.
De repente deu-se conta do tamanho do abismo que o separava destes homens. Eles
tinham sido condicionados. A ordem de desintegração dada por Grek desencadeara um
sinal em seus cérebros. Não se importavam em morrer. Não temiam a morte. Não tinham
medo de coisa alguma. Desde o momento em que Grek-1 tinha dado ordem para
desintegrá-los, não sentiam mais nada.
Alguma coisa devia ter saído errada quando os maahks formaram sua mente. Não
queria morrer. Não queria ser tratado como aquilo que realmente era — um humanóide
que era útil para certo fim, mas de resto tornava-se dispensável e em certo sentido
artificial, uma vez concluído seu trabalho. Dentro dele pulsava a verdadeira consciência
do homem a cuja imagem tinha sido feito: Cole Harper.
Deu-se conta de que estava em perigo. Grek-1 sabia perfeitamente que tipo de
reação devia esperar de um humanóide. A reação de Cole Harper fora contrária a todas as
regras. Grek tinha sido alertado por seu comportamento. Quanto a uma coisa não podia
haver dúvida. O maahk procuraria eliminar quanto antes o erro cometido no
planejamento.
— Está bem — resmungou, dirigindo-se a Halgor. — Você quer ser morto; você e
os outros. Mas eu não quero. Façam o que quiserem. Quanto a mim, prefiro defender-me
enquanto for possível.
Tirou o traje espacial e atirou-o para um canto. Depois abriu a escotilha interna e
entrou no corredor que levava à sala de comando. Halgor e os outros vieram logo atrás
dele. Cole ouviu que estavam conversando, mas não fez nenhum esforço para
compreender o que diziam.
O corredor terminava à frente de um elevador antigravitacional. Cole deixou-se cair
no mesmo e foi descendo em direção ao convés de comando. A escotilha principal abriu-
se à sua frente assim que se aproximou da mesma. Hesitou um instante antes de entrar na
sala de comando. Olhou para a fileira de consoles de comando que se estendia junto à
parede redonda e as telas enormes que ficavam em cima das mesmas. Quase chegou a
sentir-se em casa. Uma pressão caiu de cima de suas costas. Seu cérebro passou a
funcionar melhor.
Cole achou que para um humanóide isso era uma reação bastante ridícula.
Deixou-se cair numa poltrona, apoiou a cabeça na mão e fechou os olhos. Pôs-se a
refletir. Grek-1 estava grudado nos seus calcanhares. Tinha que dar o fora e esconder-se
em algum lugar, senão dentro em breve não haveria mais nada sobre que ele pudesse
refletir.
Grek-1 teve uma conferência com alguns dos seus cientistas, a bordo da nave dos
maahks. Tinha concebido certo plano, e queria certificar-se de que todas as condições
necessárias à execução do mesmo estavam presentes.
As informações que recebeu foram satisfatórias. Mandou que os homens iniciassem
seu trabalho o mais depressa possível. Queria ver os resultados antes que fosse concluída
a descarga da Kitara, já que depois disso os mesmos já não teriam nenhuma utilidade.
Depois... Grek-1 fez um gesto tranqüilizador com seus braços tentaculares. Depois...
não haveria mais nenhum problema.
Tinha de prestar atenção aos problemas que poderiam aparecer entre o agora e o
depois.
Grek-1 ainda deu outra ordem. Enviou cinco dos seus homens para a Kitara,
segundo dizia para supervisionar a instalação da bolha energética e as operações de
descarga.
Na verdade, estes homens deveriam encontrar e matar Cole Harper. Enquanto este
humanóide estivesse vivo, Grek-1 não se sentiria muito seguro. Não sabia até que ponto
poderia confiar nos outros quatro. Era possível que durante seu condicionamento tivesse
havido o mesmo erro que ocorrera com Cole Harper. Por isso não os informaria sobre seu
plano. Explicou aos cinco homens que se dirigiriam à Kitara que teriam de afastar Cole
Harper dos seus companheiros antes de matá-lo.
Depois disso chegou à conclusão de que fizera tudo que podia ser feito no
momento. Sentia-se seguro. Dali a pouco todos os problemas estariam resolvidos.
Enganchou os dois dedos mais compridos das mãos musculosas e puxou-os. Era um
gesto que correspondia ao esfregar de mãos dos humanos.
Grek-1 estava satisfeito consigo mesmo e com o mundo.
***
Cole Harper tinha elaborado seu plano. Tentou avaliar quanto tempo ainda lhe
restava. Não havia nada que impedisse o maahk de enviar seus homens atrás dele para
liquidá-lo. Se fizesse isso, cada segundo perdido aumentaria consideravelmente o perigo
que corria.
Foi saindo da poltrona lentamente, como se estivesse muito cansado. Halgor, Son,
Imar e Hegete estavam sentados à frente de seus consoles de comando, em silêncio e de
cabeça baixa. Certamente tinham ouvido que ele fizera um movimento, mas
permaneceram imóveis. Cole tirou a arma e destravou-a. Não tinha certeza de que com
uma simples pistola energética conseguiria assustar quatro homens que de qualquer
maneira já estavam conformados com a idéia de que iriam morrer dali a pouco. Mas
esperava que mudassem de atitude quando se apresentasse uma situação que exigisse seu
sacrifício imediato.
Aproximou-se de Halgor Sorlund, vindo de trás. Halgor continuava imóvel.
— Levante! — ordenou Cole.
Halgor levantou os olhos. Parecia cansado. A arma energética apontada para ele
parecia assustá-lo. Obedeceu à ordem de Cole, devagar, mas sem a menor vontade de
oferecer resistência.
— Que houve? — perguntou.
— Quieto! — disse Cole. — Não houve nada.
Na voz de Imar vibrava uma ponta da impulsividade que fora uma das
características do original. Cole compreendeu que deveria cuidar-se com ele.
Com alguns movimentos ativou o pequeno transmissor eletromagnético com o qual
atraíra a nave dos saltadores. Mas havia uma diferença. Desta vez regulou o mesmo para
a potência máxima. Antes que Halgor e Imar compreendessem o que pretendia fazer,
ligou o pedido de socorro automático. Depois colocou-se numa posição em que via toda a
sala de comando. Halgor estava à sua esquerda, com as mãos apoiadas no encosto da
poltrona de Imar. Son-Hao e Hegete Hegha também tinham acordado da letargia e
fitaram-no com uma expressão de espanto. Mentalmente Cole ficou contando os
segundos. O transmissor irradiava o pedido de socorro interestelar três vezes por minuto.
A potência do transmissor era suficiente para transmitir os impulsos a uma distância de
vários bilhões de quilômetros. Tudo dependia da distância a que se encontrava a nave
terrana mais próxima. Os impulsos levavam oito minutos e vinte segundos para percorrer
uma unidade astronômica. Pelos cálculos de Cole, ele conseguiria esconder-se dos
homens de Grek durante uma hora, se não houvesse nenhum imprevisto. Conhecia
melhor o interior da nave. Acreditava que qualquer nave terrana atenderia imediatamente
ao pedido de socorro. As operações de correção de rota e outras manobras consumiriam
uns quinze minutos. O vôo linear ao ponto em que se encontrava o transmissor seria
praticamente instantâneo. Restavam quarenta e cinco minutos para que os sinais fossem
captados por um receptor.
Se não houvesse uma nave terrana num raio de cinco e meia unidades astronômicas,
estaria perdido.
Imar Arcus levantou-se.
— Você não deveria ter feito isso — disse, furioso.
— Sente! — ordenou Cole.
Imar continuou de pé. Cole sabia que os próximos segundos seriam decisivos para o
êxito ou o fracasso de seu plano. Ergueu ligeiramente o cano da pistola energética e
disparou uma salva ligeira tão perto dos pés de Imar que este recuou e voltou a sentar
quase automaticamente.
Cole não lhe deu tempo para refletir.
— Tire o cinto!
Imar hesitou, mas quando Cole voltou a levantar o cano da pistola energética,
apressou-se em obedecer. O cinto caiu ruidosamente ao chão, juntamente com a arma
energética de Imar.
— Façam a mesma coisa — disse Cole com a voz tranqüila, fazendo o cano de sua
arma descrever um semicírculo.
Ninguém ofereceu resistência. Cole olhou para o relógio. Um minuto e meio tinha
passado desde o momento em que ligara o transmissor. Outro tanto, e o sinal de socorro
seria irradiado nove vezes. Seria o bastante.
— Fiquem sentados bem quietinhos — disse, dirigindo-se a Halgor e seus
companheiros, enquanto afastava com o pé os cinturões com as armas. — Vou sair um
pouco. Não pensem em chamar Grek-1. Estarei por perto. Assim que alguém puser a mão
no rádio, ele terá que se ver comigo.
Viu a expressão de raiva nos olhos de Imar Arcus e compreendeu que com as
ameaças não conseguiria nada. No fundo, nem queria. Apenas queria ganhar tempo, para
que o transmissor automático funcionasse enquanto fosse possível.
— Vou sair — repetiu. — Nada de bobagens. Entendeu?
Retirou-se o mais devagar possível em direção à escotilha. Os quatro homens
giraram as poltronas e seguiram-no com os olhos. Ele os manteve sob controle. Até
parecia um ridículo truque cinematográfico. Cole poderia ter saído de vez, pois as armas
de seus companheiros estavam tão longe que não conseguiriam pôr as mãos nas mesmas.
A escotilha abriu-se. Cole voltou a olhar para o relógio. Três minutos e pouco
menos de vinte segundos se tinham passado desde o momento em que ligara o
transmissor. Devia ser o bastante.
Atravessou rapidamente a abertura e esperou que a escotilha se fechasse. Virou a
cabeça.
— Largue essa arma, terrano! — disse uma voz metálica.
Cole sobressaltou-se. A cinco metros do lugar em que se encontrava havia cinco
maahks. Eram figuras enormes nos seus trajes espaciais, que lhes davam um aspecto
ainda mais monstruoso. Um deles tinha uma tradutora simultânea presa do lado do
capacete. Cole acabara de ouvir a voz do aparelho.
“Acabou”, pensou. Grek-1 fora mais rápido do que ele esperara. Os cinco maahks
tinham vindo para matá-lo. Quanto a isso não havia nenhuma dúvida.
Bem, que fosse. Não tinha mais nada a perder. Morreria de qualquer maneira, e
pouco importava que fosse ali ou em outro lugar.
Afastou três dedos da mão direita e pegou a pistola energética com os dedos polegar
e indicador, como se quisesse deixá-la cair ao chão. Conseguiu convencer os maahks, que
baixaram alguns centímetros os canos de suas armas pesadas.
Cole gemeu, bateu na testa com a mão esquerda e cambaleou. A pistola energética
balançava entre dois dedos da mão direita.
Os maahks pareciam espantados. Estava na hora! Cole sentiu a superfície dura e fria
de uma mão nas costas. Apoiou-se na mesma, segurou firmemente a arma numa fração de
segundo e atirou.
Os fundos do corredor transformaram-se numa nuvem incandescente. Os gritos de
pavor dos maahks foram transmitidos pelos alto-falantes de seus capacetes. Cole deu um
salto para o lado e saiu correndo. Havia um corredor lateral que passava junto à sala de
comando e dali a dez metros terminava numa galeria de carga, que levava à escotilha
principal do porão. Cole corria o mais depressa que podia. Ouviu os passos ruidosos dos
maahks atrás de suas costas. Não conseguira matar todos. Havia pelo menos dois atrás
dele. Um raio energético vermelho-alaranjado passou rente ao seu corpo. Cole deixou-se
cair para a frente e rastejou até a primeira curva do corredor. Abrigou-se atrás da mesma
e ficou atirando às cegas para dentro do corredor, para deter os maahks. A resposta não se
fez esperar. A parede à qual estava apoiado tornou-se incandescente e começou a
evaporar-se. Cole queimou a mão e soltou um grito de raiva e dor. Em meio aos vapores
que encheram o corredor numa questão de segundos apareceu a figura cambaleante de
um maahk ferido. A arma invisível que o mesmo segurava despejava um fogo vermelho.
Cole sentiu uma terrível pancada no ombro e caiu ao chão.
Tentou levantar o braço para fazer pontaria, quando a figura monstruosa do maahk
se ergueu cambaleante à sua frente, mas os músculos não obedeceram ao comando do
cérebro.
A boca afunilada de uma arma maahk estava saindo da bruma e era apontada para
ele.
Nesse momento um raio ofuscante de energia concentrada vindo não se sabia de
onde atravessou a fumaça. A figura que se erguera à frente de Cole soltou um grito e
recuou cambaleante. Cole rolou para a parede e viu o maahk cair.
O barulho passou de repente. Ainda incrédulo, Cole ficou de joelhos e olhou para
trás. A dor que sentia no ombro direito era quase insuportável. Um tiro energético o
atingira de raspão, rasgando o traje espacial e queimando a pele. Cole conseguiu abrir os
dedos da mão direita para deixar cair a pistola energética. Voltou a pegá-la com a
esquerda.
Neste momento alguém disse:
— Não se apresse, Cole. Os maahks estão liquidados!
Cole virou a cabeça. A fumaça foi descendo lentamente pelo corredor, e a figura de
um homem que envergava um traje espacial saiu da bruma. Cole conseguiu pôr-se de pé.
A dor quase lhe fez perder os sentidos, mas conseguiu cambalear na direção do
desconhecido.
A memória que o verdadeiro Cole Harper lhe deixara permitiu que reconhecesse o
homem que se encontrava à sua frente.
— Pol...!
Pol Kennan cumprimentou-o com um gesto amável.
— Isso mesmo — respondeu com a voz tranqüila. — Não faça perguntas
desnecessárias! Temos que dar o fora. Os maahks que estão na outra nave só levarão
alguns segundos para descobrir o que aconteceu por aqui. Vamos embora!
Pol estendeu a mão e Cole segurou-a prontamente. Teve uma sensação surda e
quase inconsciente de espanto ao notar que Pol conhecia perfeitamente o interior da
Kitara. Caminhou resolutamente em direção à escotilha do porão de carga principal e
abriu-a. Dos aparelhos que compunham a trilha de desvio de impulsos restava menos da
metade. A parede devoradora da bolha energética avançava lenta e inexoravelmente.
Pol arrastou o companheiro ferido para dentro do pequeno centro de comando em
cujo interior estava escondido seu traje de transporte. Colocou-o no chão e examinou seu
ombro.
— Isto dói — disse depois de algum tempo. — Mas não é perigoso!
Cole sorriu; estava feliz.
— Pol... Logo você!
Pol continuou com o rosto sério.
— Aqui estaremos em segurança por alguns minutos. Que tal você me contar o que
aconteceu?
Cole fechou os olhos. Por enquanto não sentira nada além de um alívio feliz por ter
sido salvo da morte inevitável. Só agora deu-se conta de que mal estava em segurança e
já devia uma explicação. Hesitou um pouco. Pela última vez seu cérebro artificial fez um
esforço desesperado para inventar uma história que parecesse plausível, mas ocultasse a
terrível verdade. Mas não havia tempo para isso. Chegara o momento em que teria de
revelar tudo.
Ajeitou o corpo com o ombro esquerdo, que não sofrera nada, e fitou os olhos de
Pol Kennan.
— Comecemos pelo mais importante, Pol — disse, nervoso. — Eu não sou o
verdadeiro Cole Harper...
8

Assim que a escotilha se fechou atrás de Cole, Imar Arcus levantou-se de um salto e
desligou o transmissor. Depois correu para junto da parede, recolheu os cinturões com as
armas e entregou a cada um a sua.
— Temos de avisar Grek-1 — fungou. — Ele precisa saber imediatamente o que
está acontecendo.
Foi interrompido. O receptor zumbiu. Imar ligou. A voz mecânica saída de uma
tradutora simultânea disse:
— A nave de vocês está transmitindo um sinal de grande intensidade, terrano! O
que significa isso?
Imar fez um relato apressado.
— Com isto a situação se modifica — disse a voz. — Já não podemos esperar que
não nos descubram — Imar espantou-se ao notar que não perdeu uma única palavra com
Cole Harper. — A qualquer momento uma nave inimiga pode aparecer por aqui. Temos
de dar início a uma manobra de camuflagem. Enviarei um grupo de robôs de combate.
Eles os atacarão. Procurem defender-se!
Imar confirmou o recebimento da ordem. Desligou e virou a cabeça. Halgor, Son-
Hao e Hegete fitaram-no com uma expressão de espanto.
— O que significa isso? — perguntou Halgor com a voz apagada.
— Isto significa — respondeu Imar — que teremos uma boa explicação para o fato
de a tripulação da Kitara ter desaparecido e de não termos dado notícias. Em vez de
destruir-nos numa explosão nuclear, o comandante maahk preferiu apoderar-se da nave,
deixando-a intacta até onde isso fosse possível. Enviou um grupo de robôs para dar cabo
da tripulação. As máquinas de guerra não tiveram dificuldades com os terranos
inexperientes. Mataram-nos e atiraram seus corpos no espaço. Mas nós, que conhecemos
os maahks, conseguimos resistir por algumas horas aos robôs.
De repente teve uma idéia.
— Até poderíamos...
— Um instante — interrompeu Halgor.
Levantou-se e foi para perto da escotilha.
A pesada chapa de metal deslizou para o lado, deixando entrar uma onda de barulho
e fumaça. Imar recuou apavorado e lançou um olhar assustado para fora.
A cinco metros do lugar em que estava havia os corpos de dois maahks caídos ao
chão. Seus trajes protetores estavam estragados. O cheiro desagradável de amoníaco e
plástico queimado enchia o ar. O barulho vinha mais de baixo, do lugar em que um
corredor lateral terminava junto à galeria de carga principal.
Uma fumaça espessa enchia o corredor.
Imar voltou.
— Não sei o que está acontecendo, mas acho que devemos dar o fora — disse
fungando. — Vamos erguer uma barricada num dos porões de carga menores. Levem
todas as armas e provisões que puderem carregar.
Sua impulsividade contaminou os companheiros, que se levantaram de um salto e
pegaram outras armas além das que já carregavam. Quando saíram da sala de comando,
lá embaixo já estava tudo em silêncio. A fumaça estava menos espessa. Imar viu mais
três maahks caídos ao chão. Estavam todos mortos.
Foram saltando um após o outro para dentro do elevador antigravitacional que
levava ao convés superior. Imar não perdeu tempo. Escolheu um dos seis compartimentos
de carga dispostos em torno do centro do convés. As armas e os mantimentos foram
colocados no centro do compartimento, que estava vazio. Imar fez um ligeiro inventário e
constatou que dispunham de armas e mantimentos para resistir alguns dias.
No fundo não lhe importava nem um pouco que conseguissem arranjar-se com isso
ou não. Tinham sido criados para executar certa tarefa. Concluída esta, deviam estar
preparados para serem eliminados. Era, em resumo, o destino de todos os humanóides.
Assim mesmo surpreendeu-se desejando ardentemente que uma nave terrana
aparecesse quanto antes nas proximidades.
***
Pol estava sentado todo duro, absorto em suas reflexões. Acabara de ouvir o que o
homem que se encontrava à sua frente tinha a dizer. Havia coisas tão grandiosas, tão
terríveis, tão estranhas, que a inteligência não conseguia digeri-las. Limitava-se a
registrá-las e guardá-las.
— O senhor... — principiou Pol, confuso — ...você não é Cole Harper.
— Você não seria capaz de me distinguir do verdadeiro Harper, nem você, nem
qualquer outra pessoa — respondeu o humanóide.
Pol parecia deprimido.
— Sim. Mas...
— Sei o que está sentindo — interrompeu Cole. — Procure pensar no que eu sinto.
Fico andando por aí o tempo todo com a impressão de que eu não sou eu mesmo!
Pol fitou-o por alguns segundos. Cole teve a impressão de que estava olhando para
além dele. Finalmente levantou-se abruptamente, como se tivesse tomado uma decisão.
Saiu caminhando em direção à escotilha.
— Não adianta quebrar a cabeça com problemas metafísicos — disse em voz alta e
clara. — Você se parece bastante com Cole Harper. Estamos nos dando muito bem. A
única coisa que importa no momento é salvar a pele. Sua pele e a minha. Você conhece
os maahks melhor que eu. O que farão em seguida?
Cole quis dar de ombros. Seu rosto ficou desfigurado quando a dor lancinante lhe
recordou a ferida que sofrera. Pol tratara da mesma da melhor forma que isso era possível
com o estoque reduzido de medicamentos que trazia consigo.
— Não faço idéia — respondeu Cole. — Grek-1 deve ter ouvido o pedido de
socorro. Só pode esperar que nas próximas horas uma nave terrana apareça por aqui. Não
arriscará um combate. Mas ninguém sabe o que lhe dará na cabeça. Talvez resolva
destruir a Kitara com tudo que se encontra a bordo, talvez resolva enviar um comando de
abordagem que dê cabo de nós.
Pol sacudiu a cabeça.
— Alguma coisa não está certa — constatou. — Se o maahk resolvesse destruir a
Kitara, ele o teria feito logo. Será que ele ainda precisará de alguma das peças espalhadas
por aí?
Cole reconheceu que essa possibilidade não podia ser excluída.
— Neste caso estaremos em segurança, enquanto ainda houver algum aparelho lá
fora — concluiu Pol. — Por quanto tempo será?
Cole pôs-se a refletir.
— O teor energético da bolha é constante — disse no tom de quem fala consigo
mesmo. — Quer dizer que a formação da bolha será cada vez mais rápida, à medida que
diminuir o número de objetos que a mesma tem de recolher — levantou os olhos. —
Acho que vai demorar menos de uma hora.
Pol mordeu o lábio. Era menos do que ele acreditara.
— Suponhamos que eles resolvam enviar um comando de abordagem —
prosseguiu. — Eles descobririam imediatamente que estamos escondidos no porão de
carga principal. Eles se espalhariam em torno do mesmo e passariam ao ataque assim que
a bolha energética tivesse concluído o transporte dos aparelhos. Depois disso estaríamos
numa armadilha.
Formou seu plano enquanto ainda estava falando. Só havia uma saída. Se Felipe
tivesse reagido ao aparecimento da nave cilíndrica conforme ele previra, a Ploféia devia
estar a três unidades astronômicas de distância. Pouco menos de quinze minutos se
passariam antes que o pedido de socorro expedido por Cole alcançasse a nave. A reação
de Felipe seria imediata. Quanto a isso não havia a menor dúvida. Se tudo desse certo, a
Ploféia poderia chegar dentro de meia hora. Teriam de agüentar até lá. Ao que parecia, o
mais fácil seria esperar no porão principal até que chegasse auxílio. Enquanto a bolha
energética não concluísse seu trabalho, os maahks não poderiam atacar esse recinto. Pelos
cálculos de Cole, isso ainda deveria demorar cerca de uma hora. Mas havia um problema.
Antes de resgatá-lo juntamente com Cole, os tripulantes da Ploféia teriam de pôr fora de
ação o comando de abordagem. Ninguém sabia quanto tempo demoraria isso. Tudo
dependia da força do comando. Um número bastante elevado de maahks talvez fosse
capaz de numa frente defender-se dos atacantes vindos da Ploféia, e na outra frente
penetrar no porão de carga e matá-lo juntamente com Cole.
Portanto, teriam de sair do porão em que se encontravam. Cole precisava de uma
pausa para descansar.
Quando estivessem em condições de sair, os maahks já teriam chegado e manteriam
ocupadas todas as saídas. Os dois teriam de criar um novo caminho de fuga.
Pediu que Cole lhe explicasse os arredores do porão de carga. Assim que acreditou
estar suficientemente informado, saiu da sala de comando e mandou que Cole ficasse
deitado, para que pudesse voltar a entrar em ação quanto antes. Uma vez no corredor,
saiu à procura de um lugar em que, segundo a descrição de Cole, devia haver uma sala
alongada que servia de depósito de ferramentas. Ligou sua arma energética para a
potência máxima e disparou um raio concentrado contra a parede de metal plastificado.
As paredes das espaçonaves eram construídas para resistir a esse tipo de ação. Pol
sentiu isso. Levou nada menos de cinco minutos para abrir um buraco de dez centímetros
de diâmetro. Mais dez minutos, e o tamanho do buraco era suficiente para que pudesse
enfiar a cabeça e olhar em torno. As informações de Cole eram corretas. O buraco ficava
quase exatamente no centro da parede dos fundos da sala de ferramentas. Esta tinha
pouco menos de três metros de largura por oito de comprimento. Conforme afirmara
Cole, a saída levava a uma área do convés central que não podia ser vista de qualquer
ponto do compartimento de carga principal.
Pol trabalhava sem parar. Em menos de quinze minutos o buraco permitia que
passasse pelo mesmo. Era quanto bastava, pois Cole Harper tinha a mesma estatura que
ele. Atravessou a sala e abriu cuidadosamente a escotilha que levava ao convés central.
Viu um corredor largo e bem iluminado à sua frente. Havia um forte ruído, vindo
não se sabia de onde. Pol pôs-se a escutar. O barulho parecia cada vez mais próximo.
Deixou a escotilha aberta e atravessou o corredor, até atingir uma curva da qual podia ver
a entrada principal do porão de carga. Lançou um olhar para a frente e recuou
apressadamente.
O que acabara de ver bastava para congelar o sangue até mesmo nas veias de um
homem destemido. Cerca de duas dezenas de objetos ovais, de quase três metros de
altura, estavam suspensas no ar lá embaixo, chiando e zumbindo incessantemente. Cada
um desses objetos estava cercado por um círculo de braços tentaculares móveis. As
estranhas criaturas movimentavam-se a apenas dez centímetros do chão, dando a
impressão de que estavam apoiadas numa armação invisível.
Pol logo se recuperou do susto e arriscou mais um avanço. Desta vez teve
oportunidade de examinar melhor as estranhas criaturas. Constatou que seus corpos
tinham formas geométricas regulares. Os envoltórios dos corpos ovais eram
completamente lisos. A superfície emitia um brilho metálico. Pol teve a impressão de que
as criaturas estranhas, vinte e quatro ao todo, eram exatamente do mesmo tamanho.
A confiança que sentia sofreu um forte abalo. Acreditara que teria de lutar com os
maahks. Fosse qual fosse a opinião que a pessoa tinha dos maahks, eles eram seres que
sentiam e possuíam um sadio instinto de auto-conservação, que conforme as
circunstâncias poderia representar uma vantagem para o inimigo.
Os objetos ovais que se encontravam lá na frente não eram maahks.
Eram robôs.
***
Os cientistas de Grek resolveram o problema num tempo recorde. Quando o grupo
de ataque, formado por trinta e dois robôs de combate de alta qualidade, saiu da nave
maahk para colocar a Kitara no estado que Grek-1 julgava desejável caso fosse ela
descoberta por uma nave terrana, um dos robôs carregava um objeto cuidadosamente
embalado, cujas dimensões correspondiam mais ou menos às de um corpo humano.
Grek-1 ainda não tivera notícias dos cinco homens que enviara atrás de Cole
Harper. Isso contrariava flagrantemente as instruções que tinha dado. Como sabia que
nenhum dos seus subordinados seria capaz de fazer qualquer coisa que contrariasse sua
vontade, concluiu que alguma coisa devia ter acontecido ao grupo. Uma coisa grave, que
tornava impossível a transmissão de um relatório.
Em outras palavras, os cinco maahks estavam mortos.
Com isso Cole Harper ascendeu aos olhos de Grek à posição de inimigo número um
dos maahks. Deu ordem para que os robôs se dividissem em dois grupos. Um deles,
formado por oito robôs, perseguiria Halgor Sorlund e seus três companheiros e entraria
em combate com os mesmos. O outro grupo, que era três vezes mais numeroso, trataria
de localizar Cole Harper e dar cabo dele.
Grek-1 deu-se conta de que imaginara que a operação fosse muito mais fácil do que
realmente era. Teve de confessar que estava enfrentando uma espécie de dilema. Sem
dúvida os robôs de combate fariam um trabalho completo a bordo da Kitara. Mas havia as
peças da trilha de desvio de impulsos que teriam de ser levadas de qualquer maneira para
bordo de sua nave. A qualquer momento poderia surgir uma nave inimiga. Acontece que,
se fosse mantido o suprimento atual da bolha energética, a descarga da Kitara ainda
demoraria algum tempo.
A bolha energética era uma coisa muito útil. Só tinha uma desvantagem. Consumia
toda a energia que os geradores da nave maahk podiam ceder sem afetar as funções vitais
do veículo espacial.
Grek-1 resolveu tomar uma medida drástica. Reduziu o consumo de energia de sua
nave. Em virtude disso o suprimento de ar, a iluminação e a calefação deixaram de
funcionar em vários lugares. A energia ganha foi projetada em direção à Kitara, para que
a formação da bolha energética pudesse ser completada mais depressa.
Dali a instantes teve oportunidade para felicitar-se pela decisão audaciosa. Os
rastreadores registraram a presença de impulsos energéticos gerados por sistemas
propulsores de alta potência. Na opinião de Grek-1 isso só podia significar que uma nave
terrana tinha captado o pedido de socorro emitido pela Kitara e resolvera vir em auxílio
da mesma. Levaria apenas alguns segundos para aparecer na tela dos rastreadores de
matéria. Conforme a precisão com que trabalhavam seus goniômetros, materializaria
entre zero e cinco milhões de quilômetros de distância. Grek-1 poderia desaparecer no
espaço linear com sua nave.
“Por enquanto nada está perdido”, concluiu Grek.
***
Quando Pol chegou ao porão de carga principal, notou que alguma coisa tinha
mudado. Olhando constantemente, criara uma sensação segura que lhe dizia com que
rapidez avançava aquilo que Cole Harper chamava de bolha energética, fazendo
desaparecer a aparelhagem. Ficou observando durante um minuto e chegou à conclusão
de que a frente da bolha energética realmente avançava bem mais depressa.
Resolveu agir imediatamente. Dentro de alguns minutos o pavilhão estaria vazio, e
então os robôs poderiam passar ao ataque. Teriam que dar o fora quanto antes, senão
estariam perdidos. Correu para a sala de controle e ajudou Cole a pôr-se de pé. Forneceu
uma explicação apressada. Cole esboçou um sorriso e garantiu que se sentia muito bem.
Quando chegou ao porão de carga, Pol viu que agira no último instante. Só sobrava
um punhado de aparelhos. A parede invisível quase chegava a desenvolver a velocidade
de um homem a pé.
Cole foi o primeiro a passar pelo buraco que Pol tinha aberto na parede dos fundos
da sala de ferramentas. Não foi muito hábil e bateu com o ombro ferido. Pol ouviu-o
respirar profundamente e viu que estava cambaleando. Segurou-o nos quadris para evitar
que caísse. Cole virou o rosto muito pálido para ele. Estava com os dentes profundamente
cravados no lábio inferior e sacudiu a cabeça.
Avançaram o mais depressa que puderam para a parte da frente da sala. Pol abriu
cuidadosamente a escotilha. O zumbido e as batidas produzidas pelos robôs continuavam
a vir do lado direito. À sua esquerda tudo parecia estar em silêncio. Pol empurrou Cole à
sua frente. O mesmo devia sofrer dores horríveis. Mal conseguia coordenar os passos.
Tropeçava em vez de caminhar.
Não havia tempo para perguntar aonde levava o corredor. Pol tinha que assumir o
risco. Certamente encontrariam um poço de iluminação, ou uma rampa que levava para
outro convés. Deviam deixar os robôs para trás o mais que fosse possível e atingir a
periferia da nave. Se conseguissem isso, poderiam ficar escondidos até que os homens da
Ploféia subissem a bordo.
Quando tinham percorrido dez metros, chegaram a um corredor largo, no qual
desembocava perpendicularmente o corredor vindo do porão de carga. Pol parou. Estava
indeciso.
— Para onde vamos? — perguntou.
— Para a direita — resmungou Cole entre os dentes.
Sua ferida se abrira. O sangue corria pelas bordas incrustadas da perfuração
produzida pelo tiro. Pol estava preocupado. Perguntou-se quanto tempo Cole ainda
agüentaria. Era apenas um humanóide, mas sua semelhança com o verdadeiro Cole
Harper era tamanha que Pol não seria capaz de abandoná-lo por aí.
Pegaram o corredor da direita. Pol teve a impressão de que já conhecia a disposição
dos diversos corredores. O porão de carga principal ficava em posição assimétrica em
relação ao centro da nave. O ponto central do mesmo ficava obliquamente embaixo do
centro de gravidade da nave. Afastaram-se do porão e caminharam em direção a um dos
grandes poços de carga que levavam da eclusa inferior para dentro da nave. Bastaria que
se deixassem cair no poço para irem parar numa das eclusas inferiores. Pol estava cada
vez mais otimista. De forma alguma se poderia dizer que estavam perdidos. Mais alguns
minutos, e estariam em segurança.
Mal concluiu estes pensamentos, um estrondo sacudiu o corpo metálico da nave. O
chão ergueu-se como se estivesse sendo sacudido por um terremoto. Cole caiu ao chão, e
Pol perdeu alguns segundos preciosos levantando-o. O ruído da batalha vinha de algum
lugar, provavelmente através do poço de carga. Pol ouvia o zumbido e os estrondos
produzidos pelos robôs, que se misturavam ao chiado das armas energéticas. Acreditara
que os robôs que se encontravam junto à entrada do porão de carga principal fossem os
únicos que estavam a bordo. Mas viu que não era assim.
Num dos conveses superiores estava sendo travada uma batalha encarniçada.
Provavelmente os maahks também estavam usando robôs contra Halgor Sorlund e seus
companheiros.
Cole estava exausto. Pol arrastou-o atrás de si. O corredor descreveu uma curva
suave. O barulho vindo de cima era cada vez mais forte. Pol viu a abertura extensa do
poço de carga. Segurou Cole pelos quadris e carregou-o o resto do caminho.
Quando ainda se encontravam a quatro ou cinco metros do poço, aconteceu uma
coisa que destruiu suas esperanças. Ouviu um chiado. Antes que se desse conta do que
era, uma figura gigantesca saiu da abertura do poço. Parecia que notara imediatamente a
presença dos dois homens. Permaneceu quase imóvel, flutuando no centro do corredor e
fechando-lhes o caminho. Era uma figura oval brilhante de quase três metros de altura,
dotada de sete extremidades parecidas com garras, que descansava sobre uma almofada
energética que zumbia constantemente.
Pol estacou. Estava indefeso diante do robô. Segurava Cole nos braços. O ser
mecânico o mataria antes que pudesse soltar Cole e pegar a arma.
9

Grek-1 estava satisfeito.


Os robôs estavam a bordo da Kitara, e juntamente com eles aquilo que corrigiria
definitivamente o erro cometido na geração de Cole Harper.
A nave cilíndrica de Grek recolhera a bolha energética com as peças da trilha de
desvio de impulsos e se afastara do palco dos acontecimentos. Só ficou para trás a Kitara,
que os trinta e dois robôs logo transformariam num casco perfurado em toda parte. Ainda
havia cinco terranos, que poderiam sair vivos da batalha com os seres mecânicos ou não.
Para Grek-1 isso não fazia nenhuma diferença. Não tinha a menor dúvida de que os robôs
localizariam e destruiriam o rebelde chamado Cole Harper. Os outros duplos
desempenhavam um papel secundário. Eram como deviam ser os humanóides. Se
sobrevivessem à batalha, voltariam a desempenhar o mesmo papel de antes, assim que
fossem recolhidos por uma nave terrana. Se não sobrevivessem, não teria importância. A
bordo da Kitara não restaria nenhum sinal das funções que a mesma tinha desempenhado.
A gigantesca nave maahk deslocava-se em alta velocidade e de forma segura pelo
espaço linear. O destino de Grek era um ponto bem distante do palco dos acontecimentos
que se desenrolavam no momento. Levava consigo grande número de trilhas de desvio de
impulsos e multiduplicadores. Possuía os aparelhos de que precisava para dar início à
invasão a ser realizada pela frota maahk. As trilhas de desvio de impulsos lhe permitiriam
transportar uma nave maahk após a outra para um lugar situado no interior da galáxia em
que por enquanto não corria perigo de ser descoberta. E por meio dos multiduplicadores
produziria um número tão elevado de humanóides que a resistência do Império Solar
acabaria desmoronando. Grek-1 estava muito bem informado sobre as personalidades
mais importantes do Império. Não acreditava que a Terra fosse capaz de resistir por
muito tempo, se em dez ou vinte lugares diferentes aparecessem simultaneamente pessoas
que se parecessem exatamente com Perry Rhodan ou Allan D. Mercant.
Grek-1 tinha todo motivo para estar satisfeito consigo mesmo.
***
O robô hesitou. Pol teve uma idéia. Por enquanto nenhum dos maahks sabia que ele
se encontrava a bordo. Quem sabe se o robô não estava refletindo para descobrir o que
significava aquilo?
De repente Cole fez um movimento. Pol teve medo de que sofresse mais um acesso
de fraqueza e segurou-o com mais força. Cole afastou sua mão e ergueu-se.
— Não fique nervoso — resmungou em voz baixa.
O tom de sua voz mostrava que estava prestes a desmaiar de dor.
Pol não sabia o que Cole pretendia fazer. Teve uma surpresa enorme ao vê-lo dar
um passo para o lado e investir contra o robô com um terrível berreiro.
— Pare, seu idiota! — gritou Pol.
Mas não havia mais ninguém que segurasse Cole. Usou as forças que lhe restavam
para correr em direção ao ser mecânico. Pol viu-o tirar a arma do cinto e fazer pontaria
enquanto estava correndo.
O robô percebeu que estava na hora de fazer alguma coisa. Seus tentáculos
agitavam-se que nem um chicote. Quando Cole já estava bem perto dele, começou a
atirar contra o atacante.
Pol não sabia como isso tinha acontecido, mas de repente estava com a pistola
energética na mão. Louco de raiva e dor, foi despejando salva após salva em direção à
figura feita de metal e chamas. Não descansou enquanto o robô que acabara de dissolver
Cole não estivesse reduzido a uma poça que se espalhava pelo chão.
Pol saiu caminhando com as pernas duras em direção ao poço de carga. Parecia que
seu ser consciente se tinha desligado. Movimentava-se sob o impulso do plano que
elaborara pouco antes. Mal sabia o que estava fazendo. A morte de Cole Harper lhe tirara
o sentido da realidade. Fora apenas um humanóide — mas que humanóide!
Pol saltou para dentro do poço do elevador. Ouviu barulho. Desta vez também vinha
de trás. Teve a idéia vaga de que naquele momento os robôs provavelmente estavam
entrando no porão de carga, onde esperavam encontrar Cole Harper. Foi descendo
lentamente. O poço estava fortemente iluminado. Olhou para cima e viu a saída do
convés superior, de onde parecia vir o barulho. Os ruídos misturaram-se a um trovejar
confuso, que saía de todas as frestas da nave. Tinha-se a impressão de que um gigante
estivesse martelando o casco da Kitara.
Pol não se incomodou com isso. Foi parar em segurança na chapa que fechava a
câmara da eclusa para o lado do elevador. Por um instante seus joelhos ameaçaram ceder
sob os efeitos de um ataque de debilidade. Pol apoiou-se na parede e fez uma pequena
pausa.
Procurou o mecanismo que abria a eclusa. Ficava na parede oposta e consistia numa
série de botões, cuja finalidade Pol não compreendeu à primeira vista. Flutuou para o
outro lado e pôs-se a examinar o painel de controle.
Enquanto isso o barulho foi diminuindo de repente. Até parecia que uma parede
acústica se interpusera entre ele e a fonte do ruído. Pol viu-se cercado pelo silêncio.
Na verdade, não era um silêncio completo. Ainda havia um chiado e zumbido leve,
vindo não se sabia de onde. Colocou o dedo no botão que finalmente reconhecera ser o
que devia acionar e olhou para cima, perplexo.
Viu-os imediatamente!
Uma horda de robôs ovais se enfiara no elevador, vinda do convés superior, e descia
lentamente em direção ao lugar em que ele se encontrava.
Sem que se desse conta disso, comprimiu o botão. O chão do poço do elevador
dividiu-se ao meio. Devagar, devagar demais, as duas metades foram entrando na parede.
Embaixo dele ficava a câmara enorme da eclusa inferior. Pol sabia que o campo de
gravitação artificial se estendia até o chão da eclusa. Não perdeu tempo. Saltou para a
câmara. O campo gravitacional o fez descer suavemente. Abaixou-se e disparou ao acaso
para dentro do elevador.
A reação dos robôs foi imediata. Uma torrente de fogo vermelho saiu do poço do
elevador e obrigou Pol a retirar-se às pressas. Recuou até a escotilha externa. Fechou
instintivamente o capacete de seu traje espacial. A extremidade do poço do elevador
ficava cerca de oito metros acima dele, em posição oblíqua. Mantinha a arma tão
firmemente apontada para a abertura do poço que sua mão começou a tremer. Suas
chances não eram muito brilhantes. Atirou no primeiro robô que desceu, saindo do
elevador, mas o segundo passou atrás dele e atingiu o chão da eclusa sem que Pol
pudesse fazer qualquer coisa para evitar que isso acontecesse.
Só teria uma chance se a Ploféia aparecesse antes que fosse tarde. Felipe Hastara
daria ordem para que seus homens entrassem pelas eclusas de carga, porque eram mais
espaçosas que as outras. Assim que chegassem à Kitara, Pol estaria salvo. Mas até lá...
O corpo reluzente de um robô foi descendo pelo poço do elevador. Pol nunca
reagira tão depressa. Um raio energético fulgurante saiu chiando de sua arma e
precipitou-se contra a figura metálica, envolvendo-a numa nuvem de fogo. O metal
plastificado liquefeito foi pingando no chão. Pol mudou de posição. Mais um robô
apareceu. A fúria destruidora do raio energético atingiu-o tão depressa quanto o primeiro.
O ardor com que Pol combatia não tinha limites. Já destruíra dois robôs. Quantos
ainda poderia haver lá em cima? Um terceiro robô foi descendo. Um quarto. Pol deu uma
gargalhada furiosa e histérica e foi atirando e atirando e atirando...
Os seres mecânicos foram saindo do elevador em grupos. Um fulgurante raio de
fogo vermelho surgiu à frente do visor do capacete de Pol. Este atirou-se para o lado. Já
era tarde. Um prego incandescente parecia penetrar em seu ombro. A dor lancinante
espalhou-se por todo o corpo, partindo do ponto de penetração do tiro.
Pol caiu ao chão. Mesmo deitado, continuou a atirar. Voltou a ser atingido, desta
vez na perna. A visão começou a turvar-se. Via dois robôs no lugar de um, ou então o
diabo sabia de onde de repente vinham tantos. Sabia que tinha perdido o jogo, mas a raiva
insensata que sentia pelas máquinas desalmadas que tinham matado Cole Harper
impediu-o de confessá-lo.
Mais tarde não se lembraria dos detalhes da luta. Só se lembraria de que bem à sua
frente, a uns dois metros de distância, três robôs explodiram ao mesmo tempo. Talvez
ainda recordasse um pouco do alívio tremendo que sentira quando de repente ouvira
vozes — vozes humanas!
Mas não se lembraria do último tiro disparado por ele. Não tinha feito pontaria, mas
destruiu o robô que acabara de fazer pontaria para liquidá-lo de vez.
A noite desceu sobre o Major Pol Kennan — por muito tempo.
***
A viagem de regresso da Ploféia correu em silêncio. Um ponto positivo fora ganho
face ao inimigo, mas nem por isso o jogo chegara ao fim.
Assim que a nave pousou, o Coronel Felipe Hastara foi para bordo da Crest II, que
dominava o campo de pouso como se fosse uma enorme fortaleza. Já estavam à sua
espera. Foi conduzido prontamente à suíte do Administrador-Geral. Perry Rhodan não
estava só. Reginald Bell e Atlan, o arcônida, também estavam à espera de Felipe para
ouvir seu relatório.
Felipe disse o que tinha a dizer e concluiu:
— Quando recebi o pedido de socorro automático da Kitara, decolei sem perda de
tempo. Seria inútil aguardar o sinal de chamada do Major Kennan. Quando me
aproximava do ponto de transmissão, localizei a nave desconhecida, que estava
estacionada junto à nave-transporte. Ela desapareceu enquanto me orientava e entrava na
rota que levaria à Kitara. A distância era grande e por isso seria difícil reconhecer a forma
da nave. Em minha opinião devia ser mais ou menos a de uma viga, com mais de dois
quilômetros de comprimento e de trezentos a seiscentos metros de espessura. Isto
combina com a descrição fornecida por Halgor Sorlund, embora eu não saiba até que
ponto a gente pode confiar nas informações fornecidas pelos homens do grupo de
Sorlund.
“Quando ainda nos encontrávamos a mil quilômetros de distância, detectamos as
radiações remanescentes produzidas por fortes descargas verificadas a bordo da nave-
transporte. Não havia dúvida de que uma luta estava sendo travada no interior da mesma.
Paramos junto ao costado da Kitara. Um grupo de cem homens saiu para o espaço e fez a
abordagem da nave-transporte. A primeira coisa que os homens viram foi o Major
Kennan, que estava deitado no chão de uma das eclusas de carga e, já quase sem forças e
gravemente ferido, defendia-se de um grupo de robôs em forma de ovo. Meus homens
eliminaram os robôs e revistaram a nave. Encontraram Halgor Sorlund e três homens de
seu grupo num pequeno compartimento de carga situado no convés superior. Tremiam
que nem vara verde. Estavam sendo acossados pelos robôs. Todos eles apresentavam
vários ferimentos e a parede do compartimento praticamente consistia apenas em buracos
abertos a fogo. Um quinto homem foi encontrado numa saleta do convés central. Só tinha
trocado alguns tiros com os robôs e conseguira esconder-se dos mesmos. Certamente se
restabelecerá mais depressa que os outros quatro homens.
“Faço questão de ressaltar, senhor, que no que diz respeito a Halgor Sorlund e seu
grupo, só reproduzo o que os mesmos me contaram.
“Sorlund afirma que no início a nave cilíndrica se dispunha a partir para o ataque
frontal com a Kitara, na intenção de destruí-la com algumas salvas. Diz que desse erro de
avaliação resultou o pedido de socorro, que ainda teria sido expedido pelo comandante
anterior da Kitara. Mas o inimigo parou junto ao costado da nave e enviou um comando
formado por trinta e dois robôs. Segundo diz Sorlund, os antigos tripulantes não
representaram nenhum obstáculo para as máquinas. Aqueles homens não tinham
nenhuma experiência com os robôs dos maahks. Sorlund e seus homens conseguiram
agüentar-se por mais algum tempo — o suficiente para que a Ploféia aparecesse. O
segundo pedido de socorro teria sido expedido pelo homem que mais tarde ficou
escondido no convés central.
“Por enquanto não se pode informar nada sobre o papel que o Major Kennan
desempenhou nos acontecimentos. Mas uma coisa é certa. Nem Sorlund nem qualquer
dos seus companheiros sabia da presença do mesmo. Até agora não sabem.”
Perry Rhodan acenou com a cabeça.
— Este detalhe poderá assumir uma importância extraordinária, coronel —
constatou. — Como vai o Major Kennan?
— Dentro do possível vai bem, senhor. Pelo que dizem os médicos, é um milagre
que ainda esteja vivo. Está num estado de inconsciência profunda, mas a crise já passou.
Os médicos não querem interferir no processo de regeneração espontânea do organismo.
Kennan certamente ainda demorará uma semana para recuperar os sentidos.
— Os cinco homens foram tratados bem?
Esta pergunta decisiva foi formulada por Reginald Bell, em tom calmo.
— Sim senhor — respondeu Felipe em tom sério.
Fizemos tudo para levá-los a acreditar que estávamos satisfeitos por terem sido
salvos. Procuramos dar a impressão de que acreditávamos em tudo que diziam e nos
sentíamos felizes em ter homens tão valentes entre nossos amigos.
— Excelente — elogiou Atlan. — Os homens não foram submetidos a exames?
— Somente os estritamente necessários para que recebessem o tratamento de que
precisavam.
— Assim que estiverem em condições de viajar, estes homens serão colocados a
bordo da Crest — disse Perry Rhodan. — Tenho certeza, coronel, de que o senhor se
sentirá satisfeito por livrar-se deste peso.
Felipe sorriu.
— Ficarei satisfeitíssimo, senhor! — disse em tom compenetrado.
— O senhor deve estar interessado em saber — prosseguiu Perry, enquanto um
brilho estranho surgia em seus olhos cinzentos — que neste duro episódio surgiram fatos
que nos levaram a acreditar ainda menos no que diz essa gente. A EX-oito zero três
tentou, por ordem sua, recolher os destroços de uma nave que, segundo se diz, teria sido
destruída numa explosão nuclear provocada pela Kitara. É verdade?
— Perfeitamente, senhor.
— A EX-oito zero três cumpriu sua tarefa com grande dedicação. Pelos fragmentos
recolhidos conclui-se que a nave destruída deve ser a Koltz LXVI, pertencente aos
saltadores. Não temos a menor idéia do que poderia estar fazendo nesta área. Mediu-se a
radioatividade dos destroços. Os espectros de radiações indicam que a Koltz LXVI
realmente foi destruída por bombas do tipo que a Kitara tinha a bordo — fez uma ligeira
pausa e concluiu. — É claro que os cinco “amigos” com que o senhor se encontrou não
mencionaram o incidente. Não sabemos o que pensar de Halgor Sorlund e seus
companheiros. Talvez tenham sido submetidos apenas a uma influência hipnótica de uma
espécie completamente desconhecida dos nossos psicofísicos. Mas também é possível
que nem sejam eles mesmos. Como disse, não sabemos. Mas uma coisa posso garantir.
Havemos de descobrir. Prometo isto ao senhor e a qualquer pessoa que me queira ouvir.
Fez continência. Felipe viu nisso um sinal de que tinha sido dispensado. Enquanto
caminhava para a porta, foi detido pela voz de Perry Rhodan.
— Como é mesmo o nome do homem que soube esconder-se tão bem dos robôs, só
tendo sofrido ferimentos insignificantes? — perguntou.
— Cole Harper, senhor — respondeu Felipe.
***
Os destroços da Kitara vagavam pelo espaço a oitocentos anos-luz dali. Felipe
Hastara mandara revistá-los cuidadosamente e os deixara abandonados. Em muitos
lugares o casco tinha sido rompido por tiros energéticos. Quando os homens da Ploféia
penetraram na nave, o vácuo reinava em seu interior. Os rombos concentravam-se
principalmente em torno da escotilha externa da eclusa de carga em cujo interior Pol
Kennan fora encontrado.
Será que um dia esses destroços revelariam o segredo que traziam consigo?
O segredo que se resumia numa poça endurecida de metal plastificado, em cujo
interior os restos de um robô se misturavam com os do corpo de Cole Harper?
Do humanóide Cole Harper, bem visto.
Mas mesmo como humanóide fora um homem tão sincero que quase não se
diferenciava do verdadeiro Cole Harper.
Pol Kennan talvez pudesse resolver o mistério. Mas Pol Kennan estava
inconsciente. Por enquanto não poderia prestar declarações.

***
**
*
O jogo dos duplos, que desde o início
provocara as desconfianças de Atlan e Gucky,
foi descoberto. Mas falta a prova definitiva de
seus atos de traição. Pol Kennan, que poderia
esclarecer tudo, jaz inconsciente.
Atlan acha que a situação é tão grave que
está disposto a usar a arma secreta da USO —
Os Parasprinters!
Leia a história no próximo volume da série
Perry Rhodan.

Visite o Site Oficial Perry Rhodan:


www.perry-rhodan.com.br

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