Resenhado por João Alberto Cardoso Barbosa RA: 340075
O livro resenhado em questão tem por titulo Cultura e Participação nos
Anos 60, cujos autores são Heloisa Buarque de Hollanda e Marcos Augusto Gonçalves, tendo a primeira edição sido lançada em 1982 pela Editora Brasiliense. O livro aborda os contornos políticos, artísticos e culturais que faziam parte do cotidiano da sociedade brasileira na década de 60, mostrando a tomada do poder pós-golpe de 64, a movimentação para manter o controle do país pelos militares bem como as formas encontradas pelas parcelas da sociedade que não se conformavam em simplesmente abaixar a cabeça para tudo o que estava ocorrendo no país, dentre estes pode se destacar artistas, estudantes e religiosos que de diversas formas lutaram literalmente contra o regime militar, buscando liberdade das amarras da ditadura instaurada.
Em seu prólogo o livro destaca as movimentações que estavam
ocorrendo pelo país desde o início dos anos 50, o surgimento de novas organizações sindicais que visavam as pretensões dos trabalhadores rurais e urbanos, a inquietação da classe média em relação a subversão e a instabilidade econômica do país, as discussões de estudantes ligados a UNE e intelectuais que se viam favoráveis as reformas estruturais e discutiam abertamente as perspectivas de transformações que mobilizavam o país, através da construção de uma cultura nacional, popular e democrática que trabalhasse direto com as massas para trazer a elas a consciência de si mesma.
No período pós-guerra na década de 50 há uma intensificação no
processo de industrialização no Brasil devido a crescente entrada de capital estrangeiro em vista de associações com empresas nacionais, nesse contexto o governo de João Goulart se via pressionado pelos interesses das diversas classes e precisava dessa forma definir suas opções, oscilante entre pressões irremediáveis o governo acabaria por ceder o terreno à reorganização do Estado pelo regime militar. O golpe de 64 trouxe consigo a reordenação e o estreitamento dos laços de dependência, a intensificação do processo de modernização, a racionalização institucional e a regulação autoritária das relações entre as classes, dando vantagem aos setores ligados ao capital monopolista. Esse período trouxe a tona uma geração sensibilizada pelo desenvolvimento e a emancipação nacional, o campo intelectual passa desempenhar não de forma homogênea o papel de resistência ao projeto implantado pelo movimento militar.
Em seu desenvolvimento o livro narra os acontecimentos que
demonstram a resposta do campo intelectual e cultural ao golpe, por meio de manifestações muitas vezes camufladas em letras de canções, peças teatrais, livros ou mesmo discussões perpetuadas entre os estudantes militantes da época. São citados no livro espetáculos como Opinião apresentado por Zé Keti, João do Vale e Nara Leão que se expressava contra o autoritarismo que subiu o poder, atraindo assim a atenção dos jovens, intelectuais e contestadores de esquerda. A peça Liberdade Liberdade do Teatro de Arena, o filme Opinião Pública de Arnaldo Jabor, as exposições Opinião 65 e 66 e a mostra da galeria G-4 demonstravam uma tendência provocativa em relação ao público, a cultura estava engajada na sensibilização política de seus novos consumidores, que responderam prontamente a arte instigante ali apresentada.
Há destaque para dois movimentos que conduziram a linha evolutiva do
processo cultural desse período, o Cinema Novo e o Tropicalismo. Sendo o Cinema Novo responsável por expressar de forma radical as ambiguidades que dilaceravam a pratica política do intelectual da história recente, tendo nomes como Miguel Borges, Cacá Diegues, Paulo Emilio Salles, Orlando Senna e Glauber Rocha cuja obra Terra em Transe passa a ser o ponto alto desse movimento que buscava com o cinema mostrar a sociedade brasileira o espelho áspero de seu miserabilismo cultural. Esta mesma obra viria a inspirar o Tropicalismo de Caetano Veloso que catalisa as inquietações e impasses da situação pós-golpe, e a faz explodir num movimento de renovação da canção popular que “arrombaria a festa”, abrindo novas possibilidades criativas para a produção cultural, nesse movimento pode-se destacar além de Caetano Veloso com Alegria Alegria, Gilberto Gil com Domingo no Parque, Geraldo Vandré, Elis Regina, Chico Buarque com Roda Viva, onde as canções, em sua maioria reafirmavam a temática social, colocando referências às dificuldades encontradas na nova situação politica, tanto ao nível de expressão intelectual, quanto em relação ao cotidiano das classes populares. O teatro também passa a exercer seu papel dentro desse contexto com peças como O Rei da Vela de Oswald de Andrade, rompendo com a linguagem do teatro tradicional. Onde caberia ao teatro recusar o papel de promover ilusões e catarses, o público deveria ver roubada de si a possibilidade de pacificar sua consciência. Destaca-se nesse momento o teatro de José Celso, o Arena, o Oficina, é notado em todo esse contexto uma afinidade no campo da produção cultural brasileira que envolveu toda uma geração sensibilizada pelo desejo de fazer da arte não mais um instrumento repetitivo e previsível, e sim um espaço aberto para a invenção, a provocação e a procura de novas possibilidades para expressar todo o sentimento por vezes repreendido pelo governo militar.
O livro também faz uma ligação com os movimentos que estavam
acontecendo ao redor do mundo nesse período, a liberação sexual, a luta dos negros e das mulheres, enquanto no Brasil era o movimento estudantil que se engendrava para conflitos e contradições contra o regime militar. Posta a ilegalidade em 65 a UNE, passaria a realizar suas reuniões de maneira precária e por muitas vezes sofrendo represálias por parte do Estado, sendo 1968 o ano que reservaria os momentos de maior intensidade da onda de protestos que tomara corpo pós 64, culminando em junho do mesmo ano numa gigantesca manifestação que ficaria conhecida como a “Passeata dos Cem Mil” que expressava de forma radical o descontentamento com a ditadura que assumira a tutela do país. A parte final do livro contém depoimentos de personagens desse período, que mostram fatos ocorridos em meio a onda de manifestações e a luta contra a ditadura, depoimentos de lideres estudantis, padres, cantores e diretores de cinema que fizeram parte desse contexto tão importante da nossa história.
Em seu epilogo o livro discorre sobre esse momento que marca a
sociedade brasileira, onde a Universidade se tornou foco problemático, responsável pelo surgimento de um expressivo movimento político de resistência ao regime, mostrando a importância da conjuntura cultural e seu importante papel durante os anos de repressão vividos por aqui, e mostra posteriormente a retomada do pensamento de se pensar a realidade da sociedade, e a possibilidade de se expressar de maneira livre sobre esse contexto, em certo sentido, o país começa a colocar-se novamente a possibilidade de sua inteligência.