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HOMILÉTICA E TEOLOGIA PASTORAL

C.H.SPURGEON
HOMILÉTICA E TEOLOGIA PASTORAL

C. H. SPURGEON

PUBLICAÇÕES EVANGÉLICAS SELECIONADAS


Caixa Postal 1287
01059-970 - São Paulo - SP
www.editorapes.com.br
Título original:
Lectures To M y Students

Tradução do inglês:
O dayr O livetti

Revisão:
A. Poccinelli

Primeira edição em português:


1983

Reimpressões:
1990, 2004

Cooperador:
L uís C hristianini

Capa:
A ilton O liveira Lopes

Gráfica:
Im prensa da Fé
índice

1. O Em prego de Ilustrações na Pregação.......................... 7

2. H istorietas e A nedotas no P ú lp ito ................................ 27

3. Em pregos de A nedotas e Ilu straçõ es............................ 53

4. O nde Podemos A char A nedotas e Ilustrações?...........83

5. As Ciências como Fontes de Ilu stra ç õ e s ....................105


O Emprego de Ilustrações na Pregação
O tópico que temos diante de nós é o uso de ilustrações
em nossos sermões. Talvez sirvamos m elhor ao nosso pro p ó ­
sito elaborando um a ilustração na presente palestra, pois não
há m elhor m aneira de ensinar a arte cerâmica do que fazendo
u m vaso. D iz o excêntrico Thom as Fuller: “Os argum entos
são as colunas da fábrica de um sermão, mas as analogias são
as janelas que dão as m elhores luzes”. A comparação é feliz e
sugestiva, e vam os c o n stru ir o nosso discu rso sob a sua
direção.
A principal razão para a construção de janelas num a casa
é, como diz Fuller, deixar a luz entrar. As parábolas, os símiles
e as m etáforas produzem esse efeito; daí, nós os em pregam os
para ilustrar a nossa m atéria-prim a, ou, noutras palavras, para
“dar-lhe o brilho da lu z”, pois essa é a tradução literal que o Dr.
Johnson faz da palavra ilustrar. M uitas vezes, quando o discurso
didático não consegue esclarecer os nossos ouvintes, pode­
mos fazê-los ver o que querem os dizer abrindo um a janela
e deixando en trar a agradável luz da analogia.
O nosso Salvador, que é a luz do m undo, tin h a o cuidado
de encher de comparações os Seus discursos, de m odo que o
povo com um O ouvia alegrem ente. O Seu exemplo sela com
autoridade de alto nível a prática de ilu m in ar a instrução
celestial com analogias e comparações. A todo pregoeiro da
justiça, como a Noé, a sabedoria dá a ordem : “Farás na arca
um a janela” . Você pode com por laboriosas definições e expli­
cações, e, contudo, deixar os seus ouvintes na escuridão, quanto
ao que está querendo dizer. Mas um a metáfora bem apropriada
esclarecerá m aravilhosam ente o sentido. As gravuras de The
Illustrated London News (N otícias Ilu strad as de L o n d res)
dão-nos m uito m elhor idéia do cenário que representam do
que nos p o d eria tra n s m itir o descritivo do m elh o r texto
im presso. E é m uito parecido o que se dá com o ensino
escriturístico. A verdade abstrata se nos apresenta m uito mais
vividam ente quando nos é dado um exemplo concreto, ou
quando se veste a doutrina com linguagem figurada. Deve
haver, se possível, pelo menos um a boa metáfora na mais curta
alocução; como viu Ezequiel, na visão que teve do tem plo,
que m esm o para as pequenas câm aras havia janelas p ro ­
porcionais ao seu tam anho. Se form os fiéis ao espírito do
evangelho, lutarem os para esclarecer as coisas. O nosso alvo é
sermos sim ples e com preendidos pelos nossos ouvintes mais
iletrados. Tratem os, pois, de expor m uita m etáfora e parábola
ao povo. Escreveu sabiam ente quem disse: “O m undo de baixo
é um espelho em que posso ver o m undo de cima. As obras de
Deus são o calendário do pastor e o alfabeto do lavrador”. Nada
tendo para esconder, não tem os n en h u m interesse em ser
obscuros. Lycophron declarou que se enforcaria num a árvore
se encontrasse um a pessoa que pudesse entender o seu poema
intitulado: “A Profecia de Cassandra”. Felizm ente não surgiu
n inguém que o levasse àquele mau uso de um tronco. Cremos
que poderíam os encontrar colegas de m inistério em condições
de se subm eterem ao m esm o risco, com relação aos seus
serm ões. Tam bém tem os entre nós aqueles que são como
H eráclito, que era cham ado “D outor O bscuro” porque a sua
linguagem estava além de toda compreensão. Certos discursos
m ísticos são tão densos que, se se deixasse penetrar luz neles,
extinguir-se-ia como um a tocha na Grotta dei Cane (G ruta do
Cão, na Itália); são feitos do palpavelm ente obscuro e do
inexplicavelm ente em brulhado, e se pode abandonar toda a
esperança de com preendê-los. Esse estilo de oratória não
cultivam os. Somos da mesma opinião de Joshua Shute, que
dizia: “Possui a m áxim a instrução o sermão que tem m aior
clareza. Por isso um grande erudito costumava dizer: “Senhor,
dá-m e b a sta n te in stru ç ão para que eu possa p reg ar com
bastante clareza”.
As janelas tornam um a habitação m uito mais aprazível e
am ena, e assim as ilustrações tornam um sermão agradável e
interessante. U m edifício sem janelas seria um a prisão, e não
um a casa, pois seria com pletam ente escura, e nin g u ém se
in teressaria em alugá-lo. D o m esm o m odo, discurso sem
metáfora é insípido e fastidioso, e envolve m ortificante enfado
da carne. O pregador de Eclesiastes, de Salomão, “procurou
achar palavras agradáveis”, ou, como diz o hebraico, “palavras
de deleite”. C ertam ente as figuras e comparações são deleitá-
veis aos nossos ouvintes. Não lhes neguemos o sal da parábola
com a carne da doutrina. As nossas igrejas nos ouvem com
p razer quando lhes dam os um a boa porção de figuras de
linguagem . Q uando lhes está sendo contada um a historieta,
elas descansam , tom am fôlego, e dão asas à sua im aginação, e
assim se preparam para o trabalho mais duro que as espera,
quando ouvirão as nossas exposições mais profundas. Viajando
num vagão de terceira classe há alguns anos pelos condados
do leste, ficamos m uito tem po sem ilum inação. Q uando um
viajante acendeu um a lanterna, foi agradável ver como todos
os olhares se voltaram para aquele lado, e como se alegraram
com a luz. M uitas vezes é este o efeito de um sím ile p ertinente
no meio de um sermão; lança luz sobre a m atéria toda, e alegra
todos os corações.
Até as criancinhas abrem os olhos e os ouvidos, e um
sorriso ilum ina os seus rostos quando contam os um a história;
pois elas tam bém se alegram com a luz que invade através das
nossas janelas. Ousamos dizer que elas m uitas vezes gostariam
que o serm ão fosse todo de ilustrações, como u m m enino
gostaria de ter um bolo feito só de ameixas. Mas isto não é
possível. Existe um feliz term o m édio, e devemos apegar-nos
a ele, fazendo o nosso discurso agradável aos ouvidos, não
porém um m ero passatempo. N enhum a razão existe pela qual
a pregação do evangelho deva ser um a operação m açante, quer
para o orador, quer para o ouvinte. Que os nossos sermões sejam
todos agradavelm ente proveitosos. U m a casa não deve ter
paredes grossas, sem aberturas; tam pouco um discurso deve
ser todo feito de sólidos blocos de doutrina, sem um a janela
sequer de comparação ou sem um a rótula de poesia. Se for
assim, os nossos ouvintes nos abandonarão paulatinam ente, e
preferirão ficar em casa para ler os seus autores favoritos, cujos
tropos vigorosos e vividas im agens dão mais prazer às suas
mentes.
Todo a rq u ite to lhe d irá que vê em suas janelas uma
oportunidade para introduzir um ornamento em seu projeto. Um
grande prédio pode ser maciço, mas não pode ser agradável
se não estiver guarnecido de janelas e outros porm enores. O
palácio dos papas em Avinhão é um a estrutura im ensa, mas
são tão escassas as janelas externas, que ele tem todos os
aspectos de um a prisão colossal, e não sugere nada daquilo
que u m palácio deve ser. Os serm ões precisam te r in te r-
m itências planejadas, e serem variados, decorados e revestidos
de vigor. E nada pode fazer isso tão bem como a introdução de
tipos, em blem as e exemplos. N aturalm ente, ornam ento não é
o ponto principal a considerar; entretanto, m uitas pequeni­
nas coisas excelentes com põem a perfeição, e o ornam ento é
um a dessas m uitas coisas, e, portanto, não deve ser passado
por alto. Q uando a sabedoria edificou a sua casa, talhou as suas
sete colunas, pela glória e pela beleza, como tam bém para
suporte da estrutura. E iremos pensar que qualquer cabana
rústica é suficientem ente boa para que nela habite a beleza da
santidade? C ertam ente um discurso gracioso não fica nada
m elhor se for privado de toda graça da linguagem. O rnam entos
ex agerados rep ro v am o s, m as um a beleza de lin g u a g e m
apropriada, cultivamos. A verdade é filha de rei, e as suas vestes
devem ser de ouro lavrado; sua casa é um palácio, e deve ser
adornada com “ janelas de ágata e portas de granada” .
A s ilustrações tendem a animar os ouvintes e a despertar a
atenção. As janelas, quando se abrem - que m uitas vezes,
infelizm ente, não é o que se dá em nossos locais de culto - são
grande bênção, refrescando e revigorando o auditório com um
pouco de ar p u ro , e acordando os pobres m o rtais quase
adorm ecidos pela atmosfera estagnante. Um a janela, ou, como
se dizia antigam ente, um a ventana, deve ser, de acordo com
este seu nom e, um a passagem para o vento, pela qual um sopro
de ar pode vivificar o auditório. Assim, um a figura original,
um a nobre imagem, um a comparação curiosa, um a deliciosa
alegoria, hão de fazer irrom per sobre os nossos ouvintes a
brisa de um pensam ento feliz, que passará sobre eles como
u m sopro vivificante, despertando-os da sua apatia, e avivando
as suas faculdades para receberem a verdade. Os que estão
acostum ados com os serm ões soporíficos de certos dignos
clérigos, ficariam grandem ente m aravilhados se pudessem ver
o entusiasm o e o vivo deleite com que o povo das igrejas ouve
prédicas pelas quais flui um a tranqüila torrente de ilu stra­
ções naturais e felizes. Áridos como um deserto são m uitos
volum es de discursos que podem ser achados nas estantes
em poeiradas dos livreiros. Mas, se no transcurso de mil pará­
grafos eles contêm um único símile, é como um oásis no Saara,
e serve para m anter viva a alma do leitor. Ao m odelar o seu
discurso, pense pouco no cupim de livros, que estará seguro
da sua porção de carne, por seca que seja a sua doutrina, mas
tenha pena daqueles seres fam intos que estão bem perto de
você e que têm que achar vida por meio do seu sermão, ou
nunca m ais a acharão. Se alguns dos seus ouvintes ficarem
dorm indo, necessariam ente vão despertar na perdição eterna,
pois não ouvem outra voz que os ajude.
C onquanto recomendemos desse modo as ilustrações para
os usos necessários, é preciso lem brar que elas não constituem
o ponto forte do sermão, não mais que a janela é o ponto forte
da casa. P or esta razão, e n tre outras, não devem ser muito
numerosas. A berturas para ilum inação em dem asia podem
d im in u ir a estabilidade de um edifício. Conhecem os sermões
tão cheios de metáforas, que se tornaram estruturas fracas, e
quase dissemos doidas. Os sermões não devem ser ram alhetes
de flores, mas feixes de trigo. Sermões m uito bonitos geral­
m ente são m uito inúteis. Visar à elegância é cortejar o fracasso.
E possível ter-se em demasia um a coisa boa. Uma casa de vidro
não é a m ais confortável das habitações, e, além de outras
q u alid ad es in c o n v en ien te s, tem o g ran d e defeito de ser
tristem ente tentadora para os atiradores de pedras. Q uando
u m adversário crítico ataca as nossas m etáforas, geralm ente
faz pouco delas. Para as m entes amigas as im agens são argu­
m entos, mas para os oponentes são oportunidades para ataque.
O inim igo sobe pela janela.
As comparações são espadas de dois gumes, que cortam
dos dois lados. E freqüentem ente o que parece um a aguda e
expressiva ilustração, pode ser engenhosam ente voltado contra
você, provocando riso às suas custas. Portanto, não se fie em
suas m etáforas e parábolas. M esmo um hom em de segunda
categoria poderá defender-se de um a m en te su p erio r, se
conseguir voltar com destreza a arm a do atacante contra ele.
Eis um exemplo que se relaciona comigo, e por essa razão o
dou, visto que estas preleções são autobiográficas de fio a pavio.
D ou um recorte de um dos nossos jornais religiosos: “O Sr.
Beecher foi pego habilm ente em falso em The Sword and the
Trowel (A Espada e a Pá). Em suas Lectures on Preaching (P re­
leções sobre a Pregação), afirm a que o Sr. Spurgeon teve
sucesso, “a despeito do seu calvinism o”, acrescentando a
observação de que “o camelo não viaja nem um pouco m elhor,
nem tam pouco é mais ú til, por causa da giba em seu lom bo”.
A ilustração não é feliz, pois o Sr. Spurgeon replica desta
m aneira: “Os naturalistas afirm am que a giba do camelo é de
grande importância aos olhos dos árabes, que julgam a condição
dos seus anim ais pelo tam anho, form a e firm eza das suas
gibas. O camelo se alim enta da sua giba quando atravessa o
deserto, de m odo que, à proporção que o anim al viaja pelas
vastidões arenosas, e padece privação e fadiga, a massa d im i­
nui; e não se prestará para um a longa jornada, enquanto a giba
não recuperar as suas proporções norm ais. O calvinism o,
pois, é a carne espiritual que capacita o hom em a prosseguir
em seus labores nas veredas do serviço cristão; e, em bora
ridicularizado como um a giba por aqueles que são apenas
espectadores, os que percorrem os cansativos cam inhos da
experiência prática na solidão do ermo sabem bem demais qual
é o seu valor, para quererem desfazer-se dele, ainda que se
dessem em troca os esplêndidos talentos de B eecher”.
Ilustrem , sim, mas não deixem que o sermão seja todo ele
ilustrações, caso em que só será próprio para um a assem ­
bléia de sim plórios. U m livro se beneficia pelas gravuras da
ilustração, mas um álbum de recortes, que é todo com posto de
figuras, norm alm ente se destina ao uso de crianças. A nossa
casa deve ser c o n stru íd a com a su b stan cial alv en aria da
doutrina, sobre os profundos alicerces da inspiração. As suas
colunas devem ser de sólido argum ento escriturístico, e cada
pedra da verdade deve ser cuidadosam ente colocada em seu
lugar. E depois as janelas devem ser dispostas na ordem devida;
“três fileiras”, se quiserm os; “luz contra luz”, como a casa da
floresta do L íbano. Mas não se constrói um a casa por am or de
suas janelas, nem se estrutura um sermão com o objetivo de
adaptá-lo a um apólogo favorito. U m a janela é sim plesm ente
um a conveniência subordinada a todo o projeto, e assim é a
m elhor ilustração. Seremos deveras tolos se com puserm os um
discurso com o fim de ostentar um a m etáfora; tolos como o
arquiteto que construísse um a catedral com o objetivo de exibir
u m v itral colorido. N ão som os enviados ao m u n d o para
co n struir um “Palácio de C ristal” no qual expor obras de arte
e elegância da moda. No entanto, como sábios arquitetos,
devemos edificar casa espiritual para o m orador divino. O
nosso edifício é planejado para durar, e é para ser usado
diariam ente. D aí, não deve ser todo cristal e cor. Perdem os
com pletam ente o rum o, como m inistros do evangelho, se
visamos brilho e gala.
E im possível estabelecer regra sobre quanto adorno se
deve usar em cada discurso. Cada qual deve julgar por si
m esm o nesta questão. Não se pode definir prontam ente o bom
gosto no vestir, mas toda gente sabe o que é; e há um gosto
literário e espiritual que se deve m ostrar na m edida certa dos
tropos e figuras em todo discurso público. “Ne quid n im is”
(nada de exagero) e boa cautela; não ser demasiado ávido de
guarnecer e enfeitar. Alguns parecem nunca ter metáforas que
bastem ; cada um a das suas frases tem que ser um floreio.
Percorrem terra e m ar para encontrar um a nova peça de vidro
colorido para as suas janelas, e esburacam as paredes dos seus
discursos para encaixar ali ornam entos supérfluos, até suas
produções parecerem mais um a gruta fantástica do que um a
casa habitável. Incorrem em grave erro, se pensam que assim
m anifestam sabedoria, ou beneficiam a seus ouvintes. Eu quase
que gostaria que voltasse o im posto de janelas, se isto desse
fim a esses poéticos irmãos. A lei, creio eu, perm itia oito jane­
las isentas de im posto, e nós tam bém poderíam os isentar da
crítica “um as poucas, isto é, oito” metáforas. M ais que isso,
porém , deveriam pagar pesado tributo. Flores num a mesa de
banquete ficam m uito bem ; mas como ninguém pode viver
de buquês, estes virão a ser objeto de desprezo, se forem postos
diante de nós em lugar de substanciosas viandas. A diferença
entre um pouco de sal na carne, e ser com pelido a esvaziar o
saleiro, é bastante clara para todos; e poderíam os desejar que
os que despejam m u ito s sím bolos, em b lem as, fig u ras, e
artifícios se lem brassem de que a náusea na oratória não é mais
agradável do que na comida. O satisfatório é bom , igual um a
festa; dem asiadas coisas lindas podem ser um m al m aior do
que nenhum a coisa.
E fato sugestivo que a tendência para usar abundantes
m etáforas e ilustrações dim inui, conform e os hom ens ficam
mais velhos e mais sábios. Talez isto se possa atribuir, em certa
m edida, a decadência da imaginação deles; mas tam bém ocorre
ao m esm o tem po em que am adurecem na com preensão.
A lguns podem ter que usar m enos figuras por necessidade,
porque elas não lhes vêm como anteriorm ente. M as, nem
sempre é este o caso. Sei que homens que ainda possuem grande
facilidade para a imaginação acham menos necessário empregar
essa faculdade agora do que em seus prim eiros tem pos, pois
eles têm os ouvidos do povo, e estão solenem ente resolvidos a
encher aqueles ouvidos de instrução tão condensada como lhes
seja possível fazê-lo.
Q uando com eçam os o trabalho com pessoas que não
ouviram o evangelho, e cuja atenção temos que conquistar,
dificilm ente exageraremos no uso de figuras ou metáforas. O
nosso Senhor Jesus Cristo freqüentem ente usou-as. N a ver­
dade, “sem parábolas nunca lhes falava”. Isso porque os Seus
ouvintes não estavam instruídos a ponto de poderem ouvir a
verdade didática com proveito. É notável que, depois que foi
dado o E spírito Santo, foram usadas menos parábolas, e os
santos receberam ensino mais direto de Deus. Q uando Paulo
falava ou escrevia às igrejas em suas Epístolas, empregava
poucas parábolas, porque se dirigia aos que eram adiantados
na graça e queriam aprender. Conform e as m entes cristãs
p ro g red ia m , o estilo dos seus m estres torn av a-se m enos
figurado, e mais objetivam ente doutrinário. Raram ente vemos
gravuras nos clássicos usados nos cursos superiores; elas estão
reservadas para as cartilhas da escola prim ária. Isso deve
ensinar-nos sabedoria, e deve ensinar-nos que não estamos
obrigados a nenhum a regra rígida e estreita, mas devemos usar
m aior ou m enor porção de quaisquer m étodos de ensino, de
acordo com a nossa condição pessoal e a dos nossos ouvintes.
A s ilustrações devem realmente lançar luz sobre o assunto em
mãos, ou, de outra form a, são janelas falsas, e tudo que é falso é
abominável. Quando ainda estava vigente o imposto de janelas,
m uita gente nas casas rurais fechou a m etade das suas entradas
de luz rebocando-as e, depois, pintando-lhes o reboco de modo
que parecessem vidraças. Dessa form a, ainda havia a aparên­
cia de janela, apesar de não poder passar a luz do sol. Janelas
cegas são em blem as próprios de ilustrações que não ilustram
nada, e que precisam ser explicadas. A grandiloqüência nunca
é m ais característica do que nas suas figuras. Nestas ela se
diverte num verdadeiro carnaval de linguagem bom bástica.
Poderíam os citar vários finos espécimes de sublim es e amplos
vôos, e de magníficos absurdos, mas som ente um já poderá
bastar como exemplo propício de um a form a de exibição que
é mais com um além das águas do que nestas regiões a n ti­
quadas. Não m encionarem os o nom e do autor, mas damos o
extrato ao pé da letra, retirado de um sermão sobre “O m orrer
é ganho” . Que os jovens pregadores m editem e adm irem , mas
não o im item . D am os a passagem com pleta p or am or do
pássaro fragata e da escadaria de jaspe, pórfiro e granito.
“H á um a ave que os m arinheiros cham am de “pássaro
fragata”, de hábitos estranhos e de estranho poder. Os hom ens
o vêem em todas as regiões, mas nunca olhos hum anos o viram
perto de terra. Com asas de poderoso alcance, m antendo-se
em grandes altitudes, plana altaneiro. Os hom ens do extrem o
no rte o vêem à m eia-noite avançando em m eio às cham as
aurorais, cortando os ares com as asas firmes, cruzando aquelas
labaredas terríveis, tom ando as cores das ondas de luz que se
inflam e se alteiam em torno dele. Os hom ens dos trópicos o
vêem no m ais ardente m eio-dia, sua plum agem toda encar­
nada pelos violentos raios solares que o golpeiam inócuos. Em
meio a seu fervente ardor, ele m antém o seu vôo, majestoso,
incansável. N unca se soube que tenha baixado o seu alto e
soberbo curso de vôo - nem mesmo que tenha se desviado
dele. Para m uitos ele é um m ito; para todos, um m istério.
O nde fica o seu poleiro? (Isto é defato fino. Acrescentemos, “Quem
porá sal em sua cauda?”) O nde repousa? O nde foi incubado?
N inguém sabe. Sabe-se som ente que acima das nuvens, acima
do alcance das tem pestades, acima do tum ulto das correntes
cruzadas, esta ave do céu (chamemos-lhe assim), m ediante asas
fortes que a sustentam e que desdenham bater o ar em que
descansam , m ove-se com grandiosidade. (Grande idéia! O
rapinante voa sem mover as asas, desdenhando bater o ar, como
bem que podia fazer, pois bate a criação inteira.) Assim há de ser
a m inha esperança. N um ou noutro pólo da vida, acima das
nuvens da tristeza, em níveis superiores às tem pestades que
me golpeiam , com asas altivas e infatigáveis, desprezando a
terra, ela irá avante. N unca se rebaixará, nunca se desviará do
seu sublim e curso de vôo. Vê-la-ão na m anhã da m inha vida;
vê-la-ão no calor do m eio-dia; com o tam b ém q uando as
som bras caírem , tendo-se posto o m eu sol, para em pregar o
estilo de linguagem que lhe corresponde; mas, em pregando o
meu, quando desaparecerem as som bras, tendo-se levantado o
m eu sol, a últim a coisa que verão de m im será esta esperança
de ganho ao m orrer, quando ela cortará os ares com asas
firm es e desaparecerá no seio da eterna luz.
“Creio, amigos, que nenhum a exortação que eu faça os
elevará a este pedestal de granito talhado, sobre o qual é dado
à m onum ental piedade ficar. (Perfeitamente certo; uma exortação
não consegue elevar muito bem um corpo a um pedestal. Requer-se
uma perna ou um braço para isso. Mas, que é monumental piedade?)
Som ente pela análise, pela m editação, pelo pensam ento que
nas horas da noite pondera nas majestosas declarações das
Escrituras, e junto da gelosia aberta - ou, m elhor ainda, sob a
grande abóbada - prostra-se em oração, e m antém com unhão
com as possibilidades que jazem além desta vida, como tronos
vazios à espera de ocupantes. Som ente dessa m aneira, e de
outras sugeridas pelo E spírito às m entes aptas para recebê-
las, você ou qualquer o u tra pessoa se elevará ao nível da
emoção que ditou o texto. O nde está Paulo hoje? O nde está ele
que, de sua prisão em Rom a, enviou este pronunciam ento
im o rtal? H averia algum de nós que ten h a com provado a
afirmação de que m orrer é ganho? N enhum . (Pergunta muito
perspicaz! Quem dentre nós esteve morto?) Sabem os que ele
passeia na glória. Ele anda pelos m ajestosos espaços onde
nem mesmo a D eidade passa apertado. (Eloqüente ou blasfemo?)
D epois de todas as suas lutas, entrou no repouso. Contudo,
que recebeu ele que não nos está reservado? Que possui ele
que não lhe tenha vindo de presente? E não seria o D eus dele
o m eu e o seu? Teria o Pai celestial mão parcial para d istrib u ir
alim ento? Faria Ele discrim inação, e viria a fazer acepção de
pessoas, mesmo à Sua mesa? Um a pessoa piedosa nunca deve
dar lugar em sua m ente à tem ível suspeita disso. O nosso Pai
alim enta por igual a Seus filhos, e as vestes que estes usam são
confeccionadas de tecidos reais, sim, da Sua justiça. B rilham
como sóis postos em conjunção pela ação de u m m ovim ento
sublim e. Levantai-vos, pois, meus amigos, povo do Seu am or;
levantai-vos e subi comigo a enorm e escadaria cujos degraus
m u d am de g ran ito para p ó rfiro , e de p ó rfiro para jaspe,
en q uanto subim os, até que os nossos pés, puros com o ela
própria, pisem no m ar de cristal que se estende com inconsútil
pureza diante do trono.” (Escadas acima, para o m ar!E também
três pares de escadas! Sublime idéia, ou, pelo menos, a um passo
dela.)
Esta peça de oratória de elevada procedência espalha luz
sobre coisa nenhum a, e nem no mais tênue grau nos capacita
a com preenderm os a razão por que “m o rrer é g an h o ”. O
objetivo de um a linguagem desta espécie não é in stru ir o
ouvinte, mas fasciná-lo e, se possível, im pressioná-lo com a
idéia de que o seu pastor é um orador m aravilhoso. Q uem
condescende em usar ardis oratórios de qualquer tipo merece
ser excluído do púlpito até o fim da sua existência natural.
Oxalá as suas figuras de linguagem realm ente representem e
expliquem o que você quer dizer, ou, em caso contrário, são
ídolos m udos, que não devem ser instalados na casa do Senhor.
Talvez seja bom notar que as ilustrações não devem ser
proeminentes demais, ou, para continuar a nossa figura, não
devem ser janelas pintadas, atraindo a atenção para si, em vez
de deixar en trar a claridade do dia. Não estou pronunciando
n en h u m julgam ento contra janelas adornadas com “vidro de
várias cores, que esplendem como prados cobertos de flores
da p rim av era” ; só estou seguindo a m in h a ilustração. O
propósito das nossas figuras não é tanto que sejam vistas,
como que se veja através delas. Se você afastar a m ente do
ouvinte para longe do assunto estim ulando-lhe a adm iração
p or sua habilidade em criar im agens, você estará fazendo mais
m al que bem. Vi num a de nossas exposições o retrato de um
rei; mas o artista rodeara sua majestade com um caram anchão
de flores pintadas com tão excelente arte, que os olhos de todos
eram desviados da figura real. Todos os recursos artísticos do
p in to r foram em pregados profusam ente nos acessórios, e o
resultado foi que o retrato, que fora a coisa mais valiosa, veio a
cair para um lugar secundário. Isso por certo foi um erro na
p in tu ra de retratos, em bora pudesse ser um sucesso na arte.
Temos que expor Cristo diante dos hom ens “como crucificado”
entre eles, e o mais belo em blem a, ou a mais atraente im agem
que afaste a m ente do nosso divino tem a, deve ser conscien­
ciosamente abjurada. Jesus tem que ser tudo em todas as coisas.
O Seu evangelho deve ser o princípio e o fim dos nossos
discursos. As parábolas e as poesias devem estar sob os pés
dEle, e a eloqüência deve esperar por Ele, como Sua serva.
N unca, em nenhum a situação possível, o discurso do m inistro
deve fazer-se rival do seu assunto. Isso seria desonrar a Cristo,
não glorificá-10. D aí a cautela, para que as ilustrações não
assum am dem asiada notoriedade.
D essa últim a observação nos vem mais a anotação de que
as ilustrações são melhores quando naturais, epromanam do assunto
abordado. Devem ser como aquelas janelas colocadas em boa
disposição, evidentem ente como parte integrante da planta da
e stru tu ra , e não inseridas como um a idéia tard ia ou para
sim ples adorno. A catedral de M ilão inspira à m inha m ente
extrema admiração; parece-me sempre como se tivesse crescido
da terra como uma árvore colossal, ou então, como uma floresta
de m árm ore. D esde a base até o m ais alto pináculo, cada
p o rm en o r é u m resultado n atural, parte de u m todo bem
desenvolvido, essencial à idéia principal; na verdade, parte
in te g ra n te dela. A ssim deve ser o serm ão. O exórdio, as
divisões, os argum entos, os apelos e as m etáforas devem
evolver dele próprio. Não deve haver nada que não esteja em
vivida relação com o restante. Deve parecer como se nada se
possa acrescentar sem ser um a excrescência, e nada se possa
tirar sem infligir dano.
E preciso que haja flores num sermão, mas o ram alhete
delas deve ser formado de flores do solo local; não de plantas
exóticas elegantes, evidentem ente im portad as com m uito
esm ero de um a terra distante, mas a produção natural de uma
vida nativa do terreno santo em qüe o pregador está. As figuras
de lin g u ag em devem ser c o n g ru en tes com a m atéria do
discurso. U m a rosa num carvalho estaria fora de lugar. N ascer
um lírio de um álamo seria anômalo. Todas as partes devem
ser da mesm a natureza, e ter m anifesta relação com o restante.
O casionalm ente se pode p e rm itir um pouco de esplendor
bárbaro, à m oda de T hom as Adams e de Jerem iah Taylor, bem
como de outros m estres de Israel, que adornam a verdade com
gemas raras e ouro de Ofir, trazidos de longe. Todavia, deve­
mos notar o que o Dr.' H am ilton diz de Taylor, pois é um a
advertência aos que têm o propósito de conquistar o ouvido
da m ultidão. “Pensam entos, epítetos, incid en tes, im agens
vinham n u m tropel, em irreprim ível profusão, e todos tão
pertinentes e belos, que era difícil repudiar qualquer um deles.
Assim, ele tentava achar lugar e uso para todos eles - para
“flores e asas de borboletas”, como tam bém para “trigo” - e, se
não conseguia fabricar elos da sua cadeia lógica usando “os
pequenos anéis da videira” e “os caracóis dos cabelos de um
m en in o recém -desm am ado”, pelo m enos conseguia o rn a ­
m entar o seu tem a com prim orosos ornam entos. As passagens
dos seus amados A ustin e Crisóstom o, e dos seus não menos
amados Sêneca e Plutarco, o estudioso sabe perdoar. O esquilo
não é mais tentado a levar nozes para o seu esconderijo do que
o autor livresco é tentado a transferir para as suas páginas finas
passagens dos seus autores prediletos. Ah, ele m al sabe quão
sem graça e sem sentido são elas para os que não percorreram
os m esm os cam inhos, e não com partilharam do prazer com
que ele achou grandiosa presa! Para ele, cada delicada concha
evoca o seu outonal conto de bosques, de alam edas, de raios
do sol espalhando-se através das folhas amarelecidas. M as à
fina coleção “o público em geral” prefere m uitíssim o, meio
quilo de avelãs do carrinho do vendedor am bulante.” N enhum a
ilustração é tão expressiva como aquela que se tira de objetos
familiares. M uitas flores lindas crescem em terras estrangeiras;
porém , são mais caras ao coração as que florescem à porta da
nossa choupana.
O desenvolvimento em pontos minuciosos não é recomendável
quando estam os em pregando figuras. A m elhor luz entra pelo
vidro mais transparente; pintura demais veda a entrada do sol.
A ntigam ente o altar de Deus tinha de ser feito de terra, ou de
pedra inteiriça, não lavrada, pois, diz a Palavra: “se sobre ele
levantares o teu buril, profaná-lo-ás” (Êxodo 20:25). U m estilo
trabalhado, artificial, em que a ferram enta do gravador deixou
abundantes marcas, é mais coerente com as argum entações
hum anas nos tribunais de justiça, ou no fórum , ou no senado,
do que com as declarações proféticas proferidas em nom e de
D eus e para a prom oção da Sua glória. As parábolas do nosso
Senhor eram sim ples como contos para crianças, e n atu ral­
m ente belas como os lírios que floresciam nos vales onde
Ele ensinava o povo. Não se apropriou de lenda n enhum a do
Talm ude, nem de contos de fadas da Pérsia, nem im portou os
Seus em blem as de além-mar. Mas Ele morava no meio do Seu
povo, e falava de coisas com uns, em estilo sim ples, como
n e n h u m hom em falara antes, e, contudo , com o u m bom
observador haveria de falar. As Suas parábolas eram como Ele
e como as Suas circunvizinhanças. N unca eram forçadas,
fantasiosas, pedantescas ou artificiais. Im item o-la, pois jamais
encontrarem os um m odelo mais com pleto, ou mais apropri­
ado para a época presente. A brindo os olhos, descobrirem os
abundantes figuras por toda parte. Como está escrito: “A palavra
está junto de ti”, assim tam bém está bem ao nosso alcance a
analogia daquela Palavra:
“Tudo ao meu derredor, seja o que for,
que por acaso encontro, um dia ou outro,
tem sua própria voz e sua linguagem -
aves em vôo, abelhas a zumbir,
os animais na mata ou na cocheira,
as árvores e as folhas, juncos, ervas,
o regato a seguir o seu percurso,
as aves quando passam nas alturas,
ou as montanhas, que jamais se movem,
cuja massa imutável, entretanto,
todos os dias muda, como os sonhos. ” 1

H á pouca necessidade de tom ar em prestado dos m isté­


rios recônditos da arte hum ana, ou de aprofundar-nos nas
teorias da ciência, pois ilustrações de ouro jazem na superfície
da natureza, e as mais autênticas são as que mais se destacam e
são m ais facilm ente observadas. Da história natural em todos
os seus ram os bem podem os dizer: “o ouro dessa terra é bom ”.
As ilustrações fornecidas pelos fenôm enos diários vistos pelo
lavrador e pela carreira são deveras as m elhores que a terra
pode produzir. Um a ilustração não é como um profeta; pois
ela tem m aior honra em sua própria terra. E os que viram
m ais vezes o objeto são os mais gratificados pela figura dele
tirada.
E stou certo de que m al se necessita acrescentar que as
ilustrações nunca devem ser vulgares ou indignas. Podem não ser
m uito elevadas, mas sem pre devem ser de bom gosto. Podem
ser sim ples, e, todavia, castiçam ente belas; m as ru d es e
grosseiras não devem ser nunca. U m a casa será desonrada, se
tiver janelas sujas, com teias de aranha e im undície, remendadas
com papel de em brulho ou com trapos. Tais janelas são a
insígnia de um a tapera, não de um a casa. As nossas ilustrações

1 D e Fahles in Song (Fábulas em Canções), versos ligeiramente alterados.


D e Robert Lord Lyton. W illiam Blackwood and Sons, 1874,2 volumes.
nunca devem conter nem o mais leve traço de qualquer coisa
que choque a m odéstia assaz delicada. Não gostamos daquela
janela da qual Jezabel olha. Como sinetas nos cavalos, as nossas
m ais ligeiras expressões devem ser san tid ad e ao Senhor.
D aquilo que sugere algo desprezível e baixo podem os dizer
com o apóstolo: “nem ainda se nomeie entre vós, como convém
a s a n to s ” . Todas as nossas jan elas devem a b rir-se para
Jerusalém , e não para Sodoma. H averem os de colher as nossas
flores sem pre e som ente na terra de E m anuel; e Jesus será o
arom a e o dulçor delas, de m aneira que quando Ele se dem ora
à janela para ouvir-nos falar a Seu respeito, pode dizer: “Favas
de m el m anam dos teus lábios, ó m inha esposa! M el e leite
estão debaixo da tua língua”.
O q u e cresce além dos lim ites da p u r e z a e da boa reputa­
ção jamais deverá fazer parte das nossas coletâneas de poemas,
nem deverá ser colocado entre os enfeites dos nossos discursos.
O que poderia ser m uitíssim o inteligente e expressivo no
discurso de um orador político, ou na arenga de um vendedor
am bulante, causaria aversão, provindo de u m m in istro do
evangelho. Tem po houve em que se p o d eriam e n co n trar
num erosos espécimes de grosseria censurável, mas não seria
nada generoso m encioná-las agora que essas coisas são con­
denadas por todos.
C avalheiros, cuidem das suas janelas para que não se
quebrem , nem se rachem. Em outras palavras, estejam vigilantes
contra metáforas confusas e ilustrações mancas. Creditam -se ao
Sr. Boyle Rache alguns dos m ais finos espécim es de co n ­
g lo m erad o m etafórico. P o d eríam o s c o n sid e ra r m ític a a
passagem que o representa dizendo: “ Sinto cheiro de rato;
vejo-o flutuando no ar; pegá-lo-ei no botão em flor”. Disparates
menores são muito freqüentes no linguajar dos nossos patrícios.
U m excelente defensor da tem perança exclamou: “Camaradas,
ponham o-nos de pé e ajamos! Levemos nos om bros os nossos
m achados e arem os as vastidões, até que o bom navio Tem pe­
rança veleje alegremente sobre a terra”. Lem bram os bem , anos
atrás, term os ouvido um fervente clérigo irlandês exclamar:
“G aribaldi, senhor, é personalidade grande dem ais para tocar
o segundo violino para um luzeiro desprezível como Victor
E m anuel”. Era um a reunião pública e, por isso, fomos o b ri­
gados a m anter atitude conveniente. Mas teria sido grande
alívio para as nossas almas se pudéssem os perm itir-nos um a
fo rte gargalhada ante o espetáculo de G arib ald i com u m
violino, tocando para um luzeiro, pois certos versos da in fân ­
cia re tin iram os seus sons eufônicos em nossos ouvidos e
angustiantem ente subm eteram à prova a nossa seriedade. U m
amigo poético se nos dirige assim encorajadoram ente -

“Marcha, mais rude seja o teu caminho


e inimigos te cerquem nas veredas;
surdo ao latir dos cães que gostariam
de desviar-te os pés - marcha, não cedas”.

N um a noite destas um irm ão expressou o seu desejo de


que “todos fôssemos conquistadores de almas e trouxéssem os
as jóias com pradas com sangue do Senhor para lançarem aos
Seus pés as suas coroas”. As palavras tiveram em si um toque
piedoso de m odo tal que os ouvintes não perceberam que a
expressão era truncada. U m m em bro do nosso grupo esperava
“que todo estudante fosse capaz de fazer soar a trom beta do
evangelho com som tão claro e certo que os cegos pudessem, ver”.
Talvez quisesse dizer que eles abririam os olhos de espanto
face ao terrífico ruído, mas a figura seria mais coerente se ele
dissesse, “que os surdos pudessem escutar”. U m escritor escocês,
referindo-se à proposta de usar-se um órgão no culto, diz: “Nada
resistirá a esta avalancha de culto ao prazer e de pecado grosseiro,
a não ser a volta para a Palavra de Deus”.
O jornal The Daily News, ao fazer um a resenha de um
livro de autoria de um em inente m inistro não conform ista,
queixou-se de que as metáforas usadas por ele se prestavam
para ser um tanto intratáveis, como quando ele falava de algo
que perm anecia segredo até que um a poderosa chave era
introduzida na fechadura do coração paterno, e um violento
puxão abria as com portas e libertava a corrente aprisionada.
Todavia, não adm ira que os m ortais com uns com etam erros
crassos na linguagem figurada, quando até sua finada infalível
santidade, o papa Pio IX , disse do Sr. G ladstone que ele “de
repente avançara como um a víbora, atacando a barca de S.
P e d ro ”. U m a víbora atacando um a barca é dem ais para a
im aginação mais com placente, apesar de que algumas m entes
estão dispostas a aceitar quaisquer m aravilhas.
Uma daquelas revistas que se têm na conta de nata da nata
em penhou-se arduam ente em inform ar-nos que o deão de
C hichester, sendo o seleto pregador da igreja de Sta. M aria,
em O xford, “aproveitou a oportunidade para castigar os ritua-
listas a torto e a direito, com grande volubilidade e vivacidade
Sansão castigou os seus inim igos com grande m atança; mas a
linguagem é flexível.
Erros desse tipo poderiam ser citados em abundância. Dei,
porém , suficientes exemplos para fazê-los ver quão facilm ente
os cântaros de m etáforas podem ser quebrados e tornados
inúteis para transportar o que se quer dizer. O mais hábil orador
ocasionalm ente pode errar nesta direção. Não é um a questão
m uito grave e, contudo, como um inseto m orto, pode estragar
u m ungüento aromático. Alguns irm ãos que conheço estão
sempre fora dos trilhos. Confundem todas as figuras que tocam,
e logo que abordam um a m etáfora, estamos à beira de um
desastre. Seria mais sábio da parte deles se evitassem todas as
figuras de linguagem até saberem empregá-las, pois é um a
lástim a quando as ilustrações são tão confusas, que tanto
obscurecem o sentido como servem de diversão. M etáforas
confusas são confusões de verdade. Dem os ao público boas
ilustrações, ou não demos nenhum a.
N este ponto encerro a m inha preleção, a qual foi feita
apenas para servir de in trodução ao m eu tem a, e não de
tratam ento pleno dele.
Historietas e Anedotas no Púlpito
A dm ite-se, em geral, que os sermões podem ser sabia­
m ente adornados com um a boa quota de ilustrações, mas as
historietas e anedotas em pregadas com esse fim ainda são
observadas pelos pretensos puristas do p ú lp ito com certa
dose de suspeita. Descerão o bastante para citar um sím bolo;
condescenderão em usar imagens poéticas; mas não se rebai-
xarão a contar um a história sim ples e vulgar. E provável que
eles digam confidencialm ente a seus colegas m ais jovens:
“C uidado para não se rebaixarem e ao seu ofício sagrado
repetindo historietas mais apreciadas pelas pessoas vulgares e
indoutas” . Não replicaríam os a eles exortando todos a usarem
histórias copiosam ente, pois nisso deve haver discrim inação.
A dm ite-se francam ente que há úteis e adm iráveis estilos
de oratória que ficariam desfigurados por um conto rústico; e
há irm ãos honrados cujo gênio não lhes p erm itiria co n ta­
rem um a história, pois isso não pareceria enquadrar-se em seu
m o d o de p e n sa r. A esses, n e m se q u e r p o r im p lic a ç ã o
insinuaríam os um a censura. Mas quando lidam os com outros
que parecem ser algo e não são o que parecem , não tem os
b ran d u ra; pelo contrário, sentim o-nos m ovidos a agredir a
sua grandeza fictícia. Se eles escarnecem das historietas, nós
sorrimos para eles e para os seus escárnios, e gostaríam os que
eles tivessem m ais bom senso e menos im postura. A ostensiva
presunção de superioridade intelectual e o am or do esplendor
retó rico têm im pedido m uitos de exporem a verdade do
evangelho da m aneira mais fácil que se pode im aginar, a saber,
m ediante analogias extraídas dos acontecimentos comuns. Uma
vez que não podem condescender com hom ens de condição
inferior, eles se abstêm de contar incidentes que explicariam
com precisão o que eles querem dizer. Tem endo ser consi­
d erad o s v u lg ares, p e rd e m o p o rtu n id a d e s de ouro. D avi
tam bém poderia ter-se negado a atirar um a das pedras lisas
à testa de Golias por tê-la achado n u m riacho comum.
D e indivíduos tão elevados em suas idéias, o provável é
que não desça nada às massas do povo, senão um a eloqüência
glacial - um rio de gelo. A dignidade é um a consideração
sum am ente pobre e desprezível, a não ser que seja a dignidade
de c o n v erter m u ito s à justiça. Todavia, clérigos que m al
possuem suficiente dignidade verdadeira para salvar-se do
desprezo, têm ficado inchados, “enormes como o alto O lim po”,
pela fingida exibição dela. D isseram a um jovem cavalheiro,
depois de ter ele proferido um discurso bem trabalhado, que
não mais que cinco ou seis ouvintes puderam com preendê-lo.
Isso ele aceitou como tributo ao seu gênio. Mas eu tom o a
liberdade de colocá-lo na mesm a classe de outra pessoa que
estava acostum ada a sacudir a cabeça de m odo o mais solene,
com o fim de to rn ar as suas preleções mais im pressionantes, e
isso conseguia algum efeito com os m edíocres, até que um a
sagaz senhora cristã fez a observação de que, sim, por certo
ele sacudia a cabeça, mas não havia nada nela. Os que são
refinados demais para serem simples, precisam ser refinados
de novo. L utero colocou bem isto em sua Conversa à M esa:
“M alditos sejam todos os pregadores que na igreja visam a
coisas elevadas e complexas, e, negligenciando a salvação dos
pobres iletrados, procuram a sua própria honra e louvor, e,
portanto, procuram agradar a um a ou duas grandes perso­
nalidades. Quando prego, desço bem ao fu n d o .” Talvez seja
su p érfluo lem b rar-lh es, irm ãos, a freq ü en tem en te citada
passagem de Country Parson (Pároco do Campo), e, contudo,
não posso om iti-la, porque ela deveras me im pressiona. “O
pároco tam bém se serve dos juízos de D eus, tan to dos de
tem p o s antigos com o especialm ente dos de épocas m ais
recentes; e m orm ente os que estão mais próxim os da sua
paróquia. Sim, pois as pessoas ouvem com m uita atenção
tais discursos, e elas acham que convém assim fazer, porquanto
D eus está tão perto delas, até mesmo sobre as suas cabeças. As
vezes ele lhes conta histórias e cita dizeres alheios, conform e o
texto lhe sugere, pois tam bém para estas coisas os hom ens
atentam , e as lem bram m elhor do que as exortações, que,
e m b o ra calorosas, m u itas vezes m o rrem com o serm ão,
especialm ente com a gente do campo, gente grossa, pesada
e dura de ser erguida até o ponto do zelo e do fervor, gente
que precisa de um a m on tan h a de fogo para acender-se -
mas as histórias e os ditados essa gente recordará bem .”
N ão se deve esquecer jam ais que m esm o o grandioso
D eus, quando quer in stru ir os hom ens, em prega histórias e
biografias. A Bíblia contém doutrinas, promessas e preceitos;
m as estas não estão sozinhas. O livro todo é vitalizado e
ilustrado com m aravilhosos registros de coisas ditas e feitas
p or D eus e por hom ens. Aquele que é ensinado por D eus
valoriza as histórias sagradas, e sabe que nelas há plenitude e
vigor de instrução. Os professores de Bíblia não podem fazer
coisa m elhor do que in stru ir os seus com panheiros à m oda
da Bíblia.
O nosso Senhor Jesus Cristo, o grande M estre dos mestres,
não desprezou o uso de historietas. E m m inha opinião, parece
claro que certas parábolas de Jesus consistiam de fatos, e, daí,
eram historietas. A história do filho pródigo não pode ter sido
um a verdade literal? Não existirão casos reais de um inim igo
sem eando joio entre o trigo? Não poderá ser que o rico louco
que disse - “D escansa”, tenha sido um retrato tirado da vida?
O rico e Lázaro não figuraram de fato no palco da história?
Certam ente a história daqueles que foram esmagados pela torre
de Siloé, e a triste tragédia dos galileus, “cujo sangue Pilatos
m isturara com os sacrifícios que os mesmos realizavam”, eram
assuntos da conversa com um dos judeus, e o nosso Senhor as
tornou boa narrativa. O que ELE fez, não precisamos ficar com
vergonha de fazer. Para que o façamos com toda a sabedoria e
p ru d ê n c ia , busquem os a direção do E sp írito d iv in o que
pousava sobre Ele continuadam ente.
Farei a presente palestra citando os exemplos dos grandes
pregadores, com eçando com a época da R eform a, e proso
seguindo, sem observar um a ordem rigorosam ente cronoló­
gica, até os nossos dias. Os exemplos são mais poderosos que
os preceitos; daí citá-los.
P rim eiro, deixem -m e m encionar aquele grande prega­
dor de a ntanho,H ugh Latimer, o mais inglês de todos os nossos
teólogos, personalidade cuja influência sobre a nossa terra foi
sem dúvida sum am ente poderosa. D iz Southey: “M ais que
n e n h u m o u tro , L a tim e r prom oveu a R eform a com a sua
pregação”. E nisso ele ecoa um pronunciam ento de Ridley que
tem mais im portância, o qual escreveu na prisão: “Creio que o
Senhor colocou o velho irm ão L atim er como o sustentáculo
dos Seus padrões em nossa era e em nosso país contra o Seu
inim igo m ortal, o A nticristo”. Se vocês leram algum dos seus
sermões, devem ter ficado im pressionados com o núm ero de
suas belas histórias, tem peradas com hum or puro que reflete
o sabor do lar na fazenda em L eicestershire, onde fora criado
po r um pai que heroicam ente fazia os serviços de lavrador,
e p o r um a m ãe que o rdenhava trin ta vacas. Sem dúvida
podem os atrib u ir a essas histórias o estrago dos bancos pelo
avassalador tropel do povo para ouvi-lo; e o interesse geral
que os seus sermões despertavam. Se houvesse mais pregação
como essa, teríam os m enos tem or da volta do papism o. O
povo com um o ouvia alegrem ente, e suas vividas anedotas
explicavam em grande parte a sua atenção. Algumas dessas
narrativas só se poderiam repetir raram ente, pois felizm ente
o gosto da nossa época m elhorou em delicadeza; mas outras
são deveras adm iráveis e instrutivas. Eis aqui três delas:

O Criado do Frade e os Dez M andam entos

“ Vou contar-lhes um a bela história de u m frade, para


re a n im á -lo s, e n tre o u tra s coisas. U m frad e fran c isca n o
licenciado para pregar em certa diocese, durante o período da
sua autorização pregava m uitas vezes, porém só tin h a um
sermão. O tal sermão era sobre os dez m andam entos. E devido
esse frade pregar tantas vezes esse único sermão, um a pessoa
que já o ouvira várias vezes disse ao criado do frade que o
seu amo era cham ado “Frei João Dez M andam entos”. Por
conseguinte, o criado falou disso a seu amo e o aconselhou a
p reg ar sobre alguns outros assuntos, pois afligia o criado
ouvir o seu amo ridicularizado. Ora, respondeu o frade: “É
b em p ro v á v e l q u e você é cap az de d iz e r b em os dez
m andam entos, visto que os ouviu tantas vezes”. “Sim”, disse o
criado, “garanto que posso.” “Então quero ouvi-los”, disse o
amo. Então ele começou: “O rgulho, cobiça, lascívia”, e assim
e n u m e ro u os pecados m o rtais pelos dez m a n d am en to s.
Igualm ente há m uitos hoje em dia que estão cansados do
velho evangelho. D e bom grado ouviriam algum as coisas
novas. Julgam -se perfeitos no velho tem a, quando não são
mais capazes do que esse criado o era nos dez m andam entos”.

Santo A ntônio e o Sapateiro

“ L em os um a b o n ita h istó ria de Santo A n tô n io que,


estando no deserto, levou ali um a vida dura e reta, tanto que
ninguém da época se lhe igualava. Veio-lhe um a voz do céu,
dizendo: “A ntônio, não és tão perfeito como um sapateiro que
m ora em A lexandria”. A ntônio, ouvindo isso, levantou-se de
p ro n to, pegou seu bordão, e cam inhou até A lexandria, onde
encontrou o sapateiro. O sapateiro ficou espantado ao ver tão
ilustre pessoa entrar em sua casa. Disse-lhe A ntônio: “Venha e
conte-m e quais as tuas relações e como passas o tem p o ” .
“ S enhor”, disse o sapateiro, “quanto a m im , boas obras não
tenho, pois a m inha vida é simples e fraca; não passo de um
pobre sapateiro. D e m anhã, quando me levanto, oro por toda
a cidade em que resido, p rin cip alm en te pelos vizin h o s e
amigos pobres que tenho. D epois, aplico-me ao m eu trabalho,
onde passo o dia inteiro ganhando a vida, e me guardo de toda
a falsidade. Pois não há coisa que eu odeie m ais do que a
m entira. D aí, quando faço um a promessa a alguém, m antenho-
-a e a cum pro fielm ente. E assim passo o m eu tem po pobre­
m ente com m inha m ulher e m eus filhos, que eu ensino e
instruo, quanto me perm ite a m inha capacidade, a tem er - a
te m e r m esm o - a D eus. E este o resum o da m in h a vida
sim ples.”
“N esta h is tó ria vocês vêem com o D eus am a os que
seguem a sua vocação e vivem re ta m en te, sem q u alq u er
falsidade em seu procedim ento. Este A ntônio foi u m grande
hom em , e santo; todavia, este sapateiro teve a m esm a estim a
que ele, perante D eus.”

O Perigo da Prosperidade

“U m a vez li a história de um bom bispo que cavalgava


pela estrada e se sentiu cansado, estando m uito longe da cidade.
Portanto, vendo um a bela casa, para lá se dirigiu, e foi m uito
bem recebido, com todas as honras. Fizeram -se grandes
preparativos para ele, e u m grande banquete. Tudo farto e
lauto. Em seguida o dono da casa expôs a sua prosperidade, e
contou ao bispo as riquezas que possuía, as honras e dignidades
de que era investido, quantos e quão belos filhos tin h a, que
m u lher virtuosa D eus lhe dera, de m odo que não tin h a falta
de n en h u m tipo de coisa, não tin h a problem a algum , nem
aborrecim entos, quer externos quer internos.
O ra, este santo hom em ouvindo a descrição da boa situa­
ção daquele proprietário, cham ou um dos seus criados e lhe
m andou preparar os cavalos. Pois o bispo achava que D eus
não estava naquela casa porque não havia nenhum a tentação
ali. D espediu-se e seguiu o seu cam inho. Bem, quando estava
a dois ou três quilôm etros da casa, lem brou-se do seu livro
que deixara lá. M andou o criado buscá-lo, e quando o criado
chegou à casa, esta havia desabado com tudo o que havia nela.
Vê-se aqui que é coisa boa ter tentação. Aquele hom em se
julgava um sujeito feliz porque todas as coisas lhe iam bem.
M as ignorava a lição de Tiago: Beatus qui suffert tentationem.
“B em -aventurado o hom em que suporta com perseverança a
tentação.” A prendam os, pois, aqui, a não nos aborrecerm os
quando D eus puser sobre nós a Sua cruz.”
Vamos d ar um grande salto de quase u m século, até
Jeremiah Taylor, outro bispo, que m enciono logo depois de
Latimer porque aparentem ente se contrasta m uito com esse
teólogo singelo, mas que, na verdade, tem certa m edida de
sem elhança com ele quanto ao ponto focalizado aqui. Ambos
se regozijavam com as figuras e metáforas, e igualm ente se
deleitavam com casos e contos. É certo que u m falava de João
e José, e o outro de Anaxágoras e Cipião. Mas as cenas reais
eram o deleite de ambos. Nesse sentido, pode-se dizer que
Jerem iah Taylor era L atim er vertido para o latim . Jerem iah
Taylor está repleto de alusões clássicas, como um palácio real
está cheio de tesouros, e a sua linguagem é da elevada catego­
ria que convém mais a um auditório de nobres do que a um a
assembléia popular. Todavia, quando você chega à essência das
coisas, vê que, se L atim er é sim ples, tam bém Taylor conta
incidentes que para ele são peculiares; mas a sua casa está entre
os filósofos da Grécia e os senadores de Roma. E ntendido isso,
aventuram o-nos a dizer que ninguém usou m ais historietas e
anedotas do que este esplêndido pregador-poeta. Seu biógrafo
diz, com verdade: “Seria difícil indicar um ram o do saber ou
da pesquisa científica a que ele não aludisse ocasionalm ente;
ou algum autor em inente, antigo ou m oderno, com quem ele
não se revelasse fam iliarizado. Mais de um a vez ele se refere a
obscuras histórias de antigos escritores, como se esses fossem
n aturalm ente familiares para ele como o era para todos os seus
leitores. Por exemplo, fala do “pobre Atílio Avíola” e outra
vez do “leão líbio que fugiu para o seu deserto e m atou dois
rapazes rom anos”. Nisso tudo ele é em inentem ente seleto e
clássico, pelo que o introduzo aqui com a m aior boa vontade,
pois não pode haver razão por que as nossas historietas devam
ser todas rústicas. Nós tam bém podem os pilh ar os tesouros da
antigüidade, e fazer o pagão contribuir para o evangelho, como
H irã o , su p e rv isio n a d o p o r Salom ão, p re sto u serv iço s à
edificação do tem plo do Senhor.
N ão sou adm irador de Taylor noutros aspectos, e o seu
ensino às vezes parece sem i-papista; porém neste local só devo
lidar com ele sobre um particular, e neste assunto ele é um
exem plo adm irável. Esbanja histórias clássicas como um a
rainha asiática se enfeita com incontáveis pérolas. D e um único
serm ão extraio as seguintes, que talvez bastem para o nosso
propósito:

E studantes que Progridem para Trás

“M enedem us costum ava dizer “que os rapazes que iam


para Atenas, no prim eiro ano eram sábios, no segundo eram
filósofos, no terceiro eram oradores, e no quatro ano não
passavam de plebeus que não entendiam nada, exceto a sua
própria ignorância”. E justam ente assim acontece com alguns
no evolver da religião. Prim eiro são impetuosos e ativos, e então
saciam todos os apetites da religião; e o que resta é que logo se
cansam , ficam sentados cheios de desgosto, e voltam para o
m undo, e se detêm nas ocupações da vaidade ou do dinheiro;
e, por esse tem po, com preendem que a sua religião declinou,
tendo passado dos ardores e extravagâncias da juventude para
a frieza e fraqueza da velhice.”

O O rgulhoso que se Gabava da sua H um ildade

“Era notável como indivíduo vaidoso, o qual, radiante de


alegria com a cura do seu orgulho (como ele julgava) gritou à
esposa: “Cerne, Dionysia, deposuifastum”- “Vê só, pus de lado
todo o m eu orgulho”.
D iógenes e o Moço

“Um a vez D iógenes viu um moço saindo de um a taverna


ou centro de diversões. O jovem, percebendo que estava sendo
observado pelo filósofo, um tanto confuso, retrocedeu para, se
possível, p reservar a sua reputação perante aquele severo
personagem . M as D iógenes lhe disse: quanto magis intraveris,
tanto magis eris in caupon; “Q uanto mais te afastares, mais estarás
no lugar em que tens vergonha de ser v isto ”. Aquele que
esconde o seu pecado, continua retendo aquilo que ele consi­
dera sua vergonha e seu fardo.”
Não há exemplos de m aior peso do que os tirados dentre
os puritanos, em cujas pegadas é nosso desejo andar, em bora,
ai! os sigamos com passos débeis. Alguns deles eram férteis
em anedotas e histórias. Thomas Brooks é um caso típico do
sábio e saudável em prego da fantasia santa. Coloco-o em
prim eiro lugar porque o reconheço como o prim eiro na arte
especial que ora consideram os. Ele possui ouro em pó, pois
m esm o nas m argens dos seus livros há anotações de p re ­
ciosidade extraordinária, e sugestões para histórias clássicas.
O seu estilo é claro e copioso: jamais se excede nas ilustrações
a ponto de perder de vista a sua doutrina. As suas torrentes de
m etáforas nunca subm ergem o significado que pretendem
transm itir, mas o fazem flutuar à sua superfície. Se vocês nunca
leram as suas obras, quase lhes invejo a alegria de penetrarem
p e la p r im e ir a vez em U nsearchable R iches (R iq u e z a s
In s o n d á v e is ), de p ro v a r Precious Rem edies (R em éd io s
Preciosos), de saborear Apples o f Gold (Maçãs de O uro), de
p a rtilh a r com M ute Christian (C ristão S ilen cio so ), e de
desfrutarem os seus outros escritos m agistrais. Perm itam -m e
d ar-lhes um a am ostra da sua qualidade nas h isto rietas e
anedotas. Eis aqui algumas delas, poucas e breves, que quase
cabem num a só página; mas ele tem tão abundante riqueza
delas, que vocês mesmos podem recolher num instante dezenas
das m elhores.
O Choro do Sr. Welch

“Uma alma sob especiais manifestações de am or lam enta


não poder am ar mais a Cristo. O Sr. W elch, u m m inistro de
Suffolk, ch o ran d o à m esa, in q u irid o da razão do choro,
respondeu que era porque ele não era capaz de am ar mais a
Cristo. Aqueles que verdadeiram ente am am a Cristo nunca
podem elevar-se o bastante em seu am or a Cristo. Para eles,
um pequeno am or não é am or nenhum ; u m grande am or é
apenas um pequeno am or; um forte am or não passa de um
fraco am or; e o suprem o am or está infinitam ente abaixo do
valor de C risto, da beleza e glória de Cristo, da plenitude, dul-
çor e bondade de Cristo. O cúm ulo do seu infortúnio nesta
vida é que am am tão pouco, posto que m uitíssim o am ados.”

Silêncio Submisso

“Tal foi o silêncio de Filipe Segundo, rei da Espanha, que,


quando perdeu a sua “invencível” A rm ada que estivera em
preparação durante três anos, ordenou que em toda a Espanha
se dessem graças a Deus e aos santos por não ter sido m aior a
aflição resultante.”

Submissão dos Favoritos a seus Senhores

“Q uando Tiribazus, um nobre persa, foi preso, a princípio


sacou da espada e se defendeu. Mas quando o acusaram em
nom e do rei, e lhe inform aram que vinham da parte do rei, e
tinham ordem de levá-lo ao rei, ele se rendeu voluntariam ente.
Sêneca persuadiu o seu amigo a suportar a sua aflição em
silêncio, porque era o favorito do im perador, dizendo-lhe que
não lhe era lícito queixar-se, dado que César era seu amigo.
A ssim diz o cristão fiel: oh m in h a alma! T ranqüiliza-se,
aquieta-se; tudo é por amor, tudo é fruto do favor divino.”
0 Senhor P hilip Sydney

“U m com andante religioso foi atingid o em com bate.


Q uando a ferida foi sondada, e extraída a bala, alguns que
estavam p o r p erto , m o stran d o -se penalizados com o seu
sofrim ento, replicou ele: “Em bora eu gema, bendigo a Deus
porque não me queixo”. Q ueira Deus que o Seu povo gema,
mas não se queixe.”
Thom as Adams, o puritano conform ista, cujos sermões
vêm cheios de rude força e de sentido profundo, nunca hesi­
tava em inserir um a história quando achava que ela reforçaria
o seu ensino. O seu ponto de partida é sem pre um a declaração
bíblica ou um a historieta escriturística; e isto ele desenvolve
com m uito trabalho, trazendo-lhe todos os tesouros da sua
mente. Como diz Stowell, “Fábulas, historietas, poesia clássica,
jóias oriundas dos pais e de outros escritores antigos, dis-
tribuem -se por quase todas as páginas”. As suas historietas
geralm ente são grosseiras, e podem com parar-se com as de
Latim er, só que não são igualm ente geniais. Seu hum orism o é
em geral som brio e cáustico. As seguintes podem servir como
bons espécimens:

O M arido e sua Esposa Espirituosa

“O m arido disse à sua m ulher que ele tin h a um a péssima


qualidade - era dado a zangar-se sem motivo. E spirituosa­
m ente, ela respondeu que ia livrá-lo desse defeito, pois lhe
daria m otivo suficiente. É a loucura de alguns que se ofendem
sem causa, aos quais o m undo prom ete que terão bastantes
causas. “No m undo tereis aflições.”

O Sermão e o Servo

“É com um suceder que m uitos recom endem a preleção


aos ouvidos de outros, mas poucos a recom endam aos seus
próprios corações. É m oralm ente certo o que conta o “Cristão-
-que-fala-a-verdade” : um servo, voltando da igreja, elogia o
sermão ao seu amo. Este lhe pergunta qual foi o texto. Não sei,
diz o servo; começou antes de eu chegar. Então, qual foi a sua
conclusão? E u saí antes que term inasse, respondeu o hom em .
M as, que disse o pregador no meio? Na verdade eu dorm i no
meio do sermão. M uitas pessoas entram no tem plo, porém não
perm item que o sermão entre nas suas m entes.”

O Q uadro de um Cavalo

“A lguém incum biu um p in to r de pintar-lhe u m equum


volitantem, um cavalo troteado ou saltador. Ele (confundindo a
palavra) pintou-lhe um equum volutantem, u m cavalo espo-
jando-se ou virando cam balhota, com os cascos para cima.
Levou-o para casa, e o freguês censurou-lhe o erro: eu queria
um cavalo saltador, e você o fez espojando-se. Se todo o
problem a é esse, disse o pintor, basta virar o quadro de baixo
para cima, e você terá o que deseja. Assim nos seus discursos
quodlibéticos - feitos ao capricho dos seus autores - basta que
virem os lineam entos, e a coisa fica sendo o que queriam ter.
Não digo isto para desacreditar toda a cultura deles, mas sim,
as suas discussões e argum entos infrutíferos e desnecessários -
daqueles que acham algo de que falar, quando as E scrituras
não lhes dá nenhum a base.”

O Pirata

“Q uando o celerado pirata, assaltando e pilh an d o um


navio, ouviu o dono do barco dizer-lhe que, em bora nenhum a
lei pudesse tocá-lo no presente, teria que responder por isso
no dia do juízo, ele replicou: não por isso; se posso durar
tem po suficiente antes de chegar a ele, eu te levarei a ti e a teu
barco tam bém . Conceito presunçoso com que m uitos ladrões
de te rra firm e, op resso res, gabam -se em seus corações,
conquanto não se atrevam a expressá-la com os lábios.”
William Gurnall’, autor de The Christian in Complete Arrnour
(O Cristão com A rm adura Completa), por certo há de ter sido
u m contador de histórias pertinentes em seus sermões, visto
que até nos seus rígidos e sólidos escritos elas ocorrem . Talvez
não fosse preciso fazer distinção entre os seus escritos e a sua
pregação, pois o prefácio deixa ver que a sua obra, O Cristão
com Armadura Completa, foi pregada antes de ser impressa. Cada
página do seu famoso livro apresenta vividas imagens, e sempre
que acontece isso, certam ente damos com breves narrativas e

casos notáveis. E tão exuberante em ilustrações como Brooks,


W atson ou Swinnock. Feliz foi Lavenham em ter tal pastor! A
propósito, este livro, Armadura Completa, é, m ais que todos os
outros, um livro para pregadores. Creio que m ais discursos
foram sugeridos por ele do que por qualquer outro volume
não inspirado. Tenho recorrido a ele m uitas vezes, quando as
m inhas cham as ardem com fogo baixo, e raram ente deixei de
en co ntrar um a brasa viva na lareira de G urnall. D isse John
N ew ton que, se pudesse ler som ente um livro além da Bíblia,
escolheria O Cristão com Armadura Completa, e Cecil era
praticam ente da mesma opinião. Dessa obra disse J. C. Ryle:
“Você achará m uitas vezes num a linha e meia alguma grande
verdade, colocada com tanta concisão e, contudo, de m aneira
tão com pleta, que você ficará m aravilhado de quanto pensa­
m ento pode estar m etido em tão poucas palavras”. U m a ou
duas histórias da parte inicial da sua grande obra devem ser
suficientes para o nosso propósito.

Pássaro a Salvo no Peito de um H om em

“U m pagão pôde dizer, quando um pássaro (com medo de


um gavião) fugiu para abrigar-se no seu peito: “Não te trairei,
entregando-te ao teu inim igo, vendo que vieste a m im em
busca de refúgio”. M uito menos D eus entregará um a alma
ao seu in im ig o , quando ela busca refúgio em Seu nom e,
d izen d o : “ S enhor, estou sendo caçado p o r tal ten tação ,
perseguido por tal luxúria! O u me perdoas, ou estou perdido.
M ortifica-a, ou serei escravo dela. Leva-me para o seio da Tua
graça, por am or de Cristo. Acastela-me nos braços da Tua força
eterna. E m Teu poder está o salvar-m e das mãos do m eu
inim igo, ou entregar-m e a elas. Não tenho confiança em m im
e em n enhum outro. Em Tuas mãos entrego m inha causa,
m inha vida, e em Ti confio.” Esta confiante dependência de
um a alm a, sem dúvida erguerá o soberano poder de D eus em
sua defesa. Ele fez o m aior juram ento que poderia v ir dos
Seus benditos lábios, jurando por Si m esm o, que aquele que
busca “refúgio” a fim de esperar nEle, terá “firm e consolação”
(H ebreus6:17,18).”

O P ríncipe com a Fam ília em Perigo

“ Suponham os que um filho de rei estivesse fora de um a


cidade sitiada, onde deixara a sua esposa e os seus filhos (aos
quais ama de toda a alma) e estes na im inência de m orrer
pela espada ou pela fome, caso não chegassem suprim entos a
tem po. Poderia este príncipe, ao chegar à casa do seu pai, ter
prazer nos deleites da corte e esquecer as angústias da sua
fam ília? Ao contrário, não se postaria diante de seu pai (tendo
os lam entos e gemidos dos seus queridos sem pre nos seus
ouvidos) e, antes de com er ou beber, não se dirigiria a seu pai,
e não lhe suplicaria que, se o amava, enviasse todas as forças
do seu reino para levantar o assédio, para que os seus amados
fam iliares não perecessem? C ertam ente, senhores, em bora
Cristo esteja no ponto mais alto da Sua exaltação, e fora da
torm enta quanto à Sua Pessoa, todavia, os Seus filhos, deixados
atrás no m eio das baterias do pecado, de satanás e do m undo,
estão em Seu coração, e não serão esquecidos um m om ento
p o r E le. O cu id ad o que Ele tem p o r nossos p ro b lem as
tra n sp a re c e na rá p id a com unicação que Ele fez do Seu
E sp írito para suprim ento dos Seus apóstolos, que, logo que
tom ou assento à destra do Seu Pai, enviou, para o incomparável
fortalecim ento dos Seus apóstolos e de todos nós que, até hoje,
sim , até o fim do m undo, cremos ou haverem os de crer nE le.”

John Careless

“Q uando D eus honra um a pessoa perm itindo-lhe sofrer


por Sua verdade, é um grande privilégio: “A vós vos foi con­
cedido, em relação a C risto, não som ente crer nele, como
tam bém padecer por ele”. Deus não costum a dotar os Seus
santos de dons inúteis; neste dom há algum a preciosidade
que os olhos da carne não podem ver. A fé, você dirá, é um
grande dom ; mas a perseverança, sem a qual a fé seria de
pouco valor, é m aior; e a perseverança no sofrim ento é mais
honrosa que as duas prim eiras. Isto levou John Careless, um
m ártir inglês (o qual, em bora não tenha m orrido na fogueira,
contudo m orreu na prisão por Cristo), a dizer: “Tal honra os
anjos não têm perm issão de receber; p o rta n to , D eus me
perdoe a m inha falta de gratidão.”

O Sr. B enbridge

“O h, quantos m orrem na forca pela causa do diabo, por


traições, violações e assassinatos! Deus poderia retirar a Sua
graça, e deixá-lo entregue à sua covardia e incredulidade, e
então logo o m ostraria em todas as suas cores. Os mais in tré ­
pidos campeões da causa de Cristo aprenderam quão fracos
são, toda vez que Cristo Se afastou. Alguns deles têm dado
grande testem unho de sua fé e resolução na causa de Cristo,
chegando mesm o tão perto de m orrer por Seu nom e que se
arriscaram a ser levados ao pelourinho e à fogueira - e contudo,
os seus corações falharam . Como aquele santo varão, o Sr.
B enbridge, em nosso m artirológio inglês, que em purrou a
lenha e gritou: “E u me retrato, eu me retrato!” Todavia, esse
hom em , fortalecido em sua fé, e revestido do poder do alto,
pôde, no espaço de um a semana depois daquele triste fracasso,
m o rrer na fogueira com regozijo. Aquele que um a vez venceu
a m orte por nós, é quem sem pre vence a m orte em nós.”
John Flavel é um nom e que terei de citar noutra palestra,
pois ele é mais grandioso na metáfora e na alegoria, mas na
questão do uso de h istorietas, a sua pregação é excelente
exemplo. D o seu m inistério se disse que quem não foi afe­
tado por ele tinha que ter miolo m uito mole ou coração m uito
duro. Ele tin h a um depósito de casos notáveis, e a faculdade
de ilustrar com felicidade, e como era um hom em em cujas
m aneiras a jovialidade se fundia com a solenidade, foi p o p u ­
lar no mais alto grau, tanto neste país como no exterior. Ele
p rocurava palavras que servissem para os m arin h eiro s de
D artm o u th e para os sitiantes de D evon, pelo que pôde deixar
atrás de si Navigation Spiritualized (Navegação Espiritualizada)
e Husbandry Spiritualized (Agricultura Espiritualizada), legados
transm itidos às duas classes de hom ens que lavram o m ar e a
terra. Era um hom em que valia a pena fazermos um a pere­
grinação para ouvir. Que crim e foi silenciar os seus lábios
tocados pelo céu, com a abom inável Lei da U niform idade!
E m vez de citar várias passagens dos seus sermões, cada qual
c o n ten d o um a h isto rie ta , achei bom dar um a porção de
histórias como as encontram os em suas preleções sobre:

Providência na Conversão

“U m pedaço de papel visto acid en talm en te tem sido


usado como instrum ento de conversão. Foi assim no caso de
u m m inistro de Gales que tinha dois encargos eclesiásticos,
mas não cuidava bem de nenhum deles. E stando num a feira,
com prou algum a coisa na banca de um mascate, e rasgou um a
folha do catecismo do Sr. Perkin para em brulhar a com pra, e,
lendo um a linha ou duas dela, Deus o fez com preender o seu
conteúdo, de m odo que operou nele m udança com pleta.”
“O casam ento de um hom em piedoso com alguém de um a
fam ília incrédula tem sido utilizado pela Providência para
a conversão e salvação de m uitos nessas condições. Assim,
lem os na biografia daquele renom ado inglês, v erd ad eira
sum idade, o Sr. John B ruen, que, em seu segundo m atrim ônio
foi com binado que ele residiria um ano na casa de sua sogra.
D u ra n te sua residência ali naquele ano (diz o Sr. C lark),
aprouve ao Senhor, por interm édio dele, agir com Sua graça
na alm a daquela senhora, como tam bém na da irm ã da sua
esposa, da m eia-irm ã desta, dos seus irm ãos, o Sr. W illiam e o
Sr. Thom as Fox, com um ou dois criados daquela fam ília.”
“N ão som ente a le itu ra de u m livro, ou o o u v ir um
m inistro, mas (o que é extrem am ente notável) o próprio lapso
de m e m ó ria de u m m in is tro te m sido e m p reg ad o p ela
P ro v id ên cia para esse m esm o fim e propó sito . P regando
A g o stin h o um a vez à sua congregação, esq u eceu -se do
argum ento que planejara apresentar, e caiu nos erros dos
m aniqueus, desviado da sua p rim eira intenção. Com esse
discurso foi convertido um tal F irm us, seu ouvinte, que se
p ro stro u chorando e confessando que vivera como m ani-
queu m uitos anos. C onheci outro que, indo pregar, pegou
ou tra B íblia em vez da que p reten d ia usar, à qual não só
faltavam as suas anotações, como tam bém o capítulo em que
estava o texto pretendido. Por isso ficou um tan to p reju d i­
cado. Mas, após breve pausa, resolveu falar sobre qualquer
o u tra passagem das E scrituras que se lhe apresentasse, e,
conseqüentem ente, leu o texto “O Senhor não retarda a sua
promessa” (2 Pedro 3:9). E, embora não tivesse nada preparado,
o Senhor o ajudou a falar m etódica e pertinentem ente sobre
ele. M ediante esse discurso, operou-se grande m udança num
dos ouvintes, que passou a dar daí por diante boa prova de
conversão real, reco n h ecen d o que aquele serm ão fora o
prim eiro e único instrum ento para isso.”
“O uvir um sermão por pilhéria tam bém tem resultado em
séria conversão de alguns. O Sr. F irm in em sua obra Real
Christian (C ristão Real) fala-nos de um n o tó rio bêbedo a
quem os ébrios cham avam “pai”, que um dia se dispôs a ir
ouvir o que W ilson dizia, sem outro propósito, parece, que o
de zom bar do santo hom em ; entretanto na oração a n terio r ao
serm ão, o seu coração começou a derreter-se, e quando o
pregador leu o texto do sermão, que era “Não peques mais,
para que te não suceda algum a coisa pior” (João 5:14), não
pôde conter-se. E naquele serm ão o Senhor m udou o seu
coração, apesar de ter sido um inim igo tão cruel que o m inistro
tem ia passar em frente da porta do seu arm azém quando ia
para a igreja nos dias de pregação. “Eis que isto são apenas as
orlas dos seus cam inhos; e quão pouco é o que tem os ouvido
dele!” (Jó 26:14).
George Swinnock, por alguns anos capelão de H am pden,
havia desenvolvido grandem ente o dom de ilustrar, como suas
obras provam . Alguns dos seus símiles são tom ados de fontes
alheias, e o desenvolvim ento do conhecim ento to rnou obsole­
tos alguns deles, porém serviram ao seu propósito e tornaram
atraen te o seu ensino. D epois de descontar todas as suas
fantasias, que na presente época seriam julgadas forçadas, resta
ainda “um a rara soma de espírito e de sabedoria santificados”.
E , cin tila n d o aqui e ali, vislum bram os algum as h istó rias
notáveis, na m aioria de origem clássica.

A Oração de Paulinus

“A expressão de Paulinus, quando a sua cidade foi tom ada


pelos bárbaros, foi: Domine, ne excrucier ob aurem et argentum.
“ Senhor, não perm itas que eu me perturbe pelo ouro e pela
prata que perdi, pois Tu és todas as coisas”. Como Noé, quando
o m undo todo foi dom inado pelas águas, tin h a um belo epí-
tom e dele na arca, tendo todas as espécies de anim ais e aves
ali, assim tam bém aquele que num a catástrofe tem D eus para
ser o seu D eus, tem a fonte de todas as mercês. Aquele que frui
o oceano pode regozijar-se, conquanto se lhe tirem algumas
gotas.”
A R ainha E lizabeth e a Vendedora de L eite

“A rainha Elizabeth, quando estava na prisão, invejou a


vendedora de leite. Mas, se soubesse que glorioso reinado iria
ter durante quarenta e quatro anos, não teria cobiçado a pobre
felicidade de tão singela pessoa. Os cristãos são m uito propen­
sos a invejar as bolotas das quais se locupletam os errantes
pecadores aqui na terra. Se, porém , fixassem diante de si as
suas gloriosas esperanças do céu, de como haverão de reinar
com C risto para sem pre, veriam pouca razão para as suas
queixas.

A Criança C rente

“Li a história de um a criança de uns oito ou nove anos de


idade que, extrem am ente oprim ida pela fome, u m dia, com a
aparência de tal necessidade que causava dó, disse à mãe: “Mãe,
a senhora acha que Deus quer matar-nos de fome?” Respondeu
a mãe: “Não, filho, Ele não o fará”. Replicou a criança: “Mas,
se Ele o fizer, ainda assim devemos amá-10 e servi-10”. Eis aí,
linguagem de um cristão bem desenvolvido. Pois, na verdade,
D eus nos conduz à carência e à pobreza para experim entar-
-nos, se O amam os por Ele ou por nós; pelas excelências que
nE le há, ou pelas bênçãos que dEle obtem os; para ver se
diremos com o cínico a Antístenes: Nullus tam darus erit baculus,
etc. “N enhum a clava seria tão insuportável como ser surrado
p or ti.”

Religião da M oda

“Li sobre um a senhora papista, de Paris, que, quando viu


u m a gloriosa procissão em h o n ra a um dos seus santos,
exclamou: “O h, como é esplêndida a nossa religião, acima da
dos huguenotes! - a religião destes é pobre e desprezível, mas
a nossa é rica de ostentação e solenidade”. Todavia, assim
como os arautos falam de um brasão de armas que, se este
está cheio de brilhos e lemas, revela linhagem inferior, assim
a verdade é que o m odo de prestar culto em que entram de
m istura invenções dos hom ens, revela que a sua linhagem é
inferior - a saber, hum ana.”

O D uque Atarefado

“O duque d’Alba, francês, quando H enrique Q uarto lhe


p erguntou se tinha visto o eclipse do sol, pôde dizer que tin h a
tan ta coisa que fazer na terra, que não tin h a tem po para olhar
para o céu. Estou certo de que o cristão pode dizer com mais
veracidade e convicção consciente, que tem tantas coisas que
fazer para o céu, que não tem tem po para dar atenção a coisas
vãs ou terrenas.”
Thomas Watson foi um dos m uitos pregadores puritanos
que conquistaram os ouvidos populares com as suas freqüentes
ilustrações. Na fluente e lím pida co rren te do seu ensino
acham os com m uita freqüência finas pérolas de historietas.
N inguém jamais ficou cansado sob tão agradável discurso,
em bora pesado, como o que encontram os em sua obra The
Beatitudes (As B ea titu d e s). D u as citações serv irão p ara
dem onsrar a sua habilidade.

A Vestal e os Braceletes

“M uitos hom ens acham que, porque D eus os abençoou


dando-lhes bens m ateriais, são bem -aventurados. Ah, m uitas
vezes D eus dá estas coisas com o expressão da Sua ira -
sobrecarregando os Seus inim igos de ouro e prata! Como
Plutarco relata de Tarpéia, um a monja vestal que negociou com
os inim igos a entrega traiçoeira que lhes faria do Capitólio de
Rom a, caso possuísse os braceletes de ouro que traziam em
suas m ãos esquerdas, o que lhe p ro m eteram . D ep o is de
entrarem no Capitólio, lançaram sobre ela, não som ente os
braceletes, mas tam bém os seus escudos, sob cujo peso ela
acabou m orrendo. M uitas vezes D eus deixa que os hom ens
tenham áureos braceletes de substância m undana, cujo peso
os afunda no inferno. Oh, vamos superna anhelare - anelar a
bens supernos! Tenhamos os olhos “fixos” em D eus e os cora­
ções “u n idos” a Ele, o bem suprem o; isto é, ir em busca da
bem -aventurança, como num a caçada.”

O O uriço e o Coelho

“O fabulista conta um a história do ouriço que foi à toca


dos coelhos d u ran te um a tem pestade querendo abrigo, e
prom eteu que seria um hóspede pacífico, mas quando rece­
beu acolhida hospitaleira, fincou os seus espinhos, e nunca
mais saiu, até expulsar os pobres coelhos da sua toca. Assim é
a cobiça. E m b o ra te n h a boas razões para in s in u a r-s e e
introduzir-se no coração, tão logo vocês a deixem entrar, este
espinho nunca parará de fincar-se, até sufocar todos os bons
princípios e lançar toda a religião fora dos seus corações.”
Creio que isso é suficiente para representar os hom ens do
período dos p uritanos, que acrescentaram à sua profunda
teologia e ao seu variado saber, zelo para serem com preendi­
dos e habilidade na exposição da verdade com o auxílio das
ocorrências diárias. A época que se lhes seguiu foi estéril
quanto à vida espiritual, e foi afligida por um a raça de teólogos
retóricos, cujas palavras tinham escassa conexão com a Palavra
da vida. O pensam ento estreito dos dignitários da rainha Ana
não precisava da ajuda de metáforas ou parábolas: não havia
nada para explicar às pessoas. O m áxim o esforço desses
religiosos era para esconder a nudez dos seus discursos com as
folhas de figueira de um a verbosidade latinizada. Fora-se a
pregação vivida, fora-se a vida espiritual, e, conseqüentem ente,
erigiu-se um púlpito que não tinha voz para o povo com um ;
na v erd ad e, não tin h a voz para n in g u é m , exceto para o
form alista, que se dá por satisfeito se o decoro é observado e a
respeitabilidade é m antida. N aturalm ente, a nossa noção do
que seja to rn a r clara a verdade m ediante histórias não se
enquadrava na m orte dignificada do período, e foi som ente
quando os ossos secos começaram a agitar-se que o m étodo
popular foi trazido de novo à proem inência.
O ilustre George Whitefield está, ao lado de Wesley, à testa
daquele nobre exército de m inistros que lideraram o aviva-
m ento do século passado. Não se inclui em nenhum a parte
do m eu presente plano falar da sua incom parável eloqüência,
do seu fervor inextinguível e do seu labor incessante. Mas
está em com pleto acordo com o curso da m in h a preleção
lem brar-lhes o pronunciam ento dele - “E u uso o linguajar
do m ercado”. Ele em pregava o inglês puro, bom , fluente,
porém era tão simples como se falasse a crianças. Conquanto
de m aneira nenhum a fosse abundante em ilustrações, sempre
as em pregava, quando necessárias, e narrava incidentes com
grande poder de ação e ênfase. As suas histórias eram contadas
de tal m odo, que em ocionavam os ouvintes; estes ouviam e
tam bém viam , pois cada palavra tin h a a sua gesticulação
apropriada. U m a razão por que ele podia ser com preendido a
tão grande distância era o fato de que os olhos ajudavam o
ouvido. Como espécimes de suas historietas, selecionei as que
se seguem:
Os D ois Capelães

“Você não poderá fazer nada sem a graça de D eus quando


chegar a hora de morrer. H avia um nobre que m an tin h a um
capelão deísta, e a dama, sua senhora, m antinha um capelão
cristão. Q uando o nobre estava m orrendo, disse ao seu capelão:
“E u o apreciava m uito quando tin h a boa saúde; mas é do
capelão de m inha senhora que preciso quando enferm o.”

N unca Satisfeito

“M eus diletos ouvintes, não há um a só alma dentre todos


vocês que esteja satisfeita em suas posições. Não seria esta a
linguagem dos seus corações? Q uando aprendizes: estaremos
realizad o s q u a n d o form os o p erário s; q u an d o op erário s:
estarem os realizados quando formos patrões; quando soltei­
ros: estarem os realizados quando casarmos; e com certeza
acham que estarão realizados quando tiverem um a carruagem.
O uvi falar de um a pessoa que começou de baixo: prim eiro,
queria um a casa; depois, diz ele, “quero duas, depois quatro,
depois seis” ; e quando as teve, disse: “Acho que não quero
mais nada”. “ Sim”, diz seu amigo, “logo você vai querer outra
coisa, a saber, um caixão e seis que o carreguem para o seu
tú m u lo ” ; e isso o fez trem er.”

O Coração do Dr. M anton

“Um a boa m ulher, encantada com o Dr. M anton, disse:


“O h, senhor, seu sermão de hoje foi excelente; eu gostaria de
te r o seu coração”. “É ?”, disse ele; “Boa m ulher, seria m elhor
que não o quisesse, pois, se o tivesse, quereria ter o seu próprio
de novo.” Os m elhores hom ens se vêem sob a pior luz.”
Receoso de que a citação de mais alguns exemplos poderia
provar-se tediosa, gostaria apenas de lem brar-lhes que hom ens
como B erridge, Row land H ill, M atthew W ilks, C hristm as
E vans, W illiam Jay, e outros que recen tem en te p a rtira m
d entre nós, deveram m uito da sua força de atração ao m odo
pelo qual anim avam os seus ouvintes, e acendiam a verdade
nos corações deles com historietas bem escolhidas. O tem po
exige que eu conclua, e como poderei fazê-lo m elhor do que
m encionando um hom em que vive atualm ente e que, acima
de todos os dem ais, tem entusiasm ado as massas em dois
co n tin en tes? - R efiro-m e a D. L. Moody. E ste adm irável
irm ão tem grande ojeriza pela publicação dos seus sermões. E
faz bem , porque ele prega incessantem ente e não dispõe de
tem po para preparar discursos novos. Portanto, seria m uita falta
de sabedoria da sua parte im p rim ir logo os discursos com os
quais está desenvolvendo toda um a cam panha. Esperam os,
porém , que quando ele deixar de usar um serm ão, não o deixe
m orrer, mas o dê à Igreja e ao m undo através da im prensa. O
nosso estimado irmão tem um estilo vivido e eficiente, e m uitas
vezes acha que é de bom alvitre pregar um prego com o martelo
da historieta. Eis aqui cinco extratos do seu pequeno livro
intitulado Arrows andAnecdotes (Setas e Anedotas):

A Mãe do Retardado

“ C onheço certa mãe que tem u m filho m en talm en te


retardado. Por ele, ela renunciou à vida social, a quase tudo, e
a ele devotou toda a sua vida. “E agora”, disse ela, “durante
catorze anos velei por ele com amor, e ele nem sequer me
conhece. O h, isso parte o meu coração!” O h, como o Senhor
há de dizer isso de centenas aqui! Jesus vem aqui, e vai de
assento em assento perguntando se há lugar para Ele. O h, não
quererão alguns de vocês recebê-10 em seus corações?”

Cirurgião e Paciente

“ Q uando estive em B elfast, conheci u m m édico que


tin h a um amigo, um im portante cirurgião. D isse-m e que era
costum e desse cirurgião, antes de fazer qualquer operação,
dizer ao paciente: “O lhe bem a ferida, e depois fixe os olhos
em m im , e não desvie o olhar até eu term in ar com pletam ente
a operação”. N a hora vi que era um a boa ilustração. Pecador,
olhe bem a ferida esta noite, e depois fixe os olhos em Cristo, e
não os desvie dEle. E m elhor olhar para o rem édio do que
para a ferida.”

A Oração do Órfão

“Um a criança pequena, cujos pais m orreram , foi levada


p ara o u tra fam ília. N a p rim e ira n o ite ela p e rg u n to u se
podia orar como costumava. D isseram -lhe: “O h, sim !” Então
ela se ajoelhou e orou como a sua mãe lhe tin h a ensinado, e,
quando acabou, acrescentou um a pequena oração pessoal: “Oh,
D eus, faze estas pessoas tão boas para m im como o foram o
m eu pai e a m inha m ãe” . D epois fez um a pausa, olhou para
/

cim a, como se esperasse resposta, e acrescentou: “E claro que


Ele o fará”. Quão docem ente simples era a fé daquela criança.
Ela esperava que Deus o “fizesse”, e certam ente obteve o que
p ed iu .”

A L ista de Cham ada

“U m soldado jazia em seu leito de m orte durante a nossa


guerra de secessão, e lhe ouviram dizer: “A qui!” Perguntaram -
lhe o que queria. Ele ergueu a mão e disse: “ Silêncio! estão
fazendo a chamada no céu, e estou respondendo ao meu nom e” .
Em seguida sussurrou: “Presente!”, e p artiu .”

N enhum a Casa Além do T úm ulo

“Falaram -m e de um ricaço que m orreu recentem ente. A


m orte chegou inesperadam ente a ele, como quase sem pre
acontece, e ele m andou cham ar o seu advogado para redigir o
seu testam ento. E se pôs a d istribuir as suas propriedades.
Q uando chegou a vez da m ulher e do filho, disse que queria
que eles ficassem com a casa. Mas a criança não entendia o que
era a m orte. Ela estava perto e disse: “Papai, você tem casa na
terra para onde vai?” A flecha atingiu-lhe o coração; porém
era tarde demais. Ele percebeu o seu erro. Não tin h a casa
nenhum a além do túm ulo.”
Não os cansarei mais. Vocês poderão fazer com segurança
o que os hom ens m ais benéficos fizeram antes de vocês.
Im item -n o s, não só no seu em prego das ilustrações, mas
tam bém em sua sabedoria em m antê-las subservientes ao
p ro p ó sito que eles tin h a m em vista. N ão eram sim p les
narradores de histórias, eram pregadores do evangelho. Seu
objetivo não era o entretenim ento das pessoas, e sim a sua
c o n v ersã o . Jam a is ch eg a ra m ao p o n to de e n x e rta r u m
fragm ento expressivo que estiveram guardando para exibir, e
nunca se poderia dizer que as suas ilustrações eram

“Janelas que a luz recusam;


passagens que a nada levam”.

M antenham a devida proporção das coisas, para que não


suceda coisa pior do que eu perder o m eu trabalho, tornando-
-me assim causa de vocês apresentarem feixes de historietas
em vez de boas doutrinas, pois isso seria um a coisa tão ruim
como se vocês oferecessem a hom ens fam intos flores em vez
de pão, e dessem aos desnudos gazes de teia de aranha em vez
de roupa de lã.
Empregos de Anedotas e Ilustrações
Os empregos de anedotas e ilustrações são m últiplos. Mas,
quanto aos nossos objetivos aqui, podem os reduzi-los a sete,
nem por um m om ento im aginando que esta será um a lista
com pleta.
P rim eiro, usam o-las para interessar a mente e prender a
atenção dos nossos ouvintes. Não podem os suportar um au d i­
tório sonolento. Para nós, um hom em sonolento não chega a
ser hom em . Sydney Sm ith observou que, em bora Eva tenha
sido tirad a do lado de Adão enquanto este dorm ia, não é
possível rem over dessa m aneira o pecado dos corações dos
hom ens. Não concordam os com H odge, construtor de cercas
e cavador de fossas, que observou a um cristão com quem es­
tava conversando: eu “gotcho” do dom ingo, “gotcho” sim ; eu
“gotcho” do dom ingo”. “E o que faz você gostar do dom ingo?”
“P ru q u e”, mecê vê, é um dia de descanso; eu “vô” lá prá velha
igreja, pego um banco, estico as pernas, e “num ” penso em
/

nada.” - E de tem er-se que na cidade, como no campo, isto de


não pensar em nada seja um a coisa m uito com um . C ontudo,
sua consideração pelo dia sagrado, pelo m in istério para o
qual vocês foram cham ados, e pela assembléia de adoradores,
não lhes perm itirá dar à sua gente ocasião para não pensar em
nada. Vocês quererão incentivar todas as faculdades dos seus
ouvintes para receberem a Palavra de D eus, para que ela seja
um a bênção para eles.
E m ister conquistarm os a atenção no início do culto, e
p ren d ê-la até o fim . Com este objetivo, m u ito s m étodos
podem ser experim entados. Mas possivelm ente n en h u m será
m ais b em su c e d id o que a in tro d u ç ã o de u m a h is tó ria
interessante. Isto leva H odge a ouvir, e, ainda que ele sinta
falta do ar fresco dos campos, e comece a sentir-se sonolento
em sua capela aquecida, outro conto o ativará para renovada
atenção. Se ele ouvir um a narrativa relacionada com a sua
aldeia ou condado, você o terá “todo ali”, e poderá esperar
fazer-lhe algum benefício.
A historieta no serm ão corresponde ao propósito de um a
gravura nu m livro. Todos sabem que as pessoas são atraídas
pelos volum es que contêm figuras, e que, quando um a criança
pega um livro, em bora possa passar pelo texto sem observar
nada, é m ais que certo que ela se deterá nas gravuras. Não nos
considerem os im portantes demais para usar u m m étodo que
m uitos têm em pregado com sucesso. Precisam os, realm ente,
obter atenção. E m alguns auditórios, não conseguimos cativá-
-los se começamos com instrução sólida; não estão querendo
ser ensinados e, conseqüentem ente, não estão em condições
de receber a verdade, se lha expomos nua e crua. Avante, pois,
com um ram alhete de flores para atrair estas pessoas à nossa
mesa, a fim de poderm os alim entá-las com o alim ento que
tanto necessitam. Justam ente como o Exército de Salvação vai
pelas ruas tocando trom beta e tam bor para atrair pessoas às
casernas, assim o hom em zeloso pode gastar os prim eiros
m in u to s com um a congregação apática para despertá-la e
incitá-la a penetrar na câmara interior da verdade. M esmo
esse p relú d io para d esp ertar deve te r conteúdo digno da
ocasião. Mas se não estiver à altura da sua posição m édia usual
quanto ao peso da doutrina, poderá não som ente ser escusado,
porém tam bém recom endado, se preparar os ouvintes para
receberem aquilo que vem a seguir. Isca de ceva não pega
peixe, mas corresponde ao seu propósito se faz os peixes
chegarem perto da isca e do anzol.
A um a congregação bem instruída e m orm ente consti­
tuída de m em bros professos, não é preciso dirigir-se no mesmo
estilo que requer um auditório recém -reunido do m undo, ou
um a reunião de lerdos e formais freqüentadores de igreja. O
seu bom senso o ensinará a adaptar o seu estilo ao auditório.
É possível m anter intensa e dem orada atenção sem o uso de
um a ilustração. M uitas vezes fiz isso no Tabernáculo, quando
a m aioria dos seus ocupantes era de m em bros da igreja; mas
quando o m eu povo está fora, e estranhos ocupam os lugares
dele, apresento toda a m inha reserva de histórias, sím iles e
parábolas.
As vezes conto anedotas no p ú lp ito , e pessoas m uito
d elicadas e especiais expressam o seu h o rro r p or eu dizer
essas coisas. No entanto, quando vejo que D eus abençoou
algum as das ilustrações que usei, m uitas vezes penso na
história do hom em que levava um a alabarda e que foi atacado
pelo cachorro pertencente a um nobre. Claro que, defendendo-
-se, matou o animal. O nobre ficou m uito zangado, e perguntou
ao hom em como ousara m atar o cão. O hom em replicou que,
se não o matasse, o cão o m orderia e o despedaçaria. “Bem”,
disse o nobre, “mas o senhor não devia tê-lo golpeado na cabeça
com a alàbarda; por que não bateu no cão com o cabo?” “M eu
sen h o r”, respondeu o hom em , “eu o teria feito, se ele tivesse
tentado m order-m e com a cauda.” Assim, quando lido com
o pecado, alguns dizem : “Por que você não o tra ta com
delicadeza? Por que não lhe fala com linguagem cortês?” E
respondo: “Eu faria isso se ele me mordesse com a cauda;
todavia como vejo que ele me trata rudem ente, rudem ente o
tratarei. E qualquer tipo de arm a que me ajude a m atar o
m onstro, não acharei im própria para a m inha m ão”.
Nestes dias, não podemos perm itir-nos perder nenhum a
o p o rtu n id ad e de cativar o ouvido do público. Temos que
usar toda e qualquer ocasião que se nos apresente, e todos
os instrum entos que tenham a probabilidade de ajudar-nos
em nosso trabalho. E tem os que estim ular todas as nossas
faculdades, e pôr em ação todas as nossas energias, para que,
de algum m odo possamos conseguir que as pessoas prestem
atenção naquilo que são tão lentas para considerar - a grande
h is tó ria da ju stiça, da tem p eran ça e do juízo v in d o u ro .
Precisam os ler m uito e estudar arduam ente, do contrário não
serem os capazes de influenciar beneficam ente a nossa época
e a nossa geração. Creio que o em penho mais industrioso é
necessário para pro d u zir um pregador deveras eficiente, e
tam bém a m elhor habilidade natural. E é m in h a firm e con­
vicção que, quando você tem a m elhor habilidade natural,
deve su p le m e n tá -la com o m a io r e m p en h o in d u s trio s o
im aginável, se realm ente há de prestar m uito serviço a D eus,
nesta geração corrupta e perversa.
A um doido na Escócia que subiu ao púlpito antes de
chegar o pregador, pediu-lhe o m inistro que descesse. “Não,
não”, respondeu o hom em , “suba aqui você tam bém , pois nós
dois somos necessários para persuadir esta geração teim osa.”
C ertam ente se requer toda a sabedoria que puderm os obter
para com over as pessoas entre as quais a nossa sina é lançada.
E se nós não em pregarm os todos os meios lícitos para interes­
sar a m ente dos nossos ouvintes, veremos que eles serão como
certa congregação em que todos dorm iam , exceto u m pobre
idiota. O m inistro os despertou, e procurou repreendê-los,
dizendo: “O lhem , vocês todos estavam dorm indo, m enos o
pobre Jock, o idiota”. Mas a sua repreensão foi interrom pida
p or Jock, que exclamou: “E se eu não fosse idiota, estaria
dorm indo tam bém ” .
Deixarei que a m oral dessa bem conhecida história fale
p o r si m esm a, e passarei para o m eu segundo ponto, o qual é,
que o uso de anedotas e ilustrações toma a nossa pregação natural
e vivida. Este ponto é da m aior im portância. D e todas as coisas
que tem os de evitar, um a das mais im portantes é a de dar ao
no sso povo, q u a n d o p reg am o s, a id éia de que estam o s
representando um papel. Tudo que for teatral no púlpito, na
entonação, nas m aneiras, ou em qualquer outra coisa, detesto
com todas as veras da alma. Subam para o púlpito e falem ao
povo como fariam na cozinha ou na sala de visitas, e digam o
q u e tê m p ara d iz e r-lh e com o seu to m de voz com um .
Perm itam -m e concitar-lhes, por tudo que é bom , que joguem
fora todos os estilos bom básticos de linguagem , e tudo que se
aproxim e de um a im itação artificiosa. N ada pode ter sucesso
com as massas, exceto a naturalidade e a sim plicidade. Pois
bem , alguns m inistros não podem nem sequer anunciar um
h in o de m aneira natural! “Cantem os para louvor e glória de
D eus” (dito no tom que às vezes se ouve nas igrejas e capelas).
Q uem pensaria em falar assim num a mesa de chá? “Ficar-lhe-
-ei im ensam ente agradecido se você tiver a am abilidade de
serv ir-m e o u tra chávena de c h á ” (d ito do m esm o m odo
inatural) - vocês jamais pensariam em dar chá n en h u m a um
hom em que falasse desse jeito. E se pregarm os nesse estilo
néscio, o povo não crerá no que dissermos. Pensará que é nosso
negócio ou ocupação, e que estamos fazendo a coisa toda de
m aneira profissional. Precisam os livrar-nos de toda form a de
profissionalism o, como Paulo se livrou da víbora, lançando-a
no fogo. E devemos falar como D eus ordenou que falemos, e
não com um m étodo estranho de oratória de púlpito, fora do
com um , novidadeiro.
O ensino de nosso Senhor era adm iravelm ente natural e
vivido. Era a exposição da verdade ante os olhos, não como
um a figura plana, mas como n u m estereoscópio, dando-lhe
relevo, com todos os seus contornos e ângulos de beleza em
viva realidade. Foi um excelente sermão vivo aquele, quando
Ele tom ou um a criança e a colocou no meio dos discípulos; e
foi outro vigoroso discurso aquele em que Ele pregou sobre
evitar preocupações, e se abaixou e apanhou um lírio (como
suponho que fez), e disse: “Considerai os lírios, como eles
crescem ; não trabalham nem fiam”. D e bom grado suponho
que alguns corvos estavam voando por cima da Sua cabeça, e
que Ele apontou para eles, e disse: “Considerai os corvos, que
nem semeiam, nem segam, nem têm despensa nem celeiro, e
D eus os alim enta”. Havia um a naturalidade, você vê, um a
pujança de vida em torno da coisa toda.
N em sem pre podem os im itar literalm ente nosso Senhor,
pois, na m aioria das vezes tem os que pregar em locais de
culto. É um a bênção poderm os ter tantas casas de oração, e
agradeço a D eus que haja tantas pululando ao nosso redor
C ontudo, eu daria ainda maiores louvores a D eus se m etade
dos m inistros, que pregam em nossos vários edifícios, fossem
enviados para fora deles, para pregar nas estradas, nos atalhos,
e em qualquer lugar onde as pessoas fossem ouvi-los. Devemos
ir por todo o m undo, e pregar o evangelho a toda criatura -
não ficar parados em nossas capelas esperando que toda criatu­
ra venha ouvir o que temos para dizer. U m caçador que ficasse
sentado à janela da sua sala de visitas, com a sua espingarda
carregada e preparada para atirar em perdizes, provavelm ente
não conseguiria um fardo m uito pesado de caça. Não, o que
tem que fazer é calçar os seus borzeguins, e andar pelos campos,
e então acertará o tiro nas aves que procura. A ssim conosco,
irmãos. Devem os ter sem pre os nossos sapatões prontos para o
trabalho no campo, e estar sem pre alerta quanto às o p o rtu ­
nidades de sair por entre as almas hum anas, para poderm os
trazê-las como troféus do poder do evangelho que nos cabe
proclamar.
Talvez não nos seja prudente ten tar fazer os nossos ser­
mões naturais e vividos no estilo em que o estranho e velho
M atthew W ilks às vezes fazia; com o em certa m anhã de
dom ingo, levou para o púlpito um a pequena caixa, abriu-a
pouco depois, e exibiu à congregação um a dim in u ta balança,
e depois, virando as páginas da Bíblia com grande delibera­
ção, ergueu a balança e anunciou como texto do seu sermão:
“Pesado foste na balança, e foste achado em falta”. Acho porém ,
que foi m ais p u eril que poderoso. Prefiro M atthew W ilks
quando, noutra ocasião, pregando sobre o texto “Vede p ru ­
dentem ente como andais”, começou dizendo: “Vocês já viram
u m gato andando em cima de um m uro forrado de cacos de
vidro de garrafas quebradas? Se já, vocês têm um a precisa
ilustração do que quer dizer a injunção “vede prudentem ente
como andais”. H á tam bém o caso do estim ado Sr. Taylor que,
pregando nas ruas de um a cidade da Califórnia, subiu num
barril de uísque. A m odo de ilustração, bateu com o pé no
tam po do barril e disse: “Este barril é como o coração do
hom em , cheio de substância má, e alguns dizem que, se o
pecado está dentro de você, igualm ente pode tam bém sair” .
“N ão”, disse o orador, “não é assim. Agora, aqui está este
uísque d en tro deste b a rril debaixo dos m eus pés. E um a
coisa ruim , um a coisa condenável, um a coisa diabólica. Mas,
enquanto estiver herm eticam ente tam pado no barril, certa­
m ente não fará o dano que fará se for levado ao bar e vendido
aos ébrios das vizinhanças, m andando-os para casa prontos
para espancarem suas esposas ou m atarem seus filhos. Assim,
se vocês m antiverem os seus pecados dentro dos seus próprios
corações, eles serão maus e diabólicos, e D eus os condenará
por eles; porém , em todo caso, não farão tanto dano a outras
pessoas como se fossem vistos em público.” Batendo outra
vez o pé no barril, disse o pregador: “ Suponham os que você
queira fazer este barril passar pelas fronteiras do país, e vem o
guarda aduaneiro e exige que pague os direitos alfandegários.
Você diz que não deixará que tirem para fora nenhum a porção
do uísque, mas o oficial lhe diz que não pode deixá-lo passar.
Assim, se nos fosse possível abster-nos de pecados externos,
todavia, visto que o coração está cheio de todas as formas do
mal, ser-nos-ia impossível passar pelas fronteiras do céu, e
achar-nos naquele santo e feliz lugar.” Isto eu achei que era
algo sem elhante a um a ilustração natural, e um im portante
m étodo de ensino da verdade, em bora não me agrade a idéia
de ter sem pre um barril de uísque como púlpito, pois receio
que o tam po poderia cair para dentro dele, e eu cairia dentro
tam bém .
Não recom endo a nenhum de vocês que seja natural em
seu m inistério como aquele notável sacerdote francês que,
dirigindo-se à sua congregação, disse: “Q uanto às M adalenas,
e às que com etem os pecados da carne, tais pessoas são m uito
com uns; são num erosas mesm o nesta igreja; e eu vou atirar
este m issal num a m ulher que é um a M adalena” - e nisso todas
as m ulheres presentes abaixaram a cabeça. E n tão disse o
sacerdote: “Não, certam ente nem todas vocês são M adalenas;
nem pensei que fosse este o caso. Mas vocês vêem como o seu
pecado as revela!”
Tam pouco lhes recom endo que sigam o exem plo do
clérigo que, quando foi levantada um a coleta para a ilu m in a­
ção e o aquecim ento da igreja, depois de ter pregado algum
te m p o , so p ro u apagando as candeias dos dois lados do
p ú lp ito , dizendo que a coleta era para as luzes e para o
aquecim ento, e ele não precisava de luz nenhum a, pois não lia
o seu serm ão, “m as”, acrescentou, “quando Roger anunciar o
salmo daqui a pouco, vocês vão querer luz para ver os seus
livros; assim , as candeias são para vocês mesmos. E quanto à
estufa, eu não preciso do calor dela, pois o exercício que faço
ao pregar é suficiente para m anter-m e aquecido. Portanto,
vêem que a coleta é to talm ente para vocês nesta ocasião.
N inguém pode dizer que os clérigos estão fazendo coleta para
eles próprios desta vez, pois neste dom ingo é totalm ente para
o interesse pessoal de vocês.” Acho que o hom em foi tolo ao
fazer essas observações, embora saiba que se tem feito referência
ao seu com portam ento como excelente exemplo de intrepidez
na pregação.
H á um a história que se conta a m eu respeito que, como
m uitos contos que falam de m im , é um a história em dois
sentidos. D izem que, para m ostrar o m odo como os hom ens
se extraviam , um a vez derrubei os balaústres do púlpito. Só
m enciono isso, de passagem, porque um fato notável é que,
no tem po em que se contou a história, o meu púlpito era fixo
na parede, e não havia balaústre, de m odo que o reverendo
estulto (que é o que teria sido, se é que fizera o que o povo
disse) não podia ter feito aquela coisa ridícula, caso estivesse
inclinado a ten tar fazê-la. Mas, conquanto não verdadeira, a
anedota serve a todos os propósitos da vivida naturalidade que
tenho procurado descrever.
Provavelm ente vocês se lem bram do caso de W hitefield
retratando um cego e seu cão andando na beira de um preci­
pício, os pés quase resvalando pela borda. A descrição do
pregador foi tão vivida e tão natural, que o lorde Chesterfield
levantou-se de u m salto e exclamou: “M eu Deus! ele se foi!”
Mas W hitefield respondeu: “Não, m eu lorde, não se foi de vez
ainda; esperemos que se salve”. D epois prosseguiu, falando
do cego conduzido por sua razão, que é apenas sem elhante a
u m cão, dem onstrando que o hom em conduzido som ente
pela razão está prestes a cair no inferno. Quão vividam ente se
vê o am or do dinheiro exposto na história contada por nosso
venerável amigo, o Sr. Rogers, sobre o hom em que, quando
jazia à m orte, pôs o seu dinheiro na boca porque o amava
m uito e queria levar consigo um pouco dele! Como é im pres­
s io n a n te a in u tilid a d e das riq u ezas deste m u n d o com o
consolação para nós em nossos últim os dias, inutilidade trazida
p e ra n te nós pela n a rra tiv a em que o h o n ra d o Je re m ia h
B urroughs fala de um avarento que tinha as suas sacolas de
dinheiro perto da sua mão, em seu leito de morte! Ele as pegou
e disse: “Tenho que deixá-lo? Tenho que deixá-lo? Vivi por
você estes anos todos, e agora tenho que deixá-lo?” E assim
m orreu. H á outro conto que se conta sobre outro hom em que
padeceu m uitas dores ao m orrer, e especialm ente a grande
dor de um a consciência perturbada. Também tin h a consigo as
suas bolsas de dinheiro, reunindo-as um a a um a, junto com os
seus docum entos de hipotecas, os seus títulos e escrituras de
p ro p ried a d e . Pondo essas coisas todas ju n to do coração,
suspirou e disse: “Estas coisas não me valem; estas coisas não
me valem ; fora com elas! Como são pobres estas coisas todas,
quando preciso mais que, tudo de conforto em m eus últim os
m om entos!”
Quão distintam ente se nos apresenta o am or a Cristo na
história de John L am bert, am arrado num poste e m orto na
fogueira; todavia, batendo palmas enquanto o fogo o quei­
mava, e bradando: “N ada, senão Cristo! N ada, senão C risto!”,
até que as suas extrem idades inferiores se queim aram , ele
caiu das correntes no fogo, exclam ando ainda, no meio das
chamas: “Nada, senão Cristo! N ada, senão C risto!”
Com que clareza a verdade fica exposta diante de você
quando ouve histórias como estas! Você pode captá-la quase
tão bem como se o incidente se desse diante dos seus olhos.
Com que perfeição você pode ver a insensatez do desenten­
dim ento entre os cristãos, na história do Sr. Jay sobre os dois
hom ens que cam inhavam em direções opostas num a noite de
nevoeiro! Cada um via o que julgava ser um m onstro terrível
m ovendo-se rum o a ele, e fazendo o seu coração bater forte de
terror. Q uando chegaram perto um do outro, viram que os
m o n stro s eram irm ãos. A ssim , m u itas vezes ho m en s de
diferentes denominações ficam com medo uns dos outros; mas
quando se aproxim am , e conhecem os corações uns dos outros,
vêem que, afinal de contas, são irmãos. A história do negro e
seu senhor ilustra bem a necessidade de começar do começo,
nas coisas celestiais, e de não nos m eterm os nos pontos mais
profundos da nossa santa religião, enquanto não aprenderm os
com pletam ente as suas lições elem entares. U m pobre negro
estava trabalhando arduam ente para levar o seu senhor ao
co nhecim ento da verdade, e estava in sistin d o em que ele
exercesse fé em Cristo, quando o outro se escusou porque
não podia entender a doutrina da eleição: “Ah! Sinhô”, disse o
negro, “o sinhô não sabe o que vem antes da Epístola aos
Rom anos? O sinhô deve ler o Livro do jeito certo. A doutrina
da eleição está em Rom anos, e prim eiro vêm M ateus, M arcos,
Lucas e João. O sinhô está só em M ateus ainda; esse trata do
arrependim ento. E quando o sinhô chegar a João, vai ler que o
Sinhô Jesus Cristo disse que D eus amou tanto o m undo, que
deu o Seu Filho unigênito para que todo aquele que nele crê
não pereça, mas tenha a vida eterna.” Assim, irm ãos, vocês
p odem dizer aos seus o u vintes: “ Será m elh o r que leiam
p rim eiro os quatro Evangelhos, do que com eçarem lendo
R om anos; estudem prim eiro M ateus, M arcos, Lucas e João, e
depois podem ir adiante, às E pístolas”.
Todavia não preciso c o n tin u a r a dar-lhes ilustrações,
porque m uitas se sugerirão sozinhas. D ei-lhes o suficiente
para m ostrar que elas tornam a nossa pregação natural e vi­
vida. Portanto, quanto mais ilustrações tiverem , tanto melhor.
Ao m esm o tem po, cavalheiros, devo adverti-los do perigo de
terem dem asiadas historietas em um único sermão. Talvez
devam te r um prato de salada na mesa; mas, se convidarem
os seus amigos para o jantar e não lhes derem nada senão
salada, eles não se sentirão m uito bem , e não quererão vir à
sua casa outra vez.
E m terceiro lugar, anedotas e ilustraçõ es p o d em ser
em pregadas para explicar doutrinas ou deveres a entendimentos
lerdos. Elas podem ser, de fato, a m elhor forma de exposição.
O pregador deve com parar, exem plificar e ilu strar o seu as­
sunto, de m odo que os seus ouvintes possam fam iliarizar-se
realm ente com aquilo que ele lhes está apresentando. Se alguém
tentasse fazer-me um a descrição de um a peça de m áquina,
possivelm ente não conseguiria fazer-me com preender do que
se tratava. M as se ele tivesse a bondade de m ostrar-m e um
desenho das várias seções, e depois, da m áquina toda, eu, de
u m jeito ou de outro, a todo custo, saberia como funcionava.
A representação pictórica de um a coisa é sem pre u m m eio de
instrução m uito mais poderoso do que qualquer descrição
v erb al p u ra e sim ples. E ju stam en te deste m odo que as
historietas e ilustrações são úteis aos nossos ouvintes. Tomem,
por exemplo, esta anedota para ilustrar o texto “Mas tu, quando
orares, entra no teu aposento, e, fechando a porta, ora a teu Pai
que está em oculto”. U m m enino costum ava subir à parte
superior do celeiro para orar. C ontudo, às vezes via que chega­
vam pessoas e o perturbavam . D aí por diante, sem pre que ali
subia puxava a escada para cima. Ao contar esta história, vocês
poderiam explicar como o rapaz entrava assim no seu aposento
e fechava a porta. O sentido não consiste tanto em en trar
literalm ente num aposento, ou em fechar a porta, como em
afastar-se das fontes terrenas de distração, puxando para cima
a escada atrás de nós e excluindo aquilo que poderia en trar
e e sto rv a r as nossas devoções secretas. E u g o staria que
pudéssem os puxar sem pre a escada depois de nós quando nos
retiram os para orar privadam ente; mas m uitas coisas tentam
su b ir aquela escada. O próprio diabo quererá subir para nos
perturbar, se puder; e ele pode chegar ao alto do celeiro sem
escada alguma.
Q ue m agnífica exposição do quinto m andam ento foi a
que o cabo Trim fez quando lhe perguntaram : “Que entendes
p or h o n rar teu pai e tua m ãe?” e ele respondeu: “Com prazer,
excelência; é dar-lhes um a parte do m eu soldo quando eles
envelhecerem ” . Essa foi um a adm irável explicação do sentido
do texto. E ntão, se vocês quiserem m ostrar como devemos
ser praticantes da Palavra, e não som ente ouvintes, existe a
história da m ulher que, quando o m inistro lhe perguntou o
que ele tin h a dito no dom ingo, replicou que não se lem brava
do serm ão, mas este lhe tocara a consciência, pois quando
chegou em casa queim ou a sua vasilha de m edir cereais, pois
não era exata. H á outra história que tam bém serve para m os­
tra r que o evangelho pode ser ú til até para os ouvintes que
esquecem o que ouviram . O m in istro visita um a m u lh er
num a segunda-feira, e a encontra lavando lã num a peneira,
segurando-a sob a bom ba d ’água. Ele lhe pergunta: “Gostou
do discurso de dom ingo passado?” Ela responde que lhe fez
m u ito bem . “Bom, qual foi o texto?” Ela não se lem bra. “Qual
foi o assunto?” “Ah, senhor, sum iu tu d o ” !, diz a pobre mulher.
“N ão se lem bra de alguns dos com entários feitos?” “N ão,
desapareceram todos da memória.” “Ora, M ary”, diz o m inistro,
“então ele não pode ter-lhe feito muito bem .” Oh, mas lhe tinha
feito m uitíssim o bem! E ela lho explicou, dizendo: “Eu lhe
direi, senhor, como é. Coloco esta lã na peneira, debaixo da
bom ba, bom beio sobre ela, e a água escorre pela peneira, mas
então lava a lã. Assim é com o seu sermão. Ele entra no m eu
coração, e logo escorre através da m inha pobre m em ória, que
é como um a peneira; porém me lava e me lim pa, senhor.”
Vocês poderiam falar longo tem po a respeito do poder p u ri­
ficador e santificante da Palavra de D eus, e não causariam tanta
im pressão aos ouvintes como essa história singela.
Q ue m ais excelente exposição do texto “Chorai com os
que choram ” poderiam vocês fazer do que com esta historieta?
“M am ãe”, disse a pequena A nnie, “não posso entender por
que a pobre viúva Brown gosta que eu vá vê-la. D iz ela que eu
a conforto m uito. Mas, mamãe, eu não consigo dizer nada para
confortá-la e, logo que ela começa a chorar, eu ponho os meus
braços em volta do pescoço dela, e choro tam bém . E ela diz
que isso a conforta.”
E assim é. Esta é a quintessência do conforto - a sim patia
no sentido real da palavra, o sentim ento de com panheirism o
que m oveu a garotinha a chorar com a viúva que chorava. O
Sr. H ervey assim ilustra a grande verdade da diferença da
aparência do pecado aos olhos de Deus e aos olhos do hom em .
D iz ele que se pode pegar um pequeno inseto, e com a agulha
m ais fina fazer nele um a p u n ctu ra tão dim in u ta que difi­
cilm ente se pode ver a olho nu. Mas, quando se olha nele com
u m m icroscópio, vê-se um a enorm e rotura, da qual sai um a
corrente púrpura, fazendo a criatura parecer ter sido golpe­
ada com o m achado que m ata um a vaca. E apenas pelo
defeito de nossa visão que não podem os ver corretam ente as
coisas. No entanto, o microscópio as revela como realm ente
são. Desse m odo vocês podem explicar aos seus ouvintes
com o o olho m icroscópico de D eus vê o pecado em seus
aspectos v erd ad eiro s. S uponham os que vocês quisessem
apresentar o caráter de Calebe, que seguiu fielm ente o Senhor.
Seria de grande ajuda para m uitas pessoas se vocês dissessem
que o nom e Calebe quer dizer cão, e depois m ostrassem como
u m cão segue a seu senhor. Ali vai o seu dono a cavalo,
cavalgando por estradas lamacentas. Mas o cão se m antém perto
dele quanto possível, sem se im portar com quanta lam a e
sujeira espirrem nele, e sem que o estorvem as patadas que
possa levar do cavalo. Exatam ente assim devemos seguir o
Senhor. Se vocês quiserem exemplificar a brevidade do tem po,
poderão apresentar a pobre costureira, com o seu toco de vela,
c o stu ran d o sem p arar para te rm in a r o trab alh o antes de
consum ir-se a luz.
M uitos pregadores acham a m aior dificuldade em conse­
guir m etáforas próprias para expor a fé singela no Senhor
Jesus Cristo. H á um a notável anedota sobre um idiota a quem
o pastor, que o estava instruindo, perguntou se ele tin h a alma.
Para a com pleta consternação do seu bondoso m estre, ele
respondeu: “N ão, eu não tenho alm a”. O pregador disse que
estava espantado por ele não te r m elhor conhecim ento do
que esse, depois de ter sido ensinado durante anos. M as o
pobre sujeito saiu-se com esta explicação: “Eu tinha alma antes,
mas a perdi. E Jesus Cristo veio e a encontrou. Agora eu deixo
que Ele a guarde, pois é dEle, e não me pertence m ais”. Esse
é u m excelente quadro descritivo do m étodo de salvação pela
sim ples fé na substituição feita pelo Senhor Jesus Cristo. E a
mais pequenina criança da congregação poderia com preendê-
-lo por meio da história do pobre idiota.
E m quarto lugar, há uma espécie de raciocínio nas anedotas e
ilustrações que é muito claro para as mentes ilógicas. E m uitos dos
nossos o u vintes têm m entes desse tip o , apesar de serem
capazes de e n te n d e r casos ilu stra tiv o s e fatos rudes. As
historietas verdadeiras são fatos, e os fatos são coisas rudes. Os
casos, quando m ultiplicados suficientem ente, provam um
p o n to , como sabem os pela filosofia in d u tiv a. D ois casos
talvez não o provem , mas vinte podem prová-lo, como num a
d e m o n straç ã o . T om e-se a im p o rta n tíss im a q u estão das
respostas à oração. Vocês podem provar que D eus responde às
orações citando historieta após historieta, que saibam que
são au tên ticas, de casos em que D eus realm ente ouviu e
respondeu à oração. Tomemos, por exemplo, aquele notável
opúsculo do Sr. Prim e sobre o Poder da Oração. Creio que
nele vocês têm a verdade sobre este assunto dem onstrada
tão claram ente como poderiam tê-la num a proposição de
Euclides. Acho que, se o mesm o núm ero de fatos pudesse ser
narrado com relação a qualquer questão relativa à geologia ou
à astronom ia, considerar-se-ia resolvido e definido o ponto. O
escritor introduz tão abundantes provas de D eus te r ouvido
orações, que até os hom ens que rejeitam a inspiração da Bíblia
devem , pelo m enos, reconhecer que este é um fenôm eno
m aravilhoso que não podem interpretar por outra explicação
senão com aquela que proclam a que existe um Deus que tem
consideração pelo clam or do Seu povo na terra.
T enho o u v id o sobre algum as pessoas que lev an tam
objeções quanto a trabalhar pela conversão dos seus filhos,
baseadas em que Deus salva os Seus sem qualquer esforço da
nossa parte. L em bro-m e de ter feito recuar um hom em que
sustentava essa opinião, falando-lhe de um pai que nunca
ensinara o seu filho a orar, nem sequer o in stru íra sobre o
significado da oração. Achava isso errado, e que essa obra devia
ser deixada ao Santo E spírito de Deus. O m enino levou um a
queda e quebrou a perna, e teve que perdê-la. D urante o tempo
todo em que o cirurgião a estava am putando, o rapaz ficou
am aldiçoando e blasfem ando de m aneira horrorosa. O bom
cirurgião disse ao pai: “Você vê, não quis ensinar o seu m enino
a orar, mas evidentem ente o diabo não teve n enhum a objeção
a ensiná-lo a blasfem ar”. Aí está o erro disso: se não tentarm os
o m elhor que puderm os para levar os nossos filhos a Cristo, há
outro que fará o pior que puder para arrastá-los para o inferno.
C erta mãe disse ao filho doente, que estava para m orrer e se
achava num terrível estado m ental: “M eu filho, entristece-m e
vê-lo com tal aflição; estou certa de que nunca lhe ensinei
n en h u m m al”. “Não, m ãe”, respondeu ele, “mas a senhora
nunca me ensinou nenhum bem ; daí, ficou havendo lugar para
penetrar-m e toda espécie de males.” Para m uitas pessoas, estas
histórias todas serão o m elhor tipo de argum ento que talvez
vocês possam usar com elas. Vocês lhes apresentam fatos, e
estes fatos atingem a consciência delas, ainda quando em butida
em várias polegadas de calosidade.
N ão sei de n e n h u m a argum entação que explicasse a
necessidade de submissão à vontade de D eus, m elhor do que a
narração da história que, em sua Biografia, dá-nos o Sr. G ilpin,
contando que foi cham ado para orar com um a m ulher cujo
filho estava m uito doente. O bom hom em estava pedindo a
D eus que, se fosse da Sua vontade, restaurasse a vida e saúde
da querida criança, quando a mãe o interrom peu e disse: “Não,
eu não posso concordar com um a tal oração; não posso fazê-la
dessa forma. Tem que ser da vontade de D eus a recuperação
do m eu filho. Não posso suportar que m eu filho m orra. Ore
rogando que ele viva, seja ou não esta a vontade de D eus”.
R espondeu ele: “M ulher, não posso fazer essa oração, mas ela
já foi respondida. O seu filho se recuperará, mas você viverá
para lam entar o dia em que fez tal pedido.” Vinte anos depois,
um a m ulher foi carregada desfalecida, por um a síncope, em
Tyburn - antigo local de enforcam entos na Inglaterra - pois o
filho dela vivera o bastante para ser levado à forca por seus
crim es. A oração in íq u a da m ãe fora ouvida, e D eus lha
respondera. A ssim , se vocês quiserem provar o p o d er do
evangelho, não fiquem desperdiçando palavras sem propósito,
mas contem histórias de casos com que se tenham deparado e
que ilustrem a verdade que vocês estão procurando incutir,
pois essas h istorietas convencerão os seus ouvintes como
nenhum a outra espécie de argum ento poderá fazê-lo. Creio
que isto ficou bastante claro para cada um de vocês.
As h istorietas tam bém são úteis porque m uitas vezes
exercem atração quase irresistível sobre a natureza hum ana.
Para repreender os que profanam o dia do Senhor, contem a
h isto rie ta do cavalheiro que tin h a sete lib ras e sterlin as,
encontrou um pobre sujeito a quem deu seis das sete que tinha,
e depois a vil criatura voltou e lhe roubou a sétim a. Com que
clareza isso expõe a ingratidão da nossa raça pecadora, privando
D eus do único dia dentre sete, que Ele separou para o Seu
serviço! A seguinte história apela à natureza. D ois ou três
rapazes rodeiam um dos seus com panheiros e lhe dizem :
“Vamos apanhar um as cerejas do quintal do seu p ai”. “N ão”,
replica ele, “eu não roubo, e m eu pai não quer que aquelas
cerejas sejam apanhadas.” “O h, mas o seu pai é tão bom , e
nunca bate em você!” “Ah, sei que isso é verdade”, responde o
rapaz, “e essa é justam ente a razão pela qual não roubaria as
cerejas dele!” Isso poderia m ostrar que a graça e a bondade de
D eus não levam os Seus filhos à licenciosidade, e sim , ao
contrário, coibem -nos de pecar.
U m a outra história tam bém atrai a natureza hum ana, e
m ostra que nem sem pre devemos confiar nos cham ados “Pais
da Igreja” como fontes de autoridade. U m nobre ouvira falar
de certo ancião que vivia num a aldeia, e o procurou e o achou,
e viu que ele tin h a setenta anos de idade. Estava conversando
com ele, supondo que fosse o habitante m ais idoso, quando o
hom em disse: “O h, não, senhor; não sou o mais velho! Não
sou o pai da aldeia. H á alguém mais velho, o m eu pai, que
ainda vive.” Assim, ouvi falar de alguns que disseram que
deixaram de lado “os Pais da Igreja”, indo em busca dos pais
realm ente antigos, isto é, deixaram os com um ente cham ados
“P ais P a trís tic o s ”, re to rn a n d o aos apóstolos, que são os
verdadeiros pais e avós da Igreja Cristã.
As vezes as h isto rie ta s têm p o d er por provocarem o
senso do lúdrico. E claro que devo ser m u ito cuidadoso
aqui, pois há um a certa tradição dos Pais de que é errado rir
nos dom ingos. O undécim o m andam ento é que devem os
am ar-nos uns aos outros; e depois, segundo algumas pessoas,
o décim o-segundo é: “Ficarás de rosto com prido no dom ingo”.
Devo confessar que preferiria ouvir as pessoas rirem a vê-las
dorm irem na casa de D eus; eu preferiria im plantar neles a
verdade por m eio do ridículo do que ver a verdade n eg li­
genciada ou deixar que pereçam por não terem recebido a
verdade. Creio de coração que pode haver tanta santidade
num a risada como num choro, e que, às vezes, rir é das duas
coisas a melhor. Sim, pois, posso chorar e estar m urm urando,
q u eixando-m e, e alim en tan d o todo tip o de pen sam en to s
amargos contra D eus, ao passo que, noutra ocasião, posso dar
a risada do sarcasmo contra o pecado e, assim, evidenciar
santo zelo na defesa da verdade.
Não sei por que se deva deixar o ridículo com satanás como
arm a para ser usada contra nós, e não para ser em pregada por
nós contra ele. A venturo-m e a afirm ar que a Reforma deveu
quase tanto ao senso do ridículo da natureza hum ana como a
tu d o m ais, e que aquelas sátiras e caricaturas publicadas
pelos amigos de L utero fizeram mais para ab rir os olhos da
A lem anha às abominações do sacerdócio do que os mais sólidos
e veem entes argum entos contra o rom anism o. N ão sei de
nen h um a razão por que não devamos, em ocasiões propícias,
p ro v a r o m esm o estilo de arg u m en tação . “E um a arm a
perigosa”, dir-se-á, “e m uitos cortarão os próprios dedos com
ela.” Bem, com pete-lhes estar vigilantes; mas não sei por que
devamos dar tanta im portância a isso de cortar os seus dedos,
se puderem , ao mesm o tem po, cortar a garganta do pecado e
causar grande dano ao grande adversário das almas.
Eis um a história que eu não me im portaria de contar num
dom ingo para benefício de certas pessoas m uito boas para
ouvir sermões e freqüentar reuniões de oração, mas péssimas
para trabalhar. N unca trabalham nos dom ingos, porque nunca
trabalham em nenhum dia da semana. Esquecem a parte do
m andam ento que diz, “Seis dias trabalharás, e farás toda a tua
obra”, e que é tão obrigatória como a outra parte, “Mas o sétimo
dia é o sábado do Senhor teu Deus: nele não farás nenhum a
obra”. A essas pessoas que nunca trabalham p o r serem tão
“espirituais”, eu contaria a história de certo m onge que entrou
num m osteiro, mas não queria trabalhar nos campos, nem no
jardim , nem na confecção de roupas, nem em nenhum a outra
coisa, porque, como ele disse ao superior, era um m onge
devotado às coisas espirituais. A dm irou-se, ao chegar a hora
do jantar, que ninguém o cham ou ao refeitório. D aí, ele desceu
até o prior, e disse: “Aqui os frades não comem? Vocês não vão
jantar?” D isse o prior: “Nós sim, porque somos carnais; mas
você é tão “espiritual” que não trabalha, e, portanto, não precisa
comer. Por isso não o cham am os. A lei deste m osteiro é esta;
se alguém não trabalhar, tam bém não com erá.”
E um a boa história a do rapaz da Itália cujo Novo Testa­
m ento foi apreendido, e que disse ao gendarme: “Por que o
senhor apreendeu este livro? É um livro m au?” “É ”, foi a
resposta. “Tem certeza de que é um livro m au?”, perguntou; e
de novo a resposta foi: “Tenho”. “Então, por que o senhor não
prende o A utor dele, se é um livro ruim ?” Essa foi um a fina
peça de sarcasmo para com aqueles que odiavam as E scritu ­
ras, e, contudo, professavam am or a Cristo. O utra boa história,
a do nosso am igo irlan d ês que, in q u irid o pelo sacerdote
sobre que autoridade um ignorante como ele tin h a para ler
a Bíblia, respondeu: “E verdade; mas tenho um a autorização
p ara pesq u isa, pois ela diz (Versão A u to rizad a inglesa):
“Pesquisai as E scritu ras, porque pensais te r nelas a vida
eterna; e são elas que de m im testificam ”.
Não seria inoportuna esta história, acho eu, como um a
espécie de argum ento ridículo que m ostra quão grande poder
o evangelho deve ter sobre a m ente hum ana. O Dr. Moffat
fala-nos de um certo cafre que o procurou u m dia, dizendo
que o N ovo Testam ento, que o m issionário lhe dera um a
sem ana antes, tinha estragado o seu cão. Disse o hom em que o
seu cão fora um excelente cão de caça, mas que tin h a rasgado
e com ido o Novo Testam ento, e agora estava com pletam ente
inutilizado. “N ão tem im portância”, disse o Dr. M offat, “vou
dar-lhe outro Novo Testam ento.” “O h”, disse o hom em , “não é
isso que me preocupa; não me im p o rta que o cão ten h a
estragado o livro, pois posso com prar outro; m as, sim , que o
livro tenha estragado o cão!” “Como é isso?”, indagou o missio­
nário. Replicou o cafre: “Agora o cão vai ser com pletam ente
in ú til para m im , porque ele comeu a Palavra de D eus, e isso o
fará am ar os seus inim igos, de m odo que não servirá para
caçar”. O hom em supunha que, nem mesmo um cachorro
p o d e ria re c e b e r o N o v o T e s ta m e n to sem se r p o r ele
abrandado em seu tem peram ento. É isso, na verdade, que
deve acontecer com todos quantos se alim entam do evangelho
de Cristo. E u não hesitaria em contar essa história, seguindo o
Dr. M offat, e naturalm ente a usaria para m ostrar que, quando
u m hom em recebe a verdade como se nos apresenta em Jesus,
deve operar-se grande m udança nele, e nunca mais deve ter
qualquer utilidade para o seu antigo senhor.
Q uando os sacerdotes estavam te n ta n d o p e rv e rte r os
nativos de Taiti ao rom anism o, usaram um a ótim a figura que
esperavam convenceria o povo da excelência da igreja cató­
lica rom ana. Ali estavam um as achas de lenha seca. A quem
representariam ? Eram os hereges, que deviam ir para o fogo.
E aqueles pequenos ramos da árvore, quem eram ? Eram os
fiéis. E os galhos grandes? Eram os sacerdotes. E os que lhes
vinham em seguida? Eram os cardeais. E quem era o tronco
da árvore? O h, esse era o papa! E a raiz que a fez crescer? O h,
a raiz era Jesus Cristo! D aí os pobres nativos disseram : “Bem,
nada sabemos do tronco e dos galhos; mas tem os a raiz, e
queremos firmar-nos nela, sem largá-la nunca”. Se temos a raiz,
se tem os C risto, podem os rir das pretensões e ilusões dos
hom ens.
Estas histórias nos fazem rir, mas tam bém golpeiam o erro
diretam ente no coração, e o matam. E, portanto, podem ser
em pregadas legitim am ente como arm as com as quais pode­
mos travar as batalhas do Senhor.
Em quinto lugar, outro emprego das anedotas e ilu stra­
ções consiste no fato de que ajudam a memória a captar a verdade.
Conta-se um a história - cuja veracidade não garanto - de certo
cam ponês que fora persuadido por alguns de que todos os
londrinenses eram ladrões. D aí, quando veio a L ondres pela
prim eira vez, procurou assegurar o seu relógio m etendo-o no
bolso do colete, cobrindo-o depois com anzóis. “Agora”, pensou
ele, “se algum cavalheiro ten tar pegar o m eu relógio, ele se
lem brará disso!” D iz a história que, quando cam inhava pelas
ruas, ele próprio quis saber as horas e m eteu a mão no bolso,
esquecido dos anzóis. O efeito produzido nele pode ser mais
bem im aginado que descrito.
Pois bem , parece-me que o sermão sem pre deve ser como
o bolso daquele cam ponês, cheio de anzóis, de m odo que, se
alguém en trar para ouvi-lo, fique com algum não-me-esqueça,
algum lem brete, preso no ouvido, e, talvez, no coração e na
consciência. Caso chegue justo no fim do discurso, deve haver
algo na conclusão que comova e se encrave. Como quando
andam os pelos cam pos dos nossos amigos fazendeiros, há
certos espinhos, como picões, que infalivelm ente se prendem
em nossas roupas, e, p o r m ais que as escovem os, sem pre
algum as relíquias dos campos ficam nelas. Assim deve haver
em nossa prédica algum picão que se fixe nos que a ouvem.
Que é que vocês lem bram m elh o r dos discursos que
ouviram há anos? A venturo-m e a dizer que é algum a histo-

rieta que o pregador contou. E possível que seja algum a frase


expressiva. M as é mais provável que seja algum a h istó ria
m arcante inserida no transcurso do sermão. Pouco antes de
m o rrer, R ow land H ill v isito u um velho am igo, que lhe
disse: “ Sr. H ill, faz sessenta e cinco anos que o ouvi pregar
pela prim eira vez; porém me lem bro do texto e de parte do
serm ão”. “Bem”, perguntou o pregador, “que parte do sermão
você recorda?” R espondeu o am igo: “O sen h o r disse que
algum as pessoas, quando iam ouvir um serm ão, m ostravam -
-se m u ito m e lin d ra d a s q u a n to à m a n eira de p re g a r do
pregador. E ntão o senhor disse: “ Suponham os que você fosse
o u v ir a leitu ra do testam ento de um dos seus parentes, e
e sp e ra sse re c e b e r d ele u m leg ad o . D ific ilm e n te você
p en saria em c ritic a r a m aneira de ler do advogado; mas
ficaria atento para ouvir se algo lhe foi deixado, e, se foi, quanto.
E é desse jeito que se deve ouvir o evangelho.” O ra, o hom em
não teria lem brado isso durante sessenta e cinco anos, se o Sr.
H ill não tivesse colocado o assunto dessa forma ilustrativa. Se
ele tivesse dito: “D iletos amigos, vocês devem ouvir o evan­
gelho por am or do evangelho, e não apenas pelos encantos
da oratória do pregador, ou pelos ressonantes e deleitáveis
períodos gratificantes aos nossos ouvidos” - se ele tivesse
colocado o assunto dessa bela m aneira, como alguns soem
fazer, sou forçado a dizer que o hom em o teria lem brado pelo
mesmo tem po que um pato se lembra da últim a vez que entrou
na água, e não mais. Sim, pois teria sido um a m aneira m uito
com um de falar. E n tretanto, colocando a verdade do m odo
im pressivo como o fez, ela foi lem brada durante sessenta e
cinco anos.
U m cavalheiro am ericano contou a seguinte historieta
que corresponde bem ao propósito que tenho em vista, de
m odo que a transm ito a vocês. Disse ele: “Q uando eu era
m enino, m uitas vezes ouvi a história de um alfaiate que teve
vida m uito longa e ficou riquíssim o, de m odo que veio a ser
objeto de inveja de todos quantos o conheciam. Sua vida, como
acontecerá com todas as vidas, chegou ao fim. A ntes, porém ,
do seu passam ento, sentindo desejo de beneficiar alguns dos
seus colegas de ofício, anunciou que, certo dia, teria prazer
em com unicar a todos os alfaiates da vizinhança o segredo com
o qual poderiam ficar ricos. Os nobres do dedal vieram em
grande núm ero e, enquanto esperavam em ansioso silêncio
para ouvir a im portante revelação, ergueram o ancião no leito
e ele, com o alento a fenecer, pronunciou esta frase curta:
“Sempre dêem nó na linha”.
Por isso lhes recom endo, irm ãos, que usem anedotas e
ilustrações, porque elas dão nós no fio do seu discurso. Que
u tilidade há em puxar a ponta da linha através de todo o
m aterial com que vocês estão trabalhando? Todavia, não tem
sido este o caso quanto a m uitos sermões que ouvim os, ou
q u anto a discursos que nós m esm os proferim os? G rande
parte daquilo que ouvim os passa pelas nossas m entes, sem
deixar nenhum a impressão duradoura, e tudo o que recor­
dam os é algum a historieta contada pelo pregador.
H á um caso, confirm ado como autêntico, de u m hom em
que foi convertido por meio de um serm ão, oitenta e cinco
anos depois de ter ouvido a pregação dele. O Sr. Flavel, ao
c o n c lu ir um a p ré d ic a , em vez de p ro n u n c ia r a b ên ção
costum eira, levantou-se e disse: “Como posso despedi-los com
um a bênção, se m uitos de vocês são “A nátem a, M aranata”,
porque não am am ao Senhor Jesus C risto?” U m jovem de
quinze anos ouviu aquele extraordinário pronunciam ento.
O itenta e cinco anos depois, sentado sob um a sebe, creio que
na Virgínia, a cena toda veio vividam ente perante ele, como se
tivesse acontecido no dia anterior. E aprouve a D eus abençoar
as palavras do Sr. Flavel para a conversão daquele hom em .
Este viveu mais três anos para dar bom testem unho de que
ele sentira o poder da verdade no seu coração.
E m sexto lugar, as h isto rietas e ilustrações são ú teis
porque muitas vezes despertam as emoções. C ontudo, não o farão,
se vocês c o n ta re m as m esm as h is tó ria s re p e tid a m e n te ,
inúm eras vezes, lem bro-m e de que, quando ouvi pela prim eira
vez aquela m aravilhosa história sobre “H á outro hom em ”,
chorei m uito. Pobre alma, recém-resgatada, meia m orta, tendo
apenas uns trapos sobre si, e, apesar de tudo, disse: “H á outro
hom em ”, necessitando salvamento. A segunda vez que ouvi a
história, gostei, m as não a achei tão notável como a princípio.
E na terceira vez, decidi que não queria ouvi-la nunca mais.
Não sei quantas vezes a ouvi daí em diante, porém sem pre
posso dizer quando ela está para sair. O irmão fica empertigado,
olha com sem blante m aravilhosam ente solene, e diz em tom
sepulcral: “H á outro homem”, e eu penso comigo mesmo: “Sim,
e eu gostaria que não houvesse”, pois ouvi a história até ficar
enjoado e cansado dela. M esmo um a boa historieta pode ficar
tão desgastada, que perderá toda a sua força, e não haverá
utilidade em to rn ar a contá-la.
Todavia, um a ilustração viva, é m elhor para despertar as
emoções de um auditório do que poderia fazê-lo qualquer
volum e de descrição. Q uando o Sr. Beecher levou ao púlpito
um a bela e jovem escrava, com as suas algemas postas, fez mais
pela causa anti-escravagista do que poderia ter feito com a
mais eloqüente arenga. Aquilo que carecemos nestes tem pos
não é ouvir longas preleções sobre algum assunto árido, e sim
ouvir algo prático, algo que seja concreto e positivo, relacionado
com a nossa m aneira de ver as coisas. Q uando conseguim os
isto, os nossos corações logo se comovem.
N ão duvido que a visão de um leito de m orte com ove­
ria os hom ens m uito m ais do que aquele adm irável livro
in titulado Drelincourt on Death (D relincourt sobre a M orte),
livro que, penso eu, ninguém jamais foi capaz de ler de capa a
capa. Pode ser que haja casos de pessoas que tentaram fazer
isso, mas creio que, m uito antes de chegarem às partes finais,
ficam em estado de asfixia ou de coma, sendo obrigados a ser
friccionados com flanelas quentes, e o livro tem que ser afas­
tado para um a certa distância, enquanto se recuperam . Se você
não leu Drelincourt sobre a Morte, acho que sei o que leu, isto é,
a história de fantasm a, pespegada no fim do livro. A obra não
se vendia; toda a edição ficou nas estantes das livrarias, quando
D efoe escreveu a ficção in titu la d a A True Relation o f the
Apparition o f Mrs. Veal after her Death to Mrs. Bargrave (Relato
V erdadeiro da A parição da Sra. Veal após a sua M orte à
Sra. Bargrave), em que Delincourt sobre a Morte é recom en­
dada pela aparição como o m elhor livro sobre o assunto.
Esta história não continha vestígio ou som bra de verdade,
sendo totalm ente fruto da im aginação, mas foi posta ao final
do livro, e daí toda a edição se esgotou, e foi preciso publicar
mais. M uitas vezes pode acontecer algo sem elhante a isso
com os nossos sermões; você deve tão-som ente contar às pes­
soas o que de fato ocorreu, e assim reterá a atenção delas, e
alcançará os seus corações.
M uitos foram levados à abnegação pelo que ouviram sobre
os morávios na África do Sul, os quais viram um grande espaço
de terreno cercado, em que havia pessoas putrefazendo-se de
lepra, alguns sem braços e alguns sem pernas. E esses morávios
não podiam pregar aos pobres leprosos sem ir lá pessoal­
m ente, arriscando-se a apodrecer com eles. E o fizeram. O utros
dois desse m esm o nobre grupo de irm ãos se v enderam à
escravidão nas ilhas A ntilhanas, para que se lhes perm itisse
pregar aos escravos. Q uando vocês derem tais exemplos de
despreendim ento e dedicação m issionários, isso contribuirá
mais para despertar o espírito de entusiasm o pelas missões
estrangeiras do que poderiam fazer todos os seus argum entos
baseados no mais rigoroso raciocínio.
Q uem não ouviu e não sentiu a força da história dos dois
m ineiros que, quando o estopim pegou fogo, e só u m deles
podia escapar, e o cristão gritou ao seu com panheiro não
convertido: “Fuja para salvar-se porque, se você morrer, estará
perdido; mas, se eu m orrer, estará tudo bem comigo. Portanto,
fuja você” ?
O plano do tolo tam bém ten h o usado às vezes como
tocante ilustração. Havia um pequeno barco que naufragou,
e o hom em que estava nele esforçava-se para n ad ar até a
praia, mas a corrente era forte demais para ele. Um a hora depois
de ter-se afogado, disse um hom em : “Eu podia tê-lo salvo”, e
quando lhe perguntaram como poderia tê-lo salvo, descreveu
um plano que pareceu o mais excelente e viável, m ediante o
qu al, sem dúvida, o hom em teria sido salvo. M as então,
infelizm ente, nessa altura, o hom em já tin h a m orrido afo­
gado! A ssim , existem alguns que sem pre são sábios tarde
dem ais, alguns que talvez tenham que dizer-se a si próprios,
quando este ou aquele fulano tiver seguido o cam inho de todos
os viventes: “O que eu não poderia ter feito p o r ele, se não
som ente o tivesse tom ado a tem po!” Irm ãos, que essa anedota
n os lem b re a todos que devem os p ro c u ra r ser sábios na
conquista de almas antes que seja tarde demais para resgatá-
-las da destruição eterna.
E m sétim o e últim o lugar, as anedotas e ilustrações são
ex tre m am en te ú te is p orque cativam o ouvido dos que são
totalmente negligentes. Em todos os sermões faz falta algum a
coisa para essa classe de pessoas; e um a historieta é u m bom
m étodo para captar o ouvido dos indiferentes e dos ímpios.
D esejam os realm ente a salvação deles, e deveríamos prepa­
ra r a nossa arm ad ilh a de todos os m odos possíveis pelos
quais pudéssemos captura-los para Cristo. Não podemos esperar
que os nossos jovens venham ouvir dissertações doutrinárias
doutas, destituídas de algum ornato que interesse as suas
m entes im aturas. Não. N em mesmo das pessoas am adureci­
das, depois dos labores da semana, algumas delas ocupadas
até dom ingo de m anhã - não se pode esperar que atentem para
longos e prosaicos discursos que não sejam entrecortados por
um a historieta sequer.
O h, caros, caros, caros! Como tenho pena daqueles irmãos
ineptos que parecem não saber a quem estão pregando! “Ah”,
disse um a vez um irm ão, “sempre que prego, não sei para onde
olhar, e então olho para cima, para o ventilador!” Ora, ninguém
fica no alto do ventilador, nem se pode im aginar que alguém
se acomode ali, a m enos que os anjos do céu fiquem à escuta
ali, para ouvirem as palavras da verdade. O m inistro não deve
pregar diante das pessoas, mas diretam ente a elas. Se puder,
investigue-as bem, faça um balanço delas, por assim dizer, veja
de que tipo são - e aí adapte a elas a sua mensagem.
V

As vezes vejo algum pobre sujeito de pé no corredor do


Tabernáculo. Arre! Parece um pardal que en tro u na igreja e
não consegue mais sair! Parece incapaz de decifrar que espécie
de culto é esse. Põe-se a contar quantas pessoas se assentam na
prim eira fila da galeria, e todos os tipos de idéias passam pela
sua m ente. Agora quero atrair a atenção dele; como o farei? Se
eu citar um texto das E scrituras, pode ser que ele não entenda
o sentido, e pode não estar interessado nele. M eterei u m pouco
de latim no sermão, ou citarei o original hebraico ou grego do
texto? Isso não funcionará para tal hom em . Que farei? Ah, sei
um a história bem própria para ele, eu acho! Sai a história, e o
hom em não olha mais para a galeria, mas fica querendo saber
o que o pregador pretende. É dito algo que se adapta tanto ao
seu caso, que ele fica perguntando a si m esm o quem terá
falado dele ao m inistro, e pensa: “O ra, já sei; às vezes a m inha
m ulher vem ouvir este hom em , de modo que ela lhe falou
tudo a m eu respeito!” D epois fica curioso e quer ouvir mais, e
enquanto fita o pregador e ouve a verdade que está sendo
proclam ada, a prim eira cintilação da luz das coisas divinas
começa a b rilh ar nele. Mas se tivéssemos continuado com o
nosso discurso, indiferentes àquela pessoa, sou incapaz de dizer
o que teria acontecido com aquele hom em . “D izem que eu
divago”, escreve Row land H ill num sermão que estive lendo
hoje à tard e; “dizem que eu divago, mas é porque vocês
divagam , e sou obrigado a divagar atrás de vocês. D izem que
não me fixo em m eu assunto; porém , graças a D eus, sem pre
me fixo no m eu alvo, que é conquistar as suas almas, levá-los à
cruz de Jesus C risto!”
O Sr. B ertram ilustra habilm ente a m aneira pela qual
os h o m en s ficam absorvidos nas preocupações te rre n a s,
contando a história do capitão de um navio baleeiro, a quem
procurara interessar nas coisas de D eus, o qual disse: “É inútil,
senhor; a sua conversa não terá efeito nenhum sobre m im. Não
posso ouvir o que está dizendo, nem posso com preender o
assunto de que está falando. Saí de casa para ten tar pescar
baleias, faz um ano e nove meses que procuro baleias, e ainda
não apanhei nenhum a. L abuto nas profundezas, em busca de
baleias. Q uando vou para a cama, sonho com baleias; e quando
me levanto de m anhã, pergunto-m e se apanharei um a baleia
hoje. H á um a baleia no m eu coração, no m eu cérebro, senhor,
e é in ú til falar-me de outra coisa que não seja baleia”. Assim,
os seus ouvintes têm as ocupações deles na cabeça e no coração.
Q uerem fazer fortuna e aposentar-se; ou têm um a fam ília com
filhos para criar, e Susana precisa casar-se, e João precisa obter
boa posição, e é in ú til falar-lhes das coisas de D eus, a menos
que você consiga afastar as baleias e im pedir que elas fiquem
por perto, espadanando e m ovim entando-se nas águas.
H á talvez um com erciante que nesse m om ento pensa
num péssimo negócio. Ou outro que corre o olhar pelo edifício,
/

nota um a fita de certa cor, e pensa: “E isso, eu devia ter m aior


estoque desse artigo; vejo que está ficando na m oda!” O u pode
ser que um dos ouvintes ponha os olhos em seu vizinho, e
fique pensando que dever fazer-lhe um a visita no dia seguinte.
Assim e que os pensam entos das pessoas estão ocupados com
todos os tipos de assuntos, além daquele de que o pregador
está falando.
Alguém me perguntaria como sei que a situação é essa.
Bem, eu sei disso porque sou culpado da m esm a falta. Vejo
que ocorre isso quando ouço outro irm ão pregar. Q uando
prego, não acho que estou indo m uito bem ; mas, às vezes,
quando vou para a zona rural, e me incum bo dos cultos da
m anhã e da noite, e ouço algum outro durante a tarde, penso:
“Bem, realm ente, quando eu estava ali em cima eu me achava
cacete; m as, agora, só gostaria que fosse m in h a vez de pregar
de novo!” Ora, é ruim deixar que tais pensam entos penetrem
em nossas m entes; porém , como todos nós estamos sujeitos a
divagar, o pregador deve levar para o p ú lp ito anedotas e
ilustrações, e utilizá-las como pregos para fixar a atenção do
povo no assunto do seu sermão.
U m a vez o Sr. Paxton H ood disse, num a palestra que
o ouvi pronunciar: “Alguns pregadores esperam demais dos
seus ouvintes; levam para o púlpito certo núm ero de verda­
des, como um hom em leva um a caixa de pregos; depois,
im aginando que os ouvintes são postes, tiram um prego, e
esperam que o prego se crave sozinho no poste. Ora, não é
assim que se faz. Você tem que pegar o prego, pô-lo contra o
poste, m artelá-lo, e dobrar-lhe a ponta do outro lado. Só então
você poderá esperar que o grande Senhor das assem bléias
fixe os pregos de m odo que não venham a cair”. D evemos
esforçar-nos assim , para in c u tir a verdade no povo, pois
sozinha ela não entrará nunca. E devemos lem brar que os
corações dos nossos ouvintes não estão abertos, como a porta
da igreja, de m odo que a verdade pudesse entrar, tom ar o seu
lugar, e sentar-se no seu trono, para ser cultuada ali. N ão;
m u ita s vezes tem os que arro m b a r as p o rtas com g ran d e
esforço, e im pelir a verdade para lugares onde a princípio
não será um a hóspeda bem -vinda, mas onde, com o tem po,
quanto mais bem conhecida, m ais am ada será.
As ilustrações e historietas ajudarão grandem ente a abrir
cam inho para entrar a verdade. E farão isso cativando o ouvido
dos negligentes e desatentos. D evemos procurar assem elhar-
-nos ao Sr. W hitefield, de quem disse um co nstrutor naval:
“Q u ando ouço algum outro pregar, sem pre sou capaz de
co n struir a estrutura do navio de popa a proa; mas quando
ouço o Sr. W hitefield, não consigo construir nem a quilha”. E
outro, um tecelão, disse: “M uitas vezes, quando estou na igreja,
calculo quantos teares caberiam no local; mas quando ouço
aquele hom em , esqueço a m inha tecelagem p or com pleto”.
Irm ãos, vocês devem esforçar-se para fazer com que os seus
ouvintes esqueçam as coisas relacionadas com este m undo,
entretecendo a verdade divina integral com as coisas pas­
sageiras de cada dia - e farão isso com o judicioso em prego de
anedotas e ilustrações.
O ra, cavalheiros, para que estas sete razões interessem a
m ente e assegurem a atenção dos nossos ouvintes, tornem
natural e vivido o nosso ensino, expliquem algumas passa­
gens difíceis para os e n te n d im e n to s lerd o s, au x iliem as
faculdades de raciocínio de certas m entes, ajudem a m em ória,
despertem as emoções e cativem o ouvido dos negligentes -
fui persuadido, há m uito tem po, a em pregar h isto rietas e
ilustrações, e acho m uito provável que elas levarão vocês
tam bém ao emprego delas.
Ao mesm o tem po, devo repetir o que já disse: devemos
ter cuidado para não deixar que as nossas anedotas e ilu stra­
ções sejam como tonéis vazios, que não levam nada. Devem os
agir de m odo que não se diga de nossos sermões com verdade
o que disse certa senhora a quem , depois de ouvir u m clérigo
pregar, perguntaram o que achava do serm ão, e se não havia
m uito espírito nele. “O h, sim !” replicou ela, “era todo espírito;
corpo é que absolutam ente não havia nele.” E preciso existir
algum “corpo” em cada discurso, algum a doutrina realm ente
sã, algum a instrução válida para os nossos ouvintes levarem
para casa; não m eram ente histórias para diverti-los, mas sólida
verdade para ser recebida no coração e desenvolvida no viver.
Se se der isto com os seus sermões, caros irm ãos, não lhes terei
falado em vão, nesta tarde, sobre o em prego de historietas e
ilustrações.
Onde Podemos Achar Anedotas
e Ilustrações?
D iletos irm ãos, depois da m inha últim a preleção, sobre
o em prego de anedotas e ilustrações, provavelm ente vocês
estão prontos para empregá-las em seus discursos; mas alguns
de vocês poderão perguntar: “O nde podem os obtê-las?” Logo
no início da palestra desta tarde, perm itam -m e dizer que
ninguém precisa inventar anedotas e histórias a fim de interessar
um a congregação. Ouvi falar de um a pessoa que foi ver o
m in istro num a sexta-feira, e a criada lhe disse que o patrão
não podia recebê-la porque estava no escritório “inventando
an ed o tas”. Essa espécie de serviço não fica bem para um
m inistro cristão.
Também os adm oesto a terem cuidado com m uitas h istó ­
rias com uns, freqüentem ente repetidas, as quais desconfio que
poderiam ser provadas como fatos reais. Toda vez que tenho a
mais leve suspeita sobre a veracidade de um a história, jogo-a
fora de um a vez; e acho que todos deviam fazer a m esma coisa.
Na m edida em que as histórias sejam de uso corrente, e que
sejam geralm ente cridas, e dado que possam ser utilizadas para
um propósito proveitoso, creio que podem ser contadas, sem
ser feita qualquer afirmação quanto à sua veracidade num a
corte de justiça. Mas, no m om ento em que algum a dúvida
surgir à m ente do pregador se o tal conto baseia-se em fatos,
penso que é m elhor que busque outra coisa, pois tem o m undo
todo para onde ir, como a um arm azém de ilustrações.
Se quiserem interessar os seus ouvintes e prender a atenção
deles, irm ãos, vocês poderão encontrar historietas e ilustrações
em m uitos riachos, como grãos de ouro cintilando por entre
as correntes das m ontanhas. Por exem plo, há um a história
corrente. Vocês podem apanhar o jornal diário e achar ilu stra­
ções ali. E m m eu pequeno livro, de um xelim, The Bible and
the Newspaper (A Biblia e o Jornal), dou exemplos de como se
pode fazer isto. E quando estava preparando a presente prele-
ção, peguei um jornal para ver se podia achar um a ilustração
nele, e logo achei um a. Era a narrativa de u m hom em de
W andsw orth que foi apanhado, com um a espingarda e um
cão, violando as propriedades de um cavalheiro, e ele disse
que estava só procurando cogumelos! Você pode im aginar o
que um a arm a e um cão têm que ver com cogumelos? C on­
tudo, o guarda apalpou o bolso do hom em e, sentindo alguma
coisa macia, perguntou: “Que é isso?” “O h”, disse o caçador
furtivo, “é apenas um coelho!” Q uando se lhe sugeriu que as
orelhas da criatura eram dem asiado longas para um coelho,
ele disse que era um a pequena lebre, mas então ficou provado
que era um a belíssim a e gorda lebre. D aí o hom em disse que
tin h a achado a lebre perto de uns cogumelos, mas que a sua
intenção era som ente apanhar os cogumelos! O ra, essa é um a
im p o rta n te ilu stração . T ão logo você põe as m ãos n u m
hom em e começa a acusá-lo de pecado, ele diz: “Pecado, senhor!
O h, m eu caro, não! Eu estava só fazendo um a coisa boa, coisa
que ten h o todo o d ireito de fazer. E u estava p ro cu ran d o
cogum elos; não estava roubando caça!” Você o pressiona um
pouco mais, e tenta levá-lo à convicção de pecado, e então ele
diz: “Bem, talvez não fosse bem assim; pode ter sido um a
coisa um pouco errada; mas era apenas um coelho!” Q uando
o hom em não consegue mais negar que é culpado, havendo
co m etid o pecado, diz ele que foi apenas u m p e q u en in o
pecado; e custa m uito tem po, você conseguir levá-lo a adm itir
que o pecado é extrem am ente grave. Na verdade, n en h u m
p o d e r h u m an o jam ais pode p ro d u z ir convicção g en u ín a
no coração de um só pecador que seja; tem que ser obra do
E spírito Santo.
L i tam b ém , no m esm o jo rn a l, sobre u m calam itoso
naufrágio ocasionado por falta de luz. Você poderia facil­
m en te to rn a r aquele in c id e n te um relato, usando-o para
ilu strar a destruição das almas pela falta de conhecim ento de
C risto. N ão te n h o d ú vida, se você apanhasse algum dos
jo rn a is d iá rio s da m an h ã de hoje, p ro n ta m e n te ach aria
a b u n d an te s ilustrações. O Sr. N ew m an H all, falando-nos
certa vez, disse que todos os m inistros cristãos devem ler
reg u larm en te a B íblia e o jornal The Times (Os Tempos).
Im agino, por sua m aneira usual de discursar, que ele mesmo
faz isso. Q uer você leia aquele jornal, em particular, ou outro
qualquer, deve de algum m odo m anter-se bem suprido de
ilustrações tiradas das transações com uns que se dão ao seu
redor. Tenho dó, mesmo do professor de escola dom inical,
quanto m ais do m inistro do evangelho, que não possa fazer
uso de in c id e n te s com o a te rrív e l q u eim a da ig reja de
Santiago, o grande incêndio da Ponte de L ondres, a entrada
da princesa A lexandra em L ondres, o recenseam ento - na
verdade,' qualq u er coisa que atraia a atenção do público.
E m todos esses acontecim entos há um a ilustração, um sím ile,
um a alegoria, que pode assinalar um a lição m oral, adornar
um a narrativa.
D e vez em quando você pode adaptar a história local à
ilustração do seu assunto. Q uando o m inistro prega em algum
d istrito particular, m uitas vezes verá que é m elhor cativar o
ouvido das pessoas e m onopolizar a sua atenção, contando
um a h isto rieta relacionada com o lugar onde elas vivem .
Sempre que posso, obtenho as crônicas de vários condados,
pois, um a vez que vou a todos os tipos de cidades e vilas do
in terio r para pregar, vejo que há grande quantidade de m ate­
riais úteis que se podem desencavar até dos insípidos e áridos
livros topográficos. Começam, talvez, com o nom e de John
S m ith , tra b a lh a d o r, o h o m em que cuida do re g istro da
paróquia, dá corda no relógio da paróquia, faz arm adilhas
para cam undongos, ratoeiras, e faz outras cinqüenta coisas
úteis. Mas, se você tiver a paciência de ler m ais, encontrará
m uita inform ação que não poderia achar em nenhum a outra
parte, e provavelm ente topará com m uitos incidentes e ane­
dotas que poderá em pregar como ilustrações da verdade que
procura expor.
Pregando em Winslow, condado de B uckingham shire,
não seria inoportuno introduzir o incidente do bom Benjam in
K each, pastor da igreja batista naquela cidade, p u nido no
p e lo u rin h o do m ercado no ano de 1664, “p o r escrever,
im p rim ir e p u b lic a r um livro cism ático, in titu la d o , The
Child’s Instructor (O In stru to r da Criança) ou A N ew and Easy
Primmer (Um a Nova e Fácil C artilha)”. Não creio, porém , que
se eu estivesse pregando em W apping, devesse cham ar o
povo de “pecadores de 'Wapping”, como se diz que Row land
H ill fez, quando lhes disse que “Cristo podia salvar velhos
pecadores, grandes pecadores, sim, até mesmo os pecadores
de W apping!” Na capela de Craven, seria mais apropriado
contar a história de L orde Craven, que estava em pacotando
os seus pertences pretendendo ir para o in terio r ao tem po
da grande praga de Londres, quando o seu criado lhe disse:
“M eu senhor, o seu Deus vive som ente no in terio r?” “N ão”,
replicou Lorde Craven, “Ele tanto se acha aqui como lá” . “Pois
bem ”, disse o criado, “se eu fosse sua senhoria, acho que
ficaria aqui; o senhor estará tão seguro na cidade como no
cam po” ; e o L orde Craven então ficou ali, confiando na boa
providência de Deus.
Além disso, irm ãos, vocês têm o m aravilhoso repositório
da história antiga e moderna - rom ana, grega, inglesa - com que,
p o r certo, vocês estão p ro cu ran d o fam iliarizar-se. Q uem
pode ler os velhos contos clássicos sem sentir a alma em fogo?
Ao levantar-se da leitura, vocês não só estarão conhecendo os
aco n tecim entos dos “bravos dias de a n ta n h o ”, mas terão
aprendido m uitas lições que poderão ser de utilidade em sua
pregação hoje. Por exemplo, existe a história de Fídias e a
estátua do deus que ele tinha esculpido. D epois de acabá-la,
ele cin zelara no can to , com d im in u ta s le tra s, a palavra
“F íd ias”, e se objetou que a estátua não podia ser cultuada
como deus, nem ser considerada sagrada, enquanto portasse o
nom e do escultor. Q uestionou-se seriam ente se Fídias não
devia ser apedrejado até m orrer por ter profanado dessa forma
a estátua. Como pôde ousar, perguntavam , pôr o seu nom e na
im agem de um deus? Assim, alguns de nós são m uito capazes
de q u e re r colocar os seus p equenos nom es no fu n d o de
algum a obra realizada para D eus, para serem lem brados, ao
passo que devemos, em vez disso, censurar-nos a nós mesmos
p or desejarmos ter algum crédito daquilo que D eus o E spírito
Santo nos capacita afazer.
D epois há aquela outra história de um escultor antigo,
que estava para colocar a imagem de um deus num tem plo
pagão, conquanto não tivesse term inado a parte da estátua que
devia ser em butida na parede. O sacerdote se opôs, e declarou
que a estátua não estava completa. Disse o escultor: “Essa parte
do deus nunca será vista, pois será firm ada na parede”. “Os
deuses podem enxergar na parede”, respondeu o sacerdote. Por
sem elhante m odo, as partes mais reservadas da nossa vida,
aquelas questões secretas que os olhos hum anos jamais alcan­
çam, estão, todavia, ao alcance da vista do Todo-poderoso, e
devem ser atendidas com o máximo desvelo. Não nos basta
m anter a nossa reputação pública entre os nossos sem elhan­
tes, pois o nosso D eus pode enxergar na parede; Ele nota a
nossa frieza na mais secreta com unhão, e percebe os nossos
erros e fracassos na família.
P rocurando um a vez expor como o Senhor Jesus Cristo
se deleita com o Seu povo por ser obra das Suas mãos, encon­
trei um a história clássica de Ciro, extrem am ente útil. Q uando
m ostrava o seu jardim a um em baixador estrangeiro, Ciro lhe
disse: “Não é possível que você se interesse como eu por estas
flores e árvores, pois eu mesmo fiz os arranjos do jardim todo,
e p lan tei cada planta aqui com as m inhas próprias mãos.
Reguei-as e as vi crescer. Tenho sido um pai de fam ília para
elas e, portanto, amo-as m uito mais do que lhe seria possível
am á-las.” Assim, o Senhor Jesus Cristo ama o belo jardim da
Sua Igreja, porque Ele arranjou-a e a plantou com as Suas
amorosas mãos, e cuida de cada planta, nutrindo-a e tratando-
-a com carinho.
O s d ia s das c ru z a d a s c o n s titu e m u m p e río d o
peculiarm ente rico quanto a nobres histórias que dão boas
ilustrações. Lem os que quando os soldados de G odofredo
de B ouillon avistaram a cidade de Jerusalém , ficaram tão
enlevados com o que viram , que caíram sobre os seus rostos,
depois se puseram de pé, bateram palm as, e fizeram ressoar
as m ontanhas com os seus gritos de alegria, Assim, quando
avistarm os a Nova Jerusalém , o nosso lar feliz nas alturas, cujo
nom e sem pre nos é tão precioso, farem os a nossa câm ara
m ortuária retum bar de aleluias, e até os anjos escutarão os
nossos cânticos de louvor e gratidão. Também está registrado,
com relação a esse mesmo Godofredo, que, quando en tro u em
Jerusalém na vanguarda do seu exército vitorioso, recusou-se
a usar a coroa com a qual os seus soldados queriam ornar a
sua fronte. “Pois”, disse ele, “por que deveria eu usar um a
coroa de ouro na cidade em que o m eu Senhor usou um a
coroa de espinhos?” E um a boa lição para aprenderm os pes­
soalm ente e que devemos ensinar ao nosso povo. No m undo
em que Cristo foi desprezado e rejeitado pelos hom ens, não
fica bem a um cristão procurar obter honras terrenais, ou andar
am biciosam ente à caça de fama. O discípulo não deve pensar
em estar acima do seu M estre, nem o servo em estar acima
do seu Senhor.
A seguir, você poderia facilm ente fazer um a ilustração
daquela história rom ântica, que pode ser ou não ser verda­
deira, da rainha E leanor sugando o veneno do braço ferido
do seu m arido (Eduardo I). M uitos de nós, eu espero, esta-
ríam os dispostos a, por assim dizer, sugar toda calúnia e
anim osidade do braço da Igreja de Cristo, e a suportar todo e
q u alq u er so frim en to , desde que a Igreja m esm a pudesse
escapar e sobreviver. M eus irm ãos, não poria alegrem ente
qualquer de nós os lábios nas peçonhentas feridas da Igreja
hoje, sofrendo até a morte, antes que perm itir que as doutrinas
de C risto sejam im pugnadas, e que a causa de D eus seja
desonrada?
Que belo campo de ilustrações jaz aí aberto para vocês
na história religiosa! E difícil dizer onde com eçar a cavar nessa
m ina de precioso tesouro. A história de L utero e o judeu
poderia ser usada para dem onstrar o mal do pecado, e como
evitá-lo. U m judeu buscava um a oportunidade para ap u n h a­
lar o reform ador, mas L utero recebeu um retrato do hom icida
em potencial, de m odo que, por onde andasse, estava sem pre
em guarda contra o assassino. U sando ele próprio este fato
como ilustração, disse Lutero: “Deus sabe que há pecados que
nos destruiriam , e, portanto, Ele nos deu retratos deles em Sua
Palavra, de forma que, onde quer que os vejamos, podemos
dizer: “Esse é um pecado que me apunhalaria; devo ter cuidado
com essa coisa má, e ficar fora do cam inho dela”.
O valente reform ador inglês, H u g h L atim er, naquela
famosa história de um incidente em seu julgam ento diante
de vários bispos, salienta com m uita clareza a onipresença e a
onisciência de D eus, e o cuidado com que devemos andar na
p re se n ç a do Ser que p o d e le r os n o ssos m ais secreto s
pensam entos e imaginações. D iz ele: “U m a vez estava sendo
exam inado perante cinco ou seis bispos, ocasião em que tive
m uitos problem as. Três vezes por sem ana eu era subm etido
a interrogatório, e me lançavam m uitas arm adilhas e laços
para pegar-m e nalgum a coisa. ...Afinal, fui levado para ser
in te rro g a d o n u m a câm ara decorada com tap eçaria onde
costum avam interrogar-m e. Mas desta vez, a câmara sofrerá
algum a alteração. Pois, enquanto que antes era costum e haver
sem pre fogo aceso na lareira, agora o fogo fora elim inado, um
tapete pendia sobre a lareira, e a mesa fora colocada perto dela.
E n tre os bispos que me examinavam, havia u m que era m uito
conhecido m eu e que eu considerava grande amigo, hom em
idoso, e ele estava sentado perto da ponta da mesa. D epois,
entre todas as demais questões, ele me apresentou um a que
era m uito sutil e ardilosa: era de tal espécie, na verdade, que
eu não podia im aginar que contivesse tanto perigo. E quando
me coube dar um a resposta, “Peço-lhe, Sr. L a tim e r”, disse
um deles, “fale alto; sou ru im de ouvido, e m uitos estão
sentados longe”. Fiquei espantado com isso, que eu tin h a que
falar alto, e comecei a suspeitar, e pus atenção na lareira; e
escutei um a pena escrevendo na lareira, p or trás do tecido.
T in h am nom eado alguém para escrever ali todas as m inhas
resp ostas, pois eles q u eriam assegurar-se de que eu não
escaparia deles; e não havia escape deles. D eus foi m eu bom
S en h o r, e m e deu um a resp o sta, se não , eu n u n c a teria
escapado” . P reg an d o , alguns anos m ais ta rd e , o p ró p rio
L a tim e r co n to u a h is tó ria e ap lico u a ilu stração . “M eu
ouvinte”, disse ele, “há um a pena de registro em serviço atrás
da tapeçaria, anotando tudo o que dizes, e registrando tudo o
que fazes: portanto, sê cuidadoso, para que as tuas palavras e
ações sejam dignas de registro no M em orial de D eus.”
Você p o d e ria ilu s tr a r b em a d o u trin a do c u id a d o
providencial especial que D eus tem dos Seus servos, relatando
a história de John K nox, que, um a noite, negou-se a sentar-se
em seu assento costum eiro, em bora não soubesse de nenhum a
razão particular para agir assim. N inguém tin h a perm issão
para ocupar aquela cadeira, e, durante a noite, houve u m tiro
através da janela e atingiu u m castiçal que estava n u m ponto
im ediatam ente oposto ao local onde John K nox estaria sen­
tado, se tivesse ocupado o seu lugar de costume.
H á tam bém o caso do piedoso m inistro que, fugindo dos
seus perseguidores, foi para um celeiro e se m eteu no feno. Os
soldados entraram no local, espetando e golpeando com as suas
espadas e baionetas; e o bom hom em sentiu o aço frio tocar a
sola do seu pé, e o arranhão feito durou anos. C ontudo, os seus
inim igos não o descobriram . D epois, veio um a galinha, e esta
pôs diligentem ente um ovo, todos os dias, perto do lugar em
que ele estava escondido, e assim ele foi sustentado, bem
com o preservado, até p o d er d eix ar com segurança o seu
esconderijo.
Foi o mesm o m inistro, ou um dos seus irm ãos persegui­
dos, que foi providencialm ente protegido pela agência de
um a hum ilde aranha. Esta é a história, como eu a li: “Recebendo
aviso de um amigo de que tentavam capturá-lo, e vendo que
havia hom ens em seu encalço, refugiou-se num a fábrica de
m alte, e arrastou-se para dentro do forno vazio, e ali se ajei­
to u . Im e d ia ta m e n te após, viu um a a ra n h a m ais abaixo,
cruzando a estreita entrada pela qual ele passara, e fixando
desse m odo o prim eiro fio daquilo que logo se desenvolveu
form ando um a grande e bela teia. A tecelã e a teia, colocadas
diretam ente entre ele e a luz, estavam bem visíveis. Ele estava
tão im pressionado com a habilidade e diligência da aranha,
e tão ab so rv id o n a co n tem p lação do tra b a lh o dela, que
esqueceu o perigo que corria. Ao tem po em que a rede se
completava, cruzando e recruzando a boca do forno em todas
as direções, os perseguidores do hom em entraram na fábrica,
à procura dele. Ele percebeu os seus passos e escutou as pala­
v ras cru éis que d iziam e n q u a n to exam in av am to d o s os
cantos. D epois chegaram perto do forno. Pôde ouvir dizer
u m ao outro: “E inútil olhar aí dentro-, o velho vilão nunca
poderia estar ali. Veja aquela teia de aranha; jamais ele poderia
ter entrado ali sem rompê-la”. Sem darem mais busca, foram
procurá-lo noutra parte, e ele escapou ileso das suas m ãos”.
E x iste o u tra h istó ria , que e n c o n tre i alg u res, de u m
p risio n e iro que, d u ra n te a guerra am erican a, foi m etido
n um a cela em que havia um a pequena fenda pela qual um
soldado o observava sem pre, dia e noite. O que quer que o
prisioneiro fizesse, quer comesse, ou bebesse, ou dorm isse, os
olhos da sentinela estavam perpetuam ente fitos nele, e, pensar
n isso , disse ele, era-lhe ab so lu tam e n te te rrív e l, quase o
deixando louco. Não podia suportar a idéia de te r os olhos
daquele hom em sem pre a vigiá-lo. N ão conseguia do rm ir
direito; até a sua respiração tornou-se um a m iséria, porque,
para onde se virasse, não podia escapar da observação dos
olhos daquele soldado. Essa história poderia ser utilizada
como ilustração do fato de que os olhos oniscientes de D eus
estão sem pre olhando para cada um de nós.
Lem bro-m e de ter feito dois ou três dos m eus ouvintes
se expressarem em alta voz por ter-lhes contado esta história,
que li num folheto am ericano. Suponho que seja verdadeira,
talvez. Para m im é fidedigna, e eu gostaria de poder contá-la
como está im pressa. U m m inistro cristão, que m orava num
recanto afastado, saiu a passeio num a noite, para m editar em
silêncio. Foi m uito mais longe do que tencionava, e, perdendo
a trilha, internou-se a esmo na mata. Ele continuou esforçando-
-se para achar o cam inho de casa, mas não conseguiu. Receava
que teria de passar a noite nalgum a árvore, mas, de repente,
conform e seguia adiante, viu os frouxos reflexos de luzes à
distância, e, daí, apertou o passo, esperando achar abrigo
num a choupana amiga. U m a coisa estranha ele tin h a diante
do seu olhar. Estava havendo um a reunião num a clareira em
plena floresta, e o local era ilum inado com tochas de pinho.
Pensou ele: “Bem, aqui estão alguns cristãos reunidos para
cultuar a Deus. Alegro-me que, aquilo que achei que tin h a
sido um desastroso engano, perdendo eu o rum o, tenha-m e
trazido aqui. Talvez eu possa tanto fazer como receber algum
benefício”.
Para seu espanto, porém, viu que se tratava de um a reunião
de ateus, e que os oradores ventilavam suas idéias blasfemas
contra D eus com grande ousadia e determ inação. O m inistro
sentou-se, tom ado de pesar. U m jovem declarou que não cria
na existência de D eus, e desafiou Jeová a destruí-lo ali mesmo
e naquela hora, se é que existia tal D eus. O coração do bom
hom em m editava em como poderia replicar, mas a sua língua
parecia grudada no céu da boca. E o orador incrédulo sentou-
-se no meio de altas aclamações de adm iração e de aprovação.
O nosso amigo não queria ser covarde ou dar para trás
no dia da b a talh a, e, p o rta n to , estava quase in c lin a d o a
levantar-se e falar, quando ura hom em robusto e corpulento,
que já ultrapassara o m eridiano da vida, mas que era extre­
m am ente vigoroso ainda, e parecia um forte e m usculoso
m adeireiro das m atas, levantou-se e disse: “G ostaria de falar-
-lhes, se me derem atenção. Não vou falar nada a respeito do
tópico discutido pelo orador que acaba de sentar-se. Vou só
contar-lhes um fato. Q uerem ouvir-me?” “Sim, sim”, gritaram.
E ra u m a d is c u s s ã o liv re , de m o d o q u e o o u v iria m ,
especialm ente quando ele não ia contestar nada. “H á um a
sem ana”, começou ele, “eu estava trabalhando acolá, à m ar­
gem do rio, derrubando árvores. Vocês sabem das corredeiras
lá em baixo. Bem , enquanto eu estava no m eu trab alh o , a
algum a distância delas, ouvi gritos e berros, de m istura com
clam ores a D eus por socorro. C orri para a beira do rio, pois
a d iv in h e i o que era. Vi lá u m m oço que não conseguia
m anobrar o seu barco. A correnteza estava tom ando dom ínio
sobre ele, e ele estava sendo levado águas abaixo e logo, se
n in g u é m in terferisse, com certeza seria arrastad o para a
cachoeira e levado a um a m orte horrível. Vi aquele jovem
ajoelhar-se no barco e orar ao Deus A ltíssim o, rogando-L he
pelo am or de C risto e por Seu precioso sangue, que o salvasse.
Confessou-se incrédulo, mas disse que, se fosse libertado só
essa vez, declararia sua fé em Deus. Pulei logo no rio. Os meus
braços não são m uito fracos, eu acho, em bora não sejam tão
fortes como antes. Em penhei-m e em ir para dentro do barco,
m anobrei-o, girando-o e levando-o para a praia, e assim salvei
a vida daquele moço. E aquele moço é justam ente esse que
agora há pouco se sentou, e que esteve negando a existência de
D eus, e desafiando o Altíssim o a destruí-lo!” N aturalm ente,
usei essa história para m ostrar que é fácil jactar-se e gabar-se
de sentim entos incrédulos quando se está em lugar seguro;
m as, quando os hom ens se vêem em perigo de vida, falam de
m aneira m uito diferente.
H á um a im portante história, que exem plifica a neces­
sidade de freqüentar a casa de D eus, não só para ouvir o
pregador, porém para buscar o Senhor. Certa senhora tin h a
ido à Ceia num a igreja escocesa e tinha gostado m uito do culto.
Q uando chegou em casa, perguntou quem era o pregador, e
foi inform ada de que era o Sr. Ebenezer Erskine. A senhora
disse que iria lá outra vez, no dom ingo seguinte, para ouvi-lo.
Foi, mas não aproveitou o m ínim o. O sermão não parecia ter
nen hum a unção ou poder. Ela foi ter com o Sr. E rskine e lhe
contou a sua experiência nos dois cultos. “Ah, m adam e”, disse
ele, “no prim eiro dom ingo a senhora veio para encontrar-se
com o Senhor Jesus Cristo, e recebeu um a bênção; mas no
segundo dom ingo veio ouvir Ebenezer E rskine, e não recebeu
bênção alguma, e não tinha direito de esperar nenhum a.” Vocês
vêem, irm ãos, o pregador poderia falar ao povo, em term os
gerais, sobre vir para prestar culto a D eus, e não apenas para
ouvir o m inistro, sem que, contudo, suas palavras produzissem
efeito algum , pois talvez não houvesse nada suficientem ente
notável para ficar na m em ória; entretanto , depois de um a
h isto rieta como essa, sobre o Sr. E rskine e a dam a, quem
poderia esquecer a lição que se pretendeu ensinar?
Pois bem , supondo-se que vocês tenham esgotado todas
as ilustrações que se podem achar na história corrente, na
h istó ria local, na história antiga e m oderna, e na história
religiosa - o que eu acho que não farão, a menos que vocês
mesm os fiquem esgotados - poderão voltar-se para a história
natural, onde encontrarão ilustrações e anedotas em grande
abundância. E não terão por que sentir quaisquer escrúpulos
de consciência quanto ao uso dos fatos da n atu reza para
ilu strar as verdades das E scrituras, porquanto há um a saudá­
vel filosofia que dá apoio ao emprego dessas ilustrações. E
u m fato facilm ente explicável, que as pessoas receberão mais
pro ntam ente a verdade da revelação, se vocês a associarem a
algum a verdade congênere da história natural, ou a alguma
coisa visível aos olhos - mais do que se lhes derem um a pura
e sim p le s ex p o sição da d o u trin a . A lém d isso , há este
im portante fato que não se deve olvidar, que D eus que é o
A utor da revelação, é tam bém o A utor da criação, da provi­
dência, da história, e de tudo m ais do que vocês devem extrair
as suas ilustrações. Q uando vocês usam a história natural para
ilustrar as Escrituras, estão som ente explicando um dos livros
de D eus m ediante outro volum e que Ele escreveu.
E justam ente como se vocês tivessem diante de si duas
obras escritas pelo mesmo autor que escrevera, em prim eiro
lugar, um livro para crianças; e depois, em segundo lugar,
p re p a ra ra u m vo lum e de in stru ç ã o m ais p ro fu n d a para
pessoas de idade mais m adura, e de m aior cultura. As vezes,
quando acharem passagens obscuras e difíceis na obra desti­
nada a estudantes mais adiantados, vocês podem referir-se ao
pequeno livro destinado aos m ais jovens, e podem dizer:
“ Sabemos que isto significa assim e assim, porque é como o
assunto é explicado no livro para p rincipian tes”. Assim, a
criação, a providência e a história são livros que D eus escreveu
para que os leiam os que têm olhos, para que ouçam a Sua voz
neles os que têm ouvidos, até mesmo para que os leiam os
hom ens incrédulos, para que vejam neles algum a coisa de
Deus. Mas o outro Livro glorioso foi escrito para os que são
ensinados de D eus, e tornados espirituais e santos. Freqüentes
vezes, re to rn a n d o à c artilh a , vocês obterão algo daquela
n arrativa sim ples que elucidará e ilustrará o clássico mais
difícil, pois é isso que a Palavra de D eus é para vocês.
H á um certo tipo de pensam ento que D eus tem m antido
em todas as coisas. A quilo que Ele fez com a Sua Palavra tem
sem elhança com a própria Palavra pela qual o fez. E o visível
é sím bolo do invisível, porque o mesmo pensam ento de Deus
perpassa tudo. H á um toque do dedo divino em tudo que D eus
fez, de forma que as coisas que aparecem aos nossos sentidos
têm certas semelhanças com as coisas que não aparecem. O
que se pode ver, provar, tocar e apalpar, destina-se a ser para
nós o sinal externo e visível de algum a coisa que encontram os
na Palavra de D eus e em nossa experiência espiritual, que é a
graça interna e espiritual. Assim, não há nada de forçado e
an tinatural em induzir a natureza a ilustrar a graça; ela foi
ordenada por D eus para esse preciso propósito. R astreiem a
criação inteira em busca de símiles. Não se lim item a algum
ram o particular da história natural. Os ouvintes de u m doutor
m uito culto queixavam-se de que ele continuadam ente lhes
dava aranhas como ilustrações. Eu preferiria dar ao povo um a
ou duas aranhas ocasionalmente, e então variar a instrução com
histórias, anedotas, símiles e metáforas tiradas da geologia, da
astronom ia, da botânica, ou de alguma das outras ciências que
ajudem a em itir centelhas de luz sobre as Escrituras.
Se você, irm ão, m antiver abertos os olhos, não verá um
cão seguindo o dono, nem um cam undongo assomando à saída
do buraco em que se oculta, nem ouvirá sequer u m suave
arranhão por trás dos lam bris, sem tom ar algum a coisa para
in tro d u zir na tessitura dos seus sermões, se as suas faculdades
estiverem todas alertas. Q uando você vai para casa de noite, e
se assenta perto da lareira, não deve poder pegar o seu gato
dom éstico sem ver aquilo que lhe forneça um a ilustração.
C om o são m acias as patas da g a tin h a , e, c o n tu d o , n u m
m om ento, se se zangar, quão agudas serão as suas garras!
Como se assem elham à tentação, macia e gentil quando vêm
até nós no início, mas, que feridas m ortais e execráveis nos
causa pouco depois!
L em bro-m e de ter usado, com efeito m uito considerá­
vel, n u m sermão que preguei no Tabernáculo, u m incidente
que ocorreu no m eu próprio jardim . H avia um cachorro que
costum ava atravessar a cerca, e esgaravatar os m eus canteiros
de flores, causando m anifesto estrago no serviço e no h u m or
do jardineiro. A ndando pelo jardim , um sábado à tarde, e
preparando o m eu sermão para o dia seguinte, vi a criatura
de quatro patas - na verdade um espécime desprezível, diga-
-se de passagem - e, tendo na mão um a bengala, atirei-a nele
com to d a a força, d a n d o -lh e ao m esm o tem po u m bom
conselho de que fosse para a casa dele. O ra, que fez o m eu
amigo canino, senão voltar-se, pegar com a boca a bengala,
trazê-la e depositá-la a m eus pés, m ovendo a cauda nesse
tem po todo à espera dos meus agradecim entos e das m inhas
palavras amáveis? N aturalm ente vocês não im aginam que eu
lhe dei um pontapé, ou que atirei de novo a bengala nele.
Fiquei com a m aior vergonha de m im m esm o, e lhe disse que
era bem -vindo para ficar quanto tem po quisesse, e para vir
quantas vezes lhe agradasse. Ali estava um exem plo do poder
da não-resistência, da subm issão, da paciência e da confiança,
na superação até mesmo da ira justa. Usei aquela ilustração
na pregação do dia seguinte, e não me senti rebaixado por
ter contado a história.
A m aioria de nós já leu o livro A Tour round my Garden
(U m Giro pelo meu Jardim ), de Alphonse Karr. Por que alguém
não e s c r e v e i Tour round my Dining-table (U m G iro em torno
da m inha Mesa de Jantar), ou, ^4 Tour round my Kitchen (U m
G iro pela m inha Cozinha)? Creio que um livro desse tipo,
su m am en te in te re ssa n te, p o d eria ser escrito p o r alguém
que tenha os olhos abertos para ver as analogias da natureza.
L em bro-m e de que, um dia, quando eu m orava em Cam-
bridge, estava precisando urgentem ente de u m sermão, e não
conseguia fixar-me num assunto, quando, subitam ente, notei
certo núm ero de pássaros na cobertura de ardósia da casa
fro n teira. Q uando os fitei d ire ta m e n te, vi que havia u m
canário que fugira da casa de alguém , e um bando de pardais
o cercou e o bicava seguidam ente. Ali estava o texto do meu
serm ão afinal: “A m inha herança é para m im ave de várias
cores; andam as aves de rapina contra ela em red o r” (Jer. 12:9).
Ainda um a vez, irm ãos, se não puderem achar ilu stra­
ções na história natural, ou em qualquer das histórias que
m encionei, achem-nas em qualquer parte. Tudo que ocorre ao
seu redor, se tão-som ente vocês tiverem miolos na cabeça,
ser-lhes-á ú til. M as se p re te n d em realm en te in teressar e
beneficiar os seus ouvintes, terão que m anter os olhos abertos
e usar todas as capacidades de que o Senhor os dotou. Se o
fizerem , verão que, ao andarem sim plesm ente pelas ruas,
um a ou outra coisa lhes sugerirá um a passagem das E scritu ­
ras, ou os aju d ará, q u an d o tiv erem esco lh id o o tex to , a
desvendá-lo de m aneira tão real ao povo, que prenderão a
sua atenção, e transm itirão a verdade às suas m entes e aos
seus corações.
Por exemplo, hoje a neve cobriu todo o terreno, e o solo
escuro assum iu um a aparência bela e alva. D á-se isto com
alguns hom ens que passam por transform ações tra n s itó ­
rias. Parecem tão piedosos, tão celestiais, e tão puros, como se
fossem santos! Mas quando sobe o sol da provação, e lhes
so b revêm u m leve calor de ten taçõ es, com que rap id ez
revelam o seu verdadeiro negror, e se esvai a sua religiosi­
dade superficial!
O m undo inteiro foi decorado com quadros por Deus. O
pregador só tem que retirá-los da parede, um a um , e exibi-los
perante os ouvintes, para com certeza atrair o interesse deles
pelo assunto que ele está procurando ilustrar. Mas terá que
m anter abertos os olhos, ou não verá esses quadros. D isse
Salomão: “Os olhos do sábio estão na sua cabeça”, e, dirigindo-
-se a um hom em assim, escreveu: “Os teus olhos olhem direitos,
e as tuas pálpebras olhem diretam ente diante de ti”. Por que
fala ele de olhar com as pálpebras? Acho que ele quer dizer
que as pálpebras devem encerrar o que os olhos captaram. Vocês
sabem que há um a enorm e diferença entre o hom em que tem
olhos e o que não os tem. O prim eiro senta-se junto de um a
corrente de águas e vê m uita coisa que desperta o seu interesse
e o instrui. O segundo, porém , estando no mesmo local, é como
o cavalheiro de quem escreveu W ordsworth:

“A prímula à margem do rio,


flor amarela era para ele;
somente isto, e nada mais”.

Irm ão, se você tiver algum a dificuldade para ilu strar o


seu assunto, recom endo-lhe enfaticam ente que tente ensinar
crianças sem pre que p u d e r c o n seg u ir o p o rtu n id a d e para
fazê-lo. N ão sei de m elhor m eio de p rep arar a sua m ente
para o uso de ilustrações, do que encarregar-se freqüentem ente
de um a classe da Escola D om inical, ou fazer palestras aos
estudantes quantas vezes puder; porque, se você não ilustrar
ali, terá a sua lição ou palestra ilustrada m uito notavelm ente
para você. Verá que as crianças farão isso m ediante o seu geral
aborrecim ento e desatenção, ou m ediante as suas conversas e
brincadeiras. Eu costum ava m in istrar ensino a um a classe
de m eninos, quando professor da Escola D om inical, e, se eu
o casionalm ente, me m ostrava um pouco en fadonho, eles
giravam o corpinho, agitando-se nas carteiras em que estavam
sentados. Isso era um a advertência m uito clara a m im , de que
devia dar-lhes um a ilustração ou um a historieta. E em parte
aprendi a contar histórias por me ver obrigado a contá-las. Um
m enino da m inha classe costum ava dizer-me: “Isso é m uito
sem graça, professor; você não pode lascar um a história?”
Claro que era um m enino m alcriado, e talvez se suponha que
ele se tornou perverso quando cresceu, em bora eu não esteja
m uito certo de que tenha acontecido isso. Mas eu costum ava
lascar-lhe a história que ele queria, a fim de reconquistar-lhe a
atenção. E me atrevo a dizer que, se lhes fosse p erm itid o
falar alto durante o sermão, alguns dos nossos ouvintes nos
pediriam para lascar-lhes um a história, isto é, para dar-lhes
algo que lhes interessasse. Eu acredito que um a das m elhores
coisas que você pode fazer para ensinar tanto velhos como
jovens, é dar-lhes um a porção de anedotas e ilustrações.
C reio que seria ú til a alguns de vocês que ainda não
são adeptos da arte da ilustração, se lessem livros em que há
abundantes metáforas, símiles e símbolos. N ão vou e n tra r
plenam ente nesse assunto nesta ocasião, porque esta prele-
ção é apenas prelim inar com relação às duas próxim as que
espero fazer, em que procurarei dar-lhes um a lista de obras
enciclopédicas de anedotas e ilustrações, e livros de fábulas,
sím bolos e parábolas. Mas os aconselho a estudarem obras
com o The Christian in Complete Arm our (O C ristão com
A rm adura Completa), de Gurnall, ou o Comentário de M atthew
H e n ry , com o o b jetiv o específico de o b serv ar to d as as
ilu stra ç õ es, sím bolos, m etáforas e sím iles que p u d e re m
e n c o n tra r. Vejam ta m b ém os c o n tra ste s. G osto da obra
M etaphors (M e tá fo ra s), de K each , em que ele ex p õ e a
disparidade entre tipo e antítipo. Vezes há em que os contras­
tes entre diferentes pessoas ou objetos serão tão instrutivos
como as suas semelhanças.
Q u a n d o tiv e re m lid o o liv ro u m a vez, p ro c u ra n d o
assinalar todas as figuras, leiam -no de novo, e anotem todas
as ilu s tra ç õ e s d e sp e rc e b id a s em sua p rim e ir a le itu ra .
Provavelm ente vocês terão deixado escapar m uitas; e tam bém
se surpreenderão ao ver que há ilustrações até nas próprias
palavras. Com que freqüência um a palavra é p o r si mesma
u m quadro! Algumas das palavras mais expressivas que se
acham na linguagem hu m an a são com o ricas gem as que
passaram diante dos seus olhos m uitas vezes, mas vocês não
tiveram ocasião de com pulsá-las ou de avaliá-las. E m seu
segundo exame do livro, vocês notarão, talvez, o que se lhes
escapou na p rim e ira vez, e e n c o n tra rã o m u ita s ilu s tra ­
ções m eram ente insinuadas, em lugar de dadas por extenso.
F a ç am com m u itís s im o s liv ro s o que lh e re c o m e n d o .
O btenham exemplares que tenham a liberdade de su blinhar
com lápis de cor, pelo que por certo acharão prontam ente
as ilustrações; ou transcrevam -nas num dos seus cadernos
de anotações.
Tenho certeza que os irm ãos que começam cedo a m anter
u m registro dessas coisas, agem sabiam ente. Os m em orandos
dos antigos puritanos eram -lhes inapreciáveis. N unca pode­
riam com pilar as obras m aravilhosas que com pilaram , se não
tivessem cuidado de coligir e pôr em ordem a m atéria sob
títu lo s d ife re n te s. A ssim , tu d o que h av ia so b re alg u m
assu n to era com o que em balsam ado e p reservado, e eles
p o d ia m p ro n ta m e n te re p o rta r-s e a q u a lq u e r p o n to de
que necessitassem , e refrescar a m em ória, e verificar as suas
citações. A lguns de nós, demasiado ocupados, podem os ser
d isp ensados dessa tarefa; tem os que fazer o m elh o r que
puderm os. M as alguns de vocês, que vão in cu m b ir-se de
trabalhos m enores, especialm ente os da zona rural, devem
m anter um sim ples livro de anotações ou senão, receio que
vocês m esm os se tornem dem asiadam ente sim plórios.
A sua seleção de sím iles, metáforas, parábolas e símbolos
não estará com pleta se não pesquisarem também as Escrituras
para achar as ilustrações nelas registradas. Alusões bíblicas são os
m eios mais eficientes de ilustrar e salientar as verdades do
evangelho; e o pregador bem familiarizado com a Bíblia, nunca
se encontrará sem um exemplo do que for proveitoso “para
ensinar, para redargüir, para corrigir, para in stru ir em justiça”.
O Senhor deve ter pretendido que nós usássemos assim a Sua
Palavra, pois, de outro m odo não nos teria dado, no Velho
Testam ento, tão num erosos tipos e sím bolos das verdades
p o s te rio rm e n te reveladas de m an eira m ais co m p leta na
dispensação do evangelho.
U m a coleção de ilustrações como a que lhes sugeri, estar-
-lhes-á m uito à mão em dias futuros, e serão lem brados, pelas
com parações e figuras empregadas por outros, de fazer por
conta própria comparações e figuras. A fam iliaridade com
um a coisa faz-nos a u fa it (peritos) na m esm a; é-nos possível
aprender quase tudo pela prática. Creio que eu poderia ap ren ­
d er g rad ativ am en te a fazer u m tonel, se passasse tem po
com u m hom em ocupado nesse m ister. H averia de saber
colocar as aduelas e os aros, se ficasse tem po suficiente na
oficina do tanoeiro. E não duvido que qualquer de vocês
poderia ap ren d er o que quisesse, desde que dispusesse de
tem po e oportunidade suficientes. Assim, se vocês p rocura­
rem ilustrações, aprenderão a fazê-las pessoalmente.
Isso me leva ao últim o ponto de que vou tratar. Irm ãos,
com ecei esta preleção ad v ertin d o -o s co n tra a p rática de
inventar anedotas; encerro-a aconselhando-os a aplicarem-se
freqüentemente à tarefa de fazer as suas próprias ilustrações.
P rocurem fazer comparações das coisas que os cercam. Acho
que seria bom , de vez em quando, fechar a porta do escritório,
e dizerem -se a si próprios: “Não sairei desta sala enquanto não
fizer pelo m enos meia dúzia de boas ilustrações”. D izem os
chineses que o intelecto está no estômago, e que as afeições
estão ali tam bém . Acho que estão certos sobre o últim o ponto
porque, como sabem, se alguém estiver com m uito am or por
um a pessoa - pela sua esposa, por exemplo - dirá que seria
capaz de engoli-la. E tam bém dizem os que esta ou aquela
pessoa é um a doçura. Assim, tam bém , o intelecto pode estar
no estôm ago e, conseqüentem ente, quando você estiver a
portas fechadas, por duas ou três horas, e começar a querer o
seu almoço ou o seu jantar, sentir-se-á estim ulado a fazer as
seis ilustrações que m encionei como m ínim o. O seu escritório
será um a verdadeira prisão, se você não conseguir esse núm ero
de comparações proveitosas dos diferentes objetos presentes
no gabinete. Eu diria que mesmo um a prisão oferece suges­
tões para o preparo de m uitas m etáforas. Não desejo que
n en h u m de vocês vá até a cadeia com esse fim. Mas, se algum a
vez for parar lá, deverá ser capaz de aprender a pregar de modo
interessante sobre um a passagem como esta: “Tira a m inha
alm a da prisão”; ou esta: “Assim esteve ali na casa do cárcere.
O Senhor, porém , estava com José”.
Irm ãos, se não conseguirem fazer funcionar o cérebro em
casa, poderiam dar um passeio e dizer a si próprios: “Vou vagar
pelos campos, ou vou en trar no jardim , ou vou passear no
bosque, e verei se não posso achar um a ou outra ilustração”.
Poderiam até sair para olhar um a vitrina de loja e ver se não
podem descobrir algumas ilustrações ali. O u poderiam ficar
quietos por algum tem po, e ouvir o que as pessoas dizem ao
passarem ; ou parem onde há um grupo de ociosos, e tentem
escutar de que falam, e vejam que sím bolo podem extrair
disso. Também devem passar o tem po que puderem visitando
os enferm os. Isso será sum am ente proveitoso, pois, nesse
serviço sagrado vocês terão m uitas oportunidades de obter
ilustrações dos filhos de D eus em provações, ao ouvirem as
suas variadas experiências. E m aravilhoso, quantas páginas
de um a nova enciclopédia de ensino ilustrativo vocês pode­
riam encontrar, escritas com tin ta indelével, se visitasse os
doentes, ou mesm o na conversa com crianças. M uitos deles
dirão coisas que vocês poderão citar com bom efeito em seus
sermões. De qualquer form a, decidam -se que vocês atrairão e
interessarão as pessoas pelo m odo como vão apresentar o
evangelho a elas. M eia batalha consiste em fazer a tentativa,
em chegar a esta firm e resolução: “Com o auxílio de D eus,
ensinarei o povo m ediante parábolas, sím iles, ilustrações, e
tu d o m ais que o ajudar; e procurarei ser u m pregador da
Palavra capaz de interessar os ouvintes.
Irm ãos, ardorosam ente espero que vocês p ratiq u em a
arte de fazer ilustrações. Procurarei preparar um a pequena
série de exercícios para vocês fazerem sem ana após semana.
D ar-lhes-ei um assunto e um objeto entre os quais haja alguma
sem elhança, e lhes pedirei que procurem ver a sem elhança e
expor as comparações que podem ser estabelecidas entre eles.
Se puder, tam bém lhes darei algum assunto sem objeto, e direi
a um : “Ilustre isso; diga-nos, por exemplo, que virtude lembra”.
O u, p or vezes, poderei dar-lhes o objeto sem o assunto, assim
- “U m diam ante: como usarão isso como ilustração?” Depois,
às vezes, posso não dar-lhes nem assunto nem objeto, mas,
sim plesm ente dizer: “Tragam-me um a ilustração” . Penso que
deste m odo podem os fazer um a série de exercícios de m uita
utilid ade para vocês todos.
O jeito de se ter m ente que valha a pena, é tê-la bem suprida
de coisas que valham a pena guardar. N aturalm ente, o hom em
que tiver m ais ilustrações na cabeça será quem usará mais
ilustrações em seus discursos. Existem alguns pregadores que
têm a protuberância craniana de ilustrações bem crescida;
seguram ente hão de ilustrar o seu assunto; não poderão deixar
de fazê-lo. H á alguns que sem pre vêem “ sem elh an ças” ;
captam um a comparação m uito antes que outros a vejam. Se
algum de vocês disser que não é bom para ilustrar, replico:
“M eu irm ão, você tem que ten tar fazer crescer chifres, se não
tem n enhum na cabeça”. Talvez você nunca possa desenvolver
um a grande quantidade de imaginação ou de fantasia, se não a
possuir desde o início - exatam ente como é im possível fazer
queijo de um a pedra de m oinho - porém , pela d ilig en te
atenção você pode ir além daquilo que agora é.
Creio que alguns sujeitos têm um a depressão no crânio,
no lugar onde deveria existir um a protuberância. Sei de um
rapaz que deu duro para en trar neste colégio; mas nunca viu
como ju n tar as coisas, a não ser am arrando-as pelos rabos. Ele
m ostrou u m livro; e, quando o li, vi logo que estava repleto de
histórias e ilustrações m inhas; isto é, cada ilustração ou história
do livro era um a que eu tin h a usado, mas não havia um a só
relatada como devia; Esse hom em tin h a contado a história de
tal m odo, que ela absolutam ente não estava ali; o po n to
preciso que eu tin h a salientado, ele om itira cuidadosam ente,
e todas as suas partes eram narradas corretam ente, exceto
aquilo que constituía a essência do todo. Por certo me alegrei
p o r não ter aquele irm ão no colégio. Ele poderia te r sido um
o rn am en to para nós, por suas deficiências, mas podem os
ficar sem tais ornam entos. N a verdade já tivem os m ais que
suficiente deles.
F inalm ente, diletos irm ãos, em penhem -se com toda a
energia para conseguir a capacidade de ver um a parábola, um
sím ile, um a ilustração, onde quer que possa ser visto. Sim,
pois, em grande m edida esta é um a das m ais im portantes
qualificações do hom em que há de ser um orador público, e
especialm ente do hom em que há de ser u m eficiente prega­
dor do evangelho de Cristo. Se o Senhor Jesus fez tão freqüente
uso de parábolas, deve ser correto fazermos a m esm a coisa.
As Ciências como Fontes de
Ilustrações
P roponho, irm ãos, se é que sou capaz de fazê-lo - e tenho
algum a dúvida sobre este ponto - fazer-lhes a intervalos um a
série de preleções sobre The Various Sciences as Sources o f
Illustrations (As Várias Ciências como Fontes de Ilustrações).
Parece-m e que todo estudante em preparo para o m inistério
cristão deve saber ao m enos algum a coisa de todas as ciências;
deve im iscuir-se em todas as formas de conhecim ento que
sejam úteis ao exercício da obra de sua vida. D eus fez todas as
coisas que há no m undo de m olde a serem nossos m estres, e
de cada um a delas há sem pre algum a coisa que se pode
aprender. E, como não seria estudante com pleto aquele que
não comparecesse às aulas, às quais se esperava que com pa­
recesse, assim aquele que não aprende de todas as coisas que
D eus fez nunca juntará todo o alim ento de que sua alm a
necessita, nem terá a probabilidade de alcançar aquela p er­
feição de virilidade m ental que o capacitará a ser um m estre
de outros, plenam ente equipado.
Começarei com a ciência da A S T R O N O M IA . E de início
vocês entenderão que não vou fazer uma preleção astronôm ica,
nem m encionar todos os grandes fatos e as m inúcias dessa
fascinante ciência. M as tenciono sim plesm ente u tiliz a r a
astronomia como um dos muitos campos de ilustrações que o Senhor
providenciou para nós. Perm itam -m e dizer, contudo, que esta
ciência propriam ente dita deve receber m uita atenção de todos
nós. Ela se relaciona com m uitas das maiores m aravilhas da
natureza, e o seu efeito sobre a m ente e verdadeiram ente
m aravilhoso. Os temas sobre os quais versa a astronom ia são
tão grandiosos, as m aravilhas desvendadas pelo telescópio
são tão sublim es, que, m uitas vezes, m entes incapazes de
receber conhecim ento por outros canais, tornam -se nota-
dam ente receptivas quando estudam esta ciência. H á o caso
de u m irm ão que estudou nesta escola, e que parecia um
p ateta terrív el. N ós realm ente achávam os que ele não ia
a p re n d e r coisa n e n h u m a , e que, p erd id as as esperanças,
teríam os que desistir dele. Mas eu lhe apresentei um pequeno
livro intitulado The Young Astronomer (O Jovem Astrônom o).
M ais tarde ele me disse que, quando o leu, sentiu como se
algo tivesse estalado dentro de sua cabeça, ou como se um
n erv o tiv esse a rre b e n ta d o . Tom ou posse de tão am plos
pensam entos, que eu creio que o seu crânio experim entou
de fato um a expansão que devia ter ocorrido em sua infância,
e que veio a ocorrer graças à m aravilhosa força dos pensam en­
tos sugeridos pelo estudo, não obstante elem entar, da ciência
astronômica.
E sta ciência deveria c o n stitu ir o especial deleite dos
m inistros do evangelho, pois certam ente nos leva a um a liga­
ção com D eus m ais íntim a do que o faz qualquer outra ciência.
Tem-se dito que um astrônom o incrédulo é louco. Eu diria
que qualquer hom em incrédulo é louco - padecendo do pior
tipo de loucura. Mas, certam ente, aquele que se fam iliarizou
com os astros dos céus e que, todavia, não viu o grande Pai das
luzes, o Senhor que os fez a todos, só pode estar atacado de
um a loucura horrível. Apesar de todo o seu conhecim ento,
deve te r sido ferido por um a incapacidade m en tal que o
coloca quase abaixo do nível dos anim ais que perecem.
Kepler, o grande astrônom o m atem ático, que tão bem
explicou m uitas das leis que governam o universo, conclui
um dos seus livros, Harmonics (Harm onias), com esta reverente
e devota expressão dos seus sentim entos: “D ou-te graças,
Senhor e Criador, por me haveres dado alegria por meio da
Tua criação, pois fui arrebatado pela obra das Tuas mãos.
Revelei à hum anidade a glória das Tuas obras, na m edida em
que o m eu espírito lim itado pôde conceber a infinidade delas.
Se apresentei alguma coisa indigna de Ti, ou se procurei a
m inha fama pessoal, sê propício em Tua graça perdoar-m e”. E
vocês sabem como o vigoroso N ew ton, verdadeiro príncipe
entre os filhos dos hom ens, continuadam ente se p u nha de
joelhos, quando elevava os olhos aos céus e descobria novas
m aravilhas na am plidão estrelada. Portanto, a ciência que
tende a levar os hom ens a inclinar-se com hum ildade perante
o Senhor deve ser sem pre um dos estudos favoritos para
nós, cuja ocupação consiste em inculcar reverência para com
D eus em todos os que venham a estar sob a nossa influência.
Jam ais a ciência da astronom ia se nos tornaria acessível
em m uitos dos seus porm enores extraordinários, não fora a
descoberta ou invenção do telescópio. A verdade é grandiosa,
mas não nos afeta salvadoram ente enquanto não nos fam i­
liarizam os bem com ela. O conhecim ento do evangelho, como
nos é revelado na Palavra de D eus, torna-o verdadeiro para
nós; e m uitíssim as vezes a Bíblia é para nós o que o telescópio
é para o astrônom o. As Escrituras não criam a verdade, porém
a revelam de um m odo pelo qual o nosso p o b re e frágil
in te le c to , q u a n d o ilu m in a d o pelo E s p írito S anto, pode
apreendê-la e com preendê-la.
N u m livro* ao qual sou devedor p o r m u itas citações
nesta preleção, aprendi que o telescópio foi descoberto desta
singular m aneira: “U m fabricante de óculos de M iddleburg
tropeçou na descoberta devido ao fato de que os seus filhos
ch am aram a atenção dele para a aparência am p liad a do
catavento de um a igreja, quando acidentalm ente visto através
de duas lentes de óculos, seguras entre os dedos a algum a
distância um a da outra. Foi esse um dos atos inadvertidos da
infância; e raram ente se tem visto um exemplo paralelo de

* The Heavens and the Earth (Os Céus e a Terra). Manual de astronomia
popular. D e Thom as M ilner, M .A., F.R.G.S. R eligious Tract Society.
(Esgotado.)
potentes resultados provirem de um a circunstância trivial
assim. É estranho refletir nas jocosas travessuras da m eninice
como ligadas em seu desfecho, e em data não distante, ao
alargam ento dos lim ites conhecidos do sistem a planetário,
dando solução à nebulosa do O rion e revelando a riqueza do
firm am ento.” D e m aneira sem elhante, um incidente simples
tem sido m uitas vezes o meio de revelar as m aravilhas da graça
d iv in a. O que certo in d iv íd u o p re te n d ia que fosse m era
brincadeira com as coisas divinas, D eus tornou-o na salvação
da sua alma. E ntrou para ouvir um sermão como poderia ter
ido ao teatro ver um a peça. Mas o Espírito de D eus levou a
verdade para dentro do seu coração, e lhe revelou as coisas
profundas do Reino, e o seu interesse pessoal p or elas.
Acho que o incidente da descoberta do telescópio pode­
ria ser em pregado beneficam ente como ilustração da conexão
entre causas pequenas e grande resultados, m ostrando como a
providência de D eus continuadam ente faz com que coisas
pequenas sejam meios de produzir maravilhosas e im portantes
revoluções. M uitas vezes pode acontecer que aquilo que nos
parece coisa de puro acidente, sem nada de notável a seu
respeito, tenha realm ente o efeito de alterar todo o curso da
nossa vida, e de influir tam bém na m udança das vidas de
m uitos outros para um a direção com pletam ente nova.
U m a vez descoberto o telescópio, o núm ero, a posição e os
m ovim entos das estrelas tornaram -se crescentem ente visí­
veis, até que no presente podem os estudar os esplendores do
céu estelar, e ap ren d er co n tinuadam ente m ais e m ais das
m aravilhas m anifestadas pela mão de D eus. O telescópio
revelou-nos m uito mais do sol, da lua e das estrelas do que
jamais poderíam os ter descoberto sem o seu auxílio. Por causa
do freqüente uso que o D r. L ivingstone fazia do sextante
/

quando viajava pela Africa, era referido pelos nativos como o


hom em branco que poderia trazer para baixo o sol e levá-lo
debaixo do braço. E isso que o telescópio fez por nós, e é isso
que a fé no evangelho fez por nós nos céus espirituais: ela nos
trouxe à terra o Pai e o Filho e o E spírito Santo, e nos deu os
bens elevados e eternos para serem nossa possessão atual e a
nossa perpétua alegria.
A ssim , vocês vêem, o telescópio mesmo pode ser levado
a fornecer-nos m uitas ilustrações valiosas. Também podemos
transform ar em algo proveitoso as lições a serem aprendidas
pelo estudo dos astros com vistas à navegação. O m arinheiro,
ao c ru z a r o m ar sem p ista s, p ode, fazendo observações
astronôm icas, dirigir-se com precisão para o porto desejado.
Conta-nos o capitão Basil H all, no livro que citei an terio r­
m ente, que “um a vez velejou partindo de San Blas, na costa
ocidental do M éxico; e, depois de um a viagem de oito m il
m ilhas, que durou oitenta e nove dias, arribou ao Rio de
Janeiro, tendo nesse intervalo passado pelo Oceano Pacífico,
rodeado o Cabo H o rn e cruzado o A tlântico sul, sem avistar
terra, e sem ver um a única vela, exceto um baleeiro americano.
Q uando estava a um a semana de viagem do Rio, procurou
seriam e n te d e term in ar, m ed ian te observações lu n ares, a
posição do seu navio, e depois estabeleceu a sua rota segundo
aqueles p rin c íp io s com uns de navegação que p odem ser
em pregados com segurança para curtas distâncias entre um
lugar conhecido e outro. Tendo chegado dentro do que, segundo
as suas com putações, considerava quinze ou vinte m ilhas da
costa, deteve o barco às quatro horas da m anhã, para esperar o
rom per do dia, e depois partiu, prosseguindo com cautela por
causa do nevoeiro espesso. Q uando esse se desvaneceu, a
tripulação teve a satisfação de ver o grande rochedo chamado
Pão de Açúcar, que se ergue a um lado da entrada da baía,
com o rum o quase perfeito, de m odo que não foi preciso
alterar o curso mais que um grau para acertar com a entrada
do porto. Essa era a prim eira terra que os tripulantes viam
em quase três meses, após terem cruzados m uitos m ares e de
terem sido levados para trás e para diante por inum eráveis
correntes e ventos borrascosos. O efeito sobre todos a bordo foi
eletrizante, e, dando vazão à sua adm iração, os m arinheiros
saudaram o com andante com vigorosos aplausos”.
D e sem e lh a n te m a n eira, ta m b ém navegam os com a
orientação dos corpos celestes, e por longo período não avista­
mos terra, e às vezes não vemos sequer um a vela a passar; e,
contudo, se fizermos as nossas observações corretam ente e
seguirm os a pista que elas nos indicam , terem os, quando
estiverm os para term inar a viagem, a grande bênção de ver,
não o grande rochedo Pão de Açúcar, mas o Belo Porto da
G lória, diretam ente diante de nós. Não terem os que alterar
o nosso curso nem um só grau; e, quando estiverm os nave­
gando para o interior da baía celestial, que cânticos de júbilo
elevaremos, não glorificando a nossa própria habilidade mas
em louvor do prodigioso Capitão e Piloto que nos guiou pelo
to rm en to so m ar da vida, e nos capacitou a navegar com
seg urança, m esm o onde não podíam os en x erg ar o nosso
caminho!
K epler faz um a sábia observação, ao falar sobre o sistem a
m atem ático pelo qual o curso de um astro pode ser predito.
D epois de descrever o resultado de suas observações, e de
declarar sua firm e crença em que a vontade do Senhor é o
suprem o poder nas leis da natureza, diz: “Mas, se houver algum
hom em obtuso demais para receber esta ciência, aconselho-o
a que, deixando a escola de astronom ia, siga o seu cam inho e
desista desse peregrinar pelo universo; e, alçando os seus olhos
naturais, com os quais som ente ele pode ver, derram e o seu
coração em louvor de D eus o Criador, tendo certeza que não
dá a D eus menos culto do que o astrônom o, a quem D eus deu
visão mais clara com os olhos interiores, e que, por aquilo que
ele próprio descobriu, pode e quer glorificar a D eus”. Essa é,
acho eu, um a ilustração m uito bonita daquilo que você, irm ão,
poderia dizer a qualquer pobre iletrado da sua igreja. Por
exemplo: “Bem, m eu amigo, se você não pode com preender
este sistem a de teologia que lhe expliquei, se estas doutrinas
lhe parecem inteiram ente incom preensíveis, se não consegue
acom panhar-m e na m inha exegese crítica do texto grego, se
não pode captar a idéia poética que tentei dar-lhe agora mesmo,
que à m inha m ente causa tanto enlevo, no entanto, se você
sabe apenas que a Bíblia é verdadeira, que você é pecador, e
que Jesus C risto é o seu Salvador, siga o seu cam inho, e preste
culto, e adore, e im agine D eus como puder. Não se preocupe
com os astrônom os, os telescópios, as estrelas, o sol e a lua;
cultue a D eus à sua própria m aneira. C om pletam ente à parte
do m eu conhecim ento teológico e da m inha explicação das
doutrinas reveladas nas E scrituras, a Bíblia m esm a, e a preci­
osa verdade que você recebeu em sua alma, m ediante o ensino
do E spírito Santo, serão inteiram ente suficientes para fazer
de você um aceitável adorador do D eus A ltíssim o”.
Suponho que todos vocês estão cientes de que entre os
velhos sistem as de astronom ia havia um que colocava a terra
no centro, e fazia o sol, a lua e as estrelas girarem ao redor dela.
“Os seus três princípios fundam entais eram a im obilidade da
terra, a sua posição central, e a revolução diária de todos os
corpos celestes ao redor dela em órbitas circulares.”
Agora, de m odo sim ilar, há um a m aneira de fazer um
sistem a de teologia do qual o hom em é o centro, pelo que
f ica im plícito que Cristo e Seu sacrifício expiatório são só
por am or do hom em , que o E spírito Santo é sim plesm ente
u m grande O breiro trabalhando em favor do hom em , e que
m esm o o grande e glorioso Pai deve ser visto apenas como
existindo com o fim de to rn ar feliz o hom em . Bem, esse pode
ser o sistema adotado por alguns; porém , irm ãos, é preciso
que não caiamos nesse erro, pois, assim como a terra não é o
centro do universo, o hom em não é o m aior de todos os seres.
A p ro uve a D eu s e x altar a ltissim a m e n te o h o m em ; m as
precisamos lem brar-nos de como o salmista fala dele: “Q uando
vejo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que
preparaste; que é o hom em m ortal para que te lem bres dele?
e o filho do hom em , para que o visites?” N outro lugar diz
D avi: “ Senhor, que é o hom em , para que o conheças, e o filho
do hom em , para que o estimes? O hom em é sem elhante à
vaidade; os seus dias são como a som bra que passa”.
O hom em não pode ser o centro do universo teológico. É
u m ser por demais insignificante para ocupar tal posição, e o
esquem a de redenção deve existir para algum outro fim que o
de m eram ente tornar feliz o hom em , ou mesm o o de fazê-lo
santo. A salvação do hom em certam ente deve ser prim eiro
que tudo para a glória de D eus; e vocês terão descoberto a
form a certa da doutrina cristã quando tiverem encontrado o
sistem a que m ostra D eus no centro, exercendo governo e
controle de acordo com o beneplácito da Sua vontade. Não
apequenem o hom em de m olde a fazer parecer que D eus não
cuida dele, pois, se o fizerem , estarão caluniando a D eus.
D êem ao hom em a posição que D eus lhe atribuiu. Fazendo-o,
vocês terão um sistem a de teologia em que todas as verdades
da revelação e da experiência se moverão em gloriosa ordem
e h arm o n ia em to rn o do grande astro central, o divino e
soberano G overnador do universo, o D eus que é sobre todos,
bendito para sempre.
Vocês p odem , e n tre ta n to - q u a lq u er u m de vocês -
com eter outro erro, im aginando-se a si próprios como o centro
de um sistema. Essa noção estulta é um a boa ilustração, eu
acho. H á alguns hom ens cujos princípios fundam entais são
os seguintes: prim eiro, a sua própria im obilidade, pois o que
são, sem pre haverão de ser, e estão certos, e ninguém pode
m exer com eles. Segundo, a sua posição é central; o sol se
levanta e se põe para eles, e a lua cresce e m ingua. Para eles as
suas esposas existem ; para eles nascem os seus filhos; para eles
tudo é colocado onde aparece no universo de D eus; e eles
julgam todas as coisas de acordo com esta regra: “Como isto
irá beneficiar-m e?” Esse é o princípio e o fim do seu grande
sistem a, e eles esperam que se dê a revolução diária, se não de
to d o s os corpos celestes, c ertam en te de todos os corpos
terrestres, ao redor deles. O sol, a lua e as onze estrelas devem
fazer-lhes mesuras.
Bem , irm ãos, essa é um a teoria reprovada, no que diz
respeito à terra, e não há verdade nessa noção com referência a
nós. Podemos n u trir essa idéia errônea; mas o público em geral
não o fará, e quanto mais depressa a graça de D eus a expelir
de nós, m elhor, de form a que assum am os nossa posição
apropriada num sistem a m uito mais elevado do que qualquer
daqueles em que podem os ser o centro.
O sol, então, e não a terra, é o centro do sistem a solar,
sistem a que, anotem vocês, é provavelm en te apenas u m
pequeno e insignificante canto do universo, apesar de in clu ir
u m espaço tão vasto; se eu lhes desse os algarismos reais, vocês
não seriam capazes de fazer a mais ligeira idéia do que eles
re p re s e n ta m de fato. T odavia, esse siste m a tre m e n d o ,
com parado com o conjunto global do universo de D eus, só
pode ser como um único grão de areia da praia do mar, e ali
podem existir m iríades de sistem as, alguns dos quais são
com postos de in u m eráv eis sistem as tão g ran d es com o o
nosso, e o próprio sol, grande como é, pode ser apenas um
planeta girando em volta de um sol m aior, e este m u ndo
apenas um satélite do sol, até aqui nunca observado pelos
astrô n o m o s que talvez vivam naq u ele sol m ais d ista n te
ainda. É um universo m aravilhoso, o que D eus fez. E, por
m u ito que tenham os visto dele, jamais devemos im aginar
que já descobrim os m ais do que um a dim inuta porção dos
m undos e m ais m undos que Deus criou.
A terra, e todos os planetas, e toda a m atéria sólida do
universo, são controlados, como vocês sabem, pela força de
atração. Somos m antidos em nosso lugar no m undo, a girar a
redor do sol, por duas forças, um a cham ada centrípeta, que
nos atrai para o sol, e a outra cham ada centrífuga, ilustrada
g eralm ente pela tendência das gotas d ’água, caindo num a
superfície lisa, de ir para a tangente do círculo que estão
descrevendo.
O ra, eu creio que, de m aneira sem elhante, há duas forças
agindo sem pre em nós, um a que nos atrai para D eus, e a outra
que nos afasta dEle, e assim somos m antidos no círculo da
vida. Mas, de m inha parte, alegrar-me-ei m uito quando puder
sair desse círculo e ficar fora da influência da força centrífuga.
Creio que, no m om ento em que o fizer - logo que se vá a força
de atração que me afasta de D eus - estarei com Ele no céu.
D isso não tenho dúvida. Logo que um a ou outra das duas
forças que influenciam a vida hum ana se esgotar, terem os
que flutuar para o espaço longínquo, im pelidos pela força
centrífuga - não o perm ita Deus! - ou então voaremos im edia­
tam ente para o astro central, movidos pela força centrípeta, e
quanto m ais cedo chegar esse glorioso final da existência,
m elhor para nós. Com A gostinho, eu diria: “Todas as coisas
são atraídas para o seu próprio centro. Sê Tu o C entro do
m eu coração, ó D eus, m inha Luz, m eu único A m or!”
O sol é um corpo enorm e. Ele foi m edido, mas acho que
não vou sobrecarregá-los de algarism os, desde que estes não
lhes com unicam a idéia adequada do tam an h o real dele.
Baste-nos dizer que, se a terra e a lua fossem postas dentro do
sol, haveria bastante espaço para elas continuarem girando
em suas órbitas justam ente como estão fazendo agora; e não
haveria tem or de chocar-se contra a crosta externa do sol, que
para elas representaria os céus.
Leva quase oito m inutos para a luz alcançar-nos desde o
sol. Podemos avaliar a velocidade que a luz desenvolve quando
refletim os em que um a bala de canhão, m ovendo-se com a
m aior rapidez possível, levaria sete anos para chegar lá, e em
que um trem viajando a cinqüenta quilôm etros por hora em
m édia, não parando nunca para reabastecim ento ou descanso,
exigiria mais de trezentos e cinqüenta anos para alcançá-lo.
Assim vocês podem form ar um a ligeira idéia da distância a
que estamos do sol; e isso, penso eu, dá-nos um a boa ilustração
da fé. Não há um hom em que possa saber que o sol existe, a
não ser pela fé. Que ele existia há oito m inutos eu sei, porque
eis aqui um raio de luz que acabou de chegar vindo dele, e ele
m e disse isso. Mas não posso estar certo de que ele exista neste
m o m ento. H á algum as das estrelas fixas que estão a tão
enorm e distância da terra, que u m raio de luz delas leva
centenas de anos para chegar até nós, e, pelo que sabemos,
p o dem estar extintas de há m uito. Todavia, nós ainda as
registram os em nosso mapa dos céus, e as podem os m anter
ali som ente pela fé, pois, assim como “pela fé entendem os que
os m undos pela palavra de D eus foram criados”, assim é
so m ente pela fé que sabem os que q u alq u er delas existe.
Q uando exam inam os de perto esta questão, vemos que os
nossos olhos e todas as nossas faculdades e sentidos não são
suficientes para dar-nos convicção positiva quanto a estes
corpos celestes. Portanto, temos que continuar exercendo fé.
A ssim é, em alto grau, nas questões espiritu ais; andam os
po r fé, e não por vista.
Que o sol tem m anchas na face é um fato que todos notam.
Exatam ente assim. E se vocês são sóis, até m uito brilhantes,
no entanto, se tiverem quaisquer m anchas em vocês, verão
que o povo será m uito rápido em notá-las e em cham ar a
atenção para elas. M uitas vezes se fala mais das m anchas do
sol do que da sua superfície lum inosa. D o m esm o m odo,
m ais se d irá das m anchas e im perfeições que os hom ens
descubram em nosso caráter do que de quaisquer virtudes
que vejam em nós. D urante algum tem po se afirm ou que não
havia m anchas ou pintas de n enhum tipo no sol.
M uitos astrônom os, com o auxílio do telescópio, como
tam bém sem ele, descobriram esses defeitos e sinais na face do
sol. T odavia lh es a ssev eraram h o m e n s que d ev iam te r
conhecim ento, a saber, os reverendos Pais da Igreja, que era
im possível haver um a tal coisa.
O livro que citei an terio rm en te diz: “ Sobre Scheiner,
jesuíta alem ão, relatando a prova dos seus sentidos a um
superior provincial, este recusou-se positivam ente a acredi­
tar nele. “E u li”, disse ele, “os escritos de A ristóteles de ponta
a ponta m uitas vezes, e posso assegurar-lhe que em nenhum a
p arte deles encontrei qualquer coisa parecida com o que
você m enciona. Vá, m eu filho, e tranqüilize-se. Esteja certo
de que o que você tom a por m anchas solares são defeitos dos
seus óculos ou dos seus olhos.” Assim, irm ãos, conhecem os a
força do fanatism o, e como os hom ens não verão o que é
perfeitam ente claro para nós, e como, ainda quando se lhes
apresentem os fatos, não podem ser levados a crer neles, mas
os atrib u irão a tudo, m enos à pura verdade. Receio que a
p ró p ria P alav ra de D eus m u ita s vezes tem sido tra ta d a
ex atam en te desse m odo. V erdades clara e p o sitiv am en te
reveladas ali, são negadas a trev id am en te, p o rq u e sucede
q u e n ão se e n q u a d ra m nas p re c o n c e b id a s te o ria s dos
incrédulos.
Tem havido grande núm ero de tentativas para explicar o
que seriam realm ente as m anchas solares. D iz um a teoria que
o astro solar é circundado por um a atmosfera lum inosa, e que
as m anchas são espaços abertos nessa atm osfera, através dos
quais vemos a superfície sólida do sol. Não posso ver razão
nenhum a por que essa teoria não deva constituir a verdade. E,
se assim é, parece-me que ela explica o prim eiro capítulo de
Gênesis, onde se nos diz que D eus criou a luz no prim eiro dia,
em bora não tenha feito o sol até ao quarto dia. Não teria Ele
feito prim eiro a luz, e depois tom ou o sol, que aliás poderia ter
sido u m m u n d o escuro, e colocou nele a lu z com o um a
atm osfera lu m in o sa? As duas coisas bem que p o d eriam
encaixar um a na outra. E se estas m anchas são realm ente
aberturas na atm osfera lum inosa pelas quais vemos a escura
superfície do sol, são adm iráveis ilustrações das m anchas que
os hom ens vêem em nós. Somos vestidos de santidade como
de um a roupagem de luz; porém aqui e ali, há fendas pelas
quais os observadores podem enxergar o corpo escuro da
depravação natural que ainda existe nos m elhores de nós.
E coisa perigosa olhar para o sol com os olhos despro­
tegidos. A lguns se aventuraram a olhar para ele com óculos
não coloridos, e ficaram cegos. H ouve diversos casos de
pessoas que inadvertidam ente negligenciaram o uso de um
tipo apropriado de óculos antes de girar o telescópio para o
sol, e ficaram cegas. Isso ilustra a nossa necessidade de um
M ediador, e como é necessário ver a D eus por m eio de Cristo
Jesus, nosso Senhor; de outra form a, a excessiva glória da
D eidade poderia destru ir-n o s com pletam ente a faculdade
de ver a Deus.
A respeito do efeito do sol sobre a terra não me dem ora­
rei agora, pois isso talvez pertença mais a o u tro ram o da
ciência do que à astronom ia. Bastará dizer que às vezes as
plantas crescem sem sol, como talvez vocês as tenham visto
n u m porão escuro; mas como elas são descoradas quando
vivem em tais circunstâncias! Im aginem a enorm e satisfação
com que H um b o ld t en tro u na grande caverna subterrânea
cham ada Cueva dei G uacharo, no distrito de Caracas! É um a
caverna hab itad a por aves n o tu rn as frutív o ras, e o que o
grande naturalista viu foi isto: “ Sem entes, levadas pelas aves
para os seus filhotes, e caídas no solo, tin h am germ inado,
produzindo hastes altas, esbranquiçadas, espectrais, cobertas
de folhas não desenvolvidas inteiram ente; mas era im possí­
vel reconhecer-lhes as espécies, dada a m udança na form a, na
cor, no aspecto, que a ausência de luz ocasionara. Os índios
nativos fitavam esses traços de organização imperfeita com um
m isto de c u rio sid ad e e m edo, com o se fossem pálidos e
desfigurados fantasm as banidos da face da terra”.
Assim , irm ãos, im aginem o que eu e vocês seriam os sem
a luz do sem blante de D eus. Pensem num a igreja crescendo,
como crescem algumas igrejas, sem nenhum a luz do céu, um a
caverna cheia de pássaros estranhos e vegetação descorada. Que
lugar terrível para alguém visitar! H á um a “gruta” dessas em
Roma, e outras há em várias partes da terra; mas ai daqueles
que vão residir nessas covas funestas!
Que m aravilhoso efeito a luz do sem blante de D eus tem
sobre os hom ens que têm em si a vida divina, porém que têm
vivido na escuridão! Viajantes nos contam que, nas vastas
florestas do Amazonas e do O rinoco, pode-se ver às vezes, em
grande escala, a influência da luz na coloração das plantas
quando os brotos das folhas estão se desenvolvendo. U m deles
diz: “N uvens e chuvas às vezes obscurecem a atm osfera por
vários dias seguidos, e, durante esse tem po os brotos se expan­
dem torn an d o -se folhas. M as essas folhas têm tonalidade
pálida, até aparecer o sol, quando, em poucas horas de céu
lím pido e esplêndida luz solar, a sua cor m uda para um verde
vivido. Conta-se que, durante vinte dias de tem po escuro e
nebuloso, não aparecendo o sol nenhum a vez, as folhas se
ex p an d iram , chegando ao seu tam an h o n o rm al m áxim o,
contudo eram quase brancas. Certa m anhã, o sol começou a
b rilh ar em todo o seu fulgor, quando o colorido da floresta
m u d o u tão rapidam ente, que se podia observar palpavel­
m ente o seu progresso. Lá pelo meio da tarde, o conjunto todo,
p or m uitos quilôm etros, apresentava a roupagem habitual
de verão”.
Essa é um a bela ilustração, parece-m e, que não requer
preâm bulo; vocês podem fazer por conta própria aplicação
dela a respeito do Senhor Jesus. Como conta o Dr. Watts:

“Se na mais negra sombra Ele aparece,


a minha aurora então começa.
Ele é a minha suave Estrela da Alva,
e o sol nascente da minha alma”.

D aí começamos a vestir toda espécie de beleza, como as


folhas são coloridas pelos raios do sol. Devem os cada átom o
de cor presente em qualquer das nossas virtudes, e cada vestí­
gio de sabor que há em qualquer dos nossos frutos, àqueles
fulgentes raios solares que jorram sobre nós provenientes do
Sol da Justiça, que traz m uitas outras bênçãos sob as Suas asas,
além de vida e saúde.
Vocês podem observar nas flores do jardim o efeito do
sol sobre a vegetação. N o tem com o elas se v o ltam para
ele sem pre que podem ; o girassol, p o r exem plo, segue o
curso do sol como se fosse o próprio filho do sol, e olhasse
am orosam ente o rosto do pai. Tem aparência m uito sem e­
lhante à do sol, e eu acho que é porque ele gosta m uito de
voltar-se para o sol. As inum eráveis folhas de u m campo de
trevo inclinam -se para o sol. E todas as plantas, um as mais,
outras m enos, m ostram deferência para com a luz solar, à qual
são tão p ro fu n d am en te devedoras. Até as plantas de um a
estufa, vocês podem observar, crescem, não na direção que
vocês esperariam que crescessem, se quisessem calor, isto é,
rum o ao tubo de aquecim ento donde vem o calor, nem na
direção do local onde se perm ite m aior entrada de ar, mas, se
tiverem a m ínim a possibilidade de fazê-lo, enviarão sem pre
/

os seus ram os e as suas flores em direção ao sol. E como deve­


mos crescer, rum o ao Sol da Justiça. E para a saúde das nossas
almas que devemos volver os nossos rostos para o Sol, como
D aniel orava com as janelas abertas na direção de Jerusalém .
O nde está Jesus, ali está o nosso Sol; inclinem os constante­
m ente em direção a Ele todo o nosso ser.
Não' faz m uito tem po, topei com o seguinte caso extra­
o rd in ário do poder dos raios de luz transm itid o s pelo sol.
A lguns m ergulhadores estavam trabalhando no quebra-m ar
de P lym outh; estavam no fundo, com seu equipam ento de
m ergulho, dez m etros abaixo da superfície da água. Mas um
vidro convexo, na parte superior do equipam ento, concentrou
os raios do sol diretam ente sobre eles, e queim ou os seus
capuzes. Q uando li essa história, achei-a um a im p o rtan te
ilustração do poder existente no evangelho de nosso Senhor
Jesus Cristo. Alguns dos nossos ouvintes estão igualm ente
m ergulhados dez m etros abaixo da tona das águas do pecado,
se é que não estão num a profundidade maior. No entanto,
pela graça de D eus, ainda os faremos sentir o bendito poder
a rd e n te das v e rd a d e s q u e p re g a m o s, m esm o q u e não
consigam os pô-los todos em chamas com esta poderosa lente.
Irm ão, talvez você possuiu, quando m enino, um a lente, e
quando saía com um amigo que não sabia o que você levava;
no bolso, quando ele ficava tranqüilam ente sentado ao seu
lado, você tirava do bolso a lente e a m antinha por alguns
segundos acim a das costas da mão dele, até que ele sentia
algo m u ito qu en te ali. G osto do hom em que, ao pregar,
concentra os raios do evangelho num pecador até queimá-lo.
N ão disperse os raios de luz. Você pode m over a lente de m odo
que reflita difusam ente os raios, em vez de concentrá-los.
E n tretan to o m elhor meio de pregar é focalizar Jesus Cristo, o
Sol da Justiça, diretam ente no coração do pecador. E o m elhor
processo do m undo para pegá-lo. E se ele estiver dez m etros
debaixo d’água, esta lente ardente capacitará você a atingi-lo.
A única coisa que im porta é que você não use a sua própria
vela, em vez do Sol, pois aquela não cu m p rirá o m esm o
propósito.
V

As vezes o sol sofre eclipse, como sabem. A lua se interpõe


entre nós e o sol, e então não podem os ver o grande astro do
dia. Suponho que todos já vim os um eclipse total, e pode ser
que vejamos outro. E um a vista deveras interessante. Mas a
m im m e parece que as pessoas dão m uitíssim o mais atenção
ao sol quando está em eclipse do que quando ele está brilhando
com toda a claridade. Elas não ficam olhando para ele, dia
após dia, q u an d o ele lança os seus raios b rilh a n te s em
desnublada glória. Todavia, tão logo entra em eclipse, elas
saem aos m ilhares, com seus óculos especiais, e qualquer
garoto da rua tem um fragm ento de vidro fosco com o qual
observa o eclipse do sol.
A ssim , irm ãos, não acredito que o nosso Senhor Jesus
C risto algum a vez receba tanta atenção dos hom ens como
quando é exposto como o Salvador padecente, notoriam ente
crucificado entre eles. Q uando o grande eclipse cobriu o Sol
da Justiça, então todos os olhares se fixaram nE le, e eles
tiveram boa razão para fazer isso. Não deixem de falar aos
seus o u v in tes c o n tin u a m en te sobre o te rrív e l eclipse no
Calvário. M as im porta que tam bém lhes falem dos efeitos
desse eclipse, e que não haverá repetição daquele aconteci­
m ento estupendo.
“E ia! J á passou o eclipse solar;
E ia! Não vai mais sangue derramar!”

Falar de eclipses faz-me lem brar que há, no livro que


m e n c io n e i, um a n otável descrição de u m , feita p o r u m
correspondente que escreveu ao astrônom o Halley. Ele se
postou no M onte Haradow, perto do extrem o leste da avenida
de S to n eh en g e, local m agnífico para observação, e dali
observou o eclipse. A respeito daquilo ele diz: “Estávam os
ag o ra e n v o lto s n u m a esc u rid ã o to ta l e p a lp áv el, se me
perm ite a expressão. Veio rapidam ente, mas eu observava tão
atentam ente, que pude perceber o seu progresso. Sobreveio
como um grande m anto negro atirado sobre nós, ou como
um a cortina puxada desse lado. Os cavalos, que segurávamos
pelos freios, pareciam intensam ente im pressionados com o
fenôm eno, e se apertavam junto de nós com sinais de extrem a
surpresa. Q uanto pude perceber, os sem blantes dos m eus
am igos tin h a m u m aspecto h o rrív e l. N ão foi sem um a
involuntária exclamação de espanto que eu olhei em torno
de m im naquele m om ento. Foi a mais terrível vista que jamais
contem plei em m inha vida”.
Assim, suponho, deve ser na esfera espiritual. Q uando o
Sol desse m undo grandioso sofreu eclipse, todos os hom ens
ficaram nas trevas; e quando alguma desonra sobrevêm à cruz
de Cristo, ou sobre o próprio Cristo, cada cristão fica em trevas
de horrível espécie. Não pode ficar na luz, se o seu Senhor e
M estre está na obscuridade.
U m observador descreve o que viu na Á ustria, onde,
p arece, todos fizeram do eclipse ocasião para feriad o , e
ru m a ra m ju n to s para a plan ície com diversos m odos de
observar a vista m aravilhosa. D iz esse escritor: “O fenôm eno,
em sua m a g n ific ê n c ia , triu n fo u so b re a p e tu lâ n c ia da
ju v en tu d e, sobre a leviandade que algum as pessoas assu­
m em como sinal de superioridade, sobre a ruidosa indiferença
da qual os soldados geralm ente fazem profissão. R einava
tam bém no ar um a profunda quietude; os pássaros tin h am
parado de cantar”. A coisa mais curiosa é que, em Londres,
depois de um eclipse, quando os galos viram o sol to rn ar a
brilhar, puseram -se a cantar, como se pensassem alegrem ente
que o dia rom pera a escuridão da noite.
E n tre ta n to , parece que nem sem p re este fen ô m en o
m aravilhoso atraiu a atenção das pessoas que possam tê-lo
testem unhado. D iz a história que, um a ocasião, travava-se
um a batalha, creio que na Grécia, e, durante o seu desenro­
lar, sobreveio u m eclipse to tal do sol. M as os guerreiros
p ro sseguiram na lu ta; na verdade, nem n o taram a ex tra­
o rd in á ria ocorrência. Isso m ostra com o as paixões fortes
p o d em fazer-nos esquecer as circ u n stâ n c ias p ró x im as, e
tam bém nos ensina como as ocupações de u m hom em na
terra podem fazê-lo esquecido de tudo quanto se expande nos
céus. Lem os, agora há pouco, de como aqueles cavalos que
estavam ociosos na planície de Salisbury trem eram durante o
eclipse. Mas outro escritor nos diz que os cavalos da Itália,
ocupados em p u x ar carruagens, não parecem te r dado a
m ín im a a ten ç ã o ao fen ô m en o , p o ré m c o n tin u a ra m seu
cam inho do mesmo jeito de sempre. Igualm ente, as ocupa­
ções de um m undano são por natureza tão absorventes, que o
im pedem de sentir as emoções sentidas po r outros hom ens,
cujas m entes têm m aior liberdade para m editar nelas.
E ncontrei um a bela história sobre um eclipse, que p ro ­
vavelm ente vocês gostarão de ouvir. U m a pobre garotinha,
p ertencente à com una de Sièyes, nos Baixos Alpes, estava
guiando o seu rebanho pela encosta da m ontanha às seis horas
da m anhã de um brilhante dia de verão. O sol nascera, e estava
dissipando os vapores da noite, e todos pensavam que seria
u m belo dia sem nuvens. M as gradativam ente a luz foi-se
apagando, até desaparecer por completo o sol, e u m globo negro
tom ou o lugar do disco resplandecente, enquanto que o ar
se esfriou, e um a escuridão m isteriosa pervagou a região toda.
A criança ficou tão aterrorizada com a circunstância, que
certam ente era anômala, que começou a chorar, e pediu socorro
aos gritos. Os seus pais e outros amigos que vieram a seu
cham ado, nada sabiam de eclipse, e tam bém ficaram atu rd i­
dos e alarmados. Seja como for, procuraram consolá-la o m elhor
que puderam . D epois de breve lapso de tem po, a escuridão
desapareceu da face do sol, e ele brilhou como antes. Então a
m enina g ritou bem alto, no patois (ou lin g u ajar regional,
subdialeto) do distrito: “O belo sol” ! E bem que podia fazê-lo.
Q uando li a história, pensei que, quando o m eu coração tinha
sofrido eclipse, e a presença de Cristo se tinha ido por um pouco
e depois tinha voltado, quão belo me pareceu o Sol, ainda mais
b rilh ante e lindo do que antes da escuridão tem porária. Jesus
pareceu-m e b rilh ar sobre m im com luz m ais fulgente do que
nunca antes, e m inha alma gritou em êxtase de encantam ento:
“Ó belo Sol da Justiça!”
Acha que esta história deve encerrar as nossas ilustrações
derivadas do sol, pois tam bém querem os aprender tudo que
puderm os dos seus planetas, e, se querem os visitá-los todos,
tem os que viajar para longe, e tam bém depressa.
O planeta m ais próxim o, que faz a sua revolução em torno
do sol, é MERCÚRIO, que está a cerca de 59.000.000 de
quilôm etros do grande lum inar. Portanto, M ercúrio recebe
m uito m aior porção de luz e calor do sol do que a que nos vem
à terra. A credita-se que, mesmo nos pólos de M ercúrio, a água
sem pre ferveria; isto é, se o planeta fosse constituído como
este m undo. N enhum de nós teria a m enor possibilidade de
viver lá; mas isso não é razão por que outros indivíduos não o
possam , pois D eus poderia criar algumas das Suas criaturas
para viverem em pleno fogo, justam ente como criou outras
para viverem fora dele. N ão ten h o dúvida de que, se há
habitantes lá, eles gostam do calor. N um sentido espiritual, de
qualquer form a, sabemos que os hom ens que vivem perto de
Jesus habitam nas chamas divinas do amor.
M ercúrio é u m planeta relativam ente pequeno; o seu
diâm etro é de cerca de 4.800 quilôm etros, ao passo que o da
terra, no Equador, é de 12.756 quilôm etros. M ercúrio move-
-se ao redor do sol em oitenta e oito dias, viajando à razão de
quase 180.000 quilôm etros por hora, enquanto que a terra
p e rc o rre so m en te u n s 100.000 km no m esm o p e río d o .
Im aginem atravessar o A tlântico em cerca de dois ou três
m in u to s! É um a dem onstração da sabed o ria d iv in a que
M ercúrio parece ser o mais denso dos planetas. Vocês vêem, a
p arte da m áquina em que há a mais rápida rotação, e a m aior
fricção e pressão, deve ser feita do m aterial mais forte, a fim de
suportar a enorm e tensão do seu m ovim ento veloz e o grande
calor a que está sujeito.
Essa é um a ilustração de como D eus adapta cada hom em
para o seu lugar. Se Ele tenciona que eu seja M ercúrio - o
m ensageiro dos deuses, como lhe cham avam os antigos - e
que viaje velozm ente, dar-me-á força proporcional à m inha
jornada. N a form ação de cada planeta, adaptando-o à sua
posição peculiar, há um a esplêndida prova do p o d er e da
previdência de D eus; e de m aneira sim ilar, Ele equipa os
seres hum anos para a esfera que eles são cham ados a ocupar.
Gosto de ver em M ercúrio um retrato do servo de Deus
que é cheio de graça. M ercúrio está sem pre perto do sol; na
verdade, tão perto, que ele próprio raram ente é visto. Acho
que Copérnico disse que nunca o viu, apesar de tê-lo observado
por m uito tem po e com grande atenção, e lam entou p ro fu n ­
dam ente que tivesse de m orrer sem jam ais te r visto esse
planeta. O utros o viram , e foi um regalo e tanto para eles,
poderem observar as suas revoluções. M ercúrio norm alm ente
fica perdido nos raios solares; e é onde eu e vocês devemos
estar tão perto de Cristo, o Sol da Justiça, em nosso viver e em
nossa pregação, que as pessoas que estão tentando observar os
nossos m ovim entos m al possam ver-nos. O m oto de Paulo
deve ser o nosso: “Não eu, mas C risto”.
M ercúrio, tam bém , em conseqüência de estar tão perto
do sol, é notadam ente o menos com preendido de qualquer
dos planetas. Talvez seja o que tenha causado m ais problem as
aos astrônom os do que qualquer outro m em bro da fam ília
celeste. Os cientistas têm -lhe dado grande atenção, e têm
procurado descobrir tudo acerca dele. Mas a tarefa é difícil,
pois geralm ente ele está desaparecido na glória solar, e nunca
é visto num a porção escura dos céus. Assim, irm ãos, eu creio
que quanto mais perto de Cristo viverm os, m aior m istério
serem os para a hum anidade toda. Q uanto mais desaparecidos
em Seu fulgor, m enos capazes de com preender-nos serão os
hom ens. Se fôssemos sem pre o que deveríamos ser, os hom ens
veriam em nós um a ilustração do texto: “Estais m ortos, e a
vossa vida está escondida com Cristo em D eus”. A semelhança
de M ercúrio, tam bém devemos ser tão ativos na órbita a nós
designada, que não demos aos nossos observadores tem po
para ver-nos em nenhum a posição definida; e depois, deve­
mos estar tão absorvidos na glória da presença de Cristo, que
eles não consigam perceber-nos.
Q uando M ercúrio é visto da terra, nunca é visível em sua
lum inosidade, pois sua face está sem pre voltada para o sol.
Receio que, sem pre que somos m uito vistos, norm alm ente só
aparecem os como pontos escuros; quando o pregador é m uito
proem inente num sermão, sem pre há escuridão. Eu gostaria
que a pregação do evangelho fosse totalm ente Cristo, o Sol da
Justiça, sem nenhum ponto negro; nada de nós, mas tudo do
Senhor Jesus. Se houver quaisquer habitantes em M ercúrio, o
sol deve parecer-lhes quatro ou cinco vezes m aior do que nos
parece; seu brilho seria insuportável aos nossos olhos. Seria
um a vista deveras esplêndida, se alguém pudesse contem plá-
-la. A ssim , q uanto m ais perto de C risto chegarm os, m ais
verem os dEle, e mais Ele crescerá em nossa estima.
O p la n e ta que vam os c o n s id e ra r após M e rc ú rio é
VÊNUS. Está cerca de 108.000.000 de quilôm etros do sol, e é
pouco m enor do que a terra, sendo o seu diâm etro 12.300
quilôm etros, com parados com os nossos 12.756 K m . Vênus
gira ao redor do sol em 225 dias, viajando à razão de 128.000
K m p o r h o ra , ap ro x im a d am en te . Q u an d o o sistem a de
astronom ia de C opérnico foi lançado ao m undo, um a das
objeções que sofreu foi exposta assim: “E claro que V ênus não
gira ao redor do sol porque, se girasse, teria que apresentar os
m esm os aspectos da lua, a saber, às vezes teria que ser cres­
cente, às vezes como meia-lua, ou deveria assum ir a forma
conhecida como corcovada, e às vezes deveria aparecer na forma
de um círculo com pleto. M as”, disse o oponente, apontando
para V ênus, “esse planeta tem sem pre o mesm o porte; olhem
para ele, não é nada parecido com a lu a .” Essa era um a
dificuldade que alguns dos astrônom os m ais antigos não
puderam explicar, porém , quando Galileu girou o seu recém-
-fabricado telescópio para o planeta, o que descobriu? O ra,
que Vênus passa por fases sem elhantes às da lua! N em sem pre
podem os ver a totalidade do planeta ilum inado, mas suponho
que é certo que a luz de Vênus sem pre nos parece quase a
mesm a. N um instante você perceberá por quê. Q uando a face
do planeta está voltada para nós, ele está no ponto de m aior
distância da terra. C onseqüentem ente, a luz que chega até
nós não é m aior do que quando ele está mais perto, entretanto
tem a sua face, ao m enos parcialm ente, voltada para fora do
nosso alcance. Em m inha opinião, os dois fatos são perfei­
tam en te reconciliáveis. E assim é, creio eu, com algum as
d o u trin a s da graça que deixam perplexas certas pessoas.
D izem elas: “Como é que você pode harm onizar estas duas
coisas?” Respondo: “Não sei se tenho a obrigação de provar
como elas se harm onizam . Se D eus tivesse me dito, eu lhe
diria. M as, como Ele não o fez, tenho que deixar a questão no
ponto em que a Bíblia a deixa.” Posso não ter descoberto a
explicação de q u alq u er ap aren te diferença e n tre as duas
verdades, e, todavia, com tudo isso, as duas coisas podem ser
perfeitam ente coerentes um a com a outra.
V ênus é tanto a estrela da m anhã como “a estrela do
an oitecer, belíssim a estrela” . Tem sido cham ado L úcifer,
Fósforo - o que porta luz - e tam bém H ésper - a estrela
vespertina. Talvez, irm ãos, vocês se lem brem de como M ilton,
em ParadiseLost (Paraíso Perdido), se refere a este duplo caráter
e ofício de Vênus:

“Astro, o mais belo, ao fim do cortejo noturno,


se é que mais não pertences ao albor da aurora;
penhor do dia, coroas a manhã ridente
com teu disco fulgente; em tua esfera louva-o,
enquanto surge o dia, doce hora de vida”.

O nosso Senhor Jesus Cristo denom ina-Se a Si próprio,


“a b rilhante estrela da m anhã” . Toda vez que Ele vem a um a
alm a, Ele é o seguro precursor daquela luz eterna que nunca
mais desaparecerá, para sempre. Agora que este Jesus, o Sol
da Ju stiç a , saiu do raio de visão do hom em , eu e vocês
devemos ser como estrelas do anoitecer, m antendo-nos tão
perto quanto possível daquele grande SOL central, e fazendo
que o m u n d o saiba com que Jesus Se parece, p o r nossa
sem elhança com Ele. Não disse Ele aos Seus discípulos: “Vós
sois a luz do m u n d o ”?
O próxim o pequeno planeta a ser considerado, o qual
gira em torno do sol, é a TERRA. A sua distância do sol varia
de cerca de 148 m ilhões a 152 m ilhões de quilôm etros. Não se
desanim em , cavalheiros, em suas esperanças de chegar ao sol,
porque vocês não se acham tão longe dele como os habitantes
de Saturno. Se existem m oradores lá, eles estão quase dez vezes
mais longe do sol do que nós. Todavia, não suponho que vocês
algum a vez tom arão assento no ígneo carro de Febo, o sol; ao
m enos, não em vosso presente estado encarnado; é lugar
quente dem ais para vocês se sentirem à vontade ali.
A te rra é pouco m a io r do que V ênus, e leva m u ito
m ais tem po para dar volta ao Sol - doze meses de jornada, ou,
falando em term os exatos, 365 dias, 6 horas, 9 m inutos e 10
segundos. Este m undo é um negócio que anda devagar; e
receio que visa m enos à glória de D eus do que qualquer outro
m u ndo que Ele tenha criado. Não o tenho visto de longe; mas
desconfio que jamais brilha tão fulgentem ente como Vênus,
p ois, pelo pecado, um a nuvem de escuridão o envolveu.
Suponho que, nos dias milenários, a cortina será afastada, um a
luz será lançada sobre a terra, e então ela brilhará para a glória
de D eus, como as suas estrelas irm ãs, que nunca perderam o
seu prístin o brilho. Acho que já existem algum as cortinas
afastadas; cada sermão, repleto de Cristo, que pregam os, faz
rolar para longe um a parte das névoas e das obscuridades da
superfície do planeta; de qualquer forma, m oral e espiritual­
m ente, se não quanto aos fenôm enos naturais.
A d em ais, irm ão s, em bora a te rra viaje le n ta m e n te ,
quando com parada com M ercúrio e V ênus, todavia, como
disse Galileu, ela se move, e em velocidade m uito boa, também.
O u so d iz e r q u e, se vocês tiv essem que c a m in h a r v in te
m inutos, e nada soubessem da velocidade com que a terra
está viajando, ficariam surpresos se eu lhes garantisse que
n aq u ele c u rto espaço vocês p e rc o rre ra m m ais de 30.000
quilôm etros; mas seria u m fato. Este livro (de M ilner), que já
nos deu m u ita inform ação ú til, diz: “E u m p en sam en to
verdadeiram ente espantoso que, “despertos ou dorm indo, em
casa ou fora”, somos constantem ente transportados em rotação
com a massa terrestre à razão de mais de dezessete quilôm e­
tros por m inuto, e, ao mesmo tem po, estamos viajando com
ela pelo espaço com um a velocidade de 106.000 K m por hora,
A ss im , d u r a n te os v in te m in u to s c o n s u m id o s n u m a
cam inhada de um quilôm etro e meio desde a nossa porta,
som os s ile n c io s a m e n te c o n d u z id o s m ais de tr in ta m il
quilôm etros de um a parte do espaço a outra; e, durante um a
noite de oito horas de repouso, ou virando-nos para cá e para
lá, som os in co n scien tem en te trasladado s através de um a
extensão igual a duas vezes a distância do m undo lu n a r”.
N ão notam os nem um pouco esse m ovim ento, e assim é
que coisas pequenas, que estão perto e são tangíveis, m uitas
vezes parecem mais notáveis do que coisas grandiosas que
estão mais longe. Este m undo causa aos hom ens im pressão
m uito mais forte do que a que o m undo por vir jamais causou,
p o rq u e o lh am som ente as coisas que se vêem e que são
tem porais, “M as”, talvez vocês digam , “nós não sentim os que
nos estamos m ovendo.” Não, porém estão, embora não tenham
consciência disso. Assim, penso que às vezes, quando um crente
em C risto não se sente progredir nas coisas espirituais, não se
aflija por isso; não estou certo de que aqueles que im aginam
que estão crescendo espiritualm ente o estejam de fato. Talvez
estejam apenas fazendo crescer um câncer em algum a parte, e
as suas fibras m ortais os levam a fantasiar que há crescim ento
d e n tro deles. H á crescim en to , sim , in felizm en te! M as é
crescim ento para destruição.
Q uando um hom em se julga um cristão p le n am en te
desenvolvido, lem bra-m e um pobre rapaz que eu via costu-
meiram ente. Tinha ele uma tão enorm e cabeça para o seu corpo,
que m uitas vezes tinha que pousá-la num travesseiro, pois ela
era pesada demais para os seus om bros carregarem , e sua mãe
me disse que, quando ele tentava levantar-se, freqüentem ente
tom bava, desequilibrado por sua pesada cabeça. H á alguns que
parecem crescer m uito depressa, mas têm água no crânio, e
são desproporcionados. Todavia, aquele que verdadeiram ente
cresce na graça, não diz: “Valha-me Deus! Posso sentir que
estou crescendo; bendito seja o Senhor! Cantemos o hino: “Eu
cresço! Eu cresço!” Às vezes eu achava que estava decrescendo,
irm ãos. Acho isso m uito possível, e bom , tam bém . Se somos
m uito grandes em nossa própria estim a, é porque tem os vários
cânceres, ou abscessos m alignos, que precisam ser lancetados,
de m odo que seja expelida a m atéria má que nos faz gabar-nos
da nossa grandeza.
E boa coisa não sentirm os que nos movemos, pois, como
já lhes recordei, andam os por fé, não por vista. C ontudo, eu
sei que nós nos movemos, e estou persuadido de que voltarei,
logo que a revolução da terra o perm ita, a este exato ponto,
neste dia, daqui a doze meses. Se me estiverem olhando de
Saturno, irão enxergar-m e em algum ponto próxim o a este
m esm o local, a menos que o Senhor venha nesse ín terim , ou
me cham e para estar com Ele.
Se sentíssem os mover-se o m undo, provavelm ente seria
p o r haver algum a obstrução na estrada celeste; m as nos
m ovem os tão m acia, gen til e tra n q ü ila m e n te , que não o
percebem os. Creio que o crescim ento na graça tem grande
sem elhança com isso. U m bebê cresce, e, no entanto, não sabe
que cresce. A sem ente cresce inconscientem ente no solo. E
assim nos desenvolvem os na vida divina, até chegarm os à
p lenitude da estatura de hom ens em Cristo Jesus.
Servindo à terra está a LUA. Em acréscimo a seu dever
como um dos planetas que giram ao redor do sol, ela tem a
incum bência de servir à terra, prestando-lhe m uitos serviços
ú teis, e à noite ilum inando-a com o seu g rande holofote
refletor, de acordo com a ração de óleo de que disponha para
esparzir os seus raios sobre nós. A lua opera tam bém sobre a
terra com os seus poderes de atração; e como a água é a parte
mais móvel do nosso planeta, a lua a atrai para si, form ando
assim as m arés; e essas m arés ajudam o m undo todo a m anter-
-se em saudável movim ento; são-lhe um a espécie de seiva vital.
A lua sofre eclipses, às vezes com m uita freqüência, e muito
m ais vezes que o sol. E esse fenôm eno tem ocasionado m uito
terror. E n tre algumas tribos, um eclipse lun ar é ocasião para a
m aior angústia possível. Sir R. Schom berg descreve assim um
eclipse total da lua em Santo Dom ingo: “Eu fiquei sozinho no
alto do teto plano da casa em que eu m orava, observando o
p ro g resso do eclipse. F ig u re i na im agin ação a v iv id a e
extraordinária cena que um a vez testem unhei no in terio r da
G uiana, entre os índios ignorantes e supersticiosos, como eles
c o rria m para fora das suas choças q u an d o ch eg aram as
prim eiras notícias do eclipse, falavam atabalhoadam ente na
lín g ua deles, e, com gesticulações violentas, lançavam os
punhos cerrados em direção à lua. Quando, como nessa ocasião,
o disco estava c o m p le tam e n te eclip sad o , ro m p e ra m em
lam entos, e som briam ente se agacharam no chão, escondendo
os rostos entre as mãos. As m ulheres perm aneceram dentro de
suas choças, durante essa estranha cena. Q uando, brilhando
como um esplendente diam ante, a prim eira porção da lua, que
se desem baraçara da som bra, tornou-se visível, todos os olha­
res se voltaram para ela. Falavam uns aos outros com vozes
abafadas; mas as suas observações foram ficando cada vez mais
altas, e eles foram ab an d o n an d o a sua p o stu ra in clin ad a
conforme aumentava a luz. Q uando o disco brilhante anunciou
que o m onstro que queria extinguir a R ainha da N oite fora
subjugado, a grande alegria dos indígenas foi expressa com
aquela gritaria que, na quietude da noite, pode ser ouvida à
grande distância”.
A falta de fé causa o mais extraordinário pavor, e produz
os atos m ais ridículos. O hom em que crê que a lua, em bora
tem porariam ente oculta, voltará a brilhar, vê u m eclipse como
u m fenôm eno curioso, digno da sua atenção, e cheio de
interesse; porém o hom em que tem e realm ente que D eus está
apagando a luz da lua, e que nunca mais verá os seus fulgentes
raios, sente-se num estado de terrível abatim ento. Talvez aja
como agem os hindus e alguns africanos durante um eclipse.
Eles fazem soar velhos tam bores, e tocam cornetas de chifres
de bois, e fazem todo tipo de barulhos espantosos, para fazer o
dragão, que se supõe que tragou a lua, vomitá-la. Essa é a teoria
que eles têm de um eclipse, e agem de acordo com ela. Mas,
um a vez que conhecem os a verdade, e sabemos especialm ente
da gloriosa verdade de que “todas as coisas co n trib u e m
ju ntam ente para o bem daqueles que am am a D eus, daqueles
que são cham ados por seu d ecreto ”, não tem erem os que
n e n h u m dragão engula a lua, nem qualquer outra coisa que os
tem ores dos hom ens os façam imaginar. Se formos ignorantes
da verdade, cada evento que ocorrer, que poderia ser pro n ta e
com pletam ente explicado do ponto de vista de D eus, poderá
causar o m áxim o terror, e arrastar-nos, talvez, para as mais
selvagens loucuras.
O quarto planeta que irem os abordar, depois da terra, é
M ARTE, que g e ra lm e n te b rilh a com lu z a v erm elh a d a .
Costum ava-se pensar que a cor “de escudo verm elho san­
guíneo” de M arte era causada pela absorção dos raios solares,
mas essa idéia foi refutada, e agora se acredita que se deva à cor
do seu solo. D e acordo com a idéia anterior, u m hom em
raivoso, que é como M arte, o deus da guerra, deve ser u m que
absorveu todas as cores para seu próprio uso, e só m ostra os
raios verm elhos às demais pessoas; ao passo que a noção mais
m oderna, de que o solo do planeta lhe dá sua cor distintiva,
ensina-nos que, onde houver um a natureza feroz, haverá um a
exibição g uerreira, a m enos que ela seja re strin g id a pela
graça. M arte está a cerca de 229.000.000 de quilôm etros do
sol. E m uito m enor do que a nossa terra, sendo o seu diâm etro
eq u atorial 6.750 quilôm etros. V iajando à razão de 93.000
quilôm etros por hora, leva 687 dias para com pletar a sua
translação ao redor do sol.
E ntre as órbitas de M arte e Júpiter, há um a am pla zona
em que, durante m uitos séculos, não se via n en h u m planeta.
Mas os astrônom os diziam dentro de si: “Certam ente tem que
haver um a coisa ou outra entre M arte e Júpiter”. Não puderam
e n c o n tra r g ran d e p lanetas. M as, com o os telescó p io s se
tornaram maiores e mais poderosos, observaram que havia
grande núm ero de ASTERÓIDES ou PLANETÓIDES, como
alguns os denom inam . Não sei quantos são, pois se asseme­
lh a m às fam ílias de alguns dos nossos irm ão s, as quais
crescem diariam ente. Já foram descobertos algum as centenas
deles, e, com o auxílio da fotografia telescópica, podem os
e sp erar o u v ir da d escoberta de m u ito m ais. O p rim e iro
asteróide foi identificado no prim eiro dia do presente século,
e recebeu o nom e de Ceres. M uitos deles foram denom inados
com n om es m ito ló g ico s fe m in in o s, su p o n h o p o r serem
planetas m enores, e é considerado galante dar-lhes nom es
de dam as. Parecem variar de 4 a 770 quilôm etros de diâ­
m etro. E m uitos acham que eles são fragm entos de algum
planeta que fazia a sua translação entre M arte e Júpiter, o qual
explodiu e se despedaçou, num a ruína completa.
Aquelas pedras meteóricas que às vezes caem na terra, mas
que m uito mais freqüentem ente, em certas estações do ano,
são vistas cruzando o céu da m eia-noite, tam bém podem ser
fragm entos do m undo, m encionado acima, que pereceu. Seja
com o for, d esd e que os p ais d o rm ira m , as co isas não
continuaram sendo o que eram ; houve m udanças no m undo
estelar que prenunciam aos hom ens que outras m udanças
ocorrerão ainda. Esses blocos de m atéria m eteórica estão
voando pelo espaço, e quando chegam ao alcance da nossa
atm osfera, e n co n tram um m eio antagônico; eles têm que
im pulsionar-se através dele com enorm e rapidez, razão por
que ficam incandescentes de calor, e assim ficam visíveis. E,
de m aneira sem elhante, creio que existe grande abundância
de bons hom ens no m undo que são invisíveis enquanto não
sofrem oposição e, sofrendo oposição, tendo o am or de D eus a
im pulsioná-los com trem endo ímpeto, ficam em brasa de santo
fervor, dom inam toda a oposição, e então se tornam visíveis
aos olhos da hum anidade. De m inha parte, prefiro passar por
u m meio hostil. Creio que todos nós querem os viajar naquela
espécie de atm o sfera, que nos dê a fricção sagrada que
desenvolverá plenam ente os poderes a nós confiados. Se D eus
nos deu força, não nos será m au sermos colocados onde há
oposição, porque não seremos detidos por ela, porém esse
m esm o processo nos fará b rilh ar com m uito m aior fulgor
como luzes do m undo.
P a ra lá do espaço o cu p ad o p elo s a ste ró id e s está o
m agnificente planeta JÚPITER, a estrela mais b rilh an te das
que vimos, exceto Vênus. E ntretanto, está m uito, m uito longe.
Sua m enor distância do sol é aproxim adam ente 779.000.000
de quilôm etros; isto é, acima de cinco vezes a distância em
que estam os. M esm o aqui, estam os tão longe que m uitas
vezes não vem os o sol; m as Jú p ite r está cinco vezes m ais
distante do sol, e isso requer dele 4.333 dias, ou quase doze
anos terrestres, para dar volta ao grande luzeiro, viajando na
velocidade de quase 44.000 quilôm etros p o r hora. A razão
pela qual J ú p ite r é tão b rilh a n te é, em parte, seu grande
tam anho, pois tem perto de 145.000 K m de diâm etro, ao passo
que o da terra não chega a 13.000 K m ; e tam bém pode ser
em parte porque a sua constituição é m elhor para refletir a
luz, ou senão, àquela distância, a sua m agnitude de nada lhe
valeria. E , irm ãos, se eu e vocês fôssemos postos em p o si­
ções difíceis, onde parecêssemos incapazes de b rilh ar para a
g ló ria de D e u s, d e v e ría m o s p e d ir ao S e n h o r q ue nos
constituísse de modo que pudéssem os refletir m elhor o Seu
brilho, e produzir assim efeitos tão bons como os de nossos
irm ãos colocados em posições mais favoráveis.
Jú p ite r é assistido por quatro luas.* Estes satélites foram
descobertos logo depois da invenção do telescópio; todavia,
havia várias pessoas que não acreditavam na existência deles,
e um dos nossos bem conhecidos, os jesuítas, era o mais vigoroso
em sua determ inação de que nunca, por processo algum , se
convenceria daquilo que outros sabiam ser um fato. Pediram -
-lhe que olhasse por u m telescópio a fim de ver que era
realm ente assim. N o entanto ele declinou porque, disse ele, se
o fizesse, talvez fosse obrigado a crer nisso, e, como não dese­
java crer, recusava-se a olhar. Acaso não há alguns que agem
desse m odo para com as verdades da revelação? Algum tem po
m ais ta rd e o jesu íta caiu sob as iras do bom K epler, e,
convencido de que laborava em erro, visitou o astrônom o e
lhe pediu perdão. K epler disse que o perdoaria, mas teria
que infligir-lhe um a penitência. “Qual será?” perguntou ele.
“Ora”, disse Kepler, “você tem que olhar por aquele telescópio.”
Esse era talvez o m ais horrível castigo que o jesuíta poderia
receber, pois, quando olhou pelo instrum ento, foi obrigado a

* “Em setembro de 1892 um quinto satélite foi descoberto graças ao grande


telescópio do Observatório Lick, no M onte H am ilton, Califórnia.” -The
Voices ofthe Stars, de J. E. Walker, M. A. Elliot Stock.
Júpiter “possui doze satélites”, apudNouveau Petit Larousse en Couleurs, ed.,
de 1968. Nota do Tradutor.
dizer que viu o que anteriorm ente negara, e foi obrigado a
expressar a sua convicção da veracidade do ensinam ento do
astrônom o. Assim, às vezes, fazer um hom em ver a verdade
é-lhe severíssima penalidade. Se ele não quiser vê-la, é boa
coisa compeli-lo a olhar para ela. H á m uitíssim os irm ãos que
não são jesuítas e que, todavia, não desejam conhecer a ver­
dade completa. Mas espero, irm ãos, que eu e vocês sem pre
desejem os a p re n d e r tu d o que o S enhor rev elo u em Sua
Palavra.
Eis o argum ento de Sizzi, astrônom o um tanto notável,
que tentou provar que as luas de Júpiter não podiam existir.
Pergunto-m e se vocês podem ver a falácia dele: “H á sete janelas
dadas aos anim ais no dom icílio da cabeça, pelas quais o ar é
ad m itido ao tabernáculo do corpo para dar-lhe claridade,
aquecê-lo e nutri-lo; janelas que são as partes principais do
microcosm o, ou pequeno m undo - duas narinas, dois olhos,
dois ouvidos e um a boca. Assim, nos céus ou grande m undo, à
sem elhança do m icrocosm o, há dois astros favoráveis, Jú p iter
e V ênus, dois não propícios, M arte e Saturno; dois lum inares,
o sol e a lua; e a sós M ercúrio, indeciso e indiferente, dos quais,
e de m uitos outros fenôm enos da natureza, com o os sete
m etais, etc., que seria tedioso enum erar, deduzim os que o
núm ero de planetas é necessariam ente sete. Além disso, os
satélites são invisíveis a olho nu, e, portan to , não podem
exercer nenhum a influência sobre a terra, e, por conseguinte,
seriam inúteis, e, conseqüentem ente, não existem. Ademais,
tam bém os judeus e outras nações antigas, e os europeus
m odernos, adotaram a divisão da semana em sete dias, e deram
a estes os nom es dos sete planetas. O ra, se aum entarm os o
núm ero de planetas, todo este sistem a cai por terra”.
Irm ãos, acho que ouvi a mesm a espécie de argum ento
a p re s e n ta d o m u ita s vezes com re fe rê n c ia a q u e stõ e s
e s p ir itu a is ; is to é, u m a rg u m e n to b a se a d o em te o ria
apresentado contra fato com provado. M as os fatos sem pre
derrubam as teorias, no m undo inteiro. Só que, às vezes, leva
bom tempo para os fatos serem comprovados de modo absoluto.
É algo singular, e outro exemplo do poder e da sabedoria
de D eus, que, em bora os satélites de Júpiter estejam constan­
tem ente sofrendo eclipse, como é m uito natural, dada e a sua
rápida translação em torno dele, contudo, nunca ficam em
eclipse todos de um a vez. U m a lua pode en trar em eclipse, e
talvez outra, ou até três das quatro; mas sem pre fica um a a
b rilh a r; e, de m odo sem elhante, D eus n u n ca tira toda a
consolação do Seu povo de um a vez; sem pre fica u m raio de
luz para encorajá-lo.
H á m uito mais para aprender de Júpiter, porém , tendo-o
apresentado a vocês, deixarei que o exam inem pessoalm ente,
e extraiam dele tudo que puderem .
M u itís s im o além de J ú p ite r está S A T U R N O . E sse
respeitável planeta tem sido m uito caluniado, mas fico feliz
ao inform á-los de que ele não merece esse tratam ento. Ele está
a cerca de 1.430.000.000 de quilôm etros do sol. Pergunto-m e
se algum irm ão aqui, dotado de m ente larga, tem idéia do que
seja um m ilhão; não acho que tenha, e estou certo de que eu
não tenho. R equer grande quantidade de reflexão en ten d er o
que significa um m ilhão; mas com preender o que significa
u m m ilh ão de q u ilô m etro s, está co m p letam en te fora da
capacidade de apreensão m ental das pessoas. U m m ilhão de
pregos já seria um a coisa enorm e; p o rém u m m ilh ão de
quilôm etros! E aqui estamos falando, não de um m ilhão, mas
de m ais de u m b ilh ão , ou seja, m ais de m il m ilh õ es de
quilôm etros! Bem, renuncio a sequer pensar em entender o
que é isso, enquanto eu estiver neste estado finito. Ora, quando
vocês falam de u m bilhão e 430 m ilhões, poderiam tam bém
falar de um trilhão e tantos de um a vez; pois u m term o é
quase tão incom preensível quanto o outro; e, não obstante, dá
prazer lem brar que este vasto espaço é para o nosso grande
D eus apenas como a largura de um a mão, com parado com o
im ensurável universo que Ele criou.
E u disse que Saturno tem sido caluniado, e assim é. Vocês
sabem que temos em nossa língua inglesa a palavra “saturnine”
(saturnino) como descrição nada elogiosa de certos indivíduos.
Q uando um hom em é elogiado por ser m uito cordial e afável,
diz-se que ele é jovial, em alusão a Jove, ou Júpiter, o planeta
fulgentem ente brilhante; mas um a pessoa de tem peram ento
oposto é cham ada saturnina, porque se supõe que Saturno é
um planeta m elancólico, terrivelm ente lúgubre, e que as suas
influências são m alignas e funestas.
Se vocês leram algum dos livros astrológicos que eu tive
o prazer de estudar, terão visto que, se tivessem nascido sob a
influência de Saturno, quase igualm ente teriam nascido sob a
influência de satanás, pois vem a ser quase a m esm a coisa,
afinal. Supõe-se que esse planeta é um tipo de in d iv íd u o
m u ito lerdo, e seu sím bolo é o do chum bo. Todavia ele é
realm ente um personagem m uito ligeiro e cheio de vida. O
seu diâm etro é quase nove vezes m aior do que o da terra e,
conquanto o seu volum e seja igual a 746 m undos do tam anho
do nosso, o seu peso eqüivale a apenas 92 globos como o nosso
globo terráqueo. A densidade dos planetas parece d im in u ir
de acordo com a sua distância do sol, não num a proporção
regular, e sim ainda desse m odo, em grande m edida. E parece
não haver razão por que os que são mais rem otos, e viajam
len tam ente, devam ser tão densos como os que se acham
m ais perto do astro central, e giram mais rapidam ente ao
redor dele.
Este ú til volum e, do qual já lhes dei vários extratos, diz:
“P ortanto, em vez de afundar como chum bo nas potentes
águas, ele flutuaria sobre o líquido, se se pudesse achar um
oceano com suficiente capacidade para recebê-lo. Jo h n Goad,
o bem conhecido astro-m eteorologista, declarou que o planeta
não é o “sujeito plúm beo e de nariz azulado” que toda a
antigüidade cria que era, e o m undo ainda supunha. Mas a
outros com petia prová-la. D urante seis m il anos, pouco mais,
pouco m enos, Saturno ocultou as suas feições pessoais, a sua
in te re ssa n te fam ília e os seus acessórios - as m agníficas
dependências externas da sua casa - ao conhecim ento da
hum anidade. Entretanto foi apanhado, afinal, por um pequeno
tubo, apontado para ele desde um declive dos A peninos, cujo
m anipulador, invadindo a sua privacidade, não cuidou de
pedir licença, e não se considerou in tru so ”. Q uando aquele
“pequeno tu b o ” o focalizou, viu-se que ele era um planeta
e x tre m a m e n te b elo , um dos m ais v a ria d o s e dos m ais
m aravilhosos de todos os m undos planetários.
Tomem isso como um a ilustração da falsidade da calú­
n ia, e de com o algum as pessoas são m u ito d ifam adas e
conspurcadas porque as outras não as conhecem . N a verdade,
este planeta, que era tão desprezado, veio a ser um objeto
m uito form oso; e, em vez de ser m uito obscuro, e o que a pa­
lavra saturnino norm alm ente significa, é brilh an te e glorioso.
Tam bém Saturno não tem menos que oito luas* para escoltá-
-lo; e, em acréscimo, tem três anéis, que Tennyson canta nestes
versos:
“Ainda enquanto Satum o gira, sua sombra
em seus anéis fulgentes dorme”.

Saturno tem som ente um a centésim a parte da luz do


sol, com parada com a que recebem os; todavia, suponho, a
atm osfera poderia ser disposta de tal m odo que ele teria tanta
luz solar como a que tem os; mas mesm o que a atm osfera fosse
do mesmo tipo da nossa, Saturno ainda teria tanta luz como a
que tem os num nevoeiro londrino comum. Estou falando, é
claro, da luz do sol; porém não podem os falar do poder de
ilum inação que o Senhor pode ter posto no planeta mesmo.
Além disso, ele tem as suas oito luas, e os seus três fulgentes
anéis, cujo brilho não se pode im aginar ou descrever. Que há
de ser, contem plar um m aravilhoso arco de luz elevando-se à
altura de cerca de 60.000 quilôm etros acima do planeta, e

* Foram descobertos posteriormente mais 3 satélites. ApudAtlas Geográfico


Melhoramentos, 36‘ edição, e Larousse, ed. de 1968. Nota do Tradutor.
tendo a enorm e envergadura de aproxim adam ente 274.000
quilôm etros! Se vocês estivessem no equador de Saturno, só
veriam os anéis como um a estreita faixa de luz. M as se pudes­
sem v iajar para os pólos, veriam p o r cim a de vocês u m
tre m e n d o arco, re sp lan d e c en te de luz, com o algum dos
im e n so s re fle to re s que se vêem su sp e n so s em g ra n d e s
edifícios onde não podem receber suficiente luz solar. O refletor
ajuda a re u n ir os raios lum inosos e a lançá-los aonde são
necessários; e não tenho dúvida de que esses anéis funcio­
nam como refletores para Saturno. Deve ser um m aravilhoso
m undo onde viver, se é que há habitantes lá; têm com pensa­
ções que co b rem p le n a m e n te as suas d e sv an tag en s p o r
estarem tão longe do sol. Assim é no m undo espiritual; o que
o Senhor retira num a direção, Ele com pensa noutra. E os que
se acham m uito distanciados dos meios de graça, e dos p riv i­
légios cristãos, têm um a luz in terio r e um a alegria que outros,
com m aiores vantagens aparentes, quase poderiam invejar.
E xcúrsionando de novo pelos céus, m uitíssim o além de
S a tu rn o , chegam os a URANO, ou H ERSCH EL, com o é
cham ado às vezes, do astrônom o que o descobriu em 1781.
Crê-se que a m enor distância que separa U rano do sol é de
cerca de 2.870.000.000 de quilôm etros. D ou-lhes os algaris­
m os, m as n em eu nem vocês podem os te r a m ais ligeira
concepção da distância que eles representam. A um observador
postado em U rano, o sol provavelm ente pareceria apenas
u m rem oto ponto lum inoso; ainda, o planeta faz a sua rotação
em torno de 25.000 quilôm etros por hora, e leva perto de
oitenta e quatro dos nossos anos para com pletar um a jornada
em torno do sol. D iz-se que U rano tem volum e igual a setenta
e três a setenta e quatro terras, e que é assessorado por quatro
luas.* Não sei m uita coisa sobre U rano; portanto, não tenciono
falar m uito dele.
Isso pode servir como ilustração da lição de que um

* Mais uma foi depois descoberta. Id. Id. Nota do Tradutor.


hom em faria m elhor falando o m enos possível de um a coisa
da qual pouco sabe; e esta é um a lição que m uitas pessoas
precisam aprender. Por exem plo, há provavelm ente m ais
obras sobre o livro do Apocalipse do que sobre qualquer outra
parte das E scrituras, e, com exceção de apenas uns poucos,
não valem o papel em que foram im pressos. D epois, em
seguida ao livro do Apocalipse, nesta questão, vem o livro de
D aniel; e, porque é tão difícil de explicar, m uitos escreve­
ram sobre ele, contudo, de m odo geral, o resultado dos seus
escritos é que som ente se têm im pugnado e contradito uns aos
outros. Irm ãos, preguem os o que sabem os; e não falemos
nada daquilo de que somos ignorantes.
Percorrem os longo cam inho, pela im aginação, viajando
e ao planeta U rano, mas ainda não com pletam os a nossa ex­
cursão da tarde. Alguns astrônom os observaram que a órbita
de U rano às vezes se desviava do curso que eles tin h am m ar­
cado em seu mapa dos céus; e isso os convenceu de que havia
outro corpo planetário, não descoberto até então, que estava
exercendo invisível mas poderosa influência sobre U rano.
Este fato, que estes m undos enorm es, com tantos m ilhões
de quilôm etros de espaço entre eles, retardam ou aceleram os
m ovim entos uns dos outros, para m im é um a bela ilustração
da influência que eu e vocês temos sobre os nossos semelhantes.
Consciente ou inconscientem ente, ou im pedim os o progresso
de um hom em na vereda que leva a D eus, ou então apressamos
o seu avanço pelo cam inho que conduz ao céu. “N en h u m de
nós vive para si.”
Os astrônom os chegaram à conclusão de que tin h a que
existir outro planeta, anteriorm ente desconhecido para eles,
que estava perturbando o m ovim ento de U rano. D esconhe­
cidos um do outro, um inglês, o Sr. Adams, de Cam bridge, e
um francês, o Sr. Le Verrier, puseram -se a trab alh ar para
localizar a posição em que esperavam d esco b rir o corpo
celeste, e os seus cálculos lhes trouxeram resultados quase
id ê n tic o s. Q u an d o os telescópios foram a p o n tad o s para
aquela p a rte dos céus onde os astrô n o m o s m atem ático s
acreditavam que o planeta seria en co n trad o , ele foi logo
descoberto, b rilh an d o com luz de tom am arelo pálido, e
agora o conhecem os pelo nom e de NETUNO.
O volum e que tenho diante de m im , fala nestes term os
dos dois m étodos de achar-se um planeta, um pesquisador
em pregando o mais poderoso telescópio, e o outro fazendo
cálculos m atem áticos: “D etectar um planeta com os olhos, ou
rastreá-lo até sua localização com a m en te, são atos tão
incom ensuráveis como os dos poderes m usculares e in te ­
lectuais. Recostado em sua cômoda poltrona, o astrônom o
prático não tem mais que olhar pela abertura da sua cúpula
giratória para rastrear o astro peregrino em seu curso; ou,
pela aplicação de magnífico poder, am pliar o seu disco delgado,
e assim transferi-lo dentre os seus com panheiros siderais
para os dom ínios planetários. O astrônom o físico, ao contrário,
não tem desses auxiliares. Ele faz cálculos ao meio-dia, quando
as estrelas desaparecem sob o sol m eridiano; com puta valores
à m eia-noite, quando as nuvens e as trevas encobrem os céus;
e de dentro daquela abóbada cerebral que não tem aberturas
rum o aos céus, e não tem instrum entos, senão os olhos da razão,
vê nas ações perturbadoras de um planeta não divisado, sobre
um planeta igualm ente não visto por ele, a existência do agente
perturbador, e, partindo da natureza e do volum e da sua ação,
com puta a sua m agnitude e indica o seu lugar”.
Que coisa grandiosa é a razão! E m uito acima dos meros
sentidos; e a fé, então, está m uito acima da razão; só que, no
caso do astrônom o m atem ático em quem estamos pensando, a
razão era um a espécie de fé. Ele raciocinou: “As leis de Deus
são assim e assim, e assim e assim. Este planeta U rano está
sendo perturbado; algum outro planeta deve tê-lo perturbado,
e, assim, eu o procurarei e o acharei onde estiver”. E quando
os seus intrincados cálculos se com pletaram , ele pôs o dedo
em N etuno com a mesma facilidade com que um detetive
põe as mãos num gatuno, e m uito mais depressa; na verdade,
p arece-m e que m u itas vezes é m ais fácil e n c o n tra r um a
estrela do que pegar um ladrão.
N etuno brilhava m uito tem po antes de ser descoberto e
de receber nome. E eu e vocês, irm ãos, podem os perm anecer
ignorados durante anos, e é possível que o m undo jamais nos
descubra. Mas espero que a nossa influência, como a de N etuno,
seja sentida e reconhecida, quer sejamos vistos pelos hom ens,
quer apenas brilhem os em solitário esplendor para a glória
de D eus.
Bem, viajamos em pensam ento até o distante N etuno, que
está a quase 4.500.000.000 de quilôm etros do sol; e, postados
lá, olham os ao espaço e, eis m iríades, e m iríades, e m iríades
de q u ilô m e tro s em que parece não h av er m ais p lan etas
pertencentes ao sistema solar. Talvez haja outros que ainda não
fo ram d escobertos, todavia, o q u a n to sabem os, além de
N etuno há um grande golfo fixo.
H á, porém , o que podem os cham ar de “saltadores” no
sistem a, os quais, sem o uso de vara, podem cruzar este golfo;
são os COMETAS. Esses cometas são, em regra, tão finos -
sim ples massa m em branosa de vapor - que, quando entram
reluzindo em nosso sistem a, e tornam a sair velozes, nunca
p ertu rb am o m ovim ento de um planeta. E existem alguns
com etas te rre s tre s, que eu conheço, que vão a algum as
cidades e refulgem por algum tem po, mas não têm força para
p ertu rb ar os planetas que giram em suas órbitas seguindo o
seu curso regular. O poder de um hom em não consiste em
correr para cá e para lá, como um com eta, e sim , em b rilh ar
co n stan tem en te, ano após ano, com o um a estrela p e rm a ­
nente. D iz o astrônom o H alley: “ Se você condensasse um
com eta, reduzindo-o à espessura da atmosfera ordinária, não
encheria um a polegada quadrada de espaço”. Tão delgado é
u m com eta, que vocês poderiam olhar através de quase dez
m il quilôm etros dele, e enxergar quase com tanta facilidade
como se ele não estivesse ali. E bom ser transparente, irm ãos;
porém espero que vocês sejam m ais, substanciais do que a
m aioria dos cometas de que temos ouvido falar.
Os cometas aparecem com grande regularidade, em bora
pareçam irregulares. H alley profetizou que o cometa de 1682,
do qual pouco se sabia anteriorm ente, retornaria a intervalos
regulares de cerca de setenta e cinco anos. Ele sabia que não
viveria para ver o seu re ap arecim en to , m as expressou a
esperança de que, quando ele retornasse, a sua profecia seria
lem brada. V ários astrônom os estiveram aten to s a isso, e
esperavam alcançar o tem po predito, porque, de outro m odo,
as pessoas ignorantes não acreditariam na astronom ia. Mas
o com eta voltou no tem po certo; assim a m ente deles foi
tranqüilizada, e a predição de H alley se confirm ou.
E n tre as histórias concernentes à observação de cometas,
há um a que contém um a ilustração, e tam bém um a lição.
“Messier.; que tin h a adquirido o cognome de “O caçador de
com etas”, pelo núm ero que ele descobriu, estava p articu lar­
m ente preocupado na ocasião. D e grande sim plicidade de
caráter, o seu zelo por cometas m uitas vezes se m anifestava de
m aneira a mais estranha. E nquanto atendia à sua m u lh er
m ortalm ente enferm a, e estava necessariam ente ausente do
seu observatório, a descoberta de um deles foi-lhe arrebatada
p o r M ontaigne de Lim oges. Foi u m golpe doloroso. U m
visitante começou a oferecer-lhe consolação p o r seu recente
luto, quando Messier, pensando só no cometa, respondeu: “Eu
tin h a descoberto doze; ah, ter-m e roubado o décim o-terceiro
aq u ele M o n ta g n e !” M as, im e d ia ta m e n te c ain d o em si,
exclamou: “Ah, cettepauvre fem m e!” (Ah, essa pobre m ulher!)
e continuou a p rantear a esposa e o cometa ao mesmo tem po”.
E videntem ente vivia tanto nos céus, que esqueceu a esposa; e
se a ciência às vezes pode levar um hom em para longe de todas
as aflições desta vida m ortal, certam ente a nossa vida celestial
deve elevar-nos acima de todas as desordens e preocupações
que nos afligem.
O retorno de um cometa é m uitas vezes anunciado com
grande certeza. Apareceu num jornal este parágrafo: “D e modo
geral, pode-se considerar razoavelm ente que o cometa será
visível em toda parte na E uropa por volta de fins de agosto, ou
no início de setem bro seguinte. Será com a m aior p ro b a­
bilidade distinguível a olho nu, como um a estrela de prim eira
grandeza, mas com luz mais opaca do que a de u m planeta, e
cercado p o r um a p álid a n e b u lo sid ad e que en fraq u ecerá
ligeiram ente o seu esplendor. N a noite de 7 de outubro, o
cometa se aproxim ará da bem conhecida constelação da Ursa
M aior; e entre essa data e o dia 11, passará diretam ente por
entre os sete astros visíveis daquela constelação. M ais para o
fim de novem bro, o cometa m ergulhará entre os raios do sol, e
desaparecerá, e não sairá deles, no outro lado, até o final de
dezem bro. Este prospecto dos m ovim entos de u m corpo,
invisível nesse tem po, a m ilhões de quilôm etros de distância,
é quase tão definido como os anúncios prévios das viagens de
coche en tre L o n d res e E dim burgo. C oloquem os agora as
observações oculares ao lado das antecipações da ciência, e
veremos que a ciência provou-se quase absolutamente correta”.
Cavalheiros, pensem só nos cálculos que foram necessários,
pois, em bora um cometa não interfira no curso de u m planeta,
um planeta interfere m uito consideravelmente no curso de um
cometa; de forma que, em seus cálculos, os astrônom os tinham
que reconstituir a pista pela qual o cometa teria que viajar.
Pensando nele como um viajor cansado de viajar, lem bram os
que ele terá que passar pela fulgente m orada de N etuno,* e
N etuno por certo lhe dará um a chávena de chá; depois fará
longa excursão, até U rano, e pernoitará ali; de m anhã, fará
breve visita a Saturno, ficando lá para o desjejum ; tom ará
refeição com Júpiter; daí a pouco chegará a M arte, e segua-
m en te dará u m passeio p o r lá; e se alegrará ao chegar a
V ênus, e, claro, será retido pelos seus encantos. Portanto,
cavalheiros, verão prontam ente que os cálculos quanto ao

*Spurgeon faleceu em 1892. Devido a isso, não há menção do planeta


Plutão, descoberto em 1930.
regresso de um cometa são extrem am ente difíceis, e, contudo,
os astrônom os fazem as estim ativas do tem po com escrupu­
losa exatidão. Esta ciência é m aravilhosa, não só pelo que
revela, mas pelo talento que apresenta e pelas lições que
continuam ente nos ensina sobre as esplêndidas obras realiza­
das p o r nosso grandioso Pai.
Fizem os o que tínham os que fazer com o sistem a solar, e
mesm o com aqueles intrusos que vez por outra nos vêm de
sistem as m uito longínquos, pois um cometa, suponho, só é
visto por um mês, ou por um a semana, e depois, às vezes, não
reaparece por centenas de anos. Aonde foram eles durante todo
esse intervalo? Bem, foram para algum a parte, e servem ao
propósito do D eus que os fez, ouso dizer; contudo, de m inha
parte, eu não gostaria de ser um cometa no sistem a de Deus.
G ostaria de ter o meu lugar fixo, e de me m anter brilhando
pelo Senhor ali. Tenho vivido em L ondres m uitos anos, e
tenho visto m uitos cometas vindo e indo durante esse tem po.
O h , as g ra n d e s luzes que te n h o v isto p assar p o r p e rto
precipitadam ente! Foram -se, desaparecendo nalgum a esfera
desconhecida, como usualm ente acontece com os cometas.
G eralm ente eu tenho notado que, quando os hom ens se m etem
a fazer m uito m ais que todos os outros, e se m ostram estu-
pendam ente pomposos nisso, a história deles é descrita com
a m aior precisão por aquele simples sím ile, de subir como
rojão, e descer como vareta.
Não sei se vocês podem , na im aginação, apoiar-se nas
ameias deste pequeno sistema solar, e ver o que há além dele.
Não estreitem as suas m entes, cavalheiros, a um as quantas
cen-tenas de m ilhões de quilôm etros! Se quiserem achar um a
rota longa de verdade, comecem a ver um a estrela. Eu estaria
apenas falando coisas sem sentido, se lhes dissesse a distância
em que as estrelas estão de nós. E n tretanto, há outras, das que
con-seguim os ver, que estão quase im ensuravelm ente mais
longe. Elas tiveram um trabalho trem endo para enviar-nos
u m raio de luz de tão vasta distância, para inform ar-nos que
estão passando m u ito bem e que, em bora estejam a essa
distância de nós, ainda se divertem o mais que podem em
nossa ausência.
Essas estrelas, quando as pessoas com uns as olham , pare­
cem estar espalhadas pelos céus, como se diz, “de qualquer
jeito ”. Sem pre adm iro essa encantadora variedade. E sou
agradecido a D eus, porque não colocou as estrelas em linhas
retas, como fileiras de lum inárias públicas nas ruas. Pensem
só, irm ãos, como seria se olhássemos para cima, de noite, e
víssemos as estrelas arrum adas em fileiras como alfinetes num
papel! Louvado seja D eus, não é assim! Ele sim plesm ente
tom ou um a m ancheia de m undos reluzentes, e os esparram ou
pelo céu, e eles caíram nas mais belas posições, de m odo que o
povo diz “Lá está a Ursa M aior” ou, como dizem , “Aquele é o
Carro de C harles”, e todos os camponeses conhecem o Gancho
do Boieiro - vocês não o viram , irmãos? O utros dizem “Aquela
é a Virgem, e aquele é o C arneiro, e aquele é o Touro”, e assim
por diante.
Acho que a nom enclatura das várias constelações é m uito
parecida com grande parte da pregação m ística que existe hoje
em dia. Os pregadores dizem : “Aquele é fulano de tal, e aquele
é sicrano”. Bem, talvez seja assim; mas não é como o vejo.
Vocês podem im aginar o que quiserem nas constelações dos
céus. E u im aginei um a fortaleza no fogo, e observei a sua
edificação, e vi chegarem pequenos soldados e a derrubaram .
Vocês podem ver toda e qualquer coisa no fogo, no céu e na
Bíblia, se querem fazer a pesquisa desse jeito. N ão vêem isso
realm ente: é apenas um a fantasia da sua im aginação. Não
existem touros e ursos nos céus. Pode existir um a virgem , mas
ela não deve receber culto com o en sin am os rom anistas.
Suponho que vocês conhecem a Estrela-polar; devem conhecer
tam bém as Ponteiras; elas apontam para a Estrela-polar, e é
isso justam ente o que devemos fazer - dirig ir os pobres escra­
vos do pecado e de satanás para a v erd ad eira E strela da
liberdade, nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
H á depois as Plêiades. Quase todas as pessoas podem dizer-
-lhes onde elas estão. São um grupo de estrelas aparentem ente
pequenas, mas brilham intensam ente. Elas me ensinam que,
se sou m uito pequeno, tenho que procurar ser m uito brilhante.
Se não posso ser como A ldebaran, ou como algum a das mais
b rilh antes gemas do céu, tenho que ser tão b rilh an te quanto
p u d er em m inha esfera particular, e tenho que ser tão ú til ali
como se fosse um a estrela de prim eira grandeza. D epois, do
outro lado do globo, olham para cim a para ver o Cruzeiro do
Sul. O uso d iz er que um dos nossos irm ão s, o riu n d o da
A ustrália, lhes dará privadam ente um a aula sobre aquela
constelação. E belo pensar na cruz como guia do m arinheiro;
é o m elhor guia que se pode ter, deste ou do outro lado dos
trópicos.
Ju n to das estrelas existem vastos corpos lu m in o so s,
cham ados NEBULOSAS. E m algum as partes dos céus há
enorm es massas de m atéria lum inosa; alguns supuseram que
era m aterial do qual os m undos foram feitos. Eram as porções
de argamassa das quais, conform e a velha teoria ateística, os
m undos se desenvolveram por algum singular processo de
evolução. Mas quando H erschel girou o seu telescópio para
focalizá-las, logo quebrou o nariz daquela teoria, pois descobriu
que essas nebulosas eram sim plesm ente enorm es massas de
estrelas, a tantas m iríades e mais m iríades de quilôm etros de
d istân cia, que, para a nossa visão, pareciam apenas um a
insignificante poeira de luz.
H á m uitas coisas m aravilhosas para aprender sobre as
estrelas, às quais espero que vocês dêem a sua m ais ardente
atenção, conform e tenham oportunidade. E n tre as restantes
há este fato, que algumas estrelas cessaram de ser-nos visíveis.
D isse Tycho B rahé que, certa ocasião, viu vários aldeães
olhando para o céu; e, ao perguntar-lhes p or que contem ­
plavam os céus, disseram -lhe que um a nova estrela tin h a
aparecido subitam ente. B rilhou refulgentem en te d u ran te
uns poucos meses, e depois se desvaneceu. M uitas vezes, um
m undo estrelado parece ter ficado verm elho, como se estivesse
em cham as; aparentem ente pegou fogo, queim ou-se, e então
desapareceu. Kepler, escrevendo a respeito desse fenôm eno,
diz: “O que isso pode pressagiar é difícil determ inar; e somente
este tanto é certo, que ele vem dizer à hum anidade, ou absolu­
tam ente nada, ou elevadas e ponderáveis novas, inteiram ente
além do sentido e do entendim ento hum anos”. A ludindo às
opiniões de alguns, que explicaram o novel objeto com a
doutrina epicuréia de um a fortuita combinação de átom os, ele
observou, com característica singularidade, posto que com bom
senso: “D irei a esses contendores - meus oponentes - não a
m in h a o pinião, m as a da m in h a esposa. O n tem , q uando
cansado de escrever, m inha m ente com pletam ente empoeirada
pela consideração desses átomos, fui cham ado para a ceia, e
um a salada que eu encom endara foi posta diante de m im .
“Parece, pois”, disse eu alto, “que, se pratos de peltre, com
folhas de alface, grãos de sal, gotas d ’água, vinagre e óleo, e
fatias de ovos, tivessem estado flutuando no ar desde toda a
eternidade, poderia afinal suceder, p o r acaso, que viessem a
ser um a salada.” “ Sim”, disse a m inha m ulher, “mas nenhum a
tão saborosa ou tão bem enfeitada como esta que lhe preparei.”
Assim devo pensar: e se a fortuita com binação de átomos
não pode fazer um a salada, não é m uito provável que pudessem
fazer um m undo. U m a vez perguntei a um hom em que dizia
que o m undo era um a fortuita junção de átomos: “O correu -
-lhe algum a vez ficar sem dinheiro e estar onde não conhecia
ninguém que lhe desse um jantar?” “ Sim, já me ocorreu”,
replicou ele. “Pois bem ”, disse eu, “nunca lhe aconteceu que
um a fortuita junção de átom os lhe produzisse um a perna de
carn eiro , com alguns ótim os nabos cozidos, e m o lh o de
alcaparra, para o seu jantar?” “N ão”, disse ele, “não me aconte­
ceu isso.” “Bem”, respondi, “um a perna de carneiro, em todo
caso, ainda que com a inclusão de nabos e m olho de alcaparra,
é m uito m ais fácil fazer do que um destes m undos, como
Jú p iter ou V ênus.”
D iz-nos a Palavra de D eus que um a estrela difere de outra
em glória; contudo, um a de pequeno porte pode fornecer-nos
mais luz do que um a estrela maior, que esteja m uito mais longe.
Algumas estrelas são o que se chama de variáveis; num a ocasião
parecem maiores do que noutra. Algol, na cabeça de M edusa,
é dessa espécie. É-nos dito que “A estrela, na sua condição de
m aior brilho, parece ser de segunda grandeza, e fica assim cerca
de sessenta e duas horas. D aí a sua luz dim inui, e tão rapida­
m ente, que em três horas e meia se reduz à quarta grandeza.
Ela fica com esse aspecto pouco mais de quinze m inutos, depois
aum enta, e em três horas e meia reassume a sua aparência
anterior”. Receio que m uitos de nós sejamos estrelas variáveis.
Se às vezes ficarmos obscurecidos, será bom recuperar o nosso
b rilh o tão depressa como o faz Algol.
D epois há m ilhares de estrelas duplas. Espero que cada
um de vocês consiga um a esposa que sem pre brilhe junto ao
seu lado, e nunca o eclipse, pois um a estrela dupla pode ser
m uito brilhante em certo período, e ás vezes pode ser eclipsada
completamente. Existem tam bém estrelas tríplices, ou sistemas
triplos, e sistemas quádruplos, e, em alguns casos, há centenas
ou m ilhares delas, todas entrelaçando-se em torno um as das
outras, e em torno dos seus lum inares centrais. M aravilhosas
com binações de glória e beleza podem -se ver no céu estelar; e
algumas dessas estrelas são vermelhas, algumas azuis, algumas
amarelas, todas as cores do arco-íris sendo representadas nelas.
Seria deveras m aravilhoso viver num a delas, e o lh ar pela
am plidão do firm am ento e ver todas as glórias dos céus que
D eus criou. D e m odo geral, porém , quanto ao presente, estou
m u ito c o n te n te p o r h a b ita r n e ste p e q u e n o p la n e ta ;
especialm ente quando não sou capaz de trocá-lo por outro lar,
enquanto D eus não o quiser.
Esta terceira e últim a parte do livro Lectures
to m y Students apresenta ao leitor o ensinamento
e sábio conselho do renomado “príncipe dos
pregadores” sobre o uso de ilustrações e anedotas
no sermão.

Acreditamos que os pregadores atuais serão


beneficiados pela leitura destes cinco capítulos
ricos em sugestões, historietas e experiências
pessoais do famoso pastor do M etro p o litan
T abernacle.

Um erudito hodierno e autoridade sobre


Spurgeon diz deste livro: “Depois da sua grande
obra literária The Treasury o f D avid, considero
Lições aos meus Alunos a sua maior contribuição
ao mundo cristão”.

PUBLICAÇÕES EVANGÉLICAS SELECIONADAS


Rua 24 de Maio, 116 - 3o andar - salas 14-17
01041-000 - São Paulo - SP

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