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Negócios unilaterais
Vimos já que no conjunto das fontes das obrigações reconhecidas pelo legislador moçambicano,
o contrato ocupa o primeiro lugar, seguindo-se-lhe outros institutos 1 com a mesma função
jurídica.
Assim, para além do contrato, que ocupa a posição principal na frequência prática e na
sistemática do CC como fonte das obrigações, têm também essa dignidade de fontes das
obrigações os negócios unilaterais, cujo regime jurídico consta dos arts. 457º e ss do CC.
Há, pois, que proceder ao estudo deste instituto, para perceber em que casos os negócios
unilaterais constituem efectivamente fontes das obrigações porque não o são em todos os casos.
Visando alcançar esse desiderato, vamos observar o seguinte roteiro na sua abordagem: i)
apresentaremos primeiro a nossa proposta de noção; ii) confrontaremos em seguida o instituto de
negócios unilaterais com as figuras que julgamos ser afins a ele; iii) passaremos em revista
depois a sua tipologia, em atenção ao critério da determinação prévia ou não do seu destinatário
iv) analisaremos, no plano doutrinário, a sua admissibilidade ou não como fonte das obrigações;
v) veremos a posição da lei moçambicana sobre essa admissibilidade como fonte das obrigações;
vi); analisaremos o regime jurídico dos negócios jurídicos unilaterais autónomos consagrados
como fontes das obrigações na nossa lei, quais sejam a promessa de cumprimento e
reconhecimento da dívida, a promessa pública e o concurso público; vii) fecharemos com a
apresentação das conclusões do nosso estudo.
Cumpre expor.
1. Noção
Partamos do conceito de “negócio” para evoluirmos até ao de “negócio jurídico” e
posteriormente ao de “negócio jurídico unilateral”.
O termo “negócio”, cuja génese etimológica é …2, tem um sentido económico e outro jurídico,
relevando para o nosso estudo, naturalmente, o jurídico, em que significa manifestação de
vontade. Negócio é, assim, qualquer manifestação de vontade, o negócio jurídico é qualquer
manifestação de vontade e que tenha relevância jurídica.
1
Cfr. arts. 405 e ss, 457 e ss, 464 e ss, 473 e ss e 483 e ss.
2
Cfr. …
O negócio jurídico desdobra-se em unilateral e bilateral. O negócio jurídico bilateral é o contrato,
pelo que não é o que nos interessa neste estudo, tanto é que ele já foi objecto de abordagem
minuciosa enquanto principal fonte das obrigações. Releva então para o nosso estudo o negócio
jurídico unilateral.
Esta unilateralidade não deve levar-nos a confundir o negócio unilateral com o contrato
unilateral, pois, enquanto que no contrato unilateral a unilateralidade só existe quanto aos efeitos
que se traduzem em obrigações para uma das partes, no negocio unilateral, essa unilateralidade
existe não só quanto às partes – uma só – como quanto aos efeitos.
Mas uma só vontade não significa uma só pessoa, pois, apesar de a manifestação de vontade ser
um acto plural quando consiste em declarações de vontade de várias pessoas, ela é um acto
unilateral ou seja, é uma só vontade porque todas essas declarações são paralelas, concorrem
para o mesmo sentido, o que significa que o acto plural torna-se unilateral quando abrange
declarações de vontade de várias pessoas num mesmo sentido.
Rematando e seguindo muito de perto F. Cunha Leal Carmo4, negócio jurídico unilateral
“resulta de uma vontade isolada, sem necessidade de concordância de uma outra parte e produz
o efeito jurídico pretendido, verificando-se uma unilateralidade tanto nos seus efeitos, como na
sua formação”.
2. Figuras afins
Uma análise linear do conceito de negócio jurídico unilateral pode levar a uma confusão entre o
referido conceito e o de proposta contratual, bem como entre este mesmo conceito de negócio
unilateral e o de contrato unilateral.
Na verdade, estas figuras não são a mesma coisa nem se confundem, mas têm alguma
proximidade, ainda que meramente semântica ou designativa, daí que se lhes consideram afins.
3
Cfr. CARMO, F. Cunha Leal, 160.
4
Dicionário Jurídico, contratos e obrigações, v. 1, Escolar Editora verba legis, p. 160.
A proposta contratual, cujo regime jurídico consta dos arts. 228º e ss CC, é parte do negócio
jurídico mas não o completa. Para o completar, ela carece da resposta afirmativa da contraparte.
Já o negócio unilateral, diferentemente, não carece de resposta para ser eficaz, ele é eficaz em si
mesmo. No entanto a proposta contratual e o negócio unilateral assemelham-se pelo facto de
ambas serem declarações de vontade de uma parte, ou de uma vontade isolada.
De igual modo, o contrato é unilateral quanto aos seus efeitos, porque só obriga a uma das partes,
mas é bilateral quanto à formação, porque nasce do acordo de vontades. Significa isso que o
negócio unilateral não se confunde com o contrato unilateral porque ele é unilateral quanto à
formação e pode ser bilateral quanto aos efeitos, o que é inverso do contrato. Em suma, o
negócio unilateral é-o tanto quanto à formação como quanto aos efeitos, por contraposição ao
contrato que é bilateral quanto à formação e unilateral quanto aos efeitos. No entanto as duas
figuras assemelham-se pelo facto de serem unilaterais quanto aos efeitos.
3. Tipologia ou espécies
As espécies de negócios jurídicos unilaterais identificam-se a partir de uma classificação
segundo determinado critério.
Tanto no plano doutrinário como no legal, os negócios unilaterais são classificados em atenção
ao critério da determinação ab initio ou não do destinatário e, nessa base, classificam-se em
receptícios e não receptícios5.
São não receptícios os negócios unilaterais cujo destinatário é indeterminado ou seja, não é uma
pessoa determinada, como sucede no caso das alvíssaras, no caso da promessa pública e no do
concurso público. Nestes casos, a declaração negocial unilateral não necessita de comunicação
para a sua eficácia.
5
Cfr. CARMO, F. Cunha Leal, op. cit., p. 161.
Tradicionalmente e durante muito tempo entendeu-se que uma relação creditória ou obrigacional
de base negocial só se podia constituir depois de as duas partes nele intervenientes como sujeitos
manifestarem afirmativamente a sua vontade entrando em acordo. Portanto, só com o acordo de
ambas partes com vontades contrapostas é que se poderiam livremente constituir obrigações.
Significa isto que sempre se entendeu que as obrigações só se podiam constituir por via de regra
através do negócio jurídico bilateral, i.e, do contrato, admitindo-se que as vinculações unilaterais
existissem em casos excepcionais.
Nessa mesma linha, entendia-se que o princípio da liberdade contratual 6 só valia no âmbito dos
contratos e não nos negócios unilaterais.
Porém, reconhecendo-se que a vontade de uma só pessoa produz efeitos jurídicos, sempre se
questionou se esses efeitos unilaterais não poderiam ser também fontes das obrigações.
Ainda que se possa entender que prevalece a ideia de tipicidade das fontes, isso não põe em
causa a atipicidade do respectivo conteúdo ou seja, também impera a autonomia privada
na fixação do conteúdo de qualquer negócio unilateral, o que significa que conteúdo é
atípico.
Uma corrente doutrinária entende que não, alegando o seguinte: i) a falta de uma fase
negociatória poderia levar a que o devedor se obrigasse com ligeireza, sem se aperceber do
alcance do seu acto; ii) a dificuldade de prova de vinculação, devido à natureza unilateral
do negócio; iii) a falta da intersubjectividade, que é característica típica das obrigações; iv)
a falta de interesse prático da discussão, na medida em que o reconhecimento genérico das
declarações unilaterais como fontes das obrigações não dinamiza o comércio jurídico.
Uma outra corrente doutrinária entendeu que sim, os efeitos unilaterais podem, em certos
casos constituir fontes obrigacionais. Com que fundamentos?
6
Cfr. art. 405º.
A posição da lei moçambicana sobre este debate encontra-se no art. 457º CC, o qual consagra o
princípio geral de que “A promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos
na lei”.
a) a que entende que o preceito consagra o princípio da tipicidade ou numerus clausus dos
actos unilaterais como fontes das obrigações;
b) a que entende que o preceito respeita só à promessa unilateral de uma prestação e, assim
sendo, não dispõe no sentido da tipificação dos negócios unilaterais como fontes das
obrigações.
A doutrina diverge assim na interpretação deste preceito e, face a essa divergência, a posição que
perfilhamos é a que na doutrina e na jurisprudência é tendencialmente dominante: a de que o
preceito consagra o princípio da tipicidade dos negócios unilaterais na vinculação dos seus
autores a obrigações.
Significa isso que o legislador moçambicano entendeu razoável aderir ao posicionamento de que
apenas o contrato é que pode, em regra, criar relações obrigacionais, mas fá-lo de uma maneira
não absoluta, daí que, ao negócio unilateral reconheceu eficácia vinculativa apenas em certos e
determinados casos, portanto, excepcional e taxativamente indicados na lei.
Assim, mesmo que se entenda que prevalece o princípio da tipicidade, além dos tipos previstos
nos arts. 458º e ss, há outros negócios unilaterais que são fontes das obrigações, portanto, os
negócios unilaterais só são vinculativos nos casos expressamente previstos na lei. Só que deve
entender-se por negócios unilaterais previstos na lei não só os autonomamente consagrados como
tais, quais sejam, a promessa de cumprimento, o reconhecimento de divida, a promessa pública e
o concurso público, como também aqueles que, surgidos no âmbito de outros negócios jurídicos,
a lei os confere essa dignidade de fontes das obrigações: são os chamados negócios unilaterais
dependentes ou instrumentais.
O negócio unilateral é assim, em certa medida, susceptível de, unilateralmente, produzir ou criar
obrigações, mas apenas nos casos em que a lei o confere essa eficácia.
Como acabamos de ver, o negócio unilateral não é genericamente fonte das obrigações, só é
susceptível de unilateralmente produzir ou criar obrigações apenas nos casos que a lei o confere
essa eficácia, quais são então os negócios unilaterais a que a lei confere esta dignidade de fontes
das obrigações?
Na sua secção referente aos negócios unilaterais 7, o nosso CC enumera como tais,
autonomamente:
a) a promessa de cumprimento8 e reconhecimento de dívida9;
b) a promessa pública10
c) o concurso público11.
7
457º e ss.
8
Em rigor, a promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida não dá origem à constituição de obrigações, não é um verdadeiro e próprio
negócio jurídico constitutivo da obrigação, pois, a lei considera que por acto unilateral se efectue a promessa de uma prestação ou
reconhecimento da dívida, sem que o devedor indique o fim jurídico que o leva a obrigar-se, presumindo-se que a relação causal exista e seja
válida, e neste caso, fica o devedor exonerado (458º, 1 CC) da obrigação de prova.
9
458º CC.
10
459º CC.
11
463º CC.
12
185º, 3 CC.
13
951º, 2 CC.
14
268º CC.
15
288º CC.
16
432º CC.
17
543º CC.
g) a aprovação da gestão de negócios18;
h) a interposição do devedor19;
i) a denúncia do arrendamento20;
j) a revogação do mandato21;
k) a aceitação22;
l) o repúdio da herança23;
m) o testamento24, que é o acto jurídico mortis causa cuja eficácia ocorre após o falecimento
do testador e por isso as obrigações que dele decorrem, enquanto negócio unilateral,
oneram os sucessores;
n) a constituição de hipoteca por declaração unilateral25;
o) a procuração26;
p) a perfilhação27;
q) o contrato a favor de terceiro28, o qual implica que o terceiro obtenha um crédito
unilateralmente, sem que tenha entrado no circuito contratual entre o promissário e o
promitente.
Portanto, o preceito estabelece tão-só uma presunção de causa com respeito à relação
fundamental. Trata-se, por isso, de um acto unilateral sim só que não gera a obrigação mas
determina a inversão do ónus da prova.
27
28
Feita a promessa, cabe não ao B mas a A fazer prova negativa da inexistência dessa divida.
O art. 458º CC estabelece que se uma pessoa declara que promete uma prestação a uma outra ou
declara a essa outra que reconhece dever sem indicar a origem ou causa dessa promessa ou dessa
dívida, o credor fica dispensado de provar o seu crédito, pois, a existência dessa causa está
presumida.
Significa isso que se o António declara que deve ao Bernardo 100Mts, sem esclarecer que a
dívida resulta do empréstimo, da compra ou qualquer outro negócio, presume-se, até prova em
contrário, que esta obrigação do António tem uma causa.
O que o preceito trata é a inversão do onús da provas da existência da causa, pois, deixa de ser
quem invoca um direito, portanto, o seu titular, o credor a provar a sua existência.
É doutrina dominante que esta figura está mal colocada nesta secção, pois, não é um negócio
unilateral constitutivo de obrigações porque para ser isso tinha que ter as características de um
negócio abstracto, (É aquele cuja validade não é prejudicado pelas faltas ou defeitos inerentes à
relação obrigacional, acordo ou declaração de vontade que lhe serve de fundamento. Abstrai-se
da causa negotti, a fixação do seu regime jurídico (p. ex.: emissão e o endosso da letra de
cambio), o que permitiria às partes constituir obrigações sem indicar a fonte é um negócio
concreto
O efeito presuntivo, ainda assim, tem origem legal, pois não corresponde directamente ao sentido
da declaração emitida pelo devedor.
29
Cfr. 350º, 2 CC.
Quanto à forma, exige-se documento escrito se não for requerida forma mais exigente para a
prova da relação fundamental30.
O disposto no art. 458º deve ser compreendido não só de acordo com os princípios e institutos de
Direito das Obrigações, mas também em conjunto com o tema do ónus da prova.
8.2. Noção
É uma declaração negocial dirigida ao público, feita por uma pessoa, através de um anúncio
público, por via da qual essa pessoa promete uma prestação a quem se encontrar numa certa
situação jurídica ou que praticar um certo facto jurídico, positivo ou negativo31.
Por exemplo, obriga-se a efectuar uma prestação a quem fizer uma proeza (ganhar uma corrida),
encontrar um cão perdido, etc. Tenha-se, contudo, em conta o disposto em sede de achamento33.
A promessa pública não se confunde com outras declarações negociais dirigidas ao público,
como sejam: oferta ao público34 ou convite ao público para contratar (anúncio do preço).
Estas duas declarações negociais são partes da formação do contrato, só são fontes de obrigações
após a celebração desse contrário.
30
Cfr. art. 458º, n.º 2.
31
Cfr. 459, 1 CC.
32
Cfr. art. 459º.
33
Cfr. art. 1323º.
34
Cfr. 230º, 3.
A promessa pública dirigida a uma pessoa indeterminada é valida, mesmo quando feita a pessoas
que a desconheçam35.
Quanto à duração, será necessário atender ao prazo estabelecido na promessa ou à sua natureza 36.
A revogação pode ser feita com a mesma publicidade da promessa ou forma equivalente 37,
podendo ser feita a todo o tempo se não houver prazo de vigência. Havendo prazo de validade, a
revogação depende de justa causa38. A promessa não pode ser revogada depois de verificado o
facto ou praticado o acto39.
Como decorre da própria terminologia ou expressão, estamos em presença de uma promessa que
é feita publicamente, dirigida a um grupo delimitado ou à generalidade de pessoas.
6.7.3 Destinatário
Se o promitente indicar o público-alvo, ele fica obrigado só com relação a esse público41;
Se não o indicar, ele fica vinculado a todos os cidadãos do mundo, todos os nacionais de
um estado ou habitantes do local, desde que se encontrem na situação prevista ou tenham
praticado o facto, indicado na promessa, conhecendo ou ignorando essa promessa.
35
Cfr. art. 459º, nº 2.
36
Cfr. art. 460º.
37
Cfr. art. 461º, nº 2.
38
Cfr. art. 461º, nº 1.
39
Cfr. art. 461º, nº 2.
40
Cfr. art. 462º.
41
Cfr. 459º, 2.
Portanto, para se beneficiar da promessa não é preciso que tenha tido conhecimento da mesma, é
preciso apenas que esteja na situação prevista, a menos que tenha sido restringido o público
destinatário.
6.7.7. A revogabilidade
A promessa não é revogável dentro do prazo, salvo havendo justa causa 44, mas é o livremente e a
todo o tempo, caso não tenha prazo.
42
Cfr. 460º CC.
43
Cfr. 461º CC.
44
Cfr. 461º CC.
Em caso de revogação, esta faz-se da mesma forma como se fez a respectiva promessa, o que
significa que a revogação é ineficaz se não respeitar a forma ou se o facto tiver ocorrido.
Deve ser feito anúncio público com prazo para apresentação das candidaturas 46; o que se justifica
para garantia da seriedade no acto.
O concurso pode ter múltiplas finalidades: obtenção de um prémio (p. ex., concurso televisivo);
escolha de um candidato para um determinado lugar, etc.
A decisão para admissão dos candidatos e atribuição do premio cabe ao promitente ou a quem
este designar no concurso (v.g., júri), atendendo, contudo, a parâmetros de boa-fé.
Subsecção III
Gestão de negócios
Sobre esta fonte das Obrigações, verifique no Código Civil:
a) Os requisitos e as modalidades;
b) As relações entre o gestor e o dono do negócio;
c) As relações entre o gestor e terceiros;
45
Cfr. 462º CC.
46
Cfr. art. 463º.
d) As relações entre o dono do negócio e terceiros;
Sobre a mesma figura, vide, na literatura jurídica, os aspectos gerais e a natureza jurídica da
figura.
1. Generalidades
A noção legal de gestão de negócios consta do art. 464º. Alguém sem autorização actua no
âmbito da esfera jurídica de outra pessoa.
Assim, estando uma pessoa (dono do negócio, dominus negotii) impossibilitada de gerir o seu
património ou de praticar certo acto que respeita à sua esfera jurídica, i.e, não podendo zelar
pelos seus interesses, um terceiro (gestor), em princípio de modo desinteressado, imiscui-se na
esfera jurídica do impossibilitado, tomando as medidas necessárias, sem ter sido autorizado.
Por exemplo, cuidar da casa que está a ameaçar ruir; pagar o imposto ou outra divida que se
vence em certa data; vender a colheita agrícola no melhor momento.
2. Requisitos e modalidades
1) Alguém assume a direcção de negócio alheio
Negócio em sentido amplo, podem ser actos jurídicos ou materiais. Negócio alheio no sentido de
interesses alheios.
A alienidade pode ser objectiva – quando o gestor actua sobre bens que pertencem ao dominus –
ou subjectiva – quando os actos de gestor, aos olhos de um terceiro, diriam respeito apenas ao
gestor, mas é sua intenção fazer os seus efeitos repercutirem-se na esfera do dominus (p. ex., se o
gestor adquire um bem com vista a transmiti-lo ao dono do negocio).
2) Sem autorização
Não pode existir uma norma que lhe permita, imponha ou proíba esta específica actuação na
esfera alheia. Noutra perspectiva, não pode vigorar já entre o gestor e dominus um contrato ou
outra relação jurídica que enquadre a actuação do gestor. Na verdade, se já vigorasse entre gestor
e dominus um conjunto de regras jurídicas aplicáveis àqueles actos, o instituto da gestão de
negócios seria supérfluo, entraria mesmo em conflito com essas regras.
O gestor não pode estar habilitado a actuar: por contrato (p. ex., mandato); por negócio unilateral
(v. g., procuração); ou por força da lei (p. ex., representação legal).
O contrato de mandato, regulado nos arts. 1157º e ss., apresenta similitudes com a gestão de
negócios. O mandatário obriga-se a praticar actos jurídicos por conta do mandante (não actos
materiais). Sendo o mandato com representação 50, ao mandatário foram conferidos poderes de
representação para a prática dos referidos actos jurídicos por conta do mandante. No caso do
mandato sem representação51, o mandatário age em nome próprio por conta do mandante,
devendo transferir-lhe os direitos adquiridos. Apesar de o mandato respeitar apenas à prática de
actos jurídicos, deve notar-se que, em princípio, as regras desse tipo contratual valem também
para a multiplicidade de contratos de prestação de serviços atípicos, por força da remissão
constante do art. 1156º.
Nestas três figuras há um título que habilita alguém a agir na esfera jurídica de outrem. Na gestão
de negócios falta esse título, a autorização.
O gestor não é obrigado a agir, mas se o fizer tem de ser no interesse do dominus. As regras da
gestão de negócios aplicam-se directamente na eventualidade de o gestor, além de agir
objectivamente no interesse do dominus, também ter a intenção e consciência de que o faz. Nos
casos de gestão de negócio alheio julgado próprio, o art. 472º determina, contudo, que se
47
Cfr. arts. 258º e ss.
48
Cfr. arts. 122º e ss.
49
Cfr. art. 262º.
50
Cfr. arts. 1178º e ss.
51
Cfr. arts. 1180º e ss.
apliquem as regras da gestão de negócios se o dominus aprovar a gestão. Nos casos de gestão de
negócios imprópria, ou seja, quando alguém gerir bens alheios visando apenas o seu próprio
interesse, parece que art. 472º será aplicável analogicamente.
A gestão de negócios pode ser desenvolvida também no interesse do gestor, desde que o
interesse deste não seja exclusivo (gestão conexa). Assim, a gestão pode ser exercida no interesse
exclusivo do dominus negotii (gestão simples) ou, cumulativamente, no interesse deste e do
gestor (gestão conexa); pelo contraio, não há gestão de negócios – mas sim gestão imprópria – se
o interesse for exclusivo do gestor. Sublinhe-se, contudo, que a determinação das obrigações do
dominus perante o gestor54, e vice-versa, é mais difícil e discutível nos casos de gestão conexa.
É preciso frisar que, quando se discute se há ou deve haver uma actuação no interesse do
dominus, só se tem em conta a actividade de gestão em si mesma considerada. Por exemplo, a
intenção última do gestor pode ser exclusivamente receber uma remuneração 55, mas isto não
impede que os seus actos, em si mesmos, visem exclusivamente, para efeitos do art. 464º, o
interesse do dominus. Note-se o paralelo com a situação do mandato: um advogado, v.g., pode
agir apenas com a motivação de ganhar dinheiro, mas os seus actos de advocacia devem visar
sempre e só o interesse do mandante (o cliente), sob pena de haver violação do contrato.
A gestão é exercida por conta do dominus, tal como no mandato, porque os seus efeitos, ainda
que mediatamente, se destinam à esfera jurídica do dono.
52
Cfr. art. 466º.
53
Cfr. art. 470º.
54
Sobretudo, arts. 468º e 470º.
55
Cfr. art. 470º.
Gestão de negócios simples versus conexa (a que se aludiu anteriormente);
Gestão de negócios representativa versus não representativa56.
Esta última contraposição é uma classificação que respeita só à gestão de negócios mediante a
prática de actos jurídicos. Sendo a gestão representativa, o gestor actua em nome do dominus;
negoceia com terceiros em nome do dono do negócio. Actuar em nome de outrem significa
praticar actos jurídicos declarando que os seus efeitos não se repercutem na esfera jurídica do
declarante, mas sim na de outra pessoa. A esta declaração chama-se contemplatio domini. Por
exemplo, celebrar um contrato em nome de outrem significa que, no momento da celebração, se
declara que a parte nesse contrato não é o declarante, mas outra pessoa. No caso de gestão não
representativa, o gestor actua em nome próprio nos negócios que celebra com terceiros. Na
dúvida, para qualificar a gestão como representativa ou não representativa importa atender às
regras de interpretação das declarações negociais57, em particular as declarações negociais
emitidas pelo gestor na negociação com o terceiro.
3. Regime
a) Relações entre gestor e dono do negócio
Os deveres do gestor encontram-se enumerados no art. 465º.
Alínea a):
Deve agir no interesse do dominus negotii e de acordo com a vontade real ou presumida deste. O
gestor só pode agir em benefício e não em prejuízo do dono., respeitando a vontade, real ou
presumida, deste. Havendo contradição entre o interesse e a vontade do dominus o gestor deve
abster-se de intervir. Nalguns casos, todavia, a abstenção de agir pode não ser viável (p. ex.,
porque causaria grave dano ao dominus). Nessas situações, parece que a vontade do dono do
negócio deve prevalecer sobre o seu interesse, já que o direito privado é essencialmente uma
ordem de liberdade. Para usar uma «máxima» pouco rigorosa, mas sugestiva: cada um é quem
melhor avalia os seus interesses. Há argumentos constitucionais em favor desta preferência pela
vontade.
Ainda que de acordo com o interesse e a vontade do dono, a gestão não pode ser contrária à lei,
aos bons costumes ou à ordem pública.
56
Cfr. art. 471º.
57
Cfr. arts. 236º e ss.
Alínea b):
Da gestão de negócios emergem direitos e deveres para os interessados (gestor e dominus) e, por
isso, é uma forma de constituir obrigações. Mas como não pressupõe autorização nem
conhecimento do dono, iniciada a gestão o gestor deve avisar o dominus logo que possível de
que assumiu a gestão.
Há liberdade por parte do gestor de assumir a gestão de negócio alheio, mas iniciada a gestão o
gestor deve prossegui-la, sendo responsável pela injustificada interrupção 59. Quando, porem, a
gestão inclua uma multiplicidade de actos cujos valor e utilidade não dependam uns dos outros
(p. ex., a gestão de uma empresa), sobretudo quando a gestão se prefigure de duração indefinida,
o gestor não pode ficar «eternamente» vinculado. Nesses casos, o gestor poderá interromper a
gestão, fazendo cessar a situação jurídica que não pode perdurar indefinidamente. Necessário
será que essa interrupção não torne inúteis os actos já praticados nem seja feita em condições em
que um outro possível gestor de negócios tenha ficado impedido de agir.
O gestor também é responsável pela sua actuação culposa no decurso da gestão 60. A
responsabilidade pressupõe culpa do gestor, em particular pelo facto de ter agido em
desconformidade com o interesse ou a vontade (real ou presumida) do dominus negotii. Também
haverá responsabilidade por actuação culposa no exercício da gestão, em termos idênticos aos do
mandatário (p. ex., em caso de falta ou deficiente prestação de contas).
O art. 466º, nº 2, recorrendo a uma presunção iuris et de iure, considera culposa a actuação do
gestor em desconformidade com o interesse ou a vontade, real ou presumível, do dono do
negócio.
58
Cfr. art. 1161º.
59
Cfr. art. 466º, nº 1.
60
Cfr. art. 466º, nº 1.
altruísta e profissional). Porem, sendo vários os gestores a responsabilidade é solidária 61, à
imagem do que ocorre em sede de responsabilidade aquiliana 62. Em suma, estar-se-á perante uma
situação de responsabilidade obrigacional, a que – na ausência de previsões concretas63 – se
aplicam as regras gerais dos arts. 798º e ss.
Por via de regra, atendendo à pressuposta intenção altruísta do gestor, este não tem direito a
receber qualquer remuneração66. Como excepção a esta regra pode indicar-se o caso em que a
gestão corresponde ao exercício da actividade profissional do gestor (p. ex., intermediário
financeiro que actua no mercado, sem autorização, em beneficio de um potencial cliente;
empresa de reboques que retira um automóvel acidentado da faixa de rodagem).
O dominus negotii tem como direitos os deveres do gestor constantes do art. 465º e, alem disso,
tem direito a ser indemnizado pelo gestor nos termos prescritos no art. 466º, se tiver sofrido
danos devidos a culpa do gestor.
Num plano diverso, cabe-lhe o direito de aprovar a gestão 67 e de ratificar os actos praticados pelo
gestor em gestão representativa68.
61
Cfr. art. 467º.
62
Cfr. art. 497º.
63
Cfr. arts. 466º e 467º.
64
Cfr. arts. 483º e ss.
65
Cfr. arts. 798º e ss.
66
Cfr. art. 470º.
67
Cfr. art. 469º.
68
Cfr. art. 268º, ex vi art. 471º.
69
Cfr. art. 469º.
tais e com efeitos nas obrigações entre gestor e dominus. A ratificação não é uma figura própria
da gestão de negócios, mas sim da representação sem poderes. Só surgem em sede de gestão de
negócios se a gestão de negócios também tiver tido (ou incluído) actos de representação sem
poderes (gestão representativa). A ratificação dirige-se a terceiros, refere-se a actos jurídicos (em
regra, negócios jurídicos, maxime, contratos) celebrados em nome do representado (dominus
negotii) e tem por conteúdo a determinação de que os efeitos estipulados nesses negócios
jurídicos se produzam na esfera jurídica do dominus. Numa fórmula sintética, embora algo
incompleta, podemos dizer que a aprovação visa e se reflecte nas relações internas (entre gestor e
dominus), enquanto a ratificação visa e se reflecte nas relações externas (entre o representado,
que no caso é o dominus e a contraparte no negocio).
70
Cfr. arts. 468º, nº 1, e 470º.
71
Cfr. arts. 468º, nº 1, e 470º.
o dominus deve pagar ao gestor segundo as regras do enriquecimento sem causa72.
É concebível, ainda assim, uma gestão regular em que o gestor cause danos por actuação
negligente (tratar-se-á, nos casos mais comuns, de «danos laterais»), situação em que ficará
obrigado a indemnizar.
Nada obsta a que a aprovação da gestão seja parcial, ou seja que o dominus negotti só aprove
parte da actuação do gestor, ou aprove sem renunciar à indemnização por danos sofridos.
Na gestão não representativa não tem lugar a ratificação, cabendo ao dominus, se aprovar a
gestão ou se ela tiver sido exercida em conformidade com o seu interesse e vontade, exigir que o
gestor lhe transfira os direitos adquiridos em execução da gestão, em moldes similares aos
estabelecidos no mandato sem representação75. De qualquer modo, como já se indicou, o gestor
deve transferir para o dominus negotii os direitos e as obrigações emergentes dos negócios
celebrados. São aqui aplicáveis, nos termos da remissão expressa do art. 471º, os arts. 1180º a
1184º.
Ratificado o negocio realizado em gestão representativa este tem-se por celebrado, desde iniciuo,
entre o dominus e o terceiro.
76
Cfr. art. 227º.
77
Cfr. arts. 1181º e 1182º.
o terceiro, até à ratificação, pode revogar ou rejeitar o acto excepto se sabia que o
gestor não tinha poderes e, ainda assim, contratou.
4. Natureza jurídica
Tradicionalmente, a gestão de negócios, sobretudo tendo em vista os efeitos do art. 468º, era
entendida como uma forma de protecção acrescida de uma pessoa, o gestor, que teria agido de
modo altruísta. É a configuração da gestão de negócios como «recompensa do altruísmo». Esta
tese ainda pode ser lida em obras recentes. Contudo, é pouco compatível com a estatuição do
dever de remunerar, quando o gestor é profissional, e com a própria figura da gestão conexa (em
que o gestor age também no seu interesse). A relevância de inúmeros aspectos objectivos, como
o de que a actividade do gestor seja desenvolvida no interesse do dominus, também retira peso à
consideração de uma eventual motivação (predominantemente) altruísta.
Supomos que a compensação da figura da gestão de negócios não pode deixar de acentuar os
paralelismos, acima indicados, entre o seu regime jurídico e o do contrato de mandato, bem
como as remissões de um a outro. Dado o disposto no art. 1156º, há também analogia com outros
contratos de prestação de serviço. Contudo, a gestão de negócios, por definição, não assenta em
nenhum contrato ou negócio jurídico unilateral. Pode, no entanto, observar-se que, na maioria
dos casos de gestão de negócios, se o dominus e o gestor tivessem podido comunicar um com o
outro e o dominus não pudesse agir por si, teria certamente sido celebrado um contrato de
prestação de serviço (com o gestor ou com outra pessoa). Isto de acordo com um padrão de
normalidade. Na verdade, a gestão tem de corresponder ao interesse (a à vontade) do dominus,
78
Cfr. arts. 236º e ss.
sendo certo também que interesse e vontade tendem a coincidir. Ora, se o dominus quereria a
actuação do gestor, ele contraria essa actuação. Visto isso, é razoável que se apliquem as regras
que vigorariam em caso de um contrato ter sido celebrado. Aliás, a figura do «consentimento
presumido»79, que prevê casos que são de gestão de negócios (ainda que não surjam os seus
problemas específicos), é manifestamente análoga à figura do consentimento efectivo 80. Assim
sendo, sugere-se que o instituto da gestão de negócios decorre de um juízo analógico com um
hipotético contrato. Evidentemente, a lei teve de fazer algumas adaptações, dado que as partes
não tiveram oportunidade de estipular o conteúdo e a medida da sua vinculação. Esta analogia
pode presidir à solução de alguns dos problemas mais difíceis da gestão de negócios. Nesses
casos difíceis, devemos muitas vezes (embora nem sempre) pensar: se as partes tivessem
celebrado um contrato de prestação de serviços, qual o regime aplicável?
Na teoria clássica das fontes das obrigações, a gestão de negócios era enquadrada na figura dos
quase-contratos (ao lado dos contratos, delitos e quase-delitos). Esta construção é hoje tida por
pouco esclarecedora e pouco profunda, sem prejuízo da proximidade atrás indicada entre a
gestão de negócios e um contrato.
A gestão de negócios assenta numa actividade de base voluntaria, com consequências ditadas
pela lei, que, nalguns aspectos, podem ser controladas pela vontade dos interessados. A vontade
está, portanto, claramente condicionada pelas consequências legais. Enquanto fonte das
obrigações, a gestão de negócios é um acto jurídico simples. Enquanto instituto, é uma figura
autónoma, ao lado, designadamente, do negócio jurídico, da responsabilidade civil e do
enriquecimento sem causa.
Gestão de negócios
1. Conceito
Nos termos do art. 464º do CC, há gestão de negócios, quando alguém assume a direcção ou seja,
cuida de um assunto de outrem no interesse ou proveito e por conta do titular do direito (ou do
possuidor), sem deste ter obtido a prévia autorização (não necessariamente em nome – art.
471º)81.
79
Cfr. art. 340º, nº 3.
80
Cfr. art. 340º, nº 1.
81
Portanto, são seus requisitos: i) assunção da direcção de “negócio” alheio; ii) actuação no
interesse e por conta do dono de negócio; iii) falta de autorização do dono e iv) efeitos.
Da actividade de gestão resultam direitos e obrigações tanto para o dono como para o gestor,
conforme consta do art. 465º e ss do CC.
Designadamente, o gestor deve: – avisar e informar o dono – não interromper a gestão – actuar
em conformidade com o interesse e vontade real ou presumida do dono – prestar, a final, os bens
detidos e as contas.
Se o dono aprovar a gestão, deve pagar ao gestor as suas indispensáveis despesas e indemniza-lo
dos prejuízos (dano emergente e lucro cessante). Com a aprovação renuncia ao direito de
indemnização pelos danos devidos a culpa do gestor (art. 470º).
Se o dono não aprovar, os seus deveres são função da prova que o gestor faça da regularidade da
sua actuação (art. 468º).