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Ele me acolhe cordialmente em seu apartamento, a dois passos da Basílica de São Pedro,
que ele manteve apesar de ter sido demitido pelo Papa Francisco, o qual de uma forma
um tanto brutal, em julho de 2017, não renovou seu mandato como prefeito da
Congregação para a Doutrina da Fé. Mas este ano suas intervenções, fronte a confusão
crescente que se verifica na Igreja, tiveram sempre o timbre do “guardião da ortodoxia”,
uma espécie de Prefeito “sombra” do ex Santo Ofício.
Creio que antes de mais nada este tema deve ser entendido em sua dimensão real.
Embora seja um escândalo grave, é injusto generalizar, pois os abusos dizem respeito, de
qualquer forma, a uma forma muito limitada de sacerdotes. E eu me sinto no dever de
agradecer a todos os bispos, os sacerdotes e os diáconos e os outros colaboradores da
Igreja Católica pelo modo com que se dedicam à missão confiada por Jesus e porque
vivem conforme os critérios de nossa espiritualidade cristã. É justo que a opinião pública
se dê conta deste bom trabalho e dos sacrifícios que fazem nossos bons pastores, tantos
homens que buscam a verdade em suas vidas, que buscam a verdade de Deus em Jesus
Cristo.
Em segundo lugar devemos reconhecer que este é um fenômeno que já teve o seu
pico nos anos 70 e 80 do século passado, também por efeito da revolução sexual; desde
então muito foi feito e hoje os casos diminuíram muito. Além disso é de perguntar-se do
motivo pelo qual a opinião pública seja induzida a falar só disto e não de todos os abusos
e crimes contra as crianças e os adolescentes que existem no mundo: não só os sexuais,
que também na maior parte ocorrem fora da Igreja, mas também outros crimes como o
aborto, ou então a possibilidade que a tantos é negada de viver com os próprios pais,
mães, irmãos. E assim por diante.
Claramente é terrível para a Igreja que haja padres envolvidos, homens que em vez
de terem vidas exemplares, abusam de sua missão. Representantes de Jesus Cristo, o Bom
Pastor, agindo como lobos: é uma perversão de sua missão.
É um fato que mais de 80% das crianças vítimas de abuso são homens e
adolescentes. Devemos encarar essa realidade, são estatísticas que não podem ser
negadas. Os que não querem ver esta realidade acusam os que dizem a verdade de aversão
aos homossexuais em geral. Mas os homossexuais enquanto categoria não existem, é
uma invenção. É evidente que eles falam para encobrir os seus próprios interesses.
Voltemos ao Gênesis: existe uma sexualidade feminina e uma masculina, nada mais. O
homem foi criado para a mulher e a mulher foi criada para o homem, como diz São Paulo
na Primeira Carta os Coríntios (capítulo ll). Na criação, o conceito de homossexualidade
não existe, é uma invenção que não possui nenhum fundamento na natureza humana. As
tendências homossexuais não são um fato ontológico, mas de ordem psicológica. Alguns
querem tornar a homossexualidade um dado ontológico.
Não o sei, mas creio que seja fruto da atmosfera geral daquele período: não se quer
punir as pessoas, mas apontar para o positivo. Seguramente a intenção é boa, mas não se
pode negar a realidade da fraqueza humana. Se adverte as pessoas para ajuda-las a fazer
o bem. E sobretudo a Igreja não pode aceitar entre os sacerdotes um mau comportamento
contrário à vontade de Deus, assim destrói a própria credibilidade.
Nos dias passados foi lançada uma petição justamente para pedir aos padres que
participarão na reunião de cúpula no Vaticano em fevereiro de fechar a rede
homossexual, e um dos pontos diz respeito justamente a reintrodução do cânone que
pune os atos sodomitas.
Creio que a petição é legítima, há quem queira negar a verdade estatística pela qual
a grande maioria dos abusos cometidos por sacerdotes sejam atos homossexuais. Não se
pode fugir a esta realidade. Quem a nega não quer resolver o problema. Não se devem
subvalorizar também os abusos cometidos com seminaristas: é um pecado enorme, um
crime contra a dignidade destes homens, mas também no confronto com os genitores que
confiam os próprios filhos aos sacerdotes, ao bispo, ao seminário. Um bispo que cai a este
nível é um escândalo enorme. Imaginemos o que teria feito Jesus se um dos apóstolos
tivesse feito isso com alguns outros discípulos? É um absurdo só em pensá-lo. Mas temo
que também estas iniciativas de leigos sejam neutralizadas, acusando-as de uma rebelião
contra o Papa.
É uma fixação, também o cardeal Kasper interveio várias vezes nestes dias
denunciando um complô para fazer demitir o Papa Francisco.
Infelizmente no Vaticano existe quem explica tudo o que acontece na Igreja com o
fato que seriam os inimigos do Papa que estão organizando um complô, através de sites
da internet. Da Itália, Estados Unidos, Alemanha, França, todos juntos só para criar
problemas ao Papa. É uma loucura. Não conheço todas as motivações dos outros, mas um
católico está sempre ao lado do Papa, mesmo quando pode ter opiniões diversas sobre as
quais é possível discutir. Os verdadeiros amigos do Papa são os que dizem a verdade, que
o ajudam a encontrar o caminho certo, e não os que querem levá-lo na própria direção.
Com efeito, não são poucos os que põem em discussão o celibato como resposta aos
abusos.
Isto nos remete aquele documento sobre a pastoral para com as pessoas com
tendências homossexuais publicado pela Congregação para a Doutrina da Fé em
1986, em que já se denunciava uma rede gay no interior e no exterior da Igreja que
tem a finalidade de subverter a doutrina católica.
Contudo, até o quotidiano dos bispos italianos, Avvenire, sustenta que na Igreja
tenha havido uma mudança sobre a homossexualidade, que não há mais reprovação
moral, e isto se deduziria da Exortação Apostólica Amoris Laetitia.
Isto não é verdade, mas mesmo se fosse verdade, um documento pontifício não
pode mudar a antropologia radicada na criação de Deus. É possível que um documento
pontifício ou o Magistério da Igreja não explique bem os dados da Revelação e da
Criação, mas o Magistério não constitui a doutrina cristã.
Há um modo de compreender o Magistério que não tem nada que ver com a tradição
católica, se trata o Papa como se fosse um oráculo, o que quer que diga torna-se verdade
indiscutível. Mas não é assim: muitas coisas são opiniões privadas do Papa, coisas, então,
que se podem discutir. Se o Papa hoje dissesse que as partes são mais do que o todo,
teríamos mudado as estruturas da matemática, da geometria, um absurdo. Ou se o Papa
dissesse hoje que não podemos mais comer a carne dos animais, para nenhum católico
seria proibido comer carne.
O senhor quer dizer que se, por pura hipótese, o Papa escrevesse uma encíclica
“vegetariana”, esta não vincularia os católicos? Como é isso?
Porque isto não faz parte da materia fidei. A autoridade do Papa é muito limitada.
Alguns veem só a sua autoridade pública, o que é referido nos meios de comunicação
social e o utilizam segundo os próprios pensamentos, mas na realidade não aceitam a
autoridade do Papa assim como está fundamentada em nossa eclesiologia.
E um bispo deveria intervir, pois infelizmente existe uma crassa ignorância entre
sacerdotes, bispos e mesmo cardeais: eles são servidores da Palavra de Deus, mas não a
conhecem, bem como desconhecem a doutrina. Se falamos de transubstanciação, o
Quarto Concílio de Latrão, o Concílio Tridentino e também o Vaticano II, assim como
algumas encíclicas, como Mysterium Fidei (1965) explicaram que com essa expressão a
Igreja constata a realidade da verdadeira conversão do pão e do vinho na substância do
corpo e do sangue de Jesus Cristo.
Os luteranos creem na presença real, mas não no sentido católico, não creem na
conversão do pão e do vinho. Não é pequena diferença. Na Inglaterra, no tempo de
Eduardo VI e Elizabeth I (século XVI), havia a pena de morte para aqueles que
acreditavam na transubstanciação. Muitos católicos foram martirizados e não é que
sacrificaram suas vidas só por causa de uma das muitas maneiras de compreender a
Eucaristia, mas era pela realidade do sacramento.
Deve protestar publicamente. Têm o direito de sair ou, se é capaz, pode dizer algo:
“Eu protesto contra esta dessacralização da Santa Missa”; “Vim aqui para celebrar a missa
católica, não para participar de uma construção de um pároco que não conhece nada da
fé católica”. O que aconteceu na paróquia de Milão não é um verdadeiro ecumenismo, ao
contrário, é um golpe contra o verdadeiro ecumenismo.
Qual é o verdadeiro ecumenismo?
Sim, mas aposto que o pároco não vai numa mesquita explicar o Concílio de Nicéia.
Para nós, é uma ofensa dizer que Jesus foi só um homem, que não é o Filho de Deus.
Como se pode convidar alguém para vir a uma igreja para fazer-se ofender? Mas hoje há
uma má consciência presente no Catolicismo para com a própria fé e se ajoelham sempre
diante dos outros. Primeiro o jubileu de Lutero, agora o de São Francisco: se usam para
protestantizar e para islamizar a Igreja. Isso não é verdadeiro diálogo, alguns de nós
perdemos a fé e querem se tornar escravos de outros para serem amados.
Quando nos encontramos com pessoas de outras religiões, não podemos unir-nos
numa fé vaga. Se reduz a fé a uma fé filosófica. Deus a um ser transcendente e depois
dizemos que Alá ou Deus pai de Jesus Cristo são a mesma coisa. Assim como o Deus do
deísmo não tem nada que ver com o Deus dos cristãos.
O Papa está insistindo muito no conceito de fraternidade universal. Como deve ser
entendida, a fim de não confundir as pessoas?
Na base da criação somos todos filhos de Deus. Neste sentido falamos também de
fraternidade universal: não se pode matar; também na guerra aquele que mato é meu
irmão. Todos temos um Pai no céu, mas este Pai se revelou em Israel, a Moisés, aos
profetas e no fim em Jesus Cristo. Se não elevamos a natural fraternidade do homem em
direção à fraternidade em Jesus Cristo, jogamos fora a dimensão sobrenatural e
naturalizamos a graça.
Uma religião universal não existe, existe uma religiosidade universal, uma
dimensão religiosa que conduz todo homem em direção do mistério. Por vezes, circulam
ideias absurdas, como a do Papa “chefe de uma religião universal”, mas isso é ridículo.
Pedro é Papa por conta de sua confissão ou profissão de fé: “Vós sois o Cristo, o Filho de
Deus vivo”. Este é o Papa, não o chefe da ONU.
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https://fratresinunum.com/2019/02/11/o-manifesto-do-cardeal-muller-e-a-integra-da-
entrevista/