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FÓRUM 2º ENEO – RAE • ESTRUTURA E AÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES: ALGUMAS PERSPECTIVAS SOCIOLÓGICAS

ESTRUTURA E AÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES:


ALGUMAS PERSPECTIVAS SOCIOLÓGICAS
RESUMO
O presente trabalho apresenta uma reflexão teórica sobre a relação objetividade-subjetividade e sua
presença no campo de estudos organizacionais, visando a analisar as perspectivas abertas a partir das
sínteses teóricas de Giddens e Bourdieu. Expõe algumas contribuições clássicas da teoria organizacional,
aprofunda a análise das correntes subjetivistas nos estudos e pesquisas empíricas do campo organizacional,
destacando o individualismo metodológico, de forma a considerar a presença significativa dessa corrente
nos estudos organizacionais. As contribuições sociológicas de Giddens e Bourdieu são analisadas, sendo
que apresentam duas tentativas de síntese no debate objetividade-subjetividade. E, por fim, destaca
algumas aplicações dessas perspectivas teóricas no campo de estudo e pesquisa organizacional a partir da
visão crítica do pós-modernismo, visando a apontar possíveis perspectivas e limitações.

Alketa Peci
EBAPE/FGV

ABSTRACT This paper presents a critical reflection about objectivity-subjectivity relationship and its presence in the organizational studies,
aiming an analysis of the theoretical synthesis of Giddens and Bourdieu and its possible impact in organizational theory (OT). The paper presents
some classical OT contributions, it deepens the analysis of subjective thought and its status in organizational field, singularizing the importance
of methodological individualism and its expressive presence in OT. Giddens and Bourdieu theoretical contributions are examined, considering that
they express a synthesis of objectivity-subjectivity debate. At last, some possible applications of this theoretical perspective in OT are accurately
studied, based on the critical vision of post-modernism, aiming to identify possible perspectives and limitations of this synthesis to organizational
field.

PALAVRAS-CHAVE Teoria organizacional, ação, estrutura, teoria organizacional, perspectivas sociológicas.


KEY WORDS Organizational theory, agency, structure, organization theory, sociological perspectives.

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INTRODUÇÃO Na linguagem comum, a palavra organização é usa-


da de duas formas diferentes. Conforme Bonazzi (2000)
Os estudos organizacionais caracterizam-se pela domi- destaca, por organização é possível denotar um ente
nância da perspectiva objetivista. Prevalecem correntes te- social baseado na divisão do trabalho e das competên-
óricas, como o contingencialismo e o institucionalismo, cias ou o modo segundo o qual um dado ente social é
que percebem a organização como reflexo das característi- organizado. Existem organizações bem ou mal organi-
cas do ambiente no qual se insere. Assim, o comportamen- zadas. É objetivo da teoria organizacional compreen-
to organizacional consiste em estratégias – adaptativas, rea- der as organizações enquanto fenômeno social, mas,
tivas, miméticas – que buscam a sobrevivência organiza- também, como toda teoria, o caráter normativo e o
cional, em um contexto de contínua mudança. As organi- prescritivo estão igualmente presentes na idealização
zações, a ação organizacional e a estrutura têm sido vistas ou proposta de modelos que sugerem o melhor modo
como respostas às diversas condições objetivas. Desse de se organizar, traduzido em instrumentos “úteis” para
modo, os processos sociais e culturais que dão forma à a prática organizacional.
estrutura e ao comportamento organizacional têm sido Segundo Bonazzi (2000), as contribuições interpre-
deixados de lado ou considerados variáveis exógenas, coi- tativas da teoria organizacional examinam as dinâmi-
sificadas como “realidade”, “sociedade” ou “ambiente”. cas sociais observáveis nas organizações. A corrente
As tentativas de introduzir a perspectiva subjetivista prescritiva prevalece nas teorias gerenciais e de em-
nos estudos organizacionais estão mais presentes na área presa, enquanto as contribuições interpretativas estão
da cultura organizacional ou do processo decisório. No mais presentes na sociologia organizacional. Fazendo
entanto, é possível juntar, sob a denominação “subjeti- uma leitura crítica dessa interpretação de herança po-
vista”, correntes teóricas das mais diversificadas, tais como sitivista, vale lembrar a dificuldade de separar a inter-
o cognitivismo, a fenomenologia e o individualismo me- pretação da prescrição: a fronteira entre o que a orga-
todológico, que partem de premissas diferentes. nização é o que a organização deve ser é muito tênue e
Este trabalho apresenta uma reflexão teórica sobre a depende das interpretações e do uso das teorias / ideo-
relação objetividade-subjetividade e sua presença no cam- logias.
po de estudos organizacionais, visando a analisar as pers- Tendo em vista essas observações, apresentam-se al-
pectivas abertas a partir das sínteses teóricas de Giddens gumas perspectivas consideradas clássicas em TO num
e Bourdieu. espaço de tempo limitado, marcado pelo advento da
A primeira parte apresenta as principais contribuições Administração Científica de Taylor. O objetivo é des-
da teoria clássica organizacional e destaca o papel da sub- tacar, embora muito brevemente, o que prevalece na
jetividade no campo dos estudos organizacionais. Atenção teoria organizacional nesse período.
especial é dedicada ao individualismo metodológico, con- O modelo racional de organização, que encontra suas
siderando a enorme presença dessa corrente nos estudos melhores contribuições em Taylor e Weber, olha a or-
organizacionais, especialmente em relação aos processos ganização como um instrumento para alcançar objeti-
decisórios, assim como o importante papel do prêmio Nobel vos predefinidos à base de critérios de racionalidade
de Economia, Herbert Simon, que contribuiu significati- instrumental. As estruturas legalmente prescritas e a
vamente para a área organizacional. As contribuições soci- conformidade do comportamento individual a tais es-
ológicas de Giddens e Bourdieu são analisadas, sendo que truturas são os objetos principais da análise (Bonazzi,
apresentam duas tentativas de síntese no debate objetivi- 2000).
dade-subjetividade. Por fim, destacam-se algumas aplica- Taylor, baseado em uma concepção puritana do
ções dessas perspectivas teóricas no campo de estudo e trabalho humano, lança suas idéias de administração cien-
pesquisa organizacional e, a partir da visão crítica do pós- tífica no fim do século XIX, partindo de algumas im-
modernismo, apontam-se possíveis perspectivas e limita- portantes premissas: natureza maléfica do ser huma-
ções de tais tentativas de síntese teórica. no, auto-interesse individual, existência de métodos or-
ganizacionais inadequados que propiciam o desperdí-
cio da energia humana e superioridade da ciência po-
TEORIAS ORGANIZACIONAIS: PERSPECTIVAS sitivista. Para qualquer problema existe sempre o me-
CLÁSSICAS E O PAPEL DA SUBJETIVIDADE lhor modelo de se organizar, e tal modelo pode ser al-
cançado por meio da aplicação de métodos científicos
Algumas perspectivas consideradas clássicas na TO de pesquisa. Conseqüentemente, os quatro princípios

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básicos de organização são: estudo científico de méto- argumenta que a busca do lucro máximo não é – e não
dos de trabalho; seleção e adestramento científico de deve ser – o único objetivo da organização. Um con-
mão-de-obra; relações de estima e colaboração cordial junto de objetivos concreto e variável no tempo dirige
entre os dirigentes e a mão-de-obra; e, distribuição uma busca limitada de lucros, de modo a compensar
uniforme do trabalho e das responsabilidades entre a os riscos da atividade econômica. Esse conjunto de
administração e a mão-de-obra. objetivos substitui a importância das normas impessoais
Weber contribuiu para o estudo da burocracia ad- da burocracia weberiana. Na visão de Drucker, as ca-
ministrativa enquanto aparelho típico do poder legal. pacidades estratégicas de indivíduos – especialmente
Para Weber, o objeto da Sociologia é estudar a ação gerentes – ganham mais importância. Mas, como se
dotada de sentido. Os fundamentos, enquanto tipos observa, o caráter instrumental da racionalidade da
ideais, de tal ação são: ação racional com respeito ao fim organização predomina.
– o sujeito atua racionalmente visando a conseguir um Na segunda vertente de modelos organizacionais
determinado objetivo no mundo externo, avalia os encaixa-se o modelo natural (denotação de Gouldner),
meios em relação aos fins, os fins em relação às conse- que olha a organização como um sistema composto
qüências e, eventualmente, os diversos tipos de fins de partes organicamente interdependentes. A realiza-
entre si. As decisões são tomadas com base em cálcu- ção de propósitos predefinidos perde a relevância e
los de custos e benefícios. Tal tipo de racionalidade, as mudanças não são dadas conforme princípios da
na opinião do Weber, é uma das características princi- racionalidade instrumental, mas como respostas cu-
pais do mundo moderno, é a base da ação capitalista, mulativas que visam à sobrevivência do sistema orga-
entendida como acumulação metódica, contínua e ili- nizacional, adaptando-se ao ambiente. A escola de
mitada de capital que visa à criação de outro capital; relações humanas, a teoria da contingência, assim
ação racional com respeito ao valor – nesse tipo de ação, como a visão sistêmica de Parsons, são mais próxi-
o sujeito guia-se pela crença consciente em um deter- mas dessa corrente.
minado valor que se demonstra na ação, independen-
temente das conseqüências que desta possam derivar; Subjetividade nos estudos organizacionais
ação baseada nos afetos – determina-se por impulsos, Deixando de lado o individualismo metodológico de
emoções e não por resultados ou valores; ação baseada Simon, perspectivas teóricas baseadas no reconheci-
na tradição – a base de um costume. Muitas das rotinas mento da subjetividade – como fenomenologia e
cotidianas podem ser vistas a partir desse prisma, em- existencialismo – sempre tiveram pouco espaço nos es-
bora a ação afetiva também possa estar presente. tudos organizacionais. Nos anos 1970, os paradigmas
Com base no tipo ideal – um procedimento de abs- existentes como teoria de sistemas e de contingência
tração, conceito qualitativo construído por meio de se- enfatizavam a importância de fatores – à primeira vista
leções e acentuações unilaterais, que serve para com- objetivos – como ambiente e tecnologia, e buscavam
parar fenômenos –, Weber examina a burocracia. Esse conexões estruturais, além das escolhas e estratégias
tipo ideal é concebido como um aparelho ótimo dota- humanas. Expressões, de uso corrente até os dias de
do de racionalidade com relação aos fins. hoje, como “a empresa atua de tal forma”, “pensa des-
Depois de Weber, um pressuposto predominou no sa maneira” ou “reage assim”, simbolizam o grau de
estudo das organizações: a burocracia como a única for- reificação do objeto “organização”.
ma das organizações racionais. Vários estudiosos, como O fato de as estruturas organizacionais serem simi-
Merton e Gouldner, aplicaram a abordagem funciona- lares em diferentes países do mundo influenciou, por
lista aos termos weberianos da burocracia e confronta- longos períodos, a objetividade presente nos estudos
ram a intenção racional, com a qual os sujeitos agem, organizacionais. Foi no âmbito dos estudos culturais
com as conseqüências não esperadas que derivam no que tal perspectiva começou a ser questionada e a di-
nível da estrutura. Mas, somente a partir dos anos 1960, mensão mais qualitativa das organizações colocou-se
a pesquisa organizacional começou a questionar esse em evidência.
pressuposto weberiano e reconhecer que outras formas Os anos 1970 marcam a maturação do debate sub-
organizacionais mais flexíveis podem existir ao lado das jetividade-objetividade, ação-estrutura, significado-
burocracias. função na pesquisa organizacional. Partindo das pre-
Outros autores questionaram os fins da organização. missas objetivistas do funcionalismo de Parsons, pas-
Por exemplo, Drucker, em sua gestão por objetivos, sando pela contribuição de Simon e sua resistência a

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não reificar seu objeto de estudo, e voltando à reificação ca dos mecanismos causais que servem como unidade
com a abordagem contingencial, o paradigma vigente básica das Ciências Sociais, baseado, principalmente,
entra em crise. O encontro com a antropologia cultu- na teoria da escolha racional. Segundo o autor, a uni-
ral e a sociologia urbana fez com que a pesquisa etno- dade elementar da vida social é a ação humana indivi-
gráfica começasse a ser utilizada cada vez mais como dual. Explicar as instituições e a mudança social é
instrumento de pesquisa organizacional (Bonazzi, mostrar como elas instituem-se como resultado da ação
2000). Ver figura 1. e interação de indivíduos. Tal perspectiva, conhecida

Figura 1 – Algumas perspectivas sociológicas

Abordagem Objetivista Abordagem Subjetivista

Recursos simbólicos Culturalismo, funcionalismo normativo Cognitivismo, fenomenologia

Recursos materiais Estruturalismo, marxismo Individualismo metodológico

Fonte: Bonazzi (2000).

Marcada pela influência de um número de escolas – como individualismo metodológico1, serve como base para
fenomenologia, simbolismo, cognitivismo, etnografia várias teorias no campo organizacional.
etc. –, a teoria organizacional retoma o aspecto subje- Em nível individual, explicar uma ação é olhá-la
tivo nos estudos organizacionais. como resultado final de dois filtros. O indivíduo en-
Karl Weick contribui com a corrente subjetivista de contra-se frente a uma ampla gama de ações possíveis.
estudos organizacionais partindo do ponto de vista de O primeiro filtro compõe-se de todas as limitações fí-
que o mundo externo não tem um sentido em si, são sicas, econômicas, legais e psicológicas que o indiví-
os seres humanos que atribuem sentido ao mundo. duo enfrenta. O segundo filtro determina quais ações,
Nesse sentido, o processo cognitivo por meio dos quais dentro do conjunto de oportunidades, serão, de fato,
os indivíduos dão sentido aos fluxos de experiência desempenhadas. Os principais mecanismos considera-
devem ser objeto de estudo. Um de seus conceitos mais dos são: escolha racional e normas sociais.
utilizados nos estudos organizacionais relaciona-se com Para o autor, os mecanismos geradores de escolha
os mapas cognitivos, ou causais, construções dotadas são mais fundamentais do que os mecanismos gerado-
de sentido e ordem lógica. Talvez seja esta uma das res de normas. Na perspectiva da escolha, as ações são
principais diferenças entre o cognitivismo e a fenome- explicadas por oportunidades e desejos: o que as pes-
nologia, segundo a qual não devem existir premissas soas podem fazer e o que elas querem fazer. Às vezes,
na análise do objeto, e é ele que vai nos mostrar, por as limitações são tão fortes, que pouco espaço é deixa-
meio da variação, as múltiplas e inesgotáveis facetas do para o segundo filtro (escolha ou norma) operar. O
de sua compreensão, tentando compreender os pres- conjunto de oportunidades é reduzido a uma única pos-
supostos de sua existência, aquilo que é considerado sibilidade de ação.
como natural e nunca é questionado. O debate sobre a relativa importância de oportuni-
Tendo em vista o espaço limitado deste trabalho, dades ou preferências é controverso. No entanto, o
enfocar-se-á o individualismo metodológico, conside- autor aponta que, pelo menos em um aspecto, as opor-
rando a contribuição notável dessa corrente no campo tunidades são mais básicas que os desejos: são mais
de estudos organizacionais. A parte a seguir baseia-se fáceis de serem observadas, não apenas pelos cientis-
no suporte teórico de Elster (1989), filósofo e cientista tas sociais, mas também por outros indivíduos na soci-
social, importante representante dessa corrente de es- edade. Outra razão tem a ver com a possibilidade de
tudos. influenciar o comportamento. É mais fácil – no senti-
do custo-benefício – mudar as circunstâncias e opor-
Individualismo metodológico e seu importante papel na TO tunidades humanas do que mudar os modos de pen-
Elster (1989) apresenta algumas considerações acer- sar. As oportunidades são externas ao indivíduo, ob-

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jetivas. Desejos são internos e subjetivos. A dificulda- cooperativa de membros – sejam eles funcionários,
de reside em como os elementos objetivos e subjetivos gerentes ou proprietários – está na base da análise de
interagem para produzir uma ação. Barnard. Escrito no auge do sucesso da administração
Com base nessas considerações, apresenta-se a teo- científica de Taylor, o autor, um prático e agudo obser-
ria da escolha racional, segundo a qual, quando as vador do fenômeno organizacional, introduziu vários
pessoas enfrentam diversos cursos de ação, elas ge- conceitos relacionados com a psicologia e a sociologia
ralmente farão o que acreditam irá alcançar o melhor das organizações, fortemente influenciado por Mary
resultado geral. Parker Follet e Fayol.
Escolha racional é instrumental: é dirigida pelos re- O autor considera o indivíduo como “coisa total, sin-
sultados das ações, por isso é tão influente na teoria gular, única, independente, isolada, abarcando inúme-
organizacional. A escolha racional tem relação com o ras forças e matérias passadas e presentes, que consti-
encontro dos melhores meios para dados fins. No en- tuem fatores físicos, biológicos e sociais” (Barnard,
tanto, as pessoas escolhem o que elas acreditam ser o 1971, p. 44). Ele parte da premissa de que o poder de
melhor meio. O processo pode ser racional, mas não escolha é limitado. O livre-arbítrio também é limitado
verdadeiro. A verdade é uma relação entre a crença e o porque o poder de escolha dos seres humanos é parali-
objeto da crença. A racionalidade é uma relação entre sado se for grande o número de oportunidades iguais.
a crença e no que essa crença se baseia. A limitação das possibilidades é necessária para a es-
Elster apresenta uma análise interessante sobre a colha. “A tentativa de limitar as condições de escolha,
ação humana e oferece contribuições pertinentes so- de forma que torne praticável o exercício de querer, é
bre a interação. Ele considera que muitos eventos o que chamamos de criar ou realizar um ‘propósito’,
apresentam conseqüências não-intencionais – objeto ou finalidade” (Barnard, 1971, p. 45). Os objetivos
das Ciências Sociais – devido à interação e interfe- são vistos como tentativas de limitar as condições de
rência social. escolha. As limitações, dentro das quais a escolha é
Segundo o autor, a ação coletiva define-se com base possível, são impostas pela presença conjunta de fato-
na cooperação: “Cooperar é atuar contra o próprio in- res físicos, biológicos e sociais. Em coerência com o
teresse de modo a que todos possam se beneficiar, caso arcabouço teórico oferecido por Elster (1989), o autor
alguns, ou possivelmente todos, atuem da mesma ma- enfatiza que as escolhas são feitas com base em propó-
neira” (Elster, 1989, p. 126). Problemas da ação cole- sitos, desejos, impulsos do momento e alternativas ex-
tiva tornam-se evidentes porque é difícil fazer com que ternas ao indivíduo, por ele reconhecidas como
as pessoas cooperem para seu benefício mútuo. Resol- aproveitáveis ou úteis – ou seja, oportunidades.
ver o problema é alcançar cooperação mutuamente be- Eis algumas idéias do autor: “A implicação mais co-
néfica. mum da filosofia do individualismo, da escolha ou li-
Parece óbvio que a existência das organizações deve- vre-arbítrio, reside na palavra ‘propósito’. A expressão
se principalmente à superação de tais dilemas. Taylor mais comum da filosofia, oposta da determinação, do
foi um dos primeiros a reconhecer que a organização é behaviorismo, do socialismo, é ‘limitação’. Da existên-
um corretivo das limitações humanas, mas baseia-se cia de propósitos de indivíduos – ou da crença em sua
em uma concepção perversa da natureza humana. existência – e da experiência de limitações, origina-se
A relação entre as limitações humanas e a necessi- a cooperação para atingir propósitos e superar limita-
dade de recorrer à cooperação organizada é enfatizada ções” (Barnard, 1971, p. 52).
por Barnard (1971) em seu livro As funções do executi- “Cooperação e organização, como são observadas e
vo, publicado originalmente em 1938. Barnard é um experimentadas, são sínteses concretas de fatos opos-
dos primeiros a ser influenciado pelo progressivo de- tos, bem como de pensamentos opostos e emoções dos
clínio do individualismo utilitarista (darwinismo social), seres humanos. A função do executivo é exatamente a
a favor de uma filosofia que considera a sociedade como de facilitar a síntese de forças contraditórias em ação
uma entidade cooperativa regulada por princípios concreta, para reconciliar forças, instintos, interesses,
morais. O autor define as organizações como sistemas condições, posições e idéias conflitantes” (Barnard,
cooperativos: complexos de componentes físicos, bio- 1971, p. 51).
lógicos, pessoais e sociais, que estão em uma relação Retomando a análise de Elster, e em coerência com
sistêmica específica, em virtude da cooperação de duas o pensamento de Barnard, seria um erro supor que a
ou mais pessoas visando a um alvo definido. A ação motivação central da cooperação seria o interesse pró-

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prio do indivíduo. Existe um conjunto de fatores entre ou mais indivíduos” (Elster, 1989, p. 29). No entanto,
os quais sempre estão presentes motivações não- quando duas ou mais pessoas interagem, as conseqüên-
egoísticas. cias da interação podem ser diferentes das esperadas.
Na corrente de estudos organizacionais, o autor que Estudar a organização é estudar os efeitos da interação
mais se destaca na aplicação da perspectiva da escolha entre indivíduos. A análise de Simon olha a organiza-
racional é Simon. O objetivo de sua análise não são os ção como resultado das ações – coordenadas e racio-
fins e as funções desempenhadas pelas organizações, nalmente limitadas – de um conjunto de pessoas que
mas os comportamentos humanos concretos nas orga- agem baseadas em premissas internas e externas à pró-
nizações. Nas organizações, as pessoas são vistas como pria organização. Assim como Elster (1989), que é cé-
sujeitos que tomam decisões continuamente. Assim, a tico em relação à modelagem organizacional, para
decisão torna-se o objeto principal do conhecimento Simon, as decisões individuais são vistas como um pro-
administrativo. cesso no qual determinados meios são escolhidos vi-
Simon revoluciona – ganha o Nobel em Economia e sando a alcançar determinados fins. Baseado no
“adota-se” como teórico da área organizacional – quan- positivismo lógico, Simon considera a adequação de
do enfatiza o caráter limitado da racionalidade huma- meios como objeto de juízos de fato e a escolha dos
na. As limitações objetivas do conhecimento, a impos- fins como objeto de juízos de valor. Embora tal defini-
sibilidade de prever todas as conseqüências, a incapa- ção lembre Weber, Simon não reconhece a tensão cria-
cidade de considerar, simultaneamente, numerosas da entre esses juízos, mas os coloca em uma contínua
variáveis na tomada da decisão, a incerteza interna a relação.
qualquer hierarquia de preferências, a disposição men- Outros autores contribuíram na mesma linha de es-
tal e as convicções devidas à cultura e a outros condi- tudos que enfatiza o processo decisório nas organiza-
cionamentos sociais fazem com que, na maioria dos ções. Na administração pública, o processo decisório
casos, as decisões sejam tomadas com base no critério incremental apresenta-se, para Linbdlom, como a me-
da satisfação, em vez de otimização. lhor forma de fazer políticas públicas. O autor observa
A análise de Elster coincide com a de Simon quando que grande parte das decisões políticas é tomada com
os dois reconhecem que as ações podem influenciar base em um processo decisório incremental. “Ruptu-
decisões ou, como Elster aponta, as ações influenciam ras” associam-se com grandes riscos políticos, que pou-
desejos e oportunidades. Isso torna o processo de aná- cos governantes são capazes de enfrentar. Por meio de
lise extremamente complexo e influencia na limitação um processo decisório incremental – muddling through
da racionalidade. –, assegura-se maior flexibilidade e adaptabilidade às
Simon retoma o modelo proposto por Barnard em condições incertas do ambiente.
1938. As organizações oferecem o modo mais eficaz de
integrar e coordenar o comportamento humano, man-
tendo a racionalidade em nível alto. O equilíbrio entre SUBJETIVIDADE-OBJETIVIDADE: A PERSPECTIVA
os incentivos e as contribuições, proposto por Barnard ABERTA COM OS ESTUDOS SOCIOLÓGICOS
como princípio geral do funcionamento de uma orga-
nização, é retomado na análise de Simon. Esse equilí- As contribuições de Giddens e Bourdieu na Sociolo-
brio é visto como o resultado do fluxo de decisões – gia têm em comum a tentativa de apresentar uma sín-
racionalmente limitadas – tomadas pelos indivíduos no tese das perspectivas que enfatizam a objetividade e a
âmbito das organizações. Assim, o sujeito confronta as subjetividade, representando, para o campo da Socio-
contribuições que é disposto a dar com os incentivos – logia, o esforço de superação da crise do funcionalis-
materiais ou morais – que espera receber. mo parsoniano e do determinismo estrutural marxista.
Diferentemente dos funcionalistas, Simon não ana- Aqui reside a principal semelhança das propostas teó-
lisa apenas o consenso dos membros de uma organiza- ricas dos dois autores: a superação de dicotomias como
ção, mas também as causas e as formas dos conflitos ação-estrutura, objetividade-subjetividade e indivíduo
que possam ser de natureza individual ou organizacio- / pessoa-sociedade. Ainda, os dois autores concebem
nal. seus referenciais teóricos a partir de uma relação
Atuar racionalmente é fazer bem, enquanto puder, dialética entre essas dicotomias.
para si mesmo. “A noção da racionalidade é definida Como se pode perceber no decorrer do texto, eles
para um indivíduo, não para uma coletividade de dois constroem seus – substancialmente diferentes –

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referenciais teóricos influenciados por diversas pers- O ator social, visto como agente, conhece boa parte
pectivas, aprofundando e reelaborando conceitos da fe- das condições da reprodução da sociedade a que ele
nomenologia – conceito de habitus em Bourdieu ou co- pertence – perspectiva negada no estruturalismo e no
nhecimento tácito e reflexividade em Giddens; do in- funcionalismo. A partir da consciência e da agência hu-
dividualismo metodológico – mais presente em mana, Giddens diferencia os conceitos de consciência
Giddens, mas também adaptado nas definições de jogo prática – conjunto de conhecimentos tácitos utilizados
/ interesse de Bourdieu; do estruturalismo – mais pre- em práticas sociais, presente no nível do subconscien-
sente em Bourdieu, por exemplo, na definição do te e referente à intencionalidade, mas não se revelando
habitus como estruturas estruturantes, mas também por meio de práticas discursivas – e consciência
forte em Giddens, em seu conceito de estrutura; e, ain- discursiva – referente ao conhecimento que os atores
da, do funcionalismo e do pragmatismo – Giddens –, podem expressar por meio de discursos (Giddens,
assim como do marxismo – Bourdieu. 1979, p. 25). Baseado em Wittgenstein, Giddens (1979,
p. 34) escreve que “o que não pode ser dito é (...) o
Anthony Giddens que deve ser feito: os significados dos itens lingüísticos
A principal contribuição de Giddens na área da So- são intrinsecamente envolvidos com as práticas que
ciologia relaciona-se à sua teoria de estruturação que, abrangem as formas de vida”, diferenciando-se do es-
a partir de uma visão dinâmica, visa a permitir o estu- truturalismo, para o qual o tácito é identificado com o
do da ação de atores individuais e os impactos da es- inconsciente.
trutura sobre eles, facilitando ou dificultando essa ação As atividades sociais humanas são recursivas, ou seja,
e possibilitando mudanças na ação dos indivíduos, as- elas não são criadas pelos atores sociais, mas são con-
sim como mudanças na sociedade. tinuamente recriadas por eles. Envolvidos em tais ati-
Como o autor reconhece, a teoria de estruturação vidades e por meio destas, os agentes reproduzem as
visa a preencher um vácuo: a falta de uma teoria de condições que tornam as atividades sociais possíveis.
ação nas Ciências Sociais. Relendo as contribuições es- No entanto, a ordem recursiva das práticas sociais tor-
truturalistas – em especial de Saussure e Levy-Strauss na-se possível por causa da forma reflexiva de conheci-
– e funcionalistas2 em relação aos conceitos de estru- mento dos agentes humanos. A continuidade das prá-
tura e sistema, o autor propõe uma teoria de agência ticas presume reflexividade, mas esta última torna-se
que tem por objetivo captar as relações espaciais ine- possível como conseqüência da continuidade das prá-
rentes à constituição de todas as interações sociais. O ticas sociais, que se tornam distintivamente “as mes-
autor busca relacionar a ação humana com a explica- mas” no espaço e no tempo (Cassell, 1993, p. 89-90).
ção estrutural. Ele argumenta que as noções de ação e Assim, a intencionalidade do sujeito – crucial para
estrutura pressupõem uma a outra, mas o reconheci- a fenomenologia – elabora-se com base no conceito de
mento dessa relação dialética requer a reelaboração dos monitoramento reflexivo da conduta apresentado por
conceitos relacionados com cada um dos termos Kristeva, de modo a abranger o conceito de consciên-
(Giddens, 1979, p. 53). cia prática. Tal concepção considera as razões e inten-
A teoria de estruturação enfatiza que a compreen- ções iniciadas rotineira e cronicamente na atividade
são dos sistemas sociais situados no tempo-espaço pos- social humana. O caráter intencional das ações huma-
sa ser efetuada vendo a estrutura não no tempo e no nas deve ser visto como um fluxo contínuo e não como
espaço, mas como ordem virtual de diferenças, produzi- um conjunto de estados de consciência que, de algu-
da e reproduzida em interações sociais, como meio e ma forma, acompanham a ação (Giddens, 1979, p. 39-
produto (Giddens, 1979, p. 3). 40).
Giddens (1979, p. 69) visa à superação de dualismos: O modelo estratificado do ser atuante envolve, ao
tipos voluntarísticos versus tipos determinísticos, sujei- lado do monitoramento reflexivo, a racionalização e a
to-objeto, indivíduo-sociedade, estática-dinâmica e ou- motivação da ação como conjuntos relacionados de pro-
tros. A teoria de estruturações envolve o conceito de cessos. Assim, a síntese de Giddens resume-se na Fi-
dualidade da estrutura, que tem a ver com a recursividade gura 2.
essencial da vida social e expressa a dependência mútua Outro conceito de Giddens, menos utilizado no cam-
de estrutura e agência, tal como se apresenta nas práti- po de estudos organizacionais, tem a ver com a con-
cas sociais. A estrutura é meio e produto da reprodução ceituação das relações de poder, enquanto relações re-
das práticas (Giddens, 1979, p. 5). gularizadas de autonomia e dependência. Baseado no

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reconhecimento da agência, Giddens enfatiza que, por também exterioriza o interior (Pinto, 2000). Tais es-
mais subordinado que o ator possa ser em uma relação truturas interiorizadas, incorporadas pelos agentes
social, o fato de estar envolvido em tal relação lhe dá sob a forma de um senso prático que facilita a orien-
um certo poder sobre o outro, fazendo uso dos recur- tação nos domínios concernentes das existências so-
sos que ele possui. A partir da dualidade da estrutura, c i a i s , apresentam quatro dimensões principais:
ele olha o poder simultaneamente como capacidade disposicional 5, distribucional 6, econômica 7 e categóri-
transformadora – enfatizada pela filosofia da ação – e ca 8, que se fazem presentes de forma associada no tra-
como dominação – propriedade estrutural. balho empírico (Pinto, 2000, p. 39-41).
O autor ressalta a importância do ciclo que se esta- Analisando os estilos de vida, Bourdieu (1984, p.
belece entre as conseqüências não intencionais3 da ação 170) conceitua habitus como princípio gerador de jul-
dos atores – objeto da análise funcionalista e estrutu- gamentos objetivamente classificáveis e, paralelamen-
ral – e as intenções da ação humana – enfatizadas na te, como sistema de classificação de tais práticas. As
filosofia da ação. “A fuga da história das intenções hu- condições de existência objetivamente classificáveis e
manas e o retorno das conseqüências dessa fuga como a posição na estrutura das condições de existência ge-
influências causais na ação humana são características ram o habitus: estrutura estruturante, que organiza prá-
cruciais da vida social” – realça o autor (Giddens, 1979, ticas e percepções das práticas, mas também estrutura
p. 7), em coerência com Elster. estruturada, considerando que o princípio de divisão
em classes lógicas, o qual organiza a percepção do
Pierre Bourdieu mundo social, é, em si, produto da internalização da
A síntese de Bourdieu baseia-se em dois conceitos divisão social em classes.
principais: habitus e campo. Assim como Giddens, Por meio de pesquisas empíricas, Bourdieu conclui
Bourdieu oferece uma síntese das perspectivas subjeti- que a aquisição do habitus não é um processo de apren-
vista e objetivista, mas caracteriza-se por uma propen- dizagem mecânica 9. Todas as sociedades prevêem for-
são estruturalista mais forte e mantém vários concei- mas de transmissão de práticas, que, embora espontâ-
tos marxistas em sua análise. neas, apresentam exercícios estruturais tais como en-
Um filósofo de formação, mas convertido às Ciên- contrados na pesquisa empírica sobre a sociedade
cias Sociais, Bourdieu é influenciado pela tradição kabila: a observação silenciosa das reuniões de homens,
fenomenológica-existencialista que dominou o pensa- a participação cotidiana na troca de presentes, comu-
mento francês nos anos 1950, assim como pela nova nicações léxicas e gramáticas, relações mãe-pai etc.
corrente estruturalista. Seus trabalhos de campo e o Estudando a condição de classe e o condicionamen-
acesso à area teórica da antropologia estrutural permi- to social, o autor alerta que indivíduos agrupados em
tem-lhe reconstruir o conceito de habitus 4, que visa a classes trazem com eles, além das propriedades perti-
explicar “as relações de afinidade entre as práticas dos nentes com base nas quais se classificam, outras se-
agentes e as estruturas objetivas” (Pinto, 2000, p. 38). cundárias, às vezes ocultadas nos modelos aleatórios.
Bourdieu (1972, p. 188) considera habitus como “um A classe social não é definida por uma propriedade,
sistema subjetivo, mas não individual, de estruturas por uma coleção de propriedades, ou por uma cadeia
interiorizadas, esquemas de percepção, de concepção de propriedades que partem de uma propriedade cen-
e de ação que são comuns a todos os membros do mes- tral em uma relação causa-efeito, condicionante-con-
mo grupo ou da mesma classe”. “Habitus, uma relação dicionado, mas pela estrutura das relações entre todas
objetiva entre duas objetividades, torna possível uma as propriedades pertinentes – estrutura esta que dá seu
ligação inteligível e necessária a ser estabelecida entre valor específico a cada uma das propriedades e aos efei-
as práticas e a situação, o significado que é produzido tos que elas exercem nas práticas (Bourdier, 1984, p.
pelo habitus por meio das categorias de percepção e 104).
apreciação que são, em si, produtos de uma condição Quebrando com o pensamento linear, Bourdieu
social observável” (Bourdieu, 1984, p. 101). aconselha à reconstrução de redes de relações interli-
Ou seja, o habitus é o conceito-chave para a síntese gadas que são presentes em cada um dos fatores. Para-
subjetividade-objetividade de Bourdieu, uma vez que lelamente, ele reconhece que, de um lado, os agentes
deve ser compreendido como uma gramática gerativa não são completamente definidos pelas propriedades
de práticas conforme as estruturas objetivas de que ele que possuem em um dado momento, cujas condições
é produto. O habitus não só interioriza o exterior, mas de aquisição persistem no habitus. De outro lado, a re-

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FÓRUM 2º ENEO – RAE • ESTRUTURA E AÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES: ALGUMAS PERSPECTIVAS SOCIOLÓGICAS

lação entre a posição social inicial e a atual é estatística utilitarista nas Ciências Sociais, insiste em que o prin-
e de uma intensidade muito variável (Bourdieu, 1984). cípio das estratégias presentes nos campos – filosófi-
Ao aproximar o possível e o provável, a esperança sub- cos, literários e outros – não é o cálculo cínico, a busca
jetiva e a probabilidade objetiva, mediante a noção de consciente da maximização do ganho, mas uma rela-
habitus, ele modifica a perspectiva fenomenológica-exis- ção inconsciente entre um habitus e um campo. O
tencial (Pinto, 2000). habitus, sistema de disposições adquiridas por meio da
A ambição teórica de superação da alternativa entre aprendizagem implícita ou explícita, funciona como um
o subjetivismo – a fenomenologia – e o objetivismo – sistema de esquemas gerador de estratégias que pos-
o estruturalismo – encontra um de seus meios privile- sam ser objetivamente conformadas aos interesses ob-
giados de realização no binômio habitus-campo (Pinto, jetivos de seus atores.
2000, p. 70). Por campo Bourdieu entende espaços es- A perspectiva teórica de Bourdieu caracteriza-se por
truturados de posições que podem ser analisadas in- um considerável grau de determinismo, expresso, tal-
dependentemente das características de seus ocupan- vez com maior força, na busca de homologias entre di-
tes. Existem leis gerais dos campos, embora estes pos- ferentes campos. O autor não nega a ambição de cons-
sam ser tão diferentes entre si como o campo da filoso- truir uma teoria unificadora. Os esquemas geradores
fia, da política, da religião etc. Toda vez que se analisa do habitus são aplicados, por meio de transferência, à
um novo campo, serão descobertas propriedades espe- maioria das áreas de práticas. As estruturas de oposi-
cíficas, mas, ao mesmo tempo, serão reconhecidos ção nas diferentes áreas de práticas são homólogas en-
mecanismos universais. Todo campo pode ser defini- tre si, uma vez que são homólogas à estrutura de opo-
do em função de jogos e interesses específicos e pró- sições objetivas entre condições de classes (Bourdieu,
prios, irreduzíveis aos jogos e interesses de outros cam- 1984, p. 177).
pos. A estrutura do campo é um estado de relação de Com uma linguagem próxima à da física, o autor
forças entre agentes ou instituições engajadas na luta, destaca: “os indivíduos não se movimentam no espa-
ou, se preferível, na distribuição do capital específico, ço social de uma maneira randômica, isto devido em
o qual, acumulado no curso das lutas anteriores, orien- parte ao fato de que eles se sujeitam a forças que
ta as estratégias ulteriores (Bourdieu, 1984b). estruturam esse espaço social e, em parte, porque eles
Mas Bourdieu (1984, p. 119-20), criticando a visão resistem às forças do campo com sua inércia específi-

Figura 2 – Modelo estratificado de ação


Caráter intencional do
comportamento humano
(conhecimento discursivo e tácito)

.l
..
Monitoramento reflexivo da ação

Racionalização da ação
.. -~ Conseqüências não
intencionais da ação

, ~~
Condições de ação Motivação da ação
não reconhecidas ····.. .......... Capacidade de explicar por que atuar
de uma certa forma, dando razões por
seu comportamento

Desejos do ator, aspectos conscientes


ou inconscientes de cognição e emoção

Fonte: Giddens (1979 p. 56).

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ALKETA PECI

ca, isto é, suas propriedades, que podem existir em for- os outros. O ator é visto imerso em um contexto social
mas corporificadas, como disposições, ou em formas e em relação com os outros – por exemplo, uma comu-
objetivadas, como bens, qualificações etc.” (Bourdieu, nidade de acadêmicos. Invocando “intenções”, ativa-
1984(b), p. 109). se uma cadeia de significantes, que são os vários auto-
res e textos de uma certa tradição. Dessa forma, talvez
a crítica mais significante das teorias apresentadas pe-
QUAIS AS CONTRIBUIÇÕES DAS los dois autores relacione-se à ambição de construir
SÍNTESES OBJETIVIDADE-SUBJETIVIDADE “megassínteses teóricas” – o que é mais forte em
PARA A TEORIA ORGANIZACIONAL? Bourdieu.
É difícil identificar as possíveis aplicações e con-
Para analisar as contribuições desses autores na te- tribuições dos referenciais teóricos oferecidos pelos
oria organizacional, é importante levar em considera- dois autores no âmbito da teoria organizacional. Prin-
ção a passagem e o impacto dos pós-modernos no cipalmente, porque nenhum dos dois autores se pro-
campo dos estudos organizacionais. Conforme Calás põe a contribuir para TO e os níveis de análise apre-
e Smircich (1999) destacam, o pós-modernismo tem sentam uma certa incompatibilidade. No entanto, no
sido usado para identificar várias perspectivas que têm entender da autora deste trabalho, as teorias de
em comum algumas características, tais como preo- Giddens e Bourdieu podem vir a encorajar a análise
cupação com a linguagem e a representação e uma dinâmica e integrada dos níveis macro e micro-orga-
reconsideração da subjetividade e do poder. Embora nizacionais, considerando o peso que atribuem à sín-
ainda insuficientemente explorados, alguns dos argu- tese da subjetividade – mais presente nas análises
mentos dessa perspectiva, como a incredibilidade nas micro-organizacionais – e da objetividade – mais pre-
metanarrativas, a crise da representação e a proble- sente nas análises macro-organizacionais. Isso apre-
matização do sujeito e do autor, têm tido particular senta uma significativa contribuição ao campo, mar-
influência nos estudos organizacionais. cado por rígidas fronteiras estabelecidas entre os di-
Pós-modernismo 10 é estruturalismo revisado; revi- versos níveis de análise.
sado como conseqüência do impacto da fenomenolo- Existem diversos trabalhos que fazem uso da abor-
gia de Husserl na formação dos novos estruturalistas dagem de Bourdieu e Giddens. Em relação a Bourdieu,
franceses, como Foucault e Derrida – e Bourdieu. “A o conceito mais utilizado de sua análise tem sido o de
fenomenologia prometia sobretudo pôr fim à ignorân- campo – o que impressiona, considerando que se per-
cia filosófica no que concernia às Ciências Humanas, de o foco da síntese e abre espaço para sérios questio-
mas procurando evitar a armadilha do positivismo” namentos da validade de tais pesquisas, uma vez que,
(Pinto, 2000, p. 23). para o autor, habitus e campo são dialeticamente rela-
Calás e Smircich (1999) destacam que a exaustão cionados. É interessante observar que ao mesmo tem-
do estruturalismo se refere principalmente às expecta- po em que o conceito de campo, trazido para a discus-
tivas frustradas da teoria social francesa em relação a são pela teoria neoinstitucional, ganha espaço na lite-
esse paradigma derivado da linguística estruturalista – ratura organizacional, autores brasileiros aplicam o
ou estruturalismo: oferecer um status científico às Ci- conceito de campo oferecido por Bourdieu em pesqui-
ências Humanas. Essa vertente, baseada na semiologia sas da área (Mincocky, 2001; Carvalho e Lopes, 2001;
de Saussure, olha a linguagem como um sistema estru- Leão, 2001).
tural de relações e diferenças. Desde a Antropologia – Vale lembrar que Bourdieu realizou pesquisas im-
Levy-Strauss –, à Literatura – Barthes – e à Filosofia – portantes no decorrer de sua trajetória acadêmica. O
Althusser –, o estruturalismo ofereceu uma resposta autor construiu e consolidou sua teoria com base nas
particular ao excessivo subjetivismo e intencionalida- primeiras pesquisas antropológicas e as mais recentes
de da fenomenologia e do existencialismo, assim como pesquisas sociológicas. Sua aplicabilidade poderá se
ao excessivo determinismo social e econômico do mar- potencializar quando o conceito de habitus for também
xismo convencional. explorado, servindo como uma escala de intermediação
O novo estruturalismo nega a noção de subjetivida- entre os níveis macro e micro de análise organizacio-
de trazida pela filosofia moderna, que assume que os nal.
seres humanos são sujeitos autônomos, cujos interes- Na literatura internacional, especialmente a de ori-
ses e desejos são transparentes para eles mesmos e para gem anglo-saxã, o impacto da teoria de estruturação

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FÓRUM 2º ENEO – RAE • ESTRUTURA E AÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES: ALGUMAS PERSPECTIVAS SOCIOLÓGICAS

de Giddens é maior. O autor fortaleceu o aspecto dinâ- demonstrando, como Bourdieu, uma inspiração fenomenológica.
mico da perspectiva organizacional e isso se reflete em
5. A dimensão praxiológica, no sentido de orientação social e de uma
pesquisas que tentam juntar conceitos de movimentos disposição afetiva.
sociais com a teoria das redes, como na pesquisa de-
senvolvida por Stevenson e Greengberg (2000), que 6. “O aspecto relacional, sendo que, no mundo social, ser é estar situado e
conclui que atores fracos, com uma posição desfavorá- situar-se em um espaço diferenciado, ajustando-se a seus próprios possí-
vel dentro da rede, também podem influenciar as polí- veis e a eles somente” (Pinto, 2000, p. 39).

ticas fazendo uso de estratégias diretas e sob condi- 7. Revendo noções como interesse, estratégia ou capital, Bourdieu reco-
ções políticas favoráveis11. Outro trabalho interessante nhece que a estratégia da prática pressupõe algo como um capital, mas
no Brasil é de Junquilho (2001), que analisa as condu- um capital que, em certos gêneros, proíbe as formas explícitas de cálculo.
tas gerenciais e suas raízes a partir do referencial da Assim, a economia dos bens simbólicos pode caracterizar a dimensão eco-
nômica do habitus.
teoria de estruturação.
Novamente, não é objetivo de nenhum dos autores 8. O aspecto categorial concerne ao trabalho lógico de ordenação do mundo
oferecer um referencial teórico que visa a ser aplicado a partir de um pequeno número de esquemas generalizáveis e transponíveis.
na área organizacional. Seus objetos de análise são as
práticas sociais. É importante reconhecer que parte da 9. Assim como Giddens (1979), que faz uso extensivo do conceito de
conhecimento prático, Bourdieu utiliza o conceito do conhecimento táci-
tradição de pesquisa de estudos organizacionais, ca-
to, que está presente no habitus, quando analisa a sociedade kabila.
racterizada por uma certa dificuldade de enfocar seu
objeto de estudo – a organização – a partir de uma vi- 10. Usado aqui como sinônimo de pós-estruturalismo.
são unidisciplinar, busca a multidisciplinaridade, ali-
mentando-se das contribuições de teorias psicológicas, 11. Ver também Klinj, Koppenjan e Termeer (1995), que conceituam
redes como padrões, mais ou menos estáveis, de relações sociais entre
sociológicas, econômicas e assim por diante, mas cain-
atores mutuamente dependentes, estabelecidas em torno de problemas
do na superficialidade. Talvez o maior desafio resida de políticas públicas ou agrupamentos de recursos, as quais são forma-
na identificação de conceitos que tais sínteses, signifi- das, mantidas e modificadas por uma série de jogos. Enquanto o jogo
cativas para o estudo das organizações, oferecem. seria uma série contínua e consecutiva de ações de diferentes atores,
dirigido por regras formais e informais, estabelecidas em torno de ques-
tões ou decisões nas quais os atores têm interesse. O que se busca é uma
gerência de redes que visa a melhorar a interação do jogo e os resulta-
dos, lidando, simultaneamente, com a rede (enquanto estrutura) e o jogo
Artigo recebido em 17/09/2002. Aprovado em 07/10/2002. (enquanto interação).

Notas Bibliografia
A autora agradece a EBAPE/FGV pelo apoio institucional e os coordena-
BARNARD, Chester I. As funções do executivo. São Paulo : Atlas, 1971.
dores do ENEO 2002, Professora Dra. Cristina Amélia P. Carvalho
(PROPAD/UFPE) e Professor Dr. Marcelo Milano Falcão Vieira (EBAPE/
BONAZZI, Giuseppe. Storia del pensiero organizzativo. Collana di sociologia.
FGV e PROPAD/UFPE).
Milano : FrancoAgneli, 2000.

1. O autor usa o termo “individual” em um senso extenso, que inclui BOURDIEU, Pierre. Esqueisse d’une théorie de la pratique. Precede de trois
também os tomadores corporativos de decisão, como empresas e gover- études d’ethnologie kabyle. Geneve / Paris : Librairie Droz, 1972.
nos.
BOURDIEU, Pierre. Distinction. A social critique of the judgement of taste.
2. As duas correntes, originadas em Durkheim, enfatizam a prioridade da Cambridge : Harward University Press, 1984.
estrutura sobre a ação. A sociedade é vista como um ambiente inibidor, no
qual atores se movimentam, e que se torna presente por meio de efeitos BOURDIEU, Pierre. Questions de sociologie. Paris : Les Éditions de Minutis,
que pressionam e condicionam a conduta desses atores (Giddens, 1979, 1984b.
p. 51).
CALÁS, Marta B., Smircich, Linda. Past pastmodernism? Reflections and
3. Elster também dedica uma parte de seu trabalho a essa análise. tentative directions. The Academy of Management Review. Special topic forum
on theory development: evaluation, reflections, and new directions. v. 24,
4. Husserl também utiliza esse conceito em suas Meditações cartesianas, n. 24, Oct. 1999.

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Alketa Peci
Pesquisadora do Centro de Acompanhamento Acadêmico e Pesquisa, EBAPE/FGV. Doutoranda em Administração
pela EBAPE/FGV e Pesquisadora Visitante da George Washington University . Interesses de pesquisa em
Perspectivas Paradigmáticas e Pesquisa Organizacional, Teoria Organizacional, e Regulação de Serviços Públicos.
E-mail: alketa@fgv.br
Endereço: EBAPE/FGV - Praia de Botafogo, 190, sala 513.1 - Rio de Janeiro, RJ. CEP 22253-900

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