Sociedades Complexas, Formação Docente e Hermenêutica: Da Oposicionalidade Entre Teoria e Práxis - Revista Filosofia Capital.

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Revista Filosofia Capital

ISSN 1982 6613 Vol. 6, Edição 12, Ano 2011.
SOCIEDADES COMPLEXAS, FORMAÇÃO

DOCENTE E HERMENÊUTICA:
DA OPOSICIONALIDADE ENTRE TEORIA E
PRÁXIS
COMPLEX SOCIETIES, AND TEACHER

HERMENEUTICS:
THE THEORY AND PRACTICE BETWEEN
OPPOSITIONAL
CRUZ, Raimundo José Barros1

ROMANI, Simone2
RESUMO
Temos como principal objetivo com o trabalho, repensar a formação docente numa tentativa
de superação das condições técnicas e instrumentais da formação contemporânea. E, a partir
daí aproximar hermeneuticamente, os processos formativos de um atuar pedagogicamente no
qual o teórico e o prático, superem os ideias de dominação de contextos possíveis,
aplicabilidade técnica e o simplesmente competente, pelo ideal hermenêutico de formação
enquanto autoconstrução e auto-esclarecimento.
Palavras-Chave: Sociedades Complexas, Formação, Docência, Hermenêutica.
ABSTRACT
Our main goal with the work, rethinking teacher education in an attempt to overcome the
technical and contemporary instrumental training. And from then approaching
hermeneutically, Formation of an act pedagogically in which the theoretical and practical
ideas to overcome the domination of possible contexts, technical applicability and the merely
competent, the hermeneutic ideal training as self-help and self-enlightenment.
Keywords: Complex Societies, Training, Teaching, Hermeneutics.
1
Graduado em Filosofia (URI/UPF), Teologia (ITEPA), Música (UPF) e Mestre em Educação pela UPF. Membro do Núcleo
de Pesquisa em Filosofia e Educação – NUPEFE/UPF. Email: rajobac@hotmail.com.
2
Mestre em educação PPGEDU da Universidade de Passo Fundo - UPF (2010) integrando a linha de pesquisa Fundamentos
da Educação. Participante do Núcleo de Pesquisa em Filosofia e Educação (NUPEFE-UPF), Racionalidade e Formação
(PUC-RS) e Iluminismo e Pedagogia (UPF). Possui licenciatura em Educação Física pela Universidade de Passo Fundo
(1999) e especialização em treinamento personalizado pela mesma instituição (2002). Email: simone.romani@gmail.com
Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 6, n. 12, p. 79-86, jan/2011.
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Considerações iniciais discursos formativos orientadores dos

programas de formação docente. Assim,
A educação é uma das mais fortes nossa pretensão vem adequar-se a esse
bases de nossa sociedade. Por esse motivo, contexto ao pretender repensar a formação
trata-se de uma área que precisa ser docente numa tentativa de superação das
constantemente repensada, reconstruída e condições técnicas e instrumentais da
reorientada, tendo como principal objetivo formação contemporânea. E, a partir daí
criar as condições necessárias e suficientes aproximar hermeneuticamente, os
para a formação integral do ser humano. processos formativos de um atuar
Portanto, para que esse processo exigente se pedagogicamente no qual o teórico e o
torne possível é preciso que nossos esforços prático, superem os ideias de dominação de
rumem em busca da identificação dos contextos possíveis, aplicabilidade técnica e
pontos falhos dos processos educativo- o simplesmente competente, pelo ideal
formativos, para que, a partir daí, possamos hermenêutico de formação enquanto
repensá-los, renová-los e reorientá-los. autoconstrução e auto-esclarecimento.
Temos testemunhado hodiernamente
o surgimento de iniciativas importantes Posição do problema
oriundas do campo de debates filosófico
pedagógico, que têm mostrado significativo Acreditamos ser impossível refletir
interesse em contribuir com as diversas sobre problemas relacionados à Filosofia da
discussões referentes aos problemas Educação sem considerarmos as
enfrentados pela educação na atualidade. significativas mudanças culturais pelas
São vários os resultados, reflexões e quais passaram a modernidade e,
problematizações que nascem dessa consequentemente, sobre o modo plural de
investida, o que torna cada vez mais nítidas ser da sociedade contemporânea, resultado
a importância da relação entre filosofia e desse processo de mudanças. Pensar a
educação e a potencialização de possíveis formação docente remete-nos, portanto, aos
reflexões para os diversos contextos diversos problemas que surgem do que
pedagógicos, as quais tomam como ponto denominamos de “sociedades complexas”:
de partida grandes temas e grandes O que significa pensar a formação no
pensadores da história da filosofia. É nesta contexto das sociedades complexas? Qual a
perspectiva que procuraremos atentar para a concepção de ser humano que vigora nos
importância do conceito de formação em processos formativos? Para que sociedade
seu sentido mais amplo. Tendo como os docentes são formados? O problema a
principal objetivo somar forças e contribuir ser enfrentado com este trabalho gira em
com o debate atual sobre a relação teoria e torno da possibilidade de pensarmos a
práxis, tomando como núcleo central o formação docente no contexto das
aprofundamento via hermenêutica de sociedades complexas, para além da
tópicos filosófico discursivos no âmbito da perspectiva cultural ocidental na qual o
formação docente; que venham a favorecer método das ciências naturais norteia as
aos docentes a aquisição de critérios novos relações, as quais se estendem desde a
e diversos para uma avaliação adequada de produção de conhecimento e metodologias
suas práticas pedagógicas. formativas ao modo relacional pedagógico.
Nossa hipótese básica é a de que o Nossa hipótese básica é a de que o
caráter instrumental, técnico e racionalista, momento histórico em que vivemos
característico das Sociedades Complexas, organiza-se via método das ciências
acaba por influenciar determinados naturais, que se origina com o nascimento
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da modernidade, legitima-se no decorrer da pretendemos refletir sobre o conceito de
história e passa a influenciar até mesmo os formação docente. Isso pelo fato de a
modos humanos de relacionamento: uma “sociedade complexa” se apresentar como
herança cultura e intelectual com um “cenário de celebres mudanças e
consideráveis influências nos modelos múltiplas determinações estimuladas pelo
formativos atuais. Será na hermenêutica desenvolvimento científico-tecnológico”
gadameriana que encontraremos as (GOERGEN, 2009, p. 3). A posição em que
possibilidades de questionamento dessa é posta nosso problema de investigação
forma de racionalidade. exige, portanto, os seguintes
Pensar a formação cultural dos questionamentos: Quais as influências do
professores na contemporaneidade remete- processo de desenvolvimento técnico-
nos, necessariamente, à ideia de “sociedade científico nos processos formativos? Quais
complexa”, “uma realidade que surgiu com os sentidos dados à relação entre teoria e
a revolução industrial, mas nunca foi tão prática na formação docente? O que
determinante para a vida individual e significa conhecer na sociedade
coletiva quanto hoje” (GOERGEN, 2009, p. contemporânea? Qual o impacto da cultura
1). Os fatores determinantes nesse processo da informação sobre a formação?
evolutivo são diversos, mas dentre muitos A herança cultural moderna
se destacam o desenvolvimento técnico- instrumentalizadora modela o agir da
científico. Dele resultou o “incremento dos contemporaneidade. Assim, ao tematizar a
meios de comunicação, a globalização da formação docente, rumamos em busca de
economia, a precarização do trabalho a formas de racionalidade que nos ajudem a
mobilidade social, a transformação das superar a oscilação entre polos que “tendem
categorias de espaço e tempo, a valorização a reproduzir dicotomias várias, nas quais,
do conhecimento como fator de produção” aliás, a epistemologia das ciências da
(GOERGEN, 2009, p. 1-2). O que educação tem estado encerrada:
precisamos considerar é que tais mudanças conhecimento fundamental/conhecimento
não permaneceram localizadas nas aplicado, ciência/técnica, saberes/métodos”
realidades objetivas e técnicas comuns ao (NÓVOA, 1995, p.28). Encontraremos na
mundo da vida. Esse processo de mudanças hermenêutica gadameriana a possibilidade
afetou todas as dimensões da vida humana; de enfrentamento desse problema, já que
passando pelo individual e coletivo e, num contexto hermenêutico “a formação
consequentemente, pelos processos considerada algo que nos é possibilitado
educativos. “Também a formação um tema pela tradição, age em direção contrária à do
tão antigo quanto a própria humanidade reducionismo técnico, que não consegue ser
sofre o impacto do domínio da informação fundador de sentido” (HERMANN, 2002,
sobre a formação, do conhecimento sobre o p. 99).
saber” (GOERGEN, 2009, p. 2). O problema a ser enfrentado pela
Pensar a docência e os processos pesquisa adquire maior contundência, ao
formativos nesse contexto torna-se a cada voltarmos nosso olhar para a relação teoria
dia uma tarefa de extrema exigência, uma e prática na formação docente. Qual o valor
vez que “as mudanças e novas conferido à formação teórica no contexto da
complexidades exigem um completo sociedade científico tecnológica? Qual o
repensar de conteúdos e estratégias de valor conferido à formação prática na
aprendizagem” (GOERGEN, 2009, p. 2). contemporaneidade? Que modelo de
Identificamos, pois, no conceito de racionalidade pode nos ajudar a retomar a
“sociedade complexa” as condições relação teoria e prática como movimento
favoráveis para caracterizarmos a “condição constante e indispensável? Como podemos
contemporânea” em meio a qual superar a forte tendência ao praticismo no
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âmbito da formação docente? Como dos eixos articuladores da formação de
podemos reformular nossa compreensão professores nos cursos de licenciaturas do
sobre o relacionamento entre teoria e Brasil. A reorganização dos estágios
prática no contexto da formação de supervisionados, que por um longo período
professores? O que pretendemos enfrentar aconteceram nos finais dos cursos e
com a pesquisa se expressa de forma clara posteriormente vieram a acontecer desde o
na posição de Trevisan ao considerar que a início do curso, como proposta da
discussão sobre a formação de professores Resolução CNE/CP 1/2002, de 18 de
no Brasil parece seguir o deslocamento do fevereiro de 2002, apresenta-se como um
polo do “dever ser” ao “fazer”, o que, em esforço de superação da dicotomia entre
outras palavras, significa o deslocamento teoria e prática. Contudo, o que nos
do polo da teoria para o polo da prática. preocupa é saber até que ponto esse
Nesse sentido, o que pode ser observado no processo realmente está causando o efeito
modelo proposto, subjacente à legislação, é desejado. As contradições surgem no
uma tentativa extremamente problemática momento em que as avaliações das
de minimizar a sua distância, na medida em atuações práticas dos docentes resumem-se
que apenas se afirma essa dicotomia. Dessa em verificar as habilidades adquiridas, e
forma, não acontece uma solução ou capacidades de aplicações de
equacionamento correto, pois somente se conhecimentos adquiridos em sala de aula.
dilui a prática (2009, p. 1). “Há um grande número de pesquisas com
O que nos preocupa é o fato de as depoimento que confirmam a desorientação
políticas de formação de professores não geral” (GOERGEN, 2009, p. 16), e nesse
mostrarem a capacidade de tencionar teoria sentido, as avaliações apontam para uma
e prática sem pôr em descrédito uma das deficiência apenas do ponto de vista
partes. Assim, acabamos por nos deixar prático. A redução da teoria e o aumento da
influenciar substancialmente pelo primado prática resolveriam o problema da formação
da prática, no qual prevalece a ideia de que docente? Para Goergen, sugerir mais prática
“para melhor a qualidade do ensino, basta e menos teoria, antes de se apresentar como
reduzir a teoria e incrementar a prática” contribuição para o equacionamento do
(GOERGEN, 2009, p. 15). Nesse sentido, problema, soa mais como uma suposição
“uma pedagogia na formação de ideológica, na qual a teoria é menos
professores não pode ficar refém de uma importante que a prática nos processos de
pretensa teoria e menos ainda do lado da ensino-aprendizagem. Assim, o que importa
simples prática, o que seria apenas uma nesse contexto é a pergunta sobre o que se
forma de tencionar o problema sem entende por educar; quando educar se
oferecer-lhe uma solução” (TREVISAN, confunde apenas com o ensino de
2009, p.1). Levantamos, pois, tais habilidades e conhecimento, o lado prático
problemas com a idéia de que “certamente da educação certamente ganha
uma das deficiências da formação de proeminência. Por outro lado, se educar se
professores encontra-se nessa relação entre confunde com processo formativo mais
teoria e prática” (GOERGEN, 2009, p.15). amplo, que busque, para além de
Assim, ao invés de primar por conhecimento e habilidades, formação ética
absolutizações dicotômicas, temos de e política e capacidade de leitura e
encontrar os meios para justificar a ideia de contribuição para a transformação da
que “o que deve ser debatido e avaliado é realidade, a formação simplesmente prática
tanto a formação teórica quanto prática” não conseguiria contribuir suficientemente
(GOERGEN, 2009, p. 15). (2009, p. 17). O que pretendemos
Sabemos que a relação entre teoria e questionar são as tendências polarizadoras
prática tornou-se nos últimos tempos um da relação teoria e prática, que, em vez de
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disputarem espaços de forma absolutizada, formação remete-nos à retomada histórica
possam se entender dialeticamente desse conceito. Concentrar-nos-emos,
dependentes e necessárias à formação portanto, na ideia de formação pretendida
integral do educando. pela Bildung alemã.
A ideia de formação e sua
A tarefa hermenêutica proximidade com o conceito de cultura
encontram sua maior expressão no contexto
Ao bordar a hermeneuticamente, das reflexões filosóficas do idealismo
problemas educacionais surgem com uma alemão. “De fato foi Hegel quem elaborou
exigência própria do contexto da maneira mais nítida o que é formação, e
hermenêutico, o qual nos convida a nós seguimos sua definição” (GADAMER,
retomarmos o conceito de formação 2007, p. 47). Na filosofia hegeliana
humana enquanto conceito histórico encontramos a ideia de que o homem
carregado de sentidos atribuídos por educado “caracteriza-se pela ruptura com o
diferentes momentos da tradição, o que o imediato e o natural, vocação que lhe é
torna um elemento nuclear para as ciências atribuída pelo aspecto espiritual e racional
humanas. Constitui-se, portanto, numa de sua natureza” (GADAMER, 2007, p.
investida hermenêutica na qual o conceito 47). Nesse sentido, o homem não é
de formação vê-se afetado pela naturalmente o que deve ser, e a formação é
problematização em torno da compreensão uma necessidade básica para que ele seja
e suas possibilidades, que nos orienta à orientado à universalidade suficiente. Surge
ideia de conferir sentido ao saber cultural com Hegel a ideia de natureza formal da
produzido e acumulado pela tradição. formação, a qual repousa no ideal de
Possibilitada pela tradição, a formação na elevação à universalidade.
perspectiva hermenêutica buscará romper “No conceito de uma elevação à
como os modelos interpretativos estáticos universalidade Hegel consegue reunir o que
comuns ao reducionismo técnico-científico sua época compreendia por formação”
e será transportada para o âmbito vivo da (GADAMER 2007, p. 47). A perspectiva
linguagem, onde encontraremos as idealista hegeliana apresentava um ideal
possibilidades suficientes de atribuição de formativo no qual a universalidade não se
sentidos. Para seguir um caminho coerente confundia com a ideia de formação teórica,
que venha a favorecer bons resultados à nem mesmo com a simples oposição entre
reflexão proposta, antes de chegar aos fundamentação teórica e comportamentos
problemas formativos educacionais práticos, mas como tematização da essência
propriamente ditos, nosso esforço deve geral da natureza humana, que para Hegel
considerar a trajetória histórica do conceito só tem sentido quando acontece um
de formação. Gadamer alerta para este rompimento com o particular e imediato e
aspecto ao apontar o conceito de Bildung ruma em direção à universalidade. A
(formação cultural) como o contexto no perspectiva formativa hegeliana consiste,
qual podemos perceber as mudanças portanto, em “reconhecer no estranho o que
significativas pelas quais tem passado o é próprio, familiarizar-se com ele eis o
Ocidente. “No conceito de formação movimento fundamental do espírito, cujo
percebe-se claramente quão profunda é a ser é apenas o retorno a si mesmo a partir
mudança espiritual que nos permite parecer do ser-outro” (GADAMER, 1997, p. 50).
contemporâneos do século de Goethe, e, em Esse processo dialético incide na ideia de
contrapartida, considerar a época barroca uma atividade ou trabalho que parte de si
como um passado pré-histórico” mesmo e extrai de si mesmo o que é em si
(GADAMER, 2007, p. 44). Dessa forma, a mesmo. Dessa forma, o alheamento
pergunta pelo sentido originário da pretendido por Hegel no movimento que
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deve ser feito pelo espírito não é o que o moderno e o “eu”, com seus problemas de
compõe a essência da formação, mas, sim, incomunicabilidade e perda de força
o retorno a si mesmo, que requer vinculante, porque a compreensão pode
naturalmente o alheamento. tanto fundamentar o distanciamento do
Essa problemática ajuda-nos a nos “eu”, da singularidade, que vivencia as
localizarmos dentro do pretendido com o emoções, pulsões, quanto criar as condições
presente trabalho. A retomada da reflexivas para a produção de um mundo
perspectiva hegeliana em relação ao comum, que não seja apenas um modo de o
conceito de Bildung nos põe em contato sujeito sobreviver, mas que tenha sentido,
com o processo histórico-crítico desse que estabeleça vínculos entre o mundo e o
conceito, e consequentemente com as “eu” (2002, p. 100).
pretensões científico-naturais subjacentes às Por esse caminho buscaremos, via
ciências do espírito. Nesse sentido, hermenêutica, justificar a ideia de formação
conforme Gadamer, a resposta de Hegel na tensão constante entre a estranheza e a
não poderá nos satisfazer, pois para Hegel, familiaridade como dimensões necessárias
a formação como movimento de à constituição de sentidos, iniciativa que
alheamento e apropriação se realiza num requer a superação de um “eu”
total apoderamento da substância, na determinador. Dessa forma, “a
dissolução de toda essência objetiva, o que possibilidade compreensiva da
só se alcança no saber absoluto da filosofia hermenêutica permite que a educação,
(1997, p. 50). como processo formativo, vincule o ‘eu’ e o
Repensar o conceito de Bildung para mundo, de forma a dar sentido àquilo que
além da perspectiva hegeliana e poder não vem só de nós mesmos” (HERMANN,
contribuir com os problemas levantados 2002, p. 102). A perspectiva da alteridade
contemporaneamente em torno da formação alerta-nos, portanto, para o infinito universo
docente significa para nós, no contexto da cultural que nos rodeia, para o outro como
pesquisa, retomar a ideia gadameriana de pessoa, como formas de enriquecimento de
que o conceito de Bildung não pode nossa interioridade. Nesse sentido, a
acompanhar apenas a ideia hegeliana de formação enquanto Bildung surge como
que todo saber objetivo se dissolve em “uma abertura para o reconhecimento da
saber absoluto. É preciso um rompimento alteridade, fazendo com que sejamos
com a “estreiteza artificial que comprime a capazes de dar sentido àquilo que vem de
metodologia do século XIX: o conceito fora de nós, o que significa compreender o
moderno de ciência e o conceito de método outro e o saber cultural” (HERMANN,
a ela subordinado não são suficientes” 2002, p. 102).
(GADAMER, 1997, p. 54). Certamente, a A retomada do conceito de Bildung
ideia básica do movimento do espírito na segundo o que nos propõe a hermenêutica
formação deve permanecer justificando a gadameriana apresenta-nos a necessidade
necessidade do reconhecimento do estranho de investigação desse conceito na
no que lhe é particular, na perspectiva de perspectiva hegeliana, a compreensão de
torná-lo familiar. Contudo, na perspectiva seus limites e consequentemente, a
hermenêutica o sujeito não é mais o reposição da pergunta pelo sentido de
elemento absolutizado; ao se afastar de si, o Bildung no contexto hermenêutico como
sujeito agora deve se apropriar do sentido superação do método das ciências da
do mundo e voltar a si mesmo a partir do natureza e das pretensões absolutizadas de
outro. É nesse sentido que, segundo um sujeito dominador. Esse movimento
Hermann, a ideia de formação na crítico proposto pela hermenêutica nos
perspectiva hermenêutica pode contribuir apresenta a ideia de Bildung como
para superar a profunda cisão entre mundo formação cultural possível a partir de um
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movimento que reconheça eticamente o torná-las independentes é o resultado do
outro. Acontece, via hermenêutica, o processo de racionalização extrema pelo
esforço de superação de algo próprio da qual passou o Ocidente. É nesse contexto
condição moderna: a estaticidade que a investigação correta de tais conceitos
metodológico-científica de pretensões em sua origem, e mesmo na pretensão
dominadoras. Nesse sentido, a formação grega, adquire forte acepção, pois ajuda-nos
entendida com Bildung na perspectiva a superar a forte cisão entre o teórico e o
hermenêutica procura também retirar da prático, que, por sua vez, apresenta-se como
formação as pretensões instrumentais e um problema central quando se pretende
técnico-científicas nas quais educação e refletir sobre o sentido de formação no
formação coincidem com a ideia de mundo contemporâneo.
instrução. As pretensões gadamerianas de Segundo Gadamer, nossa condição
recolocar a razão em suas condições contemporânea justifica a ideia de ciência
históricas e no movimento vivo da não mais como soma do saber e daquilo que
linguagem, de modo que a abertura para o é digno de ser sabido, como pretendeu os
diálogo com outro, com a tradição e gregos, mas como um caminho para
produções culturais venham a favorecer a avançar e penetrar num âmbito ainda não
restituição da totalidade das experiências investigado e, portanto, ainda não
humanas, surgem como crítica ao mundo dominado. Nesse contexto a teoria viu-se
demasiadamente científico e às restrições e convertida num conceito instrumental
empobrecimentos que nascem desse dentro da investigação da verdade e da
contexto. aquisição de novos conhecimentos, e a
prática confundiu-se com aplicação técnico-
Teoria e Práxis: a contribuição fabril (1983, p. 41). Retomar o sentido de
hermenêutica gadameriana Bildung na perspectiva hermenêutica
requer, entre outros desafios, romper com
É a posição crítica da hermenêutica à esse ideal dicotômico entre teoria e prática,
tendência à cientifização que vai nos ajudar pondo-nos para além de uma pedagogia
a questionar os ideais instrumentalizadores instrumental. Nessa perspectiva, o sentido
dos programas formativos educacionais de Bildung contribui com os debates atuais
contemporâneos. Dessa forma, tais sobre formação de professores ao
questionamentos nos levam a considerar possibilitar a autoformação, ou formação
duas dimensões básicas dos processos reflexiva, tema atualmente em destaque no
formativos: a dimensão teórica e a cenário educacional. Tal contribuição, ao
dimensão prática. De que maneira a partir do sentido clássico hegeliano de
hermenêutica pode nos ajudar a repensar os Bildung, e do mergulho no universo
conceitos de teoria e prática no contexto da hermenêutico gadameriano, possibilita-nos
formação docente? O que significa repensar a formação docente no
formação teórica na contemporaneidade? O contemporâneo na perspectiva da superação
que significa formação prática na de tendências instrumentalizadoras que
modernidade? Que limites surgem a partir legitimam a dicotomia entre formação
da dicotomia existente entre prática e prática e formação teórica.
teoria? Gadamer, ao tratar dos problemas Dessa forma vemo-nos desafiados, ao
relacionados à formação teórica e prática, pensar a formação docente, a superar o
parte da crítica à condição moderna, ideal de construção, que se encontrava já no
segundo a qual o prático nada mais é do que conceito de ciência da mecânica, e que se
“aplicação da teoria e da ciência” converteu num monstruoso prolongamento
(GADAMER, 1983, p. 58). do braço humano, que é o que possibilitou
Separar teoria e prática a ponto de nossas máquinas, nossa reelaboração da
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natureza e nosso lançamento no espaço REFERÊNCIAS
(Gadamer, 1983). Faz-se necessário a
superação de processos formativos GADAMER, Hans-Georg. A Razão na
puramente técnicos, centrado na figura do época da Ciência. Trad. Ângela Dias. Rio
especialista “figura imprescindível para o de Janeiro: Tempos Brasileiro, 1983.
domínio técnico dos processos” (Gadamer, _______. Verdade e Método: Traços
p.44, 1983). Assim, teoria e práxis devem fundamentais de uma hermenêutica
ser pensadas conjuntamente, por que como filosófica. Trad. Flávio Paulo Meurer. 4 ed.
nos diz Gadamer “práxis significa melhor Petrópolis: Vozes, 1997.
realização de vida” (p. 59, 1983); ou _______. Verdade e Método: Complemento
mesmo forma de comportamentos dos seres e índices. Trad. Ênio Paulo Giachini.
vivos, e não apenas aplicação da teoria da Petrópolis: Vozes, 2002.
ciência. GOERGEN, P. Sociedades complexas e
formação de professores. Campinas-SP:
Mimeo, pg. 1 – 17, 2009.
HERMANN, N. Hermenêutica e educação.
Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
NÓVOA, A. O passado e o presente dos
professores. In. Nóvoa, A. (Org.). Profissão
Professor. Trad. Irene Lima Mendes,
Regina Correia, Luisa Santos Gil. 2 ed.
Porto: Porto Editora, 1995.
TREVISAN, A. L. Do Dever Ser ao Fazer
do Professor: Um caminho de volta? Santa
Maria-RS: Mimeo, pg. 1-14, 2009.

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