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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PELOTAS

SEMINARIO INTERNACIONAL DE DERECHOS HUMANOS “XAVIER GOROSTIAGA”

“Globalização e a modernidade varônica*”

Resumo

O trabalho objetiva abordar a temática de gênero e a dominação, fazendo uma


análise crítica desde a sua produção histórica da formação dos corpos obedientes e
reguláveis, ou auto-regulados – apresentando uma dominação que se faz, como
propõe Pierre Bourdieu “violência suave, insensível, invisível a suas próprias
vítimas”. As facetas e mazelas do sistema patriarcal são apresentadas como
mutáveis para se manter da mesma maneira e como ordem social vigente. E mais
detidamente abordando as suas formas contemporâneas, legitimada pelo contrato
social, que por sua vez tem como postulado legitimador a igualdade, que é o
símbolo da obrigação voluntária - a qual redunda na submissão dos desiguais ao
império da igualdade. Analisa-se como as teorias políticas liberais antigas e
modernas impuseram e impõem a dominação masculina e legitimam uma ordem
jurídico-social, excludente e opressora. As formas de violência (em sentido amplo)
são reproduzidas e ampliadas pelo processo de globalização, que por sua vez se
disfarça de oportunidades e liberdades, outorgando igualdades fabricadas e
influindo – ao mesmo tempo que reproduz, também produz – nas esferas culturais,
jurídico-políticas, e também determinando o domínio econômico, culminando na
sobreposição de cargas ou camadas de opressão/dominação – overlapping
Opresions. Após traçar algumas discussões e abordagens sobre o tema e seus
paradoxos, não se pretende propor soluções-modelo prontas, mas apenas traçar
possibilidades de discussão e reconstrução das relações entre gênero, classe, raça...

Introdução

O presente trabalho, objetiva abordar as questões em torno da dominação


masculina, apartação por gênero. O problema da dominação masculina, ademais da
problemática diretamente em foco, interage com vários outros campos de atuação
e do conhecimento humanos, como política (cidadania, democracia), cultura

*Trabalho elaborado pelo grupo de estudos sobre Globalização e Direitos Humanos, composto por:
Frank Moraes, Jackson Leal, Letícia Hernandorena, Lucas Machado e Thiago Rafagnin, Wagner
Pedrotti.

1
(educação e comunicação) e outros inscritos nesta dinâmica relacional, todos
igualmente conflituosos e produtores de sofrimento; demarcados e traçados
historicamente. Os quais deverão ser abordados, obviamente sem a pretensão de
esgotar qualquer dos temas, dado a relevância e complexidade que envolve cada
uma das discussões/mecanismos pelos quais se desenvolve e se sustenta este
processo social, político e cultural.

A estrutura do trabalho analisa gerações de direitos e sua trajetória


histórica em relação às questões de gênero, bem como, no âmbito da política, as
questões referentes a formação político-social no qual está estruturada a sociedade
contemporânea, num sentido de avaliar a ordem jurídico-política que desde os
primórdios das relações contratuais, já assentava a submissão do sexo feminino ao
sexo masculino, legitimando o modelo patriarcal.

Contudo, contextualiza a discussão dentro de uma problemática maior, a


globalização e suas facetas (instrumentos) de dominação, inclusão/exclusão, e
como este processo mundial de homogeneização refletiu em termos estruturais
nas relações de gênero e política.

Segue outrossim, com reflexões diante da sobreposição de cargas de


dominação, estudando os desdobramentos das ações e afirmações de direitos e sua
institucionalização, mantendo o mesmo sistema patriarcal, alterando apenas a
forma, através de ditas garantias formais. Ainda, como a relação entre os sexos
pode desdobrar-se e formar uma concepção de luta no âmbito dos direitos
humanos, por uma igualdade além daquela que efetivamente mantém os mes mos
padrões sociais de outras épocas, deixando de servir a ideologia dominante.

Dessa maneira, concluindo com algumas reflexões e questionamentos,


assim como, possíveis alternativas que de fato possa gerar mudanças de hábitos
culturais, em sentido emancipatório nas relações político-sócio-jurídicas entre
homens e mulheres na sociedade contemporânea.

As origens da Dominação

De acordo com autores/historiadoras 1 que se preocupam com o tema da


dominação masculina e com suas fontes e desdobramentos, esta domina ção vem
sendo desempenhada desde tempos imemoráveis. Ademais sob o argumento de
que seria resultado da natureza humana, ou da natureza da mulher e da cultura do
homem, nascendo o mito cultural de que a mulher é apenas uma extensão da
natureza e o homem a expressão cultural, fazendo com que a nossa cultura seja,

1 Autoras e autores – historiadores que se debruçam sobre a procura desta historiografia


antropológica feminista – Gerda Lerner; Michele Rosaldo; Eleanor Leacock; Peter Stearns...

2
ainda hoje, predominantemente masculina e opressora desde que o homem
conseguiu apreender os processos de manipulação/dominação da natureza.

Primitivamente se conjectura que as mulheres tenham sido aceitas e


reconhecidas plenamente em suas características e potencialidades, como
detentoras de uma vital importância para o bom andamento tribal, visto o seu
poder e vinculação com os deuses que lhes permitiam a possibilidade de gerar a
vida, e também com isso, influenciar na fertilidade da terra. Em um período, o qual,
não havia sido ainda forjada a propriedade privada e tampouco apropriada por
algum homem e desta forma o valor imperante nos grupos era o da cooperação e o
sentimento, o da solidariedade. No entanto, como proposto, são conjecturas sem
comprovações científicas sólidas.

O que é notório e histórico é que, desde os tempos mais remotos, em termos


de sociedade constituída politicamente, como disse Michelle Perrot – nas
sociedades que pensam o político - na Grécia Antiga, a mulher já era subjugada e
submissa ao homem, aos detentores do conhecimento e da política, como
demonstram varias mitologias e obras da época das quais se pode inferir o caráter
sexista do posicionamento até mesmo dos maiores pensadores à época. Legado
transmitido à civilização Romana, que por sua vez aprofundou essas desigualdades
de gênero. Não bastasse esta dominação ascendente, com a criação da instituição
familiar como membro nuclear da sociedade política, tem-se o cerceamento da
sexualidade feminina devido à necessidade econômica de apropriação e controle
sobre a transmissão por herança dos bens adquiridos, tendo em vista que esta (a
mulher, esposa, mãe, obediente e submissa) estava relegada ao espaço privado,
mais que isto, espaço doméstico, ao contrário do homem, que adquiriu um espaço
público de privacidade, onde não é retirada a sua livre e espontânea atividade
sexual e afetiva, demonstração de sua virilidade.

Após a instituição da família como membro de cuidado social, a dominação


se potencializa com a cristianização do mundo romano e tido como bárbaro.
Acrescentando à posição da mulher como naturalmente submissa, o fator divino –
extra-humano que requeria obediência e abnegação constantes, devido estarem
diante da vigília permanente do senhor, todo poderoso - onipresente, onisciente e
onipotente. O que confirmava e confinava as mulheres dentro do lar, cuidando dos
filhos. Esta era a mulher normal, as que procuravam mudar esta lógica eram tidas
como loucas, carecendo de purificação, tratamento e isolamento.

Não obstante todo esse movimento político cultural, mesmo assim, embora
todos os argumentos de inferioridade intelectual, inaptidão para a vida fora do lar,
ou melhor, no mundo público, fraqueza física ou psicológica, ou qualquer outra
maneira de tentar confirmar a subalternidade do outro. Ainda assim, as mulheres,
conseguiram alçar posições sociais, em diversos momentos da história da “idade
das trevas”, como é chamada a idade media. Haviam mulheres, como abadessas

3
que tomavam conta, gerenciavam vários monastérios na França, mesmo dentro de
uma instituição Católica, altamente sexista; ressalta-se também a coroação de
rainhas pelo mesmo processo de coroação dos reis em Reims, e a produção
intelectual e cultural, salientando que antes mesmo de os homens influenciarem de
maneira incisiva com suas obras sobre educação, mulheres já haviam se projetado
sobre esse tema com brilhantismo. A medicina acadêmica emergente teve que
guerrear para conseguir este monopólio, pois quem detinha os conhecimentos
iniciais sobre medicina eram as curandeiras. Curiosamente, é a mesma classe
médica que as diagnostica como loucas, descontroladas, desfavorecidas
fisicamente, psicologicamente e intelectualmente. Ainda, referente à participação
política, encontra-se documentos esparsos provando a presença das mulheres em
decisões importantes nas suas comunas, povoados, regiões. Acabando com os
argumentos da inferioridade de todas as formas. E, demonstrando que, exemplos
como Joana D’Arc não foram sombras solitárias e esparsas perturbadoras da paz,
como muitas vezes demonstram a literatura histórica tradicional.

Ao passo que, diante desta luta e possibilidade de sucesso ou se transformar


no insucesso de toda causa ou objetivos cristãos pré- capitalistas de competição,
produção, demonstração de poder e atribuição de dor ao prazer, a Cristandade,
através do fenômeno da Santa Inquisição, dizima predominantemente as mulheres,
aprofunda ainda mais o repúdio à sua cultura, sua história, corrompe seus valores
e características, atributos e costumes, transformando-as em loucas, possuídas,
bruxas (...); passando a gerir - criando aqui uma metáfora - o verdadeiro demônio
desestabilizador da sociabilidade humana, a re-evolução científico-produtiva
capitalista que se desenvolve nos séculos porvir, tendo a mulher como seu
antagônico e oponente, dentro de casa ou no fundo de um calabouço, simbolizada
pela “maldita” Eva, das santas escrituras, que a todas condenou, eternamente.

O calabouço veio com a modernidade, sob a bandeira da democracia,


disfarçado de igualdade de escolhas e oportunidades para todos. Potencializado
pelo fenômeno, não novo, mas em ampla expansão, chamado globalização que
extrapola os limites de possibilidades e oportunidades, de lucro, necessitando cada
vez mais de demanda, consumidores desta lógica, que não se trata apenas de
consumo, para de uma ideologia de tudo ter preço.

Quando começavam a ruir as propostas/promessas do ideal liberal, surgem


as mais novas formas de se modificar para se manter da mesma forma, cada vez
mais eficiente para com os seus próprios propósitos, crescimento econômico;
interligação mundial entre os povos (visto não haverem mais lugares para
conquistar); abundancia de mão-de-obra e por isso, cada vez mais barata; controle
legislativo de tudo, mas sempre suscetível de modificação ao prazer dos detentores
do poder. Surge o que Chusa L. Lapuente propõe como sendo o retorno da era Rei
Midas, pois em tudo de toca vira ouro – a globalização.

4
Para os defensores deste processo de globalização nada mais que a criação
de um espaço mundial de intercambio econômico, produtivo, financeiro, político,
ideológico e cultural. Ou como conceitua Boaventura de Sousa Santos referindo -se
ao avanço intenso nas ultimas décadas, no que diz respeito às interações
transnacionais, a globalização dos sistemas de produção e da circulação financeira,
a proliferação em uma escala mundial de informação e imagens através dos meios
de comunicação ou as deslocações em massa de pessoas, quer como turistas, quer
como trabalhadores. No entanto, mesmo que se pareça como sendo um projeto
benéfico e viável, na verdade o neoliberalismo não pretende satisfazer
necessidades, senão criar demandas, não é nada além do capitalismo em escala
global, acompanhado de suas aspirações, da qual a principal é o lucro e a
conseqüente potencialização da dominação e exploração.

Do contrato Social ao Contrato sexual

O contrato social remete, a qualquer indivíduo, por mais insipiente que


possa ser em termos de saber técnico ou cientifico - que este contrato foi firmado
para garantir a segurança dos indivíduos componentes do corpo social que vivia
em guerra absoluta, visto que em liberdade absoluta se destruiria, acabando com a
própria raça. Desta feita, o Estado recebe uma parcela de liberdade de todo e
qualquer indivíduo, bem como obediência em troca da garantia de segurança
pessoal.

Com a “evolução” social, no decorrer da história e avanços em termos


políticos, econômicos, jurídicos, organizativos, enfim, a sociedade requer que o
Estado garanta mais funções, o próprio conceito de segurança se amplia, deixa de
ser sinônimo de incolumidade física, mas passa a ser segurança social, política,
cultural, econômica, psicológica (...), deixando de garantir apenas o critério
meramente biológico.

O ponto convergente do contrato social se deu com a “juridicização” da


organização social, reflexo da concentração de poderes no ente estatal, ponto
convergente do contrato social. Neste sentido, a questão é que, as decisões são
tomadas no espaço público, mas quando os anseios privados clamam serem
“publicizados”, neste sentido Bauman coloca:

(...) o aumento da liberdade individual pode coincidir com o


aumento da impotência coletiva na medida em que as pontes
entre a vida pública e privada são destruídas ou, para
começar, nem foram construídas; ou, colocando de outra
forma, uma vez que não há uma maneira obvia e fácil de
traduzir preocupações pessoais em questões públicas e,
inversamente, de discernir e apontar o que é público nos

5
problemas privados. (BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da
Política. pág. 10)

Bourdieu trabalha com o fato de que as atividades públicas de


representação e tomada de decisões - onde são desenvolvidos e ostentados os bens
simbólicos de cada individuo: nos antigos mercados, nos espaços públicos, onde a
mulher não alcança, onde não lhe é permitido alcançar; onde se dão as trocas de
honra - parte-se de um pressuposto que isto só é possível entre iguais, ou seja,
entre duas pessoas que possuam honra, o que não é o caso da mulher, mero objeto
da honra masculina. Ademais isto, Jussara Reis Pr| aclara, [as mulheres] “quando
buscam espaços de poder no tradicional ‘mundo masculino 2’” sendo via de regra
neles inseridas em conexão com o ‘mundo feminino’, o exercício de atividades
relacionadas com saúde, educação, família torna a vida pública extensão da função
maternal/doméstica, reforçando a clássica dicotomia que atrela as mulheres à
esfera privada (reprodução), de afazeres domésticos e cuidado dos outros, e os
homens à esfera pública (produção), da economia, da política, enfim, das decisões.

Essa dicotomia é conseqüência lógica da sociedade em que vivemos,


permeada de tradição como propõe Bauman “induz a crer que o passado amarra o
presente; prevê, no entanto, (e desencadeia) nossos esforços presentes e futuros
de construção de um passado pelo qual precisamos ou queremos ser amarrados 3”.
Como salienta A. Giddens,vivemos em uma sociedade pós-tradicional, mas não por
viver em uma sociedade que superou ou escassa de tradições; mas, em uma
sociedade referência de um excedente de tradições, com um excesso de leituras do
passado competindo pela aceitação. Para Bauman o sentido próprio da tradição
está ligado a não aceitação ou negação em reconhecer a origem humana das regras
e das normas, sociedade que se imagina modelada e guiada por força externa,
incorporando nas instituições a idéia de que seus membros não devem contestar: a
de que as instituições não foram criadas pelo homem, pelo menos não pelo seres
humanos atuais. As instituições foram criadas por espíritos, por ancestrais, por
deuses ou heróis, não é produto humano. Esta tradição ou excesso permeia o
contrato social e o mundo público das decisões, ao mesmo tempo em que relega e
delega à mulher ao/o espaço privado, doméstico, transformando -se em um
contrato sexual, do qual a mulher não pode furtar-se de cumprir, sob pena de
carregar a culpa de impedir o crescimento societário, visto estar deixando de lado
o núcleo celular desta sociedade, a família patriarcal.

A partir dessa leitura percebemos qual o novo contrato firmado com a


sociedade no meado do século passado, o texto normativo de 1948 (Declaração
Universal dos Direitos Humanos) traz consigo um esquema já pré-determinado, daí

2 CARVALHO, Marie Jane Soares; ROCHA, Cristianne Maria Famer (orgs.). Produzindo Gênero. pág.
45)
3 GIDDENS, Anthony apud BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Pág. 136.

6
em diante tudo virá em torno da ideologia liberal, como propõe Joaquín Herrera
Flores;
como consecuencia de esa “naturalización” de valores
masculinos y femininos, el patriarcalismo há inducido una
construcción social del derecho y la política instituyendo dos
situaciones: uma visible, la llamada esfera de los iguales ante
la ley y outra invisible, la de los y las diferente. (FLORES,
Joaquín Herrera. De habitaciones propias y otros espacios
negados. pág. 31)

Pois bem, o contrato social restringe a liberdade coletiva e proclama


produzir a mesma liberdade, a segura liberdade individual; contrariando a esta
idéia, Bauman propõe:

se a liberdade foi conquistada, como explicar que entre os


louros da vitória não esteja a capacidade humana de
imaginar um mundo melhor e de fazer algo para concretizá-
lo? E que liberdade é essa que desestimula a imaginação e
tolera a impotência das pessoas livres em questões que
dizem respeito a todos? (BAUMAN, Zygmunt. Em busca da
Política, pág. 9)

Ou como propõe Joan W. Scott para quem – a liberdade requer um ato de


escolha, pelo qual algumas diferenças são minimizadas ou ignoradas enquanto que
outras são maximizadas e postas a se desenvolver [...] desde quando é permitido
abrir mão de seu sexo?4 – propõe a autora, visto a maximização das características
que são utilizadas para a sua subordinação (da mulher) enquanto minimizados
seus potenciais. Além disso, diante desta impossibilidade de escolha, afigura-se
outra dimensão de impedimento, como Zygmunt Bauman nos apresenta - no
mundo pós-moderno de estilos e padrões de vida “livres” e concorrentes, h| ainda
um severo teste de pureza/pertença que se exige que seja transposto por todo
aquele que solicite ser ali admitido: tem de mostrar-se capaz de ser seduzido pela
infinita possibilidade e constante renovação promovida pelo mercado consumidor,
de se satisfazer com a possibilidade de vestir e despir identidades. No entanto, esta
possibilidade, o passaporte para o mundo pós-moderno, não é afeito às
identidades atribuídas, ou possíveis ao feminino. Como diz Bauman “nem todos
podem passar nessa prova. Aqueles que não podem são a ‘sujeira’ da pureza pós-
moderna5”. Neste sentido:

se os estranhos são as pessoas que não se encaixam no mapa


cognitivo, moral ou estético do mundo (...) se eles, portanto,
por sua simples presença, deixam turvo o que deve parecer

4 SCOTT, Joan W. O Enigma da igualdade. Pág. 15


5 BAUMAN, Zygmunt; O mal-estar da pós-modernidade, pág. 23

7
transparente, confuso o que deve ser uma coerente receita
para a ação, e impedem a satisfação de ser totalmente
satisfatória; se eles poluem a alegria com angustia, ao
mesmo tempo que fazem atraente o fruto proibido; se,
em outras palavras, eles obscurecem e tornam tênues as
linhas de fronteira que devem ser claramente vistas; se,
tendo feito tudo isso, geram a incerteza, que por sua vez dá
origem ao mal-estar de se sentir perdido – então cada
sociedade produz esses estranhos (O mal-estar da pós-
modernidade, pág. 27 – grifo nosso).

A situação e estágio de dominação simbólica, como coloca Bourdieu, é


“violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas 6” inclusive afetando
sua clientela masculina aos quais não podem fugir do papel opressor e opressivo -
falamos da virilidade, como sendo uma das manifestações do ”virtus” ou seja,
virtuosidade que é imposto ao homem demonstrar, um papel pré-estabelecido
independentemente de negação, aceitação, questionamento; “ele não pode agir de
outro modo, sob pena de renegar-se7”. Esta virilidade, ou modelo de ser masculino
que consiste na capacidade reprodutiva, sexual, também como aptidão para o
combate, o exercício de violência, ser alheio ao próprio sofrimento e
principalmente ao sofrimento dos outros, acredita-se ser este o traço distintivo da
virilidade, como bem simbólico, imposto à esfera masculina. Estes atributos
refletem também no contrato social, reafirmando a sexualidade do contrato.

Sexualidade contratual latente no papel moderno feminino, mesmo após a


“liberação” da mulher, ainda se visualiza e valoriza a ela por sua obediência,
castidade, perfume e capricho, além dos enfeites de natureza. No entanto, s ó
podem ser conseguidas essas graças através de uma rígida disciplina diária, e sem
os quais, não lhe é permitido desfrutar das delícias da vida.

As mulheres da modernidade (dos grandes centros urbanos) atribuem à


ascensão social, profissional e de status – bens, poder e respeito – resultado de seu
trabalho, ser a expressão de seu lado masculino. Assim mesmo como os homens,
quando relacionados com algumas atividades vinculadas a afetividade, ao cuidado
dos outros, às esferas historicamente atribuídas ao feminino, como sendo a sua
expressão feminina. Com a manutenção destes discursos, se mantém identidades
femininas e masculinas, diferentes e opostas, quando não complementares, o que é
para um, não pode ser para o outro, e torna o outro complemento deste um;
fazendo com que as mulheres não possam pensar a si mesmas através da própria
experiência, da própria história, as obriga a medir-se com o homem, para
encontrar a medida de si; permitindo com que os preconceitos permaneçam
intactos e ao invés de ser o propiciador de soluções, retoma o persistente conflito .

6 BOURDIEU, Pierre. A dominação Masculina. Pág. 7


7 BOURDIEU, Pierre. A dominação Masculina. Pag. 63

8
Concluindo-se e concordando com Aura Violeta Aldana, quando propõe que
se percebe que a ordem social vigente é mais a continuação da anterior do que a
sua superação. Com raras exceções, em geral se atua como o acordado por um
poder que dita e prescreve o que se pode ou não fazer e dizer.

Assim como a democracia, a globalização e a promessa de igualdade

A democracia tem como seu fundamento primordial a igualdade de todos


perante a lei e em seus processos de representação, mesmo que em seu princípio
não tenha aceito a todo individuo como igual, pelo simples fato de seu caráter
humano, mas sim de acordo com diversos parâmetros determinantes de tal
igualdade, porém hoje, não só com um aprimoramento destas democracias, mas
também dos sistemas jurídicos, sociais e políticos, a democracia se reveste, ao
menos, de uma certa igualdade formal, perante a lei e aos processos político -
sociais.

Esta igualdade formal é embasada por uma homogeneização cultural


produzida pela globalização, que por sua vez impulsiona e potencializa os
postulados teóricos democráticos de igualdade e liberdade, desta forma a
homogeneização produzida conduz a uma análise abstrata das relações sociais. O
que aconteceu? Foram ignoradas as diferenças em defesa da abstrata igualdade?
Sim, exatamente isso. Como se em algumas palavras pudessem unir as diversas
diferenças sociais da época em um único texto, os povos (dominados, colonizados,
ou de submissão econômica) acabavam saindo de uma condição de diferentes para
serem lançados a uma condição de excluídos. Se a idéia era igualar a todos, que ao
menos levassem em conta, observar suas condições na sociedade, sob pena de
comprometer a eficácia dessa norma no chamado mundo “real”, como
efetivamente podemos notar hoje, para este mundo ficou a idéia de novos tempos,
horrorizados com o que até então ocorria, viam-se diante da lei obter garantias,
porém, como cidadãos individuais e não como coletivo, como pouco importando;
olhavam para o texto e sentiam-se acolhidos pelo direito. Eis aqui um problema,
como analisa mais uma vez Herrera citando Alessandra Bochetti:
si las leyes constituyen el lugar de la representación de lo
existente; em el lugar de la modificacion y de la
transformación es la prática social.
La ley no es un principio ativo, es un principio pasivo, inerte,
no comunica fuerza, a no ser que esta fuerza, ya exista en la
realidad. (FLORES, Herrera. De habitaciones y otros espacios
negados. Pág. 83)

A democracia é composta, inerentemente de liberdade, que por sua vez,


necessita de autonomia para seu pleno exercício. Se não há liberdade, não há
autonomia, dado que a esta de caráter social é composta pela dos indivíduos que

9
compõem o corpo da sociedade. Só se é livre e autônomo, isto é, livre para optar e
se governar, se seus membros tem o direito e os meios de escolher e jamais
renunciam a esse direito nem o entregam a outro (ou a alguma coisa). Uma
sociedade autônoma é auto constitutiva e os indivíduos constituem a si mesmos,
vindo a tona os interesses globalizados, seduzindo, mais uma vez, com a promessa
de igualdade, e oportunidade, ao passo que arrancando a autonomia individual, o
direito de escolher, querer, seduzir, influindo no que será escolhido, quando quisto,
e por quanto tempo sedutor. Em outras palavras “não é o estado de indecisão, mas
o de impossibilidade de decisão 8” A. Giddens propõe ainda que a nossa indecisão é
fabricada “é algo que não reparamos, mas algo que criamos e recriamos sempre de
modo novo e em maior quantidade e criamos através dos esforços para repará -la9”.

Um exemplo que deixa muito claro a falta de autonomia e liberdade é, a


compulsoriedade do dever–ser mãe, imposta culturalmente como condição para
que a mulher possa, apenas por essa via, realizar-se como ‘ser’, socialmente aceita
ou ainda, reproduzindo as expectativas naturalmente instituídas. Como bem coloca
Tania Navarro Swain:

[...] em seu livro As guerrilheiras, vemos o assalto das mães,


que tomam o lugar das Amazonas livres, alegres e
independentes [...] instaurou o poderoso reino das mães,
criando o mito da “mulher” e, ainda melhor, a “verdadeira
mulher. A mãe e a esposa, aquela que encarna a diferença,
aquela que aceita a marca da especificidade, aquela que
assume a inferioridade e não existe senão para e pelo olhar
do outro (Tânia Navarro Swain, por fim, citando Monique
Wittig; Produzindo gênero, 95).
Nesta esteira, a mulher crítica e reflexiva por muito tempo, e continua
sendo, demonizada por isto – qualidade esta atribuída e manipulada politicamente
pela ciência. Desde então, estrutura-se a figura da mulher submissa a afeita apenas
ao espaço doméstico, para o qual, seria necessário um capacidade intelectual
minorizada, bem como capacidades psicológicas compatíveis com seu papel de
cuidado exclusivo da família. Em suma, parir, criar e padecer.

Para Aura Violeta Aldana é esta vedação à fala, à pergunta e a falta de


respostas que em muito contribuem para o impedimento da democracia real
(participativa), mantendo-se uma ficta-democracia representativa.

Devemos observar que em torno da promessa de liberdade e igualdade gira


a ideologia liberal, pois, elas foram num sentido individualista e abriram caminho
para leis e constituições liberais-individualistas, essa foi a trampa para hoje o
Estado servir aos interesses de grupos individualizados ou grupos sociais
discriminados com um assistencialismo político sem levar em consideração os

8 BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Política. Pág. 148


9 GIDDENS, Anthony apud BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Política. Pág. 149

10
problemas comunitários, sociais como um todo, sendo uma questão de analgésico
social - para amenizar, mas não resolver os problemas da dominação, pois dela se
sustenta e como afirma Boaventura, para manter dentro de um nível tolerável de
desigualdade, sem de fato enfrentar tais situações, um esquema de dominação
onde a sociedade civil através de seu procurador (o Estado) assinou um contrato
oneroso com o mercado.

A derrubada do muro de Berlim e toda sua significação juntamente com a


articulação do consenso da miséria em Washington D.C. –USA no inicio da última
década do século passado, com o máximo vigor da ideologia citada, concretizou o
processo iniciado nos anos 50.
No tocante às relações de gênero, também podemos analisar as condições
que se estruturaram para colocar a mulher hoje numa formal igualdade, pois, da
mesma maneira que se inclui/exclui, como toda análise devemos reconhecer que
daquela época até os dias atuais, houve avanços, como mudanças nas legislações
patriarcais, mas o fato é que tais mudanças não foram num sentido emancipatório.
O que foi mudado ficou dentro do mesmo sistema patriarcal, na realidade passou a
existir para a mulher uma maior liberdade e igualdade, mas, tanto para ela como
para ele restou servir ao mercado em último plano, essa mudança em tese
caracteriza sair de uma condição de submissão exclusiva ao homem para
submeter-se também ao sistema econômico, que numa análise da realidade social
formou o esquema, mulher-homem-Estado-mercado.
ella para él, él para el Estado y los três para el mercado, “ella
para él y él para o Estado” decía Hobbes, uno de los padres
del liberalismo político y econômico. Con esta frase, resumia
el reparto de roles, la división sexual que durante siglos há
separado el espacio privado del espacio público y que
reflejaba la subordinación de la mujer al varón y de ambos al
Estado. Casí cuatro siglos después, la globalización
econômica capitalista aporta um nuevo actor en este reparto
de funciones. El mercado irrumpe como principio
articulador básico y totalizador alrededor de cual giran las
mujeres, los hombres y los propios estados. (LAPUENTE,
Chusa Lamarca. Globalización y género)
O processo de desmanche estatal sofre de dupla ofensiva, ambas da mesma
raiz, o sistema econômico neoliberal que derruba as fronteiras dos Estados
nacionais na tentativa de homogeneizar as diferenças; de outra banda ataca com
uma política social mínima, garantindo o suficiente para manter em níveis de
pobreza e exclusão toleráveis, dessa maneira ditando o modo de vida do cidad ão
livre e igual.
Diante dessas decisões as mulheres ficam de fora dos principais núcleos
políticos, ou na melhor das hipóteses, serviram hipocritamente como manipuladas

11
em cargos onde quem de fato decidiu e decide até os dias de hoje, é a mesma
estrutura patriarcal, basta ver um exemplo onde as mulheres ocupam cargos
políticos, pois, devemos levar em conta que na ampla maioria das vezes estão nesta
condição política por razões de serem mulheres e não cidadãs; basta para isso
analisarmos as leis que garantem quotas mínimas de participação feminina na
política, de fato o que de transformador existe nesse contexto? Apenas incluiu
dentro do sistema patriarcal a presença sem força de decisão, um “ser” por “ser
mulher” e não por “ser humano”, afinal se inclui por ser diferente ou por ser igual?
Na realidade, ao longo da história a mulher tem desempenhado um papel
fundamental no desenvolvimento da família, um papel que nunca foi valorizado.
Essa desconsideração para com o sexo feminino é histórica como salienta He leieth
I. B. Saffioti: “quando se afirma que é natural que a mulher se ocupe do espaço
doméstico, deixando livre para o homem o espaço público, está-se, rigorosamente,
naturalizando um resultado da história 10”.

No mesmo sentido, Zygmunt Bauman propõe:

“nada é mais artificial que a naturalidade; nada é menos


natural do que se lançar ao sabor das leis da natureza. O
poder, a repressão e a ação propositada se colocam entre a
natureza e essa ordem socialmente produzida na qual a
artificialidade é natural (BAUMAN, Zygmunt; Modernidade e
Ambivalência, p|g. 15)”

O que hoje se absorve como natural, é fruto da carga de opressão sofrida


pela mulher ao longo da história, conforme a cultura são mutiladas, censuradas e
subjugadas, são as mulheres que carregam o maior peso da pobreza que atinge,
hoje 2/3 dos habitantes da terra. E quando têm sua presença tolerada, pela
modernidade, no mercado de trabalho, continuam responsáveis pelo ambiente
doméstico, resultando em uma dupla jornada de trabalho.

(...) estupradas em sua dignidade, elas são despidas em


outdoors e capas de revistas, reduzidas a iscas de consumo
na propaganda televisiva, ridicularizadas em programas
humorísticos, condenadas à anorexia e à beleza compulsória
pela ditadura da moda (Frei Beto)”.

Nesse sentido, tem-se a intolerância mascarada de tolerância com o claro


propósito de mais uma vez ressaltar a superioridade masculina, quem tolera, não
aceita, nem respeita o valor do outro, é sim “generoso” para com suas imperfeições,
sutilmente reafirmando sua inferioridade, evidenciando um posterior acerto de
contas, típico da atual política da tolerância, que foi implantada para satisfação do
novo sistema econômico, para o qual elas seriam um importante instrumento. A

10 SAFFIOTI, Heleieth I. B. O Poder do macho. Pág. 11

12
mudança nas relações domésticas foi no sentido de ajudar a dividir as despesas do
lar, as mulheres aos poucos passavam a vida pública, mal remunerada e explorada,
porém, sempre com a submissão no âmbito privado em relação ao macho
dominante, ou seja, dupla submissão.

Nota-se que enquanto as mulheres são “toleradas” neste meio público única
e exclusivamente por exigência do mercado que necessita de mão -de-obra, neste
caso, mais barata; os homens “dominam” este meio, pois este é o espaço natural
deles.

Ou ainda, as diferenciações que são constituídas socialmente outorgando o


espaço público e da produção para o homem, ao passo que relega o cuidado e a
reprodução { mulher. Como conclui Jussara Reis Pr| “enquanto o primeiro leva à
autonomia econômica e ao reconhecimento cidadão, o segundo pode gerar
situações de dependência e cidadanias delegadas, de segunda ordem 11”.

Badinter propõe ainda

frustrações maiores para os meninos que para as meninas,


numa sociedade que demonstra uma admiração irrestrita
pelo sucesso econômico, porém frustrações que serão cada
vez mais compartilhadas pelas jovens de nossa sociedade,
que também proclama a igualdade entre os sexos (Badinter,
Elisabeth. Rumo equivocado: Feminismo e alguns
destinos. pág. 86).

Ou como propõe Eduardo Galeano posicionando frente a estrutura sexista


que é instaurada desde a espiritualidade cristã ocidental

Se Eva tivesse escrito o Gênesis, como seria a primeira noite


de amor do gênero humano? Eva teria começado por
esclarecer que não nasceu de nenhuma costela, não
conheceu qualquer serpente, não ofereceu maçã a ninguém e
tampouco Deus chegou a lhe dizer ‘parir|s com dor e teu
marido te dominar|’. E que, enfim, todas essas histórias são
mentiras descaradas que Adão contou aos jornalistas
(GALEANO, Eduardo. De pernas pro Ar, pág. 70).

Na realidade o que estava sendo semeado era um fértil terreno para a nova
estrutura econômica, o novo contrato baseado na inclusão do cidadão enquanto
individuo e ignorando-o enquanto ser social, o que de pronto leva a um sistema de
incluir/excluindo.

11 CARVALHO, Marie Jane Soares; ROCHA, Cristianne Maria Famer (orgs.). Produzindo Gênero.
Pág. 47

13
Estes códigos de ambivalência criam “o mundo social como corpo de
realidade sexuada e como depositário de princípios de visão e de divisão
sexualizantes12”. Trabalhando claramente com a criação de valores identificadores
e legitimadores do poder masculino sobre os inversos, femininos, automatizados,
inquestionados e imutáveis como conseqüência de sua natureza.

As sobrecargas de opressão: ...e a dominação continua !

Após analisar as origens da dominação, que se propõe e/ou é proposta


como domínio político, cultural - refletindo diretamente e determinantemente no
social e no jurídico, de cada individuo, demonstrando que a formulação societária
que conhecemos, desde tempos imemoráveis apresenta-se povoado por um
predador natural que se aloja nos inconscientes individuais e com isso , dos
coletivos, condicionando as percepções que os indivíduos têm do seu mundo e da
forma como se posicionar nele. De tal forma é a adoção deste predador e de seu
código de valores e percepções – naturalizadas - que permite com que este
predador relegue à marginalidade os que a ele se opuserem, assim como o saber,
discurso (...) que pretenda romper com a lógica ‘normal’ por ele estabelecida.

Passa-se então, à abordagem de como este sistema que se apresenta


onipotente (dada a super estrutura que o mantém), onipresente (visto a
interiorização, fazendo com que se faça presente em todas as relações do mundo
moderno) e onisciente (dado que o único saber válido é o seu, os demais saberes
são descartáveis) que a tudo valora, dentro de seus parâmetros de valoração , e o
quanto este valor está unicamente ligado a questão da liberdade, que por sua vez,
não precisa alongar por demais a discussão para discorrer o quanto esta é liberal
dominadora; ou como nos propunha Carole Pateman “um indivíduo livre e igual
aos outros deve, necessariamente, concordar em ser dominado por outro [...] há
uma variedade de formas de livre acordo, mas o contrato se tornou o paradigma da
obrigação voluntaria 13”. Como corolário das democracias modernas, denominadas
por Boaventura de Sousa Santos, de “baixa intensidade”, dado seu car|ter
meramente formal. O autor prossegue ainda, propondo que o sistema atual da
globalização hegemônica, permite com que trocas desiguais canibalizem as
diferenças, ao invés de permitir o dialogo e a confraternização estando
“armadilhadas por silêncios, manipulações e exclusões 14”.

As questões referentes à igualdade foram minimizadas, porque o discurso


da igualdade pressupõe aumento de poder para os desiguais – os detentores de
qualquer dos enquadramentos sociais, étnicos ou sexuais diferenciados. E como o
poder é um elemento uno, se aumentarmos o poder dos desempoderados, os

12 BOURDIEU, Pierre. A dominação Masculina. Pág. 18


13 PATEMAN, Carole. Contrato Sexual. Pág. 67
14 SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. Pág. 86

14
detentores atuais terão menor poder. Ainda, quanto à relação tanto indispensável
quanto entrelaçada da liberdade e da igualdade bem como uma imprescindível
interpretação do mesmo:

La igualdad es una condición de la libertad, pues sin


condiciones sociales, económicas y culturales de poco vale –
gozar – de derechos que no van a poder ser puestos en
practica; pero sin ésta, sin la libertad, es decir, sin las
condiciones que permiten ejercer la política democrática, el
debate permanecerá, bien en el terreno estéril de las formas
o, en el no menos angustiante circuito de la rebelión sin
estructuras institucionales. Hablar, pues, de igualdad, es
hacerlo de libertad y viceversa, asumiendo que por igualdad
y libertad hay que entender algo más complejo que la
reducción de la igualdad a igualdad ante la ley y de la
libertad, a la autonomía del individuo […] o sea, la igualdad
entendida como reconocimiento público de las diferencias, y
la libertad vista como creación de un espacio político
adecuado a las mismas (FLORES, Joaquín Herrera. De
habitaciones propias e otros espacios negados. pág. 56-57)

Boaventura salienta, que nem sempre é explicitada a relação entre as


condições que possibilitam essas formas de mobilidade/instabilidade e de
hibridação (inter-relações entre diferentes e o conseqüente intercambio) e as
dinâmicas do sistema-mundo capitalista, que produzem, reproduzem e ampliam
desigualdades e a marginalização e exclusão de grandes contingentes de seres
humanos diferentes, ou ‘iguais’ perante a lei e não -aceitos em sua diferença como
indivíduos plenos de sua capacidade cidadã.

Enquanto “complexificam” as relações modernas, mais se acirram as


desigualdades, não precisaria aqui provar que as mesmas existem, pois são
latentes com relação a gênero, raça, classe social ou qualquer outra forma de
diferenciação, procurar-se-á apenas abordar alguns fundamentos e explicações em
torno destas disparidades de benefícios e encargos gerados pelo sistema, como
propõe Santos

a distribuição extremamente desigual dos custos e das


oportunidades produzidos pela globalização neoliberal no
interior do sistema mundial, residindo aí a razão do aumento
exponencial das desigualdades sociais entre países ricos e
países pobres e entre ricos e pobres no interior do mesmo
(SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os
caminhos do cosmopolitismo multicultural. pág. 13)

15
No intuito de poder criar, ou começar a, uma inteligibilidade que possa
romper com a lógica atual e bem antiga e planejar o traçado de outros rumos de
sociabilidade de caráter emancipatório.

Contemporaneamente, as abordagens que buscam articular gênero com o


desenvolvimento, se atentam para que, as desigualdades de gênero não podem ser
explicadas apenas pelas dinâmicas econômicas, evidenciando que o crescimento
econômico não é neutro no que se refere às relações entre gênero, e que, como já
dito - homens e mulheres não se beneficiam igualmente dos possíveis resultados e
que as cargas de pobreza não são distribuídas igualmente.

Neste sentido, permite fazer uma análise, como a abordagem realizada por
Joaquín Herrera Flores, onde trata das dimensões sobrepostas de opressão ou
sobreposição de planos de dominação – donde as mulheres, ademais também
sofrerem os homens, estão sujeitas à potencialização desta sobreposição
impetrada pelo sistema – econômico, o qual no mundo do consumo e da
globalização hegemônica das facilidades de consumo, onde tudo é consumível e
está sendo consumido por essa lógica, onde quem não tem poder de compra não
tem poder algum, e a mulher, como se verá adiante tem poder de consumo bem
resumido.

No plano cultural – donde estão submetidas à todas as formas de sujeição


histórica e naturalizada anteriormente abordada; ao plano jurídico - que apesar de
poder ser um espaço de discussão igualitária e assim deveria de ser, no entanto
nada mais é que o espaço onde se reproduz a lógica cultural que se projeta no
político e este por sua vez influenciando o jurídico, proporcionando uma cidadania
delegada, de segunda ordem.

E também, permeando esta relação o plano político - dos mais importantes,


sendo o que talvez influa determinantemente na vida do individuo e das
coletividades, no entanto de espaço de representação e sobretudo de participação
muito pouco possui, o mais visível é que produz e reproduz a lógica de dominação
assentada e legitimada há centenas de anos. Visto os planos que se sobrepõem e,
aceitas as particularidades de cada região ou pessoa chegamos a conclusão de
Flores “Es decir, hablamos de la necesidad de concretar el término desigualdad en
función de tal – superposición de opresiones-, la cual hace inconcedible que se
pueda hablar de una desigualdad universal y homogénea […] 15”. E por isso,
absurdo falar em modelo universal de cidadania, dignidade… enfim, de um modelo
fechado, acabado e homogêneo de direitos humanos, capaz de eleger prioridades e
necessidades referentes às vitimas do patriarcalismo, quiçá protegê -los.

A questão das políticas de gênero legadas pelo ordenamento jurídico


político das denominadas democracias moderno-liberais, nos faz refletir sobre a

15 FLORES, Joaquín Herrera. De habitaciones propias y otros espacios negados: uma teoría crítica de
las opresiones patriarcales. Pág. 18

16
problemática da igualdade formal e sua implicação dentro da estrutura patriarcal.
Fazendo com que, alguns avanços político-jurídicos, como a Constituição Federal
de 1988 e seu aprimoramento em termos de concessões de direitos, traçando um
novo parâmetro garantidor; bem como novo código civil de 2002; além da lei de
quotas para participação política das mulheres; a lei que regulamenta questões de
saúde como o planejamento familiar, acompanhada de toda carga cultural sobre a
questão da mulher não ser mais mero repositório do poder reprodutor masculino,
bem como intensificação dos debates e coligações nacionais e transnacionais de
tensionamento através de grupos temáticos sobre gênero, classe social, raça (...)
enfim, demonstrando avanços no sentido da publicização de problemas que até
então eram postos nos porões das democracias liberais igualitaristas.

No entanto, a sobreposição ainda se assenta no imaginário geral, em termos


culturais principalmente relegando à mulher papeis e estereótipos
preestabelecidos do fazer-humano, do sentir-se-humano, condicionando como a
mulher se percebe, como percebe o mundo a sua volta. Talvez, falar em perceber o
mundo preso à lógica de gênero pode parecer descabido no sec. XXI e todo seu
progresso produtivo, tecnológico e talvez intelectual, no entanto, afastando -se da
academia e analisando o mundo “real” onde, pelo menos nos países sub -
desenvolvidos o acesso ao ensino superior é bem restrito, as sobrecargas começam
a parecer mais visíveis.

Estes países, incluindo o caso do Brasil, não são os únicos ‘’afetados’’ pelo
fenômeno da globalização, no mercado de trabalho, as desigualdades entre homens
e mulheres não se limitam às desigualdades profissionais. Nesse quadro o
desemprego feminino é de primeira importância para análise. Na União Européia a
taxa de desemprego é de 9,8% para os homens e de 12,4% para as mulheres. As
dinâmicas do sistema patriarcal são fundamentais à compreensão do desemprego,
deixando o problema de ser uma questão meramente quantitativa 16.

Evidentemente, que o desemprego das mulheres é um dado de extrema


importância para demonstrar as disparidades, sobretudo como afirma Maruani
“mais permanente, dura mais, é menos visível e mais bem aceito pela sociedade 17”.
Ainda nesse sentido, mesmo quando as mulheres têm um nível de formação
superior ao dos homens, as diferenças continuam em detrimento das primeiras,
como bem ressalta a referida:

Quando os homens e mulheres que possuem igualmente um


diploma estão desempregados, a diferença entre eles é
pequena, mas entre mulheres que têm diploma e que não
tem, a diferença é notável. Ao mesmo tempo, se observarmos
a relação formação/emprego mesmo quando as mulheres

16 Dados extraídos: Maruani, Margaret. Travail et emploi des femmes. Pág. 55


17 Idem.

17
são mais diplomadas, as suas carreiras avançam menos
rapidamente e essa desigualdade aumenta no decorrer dos
anos”. (Maruani, M. Travail et emploi des femmes. pág. 70)

Além de ser perceptível que no mercado de trabalho, as promoções são


mais freqüentes para os homens do que para as mulheres, mesmo considerando -se
um nível maior de formação das segundas à dos primeiros. Desse modo, alguns
dados que merecem destaque: A mulher, em média, recebe 70% do salário dos
homens. Somente um quinto pode ser explicado por diferenças na educação ou por
experiência de trabalho. Apenas 14% dos postos gerenciais são ocupados por
mulheres; as mulheres gastam 66% de seu tempo cuidando dos membros da sua
família; 66% dos analfabetos são mulheres 18.

Outrossim, as mulheres, ou não avançam em sua vida profissional, tendo


todas as condições para tanto, por terem de ficar com os filhos e a moralidade
pessoal não permitir que ultrapasse este empecilho, ou ainda, talvez até mais
visível na America Latina, as mães que trabalham fora do lar, ficando
sobrecarregadas com a dupla jornada, quando não com a tripla jornada – e ainda,
justamente porque o salário é encarado como um salário -família, os ganhos das
mulheres são encarados meramente como um complemento ao salário do marido.
Todavia, o homem, não é submetido à dupla jornada, enquanto a mulher esforça -se
para adentrar no âmbito publico, o homem foge do espaço privado/doméstico,
pois, culturalmente este se isenta de dividir este encargo. As mulheres têm como
papel principal o de mãe e esposa, supondo a conseqüente dependência, obtendo a
sua subsistência em troca do trabalho doméstico não -remunerado. Portanto, os
salários são diferenciados sexualmente.

Ainda, a mulher que tiver de suportar outra carga, a de ser negra ou asiática,
ou idosa, ou, por demais nova e sem experiência, ou pior ainda, se for egressa do
sistema penitenciário - por todas razões, todas elas discriminatórias e seletivas,
apartam a mulher de avançar socialmente, em termos de qualificação profission al,
econômica, psicológica ...; e por fim, ou talvez apenas o principio, de uma nova
cadeia de situações ou efeitos cascata, se situa a mulher que, já ostentar, ou diante
de todas as formas de separação do mundo produtivo vier a ocupar a posição de
pobre, quando não miserável, que em muitos casos é causa e conseqüência da
situação do individuo. Atualmente se afirma que a pobreza no mundo é feminina -,
com certeza ela (a pobreza) não passou por um processo de feminilização, mas o
mundo feminino, sim, passou e passa por um processo de empobrecimento.

São vários dos subterfúgios utilizados pelo sistema para descartá -lo, afinal
de contas é um individuo falho ou talvez não seja nem um indivíduo, pois nasceu
mulher, de cor não-branca e veio a ficar pobre. A sobreposição que se dá no plano

18 Fonte: World Council of Churches, 2004, Women and Economic Globalization, A discussion
paper, December.

18
cultural e social, reflete diretamente ao plano jurídico -político, que por sua vez é o
legitimador e ao mesmo tempo instituidor, alem de reforçar a ordem desordenada
do sistema da sobreposição de planos de opressão / dominação e apartação
(overlapping opressions).

Esta constante e complexa situação de sobreposição de sofrimentos que ao


mesmo tempo é causa e conseqüência, das mazelas sociais, sobretudo da sua
clientela/vitima feminina repercute no mundo político no que diz respeito à
representação e, sobretudo à participação, ficando ainda condicionadas à sua
cidadania delegada e de segundo plano, mantém-se a mesma estrutura, ou seja,
permitem que o voto seja tão só a arena de opinião e participação feminina e quiçá
cidadã. Cabe ressaltar ainda, que este símbolo da democracia liberal – o voto - está
também, permeado de sobrecargas culturais e sócio-econômicas mantendo a lógica
da reprodução do patriarcalismo, estando ele, inconscientemente despossuído de
sua primordial função, a de modificar o que está estabelecido, basta a verificação
do numero de mulheres que exercem de sua ‘cidadania’, que é no mínimo de 50%,
em alguns países mais ou menos, mas é sempre uma força do tamanho da metade
dos detentores do poder de eleger, no entanto, que modificação substancial tem-se
verificado? denotando a reprodução, das próprias vitimas, do mal que as atingem,
muitas vezes por não verem como um mal, mas como natural. Como acrescenta
Jellin “a cidadania é, ao mesmo tempo, a vivencia dos direitos e a participação no
conflito em torno da redefinição permanente desses direitos. Portanto a cidadania
é uma arena de conflito e o exercício do poder é parte da vivência 19”. Se
adentrarmos ainda mais no sistema e quantificar/avaliar o trabalho, das poucas
mulheres que exercem cargos de administração ou legislativos percebe -se a
inexpressividade da representação e ação, e quanto à postura, verifica-se
novamente ou a reprodução de alguns preconceitos estabelecidos e aceitos, ou a
simples inércia, o que é quase o mesmo.

Como expõe Rose Marie Muraro:

as largas faixas da classe média são as camadas que ocupam


o grosso das áreas urbanas, ao menos nos países da América
Latina. ...Nestas classes sociais, as mulheres em geral vivem o
papel tradicional que o sistema lhes oferece: o de mães e
donas-de-casa, uma vez que não precisam trabalhar para
viver. Na sua grande maioria, defendem os valores
tradicionais no que se refere à sexualidade, à educação, à
economia e à política (MURARO. Rose Marie. Mulher no
terceiro milênio – pág. 154)

A problemática não é permeada tão só de problemas culturais, como não é


apenas de necessidades sociais nem apenas agravada pelo mundo político, mas

19 BRUSCHINI, Cristina; UNBEHAUM, Sandra G. Gênero, Democracia e Sociedade Brasileira. Pág. 125

19
também adentra, influencia e condiciona a partir do jurídico. O espaço jurídico,
constituído por indivíduos mundanos, como não poderia deixar de ser, e por este
mundo estar permeado desta lógica que segrega, por vezes e não raras reproduz
este código cultural interiorizado e automatizado de pré-estabelecidos espaços e
condições de acordo com o sexo, raça e condição social. Não permitindo que se
modifique, apenas juridicamente a dinâmica social, carecendo de toda uma
harmoniosa e conjunta mudança de valores. Ainda, cumpre ressaltar a importância
da necessidade de democratização do espaço jurídico, ou seja, a popularização do
acesso ao poder judiciário, tendo em vista uma parcela muito pequena dos
conflitos e necessidades estarem sob os cuidados deste, na maioria das vezes pelo
fato do individuo desconhecer que sua situação é ensejadora de um direito e por
conseqüência da possibilidade da reclamação do mesmo, ou melhor, que o
judiciário é incumbido de fazer com que se cumpra este direito, para dirimir o
conflito ou satisfação de uma necessidade. Sendo, desta feita, um poder
imprescindível para a amenização das desigualdades, incluídas as de gênero.

As formas de dominação verificadas no sistema patriarcal e analisadas


acima, estão muito bem resumidas e entrelaçadas na proposição de Gloria
Anzaldúa, citada por Joaquín Herrera Flores:

“Lucha continua, ya que, como muy bien saben Anzaldúa y


las mujeres y los hombres de otras etnias, de otras razas, de
otras orientaciones sexuales y, por supuesto, de otras clases
sociales, el depredador patriarcal actúa no solo
discriminando jurídicamente, es decir, estableciendo dos
estatus diferentes a los sexos, las etnias, las razas o las clases
sino, lo que es mucho más complicado de ilustrar, ocultando
las causas reales de las diferencias de clase, sexo o etnia: la
desigualdad material en el proceso de división social del
trabajo y la consecuente exclusión del ámbito de lo político;
lugares donde las actividades públicas y privadas deberían
instituir el espacio de la lucha por la dignidad, y no, como
ocurre desde la – firma- del contrato social, ser el espacio de
la renuncia al poder ciudadano.” (FLORES, Joaquín Herrera.
De habitaciones propias y otros espacios negados. pág. 22)

Alguns modelos libertários e identitários que assim não poderiam ser sem
uma distribuição da riqueza, visto que todas as formas de dominaçã o se
entrelaçam com a econômica; além do reconhecimento da diversidade vêm sendo
crescentemente adotados com maior ou menor sucesso ao longo do século XX e
XXI, sucesso variante de acordo com o contexto em que estão inseridas e com o
grau de desigualdade e dominação cultural, político, social e jurídica, muito
embora ainda não sejam suficientes para subverter o sistema e modificá -lo de
maneira mais profunda, no entanto vão criando e aproveitando o contexto de

20
descontentamento e transformando em resposta, utilizando-se o que o próprio
Boaventura chama de utilização de determinadas situações de fato para criar as
imagens desestabilizadoras que impulsionarão as modificações, darão ensejo à
consciência rebelde.

Santos denomina as versões emancipatórias da sociabilidade humana de


multiculturalismo – este se baseia no reconhecimento da diferença e do direito à
diferença - em suma, da coexistência ou construção de uma vida em comum alem
de diferenças de vários tipos. Estas concepções de multiculturalismo geralmente
estão ligadas, a espaços sobrepostos e histórias entrelaçadas, produtos das
dinâmicas imperialistas, coloniais e pós-coloniais que puseram em contato
metrópoles e territórios dominados e que criaram as condições históricas de
diásporas e outras formas de mobilidade. Nas palavras do autor,

O potencial emancipatório das lutas, baseia-se na idéia de


que uma política de igualdade centrada na redistribuição
social da riqueza não pode ser conduzida com sucesso sem
uma política de reconhecimento da diferença racial, étnica,
cultural ou sexual, e vice-versa [...] Multiculturalismo,
Justiças e Cidadanias Emancipatórias, como forma de
inclusão dos excluídos, como forma de aprender, valorizar e
permitir a ascensão dos, até então, descartáveis; por uma
anti-universalidade reinante nos direitos humanos, dada a
sua incompletude e a impossibilidade de abarcar todas as
identidades culturais e suas necessidades, quiçá protegê-las.
(SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo. pág.
194).

A participação das mulheres na política não é apenas um direito,


mas, também uma grande necessidade, pois a política é basicamente um espaço de
acumulação de forças com vistas a alcançar metas estratégicas. A participação
feminina deve ocorrer em todos os níveis da sociedade, não ape nas na
política/cidadania, mas, também, no meio econômico, científico, tecnológico. Dessa
maneira, a democracia, certamente, adquire um sentido de direito à vida, sim, a
uma vida diferente, a uma vida onde não haja apenas bem-estar, mas, também
onde haja possibilidades de desenvolvimento com igualdade entre os seres
humanos, onde todas as diferenças são respeitadas.

Conferir um conteúdo emancipatório a noções como cultura, direitos ou


cidadania é a condição para uma utilização estratégica de ditos conceito s tanto
nacionalmente como internacionalmente – estratégia chave articuladora das
exigências do reconhecimento e da distribuição – como proposto por Boaventura
“de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não

21
produza, alimente ou reproduza desigualdades 20”. E após as leituras e análise de
diversas proposições teóricas parece ser a postura político -social ou identitária
que permitirá percorrer o caminho para a proliferação de esferas públicas locais
simultaneamente capazes de articulação sem fronteiras, nas palavras de
Boaventura de subpolíticas globais de sentido emancipatório e de cidadanias
substancialmente constituídas e atenta às particularidades nacionais, regionais e
individuais.

Seguindo ainda a linha proposta por Boaventura Santos, vale dizer que
vivemos em um mundo/espaço tempo paradoxal, no qual a cultura ocidental é tão
indispensável quando inadequada para compreensão e transformação social.
Trata-se de atentar para, se a critica deve ser feita de dentro do sistema meta -
estável como denominou Célia Amorós, ou se pressupõe, com imprescindibilidade
– dado que apenas fizeram parte da modernidade pela exclusão, dominação e
sofrimento - a exterioridade das vítimas para a sua modificação.

Conclusão / Possibilidades

A conclusão ou uma das possibilidades, passa pela criação da cidadania


cosmopolita e multicultural como um fim e como um meio à implantação de uma
consciência “cyborg” como preleciona Donna Haraway ou “rebelde” como prefere
Boaventura de Sousa Santos. Tal consciência teria como marca a resiginificação de
símbolos opressores que tanto marcaram/estigmatizaram e assim continuam,
como nas palavras de Frei Beto “A marca do batom é vermelha, cor das bandeiras
libertárias e, também, do sangue derramado pela opressão 21”. A luta anti-patriarcal
contra um sistema axiológico que domina, não só, mas principalmente as mulheres
acarreta a exclusão das mesmas dos privilégios sistemáticos, que funciona como
mecanismo regulador de todas as injustiças e desigualdades que existem em nosso
mundo, busca um espaço e um tempo próprio, diferente do sancionado pela
cultura opressora, pois sem a conquista de uma consciência livre e autônoma nada
conseguiremos modificar.

A modificação passa, pela inevitável rediscussão em torno das concepções


de liberdade e igualdade. Diante da impossibilidade da plena realização de ambas,
entra em cena a dinâmica da política. E é nesta que podemos romper, com a
dominação que por característica imanente é sempre totalitária na medida em que
é sempre incompetente para transformar todos em exatamente iguais. Há não só
uma incompetência, como também uma impossibilidade e aí reside a possibilidade
da subversão. Nas palavras de Céli Pinto “A questão é combinar ambas e fazer com

20 SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo


multicultural. Pág. 43
21 Frei Betto. A marca do Batom: como o movimento feminista evoluiu no Brasil e no Mundo. In:

http://alainet.org/active/1375&lang=es

22
que a liberdade pressione a igualdade para que ela não acabe com a liberdade. Mas
que a igualdade pressione a liberdade para que ela não transforme a liberdade de
todos na liberdade de poucos.22”

As concepções multiculturais procuram evitar a caída em reducionismos


igualitários e quantitativos, e captar a multiplicidade dos diferentes interesses
reais de gênero que permitiria a criação de estratégias de mudança que
superariam/subverteriam as desigualdades e a dominação que envolvem a todos e
refletem de maneira mais intensa nas mulheres -as quais sofrem mais, e suportam
inconscientemente o que impõe a lógica do sistema -, mas sem deixar de incluir
nestas estratégias de mudança, os homens; na busca pela transformação de tudo e
todos, homens e mulheres, conceitos e símbolos, em sujeitos sociais capazes de
controlar suas condições de vida e intervir constantemente na orientação da
dinâmica social que sempre foi e será cambiante de acordo com o lugar e o tempo.

Seria o caminho: romper de imediato com a lógica super-estruturada; ou, a


busca de políticas de avanço jurídico-cultural, avançando gradativamente na
mesma dinâmica já delineada no âmbito crítico do trabalho? Como conseguir
estruturar/romper ou modificar, sem cair em reducionismos; ou, anulação e
inviabilização da mesma (luta)?

A luta feminista e mais abrangentemente a luta anti-patriarcal, via de regra,


quando opta por uma das duas alternativas, talvez atraia uma certa antipatia, dos
membros que deveria abarcar tal movimento. Algumas autoras prelecionam que
esta batalha é travada e formada por meios e fins, entre os quais, seria necessário a
utilização de ambas as possibilidades, uma para – mesmo que mantendo a lógica
sem alterá-la substancialmente, permite alguns avanços momentâneos e viabilize a
manutenção da luta; e a outra - em busca do fim, que apesar de ser talvez utópico, e
incerto, possa não parecer tão inalcançável quanto à uma primeira leitura se
afigure. “As transformações necess|rias para reverter o processo de distribuição
do planeta são incomparavelmente maiores do que a revolução da mulher23” –
segundo Rose Marie Muraro.

E, assim, passa a uma menos volátil consciência de sua própria identidade, e


a propiciar o desenvolvimento da própria capacidade racional. Deixando de
perceber como normal uma sociedade distribuída entre dominantes e dominados
ou opressão e submissão para visualizar uma sociedade mais plural e democrática
na qual haveria um consenso emancipatório. Passando por um rodízio de lideres,
partilha e solidariedade. Rejeitando autoritarismos, dominação e opressão.

Nesse sentido cabe a reflexão sobre os alcances da luta e as esferas de


enfrentamento dos movimentos feministas do século passado, como por exemplo,

22 PINTO, Céli Regina. Teorias da Democracia; diferenças e identidades na contemporaneidade. Pág.


21
23 MURARO, Rose Marie. A mulher no terceiro milênio. Pág. 195

23
começar reconhecendo as conquistas no terreno dos direitos; de voto, de
expressão, de autonomia na relação conjugal, abertura de espaços no âmbito
publico, entre outros; analisar no sentido do quanto é necessário, a partir dessas
“conquistas” avançar em termos que, de fato, não submetam e posteriormente não
venham a manter a mesma estrutura que gerou essas lutas, ou seja , sugerimos,
também, dessa forma, a busca de possibilidades no interior da ordem estabelecida,
dentro dos mínimos espaços que nos foram legados pelos documentos político -
jurídicos, criar campos de luta e espaços de libertação dessas “amarras“ que a
“pseudo-liberdade” oriunda da política liberal dominadora, global e excludente
gerou e mantém dessa forma, ambos os sexos, submetidos á sua expressão
cultural: o sistema patriarcal.

A conclusão fica por conta e Sartre “antes de concretizada, uma idéia


apresenta uma estranha semelhança com a utopia. Nos tempos que correm o
importante é não reduzir a realidade apenas ao que existe”.

Bibliografia

AGUIRRE, Rosario. Ciudadania, democracia y mujeres: La contribución de las


mujeres a la política democrática en América Latina. In:
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