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PA N D E M I A
passado... ...futuro?
Junho de 2020
Edição nº 176
Presidente
Dr. Dante Bianchi
Vice-Presidente
Dra. Debora Aguiar 4
Secretária Geral
Dra. Morgana Ohira 6
Primeira-Secretária
Dra. Giselle Maretti
8
Tesoureiro
Dr. Marcelo Pacheco
Vice-Tesoureiro 11
Dr. Luís Felipe Dipe
Diretor Cientíco
Dr. Carlos Andrade 17
Diretor do Interior
Dr. Flavio Nery 23
Diretora de Comunicação e Mídias
Dra. Ingrid Bandeira Moss
29
Boletim
Editora-Chefe
Dra. Mirhelen Mendes de Abreu
33
Conselho Editorial
Dra. Alessandra Pereira
Dra. Kátia Lino
Dra. Laila Boechat 35
Dra. Lívia Madeira
Dr. Rodrigo Poubel
37
Diretoria de Ética, Normas e Registros
Dr. Geraldo Castelar
Conselho Fiscal 38
Dr. José Fernando Verztman
Dra. Selma da Costa Silva Merenlender
Dra. Francinne Machado Ribeiro
Dr. Carlos Augusto Ferreira de Andrade 44
Editoração e Impressão
Gráca Tudo Para Ontem
47
Redação
reumatologia@reumatorj.com.br
50
A SRRJ e a COVID-19 Dr. DANTE BIANCHI
4
Palavra do Presidente
5
RODRIGO POUBEL KÁTIA LINO
6
Nesse contexto, toda sorte de concentra- primeira e a segunda citações datam do ano de
ção, na tentativa de produzir evidências com a 2003. A terceira citação foi publicada em setem-
melhor qualidade alcançável tem sido promovida. bro de 2019. Em 15 de janeiro de 2020, verica-
O desconhecido vírus impõe decisões urgentes mos cerca de 90 citações com o descritor
em múltiplas dimensões da prática clínica. A COVID-19. E hoje, dia 09 de maio de 2020, man-
Ciência ganha pauta prioritária. Agências de tendo-se o mesmo critério de busca, contabili-
fomento à pesquisa direcionam seu orçamento zam-se 11.509 produções cientícas citadas em
para ações que promovam esforços que contem- 576 páginas deste portal.
plem as múltiplas dimensões de indagações que
a nova realidade suscita.
Tamanha profusão denuncia um fato:
vivenciamos um fenômeno histórico. E, nesse
Diante de tantos esforços justos e bem cenário, a Reumatologia ganha destaque.
intencionados, de que modo a Ciência tem sido Manejamos a inamação. Padrões clínicos da
construída a m de nortear decisões da prática infecção se confundem com nossas doenças.
clínica? Quais atributos têm sido delineados acer- Alternativas medicamentosas em pauta fazem
ca da infecção pelo COVID-19? parte do nosso cotidiano. Bioética, História da
M e d i c i n a , Po l í t i c a d e S a ú d e , S i g n o s e
Signicados que subsidiem o racional diagnósti-
Para ilustrar o texto deste Editorial, ze- co: as páginas a seguir debatem esse novo
mos um exercício de busca no maior portal de mundo que se descortina.
bases de dados da literatura cientíca, o National
Library of Medicine, mais conhecido como
MedLine, utilizando-se o ltro Pubmed. Apenas Boa leitura!
um descritor foi selecionado para esse exercício
de especulação: [COVID-19], realizado em 09 de Mirhelen Abreu
maio de 2020. Evidenciamos 11.509 citações. A & Conselho Editorial
7
A DIFERENÇA É DE 100 ANOS.
E AS SEMELHANÇAS?
8
Esta é uma carta publicada no British des, reconhecer o problema faz com que eles
Medical Journal quase 60 anos após a pandemia de tenham que empreender recursos e tomar medidas
1918-1919, escrita por um médico norte-americano que muitas vezes não serão bem aceitas pela popu-
dizendo que a doença começa como uma gripe lação, medidas mais duras.
comum, porém os doentes “desenvolvem rapida- Segundo, queremos achar um culpado:
mente o tipo mais viscoso de pneumonia jamais sendo sempre alguém de fora, mas não nós mes-
visto. Duas horas após darem entrada (no hospital), mos. Na gripe espanhola se acreditou em vários
têm manchas castanho-avermelhadas nas maçãs boatos que era veneno dispersado por alemães em
do rosto e algumas horas mais tarde pode-se come- submarinos, para alterar o cenário da guerra, ou
çar a ver a cianose estendendo-se por toda a face a diziam que o tanto de bombas lançadas no grande
partir das orelhas, até que se torna difícil distinguir o conito teria alterado a atmosfera e favorecido o
homem negro do branco. A morte chega em pou- surgimento daquela doença. Hoje temos muito
cas horas e acontece simplesmente como uma falta mais esclarecimento de como e onde nascem as
de ar, até que morrem sufocados. É horrível. Pode- epidemias e esses novos vírus, mas também temos
se car olhando um, dois ou 20 homens morrerem, tantas fake news chegando a cada segundo na dis-
mas ver esses pobres-diabos sendo abatidos como tância de um toque no touchscreen, que até o mais
moscas deixa qualquer um exasperado”. inteligente é capaz de ter dúvida sobre a verdade.
Me deparei com este triste relato da realida- Com esse pensamento geramos ódio, parti-
de logo ao começo da pesquisa para escrever esse lha, afastamento, xenofobia. Fazemos com que o
artigo, e me imagino na posição deste colega de chinês seja estereotipado. Chegamos a chamar o
trabalho, vendo que não havia como ajudar os doen- Corona vírus de “vírus chinês”.
tes e ter que assistir ao inevitável. Imagino o que os Terceiro é a percepção de que algo deve ser
médicos chineses, espanhóis presenciaram, como feito no combate à doença. Até chegarmos neste
exemplo a la enorme de ambulâncias na porta dos pensamento também se passa algum tempo. É aqui
hospitais trazendo pacientes para onde não há que a sociedade se une em prol do coletivo e tenta
vagas, a falta de ventiladores mecânicos nas unida- suprir a carência que o Sistema de Saúde acaba
des de tratamento intensivo diante das insuciênci- deixando, por este mesmo não esperar e não estar
as respiratórias, e penso no tipo de carta que escre- preparado para esta demanda. Surgem campa-
verão, ou mais modernamente, nos textos difundi- nhas de doação, solidariedade, a compaixão com o
dos pelo Instagram. E penso que daqui a pouqui- próximo. Não foi diferente no século anterior, não
nho ou senão hoje, já seremos nós, os médicos bra- está sendo diferente neste. Aqui começa a valoriza-
sileiros a redigir estas palavras, pois ainda escrevo ção do S.U.S..
este artigo no início do mês de abril de 2020. Aquele momento pandêmico em 1918 e
Claramente estamos em uma realidade onde há 1919, perante o desconhecimento de medidas con-
mais pesquisa, mais recursos, mais desenvolvi- tra a transmissão e também a falta de terapêutica,
mento de suporte ao paciente, mas também muitas fez com que a população temesse até mesmo sair
semelhanças no que acontece hoje e no que acon- na rua. Houve isolamento e distanciamento social,
teceu antes. alguns se refugiando nos interiores onde ainda não
Um americano, estudioso sobre o assunto, havia chegado a doença. E nos jornais o que prolife-
chamado Charles Rosenberg, dá o nome a isto de rava eram receitas caseiras aos montes para evi-
“dramaturgia das epidemias”. Podemos destrin- tar/tratar a gripe.
chá-la em 3 momentos: As receitas antigas envolviam alho, as de
Primeiro negamos: Negamos que há um hoje também, disponíveis em vários sites pela inter-
problema, negamos que não há controle. As autori- net.
dades brasileiras em 1918 tomaram a priori poucas O sal de quinino, remédio usado no trata-
medidas ou nenhuma para a contenção da infec- mento da malária e muito popular na época, passou
ção, até achavam que o oceano seria capaz de sepa- a ser distribuído à população, mesmo sem qualquer
rar e impedir que chegasse a doença até aqui. comprovação cientíca de sua eciência contra o
Medidas mais drásticas só foram tomadas após vírus.
epidemia instalada. Hoje ainda há brasileiros Depois da leitura desta última frase não há
negando a existência do COVID-19. Para autorida- como não remetermos o pensamento à nossa que-
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rida (posso chamá-la assim entre Reumatologistas) podemos ostentar hoje em dia é a saúde mental. Já
Hidroxicloroquina. não adianta ter o carro importado recém blindado, o
Parece que estou lendo o jornal de amanhã. celular que foi lançado apenas nos E.U.A ou a pas-
Falando no amanhã, o que podemos espe- sagem de avião de ida para Dubai. Isso você podia
rar do futuro? Aprendemos algo com a Gripe pensar ser vantajoso há 2 meses atrás. Hoje o
Espanhola? Com a Peste Negra? Com qualquer mundo é outro, e vantagem tem quem está conse-
outra Pandemia ocorrida? Já não somos nós o futu- guindo seguir estável, gerando soluções para os
ro dessas pandemias do passado? problemas, atravessando cada obstáculo sem sur-
Sabidamente algumas curvas estão em tar.
ascensão, como a do ensino a distância, trabalho Para nalizar, o desejo é que consigamos
remoto e a apropriação digital imputando para nós compreender os fatos e tirar proveito de todo o
a Telemedicina. caos. Que a união e a empatia prevaleçam.
Com o isolamento, com a crise econômica, Assim como no passado, onde das receitas casei-
com a não previsibilidade do mês seguinte uma ras usadas pela população com os ingredientes
outra curva em crescimento será a da ansiedade, cachaça, mel e limão surgiu a caipirinha, uma bebi-
depressão, suicídios, divórcios... da nossa, que sejamos brasileiros ao ponto de nos
A nossa mente nunca foi colocada tão a reinventarmos e quem sabe criarmos algo novo e
prova de forma conjunta, onde sabemos que todos que marque nossa história daqui em diante. O
estamos no mesmo barco, mas o marinheiro conti- mundo nos está dando limões...
nua sendo cada um de nós. E a única coisa que
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ATIVIDADE DE DOENÇA OU INFECÇÃO POR COVID-19?
NOVOS DESAFIOS PARA O DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
NA PRÁTICA REUMATOLÓGICA.
RESUMO INTRODUÇÃO
A infecção por COVID-19 cursa com quadro A pandemia causada pelo vírus SARS-Cov-2,
clínico variável que vai desde casos assintomáticos, identicado em dezembro de 2019 em Wuhan na
passando por infecção do trato respiratório superior China, tornou-se uma emergência de saúde pública
e inferior (pneumonia) até síndrome de desconforto com grande repercussão internacional. A doença
respiratório agudo e tempestade citocínica. A histó- cursa com quadro clínico variável que vai desde
ria natural da doença em paciente com doenças reu- casos assintomáticos, passando por infecção do
matológicas e em uso de imunossupressores ainda trato respiratório superior e inferior (pneumonia) até
não é conhecida, porém é de extrema importância síndrome de desconforto respiratório agudo (SDRA)
uma vez que esses pacientes podem representar e tempestade citocínica, adquirindo gravidade no
grupo de risco para o desenvolvimento de casos caso de pacientes com fatores de risco, como idade
graves ou, em contrapartida, estarem protegidos por avançada (acima de 55 anos), sexo masculino e pre-
uma possível imunomodulação proveniente do trata- sença de comorbidades (hipertensão, pneumopatia
mento de base. Alguns achados dos estágios graves crônica, diabetes e obesidade, principalmente).
da infecção por Sars-CoV2 podem mimetizar sinais A desregulação da resposta do sistema
de atividade das patologias reumatológicas, tornan- imune inato e adaptativo que ocorre pela infecção
do-se um desao diagnóstico e terapêutico para o por COVID-19 representa uma preocupação em paci-
Reumatologista. O objetivo deste artigo é abordar as entes com imunossupressão causada por doenças
semelhanças entre as doenças reumatológicas e a imuno-mediadas, malignidades e terapias imunos-
infecção por COVID-19. supressoras. A história natural da doença em paci-
11
ente com doenças reumatológicas e em uso de imu- Na artrite idiopática juvenil (AIJ), raramente
nossupressores ainda não é conhecida, pois esses observamos alterações pulmonares. Quando pre-
pacientes não guram nas séries de casos publica- sentes, incluem hipertensão arterial pulmonar (64%),
das. O efeito tanto das doenças de base quanto do DIP (28%) e proteinose alveolar (20%). As TCAR de
tratamento sobre o curso da doença é controverso, tórax podem exibir: espessamento septal periférico
com alguns autores sugerindo possíveis benefícios, multilobar; pavimentação em mosaico; consolida-
enquanto outros sugerem que a imunossupressão ção periférica; consolidação peribroncovascular;
ou a condição pró-inamatória podem desencadear opacidades em vidro fosco.4 Opacidades em vidro
casos mais graves. fosco e pavimentação em mosaico são alterações
Neste artigo abordaremos as características prevalentes em pacientes com pneumonia por
clínico-radiológicas da pneumonia por COVID-19, COVID-19.
relacionando com acometimento pulmonar das A síndrome antisintetase (SAS) é caracteriza-
doenças reumatológicas, além de abordar a tendên- da pela presença de anticorpos contra o complexo
cia prótrombótica, tempestade citocínica, que se aminoacil-RNAt (anti-ARS) e pelas manifestações
assemelha à síndrome de ativação macrofágica clínicas de miopatia inamatória, DIP (gura 2),
(SAM), e manifestações dermatológicas descritas artrite, mãos de mecânico (hiperceratose da face
que podem mimetizar doenças autoimunes. lateral dos dedos), febre e fenômeno de Raynaud.
Dentre os anticorpos antisintetase, o anti-Jo1,PL-7e
PL-12 são fortes preditores de acometimento pumo-
PNEUMOPATIA INTERSTICIAL nar.5
Anticorpos anti-MDA5 têm sido fortemente
As doenças intersticiais pulmonares (DIP) associados à doença intersticial pulmonar rapida-
abrangem um grupo heterogêneo de patologias mente progressiva (RP-ILD) em pacientes com der-
caracterizadas pelo aparecimento de uma reação matomiosite (DM). A DIP que ocorre nesse fenótipo
inamatória no interstício desencadeada por diferen- merece especial destaque por mimetizar fortemente
tes antígenos. A tomograa computadorizada de alta a pneumonia por COVID-19 nas suas características
resolução (TCAR) é o método de escolha para esse clínico-radiológicas e laboratoriais, sendo muitas
diagnóstico. As lesões intersticiais são agrupadas vezes indistinguíveis.6
em 5 padrões: (1) retículo-linear; (2) nodular; (3) Radiologicamente, a DM-anti-MDA5 apresen-
1
vidro fosco; (4) cístico; (5) consolidação. ta-se por inltrados em vidro fosco dispersos pelo
Em diferentes coortes de pneumonia por parênquima pulmonar, de distribuição predominan-
COVID-19, observou-se que opacidades em vidro temente periférica que pode evoluir para consolida-
fosco (86%), misto de vidro fosco com consolidação ções perilobulares (gura 1). A hipoxemia, marcante
(64%) e aumento vascular da lesão (71%) são os na pneumonia por COVID-19, também é característi-
padrões radiológicos mais comuns.2 Esses achados ca da DM-anti-MDA5. Por m, ambas as doenças
estão presentes também nas doenças intersticiais apresentam hiperferritinemia, que se relaciona com
6
pulmonares relacionadas à doenças autoimunes e a gravidade da doença.
3
autoinamatórias.
12
Na artrite reumatoide (AR), manifestações SÍNDROME DE ATIVAÇÃO MACROFÁGICA E
extra-articulares ocorrem em cerca de 18 a 41% dos A TEMPESTADE DE CITOCINAS NO COVID-19
pacientes, sendo a DIP a manifestação pulmonar
mais comum. Os achados mais prevalentes na TCAR Cerca de 10-20% dos pacientes infectados
incluem inltrado reticular com aspecto em favo de por COVID-19 (especialmente aqueles com fatores
mel, predominantemente em bases, bronquiectasi- de risco, como idade avançada e presença de
as de tração e focos de consolidação. A biópsia, comorbidades) desenvolvem doença grave caracte-
quando realizada evidencia principalmente a pre- rizada por pneumonia intersticial e rápido desenvol-
sença de pneumonia intersticial usual (PIU). No vimento de SDRA ou choque séptico com altos níveis
entanto, a biópsia raramente é necessária, devido à de reagentes de fase aguda e fatores da SAM, como
7
ótima correlação radio-histopatológica. hiperferritinemia, disfunção hepática e coagulação
A presença de fator reumatoide ou anti-CCP intravascular disseminada (CIVD).10
positivos em altos títulos é preditora para o desenvol- Apesar da pneumonite poder ocorrer, a SAM
vimento de DIP em pacientes com AR. clássica que se passa no cenário da AIJ sistêmica e
O acometimento pulmonar é a principal em outros diagnósticos autoimunes frequentemente
causa de morte na esclerose sistêmica (ES). Esse se desenvolve fora dos pulmões e se manifesta com
pode se apresentar em forma de DIP (> 70% dos febre, adenomegalia, hepatoesplenomegalia, ane-
pacientes na autópsia) com evolução para brose mia, outras citopenias, disfunção hepática e ativação
pulmonar, ou de hipertensão arterial pulmonar – HAP da cascata de CIVD, secundária à inamação e acom-
(8-12% dos pacientes). A DIP é mais prevalente na panhada por hipercitocinemia.
11
13
Figura 2:
Síntese das alterações
pulmonares nas diferentes
doenças reumatológicas em
semelhança ao quadro
radiográco da infecção
por COVID-19.
a SDRA, que muitas vezes pode estar presente em Isso justica que a sobreposição do perl de citoci-
associação. Em pacientes com SDRA por outras nas que ocorre entre a SDRA e SAM pode dicultar a
causas não virais, a elevação de IL-6 no plasma pre- diferenciação entre tais condições e que grande
diz um pior prognóstico, assim como o seu alto nível parte das alterações laboratoriais que ocorre na
no lavado broncoalveolar, sem a presença de uma infecção por COVID-19 predominantemente reete a
11
origem sistêmica para a elevação dessa citocina. SDRA.
14
MICROANGIOPATIA TROMBÓTICA
Figura 3: Acroparestesia na
infecção por COVID-19.
(Fonte: ZHONGHUA, 2020).
15
CONCLUSÃO
1) PALLEIRO, Ana Giménez; FRANQUET, Tomás. Patrones American Thoracic Society, v. 13, n. 3, p. 371-375, 2016.
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la Fundación Española de Reumatología, v. 14, n. 4, p. 97-105, 9) KIRIS, Adem et al. Lung ndings on high resolution CT in early
2013. ankylosing spondylitis. European journal of radiology, v. 47, n. 1, p.
71-76, 2003.
2) GUAN, Wei-jie et al. Clinical characteristics of coronavirus
disease 2019 in China. New England Journal of Medicine, 2020. 10) SARZI-PUTTINI P, Giorgi V, Sirotti S, Morotto D et al. COVID-19,
cytokines and immunosuppression: what can we learn from severe
3) CASO, Francesco et al. Could Sars-coronavirus-2 trigger acute respiratory syndrome? Clin Exp Rheumatol 2020.
autoimmune and/or autoinammatory mechanisms in genetically
predisposed subjects?. Autoimmunity reviews, p. 102524, 2020. 11) MCGONAGLED, Sharif K, O’Regan A, Bridgewood C. The Role
of Cytokines including Interleucin-6 in COVID-19 induced
4) SAPER, Vivian E. et al. Emergent high fatality lung disease in Pneumonia and Macrophage Activation Syndrome-Like Disease.
systemic juvenile arthritis. Annals of the Rheumatic Diseases, v. 78, Autoimmun. Rev. 2020.
n. 12, p. 1722-1731, 2019.
12) WAN S, YI Q, FAN S et al.: Characteristics of lymphocyte
5) MARIN, Flávia Luiza; SAMPAIO, Henrique Pereira. subsets ans cytokines in peripheral blood os 123 hospitalized
Antisynthetase Syndrome and Autoantibodies: A Literature Review patients witn 2019 novel coronavirys pneumonia (NCP). MedRxiv
and Report of 4 Cases. The American journal of case reports, v. 20, 2020.
p. 1094, 2019.
13) ZHONGHUA, Xue Ye Xue Za Zhi, et al, Clinical and coagulation
6) PACOT, Laurence; POUCHOT, Jacques; PROST, Nicolas de; characteristics of 7 patients with critical COVID-2019 pneumonia
SENANT, Marie; TARTOUR, Eric; PIMPEC-BARTHES, Françoise and acro-ischemia; 2020 Mar 28;41(0):E006. doi:
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Interstitial Lung Disease-Complicated Anti-MDA5 Antibody in
Clinically Amyopathic Dermatomyositis Patients: report of two 14) MANALO, Iviensan F.; SMITH, Molly K.; CHEELEY, Justin;
cases with distinct clinical features. : Report of Two Cases With JACOBS, Randy. A Dermatologic Manifestation of COVID-19:
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7) MATHAI, Stephen C.; DANOFF, Sonye K. Management of 15) MAHÉ, A.; BIRCKEL, E.; KRIEGER, S.; MERKLEN, C.;
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Bmj, v. 352, p. h6819, 2016. Coronavirus Disease 2019? Journal Of The European Academy Of
Dermatology And Venereology, [s.l.], p. 13-15, 15 abr. 2020. Wiley.
8) GUPTA, Nishant et al. Diffuse cystic lung disease as the http://dx.doi.org/10.1111/jdv.16471.
presenting manifestation of Sjögren syndrome. Annals of the
16
CONHECENDO O SARS-COV-2, VÍRUS DA COVID-19
17
leve do trato respiratório alto em adultos e bronquioli- moléculas são clivadas em 16 proteínas não estrutu-
te em crianças e costumam ser pesquisados em pai- rais maduras: NSP (non strutuctural proteins) 1 a 16.
2
néis de PCR virais disponíveis comercialmente. Estas proteínas exercem papel fundamental para os
Através de análises logenéticas foram pro- processos de tradução e replicação do RNA viral. As
postos dois vírus que possivelmente tenham relação proteinases virais que clivam os polipeptídios são a
parental com o SARS-CoV-2. O primeiro, um corona- 3CLpro (3C-like proteinases) e PLpro (papain-like
vírus identicado como RaTG13 encontrado em proteinases).1
uma espécie de morcego na província de Yunnan O vírion possui aproximadamente 50 a 200
que compartilha 96,2% da sequência genômica com nanômetros de diâmetro e é envolto por uma bica-
o vírus causador da COVID-19. Contudo, essa ori- mada lipídica, o que o torna extremamente sensível
gem logenética é contestada por alguns pesquisa- ao sabão e álcool. Assim como outros coronavírus,
dores pois o RaTG13 possui divergências na ele apresenta quatro proteínas estruturais principais:
sequência de aminoácidos justamente no domínio E (do envelope), M (da membrana), N (do nucleo-
de interação da glicoproteína S e o receptor ACE2. O capsídeo, que sustenta o RNA viral) e S (glicoproteí-
segundo, é um betacoronavirus que foi identicado na Spike, na superfície viral).1
em uma espécie de mamífero pequeno chamado de O envelope viral é formado pelas proteínas
pangolin que é consumido como fonte proteica no estruturais M, E e S, sendo a M e S glicoproteínas.
sul da China. Esse coronavírus compartilha cerca de Estas possuem sítios de glicosilação que podem
85,5-92,5% do genoma e apresenta 97,4% de homo- determinar variações antigênicas e conformaciona-
logia no domínio de ligação do receptor, interagindo is, alterando, então, sua imunogenicidade e patoge-
com o ACE2 da mesma forma que o SARS-CoV-23. nicidade.
A glicoproteína S é um homotrímero que con-
tém duas subunidades funcionais: subunidade S1
ASPECTOS ESTRUTURAIS (responsável pela ligação do receptor ACE2 na célu-
la hospedeira) e subunidade S2 (responsável pela
O SARS-CoV-2 é um vírus de RNA de ta fusão das membranas celular e do envelope vírus). A
simples e de polaridade positiva (+), ssRNA virus, porção distal da subunidade S1 apresenta o domínio
isso signica que o material genético do vírus pode de ligação ao receptor ACE2 e contribui para a esta-
servir como um RNA mensageiro e ser traduzido em bilização da ancoragem da subunidade S2 à mem-
proteínas pela maquinaria enzimática das células do brana celular durante o estado pré-fusional. A subu-
hospedeiro tão logo alcance o citoplasma.1 nidade S2 tem um sítio de clivagem chamado S2`,
O genoma viral é traduzido em dois grandes sobre o qual agem proteinases transmembrana ou
precursores polipeptídicos: pp1a e pp1ab. Essas lisossomais do hospedeiro.
18
ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS Na fase primária, ocorre intensa replicação
do vírus levando a apoptose (induzida por dano cito-
O SARS-CoV-2 infecta células que expres- pático) de células epiteliais e endoteliais do sistema
sam ACE2 em sua superfície. Os pneumócitos tipo II respiratório, aumento da permeabilidade capilar e
representam 86% destas células no corpo humano. liberação de citocinas e quimiocinas. O pneumócitos
Outros órgãos cujas células expressam o receptor tipo II passam a expressar menos ACE2, o que con-
são coração, rim, intestino e as células endoteliais. tribui para o dano tecidual (ver gura 2). Nota-se,
O vírus penetra no corpo através da inalação também, migração de linfócitos e monóci-
de partículas contaminantes, principalmente gotícu- tos/macrófagos para o local de infecção e destruição
las e aerossóis respiratórios, presentes em secre- destes por piroptose (mecanismo que pode explicar,
ções corporais geradas pelos hospedeiros infecta- pelo menos em parte, a linfopenia que faz parte do
dos. Então, se aloja no trato respiratório alto (muco- quadro clínico da doença). Este tipo de morte celular
sa nasal, da faringe e laringe) para, posteriormente, está relacionado à formação de um poro chamado
alcançar os pulmões. Uma vez nos pulmões, tem o viroporina 3a, que é um pentâmero de proteínas E do
potencial de, através da circulação pulmonar, ocasi- vírus acoplado na membrana celular da célula infec-
onar viremia e infectar outras células que expressam tada. Esse poro gera desequilíbrio eletrolíticos e
ACE2. induz a formação do inamassoma via NLRP3.
Os danos teciduais estão relacionados, num Como resultado, ocorre intensa liberação de IL-1β,
primeiro momento, aos efeitos citopáticos do vírus IL-18, TNFα e outras citocinas pró inamatórias.
(fase de viremia da doença ou primária). Nesta fase, A entrada do vírus na célula do hospedeiro
o vírus parece ter um potencial de evasão do sistema parece acontecer por mais de um mecanismo: pela
imune. Posteriormente, o dano tecidual é induzido fusão do envelope lipídico viral com a membrana
por mecanismos causados por uma desregulação plasmática ou utilizando a maquinaria endocítica da
do sistema imune inato (fase secundária ou inama- célula (mediado por clatrina ou por uma via clatrina-
tória). caveolina-independente)5. Pelas duas formas, o
Figura 2: Desregulação do SRAA gerando lesão pulmonar e alvos terapêuticos4 Zhang, Penninger, Li, Zhong e Slutsky (2020)
19
RNA viral alcança o compartimento citoplasmático Ao mesmo tempo que ACE2 funciona como
da célula do hospedeiro, onde é traduzido e replica- receptor para a glicoproteína S do vírus, permitindo
do, promovendo a perpetuação do ciclo de vida do sua entrada nas células humanas, sua ação siológi-
patógeno. ca confere proteção contra a lesão pulmonar. A enzi-
A subunidade S1 da glicoproteína S do vírus ma é uma peptidase que cliva angiotensina I e II em
se liga ao receptor ACE2 e promove estabilização da produtos que têm ação opositora aos seus precurso-
ancoragem da subunidade S2 à membrana da célu- res. Além das funções cardiovasculares, a angioten-
la-alvo. Quando a entrada se dá direto pela membra- sina II promove processos celulares relacionados
na plasmática, a serinoprotease transmembrana 2 com o desenvolvimento de SARA via receptor AT1R.
(TMPRSS2) cliva o sítio S2`, promovendo alteração Tanto nas infecções por SARS-CoV-2 quanto
conformacional da proteína S, resultando na fusão em outras infecções por vírus respiratórios que cau-
do envelope viral com a membrana da célula do hos- sam SARA, os mecanismos que levam à diminuição
6
pedeiro. da ACE2 na membrana plasmática dos pneumócitos
Em células que não expressam TMPRSS2 ou infectados são determinantes para a gravidade de
quando a entrada do vírus ocorre através da via endo- lesão pulmonar. Isso foi comprovado em cobaias
cítica, foram identicadas enzimas endossomais com SARA induzida pela glicoproteína S do SARS-
(catepsinas B e L) com ação de protease do sítio S2`, CoV. Os animais apresentaram “downregulation” do
mas que não parecem contribuir com a infectividade ACE2 e aumento da concentração de angiotensina II
7
do vírus nas principais células-alvo. quando expostos ao antígeno e, ainda eram protegi-
Para o adequado funcionamento dessas dos quando se empregava um bloqueador especí-
8
catepsinas e saída do vírus do compartimento co do receptor AT1R.
endossomal, é necessário um pH ácido ótimo, aliado O genoma viral é composto de 3 segmentos,
a presença das enzimas e cálcio, situação que ocor- os 2/3 iniciais são representados pelas Open
re apenas após a maturação do endossomo precoce Reading Frames (ORF) 1a e 1b que são traduzidos,
em tardio e sua fusão com o lisossomo, formando quando alcançam o citoplasma, pelos ribossomos
um endolisossomo. Dessa forma o vírus SARS-Cov- citoplasmáticos nos polipeptídeos 1a e 1ab (Pp1a e
2 é considerado um vírus que apresenta entrada tar- Pp1ab) (ver gura 3). O terço nal do genoma dará
dia no citoplasma pela via endocítica (lag time de origem a segmentos de RN subgenômico e por m
9
aproximadamente 30 minutos). às proteínas estruturais.
Figura 3:
Genoma Viral
https://viralzone.expasy.org/
20
O produto da clivagem dos polipeptídeos xo de Golgi). A proteína N, do nucleocapsídeo migra
Pp1a e Pp1ab, as NSP formam o Replicase- então para a o interior da vesícula de dupla membra-
Transcriptase Complex (RTC). Esse complexo intera- na onde o genoma viral está sendo replicado. A pro-
ge com o RNA viral para dar origem ao RNA com teína N se oligomeriza formando o nucleocapsídeo
polaridade negativa. Esta ta tem dois destinos: (1) que envolve o genoma viral recém formado. Após a
replicação, para dar origem ao genoma de novos formação do nucleocapsídeo, ele se desloca para o
vírions; (2) transcrição descontínua, um processo no ERGIC onde as proteínas estruturais já estão acopla-
qual fragmentos da ta com polaridade negativa são das a membrana do mesmo. Neste momento a mem-
transcritos em pequenos segmentos de RNA subge- brana começa a ser moldada por ação das proteínas
nômico. Posteriormente, são traduzidos nas proteí- estruturais, principalmente a proteína E para dar iní-
9
nas estruturais para formar os novos vírions. cio ao brotamento viral. Os vírus recém formados
A tradução do genoma viral forma as proteí- deixam a célula em vesículas exocíticas e seguem
nas do RTC, dentre elas, as proteínas nsp3, nsp4 e para infectar novas células, dando continuidade ao
nsp6 que induzem a formação de circunvoluções na ciclo do vírus. (gura 4).
membrana do retículo endoplasmático (ER) gerando Ainda nesta fase, são descritos mecanismos
uma vesícula de dupla membrana que protege o de evasão do sistema imune inato pelo vírus que
complexo de replicação do vírus (fábrica viral) de atuam em várias etapas na sinalização do interferon
sensores de RNA citoplasmáticos como MDA5 e e da resposta antiviral.
RIG-1. Na maioria dos pacientes, o sistema imune
As proteínas M, S e E são traduzidas e aco- consegue suprimir a replicação viral neste ponto,
pladas a membrana do ER/ERGIC (complexo inter- através de uma resposta antiviral adequada. No
mediário entre o retículo endoplasmático e comple- entanto, em alguns pacientes, principalmente os
Figura 4:
Ciclo de vida do vírus
(DU; HE; ZHOU; LIU; ZHENG; JIANG, 2009)
21
idosos, portadores de doenças crônicas e imunos- IgG anti-S demostraram que estes animais desenvol-
suprimidos podem não montar uma resposta antivi- vem lesão pulmonar mais pronunciada que os não
13
ral adequada. imunizados.
A fase mais grave da doença acontece nor- Nesta fase nal a coexistência de alta carga
malmente a partir do oitavo dia da doença coincidin- viral devido a clearence inadequado associada a
do com a produção de anticorpos neutralizantes presença de IgG leva internalização do vírus via
contra a proteína S (IgG anti-S), que contribuem receptor FC. A fagocitose do vírus não produz infec-
tanto para o clearence viral quanto para o dano teci- ção viral produtiva, ou seja, o vírus não se reproduz
dual induzido pelo sistema imune num processo nos fagócitos. No entanto, o material genético do
denominado ADE (Antibody Dependent vírus ativa o TLR 3 e induz a produção de interferon e
Enhancement). citocinas pró-inamatórias que contribuem para a
Dados provenientes da epidemia de SARS tempestade de citocinas descrita.
(2002) evidenciaram que os pacientes que sorocon- O papel do reumatologista como grande
vertem mais precocemente são mais suscetíveis entendedor dos processos imunológicos, do papel
para o desenvolvimento de formas pulmonares gra- das citocinas e dos recursos terapêuticos para con-
ves.11 Além disso, também foi demonstrado que o trolar os processos imunoinamatórios é essencial
desenvolvimento de SARA coincidiu com a sorocon- tanto na pesquisa como na assistência aos pacien-
versão em 80% dos pacientes.12 Por m, estudos tes que desenvolvem forma graves da COVID-19.
com modelos animais imunizados ativamente com
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22
PADRÕES TOMOGRÁFICOS PULMONARES
NA INFECÇÃO PELO COVID-19
RESUMO INTRODUÇÃO
A pneumonia causada pelo COVID-19 mostra Os exames de imagem na infecção por coro-
na tomograa computadorizada do tórax aspectos navírus (COVID-19) assintomática ou sintomático
característicos como as opacidades em vidro fosco e leve cuja detecção do vírus por reação em cadeia da
condensações com broncograma aéreo com distri- polimerase com transcrição reversa em tempo real
buição periférica e predominando nas regiões inferi- (RT-PCR) ou Ig M foram positivos não são recomen-
ores e posteriores de ambos os pulmões. O espes- dados de rotina. Os casos sintomáticos e com teste
samento da parede brônquica e o padrão em pavi- de RT-PCR falso negativo os aspectos na tomograa
mentação em mosaico são observados na evolução computadorizada (TC) de tórax podem auxiliar para
da doença. O derrame pleural é raro. A radiograa de o diagnóstico visto o envolvimento primário do siste-
1,2,3 4
tórax tem menor sensibilidade para detectar a doen- ma respiratório nesta doença . Fang et al compa-
ça nas fases iniciais. raram os achados da TC de tórax e o RT-PCR em 51
pacientes com febre e/ou sintomas respiratórios
23
com inicio de 1 a 3 dias em média, a sensibilidade da dades em vidro fosco focais e escassas, podendo
TC de tórax foi 98% e o RT-PCR foi 71% concluindo ser única, nódulos com localização no lóbulo central
que a primeira foi mais sensível em detectar a doen- envoltos por opacidades em vidro fosco, consolida-
ça. A TC de tórax é importante para monitorar a pro- ções focais com broncograma aéreo, predominan-
gressão e a resposta à terapia. tes nas regiões inferiores dos pulmões.
- FASE 2
ASPECTOS DA TOMOGRAFIA Estágio inicial, referindo-se ao período de 1 a 3 dias
COMPUTADORIZADA DE TÓRAX após o início das manifestações clínicas, sendo cons-
NA PNEUMONIA POR COVID-19 tatados opacidades em vidro fosco aglomeradas ou
focais, escassas ou múltiplas, espessamento do
Os achados de imagem podem ser apresen- septo interlobular.
tados do ponto de vista didático em 5 fases de evolu-
5
ção da doença : - FASE 3
Estágio de progressão rápida, englobando o perío-
- FASE 1 do de 3 a 7 dias do início dos sintomas, sendo obser-
Precoce, onde o paciente tem história de contato vados opacidades em vidro fosco junto a áreas de
presente e não apresenta manifestações clínicas, condensação com broncograma aéreo que podem
mas com PCR positivo para COVID 19 no swab se agregar. A Figura 1 mostra um paciente nesta
nasal e orofaringe, detectado na TC de tórax opaci- fase, onde coexistem opacidades em vidro fosco e
áreas de condensação com broncograma aéreo.
Figura 1. Homem de 53 anos com COVID-19, comorbidades: hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus, referia febre
e tosse há 6 dias e diarreia por um dia, dependente de suplementação de oxigênio, evoluiu 2 dias após estas imagens para
ventilação mecânica. A TC de tórax evidenciava opacidades em vidro fosco focais e bilateral, mais evidentes na periferia dos
pulmões e distribuição subpleural, há conuência das opacidades em vidro fosco no pulmão esquerdo e consolidação com
broncograma aéreo no pulmão direito, maior acometimento nas regiões posteriores e inferiores de ambos os pulmões.
- FASE 4 - FASE 5
Estágio de condensação, referindo-se ao período de Estágio de dissipação, compreendendo o período
7 a 14 dias do início do quadro, sendo evidenciadas entre 2 a 3 semanas do início dos sintomas, ocorre
múltiplas consolidações focais com menor densida- maior redução das lesões, espessamento do septo
de e extensão que no estágio anterior. A Figura 2 mos- interlobular e das paredes brônquicas e consolida-
tra paciente com COVID-19 no 13º dia de evolução ções esparsas com menor densidade.
onde são observados discretas opacidades em vidro
fosco e condensações esparsas.
24
Figura 2. Homem de 40 anos com COVID-19, comorbidade: asma brônquica, início do quadro há 13 dias, com odinofagia e
anosmia, evoluindo com tosse intensa, mas sem hipoxemia. A TC de tórax evidenciou opacidades em vidro fosco e
pequenas áreas de condensação focais, localizadas na periferia e subpleurais, opacidades lineares atingindo a pleura,
dilatação de vasos pulmonares e espessamento de paredes e ectasias brônquicas que podem decorrer da doença
obstrutiva prévia ou por anormalidades tardias do COVID-19 (cortesia da Dra Ana Maria Silva Araújo, Pneumologista do
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho).
6
Zhou et al avaliaram a TC de tórax de 62 paci- broncograma aéreo e distorção brônquica e as pleu-
entes com pneumonia por coronavírus, todos apre- rais foram espessamento, sinal de retração pleural e
sentavam sintomas no início da doença com febre derrame pleural6. Nas fases iniciais da doença, de-
em 87%, tosse em 45%, mialgia em 32%, encurta- nido por ≤ 7 dias depois do início dos sintomas, a
mento da respiração em 24%, fatiga em 22% e sinto- frequência de opacidades em vidro fosco foi signi-
mas gastrointestinais como dor abdominal e diarreia cantemente maior que nas fases mais avançadas,
em 14%, os quais ocorreram como sintoma inicial enquanto que o padrão de consolidação foi consta-
da infecção em alguns casos. Foram encontrados tado em todas as fases. Padrão reticular, sinal vacuo-
lesões múltiplas em 84% dos 62 pacientes no primei- lar, alterações bróticas, distorção brônquica e der-
ro exame (feito em 1 a 14 dias do início dos sintomas, rame pleural foram vistos com maior frequência nas
média de 6,6 dias) e nos 16% onde foi detectado fases mais tardias que nas fases iniciais6.
lesão única, a TC de tórax tinha sido feita em 1 a 7 Nódulos pulmonares têm sido associados à
dias após o início dos sintomas. A distribuição das pneumonia viral, 3 a 13% dos pacientes com pneu-
lesões foi periférica em 77% dos 62 pacientes, perifé- monia por Covid-19 podem apresentar nódulos irre-
rica e central em 23% dos casos e em nenhum caso gulares, multifocais e sólidos em meio a outros acha-
foi apenas central. As regiões médias e inferiores dos dos de imagens, incluindo nódulos com sinal do halo
pulmões foram mais acometidas que as superiores (consolidação circundada por atenuação em vidro
e a área posterior mostrou um comprometimento fosco), o qual parece mais comum em crianças que
maior que a anterior, conforme descrito em outras em adultos e sinal do halo invertido (opacidade focal
séries3. As anormalidades no parênquima pulmonar em vidro fosco circundada por um anel de consolida-
foram: áreas em vidro fosco, consolidações, padrão ção completo ou parcial)3,7. Na gura 3 observamos
reticular e vidro fosco, sinal vacuolar, sinais de dilata- na TC de tórax pequenos nódulos pulmonares junto
ção microvasculares, faixas bróticas e linhas sub- a opacidades em vidro fosco e condensações.
pleurais nas. As lesões brônquicas consistiram de Dilatação dos vasos pulmonares pode estar presen-
25
Figura 3. Homem de 44 anos com COVID-19, referia coriza, dor facial, odinofagia e queda do estado geral, evoluiu com piora
dos sintomas, febre e dispneia, necessitou de suplementação de oxigênio, evoluindo com melhora. A TC de tórax mostrou
opacidades em vidro fosco, áreas de condensações e pequenos nódulos com distribuição predominante nas regiões
posteriores e inferiores, espessamento de paredes brônquicas e proeminência vascular.
Figura 4. Mulher de 49 anos com COVID-19, referia anosmia há 10 dias, febre há 6 dias, desconforto abdominal e diarreia há
4 dias e dispneia. A TC de tórax constatou múltiplas áreas em vidro fosco, áreas de condensações, envolvimento bilateral e
multilobar e dilatações vasculares. Foi tratada com oxigenio suplementar sem sucesso, evoluindo com indicação de
ventilação mecânica.
Salehi et al8 numa revisão de séries com 919 vimento pleural com linhas subpleurais, espessa-
casos de COVID-19, constataram que os padrões e mento pleural e derrame pleural, que pode indicar
3 3,7,8
distribuição mais típicos na TC de tórax foram: opaci- mau prognóstico foram constatados em séries .
dade em vidro fosco em 88% dos casos, consolida- Derrame pericárdico, pneumotórax, linfadenopatia e
ção em 31,8%, envolvimento bilateral em 87,5% e cavitação são mais raros e podem indicar mau prog-
multilobar em 78,8%. A distribuição das lesões foi nóstico3.
periférica em 76% dos casos e o comprometimento A pneumonia viral por COVID-19 pode causar
nas regiões posteriores dos pulmões em 80,4%. síndrome respiratória aguda grave3, como observa-
Espessamento septal interlobular e padrão do na Figura 6.
de pavimentação em mosaico (Figura 5), em geral O diagnostico diferencial inclui outras pneu-
3
ocorrem nas fases mais tardias da doença. O envol- monias virais como por vírus da inuenza, especial-
26
Figura 5. Mulher de 84 anos com Covid-19, referia diarreia há uma semana, febre e queda do estado geral, evoluiu com
dispneia e hipoxemia refratária à ventilação não invasiva tendo sido instituído ventilação mecânica. A TC de tórax evidenciava
padrão de pavimentação em mosaico que é descrito como o espessamento dos septos interlobulares com superposição de
opacidades em vidro fosco.
Figura 6. Mulher de 60 anos com COVID-19 e síndrome respiratória aguda grave, comorbidade: artrite reumatóide, referia
febre, tosse e dispnéia há 3 dias. A TC de tórax evidenciava opacidade em vidro fosco difusa, proeminente nas regiões
subpleurais, broncograma aéreo e pequeno derrame pleural a esquerda; apresentava hipoxemia grave sendo instituído
ventilação mecânica, evoluiu para o óbito.
27
entanto deve ser solicitada para os casos de pneu- CONCLUSÃO
monia e em alguns locais pode ser o único exame de
9
imagem disponível. Wong et al estudaram as anor- As anormalidades pulmonares na infecção
malidades no Rx de tórax de 64 pacientes com pelo COVID-19 mostraram um padrão misto e diver-
COVID-19, constataram uma sensibilidade de 69% e so com o envolvimento progressivo do interstício,
observaram que o pico dos achados radiológicos parênquima pulmonar, árvore respiratória e pleura.
ocorria em 10 a 12 dias após o início dos sintomas. As opacidades em vidro fosco isoladas ou em com-
Opacidades de espaço aéreo multifocais ocorreram binação com consolidação e broncograma aéreo,
em 47% dos casos e opacidades de baixa densidade distribuição predominante nas regiões inferiores e
em 33%. Derrame pleural foi incomum (3%). Havia posteriores dos pulmões foram os achados mais
predomínio basal em 63% dos casos, distribuição comuns. A presença de lesão única na pneumonia
periférica em 51% e perihilar em 12%. Nos estágios por COVID-19 sugere que a doença está numa fase
mais avançados o Rx de tórax pode mostrar progres- inicial. Padrão de pavimentação em mosaico, espes-
são para a síndrome de angústia respiratória do adul- samento de paredes brônquicas e derrame pleural
to. podem ocorrer na evolução. O desaparecimento
total das lesões pode ser lento, com duração superi-
or a um mês.
28
ASPECTOS PULMONARES NA COVID 19
UMA PERSPECTIVA PARA O REUMATOLOGISTA
INTRODUÇÃO
29
quando comparado com outras causas de síndrome sobrepostos. O primeiro desencadeado pelo vírus
da angustia respiratória do adulto (SDRA).(2) em si e o segundo, decorrente da resposta inama-
tória do hospedeiro. A doença tende a apresentar e
seguir essas duas fases, embora em diferentes níve-
CLASSIFICAÇÃO is de gravidade a depender da resposta do hospede-
iro. Baseado nisso, Merha e cols propuseram um
Assim como em outras doenças é imperativo sistema de classicação de 3 estágios, reconhecen-
uma abordagem estruturada com vistas a identica- do que a COVID 19 exibe três graus de gravidade
ção de fenótipos clínicos que possam corresponder crescentes, com achados clínicos, resposta terapêu-
a patogênese da doença. Na COVID 19, parece tica e desfechos especícos. (2)
haver dois mecanismos patológicos distintos, mas
30
critérios para internação hospitalar consistem em: tido. No estágio mais avançado da doença a imagem
frequência respiratória > 30 irpm, saturação periféri- tomográca pode ser indistinguível da SDRA com
ca de oxigênio < 93% em ar ambiente e/ou acometi- consolidações predominantes em áreas pendentes
(6)
mento> 50% do parênquima pulmonar avaliado do pulmão.
pela tomograa computadorizada do tórax.
31
outros vírus. Alguns estudos identicaram taxas de médico de urgência. Em caso de exacerbação, caso
até 21% de coinfecção SARS CoV2 e outros patóge- haja suspeita de COVID 19, deve-se evitar o uso de
nos como rinovírus, enterovírus e vírus sincicial res- nebulização pela formação de aerossol e maior pos-
piratório. (6) No contexto dessa pandemia a hipótese sibilidade de disseminação da doença. Os medica-
de COVID 19 deve sempre ser lembrada e descarta- mentos inalatórios devem ser oferecidos por dispo-
da através da coleta de RT-PCR para SARS CoV2, já sitivos inalatórios tipo aerossol dosimetrado com
que o tratamento da doença auto-imune contempla espaçador e o tratamento padrão, inclusive com
(10)
o uso de imunossupressores o que não é desejado corticóide oral, deve ser mantido
(3) (9)
na fase inicial da COVID 19.
CONCLUSÃO
COMORBIDADES
A COVID 19 é uma doença potencialmente
A asma brônquica e a DPOC são doenças grave com acometimento pulmonar que nos remete
prevalentes na população geral e em especial em às doenças auto-imune em muitos aspectos. A con-
alguns pacientes reumatológicos. A COVID 19 pode rmação de casos suspeitos, especialmente em
se manifestar com forma pulmonar mais grave e pacientes reumatológicos deve ser buscada com
especialmente na DPOC com alterações pulmona- anco, já que o diagnóstico diferencial com outras
res atípicas pela presença de ensema pulmonar. A doenças infecciosas e com exacerbação da doença
orientação no manejo desses pacientes é que se de base se faz necessário e o tratamento da doença
mantenha os medicamentos inalatórios de uso cor- reumatológica pode ser conitante, especialmente
rente como broncodilatadores b2 agonistas, anti- no início da infecção pelo SARS CoV2.
muscarínicos, corticoesteróide inalatório e mesmo Comorbidades pulmonares também podem estar
corticoesteróide oral se previamente prescrito, sob o presentes em pacientes reumatológicos e necessi-
risco de exacerbação e necessidade de atendimento tam ser abordadas de forma adequada.
32
TELEMEDICINA EM MOMENTO DA PANDEMIA PELO COVID-19
Neste momento de pandemia, todos esta- a teleconsulta, caso essa prática fosse adotada de
mos muito preocupados não apenas com a saúde, forma maciça e não apenas em áreas geograca-
mas também com a economia. Saber encontrar o mente remotas, dando margem a vulnerabilidade e
equilíbrio não é uma tarefa fácil, tanto que os gran- interpretação errada.
des estudiosos no assunto seguem tentando arru- Infelizmente camos na inércia até hoje
mar soluções mais sensatas à medida que a pande- aguardando sua alteração, que não veio....
mia evolui. Precisou chegar uma pandemia para vermos
Não tenho dúvidas que seremos diferentes que a telemedicina é uma ferramenta muito útil tam-
depois que a pandemia do COVID-19 passar. bém nesta situação, para olharmos novamente para
Teremos mais atenção em nossas rotinas pessoais e ela.
prossionais, iremos incorporar novas atitudes em A necessidade de isolamento social e a restri-
nossas práticas. Estamos vivendo isso na área edu- ção de ida de pacientes aos consultórios médicos
cacional onde o MEC obrigou que tanto as escolas foram fundamentais para que o CFM, o Ministério da
públicas quanto as privadas praticassem a educa- Saúde e os Conselhos Regionais opinassem à res-
ção continuada a distância e esta tecnologia com peito.
aulas online e vídeo aulas gravadas já foram incorpo- Em 26/03/2020, o CREMERJ publicou a reso-
radas no currículo escolar, em caráter de excepcio- lução n. 305/2020 que dispõe sobre o atendimento
nalidade. médico por telemedicina durante a pandemia de
Na área da saúde, esta ferramenta encontra- SARS-CoV2/COVID-19.
va-se bem desatualizada. A resolução da telemedici- Alguns pontos merecem destaque e explora-
na vigente é a de n.1634/ 2002, mas já havia um inte- rei abaixo:
resse público em sua readequação. Há pouco mais Em momentos de “guerra” (sinônimo dado a
de um ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) pandemia), temos que utilizar as ferramentas que
apresentou uma resolução n. 2227/2018 que foi revo- dispomos, facilitar o acesso, mesmo que a seguran-
gada pelo próprio órgão e no mesmo mês de sua ça não seja a máxima disponível. Desta forma enten-
apresentação pois os conselhos regionais e as soci- demos que a troca de informações por áudio ou men-
edades médicas a criticaram duramente, conside- sagens (como por exemplo whatsapp) seja possível,
rando o texto pouco claro e com risco para a relação porém devem ser arquivadas em prontuário do médi-
médico-paciente. A preocupação maior foi referente co. Importante salientar que o médico deve informar,
33
Integralizar
34
Entrevista com o
Dr. Geraldo Castelar
Professor Titular em Reumatologia, no
Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ
Olá, professor Geraldo! É um prazer imen- fase inicial da minha carreira médica, acompanhei o
so recebê-lo em nossa coluna para um bate-papo! meu pai na criação do Serviço de Reumatologia da
Benecência Portuguesa do Rio de Janeiro. No nal
1- Primeiramente, nos conte um pouco sobre por da década de 80, a convite do Prof. Edgar Atra,
que resolveu fazer reumatologia e como foi o iní- mudei-me para São Paulo para iniciar a minha Pós-
cio da sua carreira. graduação na Escola Paulista de Medicina (1988-
1993 - UNIFESP). Sob a orientação do Prof.
Filho de pais médicos, desde cedo descobri que era Alexandre Gabriel Jr., defendi o meu mestrado
esse o caminho que eu gostaria de seguir na vida. (1988-1990) e, em seguida, viajei para os Estados
Embora mais identicado com o “estilo de ser médi- Unidos para desenvolver a minha tese de doutorado
co” da minha mãe, ainda durante o meu curso de na Lahey Clinic (1990-1992), sob a coorientação do
graduação (1976-1981 - UFRJ), fui levado pelo meu Dr. Vincent Agnello.
pai e comecei a participar de eventos cientícos da Assim que retornei ao Brasil, fui convidado pela
SRRJ. Embora não tivesse qualquer dúvida de que Profa. Elisa Albuquerque para levar a minha situação
faria uma especialidade clínica, só no meio da minha do Ministério da Saúde (nessa ocasião o Serviço de
residência médica de clínica médica, decidi-me pela Reumatologia do HGB havia sido praticamente desa-
reumatologia. A excelência do Serviço de tivado) para a Universidade do Estado do Rio de
Reumatologia do Hospital Geral de Bonsucesso Janeiro (UERJ).
(HGB), onde estava realizando a minha residência
(1982-1984), sem dúvida contribuiu para essa esco- 2- Como é fazer parte de um dos maiores serviços
lha. de reumatologia do país? Quais são os maiores
Iniciei a minha formação em reumatologia no HGB, desaos?
sob a chea do meu pai e a coordenação do Dr.
Nilton Campos (1984-1986). Logo após o término da Quando cheguei à UERJ, em fevereiro de 1992, éra-
minha residência em reumatologia, fui aprovado em mos em três, Elisa, Evandro Klumb, que havia chega-
concurso público e passei a fazer parte do corpo do alguns meses antes como estagiário, e eu. Um
clínico deste mesmo serviço (1986). Ainda nessa pouco depois, tivemos o privilégio de receber um
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Com Paixão
novo colega e grande reforço, o Roger Levy. Com 4- Dentro da reumatologia, quais impactos pode-
muita determinação, dedicação e trabalho em equi- mos esperar?
pe, sempre seguindo o exemplo e os valores da
nossa chefe Elisa, o serviço foi crescendo e sendo O momento exige de nós, médicos, muita humilda-
reconhecido dentro da instituição. de, bom senso e compaixão. Precisamos reconhe-
Em 1996, já como Disciplina de Reumatologia inicia- cer o nosso desconhecimento sobre a doença e seu
mos a nossa residência médica na especialidade e, tratamento, e nos preparar para acompanhar o
desde então já formamos mais de 70 reumatologis- desenvolvimento do conhecimento. Bom senso
tas. A partir de 2002, com a criação do curso de Pós- para, mesmo sem muita evidência cientíca, orientar
graduação em Ciências Médicas da UERJ, os nossos pacientes sobre o que fazer com o seu acom-
docentes da nossa disciplina passaram a orientar e panhamento (consultas e exames) e, principalmen-
formar mestres e doutores. Hoje, juntando os profes- te, seu tratamento.
sores, os médicos concursados e os que participam Acredito que estamos passando por um momento
de projetos do nosso hospital com a Secretaria muito interessante para reavaliarmos a real necessi-
Estadual de Saúde, somos em 20 médicos. É esse dade do uso de algumas medicações imunomodula-
grupo competente e trabalhador e está sob a coor- doras para certos pacientes e para descobrirmos o
denação incansável do nosso atual chefe Evandro, potencial da telemedicina no acompanhamento
que é reconhecido em nossa sociedade como um remoto dos mesmos. Estimulo os colegas a partici-
dos mais importantes serviços de reumatologia do parem do registro internacional sobre a Covid-19 nos
país. pacientes com doenças reumáticas e musculoes-
queléticas (http://rheum-covid.org/), patrocinado
3- Diante do cenário atual, não seria possível fugir pelo ACR e apoiado pela SBR.
do tema COVID-19. Como o senhor avalia o nosso É importante chamar a atenção de todos que, neste
sistema de saúde perante a pandemia? Estamos momento, são muitas as oportunidades para ajudar-
preparados? mos as pessoas mais necessitadas (ex.: www.rio-
contracorona.org.br; www.acaodacidadania.-
Vivemos um momento sem precedentes para as com.br). A participação de cada um de nós, com
pessoas dessa geração. Uma pandemia causada certeza, fará toda a diferença para quem precisa.
por um vírus ainda desconhecido, altamente trans-
missível e letal, sem termos uma vacina ou tratamen- 5- Para encerrarmos e voltando ao tema da colu-
to de ecácia comprovada. Não tenho qualquer na, quais são seus planos para o futuro?
dúvida que, no momento, o distanciamento social é
o que podemos fazer de melhor para minimizar a Hoje, meu interesse maior é colaborar no processo
transmissão da doença e a sobrecarga no nosso de amadurecimento dos nossos colegas mais
sistema de saúde. Temos cerca de 75% da nossa jovens para que eles, cada vez mais, ocupem as posi-
população dependente do nosso desacreditado ções de coordenação e referência dentro do nosso
sistema único de saúde (SUS) e, infelizmente, sabe- serviço e da nossa sociedade. Uma motivação nova
mos que o mesmo não está preparado para receber, para manter-me ativo na reumatologia é o fato da
ao mesmo tempo, um número grande de pacientes minha lha Marcela ter escolhido fazer a minha espe-
graves. cialidade. Ela já está no seu primeiro ano de residên-
Além disso, ainda temos um número elevado de pes- cia médica em reumatologia e isso, sem dúvida, me
soas desempregadas ou socialmente “invisíveis”, deixa muito orgulhoso e motivado.
lutando de forma tão desfavorável com esse inimigo Considero-me uma pessoa otimista e, ao m e ao
e essa realidade. Como se não bastasse, ainda cabo, tenho esperança de que o mundo pós-
somos obrigados a ver a ciência e a experiência de pandemia será mais sensível para as desigualdades
outros países serem negadas e, por questões de sociais e determinado para instituir mudanças que
natureza política, ganharem um inoportuno desta- permitam que, no futuro, todos tenham o direito a
que. É triste, mas acho que ainda sofreremos muito uma existência digna da condição humana.
com o que está por vir.
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Entrevista com Dr. Leonardo Almeida,
Médico Reumatologista e Chefe do Centro de Infusão
de medicamentos do Hospital da Unimed,
COVID-19 positivo em março de 2020.
Olá, Dr Leonardo! Nesta Edição Especial do Como foi o início dos sintomas e o que sentiu?
boletim da SRRJ escolhemos com colega de
prossão para entrevistar como paciente. Quadro de astenia importante. Evoluiu com
Primeiramente, como você está agora? quadro gastrintestinal (diarréia) seguido de tosse
seca. Sem febre.
Clinicamente bem. Ainda algum cansaço
aos esforços e tosse residual. Precisando
aumentar progressivamente minha atividade física
para melhor avaliar minha capacidade funcional. Qual foi o pior momento da doença?
Psicologicamente tranquilo após
passagem do período crítico de evolução. Após swab (PCR) positivo, iniciei protocolo
de Hidroxicloroquina e Azitromicina. Não tive
dispnéia. Não realizei TC tórax. Realizei
Onde suspeita que contraiu a doença? isolamento social em um quarto na minha
residência e mantive normas as mais rígidas
Muitas dúvidas. No último dia de possíveis para proteção de meus familiares. O pior
consultório, atendi dois pacientes suspeitos de realmente é a ansiedade pela evolução.
estarem infectados (um deles já com TC tórax
compatível), mas eu estava com máscara e z a
higienização das mãos (lavagem e álcool-gel) pré
e pós-atendimento. Também tive contato com Como sua família reagiu a tudo isso?
alguns colegas de trabalho com suspeita de
infecção. Acredito que muitos de nós são e serão Recebi todo o apoio necessário. Dividiram
contaminados por relaxar os cuidados entre nós comigo a ansiedade. Espero ter sido útil. Abraços.
em reuniões presenciais e passagens de plantão.
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O CUIDADO À SAÚDE MENTAL EM
TEMPOS DE PANDEMIA DE COVID-19
Mental Health Care in Covid-19 Pandemic Times
“Essa dor talvez ajude as pessoas a responder se somos de fato uma humanidade”
(Ailton Krenak, líder indígena e ambientalista).
RESUMO Palavras-chave:
Saúde Mental, Covid-19, Trabalho em Saúde
A pandemia de Covid-19 produziu um abalo za. Ter expectativa de produção de novos mundos,
na vida das pessoas, tanto no que se refere à amea- produção do Comum como elemento central de uma
ça direta que ela representa à saúde e à vida, quanto vida em comunidade, ajuda na produção da vida
efeitos produzidos pelo isolamento social, e a insta- cotidiana, acolhimento do sofrimento eliminando a
bilidade quanto à própria produção da vida. Este sensação de abandono das pessoas, são diretrizes
cenário produz sofrimento mental, não apenas nas importantes de serem observadas no trato do sofri-
pessoas em isolamento social ou acometidas pela mento mental, no contexto da pandemia. A clínica
doença, mas também nos trabalhadores, submeti- dos afetos traz importantes contribuições para o
dos ao estresse e sobrecarga de trabalho, como a manejo do sofrimento e a dor de origem afetiva, no
todas as pessoas que são de alguma forma afetadas âmbito da pandemia de Coronavírus Covid-19.
por todo ambiente de adversidades. Tomando por
referência a teoria da afecção de Baruch Spinoza,
avaliamos que o sofrimento é causado por um pro- SUMMARY
cesso de deslocamento do território existencial, pro-
duzido pelo efeito dos afetos que toda esta situação The Covid-19 pandemic has shaken people's
provoca na subjetividade das pessoas, geralmente lives, both in terms of the direct threat it poses to
“padecem” de afetos negativos, o que causa tristeza health and life, and the effects produced by social
e redução da sua energia vital, reduzindo sua potên- isolation and instability in terms of the very production
cia de agir. A reversão deste quadro supõe retomar of life. This scenario produces mental suffering, not
as relações comunitárias, afetivas, sociais, produzin- only in people in social isolation or aficted by the
do bons encontros e aumentando assim a potência disease, but also in workers who are subjected to
vital. Sugerimos observar dois grandes temas que stress and work overload, as well as in all people who
andam juntos, para esta retomada, a produção do are in some way affected by any environment of adver-
cuidado à pessoa tomando por base a ideia de uma sity. Taking as a reference Baruch Spinoza's theory of
produção sócio-afetiva, e a harmonia com a nature- illness, we evaluate that suffering is caused by a pro-
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cess of displacement of existential territory, produced graves, e 5% críticos, que necessitam inclusive de
by the effect of affections that this whole situation cau- leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI), (Gree-
ses in the subjectivity of people, generally "suffering" nhalgh, 2020).
from negative affections, which causes sadness and Neste artigo pretendemos discutir os efeitos
reduction of their vital energy, reducing their power to na saúde mental de trabalhadores e usuários, decor-
act. The reversal of this picture presupposes the rentes da pandemia, em especial do isolamento soci-
resumption of community, affective and social relati- al. A revista Lancet publicou estudo dos impactos
onships, producing good encounters and thus incre- psicológicos causados pela quarentena, em surtos
asing vital power. We suggest observing two great epidêmicos de “SARS (11 estudos), Ebola (cindo),
themes that go together, for this resumption, the pro- pandemia de inuenza H1N1 de 2009 e 2010 (três),
duction of care for the person based on the idea of a Síndrome respiratória do Oriente Médio (dois) e equi-
socio-affective production, and harmony with nature. nos inuenza (um). Um desses estudos relacionados
Having the expectation of the production of new a ambos H1N1 e SARS”, (Brooks et al, 2020, pág.
worlds, the production of the Common as the central 913). Os autores informam que a quarentena causa
element of a life in community, help in the production vários efeitos colaterais, e são mais frequentes quan-
of daily life, welcoming suffering eliminating the fee- do associados ao distanciamento de familiares,
ling of abandonment of people, are important guideli- perda da liberdade, problemas nanceiros, incerte-
nes to be observed in the treatment of mental suffe- zas em relação à doença, e tédio.
ring, in the context of the pandemic. The clinic of As pessoas submetidas à quarentena confor-
affections brings important contributions to the mana- me os autores, invariavelmente uma maioria apre-
gement of suffering and pain of affective origin, in the senta sofrimento mental durante o episódio de isola-
context of the Coronavirus Covid-19 pandemic. mento, e às vezes este se prolonga para o período
Keywords: Mental Health, Covid-19, Health Work, após seu distanciamento social. As principais mani-
Care. festações são distúrbios emocionais, depressão,
estresse, mal humor, irritabilidade, insônia, estresse
pós-traumático (idem, ibidem). Os autores indicam
INTRODUÇÃO - A PANDEMIA DE COVID-19 algumas possibilidades de intervenção que os traba-
E SAÚDE MENTAL lhadores da saúde diretamente ligados aos usuários,
podem fazer para reduzir os efeitos da quarentena:
Uma das principais estratégias contra o
Coronavírus Sars-Cov-2 é o distanciamento social Os resultados [dos estudos] sugerem que os
que tem sido recomendado para proteção à popula- funcionários devem tomar todas as medidas
ção, ou a quarentena. O isolamento social se divide para garantir que essa experiência [quarente-
em duas formas, sendo a “mitigação” ou “vertical” o na] seja a mais tolerável possível para as pes-
que diz respeito ao isolamento de pessoas que com- soas. Isso pode ser alcançado dizendo às
põem os assim chamados grupos de risco, entre pessoas o que está acontecendo e por que,
eles idosos, pessoas acometidas por condições explicando quanto tempo vai continuar, forne-
crônicas e imunodepressivas; a outra modalidade é cendo atividades signicativas para eles
a “supressão” ou “horizontal” a qual recomenda o fazerem enquanto estão de quarentena, for-
isolamento a todas as pessoas. No primeiro as ativi- necendo comunicação clara, garantindo
dades econômicas de comércio e serviços se man- suprimentos básicos (como alimentos, água
têm em funcionamento, já no segundo caso se man- e suprimentos médicos). (Brooks et al, 2020,
tém apenas os serviços essenciais, como saúde, pág. 919).
segurança, provisão de alimentos e medicamentos.
Tem sido uma das formas utilizadas para mitigar os Além destas ações, acreditamos que este é
efeitos da pandemia, reduzindo a incidência da um momento onde se deve estar mais atento ao aco-
Covid-19, mantendo a demanda por serviços de lhimento dos usuários, fazendo a escuta qualicada
saúde dentro da sua capacidade de atendimento, do problema que as pessoas trazem aos serviços de
evitando assim um excesso que poderia deixar mui- saúde, buscando compreender na sua narrativa
tas pessoas sem assistência, aumentando o número todas as questões que dizem respeito à produção da
de casos fatais. Entre aqueles que contraem a doen- sua vida, sua existência em família, na comunidade,
ça, em torno de 15 a 20% são considerados casos e as questões diretamente implicadas com o proble-
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ma de saúde. Isto certamente traz a múltipla dimen- Sofrimento este causado pelo estado geral de espe-
são dos problemas iniciais, ampliando as possibili- ra para o retorno à situação de normalidade, incerte-
dades de entendimento e à elaboração de um plano za em relação ao futuro, enm, a vida em suspenso
do cuidado. esperando um desfecho o qual independe da pró-
No que se refere especicamente à pande- pria pessoa. O surto da doença aumenta conforme
mia de Covid-19 o tema do impacto emocional cau- se tornam conhecidos os desfechos da Covid-19 na
sado pelo surto da doença tem sido particularmente população.
relevante nas discussões em torno da experiência
chinesa. Lima et al (2020) informam que os morado- Durante surtos de doenças, a ansiedade da
res de Wuhan na China têm comparado o contexto comunidade pode aumentar após a primeira
da pandemia, especialmente após o bloqueio da morte, maior número de reportagens na mídia
cidade, com o “m do mundo”, com hospitais sobre- e uma escalada do número de novos casos.
carregados, medo da escassez de alimentos, com- Assim, é provável que a quarentena em
prometimento da mobilidade social, enm, fatores massa aumente a ansiedade substancial-
que ocasionaram sofrimento mental entre morado- mente, por várias razões. Ansiedade elevada
res, e também trabalhadores da saúde. O imaginário também pode ter implicações indiretas para
que se cria em torno da pandemia não necessaria- outras medidas de saúde, (Rubin e Wessely,
mente corresponde à realidade, mas é importante 2020, apud Lima et al 2020).
considerar a como cada pessoa percebe o cenário
no qual está vivendo, pois é este singular entendi- Se de um lado há um intenso sofrimento men-
mento da sistuação que vai orientar suas ações. Sua tal das pessoas em geral, em contato direto ou indi-
narrativa, a percepção especíca da realidade, são reto com o episódio da pandemia, por outro lado os
fundamentais para ter uma real dimensão do impac- trabalhadores também são diretamente atingidos. O
to de toda experiência na qual a pessoa está imersa. encontro cotidiano com a doença e morte, associa-
O modo como a pessoa reage a este cenário é fun- dos ao estresse, sobrecarga de trabalho, produzem
damental observar, porque é aí que se avalia a real nos trabalhadores o sentimento de desamparo,
necessidade de apoio e ajuda para enfrentá-los. medo em relação ao presente e futuro, angústia e
A Comissão Nacional de Saúde da China tem depressão. Para estes, tudo pode acontecer durante
estado atenta à questão da saúde mental dos traba- a após a pandemia. E este futuro próximo poderá
lhadores do sistema de saúde, bem como da popu- será certamente diferente do momento anterior ao
lação diretamente afetada pelas medidas de conten- surto. Em qualquer hipótese carão sequelas sociais
ção da pandemia. Foram detectados aumento da e afetivas resultantes da pandemia. Há duas hipóte-
incidência de depressão, angústia e estresse na ses para a construção de um futuro pós-pandemia,
população em geral, mas especialmente entre ido- uma primeira na qual isto se daria pautado no passa-
sos, os mais susceptíveis à Covid-19. Várias orienta- do, operando por diretrizes que organizavam o
ções foram emitidas desde janeiro de 2020, a m de mundo antes da Covid-19; o segundo que sugere
fortalecer o serviço de saúde mental diante da pan- construir algo novo, pautado na força desejante dos
demia. que se colocam ao protagonismo de produzir um
Os trabalhadores não têm treinamento espe- mundo diferente do que vivia anteriormente.
cico para lidar com problemas de saúde mental
durante a pandemia na China. Possivelmente este é
um problema que se verica em todos sistemas de O PÓS-PANDEMIA: RECONSTRUIR MUNDOS
saúde em uma situação como esta. Não deixa de ser COMO DISPOSITIVO PARA NOVOS
uma importante lacuna nas estratégias de enfrenta- AGENCIAMENTOS DA VIDA.
mento do surto da doença, visto que, a questão de
saúde mental tem sido relevante em todos os episó- A pandemia de Covid-19 causada pelo
dios similares, surtos epidêmicos associados ao Coronavírus Sars-Cov-2 nos revela uma tragédia
isolamento social especialmente. Não ter uma abor- humana sem precedentes. Especialmente mostrou
dagem especíca de manejo para situações de o quanto a humanidade atual está despreparada
sofrimento mental, aumenta a ansiedade das pesso- para enfrentar um vírus ameaçador. Por mais tecno-
as, como se verica em Wuhan, mesmo entre aque- logias que se tenham criado no último século,
leas que não estão em quarentena (Lima et al, 2020). tomando por referência a última pandemia de gripe
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espanhola (1918) até hoje, não se conseguiu siste- como uma produção afetiva também, ou seja, um
mas sociais e de saúde capazes de proteger a popu- mundo de produção sócio-afetiva; e natureza, como
lação. O que se viu foi uma brutal exposição das pes- a harmonia das pessoas com o meio ambiente. Isto
soas à doença na maioria dos países, mas, o que está radicalmente vinculado à noção de defesa da
pode ser mais grave nesta maioria, a precariedade vida.
de sistemas econômicos e de proteção social, inca- Tomando por referência o texto em epígrafe,
pazes de oferecer uma resposta satisfatória na defe- vale a pena embarcarmos na reexão sobre a huma-
sa da vida. Entende-se como a defesa da vida não nidade que somos. Sistemas precários de proteção
apenas os sistemas de cuidados clínicos, mas a pro- envolvem o aumento da sensação de insegurança,
visão dos recursos básicos necessários à manuten- abandono, causando tristeza, dor e sofrimento.
ção de um corpo vivo, como a segurança da renda e Nestas condições a pessoa tem sua energia vital
todos recursos que isto pode prover à pessoa. Sem reduzida, assim como sua potência em agir no
esta segurança, além da ansiedade e angústia dian- mundo da vida, por efeito dos afetos negativos que
te da doença, as pessoas são acometidas pelo senti- lhes são transmitidos nas relações de cotidiano. A
mento de abandono, solidão. retomada da potência está diretamente vinculada às
A pandemia de Covid-19 além de revelar o sensações de proteção, solidariedade, noções de
que temos de proteção social e de saúde hoje, pro- comunidade que possam se formar na relação entre
duz um desequilíbrio dos sistemas de produção da as pessoas. Isto aumentaria a capacidade de agir e
vida no meio social. A este resta uma grande dúvida resistir às diculdades próprias impostas pela pan-
da sua capacidade de proteger as pessoas. Neste demia. Envolveria trabalhar no sentido da constru-
quadro, a resposta importante a ser providenciada é ção de um ambiente social e afetivo acolhedor, bem
a que coloca as pessoas funcionando no modo soli- como a importante, mas difícil, harmonia com o meio
dário, generoso, e voltados à noção de comunidade. ambiente.
Comunidade não como uma reunião de pessoas, Ailton Krenak, liderança indígena e ambienta-
mas o que nos dá o conceito de comunidade é a lista, que vive com seu povo Krenak no Vale do Rio
ideia de Comum que um grupamento ou redes de Doce em Minas Gerais, no seu recente livro “O
pessoas é capaz de produzir entre si, ou seja, aquilo Amanhã não está à Venda” (Krenak,2020) apresenta
que cada um mobiliza em sinergia com os demais, uma opinião provocadora. Diz o autor que o modo
formando um conjunto que por estar unido tem força de funcionamento da natureza segue seu curso nor-
para o enfrentamento das adversidades. mal, o que entrou em crise foram os humanos, e isto
Imagino que um Comum a ser produzido indica que o modo de funcionamento do mundo
deveria ter origem na noção de social, entendendo-o entrou em crise.
Prezado Associado,
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casos, seus artigos e suas colaborações
construtivas para nosso e-mail.
Boa leitura!
boletim@reumatorj.com.br Equipe Editorial
Gestão 2019-2020
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“Esse vírus está discriminando a humanida- informa que além do corpo biológico, nós temos um
de. Basta olhar em volta. O melão-de-são- corpo afetivo, sensível, que é susceptível aos afectos
caetano continua a crescer aqui do lado de , ou seja, é afetado, pelos outros corpos quando com
casa. A natureza segue. O vírus não mata pás- eles se encontra na vida cotidiana. O Sars-Cov-2 por
saros, ursos, nenhum outro ser, apenas huma- exemplo seria um corpo, assim como a doença, a
nos. Quem está em pânico são os povos pandemia, e o encontro com eles tem efeitos sobre
humanos e seu mundo articial, seu modo de quem os encontra, e neste momento, são todas as
funcionamento que entrou em crise”. (Kre- pessoas, porque mesmo que não estejam contami-
nak, 2020, pág. 7). nadas, sofrem os efeitos da disseminação da doen-
Com uma perspectiva peculiar de enxergar o ça, e as normas de proteção a que todas estão sub-
atual momento, e apoiado na sua ancestralidade, o metidas, por exemplo, o isolamento social.
líder indígena está atento aos problemas que aco- De acordo com Spinoza (2002) um mal
metem a humanidade, em especial chama atenção encontro tem o efeito de produzir tristeza, e redução
para a precariedade de certos grupos sociais, diante da potência vital deste corpo. O contrário é verdadei-
do mundo em que vivemos. Ora, se falta proteção ro, ou seja, um bom encontro produz alegria, e
para os humanos incluídos no sistema normalizado aumento da potência vital. O autor considera como
de conguração da vida social, o que dirá de grupos corpo as pessoas e as coisas que têm materialidade,
como indígenas, população de rua, comunidades assim como uma ideia, arte, imagem, conceito,
pobres, negros, a comunidade LGBTT, que pela dis- corpo imateriais. Para efeito na formação da subjeti-
criminação e ausência dos sistemas de consumo vidade, todos eles são corpos e podem produzir efei-
são chamados de sub-humanidade, uma produção tos na pessoa que os encontra. É fácil constatar que
da sociedade atual, Krenak (2020). A ONU muito ao assistir um lme, reagimos instantaneamente
claramente propõe que “O respeito pelos direitos com alegria ou tristeza, assim como ler um livro, ver
humanos em todos os âmbitos, incluindo os direitos uma pintura, são sensações que aumenta ou diminu-
econômicos, sociais e culturais, bem como os direi- em nossa potência, portanto, efeitos do encontro
tos civis e políticos, será fundamental para o sucesso com estes corpo imateriais. Portanto entende-se que
das respostas de saúde pública diante da pande- a saúde mental está sempre sujeita às variações
mia” (WHO, 2020). como descritas acima. Então, a questão é: Como
A pandemia pode ser vista também como produzir bons encontros às pessoas em sofrimento
uma oportunidade de colocar a humanidade sob mental pelos efeitos da pandemia, para que elas
análise em relação ao seu futuro. O pós-pandemia possam aumentar sua potência vital, e ter resiliência
deve apontar para um novo mundo, que é não ape- para este momento, e assumir o protagonismo da
nas possível, mas necessário. Há um chamado ao condução da sua vida, e construindo um mundo
protagonismo para essa construção. “Tomara que para si e os outros no momento posterior?
não voltemos à normalidade, pois, se voltarmos, é Intervenções na saúde mental devem responder a
porque não valeu nada a morte de milhares de pes- estas questões.
soas no mundo inteiro” (Krenak, 2020, pág. 14), pro- Pessoas em sofrimento mental, estados de
fetiza o líder indígena e ambientalista. angústia, ansiedade, depressão, convivendo com
As variações da saúde mental se dão na medi- sentimentos de medo e abandono, não conseguirão
da em que a pessoa interage com o meio no qual reverter este quadro, se não houver ajuda consisten-
vive, e sofre os efeitos das suas experiências, for- te, contínuo, capaz de abrir apoiar possibilidades de
mando assim um modo singular de signica e atuar retomada. Então, queremos dizer que o cuidado à
sobre o seu mundo, sua própria realidade. A isto saúde mental não pode ser pontual, ele precisa se
podemos chamar de processo de subjetivação, ou referir ao mundo existencial da pessoa, o que inclui
seja, uma subjetividade que habita a cada pessoa, e reconstruir possíveis relações comunitárias descon-
se modica continuamente pelas experiências do tinuadas, retomar laços afetivos, produzir redes de
cotidiano. Então, a pandemia de Covid-19 é certa- apoio, e cuidar das condições materiais de subsis-
mente uma das experiências mais radicais que tência. Nos referimos portanto que a abordagem é
alguém poderia ter nos tempos atuais. O lósofo material, e em grande medida imaterial, por exem-
Baruch Spinoza (1632-1677) contribui de forma fun- plo, este apoio pode ser por ativação da amizade,
damental para entender estas variações da saúde das relações de vizinhança, e políticas públicas na
mental. Através da sua teoria da afecção, ele nos perspectiva de produção de autonomia.
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CONCLUSÃO acolhimento do sofrimento e atuar para que a pessoa
consiga produzir bons encontros no seu cotidiano,
Neste sentido consideramos que o cuidado à pensando sobre si mesma de forma autoanalítica,
saúde mental em tempos de pandemia, sugere pen- formulando perspectivas de futuro, são medidas que
sarmos que não apenas pessoas sob isolamento podem aumentar sua potência vital, e de ação no
social estão sujeitas ao sofrimento, mas é necessário mundo. Isto certamente é altamente produtivo no
pensar que são vários grupos nesta condição: os sentido de reduzir o sofrimento e abrir possibilidade
trabalhadores que lidam diretamente no cuidado às de enfrentamento das atuais adversidades.
pessoas enfermas, as pessoas acometidas pela Tomando por referência a clínica dos afetos
doença seja leve ou grave, e aquelas obviamente (Franco e Galavotte, 2010), espaços de escuta, esta-
submetidas ao isolamento social. Todos esses gru- belecimento de vínculo, seguimento do cuidado, são
pos em algum grau vão sentir efeitos da pandemia importantes diretrizes, procurando sempre produzir
no seu corpo afetivo. E isto certamente causa sofri- protagonismo do usuário para o cuidado de si. A
mento mental. potência de produção de vida se manifesta nesta
Medidas de proteção e apoio devem contri- capacidade protagônica de compartilhar o ato de
buem para criar possibilidades, ativar o desejo de cuidar. “Cuidar de si é a condição para cuidar do
produzir vida, novos mundos para si, como foi dito outro” (Foucault, 2006), então todas as pessoas
ao longo do texto. Isto criaria força de resistência devem ser objeto do cuidado. Nos termos da teoria
para o enfrentamento da pandemia, mas não só, da afecção a linha que separa o cuidador de quem é
serve para uma vida. Isto signica ter práticas de cuidado desaparece, porque desde que se produza
Greenhalgh, Trisha; Koh, Gerald Choon Huat; Car Josip.Coronavirus WHO – Alto Comissariado de Direitos Humanos. Covid-19 e a
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43
EDI
ESP ÇÃO
ECI
AL
CASO 1
44
Durante avaliação da Reumatologia notava-
se dor à compressão no ponto médio entre o trocan- Realizados exames complementares com
ter maior e o tuber isquiático, além de sinal de ECO-TE, BAAR, PPD e TC de tórax negativos para
Lasegue, sugerindo comprometimento do nervo tuberculose. Hemocultura (18/03) evidenciou o
ciático. Apresentava ainda, dor à compressão das germe Pseudomonas paucimobilis, sendo iniciado
apóses espinhosas da coluna lombar, sem aumen- cefepime 2g (8/8 horas) no dia 20/03/20. A paciente
to de volume ou sinal ogístico local. Realizada iniciou neste mesmo período quadro de parestesia
Ressonância Magnética em 13/03 que evidenciava em membros inferiores, distalmente e foi avaliada
captação de contraste nos platôs vertebrais de L4 e pela neurocirurgia que corroborou hipótese de
L5, sugestivo de processo infeccioso, não sendo espondilodiscite, sem indicação cirúrgica.
possível excluir doença degenerativa associada.
(Figura 2)
Em 26/03 paciente houve a abordagem pela venção para coleta de material para cultura, com
cirurgia vascular com correção cirúrgica de pseudo- novas pesquisas para germes comuns, fungos e
aneurisma de ACC esquerda, com ressecção de micobactérias.
segmento roto e ligadura de ACC proximal e distal,
apresentando saída de secreção purulenta do interi- Neste caso, a espondilodiscite infecciosa,
or do pseudoaneurisma, motivo pelo qual não foi presente há cerca de dois meses, pode ter gerado
realizada a reconstrução arterial. Encaminhado mate- um êmbolo séptico que se instalou na artéria caróti-
rial para cultura a qual foi negativa. da comum e formou um pseudoaneurisma local. A
arteriograa torna possível suspeitar de sua natureza
Apesar da melhora clínica, melhora da lom- infecciosa diante de uma imagem saciforme e de
balgia, paciente já deambulando sem diculdade, uma localização segmentar em uma artéria saudável
sem febre, além de melhora laboratorial, a paciente a montante.
mantinha VHS elevado e lombalgia residual, optou-
se, então, por manter antibioticoterapia venosa e A associação entre duas patologias raras
realizar nova RNM de coluna lombar a qual evidenci- (espondilodiscite e pseudoaneurisma de carótida)
ou destruição evolutiva do corpo vertebral L2-L3, faz com que o diagnóstico ocorra de forma tardia,
imagem compatível com pequenas coleções sobre o piorando o prognóstico do paciente que recebe tera-
saco dural e reduzindo a amplitude dos forames neu- pêutica numa fase avançada da doença. A instituição
rais, caracterizando quadro progressivo de espondi- de antibioticoterapia prolongada, direcionada ao
lodiscite. patógeno isolado em hemocultura e a abordagem
Em vista de piora radiológica e manutenção cirúrgica do pseudoaneurisma é mandatória frente
de VHS elevado, optou-se por reiniciar antibioticote- ao risco de rotura e septicemia associada, porém a
rapia com Cefazolina por mais duas semanas e indi- cultura do seu material, sem crescimento microbiano
cado pela neurocirurgia a abordagem por radio inter- não exclui o diagnóstico instituído inicialmente.
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Apresentador:
Dr. WASHINGTON BIANCHI CASO 2
Hospital Santa Casa de Misericórdia RJ
MAPP, 64 anos, casado, branco, natural e Seguindo parecer da pneumologia, foi inicia-
residente no RJ, empresário, com diagnóstico prévio do azitromicina durante cinco dias, analgésico regu-
de Espondiloartrite, forma mista com predominância lar, xarope de cloperastina, orientações e isolamento
axial de longa data, HLA B27 positivo. Estava em domiciliar. Em 31/03, ainda com tosse seca impor-
remissão e assintomático, em uso de MTX, tante, boca seca, mas sem febre há 48h e com fadiga
10mg/sem, sem AINHs ou analgésicos. Exames de em regressão já no 4* dia azitromicina.
revisão em janeiro 2020 sem alterações.
Evoluiu com melhora da tosse, sem queixas
Em 25/04, faz contato telefônico referindo musculoesqueléticas do espectro das EpAs ou sina-
febre constante, acima de 38,5oC, tosse e fadiga há is de reativação da doença de base. Troxe exames de
cerca de 4 dias. Em 27/03, ainda com febre e piora da controle em 11/04: Hemograma, bioquímica e pro-
tosse foi realizado de TC de tórax que conrma inl- vas inamatórias sem alterações.
trado inamatório, com múltiplos focos de imagens
em vidro fosco, com distribuição difusa pelo parên- Em resumo, paciente sem comorbidades,
quima pulmonar, bilateral, mais acentuado em pul- esportista, diagnóstico provável de covid 19 pelos
mão esquerdo e lobo inferior direito. achados clínicos e imagens da TC, porém sem con-
rmação sorológica, cada vez mais frequentes em
Exames mostram hemograma, função renal nossos ambulatórios e consultórios atualmente.
e hepática sem alterações, PCR 13,70 mg/dL. Apesar de grupo de risco pela idade e achados
Evolução clínica mantendo febre, tosse sem expec- agressivos nas imagens da TC de tórax, evoluiu de
toração com piora da fadiga, porém sem queixas de forma branda após início precoce da azitromicina.
falta de ar ou dispneia. Não conseguiu realizar soro-
logia para covid 19.
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AÇÕES DA SOCIEDADE DE REUMATOLOGIA DO RIO DE JANEIRO NA COVID-19
O primeiro caso da pandemia pelo novo Coronavírus, SARS-CoV2, foi identicado na China,
no nal do último ano. Desde então, os casos começaram a se espalhar rapidamente pelo mundo.
No Brasil o primeiro caso foi identicado em fevereiro desse ano, e como todo o restante do mundo
os casos vem se multiplicando rapidamente.
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Articulando
48
Articulando
TEMPO UNIVERSIDADE
OBSERVATÓRIO DEIC/SBC
CORAÇÃO / SBC
Ilíada
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Erudita Reumatologia
Decameron
O escritor atribui ao Oriente a origem da doença que se caracterizava por sangue pelo nariz,
inchaço na virilha e axilas, alguns em forma de maçã ou ovo. Daí vem o nome bubônica: “em formas de
bulbos”. Depois, surgiam manchas escuras na boca de quem quer que fosse, rico ou pobre e surgiu o nome
Peste Negra. Os que não conseguiram se refugiar morriam nas ruas, nas plantações ou onde quer que
estivesse. Os cultivos se reproduziam e animais vagando pelas ruas vazias tinham comidas de sobra e
engordavam e morriam se misturando aos cadáveres humanos.
"O triunfo da morte" - a epidemia de peste na visão de Brueghel (Extraído de Wikipedia, em 09 de maio de 2020.)
51
no
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PA T R O C Í N I O