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MUSEU NACIONAL
Programa de Pós-graduação em Antropologia Social
Trabalho de conclusão de curso da disciplina:
―Cosmoespaços: linhas, conjuntos, mapas, números e medidas em universos indígenas‖
espaço, um equívoco:
dimensões tensivas da territorialidade ameríndia
Thiago Braga Sá
matrícula nr. 119008359
julho de 2019
Billy Pilgrim conta que para as criaturas de
Tralfamadore o universo não é um monte de
pontinhos brilhantes. As criaturas enxergam
onde cada estrela esteve e para onde vai,
assim os céus são tomados por um espaguete
rarefeito e luminoso. E os tralfamadorianos,
além disso, não enxergam os seres humanos
como criaturas bípedes. Eles os veem como
centopeias imensas — ―com pernocas de
bebês em uma das pontas e pernas de velhos
na outra‖, segundo Billy Pilgrim.
Por fim, apesar de ser um assunto com muitos caminhos virtuais de abordagem,
procuramos ao fim do artigo explorar como esse espaço pode nos ajudar a pensar outras
possibilidades na pesquisa de artes verbais na antropologia e sua mobilização. Com esse
objetivo, é no trabalho de Danilo Paiva Ramos (2019) entre os Desana e os Hup’däh
que encontramos algum suporte para esboços iniciais.
(...) podem confeccionar tupasã novos, estabelecendo relações com entidades que virão auxilia-
los nas suas atividades; podem quebrar ou consertar os laços que unem as criaturas a seus donos;
podem misturar os laços, atribuindo à nova categoria o controle e o destino de seus inimigos etc.
(Gallois 1996:43)
Como o espírito das águas que pode enrolar alguém nos caminhos da floresta, o
xamã pode enrolar os caminhos-fios de outros entes para gerar efeitos sobre eles, afetá-
los não à distância, mas com a distância. Pois parece que é justamente a diferença
extensiva, ou seja, o fio-caminho desenrolado, que torna os seres propensos a serem
afetados, manipulados através do espaço pelo qual estendem-se. Em oposição, as
capacidades do i-paie (aquele que tem pajé) são visualizadas como um casulo de fios
que envolve o xamã: diferença intensiva, fios-caminhos concentrados, enrolados. O que
não significa que o xamã não esteja presente de alguma forma no espaço extensivo: ele
mesmo está ligado por fios tupasã enrolados em seus braços ou conectados a seus
ajudantes, na forma de pequenas larvas que habitam seu casulo. Aqui, neste outro
espaço de forças e agências, as oposições nunca são absolutas, mas sim concentrações
tensivas. Ter um casulo de caminhos, ou seja, de espaço, concentrado ao redor de si é
justamente a intensidade que serve como contraponto, proteção e potência às suas ações
extensivas que reverberam pelos caminhos tupasã.
É com o mesmo interesse pelo espaço que a própria Gallois (idem: 51-58)
descreve práticas de transmissão e de resguardo do -paie, a qualidade e/ou substância de
que prescindem os xamãs, nas iniciações: ―(...) o resguardo pode ser visto como um
movimento, no espaço e no tempo cósmico‖, e eles mobilizam diferentes graus de
distância e proximidade, com relação a parentes Wajãpi e novos aliados ou ajudantes,
respectivamente, e de modo diretamente inverso às práticas de socialização dos que não
tem -paie. Ao contrário do caçador, que persegue a diferença com a cautela de não se
deixar ser transformado ele mesmo, o xamã busca um deslocamento controlado entre
diferenças, aproxima-se da alteridade e afasta-se da semelhança com o grupo Wajãpi.
Os nomes de lugar Kĩsêdjê registram eventos passados — como Kupë wymba re mekrïtá,
―acampamento do medo do inimigo‖, ou Komndu ra hwï rãrãk tá, ―onde o Bicho da Água
sacudiu as árvores‖; atividades regulares — Mben jahôk tá, ―onde tiramos mel‖; traços
topográficos salientes — Kensy toktxi, ―areia alta‖; e a presença ou abundância de espécies
vegetais ou animais — Tyrykô, ―bananal (de banana brava)‖, ou Rumswa khu, ―formigueiro‖.
(...) Acredito (e argumentei alhures, Coelho de Souza 2009) que animais e plantas apareçam aqui
não tanto como recursos a serem explorados, mas como agências a serem consideradas. Assim,
para os Kisêdjê, habitar a paisagem, abrindo roças e aldeias, construindo casas, viajando e
acampando, pescando, caçando, coletando frutos ou rachando lenha, sem provocar desastres ou
conflitos, é uma arte baseada na capacidade de identificar essas agências. Conhecer a terra é
perceber que suas características são efeitos (Coelho de Souza, 2017:117)
(...) uma trama entre múltiplos espaços tópicos, seres e ações que englobam os lugares de
transformação e agem sobre eles de modo a enfraquecer a intensidade da presença do espinho de
patauá no corpo da pessoa hup. O corpo do doente pode ser visto como um espaço utópico, o
lugar da realização da performance onde se dá a conjunção final que reestabelece a vida.
Esse argumento, portanto, não é novo; pelo contrário, faz parte da herança
colonial da disciplina antropológica. No entanto, desafiar a universalidade do espaço
geométrico moderno significa desafiar também a universalidade das próprias categorias
epistemológicas da modernidade. O contraste rígido entre univocidade e plurivocidade
nos posiciona de maneira assimétrica frente as tensões e conflitos contemporâneos de
territórios entre populações ameríndias, de um lado, e o agronegócio e o Estado
brasileiro, de outro, pois coloca novamente o espaço ―do nativo‖ como uma
representação cultural do ―verdadeiro‖ espaço a que Capital e Estado teriam acesso
direto e privilegiado.
Nossa proposta, portanto, ao analisar em conjunto espaço e ―o que se faz (do)
espaço‖, é o de construir a dimensão espacial como uma ―equivocação controlada‖
(Viveiros de Castro, 2004). Se, como afirma Coelho de Souza (idem), ―fronteiras que se
movem sem dúvida deixam o Estado nervoso‖, buscamos aqui delinear os fundamentos
de um projeto de investigação que possa tensionar ao máximo esse ―nervosismo‖,
investir ao máximo em um espaço que não existe a despeito, ou antes, das estratégias,
das negociações, das disputas que o produzem.
VII. Referências:
OLIVEIRA, J. C. de. ―Um Mundo Tangível‖, in: ―Entre Plantas e Palavras‖. São Paulo:
USP, 2012.