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vultos da república I
O FIADOR
A trajetória e as polêmicas do economista Paulo Guedes, o ultraliberal que se casou por conveniência
com Jair Bolsonaro
MALU GASPAR
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-fiador/ 1/31
9/3/2018 O fiador
“Todo mundo trabalhou para o Aécio, ladrão, para o Temer, ladrão. Aí chega um sujeito completamente tosco, que pode mudar
a política. Amansa o cara! Acho que Bolsonaro já é outro animal” FOTO_MARCOS MICHAEL_2018
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-fiador/ 2/31
9/3/2018 O fiador
A
euforia no Centro de Convenções SulAmérica, no bairro carioca da
Cidade Nova, era tanta que parecia possível pegá-la no ar com as
mãos. Naquele domingo de julho, os 3 mil convencionais do Partido
Social Liberal já haviam aplaudido as falas do general Augusto Heleno,
do senador Magno Malta e de dois dos cinco filhos de Jair Messias
Bolsonaro. A advogada Janaina Paschoal, autora do pedido de
impeachment de Dilma Rousseff, foi ainda mais ovacionada quando
subiu ao palco. Na plateia que lotava o espaço de 2 500 metros
quadrados, apoiadores dos mais variados perfis – do motoqueiro com o
rosto do político tatuado na panturrilha ao ator Alexandre Frota,
passando por famílias com crianças – esperavam pelo ápice do evento, o
discurso com o qual o deputado e ex-capitão do Exército oficializaria sua
candidatura à Presidência da República.
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9/3/2018 O fiador
C
om 69 anos de idade e quarenta de carreira, o carioca Paulo Roberto
Nunes Guedes não é um principiante nos debates econômicos
nacionais. Formado em economia pela Universidade Federal de
Minas Gerais, com mestrado na Fundação Getulio Vargas e doutorado na
Universidade de Chicago, ele se notabilizou nos anos 80 pelas críticas ao
Plano Cruzado do presidente José Sarney. Depois, combateu o confisco
das poupanças promovido por Fernando Collor de Mello e fez ressalvas
ao Plano Real. Em todos os casos, defendeu soluções afinadas com o
liberalismo ortodoxo, a redução do tamanho do Estado, o corte de gastos,
a manutenção do câmbio flutuante e a abertura do país para o comércio
internacional. Pela contundência ou pelo catastrofismo, recebeu dos
economistas do governo Sarney o apelido de Beato Salu, o personagem
da novela Roque Santeiro que perambulava pela cidadezinha de
Sinhozinho Malta e viúva Porcina anunciando o fim do mundo. Guedes
também foi um dos fundadores do banco Pactual – rebatizado BTG
Pactual em 2009 –, presidiu o Ibmec, uma escola de negócios, e ajudou a
criar o Instituto Millenium, um think tank patrocinado por alguns dos
maiores empresários do Brasil. Foi sócio de gestoras de recursos e hoje é
CEO da Bozano Investimentos, no Rio de Janeiro. Além de ser bastante
requisitado para palestras, sempre teve um trânsito fácil na imprensa –
escreveu durante anos para a revista Exame e o jornal O Globo.
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9/3/2018 O fiador
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9/3/2018 O fiador
P
aulo Guedes e Jair Bolsonaro se encontraram pela primeira vez em
meados de novembro do ano passado, na sala de reuniões de um
hotel da Barra da Tijuca, às oito da manhã de uma terça-feira. O
deputado havia gostado de um artigo de Guedes, “Vácuo ao centro”,
publicado no Globo e no qual classificava como “irreversíveis” a sua
candidatura e a de Ciro Gomes. Para Guedes, Bolsonaro era o “legítimo
herdeiro das antigas trincheiras políticas à ‘direita’”. Três semanas
depois, o economista voltou ao assunto em sua coluna no jornal. “Contra
tudo isso e todos esses que nos dirigem desde a redemocratização,
Bolsonaro é a ‘direita’ que quer ‘a lei e a ordem’, valores de uma classe
média esmagada entre uma elite corrupta e as massas que votam em Lula
buscando proteção e assistencialismo.” Orgulhoso, o deputado
reproduziu trechos do texto no Twitter. Em seguida, pediu a uma amiga
o telefone de Guedes e mandou um auxiliar convidá-lo para uma
conversa. Foram ao encontro, além de Bolsonaro, os seus três filhos
políticos, Bebianno e um assessor.
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9/3/2018 O fiador
Como costuma acontecer com Guedes, o papo foi longo. Durou cinco
horas. Ao final, segundo ele, Bolsonaro fez um pedido: “Se o Luciano
desistir, eu gostaria que continuássemos essa conversa. Você poderia me
ajudar?” O economista respondeu: “Claro, sempre.”
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9/3/2018 O fiador
A
inflexão liberal do ex-capitão foi bem recebida, e os convites para o
candidato e o economista falarem em eventos de bancos e gestoras
de recursos se multiplicaram. Desde fevereiro, Guedes participou
de mais de 15 reuniões e palestras, sem falar das incontáveis entrevistas e
de algumas viagens com o candidato. Bolsonaro, por sua vez, esteve no
BTG Pactual e na XP Investimentos e compareceu a jantares, almoços e
cafés com grandes empresários, como Abilio Diniz, ex-dono do Pão de
Açúcar e acionista da Brasil Foods, David Feffer, do grupo Suzano, e
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9/3/2018 O fiador
Passou a ter uma nova resposta pronta para quem lhe fazia pergunta
difícil em economia: “Não sei, vou perguntar ao Paulo Guedes.” A
resposta virou chacota nas hostes tucanas, que carimbou no economista o
rótulo de “Posto Ipiranga” – em referência ao comercial de tevê que
sugere que se pode encontrar de tudo nos estabelecimentos da rede. A
piada, entretanto, acabou sendo incorporada pelo próprio presidenciável,
que passou a se referir a Guedes como seu “Posto Ipiranga”. Com
sucesso, como constatou a diretora do Ibope, Márcia Cavallari, nas
pesquisas do instituto. “O que o eleitor vê é que o Bolsonaro não enrola.
Ele admite que não sabe de economia e diz que vai buscar quem sabe.
Mesmo sem conhecer Paulo Guedes, o eleitor pensa: ‘Bolsonaro é
humilde e não está mentindo.’”
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9/3/2018 O fiador
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9/3/2018 O fiador
“D
uvido que poderá haver uma briga entre nós”, disse Bolsonaro
em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura, ao ser
perguntado sobre Guedes. “Num primeiro momento
conversamos muito, e eu acho que em alguma coisa eu o convenci.
Quantas vezes eu falei para ele: ‘Paulo, sua proposta é maravilhosa, mas
temos um filtro pela frente, chamado Câmara e Senado. Nós não
queremos apresentar uma proposta que não tenha chance de ser
aprovada.’” Três dias depois do programa, Bolsonaro promoveu ele
mesmo outra entrevista, dessa vez com blogueiros de direita, transmitida
pelo YouTube e pelo Facebook. O convescote teve a participação de
Guedes, a quem coube responder todas as questões sobre economia. Mas
não só. Durante a conversa, o economista deu soluções para problemas
de outras searas. Na educação, sugeriu a distribuição de vouchers para os
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-fiador/ 11/31
9/3/2018 O fiador
A influência que Guedes passou a exercer sobre Bolsonaro é tal que, por
vezes, os assessores recorrem ao economista para tentar persuadir o
candidato de alguma coisa. Nem sempre funciona. No final de maio,
quando a greve dos caminhoneiros começou a perder força, pediram a
Guedes para convencer Bolsonaro a apoiar a continuação do movimento,
já que ele resistia a fazer isso. Guedes foi contra. Dias depois, o
presidenciável declarou publicamente que os grevistas haviam ido longe
demais. Também estressou o economista um pedido para que ele fosse a
um encontro de próceres da direita em Foz do Iguaçu. Incomodado com
essas situações, Guedes colocou a questão para o candidato: “Ô Jair, às
vezes seus caras me ligam e pedem para fazer isso, para fazer aquilo…”
O ex-capitão respondeu: “Paulo, só vale o que nós dois combinarmos.
Não deixa ninguém te manipular.” No mês passado, quando Guedes foi
tema de uma reportagem de capa da revista Veja, com a chamada “Ele
pode ser presidente do Brasil”, Flávio Bolsonaro, filho de Jair e candidato
ao Senado pelo Rio de Janeiro, escreveu no Instagram: “O folhetim Veja
desta semana traz na capa o nosso professor Paulo Guedes. O intuito
seria jogá-lo contra Bolsonaro, numa espécie de ciuminho entre eles que
levasse a um desgaste interno e futuro rompimento. Não deu nem dará.
Grande imprensa e adversários, morram de dor de cotovelo, nós temos o
maior economista do país no nosso time, o time Brasil! E, sim, ele terá
total autonomia na sua área – é porteira fechada que chama, né?! Estamos
juntos, professor!”
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9/3/2018 O fiador
Bolsonaro também bate forte nas novelas da emissora, que, para ele,
“arrebentam com as famílias do Brasil”. Esse parece ser um dos assuntos
sobre os quais o ex-capitão convenceu o economista. Várias vezes, em
nossas conversas, Guedes criticou episódios de novelas ou programas em
que se discutia a diversidade sexual para adolescentes. “Quantos sexos
existem? A ciência diz que existem dois. Mas, para a Globo, são seis.” O
último ruído com a emissora ocorrera na sabatina da GloboNews. O
presidenciável elogiou um editorial do Globo de 1984, em que Roberto
Marinho fazia uma homenagem à “revolução”, como chamava o golpe
militar de 1964 – e a mediadora, Miriam Leitão, teve de recitar uma nota
ditada por meio de ponto eletrônico, explicando que o grupo reviu
depois sua posição sobre o golpe.
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-fiador/ 13/31
9/3/2018 O fiador
entendidos. Quero evitar que aconteça aqui o que já está ocorrendo nos
Estados Unidos, em que a mídia está em guerra.” No mesmo dia em que
Bolsonaro seria entrevistado por William Bonner e Renata Vasconcellos
no Jornal Nacional, Guedes e Marinho se encontraram novamente, para
almoçar, dessa vez sem o candidato.
P
or ironia do destino, a guinada que fez Guedes começar a pensar
seriamente em ir para o governo foi um episódio ocorrido nos
estertores do mandato de Dilma Rousseff. Em meados de dezembro
de 2015, dias depois de o processo de impeachment ter sido instaurado
no Congresso, ele foi chamado para jantar no Palácio da Alvorada com a
presidente. Após meses de idas e vindas com seu ministro da Fazenda,
Joaquim Levy, Dilma havia decidido demiti-lo e tentava encontrar um
substituto. O nome de Guedes foi lembrado pelo ministro das Cidades,
Gilberto Kassab, e pelo presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos,
os dois do PSD. O economista fizera o plano de governo de Afif em 1989,
quando ele concorreu à Presidência da República pelo Partido Liberal
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-fiador/ 14/31
9/3/2018 O fiador
Segundo seu relato, Dilma, durante o jantar, perguntou: “O que você faria
se fosse ministro da Fazenda?” A primeira coisa, respondeu Guedes, seria
adotar o plano de Michel Temer, então vice-presidente, para a economia,
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disse: ‘Vai acontecer uma coisa na sua vida. Vai ter 25% de voto para um
lado, 25% de voto para o outro. O establishment perdeu a decência, vai
ter um vácuo no centro. Você vai virar a Meca.” O resto é história
conhecida. Depois de um período rejeitando a ideia, Huck ensaiou uma
candidatura, conversou com partidos e possíveis apoiadores, fez que
desistia algumas vezes – até que, em fevereiro de 2018, anunciou que,
definitivamente, não entraria na corrida presidencial. Guedes já estava,
então, namorando Bolsonaro.
“C
onvidamos todos os senhores e senhoras para, em posição de
respeito, iniciarmos a homenagem à nossa pátria. Com vocês,
o Hino Nacional Brasileiro”, anunciou o locutor. Em seguida,
os cerca de oitenta empresários presentes no salão de eventos do hotel
Gran Marquise, um cinco estrelas na praia de Mucuripe, em Fortaleza, se
levantaram. Era meados de julho e fazia um sol de rachar do lado de fora.
Vários tinham as mãos no peito. De pé no centro do palco, Paulo Guedes
atravessou o hino sem cantar uma palavra, circunspecto, com o olhar
lançado ao infinito. A seção cearense do Lide, associação de empresários
fundada pelo tucano João Doria, tinha organizado o evento justamente
para ouvir o economista. Havia no ar um discreto clima de celebração.
Em parte porque Guedes era o primeiro assessor econômico de um
presidenciável a ser recebido pelo grupo, mas sobretudo porque se
tratava do guru de Bolsonaro, o candidato por quem muitos ali já haviam
se decidido. “Precisamos de um choque liberal”, disse Luiz Carlos Fraga,
dono de uma rede de laboratórios de análises clínicas, no coquetel que
precedeu a palestra. “Tem de ser alguém com autoridade para tirar o PT
da máquina pública”, atalhou o seu irmão, Carlos Henrique Fraga. Vários
na roda de conversa informal assentiam com a cabeça.
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9/3/2018 O fiador
A
primeira experiência de Guedes com a PUC se deu em 1979,
quando ele chegou ao Brasil, aos 30 anos, depois de um doutorado
em Chicago, obtido com uma tese de economia matemática sobre
política fiscal e endividamento externo. Animado com o período no
exterior, imaginou que se tornaria professor em tempo integral da PUC
ou da FGV. Mas tudo o que conseguiu foram aulas em tempo parcial nas
duas universidades e no Instituto de Matemática Pura e Aplicada, o
Impa.
Dias depois que tivemos esse diálogo, procurei Bacha para comentar o
assunto. Ele riu. “Tenho visto ele falar essas coisas por aí, mas acho
surpreendente, porque ele nunca nem sequer tentou o tempo integral.
Até porque, para isso, precisaria publicar artigos, escrever textos para
discussão, e ele não demonstrou disposição. Simplesmente não participa
dos debates. Tenho convidado ele para vir aos eventos na Casa das
Garças [centro de estudos de extração liberal administrado por Bacha],
mas ele nunca vem. Talvez porque queira ser palestrante.”
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-fiador/ 19/31
9/3/2018 O fiador
O economista ainda vivia das aulas aqui e ali quando, segundo conta,
recebeu no início dos anos 80 uma proposta que considerou irrecusável:
lecionar na Universidade do Chile. O salário de 10 mil dólares mensais,
mais passagens pagas para o Brasil uma vez por ano, era mais do que
ganhava aqui, somando todos os seus empregos. A ditadura de Augusto
Pinochet estava a todo vapor, e a universidade vivia sob intervenção
militar. Economistas de Chicago haviam sido convidados pelo regime a
implementar uma política econômica liberal, baseada nos fundamentos
da economia de mercado defendidos por Milton Friedman. Chamados de
Chicago boys, eles se instalaram na universidade e se revezaram em
cargos no governo. O convite a Guedes partiu de um deles, Jorge Selume,
então diretor da Faculdade de Economia e Negócios e diretor de
Orçamento de Pinochet.
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-fiador/ 20/31
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9/3/2018 O fiador
políticas e do viés ideológico que todos tinham, sinto até gratidão. Eles
me expulsaram para o lugar certo.” Mas não resiste: “Eu sei que eles
dizem por aí que eu sou ressentido. Isso é coisa da Elena Landau [ex-
diretora de privatização do BNDES no governo FHC e ex-mulher de
Persio Arida], que tomou pau na minha disciplina no mestrado. No meu
curso, ela foi medíocre.”
Fui ouvir Landau. Ela disse que a versão não confere e me mostrou seu
histórico escolar, onde consta que ela foi aprovada. “Isso nunca existiu,
eu passei na disciplina dele! O Paulo é que era um péssimo professor.
Faltava às aulas, não corrigia os exercícios e depois queria aplicar as
provas com o conteúdo dos exercícios que ele não tinha corrigido! Eu
queria estudar, mas ele não ia à faculdade. Então organizei uma
mobilização e o tirei da PUC.” Guedes diz que saiu da PUC porque quis.
“Aquilo é uma patota. Eles se movem juntos, vão para o governo juntos.
É um modo de viver que deu certo, porque estão todos bem e ricos.”
Comentei que sua ida para um eventual governo Bolsonaro seria uma
forma de ele, Guedes, tirar a prova dos nove com a turma da PUC. A
sugestão lhe soou ofensiva e, exaltado, ele quase encerrou a entrevista.
“Não tenho nada que provar, eles é que vieram para onde eu estava! Eu
não estou indo à forra, eles é que estão levantando esse troço! Esses caras
estão acostumados a mandar no Brasil sem contestação. Fizeram uma
reserva de mercado e fecharam a academia para mim. Agora querem vir
me atacar?! Ora, tenham integridade intelectual, digam onde erraram,
onde revisaram suas posições e não encham meu saco!” Guedes
gesticulava, ansioso: “Esse negócio de prova dos nove não existe! Se eu
souber que todos pensam assim, sabe o que eu faço? Eu ligo o foda-se!”
P
ersio Arida é baixinho, tem olhos claros, o nariz aquilino e cabelos
grisalhos rareando no alto da cabeça. Meticuloso, fala
pausadamente, como quem quer ter certeza de que foi
compreendido. Além de ter sido um dos elaboradores do Cruzado e do
Real, foi também executivo do banco Opportunity e do BTG Pactual,
onde ficou de 2008 a 2017. Em fevereiro passado, tornou-se o
coordenador do programa de governo de Alckmin. No final de maio, em
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-fiador/ 22/31
9/3/2018 O fiador
uma entrevista à InfoMoney TV, uma emissora de tevê online, ele falou
sobre a adesão de Paulo Guedes a Bolsonaro. “As pessoas se enganam.
Acham que o Bolsonaro estava andando na estrada de Damasco, teve
uma iluminação divina e se tornou liberal porque conversou com Paulo
Guedes. Bolsonaro é um engodo. Ele é tão estatizante quanto a
esquerda.” A frase fez sucesso no mercado financeiro, e Arida a repetiria
também em nossa conversa no café de um hotel dos Jardins, em São
Paulo.
“O que o Paulo Guedes não entende é que o problema do Brasil não é ter
um bom economista aconselhando o presidente, é ter um presidente com
as ideias certas”, disparou, logo que se sentou, sem se interessar em pedir
nem sequer uma garrafa d’água. Tinha pressa para falar tudo antes do
seu próximo encontro, que ocorreria no mesmo café, com diplomatas
estrangeiros. “Nessa ideia de educar presidente, de fazer acertos com
presidente, eu tenho muito mais experiência do que ele. O presidente diz
para o economista que está convencido e, no final, acaba fazendo outra
coisa. Quem manda é ele, e ao economista só resta ir embora”, falou
Arida. Ele contestou a sugestão de que não quisesse promover ajuste
fiscal durante o governo Sarney. “Você conversa com o presidente e diz:
‘Vamos fazer um ajuste fiscal, acertado?’ Ele diz: ‘Acertado.’ E depois
não faz. Você diz: ‘Vou fazer um congelamento por três meses, e depois
libera.’ O Cruzado era isso, seguir a experiência israelense, que foi um
congelamento breve, seguido de ajuste fiscal. O Sarney concordou, só que
não adiantou. O Cruzado não durou três meses. Durou muito mais,
porque tinha eleição.”
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-fiador/ 23/31
9/3/2018 O fiador
Arida não foi o único com quem Guedes se indispôs desde que começou
a assessorar Bolsonaro. Em meados de junho, chateou vários de uma vez
só, ao dizer ao jornalista José Fucs, do Estadão, que procuraria
economistas “reconhecidos por respeitar os bons fundamentos de
mercado” para discutir o programa de governo. E mencionou alguns
nomes, entre eles os de Armínio Fraga e Gustavo Franco, ex-presidentes
do BC na era tucana, Fabio Giambiagi, do BNDES, Samuel Pessôa, do
Ibre-FGV, Marcos Lisboa, presidente do Insper, e Maria Silvia Bastos
Marques, presidente do Goldman Sachs no Brasil e ex-presidente do
BNDES. Vários dos citados não gostaram de ter seus nomes ligados ao
ex-capitão. A maioria preferiu não fazer comentários públicos, mas um
deles decidiu falar. Marcos Lisboa procurou o jornalista e disse que não
conversaria com Paulo Guedes. “Eu converso com todo mundo, desde
que a pessoa não ache que a Venezuela é uma democracia ou defenda
fechar museu porque lá dentro tem peladão”, afirmou Lisboa a Fucs, em
tom de troça. Depois disso, o jornalista informou a Guedes que tiraria o
nome de Lisboa da nota. Guedes se irritou. Daquele momento em diante,
passou a mandar mensagens indignadas para o presidente do Insper por
intermédio do jornalista. “O Lisboa trabalhou para o Lula, que defendeu
a ditadura do Chávez e do Fidel. E trabalha para o Claudio Haddad, que
colaborou diretamente no Banco Central da ditadura”, dizia uma das
mensagens.
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-fiador/ 24/31
9/3/2018 O fiador
Dias depois dessa conversa, telefonei para Lisboa. Ele confirmou ter
recusado o convite para conversar sobre o plano de governo de
Bolsonaro, mas preferiu defender o Insper a comentar as mensagens
recebidas no WhatsApp. “O Paulo está falando sem conhecer o que se
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-fiador/ 25/31
9/3/2018 O fiador
N
ão tivesse se tornado o guru de Bolsonaro, Paulo Guedes poderia
ser confundido com um personagem de novela de Manoel Carlos.
Sua rotina se desenrola quase toda no Leblon, onde mora há mais
de vinte anos, a 900 metros da sede da Bozano Investimentos. De manhã,
caminha pela orla e depois vai para o escritório, onde fica até tarde da
noite. Tem na garagem um carro importado, mas, se precisa se deslocar
pela cidade, usa táxi ou Uber, pois considera mais prático. Veste sempre
paletó de tweed marrom, meio desalinhado, gosta de tocar piano e de
jogar futebol, viaja mais a trabalho do que a lazer e bebe pouco, com
poucos amigos. Apesar de respeitado no mercado financeiro, nunca
atingiu grande notoriedade fora dele.
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-fiador/ 26/31
9/3/2018 O fiador
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-fiador/ 27/31
9/3/2018 O fiador
“S
enhora Malu”, disse uma voz com forte sotaque sírio do outro
lado da linha. “O senhor Paulo é um ótimo sócio. Muito bom e
muito correto. Quero que isso fique registrado aí”, disse ao
telefone o empresário Elie Horn, fundador da incorporadora Cyrela,
sócio de Guedes desde 2017 em um fundo da Bozano Investimentos
destinado à saúde. Self-made man conhecido pelo tamanho de sua
riqueza (é o 41º brasileiro na lista de bilionários da revista Forbes), pela
dedicação à filantropia e pela aversão à autopromoção, Horn retornava a
minha ligação a pedido do próprio Guedes.
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-fiador/ 28/31
9/3/2018 O fiador
S
e há algo que incomoda Paulo Guedes é responder a perguntas
sobre a agenda de Bolsonaro para além da economia. Drogas,
segurança pública ou golpe militar são assuntos sobre os quais ele
tergiversa. É preciso insistir para obter uma resposta menos evasiva. Nas
duas entrevistas em que lhe perguntaram sobre a admiração de
Bolsonaro pela ditadura e pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra,
que chefiou o DOI-Codi, o economista evitou dar sua opinião. Respondeu
apenas que, segundo o ex-capitão, Ustra não foi torturador. Quando viu
as declarações publicadas, tanto na Folha como no Valor Econômico,
ficou indignado. “Eu digo que foi o Bolsonaro que me falou e eles
escrevem que eu apoio a ditadura.”
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-fiador/ 29/31
9/3/2018 O fiador
caso como suicídio, mas, três anos depois, a Justiça Federal admitiu que
ele morreu vítima de tortura. Ao falar sobre o episódio, recentemente,
Bolsonaro não encampou a explicação. Disse que lamentava a morte e
completou: “Suicídio acontece, o pessoal pratica suicídio.” Guedes apenas
concedeu, antes de mudar rapidinho de assunto: “Isso aí não dá para
elogiar.”
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-fiador/ 30/31
9/3/2018 O fiador
Janeiro e você segue apenas uma, eu suspeito que tem algo por trás, que
querem fazer alguma coisa com a morte dela.” Pergunto o que ele acha
que querem fazer com a morte da vereadora Marielle Franco. “Tem
alguma finalidade. A morte de alguém de esquerda é uma tragédia, a de
alguém de direita que se foda? Desculpa, eu sou cientista social, e
observo. Eu não entro onde eu não entendo, mas também não compro
coisa furada.”
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-fiador/ 31/31