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Harvard Business Review 18/08/2008- vol 86 n 08

Como reformar a P&D na indústria farmacêutica

De dezembro de 2000 a fevereiro de 2008 as 15 principais empresas do setor farmacêutico


perderam cerca de US$ 850 bilhões em valor ao acionista.
Embora uma série de fatores — incluindo avanço de genéricos, pressão sobre preços,
exigências regulatórias e imbróglios jurídicos — esteja por trás disso, Garnier, que deixou há
pouco a presidência da GlaxoSmithKline (GSK), acha que a queda na produtividade da P&D é o
maior problema do setor. Para solucioná-lo, crê, é preciso devolver poder aos cientistas — e
reorganizar a P&D em grupos altamente especializados (chefiados por gente capaz de inspirar
a equipe), buscar a melhor ciência dentro ou fora da empresa, reparar processos falhos e
promover uma forte cultura de inovação e paixão pela excelência.
A GSK substituiu a pirâmide organizacional por 12 “centros de excelência”. A empresa
separou a busca de medicamentos revolucionários de iniciativas para criar o melhor
medicamento em determinada classe de fármacos, além de ter reformulado incentivos para os
cientistas por trás das descobertas.
Fez, ainda, parcerias com o mundo acadêmico e com empresas de biotecnologia para ter
acesso à melhor ciência, onde quer que esta esteja.
Quando iniciou a vasta reengenharia de sua P&D, a GSK tinha apenas dois produtos em fase
final de desenvolvimento. Hoje, são 34 — o maior número do setor. Mas ainda há muito por
fazer, diz o autor. Transferir ensaio clínicos para países mais baratos derrubaria muito o custo.
A busca de medicamentos que emplaquem nas farmácias poderia ser acelerada se o alvo
fosse, primeiro, um segmento limitado de potenciais pacientes, com posterior expansão para
outros segmentos.
O mal da inovação não é exclusivo da indústria farmacêutica, diz Garnier. Muitos outros
setores enfrentam os mesmíssimos desafios. Para consertar o motor que é a P&D, é preciso
primeiro uma revolução cultural e uma transformação organizacional.
Para poder sobreviver, os grandes laboratórios terão de dividir sua gigantesca organização
de P&D, reformular processos básicos e devolver as rédeas a cientistas com paixão pela área.
A indústria farmacêutica foi, historicamente, líder em desempenho financeiro e geração de
valor. Nos últimos anos, porém, sua trajetória no mercado financeiro tem despertado dúvidas
sobre a sustentabilidade desse histórico — e gerado questões fundamentais sobre a saúde do
setor. De dezembro de 2000 a fevereiro de 2008 as 15 principais empresas do setor perderam
cerca de US$ 850 bilhões em valor ao acionista. Já a cotação de suas ações caiu de 32 vezes o
lucro, em média, para 13 vezes.
A típica explicação para a perda de confiança do investidor é uma notória conjunção de
fatores — pressão sobre os preços, exigências regulatórias, imbróglios jurídicos, avanço de
genéricos e queda na produtividade da P&D.
Essa tempestade perfeita elevou em muito os custos do setor e reduziu seu potencial de
receita e de lucro. Sem dúvida, concordo que todas essas tendências são um problema para o
setor. Creio, porém, que a queda na produtividade da P&D está no cerne do problema.

Certos críticos questionam a capacidade dos grandes laboratórios de


consertar seu motor de P&D. Pelas suas projeções, empresas novas — e mais
ágeis, como as do setor de biotecnologia — acabarão por desbancar esses
letárgicos colossos. Discordo veementemente. Ser grande tem suas
vantagens. Uma delas é a garantia da massa crítica necessária para o
desenvolvimento clínico global e a aquisição de plataformas tecnológicas
cruciais.
A saída para solucionar o problema da produtividade não é dividir as
grandes farmacêuticas em empresas menores. É devolver o poder aos
cientistas. É reorganizar a P&D em grupos pequenos, altamente
especializados, e entregar seu comando a indivíduos que sejam líderes em
seus respectivos campos científicos e possam guiar e inspirar sua equipe a
atingir a excelência. É buscar a melhor ciência onde quer que esta esteja,
dentro ou fora da empresa. É reparar processos falhos e promover uma forte
cultura de inovação — cultura que exiba paixão pela excelência e saiba que
resultados importam, sim. A filosofia básica da moderna P&D deveria ser
transformar o grande em pequeno, num reconhecimento do fato de que a massa
crítica na pesquisa fundamental é do tamanho de um cérebro humano.

Do ano 2000 para cá, quando teve início uma vasta reengenharia da P&D na
GlaxoSmithKline (GSK), a empresa vem tentando fazer isso tudo. Por ora, os
resultados sugerem que está no caminho certo. Quando a iniciativa foi
lançada, apenas dois produtos do laboratório estavam em fase final de
desenvolvimento — um dos menores números do setor —, apesar de uma década
de elevados gastos na P&D. Hoje, são 34 medicamentos e vacinas — o maior
número do setor, segundo a firma de análise de investimentos Cowen. Um
estudo da respeitada agência de benchmarking de pesquisa farmacêutica CMR
International comparou oito dos maiores laboratórios do mundo em quesitos
cruciais da P&D (quantidade e fluxo de produtos no chamado pipeline, por
exemplo) e mostrou que a produtividade da GSK é, hoje, duas ou três vezes
maior do que a média das concorrentes.

Algumas das medidas singulares tomadas nos últimos oito anos já provaram
seu valor. A mais importante foi a divisão da gigantesca organização de
P&D em pequenos grupos transdisciplinares, cada qual voltado a uma família
de enfermidades correlatas. Outras iniciativas potencialmente
transformadoras ainda estão em andamento. Destas, a mais notável é a
tentativa de separar o processo de investigação de terapias
revolucionárias do processo usado para desenvolver o melhor medicamento
numa classe de fármacos já descoberta.

O foco deste artigo é a indústria farmacêutica. Creio, porém, que muitas


das lições que aprendemos — para não dizer todas — são válidas para outros
setores cuja sobrevivência a longo prazo depende de descobertas
verdadeiramente inovadoras, e não só de melhoramentos incrementais.

O xis do problema
O modelo de negócios dos grandes laboratórios não tem segredos. A operação
envolve descobrir, desenvolver, lançar e proteger por meio de patentes um
novo produto. No começo o produto se beneficia do preço monopolista — no
mínimo, oligopolista. Em geral, depois de dez ou 12 anos vence a patente.
É quando surgem no mercado genéricos mais baratos, levando a receita de um
campeão de vendas a evaporar em questão de semanas. A P&D precisa estar
continuamente substituindo produtos velhos por medicamentos mais novos
para impedir que a base da receita encolha. O problema, obviamente, é que
essa reposição está cada vez mais difícil.
A queda na produtividade da P&D da indústria farmacêutica — medida pelo
custo médio de P&D de cada novo medicamento aprovado, o que inclui o
montante gasto com os que não chegam às farmácias — foi plenamente
documentada. Embora o investimento total do setor em P&D tenha disparado
de US$ 2 bilhões em 1980 para US$ 43 bilhões em 2006, o total de fármacos
aprovados pela autoridade sanitária nos Estados Unidos (a FDA) em 1980 e
em 2006 foi praticamente o mesmo.

Uma conseqüência da queda na produtividade da P&D é o alarmante declínio


do intervalo médio de exclusividade de venda — o período durante o qual o
medicamento não enfrenta concorrência por estar protegido pela patente. De
1999 para cá o intervalo médio de exclusividade de remédios protegidos por
patentes (ponderado pelas vendas) caiu de cinco anos e meio para menos de
quatro anos, a menor marca de todos os tempos. Uma série de medicamentos
de grande sucesso perderá seu monopólio nos próximos quatro anos, tornando
o momento decisivo para o setor.

Uma série de forças responde coletivamente pela queda no número de


campeões de vendas lançados todo ano pela indústria farmacêutica e pelo
declínio geral na produtividade da P&D. Entre as comumente citadas estão o
desafio maior (doenças fáceis de tratar ou curar já foram abordadas), a
regulamentação maior e a disparada dos custos de todo aspecto da P&D, da
produção da ficha clínica de um paciente específico em ensaios clínicos à
construção de unidades-piloto para produção de substâncias químicas.
Descobrir e desenvolver um novo medicamento leva pelo menos 12 anos. O
custo médio atual é de mais de US$ 1 bilhão — maior do que a verba da NASA
para mandar um foguete à Lua (veja o quadro “Um velho modelo sob ataque”).
Outro vilão é o porte e a complexidade imensos da organização tradicional
de P&D farmacêutica. Nas indústrias de medicamentos, aparelhos
eletrônicos, software e em outros setores onde descobertas fundamentais (e
não o melhoramento contínuo) são vitais para o sucesso, o porte da
organização virou um impedimento. Dois exemplos clássicos são o da Bell
Labs e o da IBM, empresas que em seu ápice reiteradamente inovavam e
obtinham reconhecimento. Até o dia que, por uma série de motivos — a
maioria deles decorrente do porte e da burocratização cada vez maiores —,
deixaram de inovar de verdade, de descobrir coisas revolucionárias.
Cientistas destacados, com baixa tolerância à burocracia, se foram; sem
uma missão clara, os que sobraram perseguiam sem rumo os próprios
interesses.

Se não for administrada de modo criativo, a complexidade pode abafar o


fervor das pessoas e a coragem para assumir riscos e instalar em seu lugar
a aversão ao risco, a promessa que ninguém se sente obrigado a cumprir e a
inércia burocrática. Para agravar o quadro, dirigentes de grandes empresas
em certos setores, incluindo o farmacêutico e o de aparelhos eletrônicos,
presumiram equivocadamente que a P&D poderia ganhar escala, ser
industrializada e ser movida por métricas detalhadas (scorecards) e pela
automação. O grande resultado? Um processo pelo qual ninguém mais se
sentia pessoalmente responsável, queda na transparência e perda da paixão
de cientistas pela descoberta e pelo desenvolvimento.

Na indústria farmacêutica, uma das maiores decepções da última década foi


constatar que o seqüenciamento do genoma humano e a industrialização de
técnicas empregadas no processo inicial de descoberta não se converteram
em cura milagrosa para a decrescente produtividade na P&D. Aliás, a
parcela de medicamentos experimentais reprovados no estágio clínico
(quando o fármaco é testado em seres humanos) subiu, alcançando a marca
recorde de 93% em 2006, segundo a CMR International.

Havia esperança de que o imenso volume de dados gerados pelo


seqüenciamento do genoma fosse abrir atalhos na identificação de alvos
para o ataque a enfermidades. E que novas técnicas, incluindo a química
combinatória para a criação de novos compostos e o HTS (high-throughput
screening) para teste do potencial medicinal de compostos, fossem permitir
a cientistas criar terapias seguras e eficazes com muito mais rapidez. Até
aqui, no entanto, o que o seqüenciamento do genoma fez foi, basicamente,
gerar um alfabeto; ainda não sabemos como combinar as letras para formar
palavras e orações. E as ferramentas em si não substituem cérebros
científicos de primeira; mesmo com uma ferramenta, um idiota segue sendo
um idiota.

Como solucionar os problemas de P&D da indústria farmacêutica? Eis algumas


idéias.

Reformular a organização
A maioria dos laboratórios farmacêuticos mantém até hoje uma estrutura
organizacional que funcionava bem na década de 1960: uma pirâmide com
silos funcionais (química, farmacologia, desenvolvimento clínico e outros)
que se uniam lá no alto. Só que na década de 1960 um grande laboratório
empregava uns mil cientistas, no máximo; a pirâmide tinha poucos níveis de
gerência; havia menos projetos; os cientistas trabalhavam juntos num único
local; e a alocação de recursos era relativamente simples. Mas, a caminho
do novo século, algo ocorreu. O número de funcionários foi multiplicado
por 20. A pirâmide virou um monstro, o que abalou tudo. A comunicação
entre silos deixou de ser natural. Foram criadas equipes matriciais
excessivamente complexas para tentar superar a ridigez. O processo
decisório perdeu velocidade. E gerentes de escalão médio e alto perderam o
domínio de uma ciência em rápida evolução.

Em fins da década de 1990, ao concluir que a pirâmide organizacional se


tornara obsoleta, decidi transformá-la numa constelação de centros de
excelência altamente focados, que trouxessem mais transparência,
aumentassem a velocidade da tomada de decisões e novamente dessem
liberdade de ação aos cientistas que conduzem a pesquisa na prática. Hoje,
a GSK tem 12 centros. Cada um deles se concentra numa família de males
correlatos (Alzheimer e outros problemas neurológicos, por exemplo, ou
diabetes e obesidade), tem um presidente com autoridade para lançar e
suspender projetos e abriga algumas centenas de cientistas de todas as
disciplinas cruciais. Entre o presidente de cada centro e os principais
cientistas no laboratório há apenas dois ou três níveis de gerência.

Foram muitas as lições aprendidas com a transformação da pirâmide de P&D


numa constelação. Um centro deve ser erguido em torno de duas coisas: uma
missão específica (descobrir o tratamento mais eficaz para o Alzheimer e
outros problemas neurológicos, digamos) e o estágio do processo de P&D
exigido para que a missão seja executada (escolher um alvo específico para
combater a doença, por exemplo). Qualquer atividade que não seja crítica
para a missão e o processo centrais de P&D deve ser executada fora do
centro de excelência. Isso significa que todas essas outras atividades —
toxicologia, metabolismo de fármacos, formulação e por aí vai —, por mais
indispensáveis que sejam, devem ser reunidas em unidades de serviços. No
comando dessas unidades devem estar indivíduos capazes de prestar um
serviço eficaz ao menor custo possível — custo que deve ser regularmente
comparado com o de organizações externas que prestam o mesmo tipo de
serviço com fins lucrativos. Esse novo conceito nos permitiu adotar a
abordagem do fazer-versus-comprar. Por último, o teto da velha pirâmide —
os vice-presidentes funcionais — e outros vestígios da organização em
silos deveriam ser eliminados, com suas responsabilidades repartidas pela
organização agora descentralizada.

Melhorar a qualidade da liderança


O processo de P&D é cansativo e desanimador. A maioria dos projetos não dá
em nada e poucos cientistas vivem um dia a emoção de produzir um
medicamento novo, de sucesso. A descoberta e o desenvolvimento de fármacos
é um esporte coletivo, com momentos de brilhante raciocínio e horas de
trabalho árduo, exaustivo. Num ambiente difícil desses, inspirar e
cultivar líderes que sejam também cientistas consumados é indispensável.

É comum, no entanto, a organização de P&D promover os melhores cientistas


a cargos de gerência — às vezes sem prestar suficiente atenção a sua
capacidade de liderar. A complexidade e o vazio de liderança fizeram
surgir equipes focadas exageradamente no processo e muito pouco em
produzir resultados de grande significado. Esses dois fatores permitiram,
ainda, que autômatos e burocratas se ocultassem na pirâmide.

Cientes de que todo projeto precisa de um líder forte, embarcamos com tudo
num programa para formar um quadro de indivíduos excepcionalmente
talentosos. É relativamente fácil identificar um líder desses. É um
indivíduo que ama a ciência, mostra ardor em seu desejo de vencer, tem
resiliência para seguir em frente mesmo depois de reveses e se importa
realmente com os integrantes da equipe. Inspirador, esse descobridor de
produtos em geral representa menos de 1% de toda a população da P&D,
embora seu valor seja exponencialmente maior. É preciso identificar,
proteger e apoiar gente assim.

Lançar uma revolução cultural


Quanto fiz meu doutorado em farmacologia na Université Louis Pasteur, no
final da década de 1960 e começo da de 1970, tinha como orientadores dois
eminentes cientistas que em geral avaliavam meu trabalho toda
segunda-feira. Quando chegava a sexta, costumava entrar em pânico, pois
tinha certeza de que não havia produzido nada de valor durante a semana
para mostrar aos dois. O que acontecia, então, é que eu literalmente
acampava no laboratório no fim de semana, no desespero de produzir algo
que pudesse impressionar a dupla. Eu tinha até uma cama no laboratório. É
esse tipo de envolvimento e paixão que quero que nossos cientistas tenham.
Precisamos que cada um deles seja consumido pelo desejo de triunfar contra
todas as probabilidades, e de fazer uma diferença.

Os laboratórios farmacêuticos tinham essa cultura 50 ou 60 anos atrás,


antes de se transformarem em gigantes. Para trazê-la de volta será
preciso, no entanto, uma revolução. Creio, sinceramente, que esse é nosso
maior desafio, pois o cientista pertence a uma raça singular: é um
não-conformista, dá muito mais importância ao reconhecimento externo do
que a dinheiro e tende a se desligar do resto do mundo. Logo, ainda que
tenha se dado conta de que nem tudo vai bem — devido aos diversos cortes
de pessoal na P&D e em outras áreas e a dúvidas a respeito da
sobrevivência dos grandes laboratórios no longo prazo —, isso nem de longe
é o bastante.

Na GlaxoSmithKline, os incentivos para a P&D foram reformulados. Ajustamos


o sistema de bônus para premiar cientistas por aquilo que eles fazem — e
não aquilo que o resto da empresa faz. Quando um medicamento potencial
atinge o estágio de prova do conceito (quando sua eficácia e segurança
foram comprovadas), por exemplo, a equipe diretamente envolvida na
descoberta recebe uma gratificação substantiva. Além disso, premiamos
muito bem os cientistas que resolvem um grande problema — descobrir como
tornar solúvel um fármaco até então insolúvel, por exemplo. Por que agir
assim se um cientista não é particularmente movido a dinheiro? Porque
faria qualquer coisa que fizesse diferença, ainda que pequena. Se alguém
me convencesse de que distribuir cerveja no estacionamento às cinco da
tarde ajudaria a atrair e segurar bons cientistas e a fazer com que se
empenhassem mais, eu distribuiria.
Sou da opinião de que só teremos a cultura certa quando contarmos com os
líderes certos. Líderes de P&D devem restituir a toda equipe de projeto um
senso de propósito — exigindo ao mesmo tempo envolvimento, prestação de
contas e transparência. Devem estabelecer objetivos inspiradores (o foco
de tudo é o paciente vencer a doença) que motivem as pessoas todo dia,
toda hora, em toda sala, em todo laboratório. É preciso dar poder a
equipes de projetos — e seu progresso (ou ausência dele) deve ser visível
para todos. O sucesso deve ser festejado e generosamente premiado. É
preciso parar de transferir gente de desempenho insatisfatório de projeto
em projeto. Para que nossos cientistas sintam que têm participação na
empresa, é preciso reinventar a alocação de recursos para que toda equipe
tenha que competir por fundos.

Em suma, é imenso o trabalho a nossa frente. Na GSK, muitas dessas


sementes já foram plantadas. As flores, porém, ainda não desabrocharam.

Reformar o processo de P&D


Tenho duas idéias radicais para mudar os processsos de pesquisa e
desenvolvimento. Uma delas — separar a P&D de novas classes de fármacos da
P&D do melhor fármaco em determinada classe — já está sendo implementada
na Glaxo-SmithKline. A outra — algo que chamo de “blockbuster progressivo”
— exigiria a reinvenção do estágio clínico da P&D de medicamentos
revolucionários e é, neste momento, apenas um conceito.

Separar o primeiro da classe do melhor da classe. A organização de P&D de


uma grande companhia farmacêutica em geral trabalha com dois objetivos: um
deles é inaugurar uma classe de fármacos com a descoberta de novos alvos e
mecanismos da doença e a criação de um medicamento revolucionário; o outro
é produzir, em determinada classe, o melhor composto para atacar um alvo
já validado. Atualmente, a busca desses dois objetivos se confunde na
maioria das organizações de P&D. É um erro, pois as exigências e os riscos
do primeiro objetivo diferem radicalmente dos do segundo. Um bom meio de
melhorar a produtividade da P&D no curto prazo é promover uma separação e
otimização inteligentes dessas duas atividades distintas.

Ser a pioneira de uma classe significa se aventurar por onde ninguém ainda
esteve. Para entender de verdade a patologia fundamental de uma doença a
empresa precisa de recursos, concentração e o acúmulo de conhecimento e
competência institucionais por um período de tempo que pode chegar a 25
anos. Do ponto de vista econômico, esse é, de longe, o caminho mais
arriscado, pois envolve o trabalho pioneiro na biologia (para descoberta
de um novo alvo), na química (para a localização do composto certo) e no
desenvolvimento e aprovação do fármaco (para tornar o produto seguro e
eficaz e para que seu uso seja aprovado numa área na qual reguladores não
possuem diretrizes ou normas estabelecidas). Apesar do considerável
esforço, as grandes farmacêuticas tiveram êxito limitado nessa arena, a de
inauguração de uma categoria. Quando conseguimos, contudo, nossa reputação
junto a pagadores, pacientes e públicos externos é acentuada. Ao fim e ao
cabo, curar doenças é nossa razão de ser. Sem a descoberta de fármacos que
inaugurem toda uma classe, a indústria farmacêutica perderia sua alma.

Assim que a validade de um alvo para atacar uma doença é determinada, tem
início a corrida para descobrir e desenvolver a melhor molécula da
categoria para atacá-lo. Aqui, a agilidade é essencial, a química é vital
é a biologia experimental é irrelevante. O objetivo é otimizar a molécula
— criar uma ratoeira melhor. O Lipitor, da Pfizer — há anos considerado a
melhor estatina do mercado — foi a primeira estatina a ser descoberta. Já
que a busca do melhor fármaco da categoria não significa desbravar um novo
terreno na biologia ou no desenvolvimento e aprovação do fármaco, a
empreitada é bem menos arriscada do que um programa de descoberta de uma
nova classe de remédios. Já o retorno financeiro pode ser equiparável —
ou, às vezes, até maior.

Ao entrelaçar esses dois processos — a busca do primeiro da classe e a


busca do melhor da classe —, estamos exigindo que a P&D tente ser
bailarina e jogador de futebol ao mesmo tempo. O resultado é uma baixa
produtividade nas duas empreitadas — o que ajuda a explicar por que as
grandes organizações farmacêuticas raramente descobrem moléculas realmente
novas e por que sentem dificuldade para achar o melhor composto de uma
determinada categoria de modo reiterado.

A clara separação dessas atividades, onde possível (total separação é


impossível) vai exigir um considerável reaparelhamento e uma reformulação
de iniciativas do setor. No caso da P&D do primeiro fármaco de uma classe
é preciso reduzir bastante o número de projetos, concentrar recursos,
destacar descobridores de verdade para a iniciativa, intensificar
parcerias com centros acadêmicos de ponta, fazer apostas em novas
abordagens como se fossem um investimento de capital de risco e seguir
firme no rumo por décadas ou mais para obter sucesso.

Para otimizar a P&D do melhor fármaco da classe, é preciso fortalecer


várias atividades. É preciso reforçar as equipes de químicos e aparelhar
esses profissionais com ferramentas arrojadas como análise relacional de
estrutura, um programa de computador capaz de localizar o melhor candidato
para um medicamento entre milhares de compostos. A capacidade de conduzir
exames rigorosos de patentes deve ser aprimorada para ajudar equipes a
percorrerem o terreno da pesquisa.

Para desembaralhar os dois processos a P&D terá de repensar uma série de


coisas: estrutura organizacional, alocação de recursos, recrutamento,
cultura, scorecard e sistemas de incentivos. Entendo perfeitamente que
isso tudo é muito mais fácil na teoria do que na prática. Um desafio
particularmente grande será decidir o que separar e o que manter unido
para minimizar a duplicação de atividades. Embora seja claro que processos
e recursos de apoio a cada tipo de projeto — o de primeiro fármaco da
classe e o de melhor fármaco da classe — devam ser separados na fase
inicial, o mesmo não ocorre em etapas posteriores. O ponto no qual um novo
alvo se torna um alvo validado, por exemplo, em geral é ambíguo. E, para
fazer o melhor uso possível dos milhares de indivíduos envolvidos num
programa clínico, esse pessoal deve ser compartilhado por projetos de
ambos os tipos. Essa realidade ilustra os desafios de execução ligados à
transformação de processos.

Por mais difícil que venha a ser essa separação, o esforço valerá a pena.
Conforme vimos nos centros de excelência nos quais a GSK já tomou essa
medida, a execução bem-sucedida desse novo modelo trará um aumento
considerável na produtividade da P&D.

Blockbuster progressivo. Esta idéia implicaria abandonar a busca do


campeão de vendas instantâneo para explorar, primeiro, um segmento
limitado de potenciais pacientes, lançando tentáculos para outros
segmentos no decorrer do tempo.

Ao longo dos anos, medicamentos novos com potencial para combater males
comuns como diabetes ou colesterol elevado foram testados em populações de
pacientes grandes e diversificadas em testes clínicos. Se um teste desses
produzisse os resultados esperados e o órgão regulador aprovasse o
medicamento, o resultado era um “blockbuster instantâneo”. É comum, no
entanto, que um medicamento cause efeitos colaterais num pequeno segmento
da população visada. Anos atrás, esses efeitos muitas vezes só eram
detectados depois que o fármaco era lançado no mercado e usado por milhões
de pacientes. Hoje, a FDA exige que os laboratórios tentem identificar
efeitos colaterais raros ou inesperados antes da estréia do produto — o
que levou a um recorde no total de rejeições iniciais e, em virtude disso,
à demora no lançamento de novos medicamentos.

Uma solução, para começar, seria restringir os ensaios clínicos a um


segmento altamente uniforme de pacientes — indivíduos com um perfil
genético específico, por exemplo, ou que apresentem exatamente o mesmo
quadro, como diabetes e problemas cardiovasculares. Se o teste desse bons
resultados, a empresa poderia pedir a autorização da FDA para
comercializar o medicamento apenas para aquele segmento. Essa abordagem
reduziria a probabilidade de que efeitos colaterais raros e inesperados
deixassem de ser detectados durante os testes clínicos e facilitaria o
monitoramento do desempenho do fármaco depois de lançado. O
desenvolvimento do remédio deveria prosseguir da mesma forma, com a
seleção de um segundo segmento de pacientes uniformes. E assim
sucessivamente.

Um desenvolvimento clínico sistemático como esse responderia à baixa


tolerância da sociedade a surpresas (efeitos adversos mesmo numa minúscula
subpopulação de pacientes) e simplificaria e aceleraria o desenvolvimento
de produtos. No final, todos ganhariam.

Explorar eficiências de custo


Uma saída para a empresa alavancar seu imenso orçamento de P&D é reduzir
desperdícios e melhorar a qualidade da tomada de decisões. Uma área na
qual a oportunidade de poupar é imensa é a fase 1 e a fase 2 de ensaios
clínicos, quando a empresa testa a segurança e a eficácia do medicamento
em grupos de indivíduos visados. Se transferisse 50% desses ensaios de
lugares onde o custo é elevado — como os EUA e a Europa Ocidental — para
lugares de baixo custo como Índia e América do Sul, um laboratório
farmacêutico de porte médio com 60 mil pacientes em ensaios clínicos
poderia poupar, por ano, US$ 600 milhões (um centro médico acadêmico de
primeira na Índia cobra de US$ 1,5 mil a US$ 2 mil por ficha clínica,
enquanto um centro de segunda categoria nos EUA cobra US$ 20 mil).
Transferir para o exterior a gestão de dados de ensaios clínicos e usar a
TI para automatizar parte desse processo de testes também produziria uma
economia considerável. Além dessas, há muitas outras maneiras de cortar
custos. O segredo para identificar e agarrar as maiores oportunidades é
fortalecer a organização de P&D do modo sugerido acima: dando poder a
equipes de projeto fortes, nas quais atuem os indivíduos que mais entendam
do trabalho — equipes amparadas por uma cultura que dá poder aos líderes e
guiadas por um arcabouço decisório transparente, fundado na ciência.
Decisões contaminadas por um excesso de otimismo ou indevidamente
influenciadas por considerações políticas ou burocráticas são um dos
elementos que mais causam perdas no processo de P&D e devem ser atacadas
com todo vigor.

Fazer mais apostas


Para salvar a grande indústria farmacêutica, melhorar a produtividade da
P&D não será suficiente. Dada a enorme necessidade de novos produtos, as
empresas terão de fazer mais apostas. Para tanto, terão de alterar o
modelo de negócios para alocar uma verba maior a atividades de pesquisa e
desenvolvimento. Nos últimos dez anos, o setor investiu cerca de 16% da
receita na P&D. Já que o sucesso na P&D tem conseqüências do gênero “oito
ou oitenta”, parece prudente (e competitivamente vantajoso) ir elevando
aos poucos a cifra em jogo. Para financiar essa expansão, a sugestão é
diminuir a máquina de vendas e marketing, que é grande demais. As melhores
empresas já se lançaram nessa empreitada.

Paralelamente, é preciso forjar alianças com o mundo acadêmico e empresas


de biotecnologia. O modelo da empresa que concentra em suas quatro paredes
os recursos de P&D é obsoleto. Os grandes laboratórios farmacêuticos não
podem mais achar que produzirão sozinhos a melhor ciência em todas as
áreas. Logo, o procedimento operacional normal deve ser o seguinte:
definir uma aposta científica (quinases na oncologia, por exemplo),
avaliar todos os atores externos envolvidos na pesquisa no momento e
estabelecer uma relação contratual com o melhor deles. Os presidentes dos
centros de excelência da GSK têm poder para decidir o que fazer dentro ou
fora da empresa. Em última instância, são julgados por aquilo que está em
seu pipeline, seja qual for a fonte.

Uma arquitetura aberta para projetos de P&D tem muitas vantagens. Produz
uma competição entre equipes científicas internas e externas e entre
distintas abordagens a uma solução terapêutica comum. Torna a organização
mais flexível, permitindo o cancelamento de programas sem a necessidade de
uma penosa reestruturação. Para operar dessa maneira, no entanto, a
empresa terá de fortalecer e ampliar sua capacidade de avaliar
oportunidades, negociar acordos e promover apostas científicas externas em
grande escala — em outras palavras, terá de agir como um capitalista de
risco com conhecimento profundo da ciência em jogo.

O mal da inovação na indústria farmacêutica não é exclusivo. Muitos outros


setores enfrentam os mesmíssimos desafios. Embora a revolução científica
seja visível para todos, convertê-la em bens e serviços de alto
significado segue sendo uma meta distante para a maioria das empresas de
grande porte estabelecidas. Logo, em vez de esperar que a revolução
científica venha nos salvar, precisamos reformar a máquina de P&D. Na
maioria dos casos, os primeiros — e necessários — passos são uma mudança
cultural e uma ampla transformação da organização. É uma tarefa imensa. No
setor farmacêutico, apenas as melhores entre as melhores farão jus ao
desafio de reformular suas operações de P&D. A onda de patentes que em
breve estarão expirando deixa pouco tempo para essa empreitada.

___________________________
Jean-Pierre Garnier ( jean-pierre.garnier@gsk.comEste endereço de e-mail
está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar
activado para poder visualizar o endereço de email ) ocupou até
recentemente a presidência da GlaxoSmithKline.

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