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NÃO TEM ATOS

PARECER 068/2010
INTERESSADA: Mantenedora: Fundação Municipal de Ensino Superior de Nova
Mutum Mantida: União de Ensino Superior de Nova Mutum
ASSUNTO: Consulta sobre abono de faltas a estudantes que se ausentem
regularmente dos horários de aulas devido a convicções religiosas – Lei estadual nº 1

9.274/2009
RELATOR: Cons. Adonias Gomes de Almeida
PROC. nº.225435 /2010- PARECER – CEPS nº. APROVADO EM: 22.06.2010
CEE/MT. 068/2010-CEE/MT.

I - RELATÓRIO

Trata-se de consulta elaborada pela Fundação Municipal de Ensino Superior de


Nova Mutum, mantenedora da União de Ensino Superior de Nova Mutum, sobre abono
de faltas a estudantes que se ausentam regularmente dos horários de aulas, devido a
convicções religiosas, em virtude da Lei Estadual nº 9.274, de 16 de dezembro de 2009.

A referida Lei estadual traz disposições sobre a realização de concursos e


processos seletivos para provimento de cargos públicos e exames vestibulares no Estado
de Mato Grosso, bem como pretende estabelecer regras de direito educacional no
território deste Estado.

No âmbito da legislação educacional, a citada lei estabelece que


estabelecimentos de ensino da educação básica, profissionalizante e superior, do âmbito
público ou privado, estarão obrigadas a autorizar a substituição da frequência de alunos
ausentes, em razão de guarda religiosa, por trabalhos escritos ou outras atividades
acadêmicas, determinadas pela Instituição de ensino.

Em razão de já haver decisão do Conselho Nacional de Educação – CNE por


meio do Parecer nº 224/2006-CNE/CES, o Interessado consulta o CEE/MT e aguarda
manifestação sobre o tema.

II - ANÁLISE

A Lei Estadual nº 9.274, de 16 de dezembro de 2009, padece de diversos vícios


formais e materiais, que resultam em sua absoluta invalidade, seja por razões de
inconstitucionalidade direta e indireta, seja por ofensa a regras infraconstitucionais
vigentes afetas ao tema.

Veja-se.
1. Inconstitucionalidade reconhecida pelo STF – ADI nº 2806

Não se trata da primeira tentativa de um Estado-membro em conformar a


sociedade a um comportamento religioso específico.

Em 2002, no Rio Grande do Sul, foi promulgada uma lei semelhante, que
2
pretendia, igualmente, regulamentar o funcionamento do poder público federal, estadual e
municipal, nos limites territoriais daquele Estado-membro, cuja inconstitucionalidade foi
DECLARADA pelo órgão máximo do Poder Judiciário Nacional, o Supremo Tribunal
Federal – STF.

Observa-se que o reconhecimento da inconstitucionalidade pelo STF, chamado


este, pela Carta Magna, de “guardião da Constituição”, tem efeito ex tunc e erga omnes.
O primeiro efeito significa que a declaração de inconstitucionalidade retroage à data da
violação, ou seja, da publicação da lei, e o segundo, que a decisão tem efeito para todas
as situações jurídicas com as mesmas características.

A fim de resumir os principais vícios do ato normativo que violam a Constituição,


trazemos à baila a Ementa do julgamento proferido em 27/03/2003, nos Autos da Ação
Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 2.806-5:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 11.830,


DE 16 DE SETEMBRO DE 2002, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
ADEQUAÇÃO DAS ATIVIDADES DO SERVIÇO PÚBLICO ESTADUAL E
DOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO PÚBLICOS E PRIVADOS AOS
DIAS DE GUARDA DAS DIFERENTES RELIGIÕES PROFESSADAS NO
ESTADO. CONTRARIEDADE AOS ARTS. 22, XXIV; 61, §1º, II, C; 84, VI, A;
E 207 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

No que toca à Administração Pública estadual, o diploma impugnado padece


de vício formal, uma vez que proposto por membro da Assembléia
Legislativa gaúcha, não observando a iniciativa privativa do Chefe do
Executivo, corolário do princípio da separação de poderes.

Já, ao estabelecer diretrizes para as entidades de ensino de primeiro e


segundo graus, a lei atacada revela-se contrária ao poder de disposição do
Governador do Estado, mediante decreto, sobre a organização e
funcionamento de órgãos administrativos, no caso das escolas públicas;
bem como, no caso das particulares, invade competência legislativa
privativa da União.
Por fim, em relação às universidades, a Lei estadual nº 11.830/2002 viola a
autonomia constitucionalmente garantida a tais organismos
educacionais.

Ação julgada procedente. [grifou-se]


3
A Lei Estadual nº 9.274/2009 padece dos mesmos e insuperáveis vícios de
inconstitucionalidade da lei gaúcha, declarada nula pelo STF em sede de controle
concentrado de constitucionalidade, no exercício da função precípua da Corte de guarda
da Ordem Constitucional, além de outros atinentes ao ordenamento jurídico mato-
grossense.

Veja-se.

• Ofensa ao princípio da separação de poderes

A Lei estadual em comento viola frontalmente o princípio da separação de


poderes.

Segundo o sistema de freios e contrapesos, o Poder, nesta Unidade Federativa, é


dividido em três, segundo as características principais e peculiares, independentes e
harmônicos entre si, a saber: Executivo, Legislativo e Judiciário.

Cada qual desempenha funções típicas: o Executivo administra, o Legislativo cria


as normas jurídicas, e o Judiciário decide os conflitos decorrentes da aplicação do direito
posto.

O Poder, no entanto, sofre tensões sociais, e há sempre a tendência ao abuso.


Por tal motivo, foi idealizada a teoria da separação de Poderes, segundo as principais
funções do Estado. Cada uma das divisões do Poder desempenha funções típicas e
atípicas, em que um limita e controla a atividade do outro, a fim de que se encontre um
equilíbrio e verdadeira harmonia entre eles.

O órgão com competência tipicamente legiferante é o Poder Legislativo, que, no


nosso sistema, possui 3 níveis, cada qual com sua competência fixada pela Constituição
da República: federal (Congresso Nacional, de composição bicameral, formado pelo
Senado Federal e pela Câmara dos Deputados Federais), estadual (Assembléias
Legislativas) e municipal (Câmaras de Vereadores). O Distrito Federal é um ente
federativo sui generis, misto das competências estaduais e municipais (Câmara Distrital).

O Legislativo, portanto, inova o ordenamento jurídico, estabelecendo as regras


gerais e abstratas que regerão o convívio social.
Segundo o sistema de freios e contrapesos, há uma reserva constitucional de
assuntos, que, em razão de sua importância e reflexo na Administração Pública, embora
dependam da criação de lei para ser exercida, cuja iniciativa está reservada,
privativamente, ao Chefe do Executivo.

Entre os assuntos de competência privativa do Chefe do Executivo está o 4

funcionamento dos órgãos públicos e o regime jurídico dos servidores de sua esfera de
governo.

Nesse sentido, na gestão dos órgãos da administração direta, indireta ou


fundacional federais, a competência legislativa é privativa da União, e a iniciativa é
privativa do Presidente da República (artigo 84, IV, a, da Constituição Federal/1988).

Igualmente, nos Estados-membros, a competência legislativa é da Assembléia


Legislativa, e a iniciativa é privativa do Governador (art. 39, parágrafo único, inciso II,
alíneas a, b e d, e art. 66, inciso V, todos da Constituição do Estado de Mato Grosso).

Ao dispor sobre o processo seletivo para investidura no quadro da administração,


bem como sobre o processo seletivo de ingresso nas instituições de ensino públicas e
privadas, houve a violação à separação de Poderes, por ofensa às regras dos níveis
federal e estadual, bem como dos respectivos sistemas de ensino.

A Assembléia Legislativa não poderia, no âmbito federal, invadir a competência da


União e a iniciativa privativa do Presidente da República e, no âmbito estadual, atropelar
a do Governador do Estado.

A Lei Estadual nº 9.274/2009 pretende regulamentar o processo seletivo de


concurso para provimento de cargos e empregos públicos dos três entes, processo
seletivo para ingresso nas universidades (vestibulares) públicas e privadas, do sistema
federal e estadual, bem como o funcionamento de instituições de ensino, também dos
sistemas estadual e federal, limitando o funcionamento, o regime de pessoal e,
consequentemente, implicando em aumento de despesa, sem indicação da fonte de
receita correspondente.

2. Inconstitucionalidade – ofensa à Constituição do Estado de Mato


Grosso – Vício formal – processo legislativo

Conforme se verifica da decisão proferida pelo STF nos autos da ADI


mencionada, lei que tenha como objeto conformar o funcionamento do Estado,
restringindo-o e adequando-o aos interesses de um costume religioso, seja ele qual for, é
inconstitucional.
No entanto, outro argumento a somar-se ao fato da nulidade da lei em comento é
a ofensa às regras do Poder Constituinte Derivado Decorrente, tratadas na Constituição
do Estado de Mato Grosso.

Especificamente referente ao sistema estadual de ensino, determina o artigo 45,


parágrafo único, inciso XIII, que a disciplina encontra-se na reserva legal da espécie 5

normativa Lei Complementar:

Parágrafo único Serão regulados por lei complementar, entre outros casos
previstos nesta Constituição:

(...)

XIII - Lei de Diretrizes da Educação;

A lei complementar possui um processo legislativo diferenciado, mais rígido que o


previsto para as leis ordinárias, exatamente porque os assuntos reservados à sua
disciplina são mais relevantes, exigindo um maior debate, reflexão e, essencialmente,
quorum de aprovação da proposta legislativa.

A reserva legal de lei complementar é uma inescapável restrição ao Poder


Legislativo, sob pena de nulidade do ato normativo.

O Poder Legislativo é um poder CONSTITUÍDO, ou seja, ele existe porque o


Poder maior – originário – diz que ele existe. Este poder é o Poder Constituinte
Originário. Enquanto poder constituído, ele deve obedecer às restrições impostas pelo
Poder Constituinte Originário.

Essa é uma regra lógica que confere legitimidade ao poder constituído por aquele
poder maior, que o criou. A criatura não pode afrontar seu criador.

A Assembléia Legislativa, por mais que seja o Poder tipicamente inovador do


ordenamento jurídico estadual, não pode extrapolar as regras limitativas da sua própria
existência sob qualquer pretexto.

Assim, a Lei Estadual nº 9.274/2009 é nula; primeiro, porque invade a


competência privativa da União, de iniciativa do Presidente da República, no que
concerne ao sistema federal, à legislação nacional e aos órgãos federais presentes no
Estado de Mato Grosso; segundo, porque, no âmbito estadual, violou a regra da reserva
legal de lei complementar.

Ainda, pois, que, por hipótese, não houvesse ofensa material à Constituição da
República, é inconstitucional a Lei estadual nº 9.274/2009, tendo em vista que não
observou a espécie normativa exigida para tanto.
3. Vício material – invasão de competência da União
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A Constituição de 1988, em seu artigo 1º, estabelece que a República Federativa


do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constituindo-se em Estado Democrático de Direito, tendo como fundamentos,
dentre outros, a soberania.

Daí extraem-se:

a) o princípio Republicano, ou seja, que o Brasil adota como regime de governo a


República, conhecida como governo do povo, pelo povo e para o povo;

b) o princípio Federativo, segundo o qual o Estado brasileiro é formado pela União


indissolúvel dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, ficando,
portanto, caracterizadas 3 níveis de organização política interna: federal, estadual e
municipal, cada qual com sua competência definida e distribuída pela Constituição.

c) o princípio do Estado de Direito, que significa ser o Estado Brasileiro signatário


da segurança jurídica, representada pela obediência ao ordenamento jurídico (normas
jurídicas – princípios e regras) definidos internamente pelos entes competentes
constitucionalmente.

d) o princípio da soberania, ou seja, no âmbito interno, é o Estado Brasileiro que


dá a última palavra e, no âmbito externo, não está sujeito a interferência de nenhum outro
Estado, fazendo parte da comunidade internacional em igualdade de condições.

Transportando tais princípios para o caso concreto, faz-se necessário estabelecer


algumas premissas básicas:

d.1) Soberania x independência: Soberania é um atributo que o Estado Brasileiro


possui. Por Estado, para fins de SOBERANIA, leia-se governo federal.

A divisão em Estados-membros, Distrito Federal e Municípios é apenas uma


divisão política interna, para fins de descentralização do Poder, tendo como objetivo que
a criação de vários centros irradiadores de poder estarão mais próximos da realidade
local e, consequentemente, serão mais eficientes.

A divisão política não significa que cada ente federado reúne em si o atributo da
soberania.
Nesse sentido, portanto, estabelece-se a divisão em 3 níveis de poder: o federal,
o estadual e o municipal (com a peculiaridade de que o distrital é misto, reunindo
características estaduais e municipais).

A divisão não estabelece propriamente uma hierarquia entre os entes; há uma


divisão de competências entre eles. 7

Nesse sentido, a Constituição da República acaba por estabelecer, em geral, que


a União reúne atribuições do ente federal e de órgão nacional.

A fim de que haja uma harmonia e homogeneidade nos entes federativos, a União
edita normas gerais que terão vigência em todo o território nacional, de observância
obrigatória por todos os Estados, municípios e Distrito Federal.

Os Estados, por sua vez, no exercício da competência residual, adequam e


particularizam as regras federais, editando normas específicas aplicáveis no âmbito de
seu território. Aos municípios compete adequar as regras nacionais e estaduais à
realidade local.

Cada ente, portanto, é independente, não podendo haver interferência de um em


outro, desde que sejam observadas as regras constitucionais de competência fixada para
cada um.

Não se pode confundir, pois, independência com soberania.

Os Estados, o DF e os Municípios não podem, sob pena de nulidade absoluta por


inconstitucionalidade, sob o argumento da independência, opor-se às normas
constitucionais e nacionais existentes.

O sistema é, portanto, harmônico.

Nesse sentido, um Estado que pretenda estabelecer como a União deverá agir
dentro dos limites territoriais que lhe são próprios, está claramente violando a
Constituição da República, ofendendo os princípios do Estado de Direito, Federativo e
Republicano.

É o que se verifica claramente pelo teor da Lei Estadual nº 9.274/2009, a qual


pretende estabelecer como a União, o Estado e os Municípios deverão comportar-se em
sede de concurso público, processo seletivo, vestibulares e, até mesmo, como os
sistemas estaduais de ensino (federal e estadual) funcionarão em Mato Grosso. A
inconstitucionalidade é gritante.

Legislar sobre o Sistema Federal de Ensino é competência da União; nenhum


Estado-membro pode pretender regulá-lo diferente no seu território.
No que concerne ao Sistema Estadual de Ensino, a Constituição Mato-grossense
confere o assunto à reserva absoluta da Lei Complementar, o que desde já invalida a Lei
Estadual, por vício formal.

Outrossim, ainda que seja editada uma Lei Complementar, deve ela obedecer aos
ditames da Constituição da República e das normas NACIONAIS em matéria de 8

legislação educacional.

Nesse sentido, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB


estabelece várias regras aplicáveis a todos os Estados-membros, entre as quais: mínimo
de duzentos dias letivos, frequência de setenta e cinco por cento do total de horas letivas
para aprovação etc.

Ora, se a LDB fixa 200 dias letivos para a educação básica e para o ensino
superior e setenta e cinco por cento de frequência para aprovação, não pode um Estado-
membro disciplinar de modo contrário, sob pena de ilegalidade e, por consequência,
inconstitucionalidade reflexa.

4. Vício material – inobservância do ordenamento jurídico educacional


vigente – LDB

Sempre tendo como ponto de partida a Constituição da República, já analisamos


a iniciativa privada do Presidente da República nas leis que impliquem no processo de
gestão da administração pública direta, indireta e fundacional federais.

A Constituição, outrossim, ao distribuir as competências legislativas diversas,


reservou à União regular as normas gerais da educação nacional no art. 209.

No art. 22, a Carta Magna fala especificamente da competência da União em fixar


a lei de diretrizes e bases da educação nacional:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(…)

XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;

Em razão da divisão política da República federal, havendo 27 entes federativos


diferentes, a Constituição pretende que seja conferida alguma uniformidade à educação
nacional, por meio de regras uniformes aplicáveis em todos os sistemas educacionais.

No exercício da competência-ordem da Constituição, foi editada a Lei nº 9.394/96,


conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB.
Referida lei divide a história escolar em educação básica e superior, prevê a
colaboração entre os sistemas federal, estadual e municipal de ensino, estabelecendo
diversas regras gerais comuns e específicas a cada um deles.

Como exemplo, podemos mencionar a previsão mínima de dias letivos, duzentos


dias letivos, aprovação condicionada a frequencia e aproveitamento, entre outros. 9

Como regime geral, nenhum Estado ou município poderá, ao dispor sobre seu
sistema de ensino, determinar contrariamente ao disposto na LDB.

É o que se verifica claramente na Lei estadual nº 9.274/2009.

Ao estabelecer tratamento heterogêneo, pretendendo eximir o aluno de 1 dia de


aula por semana, estar-se-ia criando uma categoria diferenciada de alunos, que, à
margem da determinação nacional, teria apenas 160 dias letivos de aula, enquanto os
demais alunos estão obrigados a 200.

O tratamento diferenciado é absolutamente desprovido de amparo constitucional e


legal, tendo em vista o princípio da igualdade de acesso e permanência na escola, bem
como do regime previsto na LDB nacional.

5. Princípios fundamentais violados: Estado laico, isonomia e liberdade


de convicção, crença e culto.

Não menos importante, deixamos para o final o enfrentamento da delicada


questão da liberdade religiosa afeta ao caso.

A Constituição da República assegura, como direito fundamental, a liberdade de


consciência, de crença e de culto, ao lado de outros princípios, como, por exemplo, o da
isonomia.

O princípio da isonomia é um dos mais importantes de uma democracia, tanto que


fora mencionado várias vezes no texto constitucional: arts. 5º, caput; 7º, inciso XXXIV; 14,
caput; 37, inciso XXI; 43, §2º, I; 206, inciso I; 227, §3º, inciso IV, entre outros.

Tal princípio traz em si duas idéias básicas: 1) em regra, todos são iguais perante
a lei, não se admitindo distinção de qualquer natureza; 2) os iguais devem ser tratados
igualmente e os desiguais, desigualmente, na medida das suas desigualdades.

Aqui se revela um princípio geral muito importante: nenhum direito é absoluto,


todos encontram limitações uns nos outros e na própria Constituição, que reconhece de
antemão algumas situações diferenciadas, em que deve ser conferido um tratamento
diferenciado, para que se estabeleça uma situação de equilíbrio.
O tratamento desigual se justifica porque a igualdade formal não é suficiente; há
situações em que o tratamento diferenciado se justifica exatamente para que se alcance
a igualdade material. São exemplos de exceções as medidas afirmativas (negros, índios,
deficientes físicos – arts. 24, inciso XIV; 37, inciso VIII; 40, §4º, inciso I; 201, §1º; 203,
inciso V; 208, inciso III; 210, §2º; 227, §1º, inciso I e §2º; 231; 232; 244), diferenças nas 10
políticas públicas de proteção à mulher (arts. 7º, inciso XX; 40, §1º, inciso III, alínea “a” e
“b”; 143, §2º; 201, §7º, inciso I e II) preferências e políticas públicas em favor dos idosos
(arts. 203, inciso V; 230, §1º), entre outros.

As hipóteses de tratamento diferenciado, a fim de que se alcance a verdadeira


igualdade, revelam, portanto, que não há direito absoluto.

Todo direito, outrossim, encontra limite em outros direitos.

A liberdade de consciência e de crença assegura que todos possuem liberdade de


crer em qualquer religião, seita ou filosofia, desde que não ofenda aos direitos outros,
direitos individuais ou coletivos. Segundo esta garantia, assegura-se, inclusive, o direito
de não crer em coisa nenhuma ou de renunciar às crenças espirituais/sobrenaturais em
primazia da ciência.

São livres, portanto, cristãos, judeus, muçulmanos, ateus, protestantes, espíritas,


budistas, evolucionistas, agnósticos, panteístas e todos os que, com sua crença, não
ofendam a direitos individuais ou coletivos.

A Constituição assegura, inclusive, a chamada cláusula da escusa de consciência:

Art. 5º (...)

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de


convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de
obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa,
fixada em lei;

Segundo a Constituição, portanto, havendo uma obrigação a todos imposta,


ninguém poderá ser privado de direitos se, por foro íntimo, manifestar uma dupla recusa:
primeiro de cumprir a obrigação geral e, segundo, cumprir a obrigação alternativa.

É a justificativa para os adeptos de alguns segmentos religiosos, em não prestar


serviço militar obrigatório.
Veja-se que, no caso que envolve a realização de concursos, vestibulares e
frequência escolar, NÃO SE TRATA DE OBRIGAÇÃO LEGAL A TODOS IMPOSTA,
razão pela qual não incide a cláusula da escusa de consciência.

Ninguém é obrigado a participar de concurso, vestibular ou estudar aos sábados


ou qualquer outro dia da semana. Apenas aqueles que pretendem participar, 11

voluntariamente, dos eventos realizados naqueles dias é que devem submeter-se à


norma.

A situação é clara e razoável.

De outro modo não haveria como realizar nenhum tipo de atividade sem ofender a
crença de alguém.

Imaginem-se as religiões que guardam os sábados, ou os domingos, ou qualquer


outro dia da semana. Se se tentar prestigiar a guarda de cada uma delas, simplesmente
estaria inviabilizada a realização de qualquer atividade.

Assim, para que não se beneficie nem se prejudique nenhum segmento, as regras
são gerais, abstratas e, portanto, aplicam-se indistintamente a todos os sujeitos. Cabe a
cada um verificar a compatibilidade das regras coletivas à sua realidade pessoal.

Exatamente em prestígio ao tratamento isonômico de liberdade de consciência e


de crença, o Estado brasileiro adotou uma postura de absoluta neutralidade religiosa.

O Estado brasileiro é laico, como se pode extrair do disposto no art. 19 da


Constituição da República:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o


funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de
dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de
interesse público;

II - recusar fé aos documentos públicos;

III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

Os Poderes Públicos, pois, não podem, sob qualquer pretexto, associar a


atividade administrativa a nenhuma denominação religiosa.

Assim, é inadmissível que haja um tratamento geral, a ser observado pela maioria
das pessoas e outro regime, destinado a beneficiar unicamente um segmento religioso.
Não se admite tratamento detrimentoso nem preferencial a nenhum credo, seja
ele qual for.

Em razão da liberdade religiosa e da isonomia, porquanto, não pode haver a


obrigação de obediência à LDB pela coletividade e um benefício especial aos sabatistas,
ou a qualquer outro segmento. 12

Veja-se, outrossim, que o sistema educacional, tema objeto da lei que afeta
diretamente a competência deste Conselho Estadual de Educação, não obriga ninguém a
estudar sexta-feira à noite ou sábado de manhã; no entanto, toda pessoa que optar por
um curso, cujo desenvolvimento das atividades esteja previsto para o referido período,
deverá, igualmente, observar frequência mínima, seja fixada em lei (educação básica),
seja fixado no regulamento das Instituições dotadas de autonomia (ensino superior).

A Constituição da República, especificamente em sede de ordenamento


educacional, estabelece o princípio da igualdade de acesso e permanência, no seu art.
206, inciso I.

Fundado nesse princípio, já houve diversas manifestações do CNE em pedidos de


autorização para formação de turmas especiais para sabatistas, com manifestações
desfavoráveis: vide os Pareceres CNE/CEB nº 15/99 e CNE/CES nº 336/2000, 29/2006 e
224/2006.

Destacamos o caso em que uma Instituição já possuía autorização para oferta de


cursos de Administração e Pedagogia, no período noturno. A fim de atender à demanda
de estudantes adventistas, houve o pedido de formação de uma turma especial, com
aulas no período da manhã. O pedido foi negado, sob o fundamento de violação à
igualdade de acesso e permanência (art. 206, inciso I, Constituição da República) –
Parecer CNE/CES nº 336/2000.

Da descrição do caso concreto verificamos duas importantes circunstâncias afetas


à questão central desse processo: não só estudar aos sábados (do pôr-do-sol da sexta-
feira ao pôr-do-sol do sábado) não é obrigatório, mas também há alternativa aos adeptos
da guarda religiosa no período mencionado, como, por exemplo, cursos ofertados no
período da manhã.

Ora, dizer que as Instituições de ensino deverão conferir tratamento diferenciado


aos sabatistas pode até mesmo inviabilizar as atividades, além de violar o princípio da
isonomia.

Tiremos, como exemplo, um curso ofertado às sextas-feiras à noite e aos sábados


durante o dia, como é muito comum nos cursos de pós-graduação lato sensu.
Assegurar a guarda religiosa a qualquer indivíduo significa dizer que a Instituição
de Ensino estará obrigada a formar uma nova turma e oferecer INTEGRALMENTE
OUTRO CURSO ao aluno sabatista, mesmo que seja uma única pessoa, enquanto os
demais serão obrigados à frequência regular às aulas. É totalmente desprovido de
qualquer razoabilidade. 13

O princípio da razoabilidade, de origem na escola romano-germânica, é também


conhecido como devido processo legal substancial, do direito anglo-saxão, e o princípio
da proibição de excessos, do direito português.

Todos eles conferem a garantia de que qualquer regra, para que seja válida,
deverá ser razoável, materialmente constitucional, ou seja, deverá estar em conformidade
com os princípios e valores consagrados na Constituição. Não basta a presença de lei
formal, é preciso um conteúdo axiológico razoável na norma.

A ausência da razoabilidade em prestígio à legalidade formal foi que proporcionou


o horror do regime nazista. A perseguição a algumas minorias (judeus, ciganos,
homossexuais, deficientes etc.) tinha amparo em leis aprovadas pelo parlamento alemão.

Daquela terrível experiência extraiu-se que não basta que uma determinada regra
seja aprovada pelo Poder Legislativo; ela precisa ser ideologicamente compatível com os
valores supremos da sociedade.

O exemplo trata de um dos casos mais extremos de violação ao princípio da


razoabilidade/devido processo legal substancial. Toda norma, porém, seja em maior ou
menor medida, que afronte o referido princípio será nula, em razão do vício da
inconstitucionalidade.

Não basta, portanto, ter forma de lei; para que qualquer regra seja válida é
indispensável que ela seja materialmente constitucional, ou seja, que esteja preenchida
de razoabilidade.

A Lei estadual nº 9.274/2009, ainda que não fosse eivada dos vícios formais de
inconstitucionalidade por ofensa ao devido processo legislativo, materialmente também é
incompatível com a ordem constitucional, por ofensa ao princípio da isonomia, da
liberdade de consciência e de crença e da laicidade estatal, pois pretende submeter toda
a sociedade aos interesses de um comportamento religioso específico.

III – VOTO

Pelo exposto, somos de parecer:


a) Pela inconstitucionalidade formal e material da Lei estadual nº 9.274/2009, por
violação direta e reflexa à Constituição da República, da Constituição do Estado de Mato
Grosso e ao ordenamento jurídico educacional vigente, em concordância com o Parecer
emitido pela Câmara de Educação Básica deste Conselho, bem como em conformidade
com o entendimento do STF, firmado em sede de controle concentrado de 14
constitucionalidade, além dos pareceres reiterados do CNE, manifestados em ambas as
Câmaras, segundo a fundamentação supra;

b) Seja oficiado à Procuradoria Geral do Estado de Mato Grosso, ao Ministério


Público Estadual, à SEDUC – Secretaria de Estado de Educação, à SECITEC –
Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, à UNEMAT – Universidade do Estado de
Mato Grosso e ao SINEPE/MT – Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de
Mato Grosso, para, querendo, tomarem as providências que entenderem necessárias;

c) Que se dê ciência ao interessado e às demais Instituições de Ensino do Estado


sobre a obediência ao ordenamento educacional vigente, notadamente à Constituição da
República, à Constituição Estadual, à LDB nacional (Lei 9.394/96) e à estadual (Lei
Complementar Estadual nº 049/1998).

É o voto.

Cons. Adonias Gomes de Almeida


Relator

III – DECISÃO DA CÂMARA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E DE EDUCAÇÃO


SUPERIOR

A Câmara de Educação Profissional e de Educação Superior do Conselho


Estadual de Educação de Mato Grosso acompanha o voto do Relator.

Cuiabá, 22 de junho de 2010.

Consª. Regina Lúcia Borges de Araújo


Presidente da CEPS/CEE/MT

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