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A TRADIÇÃO ANTICOMUNISTA NO BRASIL, AS ELEIÇÕES DE

2018 E O INÍCIO DA ERA BOLSONARO

O historiador Rodrigo Patto Sá Motta, professor da UFMG, conversou com Marco


Antônio Machado Lima Pereira1, colaborador do História da Ditadura. Motta é um dos
mais importantes especialistas brasileiros em ditaduras militares latino-americanas. É
autor de vários artigos e livros sobre o tema, entre os quais Partido e sociedade, a
trajetória do MDB (Ed. UFOP, 1997), Em guarda contra o perigo vermelho: o
anticomunismo no Brasil (Perspectiva, 2002), Jango e o golpe de 1964 na caricatura
(Zahar, 2006), As universidades e o regime militar (Zahar, 2014), finalista do Prêmio
Jabuti em 2015 na categoria Ciências Humanas. .

Eleitora veste a camisa que remete a um eterno retorno da ditadura militar


Crédito da imagem: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

1
Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Autor do livro Las
armas y las letras dos voluntários brasileiros na guerra civil espanhola: identidades, memórias e
trajetórias (Multifoco, 2017). Colaborador do site História da Ditadura.

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1. No final do artigo “O vermelho e o medo”, publicado em novembro de 2015,
você afirmou que a atual mobilização anticomunista não parece ter a mesma força
das grandes ondas históricas (1935-1937; 1946-1948; 1961-1964) e que é
improvável uma reedição de 1964 pela via do anticomunismo. No entanto, como
você explicaria o fenômeno Bolsonaro que se ampara justamente nesse discurso de
salvar o Brasil do “fantasma do comunismo”?

Aquele texto foi escrito em meados de 2015, sob o impacto da polarizada


campanha eleitoral de 2014. O ponto central da análise era mostrar o retorno da
temática anticomunista ao centro do debate político, que se evidenciou na campanha
eleitoral quando, por exemplo, a consigna “vai para Cuba” se generalizou, assim como
os ataques ao PT como representante de uma nova ameaça comunista. Embora tenha
havido mobilização muito forte em 2014, ela não foi suficiente para derrotar a
candidatura de Dilma Rousseff. Logo em seguida à posse da eleita, nos primeiros meses
de 2015, começou a campanha pelo impeachment, mas com base principalmente no
argumento da corrupção e sob o impulso das atividades da Lava-Jato, o que
momentaneamente colocava o tema anticomunista em segundo plano. Por isso fiz
aquela afirmação, de que uma reedição de 1964 pela via do anticomunismo era
improvável, o mais provável parecia ser a exploração do tema da corrupção, tal como de
fato se passou. Porém, isso não significava reduzir a importância da temática antipetista-
anticomunista, que afinal era o tema central do artigo que você mencionou na pergunta.
Naquela altura era evidente o retorno do anticomunismo ao cenário principal, mas não
tão claros os seus possíveis efeitos políticos, já que a direita perdeu as eleições e para
fundamentar o impeachment era necessário algo mais sólido, pois seria absurdo demais
condenar Dilma por supostas ações de caráter comunista durante seu governo. Para ser
franco, naquela altura achava improvável a aprovação de um impeachment – aliás, creio
que era a opinião da maioria dos analistas políticos –, pois o governo tinha ainda alguns
trunfos e meios para reduzir a força da oposição.
De qualquer modo, após a derrubada de Dilma e a ascensão de Temer, a que se
seguiram a progressão da crise política e econômica e o começo da campanha eleitoral
de 2018, surgiram condições propícias para o retomada em tom mais agudo da
mobilização antipetista-anticomunista entre a opinião de direita. O ponto chave para
entender isso foi um fenômeno que surpreendeu a muitos observadores: a rápida

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recuperação do prestígio do PT e sobretudo de Lula. O governo Temer logo se revelou
um fiasco, envolvido em escândalos e denúncias que o paralisaram. Além disso, suas
medidas econômicas neoliberais (como a reforma trabalhista) não trouxeram alívio à
situação do país, ao contrário do prometido. Tudo somado, em poucos meses se
fortaleceu a candidatura de Lula para 2018, o que aguçou o sentimento antipetista, bem
como as estratégias para insufla-lo. A guinada à direita que vinha ocorrendo desde 2013
ganhou novo impulso diante do medo do retorno do PT ao poder, com notável
fortalecimento dos discursos mais radicais e conservadores na medida em que
candidaturas da direita moderada não decolaram, em grande medida um fruto da
destruição do sistema político provocado pela Lava-Jato. Bolsonaro, então, navegou
nessas águas, capturando inicialmente o sentimento direitista radical e conservador, e
mais adiante atraindo também os votos da direita moderada, que ficou sem candidato
viável. Hoje sabemos que os planos para uma candidatura Bolsonaro são anteriores, mas
a sua aparição pública ocorreu nos primeiros meses de 2015, quando o então deputado
federal pelo Rio de Janeiro compareceu – e se fez mostrar – nas manifestações pró-
impeachment realizadas em São Paulo, adotando claramente a postura de candidato a
presidente.
Não há dúvida que a candidatura Bolsonaro se amparou na tradição
anticomunista, que foi reapropriada e adaptada aos novos tempos, o que contribuiu de
maneira central para a construção do antipetismo. Há semelhanças e singularidades
entre antipetismo e anticomunismo, que alguns propagandistas de direita procuram
sintetizar (de maneira simplória) com a fórmula comuno-petismo. Tenho analisado essa
questão em textos recentes, especialmente em um capítulo a ser publicado no livro
Pensar as direitas na América Latina (Alameda) que vai sair nas próximas semanas.
Apesar das muitas novidades que encontramos nos discursos antiesquerdistas atuais,
claramente existe forte conexão com as tradições passadas, de que eles se nutrem e de
que extraem parte da sua força. A base argumentativa das denúncias atuais sobre o
perigo vermelho é essencialmente a mesma dos anos 1920-30, que, por sua, vez foi
reapropriada e reciclada nos anos 1960 e no golpe de 1964. Penso que o quadro atual
confirma o acerto da tese central de Em guarda contra o perigo vermelho, qual seja, o
anticomunismo havia se enraizado na sociedade brasileira e se constituído em tradição
política reapropriada e reconstruída em diferentes momentos históricos.

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2. Quais fatores poderiam ser apontados para explicar a expansão da influência
dos valores das chamadas novas direitas brasileiras, especialmente da extrema-
direita?

Primeiro gostaria de fazer uma defesa do uso da metáfora da onda. A rapidez


como a influência direitista cresceu entre 2013 e 2016 é compatível com a imagem de
onda, de maneira semelhante ao que tivemos em 1935-37 e 1961-64. Mas isso não
significa imaginar que essa onda surgiu do nada. Na verdade, a metáfora sugere a ideia
de uma situação em que há marolas relativamente calmas (os militantes dos grupos de
direita que estão sempre presentes, embora invariavelmente minoritários), ou seja, o mar
está sempre em movimento, porém, a certa altura surge uma confluência de fatores a
provocarem crises e tempestades.
São muitos os elementos que ajudam a entender essa onda ou guinada direitista,
reiterando que o fenômeno tem tanto de novidade como de reapropriação de tradições
anteriores. Um dos pontos é a reação natural contra governos de centro-esquerda que
comandaram o país durante aproximadamente 13 anos, durante esse período
colecionando inimigos e detratores. Os grupos que partilham a sensibilidade
conservadora jamais aceitaram inteiramente os governos petistas, alguns deles apenas os
toleraram nos momentos favoráveis, especialmente quando a economia crescia a
elevadas taxas. Quando a crise econômica se instalou em 2014 as razões para tolerância
desapareceram, aumentando o mal humor de muitas pessoas em relação ao governo. Há
que mencionar também o impacto das acusações de corrupção contra os governos
petistas, sobretudo os casos produzidos pela Lava-Jato, que tiveram notável incidência
entre a opinião mais à direita do espectro político.
Necessário perceber, portanto, que o crescimento da direita foi uma resposta aos
governos petistas. Eles não foram radicais e tampouco seguiram uma pauta socialista,
porém, algumas de suas políticas afrontaram valores da direita conservadora e da
liberal, como o aumento do intervencionismo estatal, a implantação de bolsas e cotas
sociais, os programas visando a igualdade de gênero e racial, bem como as políticas em
defesa das minorias sexuais. Um aspecto importante aqui é a reação dos setores
religiosos contra a pauta de mudanças no campo dos valores e da moral, que afetou

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setores integristas católicos2, mas, principalmente os grupos evangélicos, que são bem
representados no sistema político. Daí o discurso de defesa da família tradicional e da
religião contra o “comunismo”.
Outro tema fundamental: as ações governamentais no campo da justiça de
transição referida à ditadura, por moderadas que fossem, provocaram o
descontentamento de segmentos militares que igualmente se embandeiraram em torno
das palavras de ordem antiesquerdista. Alie-se a isso o incômodo provocado à direita
pela orientação diplomática dos governos petistas, moderadamente distantes dos EUA e
tendendo à busca de novos parceiros e ao fortalecimento do multilateralismo, ao lado do
temor que a simpatia pelo regime chavista poderia trazer implicações internas ao Brasil.
Mais um aspecto importante, que afetou a largos setores sociais foi o impacto da
criminalidade comum, ou seja, o medo em relação à insegurança pública. Discursos
direitistas acusaram os governos de esquerda de conivência com os criminosos comuns
e convenceram alguns grupos sociais de que somente o aumento do autoritarismo estatal
traria resposta à insegurança do dia a dia.
Enfim, no período entre 2013-2015 surgiram condições propícias ao crescimento
da opinião de direita, o que catapultou ao poder gurus, líderes e pequenos grupos de
militantes que desde os anos 1990 vinham labutando por um (re)despertar conservador
e/ou liberal no Brasil, o que àquela altura parecia improvável.

3. No início de junho de 2016, um grupo de historiadores escreveu o manifesto


“Historiadores pela democracia” chamando atenção para o fato de que o golpe de
2016, articulado entre os setores do legislativo, da mídia e do judiciário
“representa a força do passado, com suas bandeiras de privilégio de classe,
misoginia, racismo e corrupção” e que se o afastamento da presidente Dilma se
concretizasse caminharíamos rumo ao Estado de exceção. Na sua opinião, qual é o
nosso papel enquanto historiadores nessa conjuntura marcada pela retirada de
direitos sociais/trabalhistas, pela generalização do ódio e de sua consolidação
enquanto projeto político e pela criminalização dos movimentos sociais?

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Intelectuais católicos que assumem uma posição política antiliberal e antissocialista, fazem forte
oposição às tendências católicas progressistas e são simpatizantes dos governos militares.
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Penso que essa questão aponta para duas direções, nossa atuação como
profissionais da história e/ou como cidadãos. É difícil separar as duas esferas, pois o
trabalho do historiador é influenciado por suas convicções cívicas e, além disso,
frequentemente tem repercussões políticas, mas, mesmo assim vou restringir a resposta
ao aspecto profissional.
Em essência, acho que devemos continuar fazendo nosso trabalho, pois o
conhecimento da história contribui para entender a situação que estamos vivendo. A
história e as ferramentas profissionais do historiador podem ser colocadas a serviço da
interpretação das origens da crise e oferecer contribuição útil ao seu conhecimento, ao
lado, obviamente, do trabalho dos cientistas sociais. Segue válida uma das funções
tradicionais da história, que é oferecer às pessoas conhecimento útil para buscarem
orientação no mundo social e escolherem caminhos de ação. Um ponto importante é que
o conhecimento histórico depende de liberdade e ambiente democrático, de maneira que
somos naturalmente propensos a criticar o autoritarismo e a violência política e a
defender o respeito aos direitos sociais (em sentido amplo), ainda que às vezes
historiadores se coloquem a serviço de ditaduras. Assumindo que o nosso norte é
garantir (ou construir) uma sociedade democrática valeria a pena enfatizar a pesquisa de
alguns temas na história, por exemplo, a escravidão, as desigualdades sociais, os
regimes e as culturas autoritárias, as tentativas de construir instituições democráticas.
Um outro aspecto importante é que estamos envolvidos em batalhas muito atuais
pela construção de significados e interpretações da história brasileira. Alguns grupos de
direita (e, ao que parece, logo o aparelho estatal vai seguir o mesmo rumo) têm
investido na construção de narrativas históricas orientadas por seus valores e
convicções, tanto por meios impressos como, e principalmente, utilizando recursos
visuais e virtuais. Por aí eles têm minimizado os impactos sociais da escravidão no
Brasil e da violência das ditaduras, especialmente da última que, aliás, negam ter sido
uma ditadura. Os historiadores devem entrar nesse debate para ajudar a esclarecer a
opinião pública e combater as manipulações do conhecimento histórico (que têm fins
políticos). Não se trata é claro de negar a liberdade de opinião ou de cercear o livre
debate sobre as interpretações dos eventos e processos históricos. No entanto, em alguns
casos é possível estabelecer verdades factuais e, principalmente, apontar a existência de
falsidade em certas versões. Pode-se dizer que existe uma versão local de negacionismo
referida à ditadura militar, o que é preciso debater com a devida seriedade. Para além do

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fato de que se trata de um equívoco histórico, negar a existência de uma ditadura militar
nos anos 1960-70 levaria a minimizar os riscos de eventual retorno do autoritarismo.
Outro grande desafio associado ao anterior é como alcançar o grande público,
que tem se mostrado distante da produção acadêmica. Os propagandistas de direita
montaram estratégias eficientes de comunicação de massa via internet, de que se
utilizaram para colocar em larga circulação sua visão ideológica da história (ao passo
que acusam seus adversários por fazerem a mesma coisa). É preciso encontrar meios
para divulgar mais amplamente o conteúdo dos debates e pesquisas acadêmicas, indo
além do público tradicionalmente atingido.

4. Como você avalia a declaração do general da reserva Aléssio Ribeiro Souto –


integrante da campanha de Jair Bolsonaro – que em entrevista ao portal UOL em
setembro de 2018 disse que os livros de história que não trazem “a verdade sobre
1964” devem ser eliminados?

É a volta da censura que paira no ar, sem dúvida. A dúvida é se a intenção é


restringir tal intervenção aos livros didáticos ou se pretendem atingir também a
produção acadêmica. Uma medida que se pode imaginar provável é realização de
prática de censura interna ao MEC no momento de seleção dos livros didáticos a serem
adotados nas escolas públicas, de maneira a privilegiar os que “falam a verdade” sobre o
período de 1964-84, uma ação que seria mais fácil de empreender pelo governo e,
talvez, mais difícil de comprovar para efeito de protesto e devidas ações de denúncia.
Pelo que dizem os porta-vozes do governo, sua maior preocupação é com a formação
dos valores políticos e morais dos jovens, por isso a expectativa de maior intervenção
no campo do ensino básico. Veremos se existem planos também para cercear as
publicações acadêmicas, que demandariam ações de censura mais explícitas. A ver se o
governo terá a força e o apoio político necessários para ter sucesso em tais empreitadas,
uma vez que haverá resistência.

5. E a posição do atual Ministro da Educação, o colombiano Ricardo Vélez


Rodríguez, que chamou a atenção em seu blog para a necessidade de celebrar o
golpe civil-militar de 31 de março de 1964 e defendeu o retorno da disciplina de
educação moral e cívica na educação básica?

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As comemorações de 1964 em sentido positivo já vinham ocorrendo antes e
tendem a se incrementar. Grupos dentro e fora do governo vêm investindo nisso,
inclusive com estratégias para alcançar público mais amplo por meio de recursos
audiovisuais. Anuncia-se para o próximo 31 de março a estreia de um filme
documentário construído a partir do ponto de vista dos defensores da ditadura, pode-se
imaginar que mobilizará bastante a tecla anticomunista. Isso significa que as batalhas de
memória e historiográficas em torno do golpe e da ditadura vão se intensificar, com uma
ofensiva dos grupos de direita para tentar prevalecer sua “boa memória” sobre 1964, o
que representa não apenas a defesa de um ponto de vista sobre o passado, mas a
afirmação de uma imagem positiva com propósito de atribuir legitimidade a um
governo comandado por militares no presente.
A proposta de retorno da educação moral e cívica vai em mesmo sentido, mais
uma medida nostálgica em relação à ditadura militar para os que se sentem inseguros
em relação à manutenção da ordem nos dias de hoje. Parece adequada com a célebre
afirmação de que o candidato eleito pretendia voltar ao Brasil de meio século atrás...

6. No dia 25/11/2018, o então comandante do Exército, general Eduardo Villas


Bôas, escreveu em seu perfil no Twitter a necessidade de recuperar “a intentona
comunista ocorrida há 83 anos”. O objetivo, segundo ele, era evitar “para que não
tenhamos nunca mais, irmãos contra irmãos vertendo sangue verde e amarelo em
nome de uma ideologia diversionista”. Levando em conta que a postagem ocorreu
quase um mês após a vitória de Bolsonaro, que leitura você faz da postura do
general e por que para o Exército brasileiro seria necessário relembrar o episódio?

Trata-se de mais um indício de que se pretende reativar a tradição anticomunista,


pois a celebração de 27 de novembro constituía momento chave nas mobilizações contra
o perigo vermelho, especialmente com a cerimônia ao pé do monumento aos mortos
pela “Intentona” (na praia vermelha) e a edição de ordens do dia pelos comandantes
militares. Essas comemorações atraíam civis também e ganhavam publicidade midiática
– com maior ou menor ênfase a depender do contexto político –, mas os principais
envolvidos eram os próprios militares, que investiram fundo na construção da mitologia
da “Intentona”. Essa celebração foi usada não apenas para construir uma versão
repulsiva sobre o significado do comunismo, mas, também, para unir os militares em

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torno de inimigo comum. Essa análise não implica reduzir a seriedade da insurreição
liderada por comunistas e aliancistas em 1935, que tentaram derrubar o governo de
Getúlio Vargas. O ponto é que as versões construídas sobre o episódio geraram uma
caricatura grotesca, que apagava as semelhanças do movimento com as anteriores
revoltas tenentistas e investia no tema do comunismo intrinsecamente malvado e
sanguinário, como na versão – sem comprovação empírica – de que os comunistas
mataram soldados legalistas enquanto dormiam. Veremos qual será a repercussão
efetiva do chamado do general Villas Boas. A questão é saber se os militares ainda
necessitam de tal recurso para promover sua unidade interna, e se a tentativa de
requentar a tradição do 27 de novembro será factível nos dias atuais.

7. Como você vê a forte presença militar no governo de Jair Bolsonaro (com quase
um terço dos ministérios), algo que não aconteceu nem durante os governos da
ditadura?

Eu vejo com preocupação, naturalmente. É o retorno dos militares ao comando


do Estado brasileiro, desta vez por vias eleitorais e sem necessidade de um golpe
armado, ao menos até agora. Gostaria de ressaltar que não tenho preconceitos contra os
militares e reconheço seu papel positivo em certos momentos da história brasileira.
Reconheço também a importância das Forças Armadas na defesa da soberania do país e
de nossas fronteiras. No entanto, o problema é que eles ainda não fizeram uma reflexão
crítica sobre sua participação na ditadura de 1964, a qual seguem defendendo na
perspectiva de que salvaram o Brasil do comunismo. Nesse sentido, há razões para
temer uma nova deriva autoritária, embora os líderes neguem tal intenção. Mas, como
crer que estamos realmente livres do risco de nova ditadura caso o atual governo não
consiga estabilidade? Além disso, uma forte presença militar em qualquer governo seria
preocupante, mesmo sem histórico de ditaduras como no caso do Brasil. Os militares
são profissionais treinados para o comando vertical, para o respeito à hierarquia e a
obediência sem questionamentos. Tal perfil não é adequado ao governo democrático,
em que se deve respeitar opiniões diferentes (e críticas) e negociar com os adversários.
Como eles têm o domínio das armas há sempre a possibilidade de recorrer à força caso
seu poder seja questionado, tal como se passou em 1968. Creio que estamos andando no

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fio da navalha, tanto mais porque o novo presidente é frágil politicamente e o grupo
militar tende a aumentar cada vez mais a sua influência.

8. Em que medida a tradição anticomunista – cujo discurso foi utilizado como


pretexto-chave para instaurar dois períodos de ruptura institucional: o Estado
Novo, em 1937, e o golpe civil-militar, em 1964 – se associa a persistência de uma
cultura política autoritária no país?

A tradição anticomunista tem servido para expressar o medo de alguns grupos


sociais com relação a processos de transformação social e cultural, ou seja, ela serve
para consolidar e expressar sentimentos conservadores em relação a valores morais e
religiosos e às hierarquias sociais tradicionais. Em outras palavras, o perigo vermelho
expressa sentimentos de temor que ultrapassam os objetivos e a força real dos
comunistas, servindo para expressar o medo de que as classes populares e os setores
excluídos (negros) ascendam socialmente e com isso questionem as hierarquias. Além
disso, o “comunismo” é representado como foco originador de mudanças de
comportamento moral e religioso, ou seja, a sua imagem é manipulada de modo a servir
de fonte para “males” de todo tipo. É certo que os comunistas históricos defendiam a
revolução para estabelecer igualdade social e questionavam os valores morais
religiosos, no entanto, isso não significa que todo projeto de mudança social e
comportamental possa ser tachado de comunista.
Portanto, existe uma estratégia discursiva de generalizar o rótulo comunista para
aumentar a gravidade ou a sensação de perigo em relação a certas mudanças sociais que
incomodam a opinião conservadora. O fato é que essa sensação de medo e insegurança
quando levada ao grau máximo pode estimular muitas pessoas a aceitarem intervenções
autoritárias em nome de suposta segurança. Por isso a importância histórica do
anticomunismo nas estratégias de legitimação de golpes autoritários, como em 1937 e
1964. Os medos sociais em circulação atualmente, que incluem outros temas além da
ameaça vermelha como a criminalidade comum e a corrupção, têm estimulado certos
grupos a apostarem no incremento do autoritarismo e da violência estatal, como se
trouxessem solução aos problemas e aumentassem a segurança. Paradoxalmente, e
lamentavelmente, os mesmos grupos têm aceitado transgressões ao sistema legal em
nome de suposta busca da justiça. Tais sentimentos e temores contribuíram para o

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resultado eleitoral de 2018, levando a extrema-direita a ganhar pela primeira vez o
poder no Brasil por vias eleitorais. A questão é saber se os vitoriosos conseguirão (e se
desejarão) governar respeitando as normas institucionais vigentes ou se vão apostar em
algum tipo de intervenção mais grave, ou seja, um golpe autoritário de formato clássico.
Pelo que vimos nas mobilizações políticas recentes e em algumas pesquisas de opinião,
parte da população aceitaria uma intervenção autoritária mais explícita. Tomara que a
situação não evolua (retroceda) em tal direção.

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