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Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Autor do livro Las
armas y las letras dos voluntários brasileiros na guerra civil espanhola: identidades, memórias e
trajetórias (Multifoco, 2017). Colaborador do site História da Ditadura.
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1. No final do artigo “O vermelho e o medo”, publicado em novembro de 2015,
você afirmou que a atual mobilização anticomunista não parece ter a mesma força
das grandes ondas históricas (1935-1937; 1946-1948; 1961-1964) e que é
improvável uma reedição de 1964 pela via do anticomunismo. No entanto, como
você explicaria o fenômeno Bolsonaro que se ampara justamente nesse discurso de
salvar o Brasil do “fantasma do comunismo”?
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recuperação do prestígio do PT e sobretudo de Lula. O governo Temer logo se revelou
um fiasco, envolvido em escândalos e denúncias que o paralisaram. Além disso, suas
medidas econômicas neoliberais (como a reforma trabalhista) não trouxeram alívio à
situação do país, ao contrário do prometido. Tudo somado, em poucos meses se
fortaleceu a candidatura de Lula para 2018, o que aguçou o sentimento antipetista, bem
como as estratégias para insufla-lo. A guinada à direita que vinha ocorrendo desde 2013
ganhou novo impulso diante do medo do retorno do PT ao poder, com notável
fortalecimento dos discursos mais radicais e conservadores na medida em que
candidaturas da direita moderada não decolaram, em grande medida um fruto da
destruição do sistema político provocado pela Lava-Jato. Bolsonaro, então, navegou
nessas águas, capturando inicialmente o sentimento direitista radical e conservador, e
mais adiante atraindo também os votos da direita moderada, que ficou sem candidato
viável. Hoje sabemos que os planos para uma candidatura Bolsonaro são anteriores, mas
a sua aparição pública ocorreu nos primeiros meses de 2015, quando o então deputado
federal pelo Rio de Janeiro compareceu – e se fez mostrar – nas manifestações pró-
impeachment realizadas em São Paulo, adotando claramente a postura de candidato a
presidente.
Não há dúvida que a candidatura Bolsonaro se amparou na tradição
anticomunista, que foi reapropriada e adaptada aos novos tempos, o que contribuiu de
maneira central para a construção do antipetismo. Há semelhanças e singularidades
entre antipetismo e anticomunismo, que alguns propagandistas de direita procuram
sintetizar (de maneira simplória) com a fórmula comuno-petismo. Tenho analisado essa
questão em textos recentes, especialmente em um capítulo a ser publicado no livro
Pensar as direitas na América Latina (Alameda) que vai sair nas próximas semanas.
Apesar das muitas novidades que encontramos nos discursos antiesquerdistas atuais,
claramente existe forte conexão com as tradições passadas, de que eles se nutrem e de
que extraem parte da sua força. A base argumentativa das denúncias atuais sobre o
perigo vermelho é essencialmente a mesma dos anos 1920-30, que, por sua, vez foi
reapropriada e reciclada nos anos 1960 e no golpe de 1964. Penso que o quadro atual
confirma o acerto da tese central de Em guarda contra o perigo vermelho, qual seja, o
anticomunismo havia se enraizado na sociedade brasileira e se constituído em tradição
política reapropriada e reconstruída em diferentes momentos históricos.
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2. Quais fatores poderiam ser apontados para explicar a expansão da influência
dos valores das chamadas novas direitas brasileiras, especialmente da extrema-
direita?
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setores integristas católicos2, mas, principalmente os grupos evangélicos, que são bem
representados no sistema político. Daí o discurso de defesa da família tradicional e da
religião contra o “comunismo”.
Outro tema fundamental: as ações governamentais no campo da justiça de
transição referida à ditadura, por moderadas que fossem, provocaram o
descontentamento de segmentos militares que igualmente se embandeiraram em torno
das palavras de ordem antiesquerdista. Alie-se a isso o incômodo provocado à direita
pela orientação diplomática dos governos petistas, moderadamente distantes dos EUA e
tendendo à busca de novos parceiros e ao fortalecimento do multilateralismo, ao lado do
temor que a simpatia pelo regime chavista poderia trazer implicações internas ao Brasil.
Mais um aspecto importante, que afetou a largos setores sociais foi o impacto da
criminalidade comum, ou seja, o medo em relação à insegurança pública. Discursos
direitistas acusaram os governos de esquerda de conivência com os criminosos comuns
e convenceram alguns grupos sociais de que somente o aumento do autoritarismo estatal
traria resposta à insegurança do dia a dia.
Enfim, no período entre 2013-2015 surgiram condições propícias ao crescimento
da opinião de direita, o que catapultou ao poder gurus, líderes e pequenos grupos de
militantes que desde os anos 1990 vinham labutando por um (re)despertar conservador
e/ou liberal no Brasil, o que àquela altura parecia improvável.
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Intelectuais católicos que assumem uma posição política antiliberal e antissocialista, fazem forte
oposição às tendências católicas progressistas e são simpatizantes dos governos militares.
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Penso que essa questão aponta para duas direções, nossa atuação como
profissionais da história e/ou como cidadãos. É difícil separar as duas esferas, pois o
trabalho do historiador é influenciado por suas convicções cívicas e, além disso,
frequentemente tem repercussões políticas, mas, mesmo assim vou restringir a resposta
ao aspecto profissional.
Em essência, acho que devemos continuar fazendo nosso trabalho, pois o
conhecimento da história contribui para entender a situação que estamos vivendo. A
história e as ferramentas profissionais do historiador podem ser colocadas a serviço da
interpretação das origens da crise e oferecer contribuição útil ao seu conhecimento, ao
lado, obviamente, do trabalho dos cientistas sociais. Segue válida uma das funções
tradicionais da história, que é oferecer às pessoas conhecimento útil para buscarem
orientação no mundo social e escolherem caminhos de ação. Um ponto importante é que
o conhecimento histórico depende de liberdade e ambiente democrático, de maneira que
somos naturalmente propensos a criticar o autoritarismo e a violência política e a
defender o respeito aos direitos sociais (em sentido amplo), ainda que às vezes
historiadores se coloquem a serviço de ditaduras. Assumindo que o nosso norte é
garantir (ou construir) uma sociedade democrática valeria a pena enfatizar a pesquisa de
alguns temas na história, por exemplo, a escravidão, as desigualdades sociais, os
regimes e as culturas autoritárias, as tentativas de construir instituições democráticas.
Um outro aspecto importante é que estamos envolvidos em batalhas muito atuais
pela construção de significados e interpretações da história brasileira. Alguns grupos de
direita (e, ao que parece, logo o aparelho estatal vai seguir o mesmo rumo) têm
investido na construção de narrativas históricas orientadas por seus valores e
convicções, tanto por meios impressos como, e principalmente, utilizando recursos
visuais e virtuais. Por aí eles têm minimizado os impactos sociais da escravidão no
Brasil e da violência das ditaduras, especialmente da última que, aliás, negam ter sido
uma ditadura. Os historiadores devem entrar nesse debate para ajudar a esclarecer a
opinião pública e combater as manipulações do conhecimento histórico (que têm fins
políticos). Não se trata é claro de negar a liberdade de opinião ou de cercear o livre
debate sobre as interpretações dos eventos e processos históricos. No entanto, em alguns
casos é possível estabelecer verdades factuais e, principalmente, apontar a existência de
falsidade em certas versões. Pode-se dizer que existe uma versão local de negacionismo
referida à ditadura militar, o que é preciso debater com a devida seriedade. Para além do
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fato de que se trata de um equívoco histórico, negar a existência de uma ditadura militar
nos anos 1960-70 levaria a minimizar os riscos de eventual retorno do autoritarismo.
Outro grande desafio associado ao anterior é como alcançar o grande público,
que tem se mostrado distante da produção acadêmica. Os propagandistas de direita
montaram estratégias eficientes de comunicação de massa via internet, de que se
utilizaram para colocar em larga circulação sua visão ideológica da história (ao passo
que acusam seus adversários por fazerem a mesma coisa). É preciso encontrar meios
para divulgar mais amplamente o conteúdo dos debates e pesquisas acadêmicas, indo
além do público tradicionalmente atingido.
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As comemorações de 1964 em sentido positivo já vinham ocorrendo antes e
tendem a se incrementar. Grupos dentro e fora do governo vêm investindo nisso,
inclusive com estratégias para alcançar público mais amplo por meio de recursos
audiovisuais. Anuncia-se para o próximo 31 de março a estreia de um filme
documentário construído a partir do ponto de vista dos defensores da ditadura, pode-se
imaginar que mobilizará bastante a tecla anticomunista. Isso significa que as batalhas de
memória e historiográficas em torno do golpe e da ditadura vão se intensificar, com uma
ofensiva dos grupos de direita para tentar prevalecer sua “boa memória” sobre 1964, o
que representa não apenas a defesa de um ponto de vista sobre o passado, mas a
afirmação de uma imagem positiva com propósito de atribuir legitimidade a um
governo comandado por militares no presente.
A proposta de retorno da educação moral e cívica vai em mesmo sentido, mais
uma medida nostálgica em relação à ditadura militar para os que se sentem inseguros
em relação à manutenção da ordem nos dias de hoje. Parece adequada com a célebre
afirmação de que o candidato eleito pretendia voltar ao Brasil de meio século atrás...
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torno de inimigo comum. Essa análise não implica reduzir a seriedade da insurreição
liderada por comunistas e aliancistas em 1935, que tentaram derrubar o governo de
Getúlio Vargas. O ponto é que as versões construídas sobre o episódio geraram uma
caricatura grotesca, que apagava as semelhanças do movimento com as anteriores
revoltas tenentistas e investia no tema do comunismo intrinsecamente malvado e
sanguinário, como na versão – sem comprovação empírica – de que os comunistas
mataram soldados legalistas enquanto dormiam. Veremos qual será a repercussão
efetiva do chamado do general Villas Boas. A questão é saber se os militares ainda
necessitam de tal recurso para promover sua unidade interna, e se a tentativa de
requentar a tradição do 27 de novembro será factível nos dias atuais.
7. Como você vê a forte presença militar no governo de Jair Bolsonaro (com quase
um terço dos ministérios), algo que não aconteceu nem durante os governos da
ditadura?
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fio da navalha, tanto mais porque o novo presidente é frágil politicamente e o grupo
militar tende a aumentar cada vez mais a sua influência.
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resultado eleitoral de 2018, levando a extrema-direita a ganhar pela primeira vez o
poder no Brasil por vias eleitorais. A questão é saber se os vitoriosos conseguirão (e se
desejarão) governar respeitando as normas institucionais vigentes ou se vão apostar em
algum tipo de intervenção mais grave, ou seja, um golpe autoritário de formato clássico.
Pelo que vimos nas mobilizações políticas recentes e em algumas pesquisas de opinião,
parte da população aceitaria uma intervenção autoritária mais explícita. Tomara que a
situação não evolua (retroceda) em tal direção.
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