Вы находитесь на странице: 1из 16

© Associação Profissional de Arqueólogos

O talhe da pedra na Pré-História


recente de Portugal:
1. sugestões teóricas e metodológicas
para o seu estudo

antónio faustino de carvalho


Universidade do Algarve – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais
afcarva@ualg.pt

Resumo: Perante a quase inexistência de bibliografia em língua portuguesa especializada no estudo do


talhe da pedra, por um lado, e as lacunas que transparecem a este nível no estudo da Pré-História recente,
por outro, o presente texto, de carácter introdutório, visa fornecer algumas indicações metodológicas e a
definição de alguma terminologia e conceitos mais frequentes nesta disciplina.

Palavras-chave: Indústria Lítica; Pré-História Recente; Portugal; Metodologia; Terminologia.

1. Introdução A iniciativa de levar a efeito um workshop sobre


aquele tema teve objectivos muito claros, e que se en-
O presente texto surge na sequência do workshop contravam enunciados, desde logo, no preâmbulo do
organizado em Faro no mês de Maio de 2005 pela respectivo Programa:
APA, em colaboração com a Universidade do
Algarve, intitulado Estudos Integrados de Indústrias “[o] estudo das indústrias líticas não constitui uma
Líticas. Este workshop visou fornecer uma perspecti- matéria de muito fácil abordagem para a maior
vação alargada do estudo das indústrias líticas, pelo parte dos arqueólogos que fazem da «Arqueologia
generalista» a sua profissão, tal como o não é, inclu-
que, contando com a participação de diversos espe-
sive, para outros profissionais deste domínio cien-
cialistas, foi abordado um leque de temas distribuído tífico que, devido às vicissitudes próprias do seu
entre o que se poderiam chamar os dois extremos do percurso pessoal, não quiseram ou não precisaram
percurso analítico: ou seja, desde o aprovisionamento de dedicar o seu tempo e o seu esforço ao desenvol-
das matérias-primas líticas à análise traceológica dos vimento de competências neste tema”.
utensílios retocados, passando pelo talhe experimen-
tal e, naturalmente, pela apresentação das principais Com efeito, a análise do talhe da pedra é tradi-
características do talhe da pedra, do Paleolítico ao fi- cionalmente relegada para os estudos paleolíticos e
nal da Pré-História no actual território português. mesolíticos, o que, por consequência, lhe tem con-

praxis ARCHAEOLOGICA 3, 2008, p. 167-181


ISSN 1646-1983
168 antónio faustino de carvalho

ferido o estatuto de parente pobre da investigação se podem constatar na bibliografia, ou ainda a utiliza-
dedicada às realidades da Pré-História mais recen- ção equivocada de termos e conceitos, o que denota a
te. Daí que esta classe artefactual não tenha vindo má preparação da generalidade dos pré-historiadores
a ser ensinada nas universidades portuguesas com a portugueses a este nível.
mesma profundidade com que o é, por exemplo, a Em rigor, porém, deve também salientar-se a
cerâmica ou a metalurgia; aliás, muitas vezes não faz existência de progressos recentes muito notórios no
sequer parte dos planos curriculares das licenciaturas estudo do talhe da pedra, sobretudo ao nível dos
em Arqueologia, dado que quem lecciona as disci- investigadores mais jovens. Esta tendência recente,
plinas introdutórias aos estudos artefactuais também que resulta do acentuado crescimento do número
não possui normalmente formação teórica nem prá- de arqueólogos em actividade nas últimas duas dé-
tica neste campo. Por esta razão, a tendência será a cadas, é um factor que conduziu, como é natural, à
perpetuação das insuficiências referidas no Programa multiplicação, ainda que não na mesma proporção,
do workshop. Esta situação, não lhe sendo de manei- de paleoliticistas —que têm na pedra lascada a sua
ra alguma exclusiva, é no entanto ainda hoje muito principal base empírica de dados— e de alguns ou-
saliente em Portugal. Daí também que a ausência de tros pré-historiadores com formação concreta nesta
bibliografia de cariz teórico-metodológico em língua disciplina.
portuguesa —com excepção de alguns casos muito Perante o exposto, o objectivo do presente tex-
pontuais (Almeida et al., 2003; Bicho, 2006)— seja to é fornecer diversos elementos, de forma necessa-
apenas o reflexo natural daquelas limitações. O facto riamente abreviada, que se possam constituir —tal
de as pouquíssimas obras de referência que circulam como indicado em título— como sugestões introdu-
em Portugal serem exclusivamente em línguas estran- tórias ao estudo do talhe da pedra do final da Pré-
geiras só reforça o carácter quase exotérico de que o História. Assim, procurar-se-á fornecer um conjunto
estudo do talhe da pedra se parece revestir aos olhos de apontamentos teóricos da disciplina, apontando
dos não “iniciados”... alguns aspectos pertinentes do estado da questão na
As consequências negativas sobre o estado da viragem do milénio e alguns conceitos que importa
investigação, a que se fez alusão, colocam-se desde reter, assim como algumas indicações metodológicas,
lodo a dois níveis, ou etapas, do trabalho arqueológi- de cariz eminentemente prático, acompanhadas da
co. Em primeiro lugar, durante a própria escavação. terminologia e definições usadas na classificação tec-
Ainda não há muitos anos, era comum —e, nalguns notipológica de artefactos em pedra lascada.
casos, lamentavelmente, ainda o é hoje— a recolha
não sistemática de restos líticos em contextos da 2. Breve enquadramento teórico
Pré-História recente: seja porque se procedia a uma
triagem das peças dando preferência aos utensílios A Arqueologia do século XIX e inícios do XX
formais fabricados em sílex, seja porque os métodos respondia a um objectivo considerado fundamental:
de escavação não contemplavam o recurso a técnicas a reconstituição de sequências cronoestratigráficas.
que permitissem a identificação e recolha de peças Assim, a investigação focalizou o seu interesse nos
de menores dimensões. Estas opções metodológicas testemunhos cujo carácter intencional (logo, cultu-
tiveram como resultado a recolha de conjuntos líti- ral) era mais evidente e acessível através de observa-
cos profundamente truncados da sua integridade ori- ção directa. No caso das indústrias líticas, as aten-
ginal, o que significa que o seu estudo será sempre, ções recaíram portanto na classificação de utensílios
seja qual for a circunstância, desprovido de qualquer retocados e na busca de “fósseis directores”. Esta
significado, por muito interessantes que possam ser incidência nas peças retocadas atingirá o seu apogeu
as peças singulares recolhidas nesses trabalhos. Em no terceiro quartel do século XX com as tipologias
segundo lugar, outra consequência negativa das limi- descritivas ou sintéticas (Julien, 1992), as quais se
tações referidas é a existência de erros de classificação baseiam num princípio simples: o estabelecimento,
tecnológica e tipológica —por vezes grosseiros— que para cada época e região geográfica determinadas, de

praxis ARCHAEOLOGICA
ISSN 1646-1983
o talhe da pedra na pré-história recente de portugal 1 169

uma “lista-tipo”, ou seja, de um inventário completo narão qualquer realização técnica (Geneste, 1991):
das utensilagens retocadas. Nestas tipologias, as pro- 1) Uma estrutura geral, isto é, o próprio contexto
postas de D. Sonneville-Bordes e J. Perrot (1954-56) antropológico em que se integram (ideologia,
para o Paleolítico Superior e de F. Bordes (1961) para organização política e social, tradição tecnoló-
o Paleolítico Inferior e Médio foram rapidamente gica, etc.);
alargadas a outros períodos e regiões, dada a facili- 2) Um princípio de funcionamento, que reúne
dade de comparação que permitem estabelecer entre os métodos, técnicas e concepções mentais
conjuntos líticos distintos após o cálculo das frequên- que presidem à realização técnica; e
cias relativas de cada tipo e da sua representação em 3) Uma finalidade, ou seja, a produção dos ar-
gráficos cumulativos. Veja-se, como exemplo, o con- tefactos desejados, os quais podem constituir,
junto amplo de listas tipológicas reunidas por Camps em última análise, uma resposta adaptativa
(1979) no seu manual de investigação pré-histórica, a particular.
que se poderiam adicionar muitas outras criadas pos- O entendimento pleno do sistema técnico terá de
teriormente para realidades meso-neolíticas como, passar, então, não só pela caracterização da estrutura
por exemplo, as de Juan-Cabanilles (1984) para o geral que lhe subjaz —ou seja, as características e a
Neolítico cardial valenciano ou de Binder (1987) articulação entre os diversos subsistemas componen-
para o Castelnovense e Cardial da Provença. tes do sistema sociocultural— como também da sua
No entanto, aqueles procedimentos analíticos finalidade. No entanto, o nível de abordagem mais
resumem-se à descrição e classificação apenas de uma imediato e elementar ao sistema técnico de produção
pequena fracção dos testemunhos. Porém, nos últi- lítica é a determinação dos seus princípios de fun-
mos trinta anos ocorre o que se poderia apelidar de cionamento, os quais são abordáveis através de uma
uma verdadeira “revolução coperniciana” no estudo ferramenta heurística própria: a noção de “cadeia
do talhe da pedra: trata-se do aparecimento da pers- operatória”.
pectiva tecnológica, enquadrada do ponto de vista te- A utilização deste conceito permite identificar, no
órico pela noção de “cadeia operatória”. Com efeito, a seio dos conjuntos líticos, as estratégias de aquisição,
vulgarização da perspectiva sistémica em Arqueologia fabrico e utilização dos objectos. Trata-se, em suma,
e as reflexões de A. Leroi-Gourhan sobre a Técnica de reconstituir e de ordenar o conjunto de acções
sistematizadas na sua obra Évolution et Techniques aplicadas sobre um bloco de matéria-prima, desde a
—traduzida para português há já quase um quarto sua selecção até ao abandono definitivo dos elemen-
de século (Leroi-Gourhan, 1984a; 1984b)— foram tos dele provenientes (resíduos, produtos de debita-
factores que, embora com origens teóricas distintas (a gem, núcleos e os próprios utensílios).
Etnologia da escola francesa e a Arqueologia proces- Como a ordem temporal daquelas acções pode ser
sual anglo-saxónica, respectivamente), se revelaram definida isolando os seus diversos momentos, torna-se
fundamentais para essa transformação teórica opera- possível reconhecer os espaços onde se encontram os
da no campo da análise lítica. A convergência destas vestígios materiais respeitantes a cada um desses mo-
duas perspectivas permitiu pressupor a existência de mentos. O fraccionamento espacial da cadeia opera-
“sistemas técnicos de produção lítica” —para utili- tória assim identificado permite o reconhecimento de
zar a expressão de Geneste (1991)— cujos princípios espaços individuais (áreas de trabalho) e de espaços
teóricos e regras de funcionamento foram definidos mais amplos, explorados pela própria comunidade
partindo do contributo conjugado de várias discipli- (territórios), o que permite ultrapassar a utilização da
nas e técnicas específicas, entre as quais se conta a pedra lascada unicamente como elemento de diag-
etnoarqueologia, o talhe experimental, a análise espa- nóstico cronológico-cultural (através das tipologias)
cial, a análise traceológica e a vulgarização dos ensaios para atingir inferências de ordem paleoeconómica e
de remontagem. paleoetnográfica.
É assumido que os sistemas técnicos são determi- Refira-se que, no contexto teórico da Arqueologia
nados por três elementos fundamentais que condicio- processual, o estudo das cadeias operatórias líticas

praxis ARCHAEOLOGICA
ISSN 1646-1983
170 antónio faustino de carvalho

tem sido um dos recursos para a análise da comple- Outro problema definicional resulta da própria
xidade social, designadamente através da reconstitui- realidade empírica. Numa situação ideal, dever-se-ia
ção do seu fraccionamento espacial (oficinas de talhe aceder à reconstituição de todos os gestos aplicados
especializadas no fabrico de determinados objectos e a todos os nódulos de matéria‑prima que entrem na
seus locais de abandono), da identificação de produ- composição dos conjuntos líticos estudados, proce-
ções normalizadas, da análise de circuitos de trocas e/ dimento que poderia passar pela realização da re-
ou de comércio, e da reconstituição de sequências de montagem física da totalidade das peças recuperadas.
talhe específicas de objectos de prestígio. Estas abor- Porém, essa situação ideal é inatingível por diversas
dagens particulares têm visado, em suma, a identifi- razões: por questões de ordem institucional ou so-
cação de artesãos especialistas e, por consequência, de cial (os custos que a manutenção de laboratórios e de
sociedades pré-históricas hierarquizadas. O advento pessoal técnico orientado para este tipo de estudos
das correntes de pensamento ditas pós-processuais acarreta) e, em primeira instância, por questões que
tem-se feito sentir nos estudos líticos por enquanto se prendem com as limitações inerentes à natureza e
apenas ao nível do simbolismo e dos rituais associá- diversidade do próprio registo arqueológico. Isto é,
veis a determinados objectos ou tipos de rochas par- os conjuntos líticos recuperados em escavação muito
ticulares, considerados de excepção. Segundo Odell raramente correspondem à totalidade das peças ori-
(2001), este tipo de abordagem denota ainda todavia ginalmente abandonadas, seja por constrangimentos
um forte peso das analogias etnográficas, retiradas pós-deposicionais, seja porque não é norma a esca-
principalmente de estudos sobre os aborígenes aus- vação integral do contexto arqueológico; por outro
tralianos. lado ainda, em situações de palimpsesto arqueológico
O conceito de cadeia operatória tem-se prestado, —como o são, em maior ou menor medida, a quase
contudo, a problemas definicionais que decorrem, em totalidade dos contextos— é também praticamente
primeiro lugar, da diversa perspectivação teórica que inviável proceder a ensaios de remontagem de for-
lhe é atribuída, por um lado, pela Arqueologia pro- ma sistemática, mas apenas, quando muito, a ensaios
cessual anglo-saxónica e, por outro, pela Arqueologia
pontuais e remontagens parciais. Por estas razões, são
francesa (para uma explicitação destas diferenças, ver
raros os casos de aplicação do método das remonta-
Sellet, 1993). O principal objectivo da primeira tem
gens líticas com elevado grau de sucesso. Excelentes
sido o estudo da organização dos sistemas líticos, por
exemplos na investigação portuguesa de ensaios de
exemplo ao nível das estratégias de planificação tec-
remontagem com importantes resultados para o co-
nológica e económica, as quais tiveram a sua mais
nhecimento, não só dos processos de talhe da pedra,
expressiva definição no estudo já clássico de Binford
como também da organização espacial interna dos
(1979) sobre o que o autor designou por “tecnologias
curadas”; em França, onde o termo “chaîne opératoire” respectivos contextos arqueológicos —ou seja, na
nasceu, o estudo das cadeias operatórias tem procura- interpretação paleoetnográfica dos mesmos—, são os
do atingir sobretudo o nível conceptual e as implica- casos das ocupações gravettenses da Lapa do Anecrial
ções paleossociais que elas encerram (identificação de (Zilhão, 1997; Almeida et al., 2007) e do Abrigo do
“métodos” e “conceitos” de talhe, busca de tradições Lagar Velho (Almeida, 2003), no Maciço Calcário
tecnológicas, determinação dos níveis de tecnicida- Estremenho, ou das ocupações epipaleolíticas da
de dos indivíduos e de aspectos neurofisiológicos e Barca do Xerez de Baixo (Araújo e Almeida, 2007),
cognitivos, etc.). Interessantemente, porém, nota-se no vale do Guadiana.
neste início de século uma certa convergência entre Além das limitações de índole mais prática, têm-
ambas as perspectivas, de que é eloquente testemu- se colocado também problemas relacionados com as
nho a edição de Março do corrente ano do Journal of escalas de abordagem do conceito, pelo que a expres-
Archaeological Method and Theory (volume 15, n.º 1), são “cadeia operatória” tem sido mais correntemente
integralmente consignado a questões de habilidade e utilizada com dois principais significados distintos:
de aprendizagem artesanal na produção lítica, sem a 1) Como referência à totalidade das acções téc-
colaboração de qualquer autor francófono... nicas documentadas num dado conjunto líti-

praxis ARCHAEOLOGICA
ISSN 1646-1983
o talhe da pedra na pré-história recente de portugal 1 171

co (significado amplo), ao qual, por exemplo, nomia de debitagem e a classificação tipológi-


Zilhão (1997) atribui a designação de “econo- ca da utensilagem.
mia da pedra”; ou • A reconstituição do sistema tecnológico de
2) Como referência às acções técnicas que visam produção lítica pode ser considerado o último
a produção em particular de um determina- dos níveis de abordagem a que se tem vindo a
do tipo de suportes ou de utensílios retocados fazer referência. Trata-se de sistematizar, a uma
(significado restrito). determinada escala geográfica e cronológica,
No sentido de conseguir definições mais circuns- os resultados das comparações empreendidas
critas, estruturadas ao longo de uma hierarquia pró- entre os conjuntos líticos provenientes de di-
pria que organize e determine os respectivos níveis versos contextos arqueológicos. Neste âmbito
de aplicabilidade, diversos autores —principalmente é muito útil a seguinte proposta:
francófonos, mas não só (por exemplo, Karlin, 1991;
Karlin e David, 1999; Geneste, 1991; Julien, 1992; “[n]ós propomos reservar o termo proces-
so para a construção abstracta, realizada a
Pelegrin, 1995; Ploux, 1999; Bleed, 2001)— têm partir de observações convergentes comple-
dissertado sobre a questão e utilizado as expressões tadas por interpretações e eventualmente
que se alinham de seguida. Assim: suportadas por verificações experimentais,
• Pode adoptar-se para o termo “cadeia opera- feitas sobre várias cadeias operatórias da
tória” o sentido que lhe é atribuído por Julien, mesma natureza. Cada cadeia operatória
traduz o desenrolar do talhe de um único
que é o “[...] de reconstituir e ordenar o con-
nódulo de sílex, trabalho realizado por um
junto de acontecimentos que afectaram um artesão pré-histórico. Um processo técnico,
bloco de matéria-prima desde a sua selecção assim elaborado, pode ser traduzido por um
até ao abandono definitivo dos elementos dele modelo de cadeia operatória que apelidare-
provenientes” (1992, p. 174; original francês). mos [...] de esquema técnico porque este é a
imagem através da qual nós, pré-historiado-
Este pode ser considerado o primeiro e mais
res, representamos um conceito intelectual”
elementar nível de abordagem. (Karlin, 1991, p. 111; original francês).
• Como resulta frequentemente impossível,
pelas razões acima aludidas, o isolamento de Processos técnicos são pois, em suma, a justa-
peças resultantes da exploração de nódulos posição de cadeias operatórias individuais que
individuais, a expressão “cadeia operatória”, respondem a objectivos semelhantes e que se
tal como definida, deveria quando muito ser podem traduzir num esquema técnico mode-
empregue no plural, pois um conjunto lítico lo. Estes processos integram, deste modo, um
apresenta sempre a forte possibilidade de co- nível conceptual abstracto e não podem ser
existência de cadeias operatórias distintas. É compreendidos sem referência aos conheci-
em situações deste tipo que se procede a uma mentos tecnológicos do grupo humano sob es-
“remontagem mental” —no sentido que foi tudo, pelo que equivalerão à noção de método
proposto na década de 1990 por vários auto- (e daí a importância da distinção teórica entre,
res— porque resulta impossível discernir, num por um lado, “métodos de talhe” e, por outro,
grupo concreto de materiais, as diferentes ca- “técnicas de talhe”), os quais devem ser enten-
deias operatórias que se vislumbram mas que didos, em última análise, como o resultado da
não se definem rigorosamente devido à baixa tradição tecnológica dessa comunidade.
resolução permitida por esse grupo de mate-
riais. É a um quadro deste tipo (que se pode 3. Terminologia básica e metodologia analítica
designar por nível intermédio de abordagem)
que se referirá o termo de “economia da pe- Como se depreende do funcionamento de uma
dra” atrás referido, ou seja, a articulação entre cadeia operatória, o talhe resulta, desde o início do
a análise da gestão das matérias-primas, a eco- processo ao abandono definitivo dos objectos, na

praxis ARCHAEOLOGICA
ISSN 1646-1983
172 antónio faustino de carvalho

produção de resíduos característicos pertencentes a qualquer interpretação inteligível do conjunto lítico,


—e que testemunham— cada uma das fases que a prestando assim um mau serviço à disciplina.
compõem. Esses resíduos agrupam-se, por cada tipo Portanto, a abordagem mais comummente em-
de rocha, em várias categorias de artefactos empiri- pregue assenta, assim, nas chamadas “remontagens
camente determináveis (núcleos, lâminas, utensílios, mentais”. Para este propósito, pode partir-se do pre-
etc.; ver adiante) cuja triagem e classificação elemen- enchimento de uma matriz de triagem —que distri-
tar permite, desde logo, uma avaliação e caracteriza- bui os artefactos por grandes grupos ou categorias
ção preliminar do conjunto lítico em questão. tecnológicas— a qual permite observar, logo no iní-
A partir desta avaliação e caracterização prelimi- cio do estudo, o tipo e a variação quantitativa (em
nares podem —ou devem— seguir-se dois patamares número e peso) das diferentes matérias‑primas uti-
sucessivos de classificação e de inferência. O primeiro lizadas e a representação absoluta e relativa daquelas
será a classificação detalhada dos atributos específi- categorias. Veja-se, a título de exemplo, a tabela para
cos pertinentes de cada categoria de artefactos (por preenchimento manual reproduzida na Figura 1, a
exemplo, morfologias particulares de núcleos, tipo- qual pode, como é óbvio, ser adaptada a folhas de cál-
logias de talões de lâminas, tipos de retoque de uten- culo de bases de dados informáticas. Como se pode
silagens geométricas, etc.). Estes atributos resultantes observar, a própria estruturação subjacente à matriz
de talhe intencional são interpretados, ou “lidos”, no de triagem procura ordenar as diversas categorias tec-
contexto de uma operação lógica que consiste na sua nológicas de acordo com as principais etapas teóricas
confrontação com as observações que têm vindo a
que compõem as cadeias operatórias das diversas ro-
ser produzidas através do talhe experimental. Numa
chas objecto de talhe. Os artefactos componentes de
perspectiva actualista, estes conhecimentos experi-
cada uma daquelas categorias são depois analisados
mentais são admitidos como sendo equivalentes à re-
a partir dos seus atributos considerados significati-
alidade arqueológica e, logo, utilizáveis na sua inter-
vos —tanto métricos como qualitativos— através do
pretação. Entre outros, são exemplos deste exercício a
preenchimento de matrizes próprias e uniformizadas,
determinação das técnicas de talhe, a identificação de
as quais devem ser construídas em função dos objec-
resíduos particulares, ou mesmo o reconhecimento
tivos concretos do estudo. Exemplos desenvolvidos
de acidentes de talhe.
de critérios de análise tecnológica de artefactos de di-
Para o segundo patamar dedutivo, parte-se da pre-
versos tipos (núcleos, lâminas e lamelas, utensílios ge-
sunção segundo a qual a análise de forma conjugada e
articulada daquelas categorias de artefactos e respec- ométricos, etc.), para realidades arqueológicas portu-
tivos atributos permitirá a identificação das cadeias guesas, podem ser encontrados em Zilhão (1997) ou
operatórias presentes e, por inferência e comparação Carvalho (1998). Uma abordagem integral deste tipo
com outros contextos assim estudados, a reconstitui- —a única que, a par das remontagens físicas, permite
ção dos processos ou esquemas técnicos empregues aceder ao efectivo conhecimento do talhe da pedra—
no talhe da pedra no período cronológico considera- obriga, portanto, a que se tome em consideração a
do. Trata-se, em suma, do exercício mencionado por totalidade dos artefactos líticos, incluindo mesmo os
Karlin (1991), anteriormente citada. Um aspecto es- resíduos de talhe incaracterísticos. Daí a necessidade
sencial na organização e exposição destas inferências imperiosa, apontada no início do presente texto, de
é, como referido, a boa conjugação e articulação entre se proceder à recolha sistemática dos artefactos líticos
as diversas observações, para que estas se tornem inte- durante a escavação arqueológica.
ligíveis no próprio quadro da dinâmica e da comple- Como se pode verificar, a matriz da Figura 1 em-
xidade de gestos e operações inerentes aos processos prega uma terminologia própria, de inspiração bor-
de talhe da pedra em estudo. Dito de outro modo, há desiana (isto é, elaborada e proposta por F. Bordes),
que evitar descrições exaustivas de peças e de atribu- que compreende cinco grandes categorias tecnoló-
tos à maneira de catálogo ou de inventário de museu gicas fundamentais, e que importa definir nos seus
—que, portanto, ninguém lê— porque não avançam traços essenciais:

praxis ARCHAEOLOGICA
ISSN 1646-1983
o talhe da pedra na pré-história recente de portugal 1 173

Figura 1. Exemplo de tabela ou matriz de triagem de artefactos líticos lascados, estruturada de acordo com grandes
categorias tecnológicas (nas linhas horizontais) e respectivos tipos de rochas (nas colunas verticais).

praxis ARCHAEOLOGICA
ISSN 1646-1983
174 antónio faustino de carvalho

1) Material de debitagem; Figuras 2 e 3, traduzidos para português segundo a


2) Núcleos; proposta mencionada.
3) Material de preparação e de reavivamento de Assim, por “material de debitagem” entende-se
núcleos; todo o conjunto de lascas (lato sensu) resultantes do
4) Material residual; talhe de um bloco de matéria-prima, as quais são po-
5) Utensílios retocados. tenciais suportes de utensílios retocados. Porém, é
Refira-se que esta terminologia é retirada de um usual classificar estes produtos em lascas (stricto sensu)
léxico acompanhado de ilustrações publicado há e em lâminas/lamelas, dependendo da sua morfolo-
quase três décadas no já clássico volume I da obra gia concreta. Deste modo:
Préhistoire de la Pierre Taillée, redigido por Tixier e • Considera-se lasca um produto de debitagem
colaboradores (1980, p. 71-106) e intitulado “termi- com comprimento menor que o dobro da sua
nologie et technologie”. Este léxico viria depois a ser largura, independentemente das dimensões
novamente publicado no volume IV da mesma co- em causa (as lascas com comprimento inferior
lecção, “technologie de la pierre taillée” (Inizan et al., a 1 cm são classificadas como esquírolas e, por-
1995, p. 133-163), mas com novas entradas e segui- tanto, incluídas no “material residual”);
do de um vocabulário multilingue com uma tradução • Consideram-se lâminas ou lamelas produ-
portuguesa, da autoria de L. Raposo. Ambas as obras tos de debitagem com comprimento maior
citadas —que, refira-se, se constituem como autên- ou igual ao dobro da sua largura —por vezes
ticos manuais introdutórios ao estudo do talhe da denominadas globalmente sob a expressão
pedra— incluem também figuras com os principais “produtos alongados”— distinguindo-se, por
termos descritivos de núcleos e de lascas, entre outros convenção, as primeiras das últimas pela sua
artefactos, que se reproduzem, respectivamente, nas largura maior ou igual a 12 mm ou, alterna-

Figura 2. Principais termos descritivos para núcleos (segundo Inizan et al., 1995, fig. 20; adaptado).

praxis ARCHAEOLOGICA
ISSN 1646-1983
o talhe da pedra na pré-história recente de portugal 1 175

Figura 3. Principais termos descritivos para lascas lato sensu (segundo Inizan et al., 1995, fig. 5; adaptada).

tivamente, através da busca de agrupamentos outros tipos; neste sentido, entende-se por prismá-
naturais no seio dos conjuntos líticos em estu- tico todo o núcleo que manifeste a presença de uma
do. (ou mais) plataforma intencionalmente seleccionada,
É importante também estabelecer-se a distinção utilizada de forma recorrente para a extracção de pro-
das lascas de acordo com a presença de córtex, o que dutos segundo arestas-guia, dando origem à forma-
resulta na definição de lascas corticais (percentagem ção de negativos dispostos de forma paralela em pelo
do anverso da peça coberto por córtex: ≥90%), lascas menos uma das faces do núcleo, mesmo que este não
parcialmente corticais (10-90%) e lascas não cor- forme um poliedro regular.
ticais (≤10%). Note-se que, no caso das peças com Directamente relacionadas com os modos de ex-
anversos corticais, esta categoria poderá corresponder ploração dos núcleos estão duas categorias de artefac-
na realidade a material produzido no âmbito da con- tos que se podem reunir sob as designações de “mate-
formação de núcleos, devendo por isso ser entendida rial de preparação” e “material de reavivamento”. Por
enquanto “material de preparação”. facilidade de organização, e porque frequentemente
Uma definição de “núcleo” pode ser a seguinte: perfazem efectivos muito reduzidos nos conjuntos
“bloco de matéria-prima de onde se retiraram lascas, líticos, estas categorias surgem agrupadas na matriz
lâminas ou lamelas tendo em vista a obtenção de ilustrada na Figura 1. Não obstante, indicam‑se aqui
suportes para utensílios” (Tixier et al., 1980, p. 93; as definições dos três tipos de artefactos mais co-
original francês). Este grupo de artefactos deve ser muns:
dividido em vários subtipos morfológicos, os quais • Crista: “termo que se aplica à conformação
corresponderão em princípio a diferentes estratégias —ou reconformação— de um núcleo tendo
de talhe. Para o caso das indústrias paleolíticas e neo- em vista a debitagem de lâminas (ou de lame-
líticas, vejam-se, respectivamente, as propostas avan- las). Trata-se de criar uma aresta, por levan-
çadas por Zilhão (1997) e Carvalho (1998). Como tamentos frequentemente bifaciais, limitados
se observa nestas propostas, existe uma importante por duas séries de contra-bolbos. Esta aresta
diferenciação entre núcleos prismáticos —os quais permitirá extrair, guiando-a, uma primeira lâ-
são muitas vezes associados à produção de lâminas mina: a lâmina de crista, que terá necessaria-
e lamelas— e núcleos não prismáticos, ou seja, de mente uma secção triangular, sendo as duas fa-

praxis ARCHAEOLOGICA
ISSN 1646-1983
176 antónio faustino de carvalho

Figura 4. Esquema de debitagem de lâminas a partir de núcleos de crista. 1.: núcleo conformado através de uma crista;
2a.: primeiro levantamento; 2b.: respectiva lâmina de crista; 3a.-4a.: segundo e terceiro levantamentos; 3b.-
4b.: respectivas lâminas com traços de uma parte da preparação da crista; 5.: preparação, numa única face,
de uma crista durante a debitagem do núcleo; 6a.: levantamento da referida crista; 6b.: respectiva crista
(segundo Inizan et al., 1995, fig. 61; adaptada).

praxis ARCHAEOLOGICA
ISSN 1646-1983
o talhe da pedra na pré-história recente de portugal 1 177

ces do seu anverso a parte removida da crista” um utensílio. Retocar é, então, afeiçoar, transformar
(Tixier et al., 1980, p. 82-83; original francês) intencionalmente um suporte debitado ou não. Os
(ver esquema diacrítico da Figura 4); retoques —ou o retoque— são os traços deixados
• “Tablette”: “lasca característica que correspon- por esta acção” (Tixier et al., 1980, p. 103; original
de ao reavivamento de um plano de percussão francês). Numa segunda análise, podem-se admitir
ou de pressão de um núcleo” (Ibid., 1980, p. também como utensílios os artefactos em que se ob-
104; original francês); serve —por vezes a olho nu, mas de preferência com
• “Flanco” de núcleo: “lasca característica que recurso a análises traceológicas— marcas particulares
corresponde ao reavivamento da superfície de- designáveis por “sinais de utilização”. Neste caso, as
bitada de um núcleo prismático, conservando peças inserem-se na categoria dos “utensílios a poste-
riori”, tal como proposto por Bordes (1961) a propó-
no anverso negativos de extracções paralelas
sito das pontas levallois.
segundo arestas-guia e parte da cornija do nú-
Não cabe aqui apresentar listagens tipológicas,
cleo” (Carvalho, 1998, p. 22).
pela extensão de texto que isso implicaria e, sobretu-
Como a própria designação implica, por “material
do, porque a sua aplicação a realidades para as quais
residual” entende-se todo o conjunto de artefactos
não foram construídas acarretaria sempre a neces-
que resultam do próprio talhe —por acidente ou por sidade de se proceder à sua adaptação. De facto, as
não ter sido o objectivo do mesmo— ou do fabri- duas únicas tipologias líticas existentes para realida-
co de utensílios retocados. No primeiro caso, estão des portuguesas e com carácter apriorista —isto é,
peças como as esquírolas ou os fragmentos informes que não se cingem apenas à estruturação interna de
que não se consigam atribuir a qualquer categoria de um único conjunto lítico em particular— resultam,
objectos; no segundo, poderão estar, atendendo uni- quer da adaptação, quer da inspiração em propostas
camente e a título de exemplo, aos casos constantes anteriores. Trata-se da adaptação da lista tipológi-
da Figura 1: ca de Sonneville-Bordes e Perrot (1954-56) para o
• “Bâtonnets”: resíduos resultantes do fendi- Paleolítico Superior, adaptação que foi levada a cabo
mento longitudinal acidental de núcleos bipo- por Zilhão (1997) essencialmente através da adição
lares durante a debitagem; e definição de novos tipos, e da lista-tipo simplifi-
• Resíduos de golpe de buril: resultantes do cada criada para o Neolítico antigo da Estremadura
procedimento particular utilizado no retoque portuguesa (Carvalho, 1998), a qual foi entretanto
de buris; objecto de alterações pontuais e de aplicação a outras
• Microburis: resíduos resultantes da fragmen- realidades regionais.
tação intencional de lamelas para a obtenção No respeitante ainda aos utensílios retocados, é
de geométricos (ver esquema diacrítico da importante salientar a distinção fundamental entre
Figura 5). utensilagem dita de “fundo comum” e “armaduras”, a
Por “utensílio retocado” considera-se, em primeira qual é definida pelo G.E.E.M. nos seguintes termos:
análise, qualquer lasca (lato sensu) apresentando ne-
“distinguimos a utensilagem «do fundo comum»:
gativos de levantamentos posteriores à sua extracção raspadeiras, lascas retocadas, furadores, peças com
em que se possa deduzir não terem sido transforma- entalhes, com truncaturas, etc..., eventualmente
das em utensílios as peças daí extraídas (estaríamos microlítica, e as ‘armaduras’ microlíticas, geralmen-
neste caso perante núcleos sobre lasca), ou qualquer te realizadas a partir de uma lâmina ou lamela del-
bloco talhado em que se observe que o objectivo do gadas: lamelas de bordo abatido, pontas diversas,
segmentos, triângulos, trapézios. Estas três últimas
talhe não era unicamente o de produzir lascas mas formas são agrupadas sob a expressão: micrólitos
também o de conseguir gumes ou superfícies úteis. geométricos” (G.E.E.M., 1969, p. 356; original
Ou seja, esta definição implica a noção de “retoque”, francês).
o qual se definirá do seguinte modo: “um retoque
é um levantamento, ou uma série de levantamen- Com efeito, as armaduras são usualmente tidas
tos específicos, praticado com o objectivo de obter como a componente com o mais evidente cunho cro-

praxis ARCHAEOLOGICA
ISSN 1646-1983
178 antónio faustino de carvalho

Figura 5. Técnica do microburil. Esquema de obtenção de um microburil (4a.) e de um ápice triédrico (4b.) por percussão ou
pressão aplicada sobre o bordo de uma lâmina assente em bigorna (1., 2., 3.). Obtenção, através desta técnica, de uma
ponta de dorso (ou de bordo abatido) e de um ápice triédrico distal (5.) ou proximal (6.), e de um trapézio, um segmento
e um triângulo (7., 8., 9.). Esquema de obtenção de um triângulo e de um trapézio a partir da mesma lâmina (10.); de
cima para baixo: microburil distal, triângulo, microburil duplo, trapézio, microburil proximal (segundo Inizan et al.,
1995, fig. 33; adaptado).

praxis ARCHAEOLOGICA
ISSN 1646-1983
o talhe da pedra na pré-história recente de portugal 1 179

nológico e cultural das utensilagens retocadas, o que para fornecer as aptidões e o treino suficientes para o
tem justificado a particular atenção de são objecto reconhecimento, classificação e análise de artefactos
nos estudos líticos do Paleolítico e períodos poste- líticos.
riores. Para além dos manuais referidos nas páginas an-
teriores (Tixier et al., 1980; Inizan et al., 1995), os
4. Conclusão quais fornecem de uma forma muito completa e
didáctica os rudimentos da análise lítica, para um
As sugestões metodológicas e o enquadramento ponto da situação da teoria, metodologia e aplicações
teórico apresentados neste texto devem ser entendi- desta disciplina no virar do milénio, podem ser con-
dos como uma possibilidade, entre outras. As diferen- sultados os dois artigos sucessivos que Odell publi-
tes escolas existentes a este nível, formadas a partir de cou no Journal of Archaeological Research em 2000 e
pressupostos e contextos epistemológicos distintos, a 2001. Nestes textos, o autor produz balanços muito
transformação permanente das mesmas, e as opções bem conseguidos, ainda que numa perspectiva vinca-
particulares dos diversos investigadores, que resultam damente anglo-saxónica, sobre várias temáticas con-
tanto da sua formação específica como dos seus ob- cretas: aprovisionamento de matérias-primas líticas,
jectos de estudo, são factores impeditivos da criação talhe experimental, paleotecnologia, tipologia e clas-
de uma normalização de procedimentos semelhante à sificação de utensilagens retocadas, análise funcional,
que se pode observar noutras áreas científicas. Assim, e o que apelida de “processos comportamentais”, isto
apenas dois aspectos parecem poder ser tidos como é, alguns dos domínios específicos da investigação
omnipresentes em qualquer estudo lítico: pré-histórica para os quais a análise lítica tem vindo a
1) A importância de se procurar adequar as me- aportar contribuições muito significativas. Entre es-
todologias analíticas às questões concretas que ses domínios, o autor elege e explora sucintamente o
se pretende resolver e à natureza específica do estudo da organização da produção lítica, as questões
conjunto lítico em estudo; e relacionadas com o género em Pré-História, o estudo
2) A utilização correcta e inequívoca da termino- da emergência e desenvolvimento da complexidade
logia descritiva de artefactos —seja de inspi- social, e a abordagem aos aspectos simbólicos e ritu-
ração bordesiana (como a seguida no presente ais dessas sociedades que se materializam ou entrevê-
artigo), laplaciana, ou outra— e dos conceitos em na pedra lascada.
operativos que se adoptem. Exemplos concretos do recurso ao talhe da pedra
Ainda no sentido dos limites com que deve ser en- com aqueles objectivos, levados a cabo sobre realida-
tendido o presente texto, deve ter-se presente que este des pré-históricas do actual território português ou
não é um manual —que, aliás, também não existe— que se poderão constituir como linhas de investiga-
que substitua ou dispense o necessário trabalho ana- ção a desenvolver, serão apresentados noutro artigo, a
lítico de laboratório, sobre uma colecção concreta de publicar nas páginas desta mesma revista (Carvalho,
materiais líticos e com o devido acompanhamento, em preparação).

Bibliografia

ALMEIDA, F. (2003) – Paleotecnologia no Abrigo do Lagar Velho (Leiria): contribuição do método das remontagens
líticas para o estudo tecnológico e paleoetnográfico de uma ocupação gravettense. In MATEUS, J. E.; MORENO-
GARCÍA, M., Eds. − Paleoecologia humana e arqueociências: um programa multidisciplinar para a Arqueologia sob a tutela
da Cultura. Lisboa: Instituto Português de Arqueologia, p. 317-324.
ALMEIDA, F.; ARAÚJO, A. C.; AUBRY, T. (2003) − Paleotecnologia lítica: dos objectos aos comportamentos. In
MATEUS, J. E.; MORENO-GARCÍA, M., Eds. − Paleoecologia humana e arqueociências: um programa multidisciplinar
para a Arqueologia sob a tutela da Cultura. Lisboa: Instituto Português de Arqueologia, p. 299-350.

praxis ARCHAEOLOGICA
ISSN 1646-1983
180 antónio faustino de carvalho

ALMEIDA, F.; BRUGAL, J.-P.; ZILHÃO, J.; PLISSON, H. (2007) – An Upper Paleolithic Pompeii: technology, subsistence
and paleoethnography at Lapa do Anecrial. In IV Congresso de Arqueologia Peninsular. From the Mediterranean basin to
the Portuguese Atlantic shore: papers in honor of Anthony Marks. Faro: Universidade do Algarve, p. 119-139.
ARAÚJO, A. C.; ALMEIDA, F. (2007) – Inland insights into the Macrolithic puzzle: the case of Barca do Xerez de Baixo.
In IV Congresso de Arqueologia Peninsular. From the Mediterranean basin to the Portuguese Atlantic shore: papers in honor
of Anthony Marks. Faro: Universidade do Algarve, p. 185-208.
BICHO, N. F. (2006) – Manual de Arqueologia pré-histórica. Lisboa: Edições 70.
BINDER, D. (1987) – Le Néolithique ancien provençal: typologie et technologie des outillages lithiques. Paris: Centre National
de la Recherche Scientifique.
BINFORD, L. (1979) − Organization and formation processes: looking at curated technologies. Journal of Archaeological
Method and Theory. New York. 3, p. 57-100.
BLEED, P. (2001) − Trees or chains, links or branches: conceptual alternatives for consideration of stone tool production
and other sequential activities. Journal of Archaeological Method and Theory. New York. 8:1, p. 101-127.
BORDES, F. (1961) – Typologie du Paléolithique ancien et moyen. Bordeaux: Delmas.
CAMPS, G. (1979) − Manuel de recherche préhistorique. Paris: Doin Éditeurs.
CARVALHO, A. F. (1998) – Talhe da pedra no Neolítico antigo do Maciço Calcário das Serras d’Aire e Candeeiros (Estremadura
Portuguesa): um primeiro modelo tecnológico e tipológico. Lisboa: Colibri.
CARVALHO, A. F. (em preparação) – O talhe da pedra na Pré-História recente de Portugal. 2.: o estado actual da
investigação. Praxis Archaeologica. Porto. 4.
G.E.E.M. [GROUPE D’ÉTUDE DE L’EPIPALÉOLITHIQUE-MÉSOLITHIQUE] (1969) − Epipaléolithique-
Mésolithique: les microlithes géométriques. Bulletin de la Société Préhistorique Française. Paris. 66, p. 355-366.
GENESTE, J.-M. (1991) − Systèmes techniques de production lithique: variations techno-économiques dans les processus
de réalisation des outillages paléolithiques. Techniques et Culture. Marseille. 17-18, p. 1-35.
INIZAN, M.-L.; REDURON, M.; ROCHE, H.; TIXIER, J. (1995) − Préhistoire de la Pierre Taillée. 4. Technologie de la
pierre taillée. Antibes: Cercle de Recherches et d’Études Préhistoriques.
JUAN-CABANILLES, J. (1984) – El utillaje neolítico en silex del litoral mediterráneo peninsular: estudio tipológico-
analítico a partir de materiales de la Cova de l’Or y de la Cova de la Sarsa. Saguntum. València. 18, p. 49-102.
JULIEN, M. (1992) – Du fossile directeur à la chaîne opératoire. Evolution de l’interprétation des ensembles lithiques et
osseux en France. In GARANGER, J., Ed. – La Préhistoire dans le Monde. Paris: Presses Universitaires de France, p.
163-193.
KARLIN, C. (1991) − Connaissances et savoir-faire: comment analyser un processus technique en Préhistoire: introduction.
In MORA, R.; TERRADAS, X.; PARPAL, A.; PLANA, C., Eds. − Tecnología y cadenas operativas líticas. Barcelona:
Bellaterra: p. 99-124.
KARLIN, C.; DAVID, F. (1999) − Des chasseurs de rennes magdaléniens aux chasseurs de rennes sibériens ou de la chaîne
opératoire à l’enquête ethnoarchéologique. In BRIOIS, F.; DARRAS, V., Eds. − La pierre taillée: ressources, technologies,
diffusion. Toulouse: École des Hautes Études en Sciences Sociales, p. 35-42.
LEROI-GOURHAN, A. (1984a) – Evolução e técnicas. 1. O Homem e a matéria. Lisboa: Edições 70.
LEROI-GOURHAN, A. (1984b) – Evolução e técnicas. 2. O meio e as técnicas. Lisboa: Edições 70.
ODELL, G. H. (2000) – Stone tool research at the end of the millennium: procurement and technology. Journal of
Archaeological Research. New York. 8:4, p. 261-331.
ODELL, G. H. (2001) – Stone tool research at the end of the millennium: classification, function, and behaviour. Journal
of Archaeological Research. New York. 9:1, p. 45-100.
PELEGRIN, J. (1995) − Technologie lithique: le Châtelperronien de Roc-de-Combe (Lot) et de la Côte (Dordogne). Paris:
Centre National de la Recherche Scientifique.
PLOUX, S. (1999) − Les questions de savoir-faire: une histoire de processus. In BRIOIS, F.; DARRAS, V., Eds. − La pierre
taillée: ressources, technologies, diffusion. Toulouse: École des Hautes Études en Sciences Sociales, p. 43-48.
SONNEVILLE-BORDES, D.; PERROT, J. (1954-56) – Lexique typologique du Paléolithique Supérieur. Bulletin de la
Société Préhistorique Française. Paris. 51, p. 327-335; 52, p. 76-79; 53, p. 408-412, 547-559.
SELLET, F. (1993) − Chaîne operatoire: the concept and its applications. Lithic Technology. Tulsa. 18:1-2, p. 106-112.

praxis ARCHAEOLOGICA
ISSN 1646-1983
o talhe da pedra na pré-história recente de portugal 1 181

TIXIER, J.; INIZAN, M.-L.; ROCHE, H. (1980) − Préhistoire de la Pierre Taillée.1. Terminologie et technologie. Antibes:
Cercle de Recherches et d’Études Préhistoriques.
ZILHÃO, J. (1997) − O Paleolítico Superior da Estremadura Portuguesa. Lisboa: Colibri.

Resumen: Ante la práctica inexistencia de bibliografía en portugués especializada en el estudio de la talla de


la piedra y las lagunas que aparecen en este capítulo del estudio de la Prehistoria reciente, el texto que aquí
se presenta, con un carácter de introducción, pretende suministrar algunas indicaciones metodológicas y la
definición de alguna de la terminología y de los conceptos más usuales de esta disciplina.

Palavras-chave: Industria Lítica; Prehistória reciente; Portugal; Metodología; Terminología.

Abstract: Since there isn’t virtually any specialized bibliography in Portuguese for the study of stone knapping
and given the deficiencies observed in this specific branch of the research on the Late Prehistory, the paper
we now present is an introductory essay on the methodology, the concepts and the terminology used on the
study of lithics.

Keywords: Lithics; Late Prehistory; Portugal; Methodology; Terminology.

praxis ARCHAEOLOGICA
ISSN 1646-1983

Вам также может понравиться