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A redução teleológica no ordenamento

jurídico português: Análise de jurisprudência


Sérgio Coimbra Henriques
Licenciado em Direito, Pós-graduado em Direito do Trabalho e da Segurança Social, Mestre em Ciências
Jurídicas Empresariais, frequenta o Doutoramento em Direito Privado na Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa, sendo actualmente bolseiro da Fundação para a Ciência e Tecnologia (Portugal).
E-mail: <sergiomchenriques@gmail.com>.

Resumo

A verificação de uma discordância entre o resultado da interpretação da lei no caso concreto e a finali-
dade desta coloca problemas interpretativos. A admissibilidade da redução teleológica, desconsideran-
do o elemento textual da interpretação, nunca poderá constituir uma forma de o intérprete ultrapassar
os limites impostos pelo próprio sistema, em busca de uma solução do caso concreto radicada na sua
percepção, com a qual se procura substituir ao legislador. Para comprovar este pressuposto metodo-
lógico, são analisadas diversas decisões dos tribunais portugueses que aplicam a redução teleológica.
Palavras-chave: Interpretação da lei. Redução teleológica. Análise jurisprudencial.

1 Introdução1 namento jurídico português e à luz dos contribu-


tos da sua jurisprudência.
Partimos, para o efeito, de um conjunto de
Ao longo da história, sempre foi decisiva
considerações sobre o tema, construindo uma
a função da jurisprudência para fazer evoluir o
base conceptual que será depois arremetida con-
direito e adaptá-lo a novas realidades. O direi-
tra exemplos da efectiva aplicação da redução te-
to não encontra no texto escrito da lei uma mera
leológica pelos tribunais portugueses. Esse exercí-
ou perfeita correspondência, pois o papel do juiz
cio de análise jurisprudencial procura ilustrar se
não se reduz a uma mera dedução lógica a partir
de conceitos ou à subsunção dos factos na lei. A existe concordância quanto ao entendimento so-
verificação de uma discordância entre o resultado bre a função da redução teleológica, assim como
da interpretação no caso concreto e a finalidade, da sua relação com o conceito de lacuna, tal como
escopo, propósito ou espírito de determinada lei está é afirmada por essas decisões. Pela proximi-
coloca questões e problemas interpretativos que dade da redução teleológica com outros processos
importa aprofundar. Propomos analisar e densi- interpretativos (e integrativos) da lei, não surge
ficar o conceito de redução teleológica, enquanto clara, no ponto de partida, a concreta frontei-
pressuposto metodológico da interpretação (e in- ra que a delimita. É especialmente importante a
tegração) da norma jurídica, no contexto do orde- diferenciação deste conceito face à interpretação
1 Lista de abreviaturas: CC Código Civil Português;
restritiva, tal como realizada neste texto, quer por
FDUL Faculdade de Direito da Universidade de se verificar essa proximidade entre a forma de
Lisboa; Ob. cit. Obra citada; Proc. Processo; RJccg actuação dos institutos, quer por a sua destrinça
Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais; permitir melhor explicitar ambos os conceitos.
ROA Revista da Ordem dos Advogados Portugue-
sa; STJ Supremo Tribunal de Justiça; TCA Tribu- Ambos os mecanismos procuram, de forma
nal Central Administrativo Sul; TRC Tribunal de distinta embora próxima, a correcção do resulta-
Relação de Coimbra; TRG Tribunal da Relação de do da interpretação. A essencial diferença residirá
Guimarães; TRL Tribunal da Relação de Lisboa;
TRP Tribunal da Relação do Porto. no entendimento de que, por recurso à redução

Revista Brasileira de Direito, 12(1): 141-162, jan.-jun. 2016 - ISSN 2238-0604 141
DOI: 10.18256/2238-0604/revistadedireito.v12n1p141-162
S. C. Henriques

teleológica, será possível ir para além do significa- e integração estabelecidas pelo próprio ordena-
do literal possível (algo que a interpretação restri- mento. Sentido e alcance normativo esse dirigi-
tiva não admite). Pelo caminho, como não poderia do à resolução de um caso que necessita de uma
deixar de ser, são ilustrados os riscos metodológi- solução jurídica. Pois aplicar o direito é, funda-
cos associados à redução teleológica2, assim como mentalmente, interpretá-lo5. Quando o legislador,
se tentam delimitar os estritos limites a que o re- usualmente adstrito à necessidade de formulações
curso a essa forma de interpretação (integração) genéricas e abrangentes, emite uma prescrição
obedece. Como é fácil de antever, o abandono de demasiado lata, em que inclui casos que não teria
uma correspondência mínima com o elemento li- englobado se tivesse tido a capacidade de consi-
teral da lei corresponderá, quase sempre, a uma derar as consequências nocivas dessa construção,
interpretação ab-rogante dos preceitos. No entan- cabe ao intérprete a restrição do âmbito da lei para
to, é nosso intuito perceber se existe um espaço, evitar esses resultados nefastos.
característico de situações de considerável excep- Por outras palavras, quando a aplicação da
cionalidade, em que no caso concreto, ao invés de lei a certas categorias de casos, que não são os que
uma interpretação ab-rogante, se realiza o fim do ditaram a regra, vai contra o bem comum, é ne-
direito, assim como a finalidade ou escopo das cessária a restrição, por via interpretativa, do cam-
normas legais, por um processo interpretativo po de aplicação de uma norma. O mesmo se diga
deste tipo3. sobre o surgimento de novas situações concretas,
decorrentes da constante evolução social, cultural
e tecnológica, que venha obrigar a essa mesma res-
2 A interpretação da lei e a trição da lei, por parte do intérprete, por motivo
redução teleológica da sua excessiva abrangência. Cabe aos Tribunais,
enquanto órgãos de soberania meramente sujei-
tos à lei, superar uma relação de mera vinculação
Constituindo as normas jurídicas um im- ao conjunto de normas jurídicas vigentes quando
perativo geral e abstracto, devidamente inseridas esse desenvolvimento lhe seja exigido. Dito isto,
numa matriz sistemática e munidas de uma vin- sublinhe-se que é pacífica a aceitação da natureza
culatividade que decorre da sua pretensão de va- excepcional de tal actuação6 e a existência de li-
lidade4, valorizam entre si os interesses que con- mites claros. Importa de sobremaneira a validade
flituam em determinada situação, assim como os normativo-jurídica do concreto juízo decisório, o
diversos interesses que procuram disciplinar. As que pressupõe o afastamento da possibilidade de
normas jurídicas funcionam de forma conjunta, juízos discricionários7. Interpretar é distinto de
operando o sistema como um todo. Dada a neces- legislar, pressupondo limites diferentes. A decisão
sária interacção de cada norma com o sistema na dos casos difíceis tem de ser sustentada e funda-
sua totalidade – a norma jurídica não funciona mentada (pretende-se: justificada) nos princípios
isoladamente - a interpretação da lei ultrapassa, jurídicos fundamentais inerentes ao ordenamento
sempre que necessário, a mera declaração do seu que, intrinsecamente, a limitam.
conteúdo ou a descoberta de uma putativa vonta- Esta actuação excepcional tem de ser con-
de do legislador. Enformadas por uma difusa con- forme de um ponto de vista sistemático, pelo que
cepção de justiça, as valorações contidas na nor- amplamente fundamentada e decorrente da in-
ma, que se pretendem coerentes, apresentam-se, suficiência (assim não pretendida pelo legislador)
desde logo, como um enunciado linguístico que
carece de interpretação. Dele se retirando deter- 5 Cfr. LEGAZ; LACAMBRA. Filosofia del derecho,
apud SANTOS JUSTO, A. Introdução ao Estudo do
minado sentido e alcance. Estabelecendo-se, no Direito, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 324.
momento da interpretação, qual a combinação 6 As circunstâncias excepcionais podem sempre fa-
mais adequada de variáveis, de entre as admis- zer a diferença e nenhuma ressalva teórica pode
ser feita para as mesmas, pois um novo contexto
síveis, por aplicação das regras de interpretação pode obrigar a reinterpretar o anterior. Cfr. ANS-
2 E as muitas reservas apresentadas pela doutrina à COMBE, G. S. M. “Modern Moral Philosophy” in
sua admissibilidade. Virtue Ethics, Oxford University, 1997, p. 29.
3 Tal como ilustramos ao longo do texto, este aparen- 7 Pois a proibição da discricionariedade judicial não é
ta ser o entendimento da jurisprudência portugue- uma proibição de interpretar, Cfr. STRECK, Lenio
sa, por diversas vezes afirmado. Luiz “O problema da decisão jurídica em tempos
4 Cfr. BAPTISTA MACHADO, J. Introdução ao Di- pós-positivistas”, Revista da Faculdade de Direito
reito e ao discurso legitimador, Coimbra, Almedina, da Universidade de Lisboa, Coimbra, Coimbra Edi-
1993, p. 217. tora, 2012, pp. 241, 253 e ss.

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das normas aplicáveis a determinado caso. Ape- miríade de situações possíveis é insusceptível de
nas se admitindo uma decisão que, sob este pris- uma plena apreensão por este ou da previsão ex-
ma, não pode ser entendida como resultante da pressa de todos os casos possíveis. Acresce ainda
discricionariedade de um qualquer julgador, mas que o legislador pode, intencionalmente, ter omiti-
sim da vinculação deste ao próprio ordenamento, do a determinação de uma qualquer norma jurídi-
tal como este foi construído pelo legislador. ca, preferindo deixar a resolução desses casos aos
Devendo em geral a decisão judicial ser ima- órgãos aplicadores do direito13. Prevendo a própria
nente à lei, pode ultrapassá-la se tal se justificar, lei as regras da sua interpretação, importa ainda
sem que, com isso, o Tribunal possa desconside- pergunta se é possível, verdadeiramente, falar em
rar, em absoluto, a teleologia inerente a esse con- lacunas. Dado que a regras a aplicar no caso da sua
junto8. Inversamente, não faria sentido que um verificação são previstas, de forma expressa, pelo
Tribunal se abstivesse de julgar determinada cau- conjunto das normas jurídicas vigentes, podemos
sa porquanto esta não se encontrava expressa ou estar meramente perante situações em que a lei,
devidamente ponderada pelo conjunto das nor- apesar do seu silêncio, providencia os critérios ne-
mas jurídicas vigentes9. O ordenamento jurídico cessários à interpretação e integração destas.
circunda a vida social, não tolerando que algum Larenz, partindo do exemplo de uma omis-
campo desta se encontre desprovida do direito são da lei que veio depois a ser regulada por ins-
se tal for relevante, pelo que a sua incompletude trumento normativo expresso num sentido díspar
será, na maior parte dos casos, aparente. O pró- do que seria expectável da consideração do siste-
prio sistema, a que corresponde o ordenamento ma como um todo, coloca a problemática com
jurídico como um todo, contém as ferramentas considerável clareza: “a regra legal carece aqui de
necessárias à resolução das suas eventuais limita- uma restrição não contida na lei e não compatível
ções. A aplicação de determinada norma por ana- com o sentido literal possível, cuja ausência pode
logia (uma das formas de responder a esse puta- igualmente considerar-se uma “lacuna”. “Lacuna”
tivo vazio), por exemplo, pressupõe que os factos e “silêncio da lei” não são, portanto, pura e sim-
equiparáveis devem ter equiparável regulamenta- plesmente o mesmo”. O conjunto das normas ju-
ção. Se o ordenamento já engloba uma disciplina rídicas vigentes tem de ser comunicado aos seus
jurídica geral da qual seja possível inferir a disci- destinatários e enquadrado à luz da totalidade
plina dos casos afins, a mesma deve ser alcançada que esse conjunto representa (apenas assim se
de forma a gerar a harmónica igualdade, propor- assegurando a inexistência de contradições entre
ção e paralelismo entre relações semelhantes10. elas)14. O intérprete não é, portanto, mero arauto
Assim se compreende que, como ensina La- do texto da lei. A sua função é interactiva, sendo
renz, apenas exista uma lacuna quando o conjunto a mutabilidade, face ao caso concreto, caracterís-
das normas jurídicas vigentes (de origem legal ou tica da interpretação.
consuetudinária), aplicáveis quer directa, quer in- As circunstâncias de execução do acto in-
directamente, não concedam resposta a um caso terpretativo não são despiciendas. Talvez por isso
concreto11. Existe uma “incompletude contrária seja curial afirmar a importância da interpretação
ao plano do Direito”12. A, inevitável, verificação de feita pelos juízes, intérpretes, em última análise,
lacunas decorre da imprevisibilidade própria do do referido conjunto das normas jurídicas vigen-
mundo a que o legislador procura aplicar a lei. A tes na sua aplicação ao caso concreto, produzin-
do decisões em que, perante factos, expõem a
8 Reforce-se: O desenvolvimento judicial do direito
tem limites; quando a solução exigida (exigível) sua fundamentação e as razões que a sustentam.
não se puder fundamentar unicamente em con- Apenas neste momento se opera, verdadeiramen-
siderações jurídicas (ainda que meramente teleo- te, a necessária diferenciação entre o pensamento
lógicas), será necessária uma solução política. Cfr.
SANTOS JUSTO, A., ob. cit., pp. 368-370. 13 Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, José De, O Direito
9 Isto mesmo resulta do art. 8.º do Código Civil, en- - Introdução e Teoria Geral, 11.a ed., Coimbra, Al-
quanto corolário de um princípio de proibição de medina, 2001, pp. 378, 383 e SANTOS JUSTO, A.,
denegação de justiça. ob. cit., p. 351.
10 Cfr. FERRARA, Francesco. Ensaio Sobre a Teo- 14 Existem silêncios da lei que verdadeiramente ex-
ria da Interpretação das Leis. Trad. Domingos de pressam a intenção do legislador de procurar blin-
Andrade. Coimbra, Arménio Amado, 1987, p. 158. dar a aplicação de soluções por analogia. Nesta
11 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do direito, Trad. situação a hipótese contemplada é a única a que se
José Lamego, Fundação Calouste Gulbenkian, 7.ª aplica o preceito legal, não se admitindo o recur-
Ed., 2014, p. 524. so à analogia, cabendo ao intérprete igualmente
12 Cfr. BATISTA MACHADO, J., ob. cit., p. 194. identificar essas situações.

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legislativo e a sua componente histórica. Até cer- literal (relativo ao sentido da letra da lei, devendo
to ponto, deve o juiz, não desconsiderando essa esta, na generalidade das situações, actuar como
componente, encontrar a intenção daquele que le- limite para os outros elementos)20, histórico, siste-
gislou, adequando-a ao conjunto das normas jurí- mático e teleológico (que respeita à finalidade da
dicas vigentes15. No art. 9.º, o CC impõe uma recu- lei). Nessa medida, a regra jurídica, enquanto re-
sa do objectivismo puro, exigindo que o intérprete sultado da interpretação, afasta-se do legislador,
considere o pensamento legislativo (voluntas le- valendo de uma forma adequada ao contexto so-
gis), temperando-o com a ponderação da unidade cial, económico e cultural relevante no momen-
do sistema jurídico no seu todo, para alcançar o to. A função da lei, o propósito e finalidade que
significado objectivo da lei16. Sem por isso abdicar
20 Neste ponto cumpre indicar, desde já, a existência
de lhe exigir a importância do elemento histórico de críticas à ideia de que seja admissível o aban-
e da actualidade do momento interpretativo. Não dono de uma correspondência, ainda que tangen-
se verificando uma prevalência da interpretação cial, com a letra da lei. OLIVEIRA ASCENSÃO
afirma não se encontrar qualquer margem, na
literal17, o legislador expressa-se no sentido de que presença das disposições do CC, para esse afas-
a conclusão passível de resultar da literalidade tamento, censurando o denominado uso alterna-
nem sempre é adequada ao espírito18 da lei. tivo do direito, enquanto forma de ampliação do
espaço democrático e de resposta, no momento
Daí que se pergunte, acima de tudo, como da aplicação do direito, às lacunas e imprecisões
é que a lei deve ser interpretada (por oposição a do ordenamento jurídico; ainda que com o intuito
aceitar, sem mais, a forma como esta efectivamen- de tutelar, em especial, minorias e franjas da so-
ciedade especialmente ameaçadas, centrando essa
te é interpretada). Parece-nos adequada a concep- aplicação numa putativa “justiça das soluções”, na
ção de que a interpretação procura, em primeiro justiça do caso concreto. Na sua opinião, a consi-
lugar, a reconstituição do significado objectivo da deração da existência de uma injustiça do conteú-
do como fundamento para o afastamento do di-
lei. Dito isto, é certo que, no caso concreto, pode reito positivo deve ser minorada, porquanto deve
ser necessário recorrer a outros elementos que o prevalecer o recurso à interpretação sistemática da
complementem19. Englobam-se aqui os elementos ordem jurídica vigente, baseada nos princípios e
cláusulas gerais intrínsecas ao sistema, mediante
15 Indo para além da mera busca da ratio legis; rea- os quais se torna possível as soluções justas de um
lizando a ponderação de interesses sociais e prin- ponto de vista simultaneamente social e jurídico.
cípios ou valores que a determinaram (fundamen- Pugnar pelo contrário obrigaria à arbitrariedade,
taram). prevalecendo as particulares sensibilidades do jul-
16 Cfr. SOUSA, Miguel Teixeira De. Introdução ao gador à unidade do sistema (e não, como poderia
Direito, Coimbra, Almedina, 2012, p. 347, BATIS- parecer à primeira vista, a justiça do caso concre-
TA MACHADO, J.. ob. cit., pp. 179-181, 188-190. to). Essa arbitrariedade em nada contribuiria para
“O Código limita-se a consagrar os princípios que o avanço do Direito, resultante da “construção de
podem considerar-se já uma aquisição definiti- uma ordem racionalmente captável, que tenha
va na matéria, combatendo os excessos a que os capacidade de abranger todos os fenómenos de
autores objectivistas e subjectivistas, têm chega- modo objectivamente comprovável”, e colocado
do muitas vezes. (…) [O] pensamento geral desta em questão pela sua desagregação, resultante da
disposição, pode dizer-se que o sentido decisivo verificação, no sistema, de decisões enformadas
da lei coincidirá com a vontade real do legislador, por critérios e fundamentos não objectivos, ema-
sempre que esta seja clara e inequivocamente de- nados do próprio decisor. Cfr. José De Oliveira As-
monstrada através do texto legal, do relatório do censão, Direito Alternativo, disponível em <http://
diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/
da lei. Quando, porém, assim não suceda, o Códi- Ascensao-Jose-Oliveira-DIREITO-ALTERNATI-
go faz apelo franco, como não poderia deixar de VO.pdf>, afastando as correntes de direito alter-
ser, a critérios de carácter objectivo, como são os nativo que surgem no Direito Brasileiro, este autor
que constam do n.º 3”, LIMA, Pires De; VARELA, afirma que “o sistema, se atuado por juristas de boa
Antunes, in Código Civil Anotado – Volume I, 2.ª formação técnica e com sentido dos valores funda-
Ed., Coimbra Editora, 1979, p. 46. mentais da ordem jurídica, nos pode conduzir mui-
17 Ultrapassadas concepções próprias do séc. XVIII, to longe na eliminação de aspectos chocantes do
Cfr. ALVES, Sílvia. “O espírito das leis – para uma direito constituído”. Pois, no seu entendimento, “o
teoria da interpretação da lei no século XVIII”, absolutismo jurisprudencial é causa de estagnação
Sep.: Rev. da FDUL, vol. XLII, n.º1, Coimbra, do direito, fomentando a impreparação dos juízes e
Coimbra Editora, 2001, pp. 172-277. acabando por beneficiar afinal o forte contra o fraco”
18 A propósito do espírito da lei, cumpre mencionar (in ob. cit. O Direito…, p. 414).
MONTESQUIEU, De L’Espirit des Lois, vol. vá- Aceitando, em grande medida, esta posição, pro-
rios, Paris, Callois, 1979 (reimp.). curaremos demonstrar que a maleabilização do
19 Em diferentes momentos, o significado objectivo sistema tem de resultar unicamente da aplicação
da lei pode, ou não, coincidir com a intenção do le- dos diversos princípios jurídicos ao dispor do in-
gislador. Cfr. SOUSA, Miguel Teixeira De. ob. cit., térprete, pelo que a desconsideração do elemento
pp. 337, 339-340, 343-344, LARENZ, Karl. ob. cit., literal em determinadas situações não implica, ne-
p. 498-450. cessariamente, a arbitrariedade.

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justifica a sua vigência, preenche a sua teleologia. a sua finalidade ou escopo. Correspectivamente,
A ratio legis determina o seu espírito21, porquanto situações existem em que o espírito da norma
apenas através dela se podem conhecer as situa- procurava determinado sentido mas a sua inter-
ções a que esta procura dar resposta. A teleolo- pretação literal gera resultados inesperados, con-
gia repousa na estatuição da lei. Ou seja, naquilo trários aos efectivamente pretendidos. Existindo
que esta permite, proíbe ou obriga (devidamente uma determinabilidade inerente ao elemento li-
sopesado por considerações objectivas e actualis- teral 26, ponderar a redução teleológica obriga a
tas – art. 9.º, n. 1 CC): a sua razão de ser22. Não indagar a admissibilidade de uma interpretação
se poderá olvidar que o legislador realiza, através que desconsidere essa determinabilidade quando
da lei, um fito de obtenção de regulação material- tal seja exigido pela consideração da concreta so-
mente adequada, assim como a prossecução dos lução obtida pela sua aplicação ao caso concreto.
fins objectivos do direito23. Em particular, face a um resultado que ofenda o
Cabe ao intérprete, face ao conjunto das ordenamento jurídico em que a decisão, enquanto
normas jurídicas vigentes24, aplicar os diferentes compaginação de interesses, se iria aplicar. Neste
critérios na medida em que estes se impõem25. A âmbito, designamos duas principais modalidades
título de exemplo, pode o intérprete concluir que a de interpretação: declarativa (existindo coincidên-
interpretação da lei pressupondo a correspondên- cia entre o significado literal e o espírito da lei) ou
cia, ainda que mínima, com a letra da lei o levaria reconstrutiva (em que o intérprete estende ou res-
a uma aplicação concreta que não se conjuga de- tringe o âmbito de aplicação da lei por relação à
vidamente com o espírito da norma. Frustrando sua letra, com a qual mantém uma coincidência,
ainda que mínima – nestas situações efectua, res-
21 O intérprete deve, na medida da sua capacidade, pectivamente interpretação extensiva ou interpre-
enriquecer o conceito de lei, expandindo-o de for-
ma a englobar todas as razões que possam justifi- tação restritiva).
car a atribuição de determinados fins da lei e igual- Todavia, nestas modalidades de interpreta-
mente sopesando o concreto papel dos princípios ção, existe uma regra jurídica aplicável ao caso.
jurídicos, ainda que eventualmente conflituantes, Unicamente, essa regra tem de ser reequaciona-
de forma a que o procedimento argumentativo, tal
como este é aplicado à interpretação da norma de da de acordo com as concretas circunstâncias da
acordo com uma regra semântica, possa assegu- sua aplicação, por poder ser, face aos elementos
rar a vinculação à ordem jurídica. Cfr. ALEXY, relevantes da sua interpretação, desadequada.
Robert. “Interpretação teleológica e vinculação à
lei”, Trad. Miguel Brito Bastos, Revista da FDUL, Diferentemente, a lacuna terá de ser entendida
Coimbra, Coimbra Editora, 2012, pp. 13 e ss.. como uma incompletude insatisfatória no seio de
22 Por todos, Miguel Teixeira De Sousa, ob. cit., p. um todo27. Não consideramos a incompletude de
368, J. Batista Machado, p. 183.
23 Como seja “a manutenção da paz, a justa resolu- uma particular norma jurídica, mas a insuficiên-
ção dos litígios, o “equilíbrio” de uma regulação cia de determinada regulação no seu conjunto,
no sentido da consideração optimizada dos inte- que não contém nenhuma regra aplicável a deter-
resses que se encontram em jogo, a protecção dos
bens jurídicos e um procedimento judicial justo” minado caso. A lacuna existe quando de nenhu-
(Karl Larenz in ob. cit., p. 469). ma fonte do direito possa ser inferida uma regra
24 A interpretação conforme aos princípios impostos para regular um caso28. Essa lacuna pode ser de
pela constituição e pelo direito da união europeia
(na medida em que este prevalece sobre o direito 26 Afirmar que as palavras e expressões são, em re-
nacional) são importantes limites a este exercício gra, ambíguas e imprecisas não quer, porém, dizer
que não procuraremos abordar, de forma indivi- que não tenham significado determinável. Cfr. Ro-
dualizada, no presente estudo. berto Eros Grau, Ensaio e discurso sobre a interpre-
25 A. Menezes Cordeiro propõe, na esteira de Walter tação/aplicação do direito, 3.ª Ed., São Paulo, Ma-
Wiltburg, a ideia de um sistema móvel, em que as lheiros, 2005, p. 219. O significado normativo pode
proposições são substituíveis e intermutáveis uma ser encontrado tomando em consideração a forma
pelas outras, de acordo com um conjunto de di- como o texto se encontra inserido no sistema como
rectrizes básicas que asseguram que essa mobili- um todo. Em certo sentido, a análise pode obrigar
dade não é total. A título de exemplo indica que, a uma perspectiva operacional do sistema, ligado
no domínio da interpretação da lei a vertente sub- ao seu funcionamento. Pois a norma pretende dar
jectiva é especialmente relevante, apenas poden- resposta à finalidade que a originou.
do ser afastada com razões bastantes, o elemento 27 O todo jurídico. Cfr. Karl Engisch, Introdução ao
sistemático assegura a justeza e cientificidade da Pensamento Jurídico, Lisboa, Fundação Calouste
solução e defende a prevalência e importância do Gulbenkian, 3ª ed., 1972, p. 223. Deficiências do
elemento teleológico, porquanto o mesmo assegu- direito legislado ou consuetudinário, apreensíveis
ra a função instrumental do Direito, de realização como falhas da regulamentação jurídica para de-
do escopo da norma (Cfr. Tratado de Direito Civil, terminada situação de facto.
Vol. I, Coimbra, Almedina, 2012, p. 733 e ss). 28 Cfr. SOUSA, Miguel Teixeira De. ob. cit., p. 385.

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diferentes tipos. A denominada lacuna normati- aplicação que é contrária à intenção reguladora
va verifica-se quando o conjunto de normas ju- do legislador34. O art. 10.º CC adianta que a in-
rídicas vigentes não dá resposta a uma pergunta tegração de uma lacuna deve ser enfrentada por
que necessariamente tem que ser respondida para recurso à analogia ou mediante a regra hipotética
a aplicação da lei 29. Já quando a incompletude criada dentro do espírito do sistema. Nesta me-
se verifica a nível de determinada regulação em dida, a incompletude do ordenamento jurídico, a
conjunto, ou seja, nenhuma regra existe para uma nível das suas fontes, é colmatada pela existência
certa questão que, segundo a intenção reguladora de critérios de integração de lacunas (asseguran-
subjacente, precisa de regulação, existe uma lacu- do a consistência e previsibilidade – segurança –
na de regulação30. dessa integração)35. Nesta medida, a interpretação
A verificação de uma imperfeição contrária da lei seria seguida pelo eventual preenchimento
ao plano da lei é distinta de uma falha de políti- de lacunas; analisando as necessidades e inte-
ca legislativa. No segundo caso, os tribunais não resses conexos com o caso concreto ou emitindo,
são chamados para completar a lei. Apenas o le- em último recurso, juízos de valor autónomos. De
gislador poderá reconhecer e corrigir essa falha; modo que os conceitos servem apenas como ins-
tal decorrerá da natureza evolutiva e aberta do trumentos de formulação dos conteúdos dessas
sistema como um todo, amplamente ramificado normas, e nunca para produzir novas soluções36.
e apto a responder às solicitações próprias do trá- Soluções essas adequadas ao espírito da norma,
fego jurídico31. É ilustrativo que o art. 3.º n. 2 do fundado nas mesmas razões de justiça e seguran-
Estatuto dos Magistrados Judiciais32 apenas per- ça jurídica que legitimam a extensão analógica e
mita, a contrario, a abstenção de julgamento com constituí a salvaguarda bastante da certeza do di-
base na falta de lei quanto a casos que não devam reito nesta matéria.
ser juridicamente regulados. Em suma, só haverá Diga-se ainda que a determinação da exis-
lacuna a preencher quando o resultado da inter- tência de lacunas exige sensibilidade apurada,
pretação indicar que o caso omisso não deve ficar sendo especialmente rara as situações que não
à margem do direito, sem regra jurídica apropria- disponham de solução através da interpretação
da 33. Não será expectável, metodologicamente, extensiva, do recurso a cláusulas gerais ou a con-
que o legislador houvesse previsto ou antecipado ceitos indeterminados. O intérprete deverá estar
conhecimentos que estão fora do alcance do seu certo de que se impõe uma solução que, na lei,
círculo de representações, tal como este era de- não tem expressão satisfatória37. As lacunas po-
terminável à data. O surgimento das lacunas em dem ser também ser qualificadas como patentes
momento subsequente à promulgação de uma lei ou ocultas. Quanto às primeiras a lei não estabe-
ou à publicação de um conjunto de normas ads- lece uma regra aplicável ao caso, embora devesse
tritas à regulação de determinado campo de ac- fazê-lo para manter a coerência com a sua própria
tividade, é, portanto, apenas natural, próprio da teleologia. No caso das lacunas ocultas, aparente-
mutabilidade da sociedade. mente não há qualquer lacuna pois a letra da lei
A este propósito é compreensível que se en- abrange o caso, contudo, de acordo com a sua ra-
tenda que os preceitos excepcionais (não só pela tio, não devia fazê-lo. O caso em apreço terá espe-
sua formulação, mas também pela matéria em cificidades não consideradas pela letra da lei e que
causa), não só se hão-de interpretar, com frequên- deviam tê-lo sido, pois justificam um tratamento
cia, restritivamente, mas que pode ser necessário diferente38. Daí que faça falta uma restrição a esta
aplicar-lhes uma redução teleológica no caso de norma que afaste este caso da sua previsão nor-
se manifestarem situações de facto novas que, mativa: nisto consiste a lacuna. Colocam o maior
segundo o sentido literal, são abarcadas por es- desafio ao intérprete as lacunas ocultas; casos em
tes preceitos, numa ampliação do seu campo de 34 BGHZ 17, 266, apud LARENZ, Karl, ob. cit., pp. 538.
29 Cfr. BURCKHARDT, Methode und System des 35 Pelo que, na opinião de alguns autores, se verifica-
Rechts, p. 260, apud LARENZ, Karl, ob. cit., p. 527. ria a incompletude no sistema, mas não a incom-
30 LARENZ, Karl. ob. cit., p. 528. pletude do sistema (Cfr. TEIXEIRA DE SOUSA,
31 Cfr. LARENZ, Karl. ob. cit., , pp. 530, 534-535 Miguel, ob. cit., p. 390).
32 Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, sucessivamente al- 36 Em suma, aderindo a um entendimento próximo
terada, mais recentemente pela Lei n.º 9/2011, de do da jurisprudência dos interesses. Por todos,
12 de Abril. Ecoando, em suma, o art. 8.º, n. 1 CC. Manuel Domingos De Andrade, ob. cit., pp. 83-87.
33 Cfr. DOMINGOS DE ANDRADE, Ensaio sobre a 37 Cfr. MENEZES CORDEIRO, A., ob. cit. (2012),
interpretação das leis, Coimbra, Arménio Amado, pp. 746-747.
1963 (1987), p. 78. 38 Cfr. BAPTISTA MACHADO, J., ob. cit., p. 196.

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A redução teleológica no ordenamento jurídico português…

que uma norma legal, contra o seu sentido literal, sim de uma insuficiência sistemática que carece
mas de acordo com a teleologia imanente à lei, de resposta. Desta forma, nas situações em que a
dos propósitos e decisões conscientemente toma- lei fixa um regime que entra em contradição com
das pelo legislador acrescidos dos fins objectivos o sistema ou com a própria finalidade do precei-
do direito e princípios jurídicos gerais ínsitos na to; há que operar uma interpretação restritiva ou
lei, carece de uma restrição que não está contida uma redução teleológica, mediante as quais se re-
no texto legal. Apenas acrescentando a restrição vela a lacuna42.
que é requerida em conformidade com o sentido
da norma pode tal lacuna ser integrada.
Se a regra contida na lei foi, segundo o seu 3 Interpretação restritiva e
sentido literal, concebida de forma demasiado
ampla, cumpre ao intérprete reduzi-la ao âmbito
redução teleológica
de aplicação que lhe corresponde segundo o fim
da regulação ou a conexão de sentido da lei. Esta Alcançada, em traços largos, a posição da
operação, que afasta uma correspondência, ain- redução teleológica no sistema, importa a sua dis-
da que mínima, com o elemento literal da lei, ao tinção, com a maior precisão possível, da inter-
invés conferindo supremacia ao seu elemento te- pretação restritiva, aproveitando o exercício para
leológico e à finalidade da norma, é denominada uma melhor densificação dos limites e âmbito
de redução teleológica39. Larenz, propugna que o de aplicação de ambas. Através da interpretação
preenchimento destas lacunas se opere através de restritiva, opera-se uma restrição do texto, neces-
uma redução teleológica da norma; ou seja, como sária para que o verdadeiro sentido da lei se pos-
mencionado, restringe-se a sua letra ao âmbito de sa exprimir. A formulação genérica por parte do
aplicação que se retira da sua teleologia, assumin- legislador não afasta que uma situação concreta
do este a sua sobreposição aos demais40. Entre a obrigue, à luz da ratio da norma, a uma distin-
actividade do legislador e a actividade do intér- ção que o texto omitiu43. Afasta-se a aplicação de
prete existe uma diferença de grau: o legislador é uma norma sempre que o fim desta já se mostre
plenamente livre para investigar e escolher a re- alcançado ou se torne impossível44. É pacífica a
gulamentação adequada, ao passo que o intérpre- legitimidade dos tribunais para fazer uma inter-
te se move sempre no quadro do texto e do sistema pretação restritiva, fundamentada nos elemen-
instituídos, recorrendo igualmente a outros dados tos de interpretação, da norma legal45. Enquanto
relevantes, mas desconhecidos do legislador. Ad- 42 Cfr. MENEZES CORDEIRO, A. ob. cit. (2012), p. 746.
mitir a interpretação da lei segundo a justiça e 43 Cfr. Por todos, OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit.
(O Direito…), p. 411.
a utilidade social, ultrapassando o seu elemento 44 Cfr. MENEZES CORDEIRO, A., ob. cit. (2012), p. 782.
textual, pode colocar em causa a certeza jurídica. 45 A título de exemplo: Acórdão do STJ de 09-07-
Pelo que a garantia bastante da uniformidade da 2015, Proc. 1242/10.6YYPRT-A.P1.S1, disponível
em <www.dgsi.pt>. A propósito da norma do art.
jurisprudência, pressuposto da certeza do direito, 759.º, n. 2, do CC, segundo a qual é atribuída pre-
decorre da necessidade para o juiz de proceder de valência ao direito de retenção sobre a hipoteca,
forma reflectida e tomando em conta os limites a o Tribunal sustentou a necessidade da sua inter-
pretação restritiva, de forma a excluir os casos em
que está adstrito, não comprometendo a homo- que o direito de retenção conferido ao promitente-
geneidade do sistema. Tomando em consideração comprador (por efeito do art. 755.º, n. 1, al. f) CC),
todos os elementos da interpretação, salientando- concorre com hipoteca legal constituída pelo cre-
dor para garantia do direito de alimentos (de acor-
se como primeiro entre eles as indicações, não do com o art. 705.º, al. d) CC). Na sua fundamen-
vinculativas nos termos expostos, que a letra da tação, o Tribunal afirma que essa interpretação
lei fornece41. Ou seja, a restrição ou desconside- restritiva encontra justificação quer no elemento
histórico (nas circunstâncias que, nas reformas de
ração (redução) do elemento literal não poderá 1980 e de 1986 do CC, suportavam a atribuição do
resultar de uma motivação discricionária, mas direito de retenção ao promitente-comprador, com
preferência sobre outros credores, maxime sobre
39 Cfr. LARENZ, Karl. ob. cit., pp. 555-556. Alertan- os credores com hipoteca voluntária), quer no ele-
do, expressamente, para uma proibição de redução mento teleológico da norma (citando o confronto
teleológica quando um interesse preponderante de com uma hipoteca legal para garantia da prestação
segurança jurídica exige manter o limite do senti- de alimentos fixada por acordo entre os cônjuges
do literal possível. no âmbito de uma acção de divórcio destinada a
40 Cfr. LARENZ, Karl, ob. cit., pp. 535 e 556. cobrir os encargos assumido por um deles relati-
41 Cfr. DOMINGUES DE ANDRADE, Manuel, ob. vamente a um filho de ambos em estado de incapa-
cit., pp. 102-103. cidade por via da interdição. Ademais, afirma que

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intérpretes, estes buscam a compatibilização da pressupõe-se que o fim da lei está claramente ave-
norma com o pensamento (ratio) legislativo, pois riguado pelo intérprete e que, sem essa correcção,
cessante ratione legis cessat lex ipsa46. Sempre que esse fim não seria atingido em parte dos casos,
o espírito vá para além da letra de determinada gerando uma grave contradição de valoração ou
norma, é admitida a sua interpretação extensiva. uma clara injustiça49. Para evitar essas situações,
Mais, sempre que a mesma seja aplicada na re- o intérprete reduz ou exclui do campo de aplica-
solução de um caso análogo, por via do recurso ção de uma norma casos que estão abrangidos,
à analogia, é admitida a sua aplicação para além inclusive pelo seu texto, com fundamento na te-
da sua letra e do seu espírito. Inversamente, a in- leologia imanente a essa mesma norma50. Larenz
terpretação restritiva é admitida sempre que o es- reconhece que a delimitação do sentido literal
pírito da norma fique aquém da letra desta. Aqui possível se trata de uma matéria difícil, referin-
chegados, podemos ir mais longe, desconsideran- do que muitas vezes os tribunais falam em inter-
do quer a letra, quer o espírito, sempre que o fim pretação correctiva quando, na verdade, operam
prosseguido pela norma a tanto conduza47. uma redução teleológica. Como já referido, esta
Verificando-se que o sentido literal da nor- faculdade interpretativa é intensamente relevante
ma resultaria demasiado amplo, não correspon- quando o legislador, por recorrer a construções
dendo ao espírito da lei tal como este é fornecido demasiado imprecisas ou abrangentes, abran-
pelos demais elementos, o intérprete restringe o ge casos que não pretenderia abranger se tivesse
alcance do significado das palavras da lei numa considerado as consequências perniciosas dessa
tentativa de a colocar em harmonia com o res- insuficiente precisão51. Supondo que existem ca-
pectivo espírito48. Não obstante, para esse efeito, sos abrangidos pela letra da lei que, por imposi-
ção dos elementos da interpretação, não devem
esta restrição é a que melhor observa o elemento ser abarcados por esta 52 , o intérprete aplicador
sistemático (porquanto potencia uma interpreta-
ção mais conforme com a Constituição da Repúbli- deve (pode) restringir o âmbito da lei para evi-
ca Portuguesa). Assim, conclui o Tribunal, “[p]or tar esses resultados nefastos. O escopo da norma
violação dos princípios da protecção da confiança e prevista para o todo apenas deverá valer para a
da proporcionalidade seria inconstitucional o dis-
posto no art. 759º, nº 2, do CC, numa interpretação parte, ficando aquém do significado literal da lei.
segundo a qual o direito de retenção conferido ao de ressarcimento dos lesados, alheios às relações
promitente-comprador, nos termos do art. 755º, nº contratuais entre a seguradora e o seu segurado. A
1, al. f), do CC, prevaleceria, em qualquer circuns- necessidade de adaptação do art. 429.º do Código
tância, sobre hipoteca legal anterior constituída Comercial à evolução dos valores dominantes na
para garantia do direito de alimentos”. ordem social levou a que a jurisprudência limitas-
46 Cessando a razão de ser da lei cessa a própria lei. se os direitos do segurador por invocação do insti-
Cfr. BAPTISTA MACHADO, J., ob. cit., p. 186 e tuto do abuso do direito. Curiosamente, a mesma
MENEZES CORDEIRO, A. ob. cit. (2012), p. 782. preocupação, também sob o estandarte da boa-fé,
47 A. Menezes Cordeiro afirma que “a interrepta- levou ainda a situações isoladas de jurisprudên-
ção extensiva está para a restritiva assim como a cia contrária aos próprios preceitos legais – por
analogia está para a redução teleológica” in ob. cit. exemplo, a exigência de um requisito de causali-
(2012), p. 783, aportando inúmera doutrina germâ- dade entre o facto não declarado e o sinistro, não
nica no sentido do reconhecimento da redução te- exigido pela norma legal. Em qualquer dos referi-
leológica pela generalidade dos autores e aderindo, dos casos, as construções jurisprudenciais vieram
em particular, ao posicionamento de Enneccerus a obter, por ocasião da reforma operada pela Lei
Von Ludwig e Hans Carl Nipperdey. do Contrato de Seguro (Decreto-Lei n.º 72/2008,
48 Afirma o STJ que “[n]ão é ilegal nem afronta o de 16 de Abril), consagração legal (veja-se os art.
princípio da separação dos poderes em que se es- 24.º n. 3 e 26.º n. 4). Cfr. POÇAS, Luís. O Dever de
trutura o estado de direito, o recurso pelo Tribu- Declaração Inicial do Risco no Contrato de Seguro,
nal à interpretação correctiva da lei, com vista à Coimbra, Almedina, 2013, p. 149.
descoberta do pensamento legislativo”, sob pena 49 Cfr. LARENZ, Karl, ob. cit., pp. 569.
de os Tribunais serem impedidos de obedecer ao 50 Cfr. BRONZE, Fernando José, Lições de Introdu-
preceito do art. 202.º CRP. Cfr. Acórdão do STJ de ção ao Direito, Coimbra, Coimbra Editora, 2006,
06-05-2003, Proc. 03P3223 e A. Santos Justo, ob. p. 922, CASTANHEIRA NEVES, António. “In-
cit., pp. 343-344. Exemplo claro é a interpretação terpretação Jurídica”, Digesta. Escritos acerca do
jurisprudencial do art. 429.º do Código Comercial Direito, do Pensamento Jurídico, da sua Metodo-
(hoje revogado) pelos tribunais, unânime no sen- logia e Outros, Coimbra, Coimbra Editora, 1995,
tido de que esta norma visa tutelar predominante- pp. 364-368.
mente interesses particulares, pelo que, de acordo 51 Como o coloca Oliveira Ascensão, “quando a lei é
com uma interpretação correctiva e teleológica, se demasiado absoluta, por a aplicação a certas cate-
teria de concluir que aí se estabelecia um regime gorias de casos, que não são os que ditaram a regra,
de anulabilidade e não uma nulidade (a letra da ir contra o bem comum”, in ob. cit. (O Direito…),
lei refere expressamente nulidade), por este ser o p. 425 e pp. 427-428.
regime que melhor defendia o interesse público 52 Cfr. SOUSA, Miguel Teixeira De, ob. cit., pp. 377, 379.

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A redução teleológica no ordenamento jurídico português…

Importa ressalvar que a alteração do sistema como pode resultar da lei uma proibição de ana-
normativo não pertence ao intérprete, estando logia, também uma proibição de redução teleoló-
este limitado às fontes do direito e sua teleologia. gica deve ser equacionada quando um interesse
Caberá então, a esse interpretador, relevar os sen- preponderante de segurança jurídica obrigue a
tidos da(s) fonte(s) objectivamente desadequados manter o limite do sentido literal possível56.
ao momento da interpretação. Encontrando o Se, compulsado o espírito da lei, encontra-
sentido da fonte de forma objectiva à luz das cir- mos uma solução que não tem qualquer apoio
cunstâncias actuais53. Em suma, a interpretação na letra da lei, esta última não será aplicável (art.
restritiva consiste na exclusão de certos casos do 9.º n. 2). Revela-se, por essa via, a existência da
âmbito de aplicação da lei, restringindo as conse- lacuna, que, no caso concreto, exige resolução e
quências interpretativas do elemento literal. Já a obriga a afastar essa limitação legal, ultrapassan-
redução teleológica pressupõe a não aplicação de do-a. No entanto, esse afastamento não pode ser
uma lei a um caso que é expressamente abrangido sustentado quanto a normas às quais não se possa
pela sua letra (ou a aplicação de uma lei a um caso indicar um fim que as transcenda (chamadas de
que é expressamente afastado pela sua letra), em normas plenas)57. Cumpre também mencionar as
grande parte desconsiderando-a. Isto é, na cons- principais críticas a esta figura, resumidas em dois
trução de uma excepção ao regime legal que obri- pontos essenciais: por um lado, o elemento teleo-
ga a mais do que a restrição da sua literalidade, lógico funciona já como um dos elementos lógicos
baseada na sobreposição da teleologia da norma da interpretação (questionando-se a razão da sua
a outros elementos interpretativos, em especial o nova aplicação num segundo momento, ainda que
literal. No entanto, a precisa distinção entre in- integrativo), por outro a redução teleológica cairia
terpretação restritiva e redução teleológica torna- 56 O Tribunal Central Administrativo Sul já afirmou
se desafiante porquanto toda a interpretação da a proibição de interpretação correctiva de uma nor-
ma. No entendimento deste tribunal, quando uma
lei é pragmática, inseparável da aplicação da lei a entidade actue vinculada ao princípio da legalida-
casos concretos. Nesta perspectiva, a construção de, essa actuação só é legalmente admissível desde
de qualquer excepção a uma lei através da redu- que tenha, na letra da lei, um mínimo de corres-
pondência verbal, ainda que imperfeitamente ex-
ção do seu campo de aplicação é, por vezes, inter- presso (art. 9.º n. 2 do CC). Ao fazê-lo, o tribunal
pretação restritiva e redução teleológica. Enten- afirma, a contrario, a inadmissibilidade da redução
demos que a razão da admissibilidade da redução teleológica das normas quando uma entidade actue
reside no imperativo de tratar igualmente os ca- vinculada pelo princípio da legalidade. Assim, na
fundamentação dessa decisão, ressalva que se trata
sos iguais. Esse imperativo formula um ponto de de uma situação relativa a uma actuação de um ente
vista valorativo essencial a qualquer decisão, que administrativo no exercício de uma actividade vin-
se verifica também na imposição de tratar desi- culada, pelo que, na situação em apreço, a prosse-
cução da justiça seria assegurada pelo princípio da
gualmente o que é desigual54. Ou seja, de proce- legalidade. Para o Tribunal, não se estando no do-
der às diferenciações requeridas pela valoração. mínio da actuação discricionária da administração,
Estas podem ser exigidas pelo sentido e escopo da não assumem relevância os princípios da igualdade
e justiça, sobrepondo-se a exigência de uma estrita
própria norma a restringir, pelo escopo de outra correspondência expressa, ainda que mínima, com
norma atingida por aquela que deve ser reduzida a letra da lei. Cfr. Acórdão do Tribunal Central Ad-
ou por um princípio imanente à lei prevalecente ministrativo Sul de 01-03-2012, Proc. 08470/12, dis-
ponível em www.dgsi.pt. Esta uma situação em que
num certo grupo de casos55. Desta forma, assim a proibição de redução teleológica resulta da verifi-
53 Cfr. Oliveira Ascensão, ob. cit. (O Direito…), p. cação de um interesse preponderante de segurança
427, no sentido de que “razões ponderosas de se- jurídica, o que obriga à observância do sentido lite-
gurança e de defesa contra o arbítrio alicerçam ral possível enquanto limite.
esta conclusão”. 57 Cfr. MENEZES CORDEIRO, A. ob. cit. (2012),
54 Cfr. LARENZ, Karl, ob. cit., p. 556. pp. 746, 783, 784. Exemplo de uma norma plena é o
55 Questionando esta forma de interpretação, no sen- caso do art. 122.º, que determina a idade da maio-
tido de que a mesma não é admissível, Cfr. OLI- ridade. A intenção dessa norma é, acima de tudo,
VEIRA ASCENSÃO, ob. cit. (O Direito…), p. 415, a fixação de uma fronteira, fixa, clara e definitiva
“Lojas em centros comerciais; integração empresa- para a maioridade, pelo que não admite reduções
rial; forma – Anotação ao Acórdão do STJ de 24 de teleológicas. MENEZES CORDEIRO ilustra que,
março de 1992”, ROA, n. 54, 1994, p. 841, CASTA- caso a norma visasse proteger os seres humanos
NHEIRA NEVES, António. Questão de facto ques- ainda imaturos, seria possível encarar a sua redu-
tão de direito ou o problema metodológico da juri- ção teleológica: os menores de dezoito anos seriam
dicidade: ensaio de uma reposição crítica, Coimbra, havidos como maiores quando demonstrassem
Tese de Doutoramento em Ciências Jurídicas apre- uma especial maturidades e tidos como menores
sentada à Faculdade de Direito da Universidade de quando a imaturidade fosse demonstrada, mas
Coimbra, 1967, pp. 118 e 762 ss. não é esse o caso neste artigo.

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na interpretação ab-rogante, na interpretação cor- A norma compreende um conjunto de providên-


rectiva ou na interpretação restritiva, destas não se cias, mormente protectoras, necessárias à satisfa-
distinguindo58. Em nosso entendimento, tratam- ção das exigências sociais (económicas, culturais
se de críticas acertadas, quer do ponto de vista me- e outras). Pelo que a interpretação implica a busca
todológico, quer pela inegável proximidade da re- da melhor correspondência com essa finalidade,
dução teleológica com as formas de interpretação de forma a assegurar a tutela desse interesse para
referidas. Mesmo a defesa da admissibilidade da a qual foi legislada60.
redução teleológica no nosso ordenamento obriga Por outras palavras, a atribuição de sentido à
a tomar em estrita consideração estes pontos. lei, inerente à sua interpretação, está ligada à ideia
Logo, ao delinear as valências da redução jurídica que essa lei expressa. Entendemos im-
teleológica, não podemos olvidar esta constituir portante ressalvar expressamente que relatamos
uma manifestação inequívoca do desenvolvimen- um processo com apenas um sentido. Será inacei-
to do direito, que tem como ponto de partida a tável procurar a ideia da lei no caso particular (ou
preocupação de responder aos casos cuja riqueza seja, a busca do geral através do particular). Daí
excede os problemas pré-determinados na pre- que estes contributos devam ser entendidos no
visão legislativa. Da análise da sua aplicação aos contexto de determinada situação que se verifica.
casos concretos (vd. análise jurisprudencial infra), Distinguimos, ao nível dos institutos aplicáveis,
entendemos a posição da redução teleológica pre- os casos em que o elemento teleológico limita o
cisamente na franja de casos cuja solução se situa, alcance da norma (a um certo conjunto de casos)
do ponto de vista normativo, entre a interpreta- e essa limitação corresponde a um dos sentidos
ção restritiva e a interpretação ab-rogante. Distin- literais possíveis – interpretação restritiva - dos
guindo-se de ambas por exigência das especiais casos em que a teleologia das normas aplicáveis
particularidades de determinado caso concreto. ao caso reduzem o âmbito de aplicação da norma
Engisch aborda a questão também do ponto de a um conjunto de casos que não se podem delimi-
vista da distinção entre a componente normati- tar a partir da letra da norma. Esta distinção de
va e valorativa da contradição dentro do sistema, resultado parece justificar a admissibilidade da
concluindo que devemos aceitar a verificação de redução teleológica, apesar da norma do art. 9.º
situações em que não se mantenha uma determi- n. 2 do CC, desde que verificadas as estritas con-
nada valoração que o legislador havia estipulado dições necessárias à sua aplicação. Encontram-se
entre diferentes normas. na doutrina exemplos de aplicação do instituto
As contradições normativas - exemplificadas da redução teleológica; como seja a propósito do
com a situação em que uma conduta em abstracto art. 131.º do Código das Sociedade Comerciais61
ou em concreto pode ser, simultaneamente, proi- 60 Não se propugna que a obtenção do fim permita
bida e não proibida ou até prevista e proibida em desconsiderar, de forma impune, a limitação aos
diferentes fontes de Direito – são absolutamente meios a utilizar. Assim, na interpretação do sentido
e alcance das disposições, a finalidade constitui um
inaceitáveis59. Assim, de forma simplista, afirma- elemento mediato de grande valor, ainda que não
mos que a redução teleológica consiste em res- absoluto. Cfr. MENEZES CORDEIRO, A. Da boa-
tringir a aplicação de uma norma por exigência fé no direito civil, Almedina, 1997 (Reimp), p. 790,
Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação
da teleologia jurídica, aceitando a sua realização do Direito, 20.º Ed., Rio de Janeiro, Forense, 2013,
nos casos em que, por inexistência de solução al- pp. 126 e ss..
ternativa, esse procedimento se imponha para a 61 A existência de impedimentos à transformação
de sociedades que não cumpram os pressupostos
realização das exigências sociais a que o legisla- estabelecidos nas diversas alíneas desse artigo tem
dor procurou responder com essa norma, reali- em vista, como principal função e razão justifica-
zando a sua finalidade. Enquanto a interpretação tiva, a tutela dos credores. Dos credores actuais
restritiva implica a prevalência do espírito da lei da sociedade (quando na transformação de uma
sociedade por quotas em outro tipo deixasse de
sobre a sua letra, a redução teleológica abrange a vigorar a responsabilidade solidária dos sócios pe-
restrição de ambos estes elementos. Restrição essa las entradas não realizadas) e dos credores futuros
implicada pela função e razões justificativas da (atentos os diferentes requisitos de liberação inicial
do capital dos diversos tipos de sociedade). A tutela
norma. Por outras palavras, do escopo da norma. dos credores não impõe, por si só, a realização in-
58 Cfr., por todos, SANTOS JUSTO, A., ob. cit., p. tegral do capital quando o novo tipo social admite
373, OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit. (O Direito…), o diferimento das entradas em dinheiro. Pelo que
p. 428, SOUSA, Miguel Texeira De, ob. cit., p. 379. a aplicação, sem mais, desse artigo implicaria exi-
Vd. Nota 51 supra. gir mais aos sócios na transformação do que lhes é
59 Cfr. ENGISCH, ob. cit., pp. 313-317. obrigatório observar na constituição do tipo social

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A redução teleológica no ordenamento jurídico português…

ou do contrato de mandato sem representação, ta-se de uma extensão teleológica: a própria razão
a propósito da sua relação com a figura do trust de ser da lei postula a aplicação a casos que não
que, não sendo legalmente previsto no nosso or- são directamente abrangidos pela letra da lei mas
denamento é, no mínimo, usual no tráfego jurí- são compreendidos pela finalidade da mesma, es-
dico62. Estes exemplos são reflexo de a redução te- tando em causa a plena realização do fim da regra
leológica estar associada à integração de lacunas legal. Pois onde a razão de decidir seja a mesma, a
ocultas, pois a redução pressupõe a indicação de mesma deve ser a decisão.
uma norma que se mostra mais adequada para Afigura-se importante esta consideração, no
resolver o problema de acordo com a completude sentido de que, em primeiro lugar, se deve verifi-
das regras de interpretação e realização do Direi- car se, por interpretação extensiva de uma nor-
to63. Aceite a restrição de uma norma pela via da ma, não deverão por ela ser abrangidos casos não
sua redução teleológica, é necessário realçar que directamente contemplados na sua hipótese64. A
essa redução pode ser acompanhada da amplia- redução teleológica deverá ser sempre encarada
ção do âmbito de aplicação de outra norma. Tra- como um último recurso, aplicável na inexistên-
que pretendem adoptar. O regime legal de diferi- cia de alternativa65. Apontadas as características
mento das entradas em dinheiro, a ser aplicado ao da redução teleológica e, bem assim, a sua re-
aumento de capital deve ser o do tipo social a adop-
tar, independentemente do momento cronológico lação próxima com a interpretação restritiva da
da deliberação de transformação. Por esta razão, norma jurídica, importa agora questionar se os
por via de uma redução teleológica, seria preterido nossos tribunais terão já pugnado por um desen-
o texto da norma (a sua alínea a)) a favor do cum- volvimento do direito superador da letra da lei,
primento efectivo da intenção prático-normativa
da norma. Assim, “tendo por ratio a protecção dos recorrendo ao instituto da redução teleológica. A
credores sociais, deve o preceito ser interpretado no obtenção do direito do caso, da decisão a assumir,
sentido de não ser exegível o ‘desembolso integral vai também englobar uma convincção de justeza
das obrigações de entrada, assumidas inicialmen-
te ou em aumento de capital, inclusive necessário à formada pelo juiz, na medida em que não exis-
transformação, que o novo tipo social não imponha, te antes ou independentemente da resolução de
apenas tendo de ser realizadas em respeito dos li- casos66. A interpretação, pressuposto da aplicação
mites estatuídos para a libertação mínima do tipo
social adotado, com efeito, não faria sentido um re- da norma, pressupõe uma escolha entre vários
gime mais apertado para a sociedade transformada sentidos possíveis, na qual o conhecimento pré-
quando, na constituição ex novo de uma sociedade vio do intérprete desempenha um papel67. Não
do mesmo tipo que se visa adotar, o diferimento da
entrada se considera compatível com a necessária existindo a ordem jurídica de forma inteiramente
protecção dos credores sociais” In Lexit – Códigos independente do processo do compreender68, re-
Anotados & Comentados – Sociedades comerciais, sulta em cada caso, por via interpretativa, tam-
Ginocar Produções, 2013, a propósito do art. 131.º.
62 A esse propósito, Maria João Romão Carreiro Vaz bém da compreensão daqueles que são chamados
Tomé conclui no sentido da redução teleológica do à sua aplicação e desenvolvimento69.
art. 1184.º do CC, fundamentando-a num impera-
tivo de justiça (tratar desigualmente o que é desi-
gual, porquanto “do registo de valores mobiliários
registados em contas individualizadas abertas em 4 Análise de Jurisprudência
nome do mandatário não pode decorrer a respon-
sabilidade desses valores pelas dívidas pessoais
do mandatário, pois ele detém esses valores por Não obstante as dúvidas quanto à admissi-
conta alheia e aquele registo não desempenha uma bilidade e autonomia da redução teleológica do
função de publicidade”). Cfr. “Sobre o contrato de
mandato sem representação e o trust”, ROA, Ano ponto de vista metodológico, diversas decisões ju-
67, Vol. III, 2007 disponível online em <http:// 64 Cfr. BAPTISTA MACHADO, J. ob. cit., p.187.
www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo. 65 Ubi non est justitia, ibi non potest esse jus.
aspx?idsc=65580&ida=65532>. Não abordamos a 66 Cfr. LAMEGO, José. Hermenêutica e jurispru-
adequação dessa solução, apenas sublinhamos a dência: análise de uma recepção, Lisboa, Editora
sua aplicação pela autora para a resolução de uma Fragmentos, 1990, pp. 212-213.
problemática concreta. Cfr. MENEZES CORDEI- 67 Cfr. DUARTE, Rui Pinto. “‘Convicção-Crença’ nas
RO, A. Barreto. Do trust no direito civil, Coimbra, decisões judiciais”, Themis, Ano VI, n.º 6, Coimbra,
Almedina, 2014, passim, FIGUEIREDO, André. O Almedina, 2003, p. 16.
negócio fiduciário perante terceiros, Coimbra, Al- 68 O teor da norma é complementado pelo acto in-
medina, 2014, passim. terpretativo na medida em que a compreensão do
63 Sobre o tema, A. Menezes Cordeiro defende que intérprete é influenciada pela pré-compreensão
“[h]avendo redução, revela-se a lacuna oculta, dei- que este detinha. Cfr. HESSE, Konrad. Escritos de
xada em aberto pela retracção da norma. E em si- Direito Constitucional, Madrid, Centro de Estu-
multâneo, opera a integração pela norma que pro- dios Constitucionales, 1992, pp. 41-42.
vocou a redução em jogo”, in ob. cit. (2012), p. 784. 69 Cfr. LARENZ, Karl. ob. cit., p. 574.

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diciais aplicam-na às normas relevantes sub judice, teleológica da norma, por forma a considerar que
proferindo decisões que, resguardadas na busca da esta presunção cobre apenas os requisitos que são
intenção teleológica da norma, se afastam de uma objecto de análise pelo Instituto de Harmoniza-
correspondência mínima com o seu elemento lite- ção do Mercado Interno, ou seja, saber se o objec-
ral70. No entanto, será de realçar que esse reconhe- to para o qual se pede a protecção do registo é um
cimento não implica que os tribunais recorram à desenho ou modelo, nos termos do art. 3.º, e se as
redução teleológica com frequência. Na verdade, características da sua aparência são ofensivas da
inúmeras decisões existem em que a necessidade ordem pública ou dos bons costumes - não abran-
de redução teleológica, tal como a mesma é invo- gendo os outros dois requisitos substanciais já
cada pelas partes, é expressamente afastada. mencionados. Dado que a ré excepcionou, aquan-
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça do da sua contestação, a invalidade do modelo de
de 23 de Julho de 2010 (Proc. 1798/07.0TBFLG. sola registado pela autora, a esta última caberia,
G1.S1) é ilustrativo dessa reserva. Nesta decisão, face à preconizada redução teleológica do artº 85º,
o Tribunal afastou a aplicabilidade da redução nº 1, provar a novidade e singularidade daquele
teleológica no contexto do litígio que apreciava modelo de sola. Algo que, processualmente, não
(e relativamente a ao qual seguidamente procu- havia feito e não teria já oportunidade de fazer, daí
ramos enumerar os factos relevantes e o direito resultando a improcedência da acção e procedên-
a eles aplicável, esclarecendo a fundamentação cia da reconvenção. O Tribunal afastou a interpre-
apresentada pelo Tribunal para esse afastamento). tação proposta pela ré (a nosso ver, correctamen-
Com a conclusão do registo de um desenho te), apresentando uma extensa fundamentação
ou modelo comunitária nasce a favor do titular com o maior relevo para o que tem vindo a ser
desse direito uma presunção de validade do di- escrito sobre a redução teleológica.
reito inscrito, nos termos do artº 85º, nº 1, do Re- No entendimento do Tribunal, a norma em
gulamento (CE) n.º 6/2002 do Conselho, de 12 de causa está redigida em termos tão unívocos que a
Dezembro de 2001. Por seu efeito, nos processos posição defendida pela ré corresponderia, na prá-
resultantes de acções de contrafacção ou de ac- tica, a uma interpretação ab-rogante, porquanto
ções por ameaça de contrafacção de um desenho contrariaria abertamente a letra do preceito em
ou modelo comunitário registado, os competen- causa (elemento gramatical da interpretação) e,
tes tribunais comunitários presumem como váli- bem assim, o seu espírito (elemento racional).
do o desenho ou modelo comunitário em causa. Para o afirmar, realça o objectivo do próprio ins-
Como tal, essa validade deverá ser contestada por trumento legislativo de que consta a norma71, as-
meio de um pedido reconvencional de declaração sim como elementos relativos à sua elaboração72.
de nulidade. A apresentação dessa excepção por A necessidade de a avaliação a efectuar ao abrigo
outra via que não seja o pedido reconvencional só do artigo 48º incluir, pelo menos, um exame da
é admissível se o requerido alegar que o desenho observância dos requisitos de protecção (designa-
ou modelo comunitário poderia ser declarado damente a singularidade e a novidade), de modo
nulo devido à existência de um direito nacional a evitar que terceiros inocentes sejam arrastados
anterior que lhe pertence (art. 25.º n. 1, al. d). para litígios pela aplicação abusiva do sistema foi
A questão a decidir pelo Tribunal implicava considerada pelo legislador e ainda assim afas-
determinar o alcance a dar a esta presunção pela 71 “Foi declarado objectivo do Regulamento criar um
sua preponderância, à luz do enquadramento ju- sistema de registo de desenhos e modelos assente
rídico dos factos, na resolução do litígio, pois a num processo simples e célere, que por isso mesmo,
além de não admitir oposição na sua fase adminis-
autora estaria dispensada, por virtude da aponta- trativa, atribui ao IHMI competência para exercer
da presunção, de provar que o modelo sub judice um controlo essencialmente formal, que não atinge
obedecia aos requisitos de protecção mencionados os requisitos substanciais da novidade e singulari-
no art. 4.º, n.º1 (novidade e carácter singular). A ré dade do modelo a registar”.
72 O Tribunal completa a sua fundamentação com
sustentou que deveria proceder-se a uma redução referências aos actos preparatórios do Regulamen-
70 Os acórdãos que servem de base à exposição se- to, nomeadamente, o Parecer do Conselho Econó-
guinte foram escolhidos com o propósito de ilus- mico e Social junto da União Europeia – Parecer
trar diferentes vertentes dos problemas associados de 27.1.00, § 3.8 e a opinião emitida pela Comis-
ao reconhecimento da admissibilidade da redução são Europeia, sobre a Proposta de Regulamento
teleológica, sendo certo que se procurou que os relativo aos desenhos ou modelos comunitários
mesmos fossem, o mais possível, relativamente re- apresentada a 3 de Dezembro de 1993 que, em seu
centes. Todos os acórdãos indicados estão disponí- entender, confirmam inteiramente esta consciente
veis, na íntegra, em <www.dgsi.pt>. opção do legislador comunitário.

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A redução teleológica no ordenamento jurídico português…

tada, porquanto tal opção retiraria ao sistema a o exercício do direito ao decretamento da nuli-
celeridade e agilidade que este visava73. Pelo que, dade excede manifestamente os limites impostos
sustenta o Tribunal, nada justifica que a presun- pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim so-
ção estabelecida nesta norma seja objecto de uma cial ou económico desse direito. O exercício do
restrição. Para o efeito, afirma que a interpretação direito ofenderia, no caso concreto, manifesta,
pugnada pela recorrente se afigura inconciliável clamorosa e intoleravelmente, esses limites.
quer com a letra, quer com o espírito do instru- Contando que a confiança digna de tutela
mento legal, afastando a redução teleológica no radica em algo objectivo (conduta que seja ou pos-
caso concreto. Este iter interpretativo é, como já sa ser entendida como uma tomada de posição
referido, ilustrativo da cautela exigida pela apli- vinculante em relação a uma dada situação futu-
cação da redução teleológica e, simultaneamente, ra); a necessidade de tutela jurídica surge quando
reflexo da marcada excepcionalidade associada a contraparte, com base na confiança criada faz
ao surgimento de uma situação em que essa apli- um investimento na confiança, o qual não pode
cação seja admissível. ser removido através de outro meio jurídico ca-
Essa excepcionalidade materializa-se, por paz de conduzir a uma solução satisfatória. Aí
exemplo, na verificação das chamadas inalega- sim, se coíbe a aplicação de determinadas nor-
bilidades formais. Apesar de o ordenamento jurí- mas. É, pois, uma proibição de último recurso76,
dico impor a forma solene para certas declarações admitida pela materialização de venire contra fac-
(pressupondo a nulidade do negócio, art. 220.º tum proprium, observados os limites à actuação
CC), os tribunais têm-se arrogado da possibilidade jurídica individual. De certa forma, a defesa das
de bloquear a invocação de invalidades formais74. inalegabilidades formais, em que o abuso do di-
Quando alguém induz outrem a celebrar reito não tem margem directa de concretização,
um negócio sem observância da forma legal, be- pode pressupor a redução teleológica das normas
neficiando da aparência gerada por esse negócio que exigem determinada formalidade no sentido
e, em momento superveniente, invoca essa nuli- de estas meramente causarem a convalidação do
dade, incorre numa actuação claramente contrá- negócio, em detrimento do seu elemento literal.
ria ao sistema e, por isso, carecida de correcção. A actuação do abuso do direito nas nulidades
Por exemplo, em situação em que a autora, loca- formais, tal como descrita, pode atribuir eficácia
dora de determinado imóvel, recebeu as respecti- plena a um negócio que a lei imperativamente
vas rendas ao longo de mais de quinze anos sem fulmina de nulo77.
alguma vez questionar, designadamente quando No acórdão a que nos referimos, entendeu
adquiriu o imóvel locado, a validade do contrato o Tribunal que a situação concreta enquadraria
de arrendamento, apenas exercendo esse direito a excepcionalidade justificativa da invocação de
decorridos esse período de mais de quinze anos75, venire contra factum proprium, pois a ré teria
confiado que adquiriu com o negócio e com o de-
73 A escolha do legislador pressupõe um sistema em
que a observância dos requisitos materiais de pro- curso do tempo uma posição jurídica, orientando
tecção é controlada a posteriori, quer através de um toda a sua vida negocial com base nessa posição
pedido de declaração de nulidade do registo apre- (designadamente cedendo a terceiro a exploração
sentado no IHMI (artºs 24º e 51º), quer mediante
acção a intentar pelo titular do direito registado Tribunal da Relação do Porto de 23-10-2012, Proc.
(artº 84º), hipótese esta em que, precisamente, o 437/10.7TVPRT.P2. Como consta do sumário
dispositivo do artº 85º, nº 1, tem aplicação: assim, desse acórdão: “Fica tolhida a declaração de
o Tribunal considerará como válido o desenho ou nulidade desse contrato visada pela locadora, por
modelo comunitário, podendo a validade ser con- estarem verificados os pressupostos do venire con-
testada por meio dum pedido reconvencional de tra factum proprium, quando a anterior conduta
declaração de nulidade. daquela, sem alegação de alguma vez ter exigido a
74 Na esteira da doutrina de A. Menezes Cordeiro, celebração do contrato em observância da fornia
sustentando-se num imperativo de boa-fé, in, por legal, durante mais de quinze anos, se traduziu em
todas as demais referências, ob. cit. (2012), pp. 773 receber as rendas e interpor anterior acção em que,
e ss. e Tratado de Direito Civil Português, Coim- admitindo a validade formal do contrato de arren-
bra, Almedina, 1999, pp. 203-204, propondo o blo- damento, pediu a sua resolução”.
queio das normas relativas à forma em situações 76 Ademais a confiança da contraparte só merece pro-
excepcionais. tecção jurídica se estiver de boa-fé (art. 334.º CC).
75 Não se coibindo ainda de evocar tal nulidade 77 Por exemplo, a propósito da obrigação de reali-
apesar de já ter intentado contra a ré uma acção, zação de obras pelo senhorio, cfr. Acórdão do STJ
na qual, partindo do pressuposto da validade de 08-06-06, Proc. 06B1103 e Acórdão TRL de 12-
do contrato de arrendamento, peticionou a 07-07, Proc. 4848/2007-7. Abunda jurisprudência
resolução do mesmo. Referimo-nos a acórdão do neste sentido.

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do estabelecimento). A confiança que gera essa desse tipo de bem (edifício, ou fracção autónoma
posição foi criada na ré pela anterior conduta da deste, já construído, em construção ou a cons-
autora, que durante mais de quinze anos, veio a truir) enquanto consumidor carecido de uma es-
receber as rendas. A este propósito, postula o Tri- pecial protecção através de algum tipo de exacer-
bunal ser o não exercício prolongado do direito bamento dos requisitos de forma desse contrato”.
que está na base da situação de confiança mas que Celebrando-se a promessa entre empresas do
a relevância desse não exercício tem de ser aferida ramo da construção civil e da promoção imobi-
também através dos elementos circundantes78. liária careceria de justificação a exigência formal
Também a propósito de inalegabilidades quanto ao reconhecimento das assinaturas pelos
formais, encontramos na jurisprudência um in- promitentes, bastando-se essa promessa, para que
teressante contributo79 para toda esta exposição, seja considerada válida, com os requisitos do nº 2
abordando de forma extensa a teleologia da norma do artigo 410º do CC. Em suma, como resulta dos
do art. 410.º n. 3 do CC. A exigência de reconhe- exemplos, a inalegabilidade formal constitui uma
cimento notarial presencial das assinaturas dos situação em que alegar a nulidade derivada da
contraentes resulta de um pressuposto de assime- falta de forma legal de determinado negócio leva
tria informacional, no confronto entre promiten- à verificação de um abuso de direito, contrário à
te-vendedor profissional e comprador desprovido boa-fé80. O seu reconhecimento pode, simultanea-
dessa qualidade (e do especial conhecimento téc- mente, obrigar à redução teleológica da norma.
nico que essa qualidade pressupõe). No entendi- A propósito de contrato de compra e venda
mento do Tribunal, o escopo (o sentido, propósito no qual se verificava o incumprimento de obri-
ou fundamento teleológico) dessa norma não gações decorrentes desse contrato por ambas as
abrange a situação em que o contrato confronta partes contratantes também se encontra um caso
duas empresas do ramo da construção e promoção de aplicação da redução teleológica81. Importava
imobiliária, profissionais dessa actividade. Assim à decisão a proferir pelo Tribunal uma particular
se excluindo a razão de a razão de ser da exigência cláusula que previa o desconto no preço acorda-
de forma considerada pela norma, como condição do entre as partes. Invocando uma das partes que
de validade do contrato, por “falta de cobertura te- essa cláusula corresponderia a uma cláusula con-
leológica desta situação no quadro racional do nº 3 tratual geral, o Tribunal entendeu que concorre-
do artigo 410º do CC”. riam, para a não aplicação do regime jurídico das
Aqui chegado, o Tribunal afirma recorrer a cláusulas contratuais gerais82 ao caso concreto,
uma redução teleológica do âmbito literal da nor- o facto de o desconto constar na factura respei-
ma. Embora a norma exija, no seu elemento lite- tante à determinação do preço a pagar dentro
ral, o reconhecimento presencial das assinaturas de determinado prazo e também à natureza em-
em todas as promessas respeitantes a edifícios, o presarial e comercial das partes (e, portanto, no
Tribunal veio excluir os requisitos formais do nº 3 entendimento do Tribunal, não carecidas de uma
do artigo 410º do CC quando o promitente-com- tão ampla tutela). Como é sublinhado na decisão,
prador não pode ser encarado como consumidor, as entidades envolvidas no negócio eram agentes
sendo antes um actor profissional no quadro geral económicos colocados no mercado numa situa-
da actividade económica de promoção imobiliá- ção de igualdade substancial, o que permitiria a
ria. Isso mesmo é afirmado no sumário do acór- caracterização dessa cláusula enquanto usual na
dão “o requisito de forma do contrato-promessa prática comercial (perda do benefício do descon-
de compra e venda indicado no nº 3 do artigo to pela mora), admissível no contexto da sua li-
410º do CC (reconhecimento notarial presencial berdade de estipulação de condições contratuais.
das assinaturas de ambos os promitentes) assenta Para o Tribunal, à luz do art. 5.º, n. 2 da RJc-
numa lógica protectiva do promitente adquirente cg, não se trataria de algo que, pela sua impor-
80 A. Menezes Cordeiro afirma hoje a possibilidade
78 Os quais, segundo o Tribunal: “têm de permitir a de bloqueio directo, com base na boa-fé, da alega-
uma pessoa normal, colocada na posição do bene- ção de nulidades formais, perante a persistência da
ficiário concreto, desenvolver a crença legítima de jurisprudência nesse entendimento e também com
que o titular do direito não mais o exercerá. É esse a verificação de casos em que a via da inalegabili-
investimento de confiança que justifica que o bene- dade permite uma solução justa e imediata, in ob.
ficiário não seja desamparado, sob pena de sofrer cit. (2012), pp. 781-782.
danos dificilmente reparáveis ou compensáveis” 81 Acórdão TRC de 14-07-10, Proc. 768/08.6TBAVR.C1.
79 Acórdão TRC de 24-09-13 – Proc. 881/10.0TBL- 82 Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro e suces-
RA.C1. sivas alterações e rectificações, doravante RJccg.

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A redução teleológica no ordenamento jurídico português…

tância ou complexidade dentro da economia do Nas situações em que a promoção de uma


contrato celebrado entre aqueles sujeitos, exigisse, construção não era originariamente destinada à
para salvaguarda da liberdade do contraente acei- venda, estando em causa uma coincidência cir-
tante, uma prova específica da existência de um cunstancial entre quem construiu e quem vendeu
determinado processo comunicacional e negocial o imóvel, entendeu o Tribunal que não funcionaria
que ultrapassasse a sua simples e clara inserção na a razão de ser (a teleologia) que justifica a extensão
factura. Mais afirma que a natureza empresarial do regime da empreitada ao vendedor-construtor,
substancialmente idêntica dos dois sujeitos envol- nos termos previstos no artigo 1225.º, n.º 4 do CC.
vidos, actuando estes num mercado concorren- O Tribunal fundamenta essa asserção interpreta-
cial normal, afasta o âmbito de protecção de con- tiva no momento da alteração desse artigo pelo
traentes substancialmente desiguais pretendido Decreto-Lei nº 267/94 que, ao compatibilizar, na
induzir e pressuposto pelo RJccg, por não ser essa redacção também introduzida no artigo 916º, nº 3
a razão de ser da sua teleologia protectiva. Ine- do CC, os prazos de denúncia dos defeitos na em-
xistindo uma rigidez do processo de conclusão preitada e na compra e venda de imóveis, incluiu
do contrato (a qual poderia ser geradora de uma nesta última, face ao aparecimento de defeitos no
irrelevância da situação concreta ou potenciadora bem vendido, a relevância do elemento respeitante
de desigualdades entre as partes), o Tribunal afir- às particulares características de um imóvel desti-
ma deter “pleno sentido a realização de uma re- nado a longa duração, sempre que seja deste tipo o
dução teleológica, face ao absurdo interpretativo bem vendido. Por essa razão, afirmou justificar-se,
que corresponderia a fazer passar pelo crivo pro- para o caso concreto, uma redução teleológica do
tectivo da RJccg uma relação contratual entre su- âmbito de incidência do artigo 1225º, nº 4 do CC.
jeitos substancialmente iguais (no caso concreto, O réu (vendedor) visava alcançar o reconhe-
a posição no mercado de ambos os intervenientes cimento, enquanto elemento de bloqueio do di-
permitia-lhes, sem dúvida, subtrair-se a situações reito do autor a obter a reparação dos defeitos su-
de ‘dictat’” na aquisição de bens). Assim afastan- pervenientemente detectados na moradia. Ora, no
do, por este argumento (entre outros), a aplicação caso em apreço, o Tribunal chama a atenção para
do RJccg ao caso concreto. Fundamenta essa de- a situação contratual da qual resultou a trans-
cisão no entendimento de não estar no domínio missão da propriedade pelo réu ao autor. Existiu,
em que a problemática a que a lei pretende dar num primeiro momento, um contrato de compra
resposta se verifica e portanto afasta a sua apli- e venda de um prédio em que o réu (vendedor)
cação, apesar de isso não resultar do texto legal. promoveu a construção desse imóvel, através da
Para o efeito, o Tribunal refere a concepção de la- celebração de contratos de empreitada com duas
cuna oculta para justificar que, segundo a teleo- entidades relativamente às quais actuou como
logia imanente da lei, a regra legal carece de uma dono de obra. No entendimento do Tribunal, essa
restrição que a lei não formula. Citando Larenz, situação obrigaria à não aplicação de parte do re-
dá nota de que a integração da lacuna faz-se então gime do contrato de empreitada, como seria de
pelo aditamento da restrição postulada, de har- supor pela projecção desse regime operada pelo nº
monia com o sentido da lei83. 4 do artigo 1225º do CC.
Analisemos ainda o acórdão do Tribunal da De acordo com a fundamentação do Tri-
Relação de Coimbra84, relativo à extensão do regi- bunal, esta situação estaria fora da razão de ser
me da empreitada de imóveis destinados a longa – afirma o tribunal: “fora da cobertura teleoló-
duração, quanto à denúncia de defeitos, ao ven- gica” – que conduziu o legislador, no quadro da
dedor que tenha promovido a construção de um do Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro (cujo
imóvel (artigo 1225º, nº 4 do CC) - tendo, na sua artigo 3º altera a redacção dos artigos 916º e 1225º
base, a consideração da figura, muito comum no do Código Civil), projectando, com o acrescento
mercado imobiliário, do vendedor-construtor ou ao art. 1225.º do nº 4, a aplicação do regime da
promotor imobiliário. empreitada às situações de compra e venda de um
imóvel em que o vendedor tenha construído, mo-
83 Como a regra demasiado ampla que a lei contém dificado ou reparado esse mesmo imóvel. Embora
é reduzida ao âmbito de aplicação que lhe cabe se-
gundo o fim ou o contexto significativo da lei. O a letra da lei (o nº 4 deste artigo 1225º após a alte-
tribunal descreve a redução teleológica, como tra- ração referida) sugerisse uma abrangência de to-
tar desigualmente o que é desigual. das as compras e vendas de imóveis cuja constru-
84 Acórdão TRC de 31-05-2011, Proc. 2672/07.6TBAGD.
C1. ção seja promovida (directamente, construindo

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ele próprio, ou, indirectamente, construindo atra- ciados à Ré. Assim, procurando apenas aferir da
vés de um empreiteiro) por quem vende, o Tribu- aplicabilidade de outras normas relevantes ao
nal considera que se pretendeu tão-só abranger, caso concreto (em especial, o art. 914.º), concluiu
através dessa extensão ou projecção do regime da o tribunal que “a demonstração pelo vendedor da
empreitada, uma situação que, formalmente, ex- ignorância sem culpa dos defeitos superveniente-
pressa uma compra e venda, uma realidade espe- mente detectados no imóvel vendido, enquanto
cífica – a comercialização de imóveis por quem os facto impeditivo do direito do credor a obter a re-
construiu, num quadro económico normalmente paração desses defeitos, assenta numa presunção
designado como “promoção imobiliária”85 – rea- de culpa do vendedor, referida ao conhecimento
lidade essa que é distinta das situações em que desses defeitos, decorrente do trecho final do ar-
alguém constrói uma casa – a sua casa (não origi- tigo 914º do CC”. Nesse quadro, ocorre a alocação
nariamente destinada a comercialização) – e, pos- do ónus da prova desse desconhecimento sem
teriormente, por qualquer razão, a vendeu, vindo culpa ao próprio vendedor, com a consequência,
o comprador a detectar defeitos nesse imóvel. enquanto “regra de decisão”, de a ausência de da-
Em situações como essa, entende o Tribu- dos sobre esse desconhecimento conduzir à atri-
nal, deve valer o regime geral da compra e venda buição a este (ao vendedor) da obrigação de repa-
– da venda de coisas defeituosas (artigos 913º e ss. ração dos defeitos”. Resulta do acima exposto que
do CC) –, cujos prazos de denúncia dos defeitos o tribunal procedeu ao afastamento da aplicação
foram, no que toca à venda de imóveis, compati- da letra do n. 4 do art. 1225.º, por via de uma re-
bilizados, pelo referido Decreto-Lei, com o regi- dução teleológica.
me da empreitada, conferindo-se assim um tra- Outra situação de aplicação da redução te-
tamento fundamentalmente unitário a situações leológica verificou-se em decisão no sentido de
que apresentam relevantes pontos de semelhança, que a não produção dos efeitos que a lei reconhe-
no particular aspecto em que são válidos argu- ce à união de facto tanto se verificariam quando
mentos de identidade de razão entre a empreitada o membro casado fosse o elementos da união de
e a compra e venda. facto contra quem ou em relação a quem se veri-
O Tribunal recorre assim às regras especí- fica o evento em função do qual o outro membro
ficas da compra e venda no enquadramento das da união deduz a pretensão, como quando o im-
vicissitudes contratuais respeitantes à transmis- pedimento se verifica na pessoa do peticionante86.
são, estando assente como matéria de facto que o Na situação concreta analisada pelo Tribu-
imóvel vendido veio a apresentar defeitos dentro nal da Relação de Lisboa, uma pessoa faleceu no
do período de cinco anos posterior à venda (ou, estado civil de casada com outra pessoa. Esse ca-
fosse esse o caso, posterior à entrega da coisa) e samento havia sido celebrado menos de um ano
que esses defeitos foram atempadamente denun- antes dessa infeliz eventualidade, tendo ele cin-
quenta anos e ela oitenta e quatro anos. Consta da
85 “Considera-se promotor imobiliário aquele que
constrói, por conta própria ou mediante contrato factualidade assente que essas pessoas viveram
de empreitada, o prédio e promove a sua venda, em comunicação de mesa, leito e habitação, como
normalmente por andares, antes ou depois da se de marido e mulher se tratasse, desde a déca-
respectiva construção”. A especificidade desta si-
tuação contratual, não obstante ela se expressar, da de oitenta, até à data do seu casamento civil.
algo indiferenciadamente, num simples contrato Mais, durante esse período residiram, ininter-
de compra e venda celebrado entre o “promotor” ruptamente, na mesma casa. Ora, a falecida era
e o adquirente do imóvel decorre da combinação
na mesma pessoa (o promotor imobiliário), relati- beneficiária, à data do seu óbito, de uma pensão
vamente ao comprador, da qualidade, própria ou de reforma. Face a este enquadramento factual,
alcançada através de terceiro, de construtor com a pretendia-se saber se o membro sobrevivo do ca-
de vendedor. A tendência da jurisprudência portu-
guesa distanciou-se, na não consideração autóno- sal teria direito a obter alimentos enquanto côn-
ma desta figura da promoção imobiliária, do cami- juge sobrevivo, não obstante o facto de a falecida
nho seguido noutras ordens jurídicas, sendo esta a ter morrido no estado de casada com o autor há
razão da compatibilização dos prazos de garantia
entre a compra e venda e a empreitada, estando em menos de um ano.
causa imóveis, nos termos decorrentes das altera- O regime jurídico das uniões de facto (Lei
ções introduzidas pelo Decreto-Lei nº 267/94 aos n.º 7/2001, de 11 de Maio), dispõe que são impe-
artigos 916º e 1225º do CC (Cfr. ROMANO MAR- ditivos dos efeitos jurídicos dele decorrentes o
TINEZ, Pedro. Direito das Obrigações (Parte Espe-
cial). Contratos. Compra e Venda. Locação. Emprei- 86 Acórdão TRL de 15-04-2010, Proc. 772/08.4TBP-
tada, Almedina, Coimbra, 2000, pp. 311-314). NI.L1-6. Disponível em: <www.dgsi.pt>.

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A redução teleológica no ordenamento jurídico português…

casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver Assim, da interpretação das normas aplicáveis ao
sido decretada separação judicial de pessoas e caso concreto, resultaria que o estado de casado
bens (art. 2º). Esse impedimento é estabelecido de do elemento falecido obstaria ao reconhecimento
modo bilateral e genérico, não limitando o efeito ao elemento sobrevivo dessa união de facto do di-
inibitório do casamento anterior em função da reito às prestações devidas pela segurança social
natureza do efeito jurídico em causa, designada- por morte do primeiro (sobrepondo-se à prévia
mente da possibilidade de conflito de pretensões união de facto). No entanto, nesta situação, essa
decorrentes do casamento não dissolvido. As- exclusão não faria sentido de acordo com a fina-
sim, excepto se tiver existido separação judicial lidade das normas que a ela dão azo. Pelo que, no
de pessoas e bens, o casamento de qualquer dos entendimento do Tribunal, teria de se equacionar
interessados impede em absoluto que a situação a redução teleológica destas normas, no segmen-
de facto de convivência de duas pessoas em con- to em que é consagrado como factor obstativo do
dições análogas às dos cônjuges seja produtora de reconhecimento do direito do sobrevivo a existên-
qualquer dos efeitos jurídicos que esta mesma lei cia de um casamento não dissolvido por parte do
prevê. Um dos efeitos previstos por este regime elemento falecido. Ou seja, a restrição do campo
é a protecção na eventualidade de morte do be- de previsão dessas normas, dado que estas, na sua
neficiário, pela aplicação do regime geral da se- literalidade, vão contra a sua própria razão de ser.
gurança social e da lei (art. 3.º, al. e), o qual não Fazendo, por esse motivo, uma restrição do seu
teria lugar, por efeito do art. 2.º do mesmo regi- alcance, atenta a sua concreta finalidade88.
me, ou seja quer quando o membro casado fosse É interessante ainda confrontar acórdão do
o elemento da união de facto contra quem ou em Tribunal da Relação de Coimbra89, relativo à pos-
relação a quem se verifica o evento em função do sibilidade do jogo providenciado por determinada
qual o outro membro da união deduz a pretensão, máquina electrónica ser considerado como jogo de
como quando o impedimento se verifica na pes- fortuna ou azar nos termos da legislação aplicável.
soa do peticionante. Mediante o que designa de uma interpreta-
No entanto, no entendimento do Tribunal, ção sistemática e teleologicamente fundada, em
o caso concreto obriga a uma consideração mais respeito dos princípios da subsidiariedade, da
detalhada de todo o regime jurídico pertinente, dignidade penal e da tutela de bens jurídicos, o
analisando para o efeito os arts. 8.º e 9.º do De- Tribunal opôs-se ao entendimento de que deter-
creto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro e o Decre- minado jogo - disponibilizado por certa máquina
to Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, assim
como o art. 2020.º do CC para que estes remetem87. no momento da morte de beneficiário não casado
ou separado judicialmente de pessoas e bens, vivia
87 Exercício que ora se transcreve: “O Dec-Lei n.º com ele há mais de dois anos em condições análo-
322/90, de 18 de Outubro, que regula a protecção gas às dos cônjuges”. Esta redacção tem forte seme-
por morte dos beneficiários abrangidos por regime lhança, na parte do preceito que está em análise,
de segurança social, dispõe no nº 1 do seu art. 9º com o n.º 1 do art. 2020.º do Código Civil que dispõe
que “Não havendo filhos do casamento, ainda que que “[a]quele que, no momento da morte de pessoa
nascituros, o cônjuge sobrevivo só tem direito às não casada ou separada e pessoas e bens, vivia com
prestações se tiver casado com o beneficiário pelo ela há mais de dois anos em condições análogas às
menos um ano antes da data do falecimento deste, dos cônjuges, têm direito …”.
(…)”.Por outro lado, estatui o art.º 8.º do mesmo di- 88 Conclui o Tribunal, sem, para o efeito, manter
ploma, sob a epígrafe, “Situação de facto análoga à uma correspondência com o elemento literal da
dos cônjuges” que: 1 - O direito às prestações previs- lei, nomeadamente os preceitos já enumerados:
tas neste diploma e o respectivo regime jurídico são “Ora, no caso presente, apesar da beneficiária do
tornados extensivos às pessoas que se encontrem na réu ter falecido no estado de casada, como esse ca-
situação prevista no n.º 1 do artigo 2020.º do Códi- samento sucedeu a um período de mais de 20 anos
go Civil. 2 - O processo de prova das situações a que de união de facto entre aquela e o seu depois mari-
se refere o n.º 1, bem como a definição das condições do, não havendo qualquer outro casamento cujos
de atribuição das prestações, consta de decreto re- efeitos a lei teve em vista tutelar, tendo-se consoli-
gulamentar”. Desta regulamentação encarregou-se dado na pessoa do autor – 1º unido de facto e de-
o Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, pois cônjuge - a situação de exclusiva conjugalida-
que veio definir “o regime de acesso às prestações de que a lei tem como pressuposto da atribuição
por morte, no âmbito dos regimes de segurança so- das prestações sociais em causa, patente fica que
cial, previstas no Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de o casamento entre o autor e a sua falecida mulher,
Outubro, por parte das pessoas que se encontrem apesar de duração inferior à normalmente exigida
em união de facto” (art. 1.º). Na parte que interessa para a produção daqueles efeitos, em nada obsta ao
para a questão a decidir no presente recurso, o art. reconhecimento do direito ao autor às pretendidas
2.º do diploma dispõe que “Tem direito às presta- prestações da Segurança Social”.
ções a que se refere o número anterior a pessoa que, 89 Acórdão TRC 26-03-14, Proc. 84/13.1GAFVN.C1.

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e que apresentava como resultado pontuações uma álea relevante, da mesma natureza de fichas,
dependentes exclusiva ou fundamentalmente da dinheiro ou bens de valor económico ou não de-
sorte - fosse entendido como jogo de fortuna ou senvolvam temas próprios dos jogos de fortuna
azar dado não ter a ele associado, um desvalor ou azar nos termos previstos na 1ª parte daquele
social semelhante ou muito próximo do previsto dispositivo ou nas alienas precedentes do mesmo
pelo legislador. Fê-lo apesar de esse entendimento nº1 do preceito”.
ser, claramente, desprovido de uma correspondên- No caso em apreço, a máquina disponibili-
cia, ainda que mínima, com o texto da lei. Na sua zava um jogo que consistia no seguinte: “intro-
fundamentação, o Tribunal percorre todo a legis- duzindo a moeda de € 0,50, a máquina enceta o
lação aplicável a estes jogos, assim como preceitos ‘jogo’ que consiste no acendimento, num ecrã cir-
conexos, pretendendo com isso demonstrar uma cular, de 64 led’s numerados, dos quais oito (10,
relação directa entre a censura pelo ordenamento 1, 50, 2, 100, 5, 20 e 200) são pontuados. No caso
jurídico e o desvalor social do jogo, assim demons- de a luz se fixar – aleatoriamente, sem influência
trando a finalidade da regulamentação legal do da perícia do jogador - num dos led`s pontuados,
jogo e, simultaneamente, a necessidade da redução o jogador ganha os pontos identificados em cada
teleológica do elemento literal de forma a que a so- um daqueles números. Fixando-se em qualquer
lução concreta esteja adequada ao concreto escopo um dos restantes pontos (56) o jogador não ganha
da norma tal como este foi previsto pelo legislador. ponto nenhum”. No entanto, os pontos ganhos
De acordo com a legislação aplicável (princi- apenas podiam ser convertidos em novas jogadas,
palmente, o Decreto-Lei n.º 422/89), tipificam um sempre idênticas ao processo acima descrito. Por
jogo de fortuna ou azar, entre outros, jogos em inexistir a possibilidade de troca dos pontos por
máquinas que, não pagando directamente pré- fichas, dinheiro ou prémios de qualquer nature-
mios em fichas ou moedas, desenvolvam temas za, que não o acendimento sucessivo das luzes e
próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresen- a possibilidade de, fixando em alguma das 8 lu-
tem como resultado pontuações dependentes ex- zes premiadas, conferir nova ou novas jogadas,
clusiva ou fundamentalmente da sorte (art. 4.º, al. entendeu o tribunal não existir igualmente uma
g) do Decreto-Lei referido). álea digna de relevo que provoque o impulso ao
No entanto, no entendimento do Tribunal, jogo, dirigido à obtenção de algo de valor supe-
quando o resultado do jogo nas máquinas auto- rior ao da aposta, elemento pressuposto pela va-
máticas, embora dependendo exclusivamente da loração dos interesses protegidos pelo tipo legal,
sorte, não atribui prémios pagos em fichas (con- integrante do seu escopo ou finalidade.
vertíveis em dinheiro) ou moedas e desenvolve te- Pelo que, no entendimento do tribunal, o
mas característicos dos jogos típicos de fortuna ou preenchimento do tipo (de jogo de fortuna ou
azar, deverá, em acréscimo ao que é exigido pela azar) apenas seria satisfeito mediante uma redu-
norma legal, importar para o jogador uma álea ou ção teleológica do âmbito de aplicação dos seus
risco relevante, da mesma natureza ou semelhan- elementos típicos normativos, consentâneo com o
te ao previsto a propósito dos demais jogos iden- padrão de adequação social perspectivado para a
tificados como típicos pela legislação aplicável. satisfação do limiar mínimo da dignidade penal,
Concluindo que “não há fortuna ou azar se não assente na perigosidade abstracta ou presumida da
há fortuna ou azar relevantes envolvidos”90. Nesta conduta que exige um jogo com a densidade pres-
medida, o Tribunal afirma a necessidade de uma suposta em qualquer das alíneas do n.º 1 do art.º 4
redução teleológica do âmbito de aplicação da 2ª do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro.
parte da al. g) do nº1 do art. 4º do Decreto-Lei n.º Em jeito de conclusão, o Tribunal funda-
422/89, de 2 de Dezembro (“ou jogos em máqui- menta a admissibilidade da redução teleológica
nas que apresentem como resultado pontuações porque o contrário obrigaria a entender que o
dependentes exclusiva ou fundamentalmente da legislador havia pretendido abranger por aquela
sorte”) no sentido de “apenas revestirem a natu- segunda parte da alínea situações que não se-
reza de jogos de fortuna ou azar, os jogos em má- riam abrangidas quer pela primeira parte dessa
quinas automáticas cujos resultados, dependendo mesma alínea, quer por qualquer uma das outras
embora fundamentalmente da sorte, não contém alíneas que tipificam o tipo de jogos qualificáveis
90 Afasta, portanto, a ideia de que a norma desse De-
como jogos de fortuna ou azar, justificando essa
creto-Lei possa ser qualificada como norma plena. impossibilidade com a presunção prevista no art.
Vd. n. 55 supra.

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A redução teleológica no ordenamento jurídico português…

9.º do CC. Assim, “nunca poderia entender-se que acórdão unicamente enquanto elemento relevante
o legislador quis fazer entrar pelo postigo (par- no sentido da comprovação genérica da admissi-
te final da citada al. g) – após a disjuntiva ‘ou’) bilidade deste processo interpretativo e integrativo
situações que nunca poderiam entrar na porta à luz do entendimento dos tribunais portugueses.
grande prevista na 1ª parte da mesma alínea o ou
em qualquer das múltiplas alíneas precedentes
do mesmo preceito”. Por via da redução teleoló- 5 O lugar da redução teleo-
gica das normas legais aplicáveis, o Tribunal de- lógica no ordenamento jurí-
cidiu no sentido de que a máquina considerada
não poderia integrar o crime de exploração ilícita dico português
de jogo (art. 108º do Decreto-Lei n.º 422/89), por
não se integrar num dos tipos de jogos de fortu- A análise jurisprudencial realizada permite
na ou azar previstos por esse Decreto-Lei, apesar afirmar que, embora a generalidade da doutrina
de, para alcançar essa conclusão, abdicar de uma apresente (fundamentadas) reservas à aplicação
correspondência com o texto da lei. A redução da redução teleológica no ordenamento jurídico
teleológica no domínio da lei penal obriga, em português, em especial pela limitação interpreta-
nosso entendimento, a um alargado conjunto de tiva que resulta da obrigatoriedade de obtenção
reservas metodológicas, decorrentes das particu- de um resultado que mantivesse um mínimo de
lares finalidades da sua prossecução. correspondência verbal com a letra da lei (exigi-
Ainda assim, exemplo da suposta admissi- da pelo art. 9.º n. 2 CC), os Tribunais recorrem a
bilidade da redução teleológica no direito penal este instituto na solução de casos concretos. Não
pode também ser encontrada no acórdão do Su- sendo uma prática usual - como nunca poderia
premo Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 2008 ser dada a sua função de resposta a imperfeições
(Proc. 07P1008), a propósito de substâncias psi- do sistema de difícil verificação na presença de
cotrópicas e do regime do seu cultivo, detenção e um legislador democrático munido da capacida-
aquisição para consumo próprio. de técnica e informação necessária para legislar
Ainda que este tema tenha vindo, posterior- – a utilização desse instituto traz consigo algu-
mente, a ser objecto de acórdão de Uniformização mas vantagens e possibilidades que nos parecem
de Jurisprudência91 92 , a decisão referida afirma meritórias da sua consideração, especialmente
que o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 importantes face a fortes indícios da sua puta-
de Janeiro - circunscrito ao consumo e à aquisi- tiva aceitação. Não obstante, não somos néscios
ção e detenção para consumo próprio de drogas ao ponto de procurar desconsiderar, sem mais, os
ilícitas em pequenas quantidades – via, por redu- problemas espoletados pela sua admissibilidade.
ção teleológica, o alcance da sua revogação pelas O combate à discricionariedade do julgador, ris-
disposições conjugadas dos artigos 28.º e 2.º n.º 2 co associado à aplicação do instituto, obriga a um
da Lei n.º 30/2000 de 29 de Novembro, conservar processo interpretativo cuidado e especialmente
válido o texto remanescente. Não se pretendendo fundamentado, conforme explicitado ao longo do
aqui aprofundar as particularidades da redução te- texto. Não nos quedamos convencidos que a cir-
leológica no domínio da lei penal93, referimos este cunstanciada fundamentação da necessidade de
aplicação da redução teleológica ao caso concreto
91 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º
8/2008, Processo n.º 1008/07, DR de 5 de Agosto tenha ocorrido em todos os acórdãos analisados.
de 2008: “Não obstante a derrogação operada pelo Igualmente coloca reservas à sua aplicação
artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, este instituto implicar que terminada a interpre-
o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto -Lei n.º 15/93, de 22
de Janeiro, manteve- -se em vigor não só ‘quanto ao tação, a regra resultante pode ser restringida pela
cultivo’ como relativamente à aquisição ou deten- consideração das finalidades da lei. Pelo que tal
ção, para consumo próprio, de plantas, substâncias solução terá, necessariamente, de operar no “in-
ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV,
em quantidade superior à necessária para o consu- terior” da regra. Reconhecendo-se que também
mo médio individual durante o período de 10 dias.” Salvo melhor opinião, a interpretação restritiva de
92 Sobre o tema, no domínio do consumo de droga, um preceito penal ou a sua redução teleológica é
Cfr. PEREIRA, Rui “A descriminação do consu- proibida no Direito Penal, pelo menos ao mesmo
mo de droga”, Líber Discipulorum para Jorge de título que a analogia (artigos 29.º, n.º1 e 3, da Cons-
Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, passim. tituição e 1.º do Código Penal).
93 Parece-nos acertada, pelo seu papel no ordena- Essa proibição não abrange o processo penal (Cfr.
mento jurídico, a consideração de uma proibição Acórdão do STJ, 21-12-2012, Relator Henriques
genérica da redução teleológica no Direito Penal. Gaspar, disponível em www.dgsi.pt).

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a regra obtida pela interpretação que leva à apli- sultado, não seja adequada ao ordenamento jurí-
cação da redução teleológica foi, de uma forma dico em que esse resultado seria aplicado; consti-
genérica, pretendida pelo legislador. Meramente tuindo apenas mais uma forma de dar resposta às
não se pode retirar dessa exigência de aplicação limitações inerentes ao processo legislativo.
(decorrente dos elementos interpretativos pro- Nunca poderá constituir uma forma de o in-
videnciados pela própria ordem jurídica como térprete ultrapassar os limites impostos pelo pró-
um todo), uma pretensão que de alguma forma prio sistema, em busca de uma solução do caso
extravase a sua verificação no caso concreto ou concreto radicada na sua percepção, com a qual -
a casos estritamente equiparáveis. Exige-se, ao pelo entendimento que tem de determinada situa-
intérprete, uma actuação iterativa especialmente ção - se procura substituir ao legislador. Meramen-
cuidadosa, um conhecimento holístico do orde- te providencia uma resposta, metodologicamente
namento jurídico e um conhecimento da realida- sustentada e carecida de extensa fundamentação e
de social, económica e cultural que lhe permita justificação, à verificação de iniquidades ou paten-
observar os resultados da aplicação da norma ao tes injustiças, resultantes da incapacidade do cor-
caso concreto e neles reconhecer a necessidade po de normas jurídicas de considerar individual-
de uma redução teleológica, por inexistência de mente todas as situações passíveis de verificação;
processo interpretativo alternativo que possa ofe- estabelecendo os limites do intérprete confrontado
recer resposta adequada à questão. com uma solução, exigida pelo espírito da lei, que
O elemento teleológico é já um dos elemen- não encontra apoio na letra da lei, mormente por
tos da interpretação. Pela redução teleológica vai- motivo da verificação de uma lacuna.
se-lhe dar nova relevância em momento posterior,
permitindo-se a restrição da própria norma e não
já apenas de uma formulação demasiado ampla94. Referências bibliografias
Apenas se o intérprete observar e preencher o
explicitado percurso iterativo de demonstração ALEXY, Robert “Interpretação teleológica e vincu-
dessa necessidade por inexistência normativa de lação à lei”, Trad. Miguel Brito Bastos, Revista da
outra solução, podemos afirmar que a redução te- Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,
leológica é distinta da interpretação ab-rogante da Coimbra, Coimbra Editora, 2012.
lei, merecendo aplicação. Como decorre da juris- ALVES, Sílvia. “O espírito das leis – para uma teoria
prudência analisada, existe espaço, num conjunto da interpretação da lei no século XVIII”, Separata
muito restrito de situações, para que a redução Revista da FDUL, vol. XLII, n. 1, Coimbra, Coimbra
teleológica não constitua, em boa verdade, inter- Editora, 2001.
pretação contrária à norma à qual ela é aplicada. BATISTA MACHADO, J. Introdução ao Direito e ao
Demonstrando-se o espaço e relevância para a sua discurso legitimador, Coimbra, Almedina, 1993.
admissibilidade (admissibilidade que pressupõe a BRONZE, Fernando José. Lições de Introdução ao
proibição em certas situações, como já explorado). Direito, Coimbra, Coimbra Editora, 2006.
Pelo que cumpre voltar a referir a importância do
CASTANHEIRA NEVES, António. Digesta. Escritos
controlo rigoroso das decisões judiciais, de um acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua Me-
ponto de vista de realização de justiça, tal como todologia e Outros, Coimbra, Coimbra Editora, 1995.
esta pode ser entendida num estado provido de
CASTANHEIRA NEVES, António. Questão de facto
um legislador áutónomo do poder judicial.
questão de direito ou o problema metodológico da
Parece-nos acertado afirmar que a redução juridicidade: ensaio de uma reposição crítica. Coim-
teleológica actua como um instrumento práti- bra, Tese de Doutoramento em Ciências Jurídicas
co cujas aplicações extravasam as considerações apresentada à Faculdade de Direito da Universidade
teóricas que a mesma suscita. A busca do preciso de Coimbra, 1967.
escopo ou finalidade da norma, enquanto res- CRISP, Roger; SLOTE, Michael (Org.). Virtue Ethics,
posta a situações concretas em que a injustiça da Oxford University Press, 1997.
solução providenciada pelo direito, decorrente de
DOMINGOS DE ANDRADE, Manuel. Ensaio sobre
uma aplicação das normas obrigatoriamente ads- a interpretação das leis. Interpretação e aplicação das
trita a uma mínima correspondência verbal com leis, Coimbra, Arménio Amado, 1963.
o elemento literal independentemente do seu re-
ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico,
94 Cfr. ASCENSÃO, José De Oliveira. ob. cit. (O Di- 3.ª Ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1972.
reito…), pp. 415-418.

Revista Brasileira de Direito, 12(1): 141-162, jan.-jun. 2016 - ISSN 2238-0604 160
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Revista Brasileira de Direito, 12(1): 141-162, jan.-jun. 2016 - ISSN 2238-0604 161
S. C. Henriques

Teleological reduction in Portuguese law: Case law analysis

Abstract

The result of the interpretation of the law can sometimes bring about solutions that aren’t in line with
its purpose. The use of teleological reduction, which allows judges to disregard the textual element of a
norm, is admissible but cannot be a way for the interpreter to go beyond the limits of the legal system
as a whole, in order to achieve a solution that is solely based on his own perception of what is fair. In
order to demonstrate this methodological assumption, we analyse Portuguese case law applying tele-
ological reduction.
Keywords: Interpretation of the law. Teleological reduction. Case law analysis.

Submetido: 06/11/2015.
Aceito: 04/05/2016.

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