Вы находитесь на странице: 1из 4

Deleuze e nós

AddThis Sharing Buttons


Share to Facebook
Share to TwitterShare to E-mailShare to PinterestShare to Mais...

9
 
Esse título é plágio da fórmula “Espinosa e nós”, presente em um pequeno texto escrito por Gilles
Deleuze (1925-1995) em 1978, retomado em 1981, no final de seu Espinosa – Filosofia prática. A
fórmula era assim entendida: “Nós no meio de Espinosa.” E se há um nós no meio de certo filósofo,
no meio das vagas e labaredas de suas obras, é porque seu pensamento conceitual continua capaz de
atrair nossas interferências, justamente por força de tudo que acontece em seu meio. Evidentemente,
esse nós não sugere unanimidade intelectual ou de sentimentos. No mínimo, é um plural de
convergências e divergências dos mais diversos matizes. E cada um desse nós, aventurando-se
como pode, retoma a pergunta: que acontece no meio de Deleuze?
Acontecem afetos afirmativos, sente-se no rosto um novo frescor e novos ardores, nova maneira de
termos encontros até inocentes com o pensamento, sem o cultivo da morte da metafísica ou do fim
da Filosofia. Nesse meio, evitamos o hábito do obituário e a presunção dos transcendentes. Por que
esse meio de Deleuze nos livra disso e mantém viva uma interessante possibilidade do pensamento
filosófico? Não só pela perspicácia, pelo humor e até beleza de muitos dos seus textos, e nem
apenas pelo aspecto saboroso de alianças que ele estabelece ao longo de uma quebradiça história da
Filosofia. Sim, história quebradiça, porque, ao invés de condenada a blocos da monotonia
cronológica, essa história pode ser aberta a viagens plenas de vigor, tão rigorosas quanto intensas. E
quando ela se abre assim nesse meio? Quando o pensar se sente tomado por uma dramaturgia de
ideias, por um problemático jogo de forças desterritorializantes, forças que se exercem como
seleção e recriação de horizontes conceituais que pulsam nos grandes ou pequenos sistemas
filosóficos. Sente-se isso no meio de Deleuze, seja por leve inspiração indireta, seja quando o
acompanhamos diretamente em suas curtas ou longas estadas o obrigando a pensar. É que, em vez
de pensar sobre isto ou aquilo, esse meio deleuzeano nos faz experimentar a necessidade de pensar
com, postura que leva o conceito não à presunção de comandar, mas à tarefa de se determinar com
aquilo que ele determina, postura que vai esculpindo as condições necessárias para que as ideias se
sintam bem a serviço da expressividade do caso, do acontecimento, das questões, dos problemas,
das frases alheias, desta ou daquela singularidade. É o que se pode notar até mesmo em um breve
esboço dos grupos de escritos aí encontrados.
1. Com efeito, nesse meio, a escrita nos leva a passear com novos olhos por paisagens conceituais
que julgávamos fixadas em estudos certamente relevantes, mas não únicos. E eis que ganhamos um
novo Hume com Empirismo e subjetividade (1953), livro que nos remete à ideia de um empirismo
superior, graças a relações exteriores aos termos relacionados. Ganhamos um novo Proust com
Proust e os signos (1964; 1970), no qual, ao invés do apego ao passado empírico, o que se enreda
em mundos de signos a serem desvendados é o aprendizado de um homem de letras.
2. E mais: ao lermos Nietzsche e a filosofia (1962), e até o pequeno Nietzsche (1965), além do
decisivo Espinosa e o problema da expressão (1968), assim como a retomada do pequeno Espinosa
(1970) em Espinosa – Filosofia prática (1981), o que vemos conceitualmente justificado é a junção
Nietzsche-Espinosa como guerreiros afirmativos, desses que combatem por uma vida eticamente
valorizada e não moralmente depreciada. E não seria abuso juntarmos a essa dupla o nome de outro
guerreiro, François Châtelet, a quem Deleuze, em Péricles e Verdi – A filosofia de François
Châtelet (1988) presta uma digna homenagem ao ativar o conceito de combate na imanência.
3. Os incorporais dos estoicos ganham efervescente operatoriedade em Lógica do sentido (1969),
dimensionam a ideia de acontecimento nesse livro, que também nos reanima quanto a Epicuro, a
Lucrécio. Compreende-se a coloração bergsoniana desse meio com a leitura das linhas de
diferenciação já armadas em O bergsonismo (1966). E como que aplicando uma crítica de Bergson
a mistos mal compostos, encontramos importante desmontagem do misto denominado sado-
masoquismo em Apresentação de Sacher-Masoch (1967).
4. Em outro cruzamento de latitudes e longitudes desse meio deleuzeano, uma nova explicitação
conceitual da dobra barroca nos surpreende em A dobra – Leibniz e o barroco (1988). E boa
surpresa reaparece nessa mesma obra, por força da idéia de acontecimento: reencontramo-nos com
o conceito de ocasião atual, de Whitehead. Há toda uma variação de perspectivas que se acumulam
nesse cruzamento. Com efeito, pouco antes, Deleuze publicara seu benquisto e conhecido Foucault
(1986). Nesse cruzamento de atenções, está em pauta a questão das combinações das forças atuantes
no homem e das forças do fora. Se, com Leibniz, nossas forças se combinam com aquelas de
elevação ao infinito sob a forma-Deus, o problema que agora se coloca já não é esse, e nem mesmo
aquele que consiste em submeter à forma-Homem as relações entre nossas forças e as que
configuram nossa finitude na vida, no trabalho e na linguagem. O problema que se impõe a ambos é
o da dissolução da forma-Homem por efeito de outra composição: as forças atuantes no homem
combinam-se com forças de ilimitação do finito, aquelas que potencializam a produção de
combinações praticamente ilimitadas de conglomerados finitos de componentes. É fácil notar uma
das linhas favorecidas por esta combinação: a linha de proliferação dos controles na sociedade.
5. Mas nossas viagens por esse meio não param aí. Encontramos inovações na maneira pela qual,
em Superposições (1979), são conceitualmente pensadas as operações com que Carmelo Bene cria
seu teatro menor. Em O esgotado (1992), por sua vez, é com Samuel Beckett que nos encontramos,
um Beckett que obriga Deleuze a distinguir conceitualmente o esgotado (que desliza por disjunções
inclusivas) do fatigado (que pratica o jogo das disjunções exclusivas): enquanto o fatigado só
esgotou a realização e já nada pode realizar, o fatigado esgota todo o possível e nada mais pode
possibilitar, coisa que lhe ocorre de várias maneiras. Há uma intensidade no esgotamento, assim
como, na pintura de Francis Bacon, há intensidade na dissipação da imagem. Essa pintura é
acompanhada em Lógica da sensação (1984), obra que tematiza a passagem da matéria-forma à
matéria-força.
6. Visitamos também o cinema e a literatura. Mas não para falar sobre este ou aquele filme, sobre
este ou aquele romance. Com o socorro de filmes, de estudos dessa arte, dos que pensam a respeito
do seu trabalho cinematográfico, trata-se de elaborar conceitos do cinema, isto é, de discriminar
seus signos e de pensar relações constitutivas dessa arte em suas variações decisivas. É o que lemos
em Cinema 1: imagem-movimento (1983) e em Cinema 2: imagem-tempo (1985). Além do cinema,
há muita literatura conceitualmente pensada nesse meio deleuzeano. É o que ocorre no livro escrito
por Deleuze em companhia de Félix Guattari, Kafka – por uma literatura menor (1975). Neste livro,
certas noções ganham duradoura consistência, como a de agenciamento, a de devir imperceptível,
de máquina social etc. E nele também aprendemos que fazer fugir é muito mais que criticar. Essa
auto-exigência deleuzeana é praticada justamente em Crítica e clínica (1993), uma vasta reunião de
textos, muitos dedicados à escrita literária: crítica, como traçado do plano de consistência da obra, e
clínica como traçado de linhas sobre esse plano; o delineamento do bebê como combate, o de uma
lógica extrema sem racionalidade, o da avaliação imanente, o dos cristais do inconsciente etc.
7. Esse meio ainda se abre à prodigiosa multiplicidade de outros recantos, como aqueles em que se
reúnem os mais variados textos e entrevistas: Diálogos (1977; 1996), escrito com Claire Parnet;
Conversações (1990), A ilha deserta (2002); e Dois regimes de loucos (2003), coletâneas
extremamente importantes para quem se interessa pelas múltiplas facetas teóricas e práticas dos
debates culturais e políticos contemporâneos.
8. Não apontamos ainda outros acontecimentos que duram nesse meio deleuzeano graças à
colaboração havida entre -Deleuze e Guattari: uma nova teoria do desejo em O anti-Édipo (1972),
desejo não mais marcado pela falta, mas por uma produtividade coextensiva ao meio natural-social-
histórico; um vasto e complexo inconsciente espinosano distribuído em planos intensivos em Mil
platôs (1980); e nova concepção do que seja ou deva ser a própria Filosofia. Sim, o meio
deleuzeano é um convite para que estejamos atentos a relações de ressonâncias com outros
domínios, relações não hierárquicas entre filosofias, ciências e artes, a respeito da Ética e dos
combates na imanência pela dignificação do viver…
É claro que esses oito itinerários pelo meio Deleuze poderiam ser multiplicados. O que nos obriga a
perguntar: seria esse meio o de uma dispersão de temas meramente justapostos ou, ao contrário,
submetidos a um modelo interpretativo? Nada disso. Nele, qualquer coisa pode forçar o pensamento
filosófico a cumprir sua única tarefa: a de sentir e pensar conceitualmente o jogo problemático
constitutivo da coisa em seus encontros, o jogo que envolve a diferença e o problema em pauta a
cada caso. Tarefa difícil e tematizada de modo exemplar em Diferença e repetição (1968). É que, a
cada instante, o pensamento recai em um jogo antigo, o jogado entre quatro paredes da
representação: a identidade do conceito, a analogia do juízo, a oposição dos predicados e a
semelhança do percebido. Como subverter este jogo a cada instante? Tarefa difícil, para a qual o
meio deleuzeano conta com uma proposição ontológica irredutível a receituários metodológicos: na
experiência real dos encontros, todo e qualquer ente se diz univocamente como correspondências
problemáticas entre diferenciações virtuais e diferenciações atuais. Assim, a problemática da
diferença ganha uma nova imagem do pensamento filosófico.

Luiz B. L. Orlandi é doutor em Filosofia pela Unicamp, mestre em poética pela Universidade de
Besançon (França) e professor do Núcleo de Estudos da Subjetividade da PUC-SP. Autor de A voz
do intervalo (Ática, 1980), organizador de A ilha deserta (Iluminuras, 2006) e tradutor de várias
obras de Deleuze

Вам также может понравиться