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CURSO “MULHERES NA FUNÇÃO PÚBLICA”

E-book Módulo 3 – Os estereótipos de gênero e a relação entre mundo do trabalho e


mundo familiar

Profa. Dra. Letícia Godinho de Souza


Profa. Dra. Ana Paula Salej Gomes
Profa. Dra. Rosânia Rodrigues de Sousa

Fundação João Pinheiro


Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho

Presidência
Roberto do Nascimento Rodrigues

Diretoria Geral da Escola de Governo


Letícia Godinho de Souza

Diretoria Adjunta da Escola de Governo


Laura da Veiga

Gerência de Ensino e Pesquisa


Rosânia Rodrigues de Sousa

Caderno elaborado como suporte ao curso “Mulheres na função pública”. Reprodução


permitida, mas pede-se citar o original.

1. ed. Souza, Letícia Godinho de; Gomes, Ana Paula Salej; Sousa, Rosânia Rodrigues de,
2018.

Mulheres na função pública. Módulo 3: Os estereótipos de gênero e a relação


entre mundo do trabalho e mundo familiar
- Fundação João Pinheiro / Letícia Godinho de Souza; Ana Paula Salej Gomes;
Rosânia Rodrigues de Sousa. 1. ed. - Belo Horizonte: 2018. 19p.

1. Mulher 2. Feminismo 3. Mercado de trabalho 4. Desigualdades sociais.


Prezadas/os cursistas, como vão?

Até aqui, no nosso curso, analisamos várias questões relacionadas ao


modo como as mulheres vivem e experimentam o trabalho no
mundo privado e especialmente, no setor público. No Módulo 1,
tivemos um primeiro panorama sobre as principais tendências e
fenômenos que podem ser observados acerca da temática; para, em
seguida, começarmos a analisar alguns aspectos, em maior
profundidade. Assim, no Módulo 2, investigamos um pouco mais
sobre como e por que ocorrem várias formas de segregação de
gênero no mundo do trabalho e no serviço público.

Neste Módulo 3, temos o objetivo de analisar um pouco mais


detidamente a questão dos padrões culturais que regem as relações
de gênero no trabalho, abordando o tema dos estereótipos de
gênero. Aprofundaremos também a questão da relação entre o
mundo do trabalho e o mundo familiar, buscando entender como
esses dois âmbitos se encontram profundamente entrelaçados e se
autodeterminam.

Então, vamos iniciar o primeiro tópico?


1. Os estereótipos de gênero

Estereótipo, de acordo com Aronson, Wilson e Akert (2015) é a

Generalização de um grupo de pessoas, por meio da qual certos traços são atribuídos a
praticamente todos os membros, sem se considerar a real variação entre eles.

A partir da definição oferecida por esses autores, podemos dizer que


estereotipar é uma forma simplificada de perceber o mundo. Trata-se
de um formar um padrão a partir de ideias preconcebidas, resultantes
seja da falta de conhecimento geral sobre determinado assunto, seja
como imagem ou ideia que categoriza alguém ou algo com base
apenas em generalizações, expectativas e hábitos de julgamento.

O estereótipo pode, assim, estar baseado na experiência, mas


sobretudo na forma como as pessoas interpretam sua experiência do
mundo.

Por sua vez, os estereótipos de gênero se referem às construções e


expectativas sociais sustentadas em relação a homens e mulheres.
Nesse contexto, os estereótipos de gênero se originam e são
transformados por valores e códigos culturais que constroem
representações sobre o que é ser homem ou ser mulher, o papel
exercido e a função ocupada por cada um deles na hierarquia social.
Essas representações se perpetuam e são absorvidas pelo
inconsciente coletivo a partir de seu fortalecimento sistemático, por
meio de palavras, gestos, atitudes e comportamentos internalizados
desde a infância, no trabalho, na família, entre outros.

Assim, os estereótipos de gênero definem previamente


características, habilidades e competências de homens e
mulheres. Em uma sociedade patriarcal, essas definições não são
iguais; como resultam de uma perspectiva social dominada pelo sexo
masculino, as habilidades, competências e demais características
femininas são vistas como pouco ou menos qualificadas, dotadas de
menor valor ou inferiores.

Uma das maneiras de se operar essa desqualificação está ligada a um


estereótipo sexista, que faz um forte apelo à existência de uma
“natureza feminina” e de uma “natureza masculina”
biologicamente determinadas. Assim, algumas habilidades femininas
estariam justificadas ou amparadas na anatomia feminina ou a seu
sexo biológico (Dejours, 2008).
Trindade, Nascimento e Gianordoli-Nascimento (2006) apontam que,
na verdade, o que ocorre mais comumente é um processo de
naturalização de atributos socialmente construídos, que está
relacionado à percepção de que dadas características devem ser
vistas como essenciais. Ou seja, essencializa-se uma determinada
característica, que é construída socialmente, mas que passa a ser vista
como “natural” e por isso intransponível.

Por exemplo, o estereótipo da “mulher cuidadora”, do feminino


como o gênero “natural e biologicamente” apto a cuidar da casa, das
crianças, dos idosos. Em consequência, por faltarem-lhe tais atributos
naturais ou biológicos, os homens não se enveredam pelas tarefas do
cuidado, típicas do âmbito familiar ou doméstico. Por outro lado,
supõe-se que os homens são seres racionais e sociáveis e, portanto, a
eles cabe de modo mais “típico” e natural o âmbito público, e a esfera
do trabalho (o remunerado, claro).

Seja como for, essas representações sociais criam um padrão a ser


partilhado socialmente pelo grupo ou pela comunidade política, e
acabam contribuindo para a manutenção de uma identidade social
patriarcal.

Ainda hoje, verifica-se a percepção disseminada do papel do homem


como provedor exclusivo ou ainda da “natureza” masculina como
marcada por uma “necessidade incontrolável de sexo”, o que
caracteriza os homens como “predadores sexuais, sem coração,
dominantes e arrogantes” (Glick et al, 2004).

Por outro lado, as mulheres são valorizadas como seres fiéis, amáveis,
mais empáticas, caridosas. Dejours (2008), reportando-se aos estudos
de Hirata e Kergoat (1988), afirma que a mulher que não apresenta as
características ditas como “naturais” à condição feminina (tato,
disponibilidade, prestimosidade, renúncia, humildade, dentre outras)
é considerada como incompleta e, consequentemente, como se não
fosse “mulher de verdade”.

Autores como Glick e Fiske (2001) argumentam que esses


estereótipos acabam por rebaixar as mulheres, colocando-as como
“sexo frágil”. Eles legitimam a discriminação contra as mulheres e
são usados com frequência para relegá-las a papéis menores. No
mesmo sentido:

Pesquisas realizadas descrevem os homens como ‘independentes, dominantes,


competentes, racionais, competitivos, assertivos e estáveis para lidar com momentos de
crise’, enquanto as mulheres são caracterizadas como ‘mais emocionais, sensíveis,
expressivas, gentis, prestativas e pacientes’ (Ashmore, 1981; Martin, 1987; Minnigerode
e Lee, 1978).
Um estudo sobre estereótipos de gênero, realizado por Sherrifs e
Mckee (1957 apud Almeida et al, 2006), com universitários
norteamericanos, obteve como resultado que os homens são vistos
como:
 mais assertivos
 racionais
 vigorosos
 eficientes.

Por sua vez, as mulheres foram vistas como:


 competentes socialmente
 graciosas
 espiritualizadas
 calorosas emocionalmente e dispostas a dar apoio.

Pesquisa realizada no Brasil por Barros, Natividade e Hutz (2010 apud


Almeida et al, 2006), também com universitários, trouxe resultados
similares, ao identificar as diferenças na descrição de características
de homens e mulheres. Os homens foram descritos como
“responsáveis pelo sustento, com disposição para exercer o comando
e para trabalhos pesados e com gosto por veículos e jogos”. Por sua
vez, as mulheres foram reconhecidas como “afetuosas, caprichosas,
vaidosas e responsáveis pelas questões do lar e dos filhos”.

Natividade, Laskoski, Barros e Hutz (2014) realizaram uma outra


pesquisa, com o objetivo de caracterizar as crenças sobre homens e
mulheres, partilhadas por jovens com nível fundamental incompleto
de escolaridade. Como resultado, a pesquisa identificou um mapa de
atributos que configuram estereótipos de gênero, representado na
próxima página. O círculo esquerdo contém as características mais
frequentemente associadas aos homens e o círculo da direita, as que
mais se associam às mulheres. Ao centro, estão presentes as
características citadas como comuns a homens e mulheres.
Figura 1. Estereótipos de gênero

Fonte: Adaptado de Natividade,Laskoski, Barros e Hutz (2014).

Uma pesquisa desenvolvida por Trindade, Nascimento e Gianordoli-


Nascimento (2006) teve por objetivo investigar as representações
sociais que homens e mulheres tinham de si mesmos e do outro, isto
é, como homens e mulheres se vêem, de forma ideal. Foram
solicitados aos participantes que indicassem as principais
características que uma mulher e um homem devem ter.
Abaixo são apresentados alguns exemplos das respostas dadas pelas
mulheres e pelos homens entrevistados:

Quadro 1. Características de homens e mulheres ideais, segundo as mulheres entrevistadas

Respostas Femininas
Categorias de
respostas
Homem ideal Mulher ideal

Afetividade Docilidade Delicadeza, meiguice

Cuidar da casa, limpa,


Família/ casa Valorizar a companheira
higiênica
Charme, másculo
Atributos físicos Feminilidade, vaidade
sensualidade
Prestativo, não competir,
Sociabilidade Compreensiva, vaidade
não ter inveja
Ambição, dinâmico, ganhar
Atributos profissionais Batalhadora, competência
bem, ter iniciativa
Criatividade, discernimento,
Atributos intelectuais Coerência, maturidade
esperteza
Autocontrole, opinião Firmeza, independência,
Autovalorização
própria, personalidade persistência
Lealdade, ser de respeito,
Atributos morais Honra, humildade
simplicidade, virtuosa
Fonte: Trindade, Nascimento e Gianordoli-Nascimento (2006)
Quadro 2. Características de homens e mulheres ideais, segundo os homens entrevistados

Respostas Masculinas
Categorias de
respostas Homem ideal Mulher ideal
Superior Fundamental Superior Fundamental

Ajudar o marido,
Peça principal
amar o marido,
Administrar bem da família,
Dar segurança à boa dona de
a família, líder da respeitar
Família/ casa família, pai casa,
família, saber marido, saber
educador responsável com
educar servir, cuidar
a família, não
da casa
ciumenta

Atraente,
Masculino, boa Caprichosa,
Atributos físicos Saúde feminilidade,
apresentação consigo, saúde
boa de cama

Amizade,
comunicativo,
pacífico, saber Saber conversar,
Calma, versátil,
Aceitar ideias, das coisas e não ser metida,
Sociabilidade saber
espírito coletivo ficar calado, ser ajudar os menos
conversar
legal com as favorecidos
pessoas, passar
confiança

Bem sucedido,
Autonomia,
Atributos flexibilidade,
Ter profissão independência _
profissionais liderança, visão
financeira
de futuro

Capacidade, Criatividade,
Atributos
coerência, culto, Bom senso sabedoria, Ter estudo
intelectuais
discernimento bom senso

Saber o que
quer, saber Perseverante,
Autovalorização Experiência Valorizar-se
vencer, determinação
personalidade

Honra, ter
palavra, ser Ser de Ter Deus no
Religiosidade,
verdadeiro, confiança, coração, ser
Atributos cumprir
manter lealdade, não mulher de
morais deveres, não ser
compromissos, egoísta, respeito, ter
ganancioso
lealdade, simplicidade pudor, ser séria
seriedade
Fonte: Trindade, Nascimento e Gianordoli-Nascimento (2006)

Em 2017, um órgão da administração pública realizou uma enquete


que foi respondida voluntariamente por servidores de ambos os
sexos, na qual cada participante respondeu às seguintes perguntas:
“Para você, o que é ser mulher? Para você, o que é ser homem?” Os
resultados dessa consulta são apresentados na Fig 2 e 3 abaixo e
refletem a visão que mulheres e homens respondentes têm sobre si e
sobre o sexo oposto:

Figura 2. Representações sobre a Mulher

Fonte: FJP, 2017.

Figura 3. Representações sobre o Homem

Fonte: FJP, 2017.


Como se pode observar em todas essas pesquisas, os estereótipos de
gênero reforçam as desigualdades de gênero e o preconceito contra
as mulheres, caracterizando os homens como “naturalmente”
possuidores de características de liderança, força e dominação, entre
outras, enquanto as mulheres são vistas como dóceis, ao passo que
menos inteligentes, consumidoras, sonhadoras e menos capazes.
Obviamente, tais estereótipos impactam todos os âmbitos de atuação
dos homens e das mulheres, e sobremaneira o mundo do trabalho.
Perreault (apud Chanlat, 1994) cita um estudo em que estereótipos
sexistas naturalizam as aptidões e características associadas ao
trabalho feminino, e são assim justificados:

O trabalho para o qual as mulheres são dotadas deve se assemelhar ao trabalho doméstico:
todos os tipos de emprego que exijam gestos repetitivos, rápidos e precisos serão confiados à
mulher. Igualmente, tudo o que demandar seu talento ‘natural’ de mãe e dona-de-casa (Perreault
apud Chanlat, 1994: 238).

Em uma pesquisa voltada para a descrição de profissões adequadas


para homens e mulheres, Belo, Souza e Camino (2010) verificaram
questões similares:

(...) as tarefas mais apontadas para o sexo feminino estavam relacionadas ao cuidado com a casa,
cuidado de outras pessoas e educação. Por sua vez, as tarefas relacionadas aos homens eram a
construção e o conserto de coisas, dirigir veículos e o militarismo.

Mas sabemos que essas diferenças entre homens e mulheres, que


expressam estereótipos de gênero e acabam por gerar “guetos
ocupacionais” (Hodson e Sullivan, 2008; Charles e Grusky, 2004),
como vimos no módulo anterior, tem raízes anteriores, pois estão
presentes já nas escolhas por um curso superior:

No Brasil, de acordo com os dados do INEP, enquanto mais de 70%


dos concluintes dos cursos nas áreas de educação, saúde e bem-estar
social, nos anos de 2001 e 2007 eram mulheres; enquanto isso, cerca
de 70% daqueles que concluíram cursos na área de engenharia,
produção e construção, no mesmo período, eram homens.

Em suma, os estereótipos sustentam processos socializadores que


mantem as segregações de gênero e que, em última instância,
justificam a destinação, aos homens, das atividades mais qualificadas
e mais bem remuneradas, enquanto às mulheres ficam restritas as
atividades relacionais, de limpeza e arrumação. Eles também
suportam formas de excluir as mulheres das decisões organizacionais
no mundo do trabalho.

Nesse sentido, pesquisas identificaram que o ethos administrativo


sênior é eminentemente “masculino”, e assim cria barreiras à inclusão
das mulheres (Kanter, 1977). Estereótipos de falta de capacidade e de
liderança, entre outros, suportam essas crenças. Na verdade, os
estereótipos de gênero, comumente transladados para o mundo
profissionais, acabam por retratar a forma como mulheres e homens
supostamente trabalham ou se comportam no mundo corporativo:

Um pressuposto ainda muito disseminado defende que as mulheres utilizam da


sexualidade como forma de galgar posições nas organizações.

As mulheres nos cargos executivos são, supostamente, guiadas por sentimentos e intuições,
enquanto os homens possuem comportamento mais racional e agressivo.

As mulheres desempenhariam lideranças diferentes - menos coercitivas, mais favoráveis ao


trabalho em equipe; além disso, que possuiriam relacionamentos mais fortes no trabalho.

As mulheres são menos capazes de liderar, pois elas têm mais dificuldade de usar a
autoridade, ou precisam usar mais justificativas para tratar com seus subordinados
(Engen, 2001).

As pesquisas também apontam que “líderes” masculinos são mais


favoravelmente avaliados – e que os mesmos comportamentos são
avaliados diferentemente quando referidos a homens e a mulheres.
Neste caso, “ser mulher” é um aspecto negativo per si (Powell, 2008).

Por exemplo, uma pesquisa concluiu que homens que optaram por
profissões femininas tinham maior probabilidade de promoção do
que elas (homens em áreas de gestão de recursos humanos ou
professores de ensino fundamental tem carreiras mais ascendentes e
rápidas do que suas colegas mulheres) (Hultin, 2003).

As mulheres, em geral, são mais inseguras do que os homens. Têm


normalmente mais medo “de não conseguir, não fazer direito” e
temem o olhar vigilante e reprovador de todos, especialmente das
colegas mais antigas. Na verdade, pesquisas mostram que mulheres
avaliam outras mulheres de forma mais rígida do que avaliam
homens. Essa atitude também resulta da difusão generalizada dos
estereótipos de gênero, na medida em que não há bases objetivas
que justifiquem diferenças entre homens e mulheres em testes e
avaliações de desempenho (Ena, 2012).

Na verdade, os estudos sociológicos, principalmente de caráter


qualitativo, contribuíram muito para mostrar também como as
atitudes e percepções com relação às responsabilidades familiares de
homens e mulheres diferem fortemente no local de trabalho:
Por exemplo, enquanto a fertilidade das mulheres é vista como um
risco para as organizações, frequentemente, o casamento de um
homem é visto como marca de estabilidade. Assim, mulheres casadas
apresentam risco de ausentar-se do emprego, pois podem ficar
grávidas ou faltarem por motivo de doença de membro da família;
além disso, tem grande preocupação com questões domésticas, o
que lhes afasta o foco das tarefas do trabalho. Enquanto isso, homens
casados são vistos como mais responsáveis; homens que formam
famílias “tem necessidade de complementar o salário” e passam a ser
merecedores de cargos adicionais ou de um posto superior.

Então, ao que tudo indica, as representações sociais – os estereótipos


– sobre as mulheres e sobre os homens estão na raiz das diferentes
avaliações sobre o trabalho feminino e masculino. Eles moldam a
forma como as capacidades, as habilidades, as limitações e os lugares
sociais de mulheres e homens são percebidos, julgados e atribuídos.

Trata-se, portanto, de uma divisão cultural do trabalho, que


operacionaliza a canalização de mulheres e homens em papéis
ocupacionais diferentes.

Além dos estereótipos de gênero, esses são reforçados pelo fato de


que as mulheres ainda carregam a responsabilidade primária pelo
cuidado das crianças e com o âmbito doméstico. De fato, há uma
relação íntima entre o que ocorre no âmbito doméstico e no âmbito
do trabalho remunerado.

Então vamos analisar esse aspecto, a seguir?


2 A relação entre o âmbito familiar e o trabalho
(remunerado)
Perreault identificou, em uma pesquisa, explicações sexistas para o
fato de que as carreiras das mulheres são em geral mais instáveis do
que as dos homens:

Acabamos de ver, acima, que o status familiar é um atributo negativo


para a mulher, mas positivo para o homem quando associado ao
trabalho remunerado. Se não é possível concordar com o estereótipo
que sustenta que as mulheres são pouco interessadas por suas
carreiras, como pode ser explicado o fato de que as mulheres faltam
mais ao trabalho, tem maiores taxas de abandono ou tem carreiras
mais instáveis?

Para as mulheres, a relação entre trabalho e família é


verdadeiramente mais conflituosa do que para os homens. A carreira
profissional, para as mulheres, é fonte de sofrimento psíquico,
segundo mostram muitas pesquisas: as mulheres sentem muita culpa
por trabalharem fora, ou mesmo quando trabalham em casa (o que é
inclusive potencializado pelos equipamentos tecnológicos) (Jonas et
al, 2001; Berger, 2004 Gordon, 2009; Napari, 2010).

Isso ocorre porque um dos elementos que caracteriza o trabalho


feminino é a dupla carga de trabalho, como já vimos no primeiro
módulo. Além do trabalho fora de casa, as mulheres são também
responsáveis por organizar, planejar e executar o trabalho doméstico,
cuidar dos filhos (ou mesmo dos netos), dos maridos e
eventualmente dos idosos.

Segundo estudo feito por Ferguson, a proporção de tempo total gasto com tarefas de
cuidado, pelas mulheres com uma criança ou mais, varia de 9%(Canadá) a 23%(México).
No Japão e Turquia, as mulheres passam de 4 a 6 vezes mais tempo nas tarefas de
cuidado do que os homens, respectivamente.

Os homens gastam universalmente mais tempo em atividades classificadas como de


lazer. Enquanto os noruegueses gastam apenas alguns minutos a mais por dia do que
as norueguesas, os homens italianos gastam perto de 80 minutos por dia a mais do que
as italianas (Ferguson, 2013: p. 352-3).
Como dissemos acima, a sobrecarga de trabalho doméstico / de
cuidado impacta na forma como as mulheres se engajam no trabalho
(remunerado). O gráfico abaixo, para o caso brasileiro, evidencia isso:

Gráfico 1. Jornada de trabalho da população ocupada (16 anos ou mais de idade), por sexo e tipo de
trabalho (doméstico x mercado de trabalho), para homens e mulheres com filhos

Fonte: IPEA, 2016, com base nos dados da Pnad/ IBGE.

Segundo o gráfico, as taxas de emprego entre mulheres com filhos


tendem a ser mais baixas do que para homens com filhos.
Provavelmente, elas estarão fora do mercado trabalho quando suas
crianças forem muito jovens e então tentam voltar quando
alcançarem a idade escolar (6 anos).

No mesmo sentido, levantamento de Ferguson também aponta


que o gap (diferença) de emprego entre mães com crianças
jovens (menos de 3 anos) e de mães com crianças em idade
escolar (6 a 15 anos) é, em media, de 25%(Ferguson, 2013: 352-4).

É preciso considerar, além disso, que a maternidade ocorre em


momentos cruciais de ascensão profissional, e que, na maioria dos
países, a paternidade é vivenciada de modo muito diverso, pouco
solidário para com as parceiras e gerando menos impactos.

Logo, para as mulheres, a maternidade gera perda de posições no


mercado de trabalho. Mesmo em países onde não há licença
maternidade, não há, em geral, retorno à posição anterior. A
maternidade limita, ainda, o investimento das mulheres em sua
qualificação e consequentemente, reduz suas probabilidades de ter
promoção.

Assim, se analisamos a trajetória de homens e mulheres, focando


especialmente no período subsequente à idade que representa o pico
de fertilidade, vislumbramos o seguinte:
Figura 4. Ilustração gráfica do percurso profissional de homens e mulheres ao longo da vida

Fonte: elaboração própria.

A figura ilustra que o início da trajetória profissional masculina é


anterior à feminina; os homens entram para o mercado de trabalho
antes, pois as mulheres dedicam mais tempo aos estudos. Mesmo
assim, seu percurso em termos de remuneração é sempre inferior ao
masculino. Essa distância de remuneração se aprofunda, contudo, a
partir da idade fértil: a partir do momento em que tem filhos, as
mulheres tendem a perder posições e, consequentemente,
rendimentos; ao passo que os homens continuam sua trajetória de
ascensão profissional praticamente até a aposentadoria. As mulheres
apenas recuperam parte dos rendimentos muitos anos após,
provavelmente após maior independência dos filhos.

Um estudo feito pelo IPEA mostrou que quase 70% das mulheres
inativas têm filhos, comparadas a apenas 45% dos homens na mesma
condição. O número médio de filhos das mulheres inativas é maior
do que o dos homens inativos (e estas desigualdades se aprofundam
sempre que se incorpora a variável racial à análise).

As mulheres inativas são, portanto, mais sozinhas e contam com um


peso adicional de responsabilidade familiar por ainda possuírem mais
filhos de idades mais novas do que os homens inativos. Este contexto
certamente se impõe como uma dificuldade adicional para que as
mulheres consigam equacionar a necessidade de responder às
responsabilidades familiares impostas quase que com exclusividade a
elas e o desejo ou a necessidade de entrarem no mercado de
trabalho.
Não há dúvidas de que diversos outros fatores contribuem para
conformar este quadro de maior inatividade feminina. Estes aqui
apontados, porém, já são capazes de indicar como a desigual
distribuição do trabalho de cuidados pune as mulheres e,
particularmente, as mulheres negras nas possibilidades e condições
de participação na economia (IPEA, 2016).

Um estudo anterior do IPEA, realizado por Sergei Soares em 2002, já


evidenciava que a “revolução feminina” no mercado de trabalho fora,
em grande medida, a “revolução” das mulheres casadas: o aumento
na taxa de participação das mulheres com cônjuge explicaria em
torno de 70% o aumento da participação das mulheres. Outra
conclusão do estudo foi a de que a grande variável explicativa dessa
“revolução” era o nível educacional das mulheres, que, por si só,
explicaria estatisticamente 50% da variação na taxa de participação
feminina. Ora, sabemos que o nível educacional está intrinsecamente
associado à classe, portanto, quanto mais alta a posição da mulher na
pirâmide social, maior sua probabilidade de participar do mercado de
trabalho remunerado.
3 As explicações tradicionais e a explicações dos
estudos feministas
A explicação mais dominante e influente acerca das diferenças
observadas entre os sexos, no trabalho, vem do campo da economia
neoclássica, que se foca nas preferências e escolhas dos indivíduos
no mercado. O trabalho de Becker (1965), que desenhou a teoria do
capital humano, argumenta que “o objetivo do indivíduo é selecionar
a combinação que maximiza a utilidade de bens de mercado e tempo
de não mercado” (Blau, Ferber e Winkler, 2002, 963).

Os economistas que seguem esse modelo argumentam que as


mulheres recebem menos porque elas tem menos habilidades e
experiências de mercado e também porque buscam menos
qualificação. Segundo esse modelo explicativo, elas decidem fazer
isso, porque decidem alocar menos tempo que os homens no
trabalho remunerado e ficar mais em casa (Mincer, 1962).

No entanto, em termos de educação formal, as mulheres têm mais


anos de estudo do que os homens em toda a trajetória escolar até a
educação terciária, o que invalidaria esse (Ferguson, 2013: p. 350). As
mulheres não decidem ficar fora do mercado de trabalho, ou não
estudariam tanto! Algo acontece depois que se casam, que muda
essa “decisão”.

As economistas feministas, como a irlandesa Silvia Walby, criticam


essa teoria, apontando que ela supõe que a unidade de decisão é o
domicílio, e não cada uma das pessoas dentro do domicílio (Walby,
1990: 29-31).

Silvia Walby
Similarmente, Folbre (1986) observou que os economistas
neoclássicos trataram o domicílio como uma “caixa preta governada
por um ditador benevolente”. Essas teorias seriam inadequadas para
explicar a segregação de gênero, para essas autoras, pois não
consideram a relação entre a participação do trabalho dos homens e
das mulheres no mercado de trabalho e a divisão desigual das tarefas
de cuidado na esfera doméstica.
Além disso, como consequência dos estereótipos de gênero
difundidos acerca dos papéis de cuidado e responsabilidades, os
empregadores acabariam tendendo a pagar mais aos homens e às
mulheres, menos; haveria uma desvalorização das habilidades
específicas exigidas nos trabalhos das mulheres. Essas são conclusões
de vários dos estudos da socióloga norteamericana Paula England
(England, 2004), e várias outras, como vimos.

Assim, a concentração das mulheres em trabalhos flexíveis e mal


pagos, pode não ser uma preferência delas, mas um resultado direto
das responsabilidades desigualmente divididas de cuidado.

As explicações econômicas “clássicas” teriam falhado em explorar


como “o ambiente de trabalho, o mercado de trabalho e a economia
mais ampla são moldados por normas e pressupostos de gênero que
operam em desvantagem para as mulheres” (Perrons, 2010: 175).

Paula England

Vamos ficando por aqui pessoal.

Interajam com a turma pelo ambiente virtual de aprendizagem e


façam as atividades propostas!

No próximo módulo trabalharemos algumas políticas de mitigação


das desigualdades de gênero no mundo do trabalho.

Até semana que vem!

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