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Curso Lacan

Aula 12

Continuamos aqui com a leitura do texto A instância da letra no inconsciente e a razão


desde Freud. Nós vimos, na aula passada, como Lacan pensava sua inscrição no interior do
programa estruturalista. Veremos hoje como tal inscrição era feita através de uma tentativa
de convergir temáticas estruturalistas e questões vindas de uma certa fenomenologia
marcada pela leitura cruzada de Hegel e Heidegger. Isto nos permitirá, na aula que vem,
melhor compreender como funcionará a clínica lacaniana após esta guinada estrutural e a
reconstrução do conceito de inconsciente. Para tanto, é necessário descrever de maneira
detalhada a teoria da linguagem pressuposta pela clínica lacaniana, isto a fim de apreender
como, segundo Lacan, devem operar os processos de simbolização no interior da clínica.

A arbitrariedade do signo e suas consequências

Compreender a teoria da linguagem pressuposta pela clínica lacaniana exige


reconstruir sua leitura da lingüística de Saussure. Podemos adentrar nos princípio da
lingüística saussureana através da discussão a respeito do problema da referência. Isto nos
levará a compreensão da estrutura do signo saussureano : unidade elementar de significação
na língua.
Em vários aspectos, a definição saussureana de signo é particular. Segundo ele: “o
signo lingüístico não une uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem
acústica”1.

Tal afirmação é prenhe de conseqüências. Trata-se de desconsiderar o problema da


referência, ou seja, da relação entre nome e coisa, como um problema lingüístico central. Se
o signo é a união de um conceito e de uma “imagem acústica” que, neste contexto, é a
representação psíquica de um som, imagem que aparece quando dizemos uma palavra em
um monólogo interior, então devemos nos perguntar sobre qual o dispositivo que poderá
responder pela relação entre o conceito e a referência. No entanto, de uma certa forma, um
dos eixos do trabalho de Saussure consiste em procurar esvaziar tal questão. Isto implica, é
claro, em uma teoria não-correspondencial da linguagem que, em última análise, articula
uma teoria convencionalista da linguagem que insiste no fato de que: “todo meio de
expressão aceito em uma sociedade repousa em princípio em um hábito coletivo ou, o que
vem a dar na mesma, em convenção”2.
Devemos pois analisar este ponto com mais calma. O signo é pois a união entre um
conceito e uma imagem acústica. Conceito é exatamente o que Saussure chama de
1
SAUSSURE, Curso de lingüística geral, p. 80
2
idem, p. 82
“significado” e imagem acústica recebe a denominação de “significante”. Esta articulação
entre significante e significado não nos diz nada a respeito do mundo tal como ele seria
independentemente da nossa linguagem. “Em lingüística, os dados naturais não têm
nenhum valor”3, dirá claramente Saussure. Um lingüista estruturalista, Jean-Claude Milner,
percebeu que isto nos levaria a uma tese segundo a qual: “a ligação que articula as coisas
enquanto coisas não pode ter nada a ver em comum com a ligação que as articula enquanto
faces de um signo. Nenhuma causa relevante para a primeira pode operar sobre a
segunda”4. De fato, encontramos tal perspectiva em afirmações de Saussure como: “O que é
afinal uma entidade gramatical? Nós precedemos exatamente como um geômetra que
gostaria de demonstrar as propriedades do círculo e da elipse sem ter dito o que ele designa
por círculo e elipse”5.
É neste ponto que Saussure insiste no princípio fundamental a respeito do signo: sua
arbitrariedade. “Assim a idéia de “irmã” não é ligada por relação interior alguma à
seqüência de sons da palavra francesa “s-ö-r” que lhe serve de significante, ela poderia ser
representada por qualquer outra palavra” 6. Mas, a princípio, através do problema da
arbitrariedade do signo, Saussure pareceria estar indicando um problema interno à língua, e
não um problema externo à mesma. Pois em momento algum ele afirma que o signo é
arbitrário na sua relação com a referência, mas que a relação entre significado e
significante é arbitrária: “o significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao
significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade” 7. Tanto b-ö-f quanto o-
k-s representam o mesmo conceito (significado), o que indicaria o caráter arbitrário da
relação. E sendo absolutamente arbitrária, a língua perderia um dos motores de seu
processo de mudança, pois não há razão alguma para preferir boef ou ochs: “Justamente
porque o signo é arbitrário, não conhece outra lei senão a da tradição”8.
No entanto, expulsar um problema pela porta da frente não nos garante que ele não
irá retornar pela porta dos fundos. De fato, Saussure procura a todo momento esvaziar o
problema da relação entre linguagem e referência. No entanto, ela acaba voltando nesta
discussão a respeito do arbitrário do signo. Pois, afirmar que a relação
significado/significante é arbitrária nos leva necessariamente a afirmar que a relação
signo/referência é arbitrária. Os significantes são arbitrários porque eles se referem ao
mesmo conceito. Mas o conceito sempre sustenta-se em uma expectativa de denotação da
referência. Não falamos apenas algo, queremos sempre falar sobre algo. Eles são
arbitrários por se referirem a mesma realidade extra lingüística. Ou seja, não é possível
abstrair o problema do arbitrário de uma perspectiva externalista. Tudo se passa como se
eu pudesse identificar a existência de uma espécie natural (natural kind) e afirmar que ele
pode ser representada tanto por b-ö-f quanto por o-k-s. A noção de arbitrário pressupõe a
possibilidade de uma comparação entre os conteúdos de representações mentais e objetos,
propriedades e relações existentes em um mundo que seria largamente independente de
nosso discurso. Nós entramos assim no famoso paradoxo presente na questão profissional
posta pelo ceticismo, qual como ela foi formulada por Richard Rorty : “Em que estamos

3
idem, p. 93
4
MILNER, L~amour de la langue, p. 58
5
SAUSSURE, Écrits de linguistique générale, Paris: Gallimard, 2002, p. 51
6
SAUSURRE, Curso, p. 82
7
SAUSSURE, Curso, p. 81
8
idem, p. 88
autorizados a acreditar que algo de mental pode representar algo de não-mental? Como
saber se o que o olho do espírito vê é um espelho (e pouco importa que ele seja deformante
ou encantado) ou um véu)?"9.
De qualquer forma, a questão central aqui é: a arbitrariedade do signo indica, no
fundo, uma arbitrariedade na relação entre linguagem e referência, facilmente legível no
interior de uma teoria convencionalista da linguagem. Isto, Jean Claude Milner
compreendeu claramente ao afirmar, sobre Saussure: "L'arbitraire recouvre de façon
exactement ajustée une question qui ne sera pas posée: qu'est-ce que le signe quand il n'est
pas le signe? qu'est-ce que la langue avant qu'elle soit la langue? - soit la question qu'on
exprime couramment en termes d'origine. Dire que le signe est arbitraire, c'est poser la
thèse primitive: il y a de la langue"10
Mas insistamos neste ponto. Para esvaziar a questão a respeito da referência e da
designação, ou seja, a questão da exterioridade da linguagem, faz-se necessário explicar
como as significações são produzidas, para além de uma confrontação entre linguagem e
referência. E é aqui que entra a noção central de “sistema”, já que será a organização da
língua como um sistema fechado (Saussure falará da língua como sistema arbitrário de
signos) que responderá pelo processo de produção de significações. É da noção saussureana
de “sistema” que nascerá o conceito de “estrutura”: “ A língua é um sistema do qual todas
as partes podem e devem ser consideradas em sua solidariedade sincrõnica” 11. Sendo que
sincronia quer dizer aqui aquilo que nos dá a configuração de um estado mais ou menos
estável da língua (diacronia como a percepção histórica dos processos de modificação dos
elementos que compõem a língua).
Dizer que a língua organiza-se como um sistema significa insistir que devemos
compreende-la a partir do seu interior, ou seja, a partir de suas leis estruturais de
funcionamento. “Cumpre pois partir da totalidade solidária para obter, por análise, os
elementos que encerra”12. O modelo desta totalidade foi fornecido a Saussure pelo modo de
organização dos fonemas no interior da língua. É ele também que inspira Lacan quando
afirma que as unidades da linguagem: “submetem-se à dupla condição de reduzir-se a
elementos diferenciais últimos e compô-los segundo leis de uma ordem fechada”13.
O fonema é a menor unidade lingüística capaz de diferenciar dois termos de
significação diversa: por exemplo bato, pato, mato. Esta distinção, significativa no interior
da língua portuguesa, não tem nenhuma realidade em si. Os fonemas não têm nenhuma
realidade em si, mas só existem no interior das relações nas quais entram e nas quais se
determinam reciprocamente. Daí porque Saussure poderá afirmar que: “Os fonemas são,
antes de tudo, entidades opositivas, relativas e negativas”14. Eles só têm realidade no
interior de uma relação de oposição e não são nada fora delas. Tal como em uma rede,
mudança em uma determinada relação fonemática irá influenciar, de uma forma sutil ou
visível, outras relações opositivas. Para um pensamento que estava à procura do

9
RORTY, L'homme spéculaire, Seuil: Paris, 1990, p. 60.
10
MILNER, L'amour de la langue, Paris: Seuil, 1978, p. 59.
11
SAUSSURE, idem, p. 102
12
SAUSSURE, idem, p. 132
13
LACAN, E., p. 501
14
SAUSSURE, idem, p. 138
esvaziamento do problema da designação e da referência, esta idéia de elementos que não
têm nenhuma realidade em si era extremamente sugestiva.
Como Lacan compreenderá então a teoria saussureana do signo? Primeiro,
lembremos da maneira que ele define a estrutura do signo. Para tanto, ele se serve do
“algoritmo” S/s que se lê “significante sobre significado, este sobre respondendo à barra
que separa as duas etapas”15. Notemos a insistência nesta idéia de uma barra que separa
significante e significado. Ela indica que significante e significado seriam “ordens distintas
e separadas inicialmente por uma barreira resistente à significação”. Mas esta barreira é
salientada para expor a amplitude do significante na gênese do significado ou ainda “como
o significante entra no significado”. De uma certa forma, seria a relação entre significantes
que produziria aquilo que normalmente entendemos por significado. Como bem nos lembra
Nancy/Labarthe: “trata-se de fazer o significante sofrer um deslocamento tal que não se
possa mais, doravante, tomá-lo como um elemento do signo, mas que seja preciso, debaixo
do antigo nome, visar ou encarar um conceito (ao menos) paradoxal: aquele de um
significante sem significado”16. Ou seja, a inversão que Lacan opera em relação à Saussure
(do signo como s/S ao signo como S/s) lhe permite insistir que a linguagem não se adapta a
conceitos que já estariam determinados, a significados que, de uma forma ou de outra, nos
remeteria a referências extra-linguísticas. Ao contrário, a linguagem produz os significados
aos quais ela se refere. Daí uma afirmação tardia como: “O significante como tal não se
refere a nada, a não ser que se refira a um discurso, quer dizer, a um modo de
funcionamento, a uma utilização da linguagem como liame”17.
A fim de expor este processo de produção de significado, Lacan serve-se de uma
reconstrução da figuração clássica do signo. Ao invés de um significante e um significado,
Lacan parte de dois significantes distintos e dois significados estritamente indeterminados.
Trata-se da figura de duas portas de banheiro (sem figuras) com as inscrições “homem” e
“damas” acima. Que a unidade mínima da linguagem sejam dois significantes (e não apenas
um), eis algo que Lacan deve assumir a fim de salientar como é apenas na diferenciação
opositiva entre os significantes que o significado se produz. Por isto, e importante a Lacan
lembrar desta pequena historieta na qual dois irmãos estão em um trem e param em uma
estação onde se vê as duas portas: “Veja, diz o irmão, chegamos em Damas”. “Imbecil, diz
a irmã, você não vê que chegamos em Homens?”.
Esta pequena história serve a Lacan para afirmar, inicialmente, a primazia do
significante sobre o significado. As crianças apreendem inicialmente os significantes, antes
de apreenderem aquilo aos quais eles se refeririam. Daí esta experiência maior de
indeterminação da referência (“A que exatamente “Damas” se refere?”). No fundo, Lacan,
à sua maneira, acaba por seguir uma colocação maior de Lévi-Strauss:

Quaisquer que tenham sido o momento e as circunstâncias de seu aparecimento na


escala da vida animal, a linguagem só pôde nascer repentinamente. As coisas não
puderam passar a significar de forma progresssiva. Em conseqüência de uma
transformação cujo estudo não compete às ciências sociais, mas à biologia e à
psicologia, uma passagem efetuou-se, de um estágio em que nada tinha um sentido a
um outro em que tudo o possuía. Ora, essa observação, aparentemente banal, é

15
LACAN, idem, p. 497
16
NANCY, Jean-Luc et LACOUE-LABARTHE, Pierre; O título da letra; pag. 47
17
LACAN, Jacques; O seminário -livro XX, pag. 43
importante, porque essa mudança radical não tem contrapartida no domínio do
conhecimento, o que se elabora lenta e progressivamente. Dito de outro modo, no
momento em que o Universo interior, de uma só vez, tornou-se significativo, nem
por isso ele foi melhor conhecido, mesmo sendo verdade que o aparecimento da
linguagem haveria de precipitar o ritmo do desenvolvimento do conhecimento. (...)
É que as duas categorias do significante e do significado se constituíram simultânea
e solidariamente, como dois blocos complementares; mas que o conhecimento, isto
é, o processo intelectual que permite identificar uns em relação aos outros, alguns
aspectos do significante e alguns aspectos do significado (...) só se pôs a caminho
muito lentamente (...) o homem dispõe desde sua origem de uma integralidade de
significante que lhe é muito difícil alocar a um significado, dado como tal sem ser
no entanto conhecido18.

Ser e linguagem

Mas, ao mesmo tempo, Lacan abandonava o convencionalismo de Saussure a fim,


de uma certa forma, de recuperar o problema da referência para além da noção de
arbitrariedade. Este problema da referência, na verdade, aparecia em Lacan através de uma
questão a respeito dos modos de relação entre ser e linguagem. Daí uma pergunta
especificamente lacaniana e distante do programa estrito do estruturalismo: como se dá a
relação entre ser e significante? Lembremos de Lacan afirmando que os conteúdos do
inconsciente tomam sua virtude da dimensão do ser. Isto a ponto de dizer que: “Freud,
através da sua descoberta, fez entrar no interior do círculo da ciência esta fronteira entre o
objeto e o ser que parecia marcar seu limite” 19. Notemos ainda que Lacan faz um certo
deslocamento. Ao perguntar-se sobre a relação entre linguagem e referência, ele não se
refere exatamente aos objetos do mundo, mas ao sujeito. O que não deve nos estranhar, já
que a questão da linguagem, para Lacan, está vinculada à sua força expressiva daquele que
fala, e não exatamente à sua força descritiva de estados de coisas. O problema da verdade
no interior da linguagem é um problema ligado à autenticidade, e não à adequação.
O esquema que Lacan aplica à linguagem consiste em dizer que, enquanto sistema
fechado, ela reenvia a significação às relações que um termo estabelece com outros. Daí a
noção central de série (ou de cadeia). No entanto, estas séries são cortadas por “pontos de
estofo” que indicam a passagem do significado no significante. É nestes pontos de estofo
que se opera uma relação entre significante e ser.
Por outro lado, a questão sobre o modo de relação entre significante e ser será
respondida através de uma teoria da metáfora como modo de organização das relações entre
significante e referência. Nesta teoria da metáfora estava contida uma reflexão sobre a
palavra poética inspirada em Heidegger, palavra capaz de nomear um ser que não se adequa
aos protocolos de um pensamento da representação, e uma concepção de metáfora como
puro jogo posicional de significantes vinda do surrealismo. Concepção que visava mostrar
como a metáfora teria uma força interacionista que se afirma através da negação da
faticidade da referência.

18
LÉVI-STRAUSS, Introdução à obra de Marcel Mauss In: MAUSS, Sociologia e antropologia, São Paulo:
Cosac e Naif, 2006, p. 42
19
Idem, p. 527
Através deste uso da metáfora, era, na verdade, uma teoria da simbolização analítica
que Lacan colocava em circulação. Tratava-se de mostrar como a palavra pode simbolizar
sem, com isto, submeter o nomeado à situação de mero caso do genérico da representação.
Tal teoria da simbolização era peça fundamental para uma clínica, como a clínica
lacaniana, marcada pela insistência na necessidade em reconhecer um “ser do sujeito”. Ser
que não seria outra coisa que o desejo. Sabemos também como esta noção lacaniana de
desejo nascia de uma certa “maneira francesa” de ler a Begierde hegeliana enquanto pura
negatividade, enquanto impulso que não teria nenhuma naturalidade com os objetos
empíricos. O desejo, em Lacan, é desejo de nada que possa ser nomeado, da mesma
maneira como o ser em Heidegger é aquilo que cai sempre fora da representação. Neste
sentido, a única forma de nomear um desejo que é radicalmente desprovido de protocolo de
objetificação é através de metáforas. E, por esta razão, todos os dispositivos maiores de
organização da clínica lacaniana (Nome-do-Pai, Falo) serão metáforas.
Este seria pois o outro lado do recurso lacaniano ao estruturalismo. Normalmente,
lembramos apenas da tentativa de reordenar a dinâmica do inconsciente freudiano através
da teoria estruturalista da linguagem. Tentativa que visou mostrar como os processos
presentes no trabalho do sonho (condensação, deslocamento, a desfiguração) seriam, na
verdade, casos dos movimentos de articulação sincrônica e diacrônica da língua que dariam
corpo às figuras de estilo da metáfora e da metonímia, respectivamente. Mas, para além
desta leitura estrutural do inconsciente freudiano, leitura que des-psicologizou o
inconsciente transformando-o, seguindo aí uma via aberta por Lévi-Strauss, no conjunto de
regras que ordena a estrutura simbólica da vida social e que pode ser reduzida à afirmação
“o inconsciente é estruturado como uma linguagem”, haveria também esta tentativa de
reintegrar o problema do sujeito no interior do estruturalismo através de um recurso
peculiar a Hegel e, por mais estranho que isto possa parecer, a Heidegger.
Através da metáfora ocorre esta “lenta mutação do ser no En panta da linguagem” 20.
Lacan se refere à frase de Heráclito: “Não de mim, mas do logos tendo ouvido é sábio
homologar: tudo é um”. Esta é a frase que Heidegger comenta em seu texto “Logos”,
traduzido por Lacan para figurar na mesma revista onde aparece “A instância da letra”.
“Logos” aqui significa principalmente “dizer e falar”. Um dizer e falar que devo ouvir
como algo que não vem de mim, mas que se desvela como verdade. Este ser que se desvela
é a coisa digna de ser pensada, mas ele é anterior a mim. Um ser que significa
principalmente “presença”. É tendo isto em mente que Lacan poderá dizer que:

“Certamente, a letra mata, enquanto o espírito vivifica (...) Mas nos perguntamos
também como sem a letra o espírito viveria. As pretensões do espírito
permanenceriam no entanto irredutíveis se a letra não tivesse feito a prova que ela
produz todos seus efeitos de verdade no homem sem que o espírito tenha
necessidade alguma de aí se envolver”21.

Lacan traz como exemplo, nesta ocasião, as últimas estrofes de uma poesia de Paul
Valéry sobre uma árvore, “O plátano”. Nesta poesia em que Valéry constrói visualmente a
força e a solidez do plátano, ele apresenta ao final um embate : “Não! diz a árvore, diz ela
Não! No cintilar /Em sua ramagem soberba/ Que a tempestade trata universalmente / Como
faz a uma erva”. A tempestade reduz tanto a árvore quanto a erva a um “comum modo do
20
LACAN, E. p. 504
21
LACAN, E., p. 509
ente”. É contra tal redução que a árvore diz “não”, um particularismo que a universalidade
da tempestade com sua força de devastação procura reduzir. È nesta contradição que
aparece o “indiscernível cintilar do instante eterno”.
Tudo se passa como se esta contradição entre a irredutibilidade do particular e a
potência de dissolução do universal fosse a essência linguagem e expusesse a natureza da
relação entre sujeito e significante. Esta contradição será resolvida através de um recurso à
noção de metáfora francamente inspirada nos jogos surrealistas de “um no outro”. Através
dela, algo da ordem da irredutibilidade da negatividade do sujeito pode se apresentar.
A definição lacaniana de metáfora é muito ampla e mesmo surpreendente: “a
metáfora é radicalmente o efeito da substituição de uma significante por outro em uma
cadeia, sem que nada de natural o predestine a esta função de foro” 22. Ou seja, a metáfora
seria um puro jogo de substituição entre dois significantes que são elementos de contextos
e sistemas de significação totalmente autônomos entre si.
Lacan serviu-se desta noção de substituição significante para dar conta da estrutura
do sintoma. Tal como a metáfora, o sintoma faz apelo à existência de uma outra cadeia
significante que insiste na cadeia que compõe o texto do pensamento da consciência, já que
ele é um significante que ocupa o lugar de um significante recalcado. Na dimensão do
sintoma, a metáfora é solidãria de uma operação de recalcamento de significantes.
Podemos encontrar tal estrutura do sintoma na seguinte afirmação sobre a metáfora:

Devemos definir a metáfora pela implantação de um significante em outra cadeia


significante através da qual este que ele suplanta cai para o nível de significado e,
como significante latente, perpetua o intervalo no qual uma outra cadeia significante
pode entrar23.

Mas esta possibilidade de substituição entre termos sem contigüidade metonímica


pressupõe uma outra operação que é fundamental para a compreensão da importância da
metáfora na teoria lacaniana e que nos envia ao problema da relação entre metáfora e
referência. Para além da função da metáfora como procedimento de seleção de elementos
presentes no eixo diacrônico da linguagem, há a noção da metáfora como modalidade de
relação com a referência. É esta função que permite a Lacan: "ligar a metáfora à questão do
ser"24.

22
LACAN, E., p. 890
23
LACAN, E., p. 708
24
LACAN, E., p. 528

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