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RESUMO: Este texto apresenta e analisa um programa de aulas de Educação Física que
tenta abordar o “jogo esportivo” como conteúdo distinto do “esporte”. Explicita-se a
insuficiência dessa diferenciação e a dificuldade de sua apreensão pelos alunos. Como
alternativa, são apresentadas proposições que, articuladas, sugerem um outro modo de
pensar a organização das aulas, combinando a experimentação, o aprendizado e a
possibilidade de transformação do esporte no âmbito de um quadro de
classificação/sistematização dos jogos.
ABSTRACT: This text presents and analyzes a classes Physical Education program which
tries to approach the “sporting game” like a content distinct from the “sport”. It makes
clear the inadequacy of this differentiation and the difficulty of its apprehension by the
students. As an alternative, articulated propositions are shown and they suggest another
way of thinking the classes organization, combining the experimentation, the learning and
the possibility of transforming sport within the scope of a classification/systemization list
of the games.
RESUMEN: Este texto presenta y analiza un programa de clases de Educación Física que
busca discutir el “juego deportivo” como contenido distinto del “deporte”. Se explicita la
insuficiencia de esa diferenciación y la dificultad de su comprensión por parte de los
estudiantes. Alternativamente, se presentan proposiciones que, articuladas, sugieren un
otro modo de pensar la organización de las clases, combinando la experimentación, el
aprendizaje y la posibilidad de transformación del deporte en el ámbito de un quadro de
clasificación/sistematización de los juegos.
Apresentação
Qual deve ser a postura de um professor quando ele se encontra “espremido” entre o
interesse crescente dos alunos pelo esporte e a sua intenção de não fazer da escola mais um
espaço de seleção, especialização e treinamento? Como ele vem se equilibrando nessa
corda bamba? Existem outros caminhos possíveis, entre a “perdição” no esporte e a
“salvação” no jogo?
São estas as questões que animam o presente ensaio, produzido originalmente para compor
uma publicação destinada aos professores de Educação Física da Rede Municipal do
Recife – Pernambuco. Mais que uma discussão conceitual em busca das diferenças e/ou
semelhanças entre jogo e esporte, pretendemos desenvolver uma reflexão a partir das
dificuldades que professores enfrentam na organização e desenvolvimento dos seus
programas de aulas, quando adotam um posicionamento crítico em relação ao esporte.
Dos depoimentos, depreende-se que “jogos esportivos” abrangem jogos que “lembram” o
esporte, mas que não utilizam as regras oficiais do esporte, nem o material do esporte, nem
a quantidade de pessoas diretamente envolvida no jogo. Esse último aspecto é, na verdade,
um item das regras citado separadamente e com destaque. A distinção é justificada no
sentido de que o aluno precisa reconhecer as diferenças entre um jogo popular e um
esporte e entre o esporte e um jogo (o jogo esportivo), que parece com o esporte, mas que
não é o esporte.
Mas, como é que essa tentativa de diferenciação se processa na aula propriamente dita?
Vejamos o que ocorre em algumas das aulas observadas.
Aula de uma turma de sétima série do ensino fundamental. A professora relembra com os
alunos a classificação dos jogos em populares, esportivos e de salão. Relembra também
que o conteúdo das sétimas séries previsto no planejamento daquele período é sobre jogos
esportivos. Explica os jogos esportivos como aqueles que se aproximam do esporte, mas
que não são esporte. Propõe, então, a realização de um jogo cujo objetivo é acertar a bola
em um alvo representado por um aro de ferro fixado numa tabela de madeira localizada em
cada fundo de quadra. Orienta para que os alunos vivenciem o jogo esportivo e verifiquem
de qual esporte ele se aproxima. Neste momento, um aluno fala que é do basquete. A
professora olha para ele e fala: “a gente nem começou ainda!”.
Quatro grupos são formados. Enquanto uns jogam, outros observam. Os grupos
selecionados para jogar ocupam, cada um, uma metade da quadra e fazem uso de uma
Agora é o esporte
Um bloco de aulas do primeiro ano do ensino médio. Após duas aulas dedicadas ao
planejamento da unidade, o objetivo descrito é: “aprofundar conhecimentos acerca da
cultura corporal nas modalidades esportivas handebol, voleibol, futebol de salão e
basquete, na dança, na ginástica e no jogo, de forma a refletir sobre seu sentido/significado,
contextualizando-os e relacionando-os às situações do cotidiano, enfatizando o diálogo e
valores de participação, cooperação e totalidade”. As primeiras oito aulas são previstas
para tratar da modalidade esportiva handebol.
A professora informa aos alunos sobre dados básicos do handebol, tais como: materiais e
pessoas necessárias, formação das equipes, principais regras no formato pode/não pode,
além de procedimentos a observar com e sem a posse da bola. Para isso, entre outras
estratégias, faz uso de um texto e também de um cartaz contendo as marcações da quadra,
a denominação dos jogadores e seus posicionamentos na quadra. Durante o jogo, a
professora orienta os alunos, chamando a atenção para aspectos como: não correr com a
bola na mão, não dar rasteira, não empurrar, observar a forma de repor a bola em jogo
quando ela sai pela lateral, posicionamento das equipes no início ou recomeço do jogo
após um gol e respeito à área do goleiro.
A professora utiliza a estratégia de dar tempo aos alunos para que se organizem, definam
papéis e táticas. A professora insiste no fato de a aula ser lugar de aprendizado e não de
treinamento. Enfatiza a participação de todos. Questiona a situação da maioria dos alunos
caso sejam adotadas as regras sobre o número de jogadores.
A professora enfatiza o significado central dos jogos e em função dele trata as regras e os
fundamentos. Procura garantir a dinâmica do jogo e facilitar a consecução do objetivo
principal pela maioria dos participantes. Os alunos são estimulados a buscar um
conhecimento sobre o jogo também fora da aula, bem como a refletir sobre as
possibilidades de mudanças. Existe uma atenção constante para superar o sexismo nas
atividades, procurando-se sempre o trabalho com grupos mistos. Os alunos são
incentivados à auto-organização, tanto na divisão de grupos como na elaboração de
estratégias para participar do jogo.
A partir desses relatos, vemos o quão problemático e insuficiente tem sido a diferenciação
entre jogos esportivos e esporte pelos alunos e diante deles. Na aula da sétima série do
ensino fundamental, o que se pretende apresentar como um jogo esportivo, como sendo
apenas aproximado ao esporte, é imediatamente associado ao basquete porque, de uma
forma ou de outra, os alunos já conhecem a modalidade (o esporte), o significado central
do jogo sugerido é o mesmo do basquete, as modificações implementadas tendem a
aproximá-lo cada vez mais do basquete. Além disso, é emblemático ouvir os alunos
dizerem que conhecem o basquete “da” televisão, mas também “da” rua.
Já nas turmas do primeiro ano do ensino médio, o foco não é mais o jogo esportivo e sim o
esporte. Mas, a própria professora trata o tempo todo de uma aproximação do esporte,
sabedora da impossibilidade que é ter na escola, principalmente nas aulas de educação
física, o esporte tal como ele é conformado nas regras (incluindo o espaço de jogo e o
número de participantes), ou como ele é desenvolvido nos moldes da indústria cultural, dos
treinamentos e competições.
É possível imaginar um outro percurso que permita ao professor fugir desse dilema, ou
seja, da escolha entre alternativas contraditórias e insuficientes. Encontramos referências
importantes nos trabalhos do Coletivo de Autores (1992), de Elenor Kunz (1994) e de
Souza Júnior & Tavares (1996).
O Coletivo de Autores (1992) aponta a necessidade de que o programa de esportes deve ser
desenvolvido na perspectiva da evolução dos jogos, desde o jogo com regras implícitas, do
ato criativo, até o jogo institucionalizado com regras específicas (p. 71). Outra referência
fundamental é a idéia de provisoriedade do conhecimento, tomada como princípio
curricular, que permite e exige que a abordagem do conteúdo desenvolva a noção de
historicidade, retraçando-o desde a sua gênese, fazendo com que o aluno se perceba como
sujeito histórico (p. 33).
Kunz (1994, p. 119-121), por sua vez, sugere uma transformação didático-pedagógica do
esporte, destacando três passos fundamentais. O primeiro é a identificação do significado
central do movimento em cada modalidade, significado este que deve ser preservado. O
segundo passo é a compensação das insuficientes condições físicas e materiais dos alunos
através de arranjos materiais. O terceiro diz respeito às alterações de sentido, individual e
coletivo, só possíveis por meio da reflexão.
De Souza Júnior & Tavares (1996, p. 52) recolhemos uma proposta de sistematização na
qual são evidenciadas categorias, classificações e conceitos acerca do jogo.
Fazendo aqui uma descrição aligeirada, temos os Jogos de Salão como sendo aqueles em
que o jogador desprende menos energia por parte da movimentação corporal, pois são
realizados em pequenos espaços (salas), usando-se tabuleiros e pequenas peças para
representação dos jogadores. Também são conhecidos como jogos de mesa.
Os Jogos Populares são aqueles conhecidos também como jogos de rua, em que seus
elementos podem ser alterados/decididos pelos próprios jogadores, apresentando uma
variabilidade no número de participantes e uma flexibilidade nas regras, além de não exigir
recursos materiais sofisticados.
Com isso, queremos também nos referir a um outro dilema corriqueiro que se apresenta
para o professor. Ou ele trata o esporte como se fosse essencialmente bom ou o demoniza a
partir das críticas à sua configuração excludente e seus valores associados à competição e à
sobrepujança.
Consideramos não ser possível avalizar uma prática pedagógica como diferenciada e
crítica se ela afasta os alunos do contato com o esporte criticado. Se a busca é por uma
educação para a emancipação e para a autonomia, não se pode querer que os alunos sejam
meros repetidores das críticas do professor. Cabe ao professor, sim, dirigir e facilitar o
contato, valendo-se de diferentes estratégias. O caminho aqui sugerido compreende a
experimentação, o aprendizado e a transformação. Uma “transformação” que preserva
significados, que permite a vivência de sucesso nas atividades e que busca a alteração dos
sentidos por meio da reflexão pedagógica.
Deve-se ter cuidado para que, em nome de uma abordagem crítica, não se ponha a
alimentar equívocos e mal-entendidos como os descritos por Bracht (2000), os quais
apenas cito como ilustração dessa preocupação, sugerindo, desde já, uma leitura completa
do referido trabalho para conhecimento dos argumentos e considerações ali presentes. São
os seguintes os equívocos/mal-entendidos:
1. Quem critica o esporte é contra o esporte.
2. Tratar criticamente o esporte nas aulas é ser contra a técnica esportiva.
3. O rendimento só tem defeitos e o seu contraponto é o lúdico pleno de virtudes.
4. Tratar criticamente o esporte na escola é abandonar o movimento em favor da
reflexão.
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Os jogos eletrônicos, por exemplo, comporiam uma nova categoria? Não havendo uma nova categoria, onde
estariam situados?
Além desse aspecto, é fundamental tratar a técnica como parte do jogo e não como algo de
fora para dentro ou anterior ao jogo. Daí que ela deve ser aprendida, inventada, descoberta
e utilizada no próprio jogo ou em situações que preservem o significado e a condição de
jogo. Isso não significa que o aluno não terá acesso às técnicas esportivas, mas que elas
serão problematizadas e, se necessário, modificadas.
Postura semelhante deve se ter no trato com a tática, que também precisa se desgarrar da
tradição dos esquemas previamente definidos. A tática está relacionada à dinâmica do
jogo, podendo não só ser trabalhada na ótica da resolução de problemas, de sair de
determinadas situações mobilizando as condições disponíveis, como também em processos
de análise do desenvolvimento do jogo, dos resultados obtidos, etc.
Por fim, em relação às regras, deve ser desmistificada a idéia de que são elas que definem
o jogo. O significado central do jogo não está apenas nas regras. O significado é anterior e,
ao mesmo tempo, ultrapassa as regras. As regras estão, na verdade, mais relacionadas à
modelagem e ao andamento do jogo. Elas podem e devem ser alteradas sempre que
necessário. E as necessidades podem ser variadas, desde a tentativa de impedir ou evitar a
violência até a de permitir uma maior participação de e dos jogadores. Não custa lembrar
que os alunos também devem ter acesso às chamadas regras oficiais. O imprescindível é
que eles questionem se elas são adequadas ao tipo de jogo que se quer jogar, ao nível de
participação que se quer, etc. Via de regra, sabe-se que as regras são mais respeitadas
quando definidas ou (re)elaboradas pelos próprios participantes. E mais, que as alterações
mais importantes e consistentes se dão quando se conhece bem aquilo que se quer mudar.
Referências Bibliográficas
SOUZA JÚNIOR, Marcílio & TAVARES, Marcelo. O jogo como conteúdo de ensino para
a prática pedagógica da educação física na escola. Corporis, Recife, a. 1, n. 1, p. 49-53,
1996.
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