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Especialista Delegado Federal

Disciplina: Direito Administrativo


Tema: Aula 01
Prof.: Fernanda Marinela
Data: 04/08/2008

Índice do Material

A) Algumas considerações sobre o princípio do interesse público no âmbito do Direito Ad-


ministrativo.

I– Introdução
II – A importância de uma leitura principiológica e sistemática do direito
III - Regime Jurídico-Administrativo
IV – Princípio do Interesse Público
V – O Princípio do Interesse Público e a sua correspondência no Direito Positivado
VI – Conclusão
VII – Notas

A) ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PRINCÍPIO DO INTERESSE PÚBLICO NO ÂMBITO


DO DIREITO ADMINISTRATIVO.
Autor:Márcio Soares Berclaz
(Promotor de Justiça do Estado do Paraná)

I – INTRODUÇÃO

O presente ensaio objetiva explicitar os contornos do princípio do interesse público, cuja incidência é
de capital importância na seara do Direito Público, em especial no Direito Administrativo.

Inicialmente, procuraremos fazer um breve comentário acerca da importância dos princípios não só
como método para uma adequada aplicação da lei, mas também como medida decisiva para uma
interpretação e compreensão sistemática da ciência jurídica como um todo. Consignada essa ressal-
va de caráter preambular, faremos uma sucinta exposição dos elementos fundamentais à construção
do regime jurídico-administrativo, para, logo após, ingressarmos na temática de fundo, atinente ao
exame do princípio do interesse público.

Entendemos que tais aspectos preliminares são relevantes, na medida em que, mais importante do
que compreender qual a definição de "interesse público" no âmbito do direito administrativo, é di-
mensionar qual a relevância que assume uma visão principiológica do ordenamento jurídico. De
forma que não adianta conceituar interesse público sem realçar, com a devida ênfase, a força da
incidência de suas conseqüências como efetivo "princípio" reitor do direito administrativo.

De modo que, lidando diretamente com a temática proposta, no intuito de cumprir satisfatoriamente
com o mister do qual nos incumbimos, recorreremos às ponderações que a doutrina nacional faz a
respeito do assunto. De outro lado, com amparo nesses conhecimentos dogmáticos, não poderíamos
deixar de externar uma leitura própria sobre o assunto proposto, observação direcionada aos aspec-
tos que, ao nosso sentir, se afiguram mais relevantes para uma adequada compreensão da matéria.

Apesar de estarmos cientes do risco assumido, preferimos teimar pela inconsistência de nossas con-
clusões, fruto de nossa natural e inarredável limitação, - a pecar por mera reprodução do pensa-
mento alheio e, assim, incorrer em flagrante tautologia, razão pela qual, no presente opúsculo, te-
mos a ousadia e o firme propósito de, pelo menos, lançar uma compreensão própria e pessoal das
idéias desenvolvidas pelos ilustres tratadistas que voltaram sua atenção para o estudo desta árida
temática do direito administrativo.

II – A IMPORTÂNCIA DE UMA LEITURA PRINCIPIOLÓGICA E SISTEMÁTICA DO DIREITO


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A compreensão do ordenamento como sistema foi gradualmente sendo disseminada em nosso país,
tendo atingido seu ápice fundamentalmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Ainda que com significativo atraso, passados quase quinze anos de vigência da Constituinte Cidadã -
a percepção do fenômeno da ciência jurídica como conjunto de regras de convivência que necessari-
amente devem estar em harmonia com uma série de princípios, sob perspectiva unitária, ao que nos
parece, somente hoje encontrou sua sedimentação plena. Vencidas as resistências remanescentes, a
compreensão de que as normas constitucionais são hierárquica e axiologicamente superiores em
relação as demais espécies legislativas, e de que os princípios devem informar e iluminar a interpre-
tação e aplicação da lei em sentido estrito, embora longe de se constituir em novidade, no nosso
modesto entendimento, somente ficou evidenciada após a Carta Federal que, antes de mais nada,
foi uma "Carta de Princípios".

Isso fundamentalmente porque a diversidade e peculiaridades das situações que o cotidiano nos
apresenta, somada ao significativo aumento do número de demandas em razão da facilidade de a-
cesso ao Judiciário – e que bom que assim seja - revela ser tarefa impossível querer disciplinar to-
das as situações da vida prática que têm a potencialidade de gerarem conflitos de interesses que
oportunamente serão levados à apreciação do Poder Judiciário, por mais que o legislador pátrio te-
nha uma indisfarçável e confessa vocação para o casuísmo. Neste aspecto, são os princípios que
resolvem determinados casos em que existem lacunas normativas que necessariamente devem ser
colmatadas pelo intérprete e pelo julgador, especialmente em relação a este último, a quem a lei
não permite denegar jurisdição.

Ao lado disso, cresce a importância dos princípios como veículo para a transmissão dos valores e das
escolhas entendidas como relevantes num determinado tempo, no seio de uma certa sociedade,
cujo alcance e aplicação não só é capaz de abranger um número indiscriminado de situações, como
imprescindível para aplacar o conflito entre normas e, via de conseqüência, preservar a lógica e coe-
rência interna de cada ordenamento jurídico.

Implica dizer, é através da escorreita aplicação dos princípios que, ao invés de um emaranhado de
leis, pode-se idealizar a construção de um genuíno sistema jurídico com alguma cientificidade, jus-
tamente porque os princípios são diretrizes com alto grau de abstração que subsidiam não só a
hermenêutica jurídica como possuem marcante ingerência sobre a própria ordem normativa, vez
que também estão impregnados de força normativa. Corroborando este entendimento, o jurista ita-
liano NORBERTO BOBBIO (1), em seu clássico literário "Teoria do Ordenamento Jurídico" aduz o se-
guinte comentário:

"Para sustentar que os princípios gerais são normas os argumentos vêm a ser dois, e ambos válidos:
antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de
um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também
eles: se abstraio de espécies animais obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo
lugar, a função para a qual são abstraídos e adotados é aquela mesma que é cumprida por todas as
normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna?
Para regular um comportamento não-regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo a que
servem as normas expressas. E porque não deveriam ser normas?".

Portanto, os princípios servem de instrumento para uma percepção unitária e sistemática do direito,
razão pela qual, certa feita, já se disse - aliás com extremo acerto - que conhecer as normas jurídi-
cas sem a adequada compreensão dos princípios que as informam é mais ou menos como conhecer
as árvores sem conhecer a própria floresta, ou seja, conhecer o particular sem ter a noção do que
seja o todo, primar pela individualidade em detrimento do conjunto. Não foi à toa que igualmente
coube ao mesmo jurista italiano (2) afirmar que "as normas jurídicas não existem isoladamente, mas
sempre em um contexto de normas com relações particulares entre si".
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Em se tratando do nosso próprio arcabouço jurídico, não se pode olvidar que a Carta Federal de 88,
em capítulo próprio, cuidou especificamente da Administração Pública, estruturando-a com base nos
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, especificamente no
seu artigo 37. A par disso, em reforço ao que já foi dito, a Lei Maior também introduziu uma série de
garantias ao direito penal. Igualmente, mitigou a ótica essencialmente individual e privatística sobre
a qual repousava o direito civil. De modo que a "constitucionalização" do direito administrativo, evi-
denciada na assimilação das diretrizes básicas antes elencadas, também passa pela assimilação de
princípios, cuja ciência, consoante adiante se verá, é pressuposto fundamental para que possamos
definir o nosso regime jurídico-administrativo e, assim, partirmos para o direto enfretamento do
tema proposto.

Exemplo notável dessa ingerência é que diversos doutrinadores, na tentativa de conceituar o direito
administrativo, adotaram o "critério da administração pública", definindo o direito administrativo
como conjunto de princípios que regem a administração pública, como bem adverte MARIA SYLVIA
ZANELLA DI PIETRO, em sua obra Direito Administrativo (Atlas, 2001, 13ª Edição, São Paulo, p. 51)
- ao mencionar como prosélitos deste entendimento doutrinadores de escol, tais como, ZANOBINI,
CIRO VITTA, LAUBADÈRE, GABINO FRAGA, OTTO MAYER, RUI CIRNE LIMA, FERNANDO ANDRADE
DE OLIVEIRA e HELY LOPES MEIRELLES, dentre outros.

III - REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO

Feita essa advertência preliminar, no tocante a importância dos princípios para a compreensão da
ciência jurídica, antes mesmo que possamos falar no princípio do interesse público propriamente
dito, indispensável traçar alguns breves comentários sobre o regime jurídico-administrativo, na me-
dida em que ambos assuntos estão intimamente relacionados, consoante veremos em momento
oportuno.

Ao se falar em regime jurídico-administrativo fica subentendido que a ciência da Administração Pú-


blica, ou seja, a relação entre o administrador público e seus administrados reclama um tratamento
próprio e particular, diferente, portanto, das relações que os particulares travam entre si. Neste sen-
tido, MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (3), definindo que o conjunto das prerrogativas e restrições
a que está sujeita a Administração e que não se encontram nas relações entre os particulares cons-
titui o regime jurídico administrativo. Elucidando melhor essa idéia, LÚCIA VALLE FIGUEIREDO (4)
sustenta que o regime jurídico-administrativo, na verdade, corresponde a regras próprias que, por
força da diferença das situações tuteladas, hão de ter aspectos inteiramente diversos do Direito Pri-
vado.

Contudo, quem melhor discorreu sobre o tema foi o brilhante CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO
(Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, 13ª edição, 2001, p. 26/27), a quem coube definir o
regime administrativo como sendo o ponto nuclear de convergência e articulação de todos os princí-
pios e normas de direito administrativo, assumindo roupagem de um efetivo regime jurídico-
administrativo cujas "pedras de toque" consistem na (1) supremacia do interesse público sobre o
privado e na (2) indisponibilidade dos interesses públicos pela Administração.

Segundo o abalizado doutrinador, ambos princípios constituem-se em força-matriz do sistema jurídi-


co-administrativo, sendo efetivas premissas sobre as quais se assenta a edificação do direito admi-
nistrativo, sendo que a supremacia do interesse público – objeto precípuo de nossa atenção – tem
como conseqüência não só uma posição privilegiada como preeminente de parte dos órgãos compo-
nentes da Administração Pública. Contudo, como bem adverte o ilustre jurista (na melhor acepção
do termo contempla), isso não quer dizer haja total e irrestrita liberdade para que o administrador
público desempenhe suas atividades ao sabor e talante de seus interesses, na medida em que a

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função administrativa, repetindo ao que certa vez já se disse, consiste em aplicar a lei de ofício,
tendo em vista sempre o aspecto finalístico que a informa, produto de inexoráveis limitações.

Como sustenta HELY LOPES MEIRELLES, in sua clássica obra "Direito Administrativo Brasileiro" (Ma-
lheiros, 23ª edição, p. 88), a finalidade terá sempre um objetivo certo e inafastável de qualquer ato
administrativo: o interesse público. É justamente este escopo que deve pautar todas as ações do
administrador público, qual seja, a finalidade pública, premissa fundamental da gestão da res publi-
ca. O importante, por ora, é deixar bem caracterizada a autonomia do direito administrativo, con-
substanciada no regime jurídico-administrativo, do qual emergem alguns princípios essenciais, den-
tre os quais tem-se o princípio do interesse público, que a partir de agora passamos a expor com
maior minúcia.

IV – PRINCÍPIO DO INTERESSE PÚBLICO

Compulsando-se os manuais amiúde encontrados na doutrina nacional o pesquisador se depara,


inicialmente, com uma certa dificuldade, na medida em que na quase totalidade dessas obras não
há um capítulo próprio no qual o "interesse público" seja tratado como efetivo princípio. Muito mais
comum é, por exemplo, encontrar a expressão "supremacia do interesse público" como viga mestra
sobre a qual se assenta o sistema jurídico-administrativo, consoante fizemos expressa referência no
capítulo anterior. Perceber que o princípio do interesse público encontra-se inserido dentro desse
contexto é o primeiro passo para começar a compreendê-lo na sua inteireza.

O simples fato do princípio do interesse público não ter sido objeto de catalogação expressa de parte
do nosso legislador constituinte - que, ao construir a redação do artigo 37 da Constituição Federal,
explicitou tão-somente os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efici-
ência como sendo as premissas constitucionais regentes da Administração Pública – não quer dizer
que ele não tenha sido contemplado. Muito antes pelo contrário, embora não haja referência especí-
fica, resta óbvio que sua adoção encontra implícita recepção em nosso ordenamento, assumindo, de
igual parte, status constitucional, na medida em que, como vimos anteriormente, todas as ações
adotadas pelo administrador público devem ter como motivação de fundo a obediência ao interesse
da coletividade. Cumpre apresentar quais os suportes que autorizam nossa afirmação.

O próprio princípio da legalidade, que encabeça a relação das prescrições gerais e abstratas inscritas
no mencionado art. 37 da nossa Lei Fundamental, ao estipular que o administrador tem sua vontade
submetida à lei – dentro da idéia de "interesse público" - também tem o objetivo de atender o inte-
resse da sociedade, tanto é que a "lei" caracteriza-se por ser uma prescrição geral, imperativa, im-
pessoal e abstrata, um veículo em serviço da sociedade como um todo. Quer-se dizer, com isso, que
o princípio da legalidade não está dissociado da idéia de atender ao interesse público, e nem poderia
ser diferente.

Complementando tal idéia, cumpre aduzir que o princípio do interesse público não só subjaz o prin-
cípio da legalidade como, de certo modo, guarda estreita afinidade com os demais princípios que
informam a atuação da Administração Pública em geral. A um, porque ao sustentarmos que o prin-
cípio da legalidade conforta interesse público, por conseguinte, estamos trabalhando com a idéia de
que a noção de "interesse público" alcança os demais princípios, justamente pelo fato da legalidade
estrita ter ampla abrangência e, conseqüentemente, estar francamente disseminada no âmbito do
nosso regime jurídico-administrativo. Tanto é que a doutrina é tranqüila ao afirmar que, sob a rubri-
ca da "legalidade", pode-se enfeixar todos os demais princípios peculiares ao direito administrativo,
sejam eles explícitos ou implícitos. A dois, porque, independentemente da aproximação do interesse
público com a noção que se tenha de legalidade, aquele também encontra em seu interior amplo
espectro de ação, abrangendo e tangenciando não só reflexa como diretamente os demais princí-
pios, sendo indissociável para a compreensão e dimensionamento da impessoalidade, da moralidade

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e da publicidade, preceitos que originariamente foram impostos ao administrador público pela Carta
Federal. Nesse aspecto não há como dizer o contrário.

Tanto é que, como vimos a pouco, o regime jurídico-administrativo tem como um de seus assentos
a supremacia do interesse público, circunstância que, por si só, já seria suficiente para demonstrar
que o nosso sistema alberga, com todas as luzes, o princípio do interesse público – ainda que não
faça expressa referência e que, a priori, tal conclusão não seja lançada de plano. Percebe-se assim
que, aos poucos, gradualmente, estamos situando o "interesse público" no nosso sistema de direito
positivo.

RUI CIRNE LIMA (5), na sua notável obra Princípios do Direito Administrativo, de certa forma, alberga
o interesse público sob denominação outra, qual seja, o princípio de utilidade pública que, segundo
sustenta, dá-nos, por assim dizer, o traço essencial do Direito Administrativo. A utilidade pública é a
finalidade própria da administração pública, enquanto provê à segurança do Estado, à manutenção
da ordem pública e à satisfação de todas as necessidades da sociedade. Malgrado a correção das
premissas, entendemos que ainda há de ser buscada uma explicação mais esclarecedora. E certa-
mente há de haver uma que nos agrade.

A dificuldade em definir o que seja "interesse público", longe de representar abstração e esvazia-
mento semântico, é decorrência não só da amplitude do seu campo de ação, mas, sobretudo, fruto
da errônea percepção, não raras vezes idealizada, de que é possível encontrar uma noção fixa e
imutável para a definição dos termos. Especialmente no que refere a este último aspecto, é de se
ver que "interesse público" trata-se de um conceito indeterminado, que necessariamente precisa ser
contextualizado. Contudo, consoante o ensinamento de MARIA LÚCIA VALLE DE FIGUEIREDO, isto
não implica em dizer que ele não detenha um núcleo mínimo de compreensão, sendo que sua cono-
tação e denotação deverão ser extraídas das normas dos princípios informadores do ordenamento.
Conclui a eminente jurista no sentido de que seu conceito será dado à luz do instituto, que se exa-
mina, e do próprio sistema. Desse modo, já sabemos, de certa forma, onde procurar os elementos
para a precisa definição do princípio do interesse público.

Prosseguindo no estudo do tema, cumpre abordar um aspecto fundamental. Aprioristicamente,


quando falamos em interesse público, no objetivo de facilitar sua compreensão - e até mesmo por
força da tradição romanística em diferenciar o direito público do direito privado, dicotomia cada vez
mais ultrapassada - o imaginamos como residente num compartimento estanque e distanciando do
interesse privado, o que, na preciosa lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, se constitui
num rematado equívoco.

Isto porque, nas judiciosas ponderações do aludido doutrinador, consta que o interesse público –
como o interesse do todo, nada mais é do que uma forma, um aspecto, uma função quali-
ficada do interesse das partes, ou seja, não há como se conceber que o interesse público
seja contraposto e antinômico ao interesse privado, caso assim fosse, teríamos que rever
imediatamente nossa concepção do que seja a função administrativa. A vetusta idéia de que
os indivíduos devem servir para o Estado encontra-se há muito superada, de modo que a concepção
hodierna caminha no sentido de que é o ente estatal que deve atender e servir aos interesses da
coletividade, sendo esta a verdadeira razão fundante do pacto social (6). Tomamos de empréstimo o
acerto e a correção das conclusões alinhavadas pelo ilustre doutrinador, no intuito de perquirir o
seguinte: "Poderá haver um interesse público que seja discordante do inexistente de cada um dos
membros da sociedade?". Decerto que não.

Cumpre arrematar, enfim, o conceito do que seja "interesse público". O interesse público, por-
tanto, nada mais é do que uma dimensão, uma determinada expressão dos direitos indivi-
duais, vista sob um prisma coletivo. O aludido princípio obtém sua melhor definição mais uma
vez por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (7), que o cunhou como sendo o interesse resultante
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do conjunto de interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua quali-
dade de membros da Sociedade e pelos simples fato de o serem.

Malgrado a separação entre direito público e privado perdure até hoje, é de muito mais por razões
meramente didáticas, cumpre observar que tal delimitação não encerra uma segregação absoluta e
definitiva dos objetos enquadrados numa ou noutra categoria, razão pela qual devemos conceber o
interesse público como resultado de uma simbiose entre o interesse particular ou pessoal qualifica-
damente considerado e as prerrogativas da Administração Pública. Embora possamos decompô-los,
até mesmo para melhor discernir a função pública da atividade privada, o fundamental é que não
percamos a compreensão do que seja o todo.

O que ocorre, e isso sim é preciso deixar bem claro, é que nem sempre a Administração atua em
estrita obediência à finalidade pública e, conseqüentemente, em não o fazendo, desatende o inte-
resse público. Embora goze de presunção de legitimidade, o simples fato de determinado ato admi-
nistrativo ser concebido no ente estatal não quer dizer que, fatalmente, aconteça o que acontecer,
ele irá realizar interesse público. Isto porque existe uma subdivisão importante, que fala em interes-
ses primários e secundários da Administração, cujo exame, agora, se mostra oportuno.

Os interesses primários englobam a Administração Pública no real e genuíno exercício do seu ofício,
como ente imparcial, enquanto que os interesses secundários são decorrência do desempenho das
suas atividades de gestão, desta feita como certa parcialidade, não objetivando fins tão nobres,
mas, isto sim, a própria sobrevivência ou higidez dos cofres públicos, ainda que isto potencialize
afronta à lei.

Em mais uma primorosa lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (8), cuja remissão é mais
uma vez inevitável, superada a questão de considerar o interesse público como um interesse exclu-
sivo do Estado, evita-se a errônea identificação do interesse público como sendo aquele
externado pela entidade que representa o Estado, consistente em qualquer das pessoas jurídi-
cas de direito público interno, na medida em que é imperioso reconhecer que, tal qual acontece com
os cidadãos, existem meras individualidades que encarnam no Estado enquanto pessoa e, portanto,
assemelham-se aos interesses de qualquer outro sujeito - com a diferença fundamental que, en-
quanto o particular pode fazer seu interesse individual, o Estado só poderá promover a defesa dos
seus interesses particulares ("interesse secundário") quando estes não conflitarem com o interesse
público propriamente dito ("interesse primário").

Na nossa modesta compreensão, digerindo as inteligentes conclusões encetadas pelo renomado


doutrinador, a mesma distância que separa a "administração pública" do "governo", também afasta
o "interesse primário" do "interesse secundário". Isto implica dizer que o interesse primário está
mais para a administração publica, assim como o interesse secundário está mais para o governo,
guardadas as devidas proporções. Enquanto aquele visa a atender as necessidades coletivas propri-
amente consideradas, este assume cunho político e, de certa forma, visa a atender os interesses
relacionados à gestão do próprio ente estatal.

V – O PRINCÍPIO DO INTERESSE PÚBLICO E A SUA CORRESPONDÊNCIA NO DIREITO PO-


SITIVADO

Visto que o princípio do interesse público é uma dos pilares de sustentação do nosso direito adminis-
trativo, cumpre declinar, ainda que superficialmente, alguns dos institutos sobre os quais o aludido
princípio irradia seus efeitos. Até mesmo porque a definição jurídica do interesse público deve
encontrar correspondência no direito positivo para que se afigure útil e servível ao estudo do
direito administrativo.

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Assim, no que atine as restrições que recaem sobre a propriedade privada, insta ter presente que o
instituto da servidão e da desapropriação, por exemplo, retratam com fidelidade uma das facetas do
interesse público. Neste momento, aproveitamos para pôr em xeque a definição de interesse público
e ver se, efetivamente, a definição alinhavada é adequada e, conseqüentemente, está imune a qual-
quer sorte de distorção para continuar aplicável ou se, ao contrário, precisamos reformular ou re-
construir o conceito esboçado sob algum aspecto para que o encaixe das idéias se afigure possível.

A desapropriação, em condições normais, consabidamente, nada mais é do que o procedimento pelo


qual o Poder Público, objetivando atender a uma necessidade ou utilidade pública ou, ainda, um in-
teresse social, após prévia notificação, despoja o proprietário de seu bem, impondo a incorporação
deste ao patrimônio público mediante o justo e adequado ressarcimento do particular.

Imaginemos hipótese em que, para o fim de aperfeiçoar a malha viária, o Poder Público municipal
resolva, mediante a expedição de decreto expropriatório, despojar determinado sujeito do imóvel no
qual habitava por mais de 20 anos com sua família. Suponhamos que dito bem tenha servido de
residência às gerações passadas da referida família e, mais, que a sua localização seja próxima ao
estabelecimento comercial que, presumamos, seja a fonte da qual decorre a atividade produtiva da
família. Como se vê, com toda a clareza, não resta dúvida de que o ato administrativo determinante
a expropriação irá causar um transtorno tremendo a estas pessoas que, de uma forma ou outra,
ficarão privadas de desfrutar da propriedade que, afora a facilidade e conforto que apresentava - um
deles consistente no fato de situar-se próxima ao empreendimento da família, - tinha um relevante
e insubstituível valor estimativo, fundamentalmente porque serviu de abrigo aos antepassados da-
quela casta familiar. Individualmente, e, com bastante segurança, podemos dizer que a expropria-
ção forçada não atende interesse individual desses indivíduos que, até então, residiam no imóvel, na
medida em que eles terão de curvar-se à prevalência do interesse público, desocupando o imóvel
com os predicados antes mencionados, diante da determinação de que o mesmo seja compulsoria-
mente incorporado pelo Estado. Contudo, se deixarmos de lado as questões pessoais e subjetivas –
mantido o aspecto individual, percebe-se que a melhora do sistema viário municipal, ao pretender
melhorar o fluxo do trânsito, é compatível do interesse daqueles sujeitos, senão como pessoas indi-
vidualmente consideradas, mas enquanto cidadãos residentes naquela municipalidade, de modo que
o escopo motivador da expropriação beneficia toda a coletividade, inclusive as próprias vítimas do
decreto expropriatório, embora essa idéia fique obnubilada num primeiro momento, ostentando difí-
cil visualização.

Concluindo, não há dúvida de que, em remissão ao que já se disse, o interesse público, longe de
se constituir numa categoria oposta, convive com o direito individual propriamente consi-
derado, não estando divorciado dos seus interesses. Mais, exsurge cristalino que o princípio do
interesse público encontra patente aceitação nos institutos próprios do direito administrativo. De
modo que, assim como mencionamos hipótese de desapropriação, poderíamos falar no poder orde-
nador da administração, usualmente conhecido como poder de polícia, ou até mesmo na caracterís-
tica dos contratos públicos, que ensejam rompimento unilateral de parte da Administração – existin-
do vários exemplos da repercussão do princípio do interesse público no âmbito do direito administra-
tivo.

De modo que, encaminhando o fecho de nossa conclusão, o que devemos ter por certo é que não
faltará instituto do direito administrativo em que não esteja presente, com maior ou me-
nor força, os ditames decorrentes do interesse público, princípio basilar que, consoante procu-
ramos demonstrar ao longo do presente opúsculo, apresenta fundamental prestígio para o adequado
desempenho da Administração Pública enquanto função estatal que visa a atender aos interesses e
necessidades da coletividade.

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VI – UM CASO EXTRAÍDO DA JURISPRUDÊNCIA

Neste último tópico, ilustrando a temática exposta, reproduzimos a seguir decisão que retrata um
precedente jurisprudencial oriundo do Supremo Tribunal Federal, cujo julgamento conduziu ao exa-
me da indisponibilidade do interesse público e de suposta ofensa ao princípio da legalidade. O aresto
referido foi ementado nos seguintes termos:

"Poder Público. Transação. Validade. Em regra, os bens e o interesse público são indisponíveis, por-
que pertencem à coletividade. É, por isso, o Administrador, mero gestor da coisa pública, não tendo
disponibilidade sobre os interesses confiados à sua guarda e realização. Todavia, há casos em que o
princípio da indisponibilidade do interesse público deve ser atenuado, mormente quando se tem em
vista que a solução adotada pela Administração é a que melhor atenderá à ultimação deste interes-
se. Assim, tendo o acórdão recorrido concluído pela não onerosidade do acordo celebrado, decidir de
forma diversa implicaria o reexame da matéria fático-probatória, o que é vedado nesta instância
recursal (Súm. 279/STF). Recurso extraordinário não conhecido."

(STF – 1ª Turma; RE n° 253885/MG; Recurso Extraordinário, Relatora Ministra Ellen Gra-


cie Northfleet, julgado em 04/06/02)

Examinando o inteiro teor dessa decisão, depreende-se que a interposição do recurso extraordinário
deu-se sob a alegação de que determinado acordo firmado entre a Municipalidade recorrente e seus
agentes teria violado o princípio da legalidade e o princípio do interesse público, diante da inexistên-
cia de lei autorizadora. Considerando que "o acordo serviu a uma mais rápida e efetiva consecução
do interesse público", ao destacar o caráter alimentar do pacto destinado ao pagamento de salários
dos servidores municipais, a nobre julgadora entendeu que não houve a caracterização de ofensa ao
art. 37 da Constituição Federal, muito antes pelo contrário - de modo que, reconhecendo a proce-
dência do pedido dos servidores e providenciando a pactuação com os beneficiários, a Administração
nada mais fez do que o elogiável exercício da autotutela estatal, dispensando o recurso ao Judiciá-
rio.

Parece-nos que a decisão foi posta na forma adequada. A indisponibilidade do interesse público de-
corrente da transação entre administrador e administrado deve ser relativizada, contanto que a so-
lução última adotada tenha atendido plenamente à consecução do interesse público que, no caso,
consistia na observância dos direitos dos servidores beneficiários à percepção de resíduos salariais
que lhes cabiam. Seria estranho que, sob o argumento da indisponibilidade do interesse público, a
Administração estivesse impedida de anular ato administrativo e, conseqüentemente, reconhecer a
procedência de pedido formulado pelos respectivos servidores. Mais uma vez, na nossa modesta
ótica, evidencia-se aqui a distinção entre interesse primário e interesse secundário, ponto sobre o
qual já discorremos. Somente a título deste último é que encontraria justificativa a eventual resis-
tência da Administração em revisar os seus próprios atos como forma nítida de protelar o julgamen-
to de uma pendência judicial cuja derrota já estava mais do que anunciada. No momento em que a
administração celebra acordo com seus servidores, no qual reconhece procedência do pleito contra
si formulado, atitude merecedora dos maiores encômios, é que está efetivamente arcando com as
suas responsabilidades e, conseqüentemente, honrando e prestigiando a tutela do interesse público
propriamente dito.

VI – CONCLUSÃO

O presente trabalho procurou dimensionar o princípio do interesse público no direito administrativo,


expondo, ainda que em apertada síntese, alguns de seus contornos fundamentais.

Partindo dos estudos da doutrina, especialmente das judiciosas conclusões de CELSO ANTÔNIO
BANDEIRA DE MELLO - em nossa modesta ótica, um dos melhores juristas brasileiros - procuramos
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Data: 04/08/2008

conciliar a assimilação teórica e abstrata do princípio sem, com isso, nos afastarmos de cotejar tais
premissas no direito positivo. Com o fim de explicitar a efetiva consagração do princípio em tela,
elegemos um caso da jurisprudência para ilustrar temática tão importante para a compreensão do
direito administrativo.

Com base no que vimos, tem-se que o princípio do interesse público é onipresente, devendo, em
tese, pautar a essência de todo e qualquer ato administrativo. Estamos seguros de que a matéria,
ao contrário da primeira impressão que se possa ter, não é tão singela quanto parece, de forma
que, sem sombra de dúvida, o tema em questão tem potencial para ensejar uma abordagem mais
aguda e, por conseqüência, muito mais competente do que a nossa. De qualquer forma, estamos
satisfeitos por lançar a nossa tinta, embora saibamos que cores muito mais vivas ainda mereçam
ser lançadas para que a matéria tenha um estudo condizente com a sua importância.

VII - Notas

1. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 9ª edição, Brasília, UNB, 1997, p. 158/159.
2. Obra citada, p. 19.
3. Obra citada, p. 66.
4. Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, p. 32.
5. LIMA, RUI CIRNE. Princípios do Direito Administrativo. 5ª edição. São Paulo, Ed. Revista dos Tri-
bunais, 1982, p. 15/16.
6. Como bem salienta MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, em sua obra anteriormente citada (p.
69), "O Direito deixou de ser apenas instrumento de garantia dos direitos do indivíduo e passou a
ser visto como meio para consecução da justiça social, do bem comum, do bem estar coletivo.
7. Obra citada, p. 59.
8. Obra citada, p. 63.

Fonte: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3545

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