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ANESTESIA INALATÓRIA

Edno Magalhães
Cátia Sousa Govêia
Nádia Maria da Conceição Duarte
Carlos Eduardo Lopes Nunes

ANESTESIA INALATÓRIA

SBA
Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Rio de Janeiro
2010
Copyright© 2010 by Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Todos os direitos reservados à SBA

Editores
Edno Magalhães
Cátia Sousa Govêia
Nádia Maria da Conceição Duarte
Carlos Eduardo Lopes Nunes

Editoração Eletrônica
Ito Oliveira Lopes
Wellington Luís Rocha Lopes

Capa
Maria de Las Mercedes G. Martin de Azevedo
Marcelo Azevedo Marinho

Colaboradores
Maria de Las Mercedes G. Martin de Azevedo
Marcelo Azevedo Marinho
Rodrigo Ribeiro Matos
José Bredariol Junior
Teresa Maria Maia Libório

M489 Anestesia Inalatória


Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/
SBA, 2010.
152p. ; 23cm. ; ilust.

ISBN 978-85-98632-10-0
Vários colaboradores.

1. Anestesia Inalatória. 2. Anestesia. I. Sociedade


Brasileira de Anestesiologia. II. Nunes, Carlos Eduardo
Lopes e Duarte, Nádia Maria da Conceição.

CDD - 617-96

Sociedade Brasileira de Anestesiologia


Rua Professor Alfredo Gomes, 36 - Botafogo - Rio de Janeiro - RJ
CEP 22251-080
Tel. (21) 2537-8100 - www.sba.com.br - e-mail: sba2000@openlink.com.br
Autores
Edísio Pereira
TSA-SBA
Membro da Comissão de Normas Técnicas e Segurança
em Anestesia
Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da
Universidade de Brasília

Edno Magalhães
TSA-SBA
Diretor do departamento Científico da SBA
Responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento de
Anestesiologia da Universidade de Brasília
Professor Pesquisador Pleno Associado da Universidade
de Brasília

Elaine Aparecida Felix


TSA-SBA
Responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento do
Serviço de Anestesia e Medicina Perioperatória do
Hospital das Clínicas de Porto Alegre - SAMPE
Professora Adjunta do Deptº de Cirurgia da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul

Florentino Fernandes Mendes


TSA-SBA
Responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento da
Universidade Federal e Ciências da Saúde de Porto Alegre
Professor de Anestesiologia da Universidade de Ciência
da Saúde de Porto Alegre

Gastão Fernandes Duval Neto


TSA-SBA
Presidente da Comissão de Saúde Ocupacional da SBA
Responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento em
Anestesiologia da Universidade Federal de Pelotas
Professor Titular de Anestesiologia da Universidade
Federal de Pelotas
Leonardo Teixeira Domingues Duarte
TSA-SBA
Membro da Comissão Examinadora do Título Superior
em Anestesiologia
Membro da Comissão Científica da SAESP
Anestesiologista da São Paulo Serviço Médico de Anestesia (SMA)

Luiz Fernando de Oliveira


TSA-SBA
Responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento do
Hospital Universitário Pedro Ernesto
Professor Titular de Anestesiologia da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro

Marcelino Jager Fernandes


TSA-SBA
Membro do Comitê de Anestesia Venosa da SBA

Maria Angela Tardelli


TSA-SBA
Professora Adjunta da Disciplina de Anestesiologia, Dor
e Terapia Intensiva Cirúrgica da UNIFESP

Mário José da Conceição


TSA-SBA
Editor Chefe da Revista Brasileira de Anestesiologia
Professor Doutor de Técnicas Cirúrgicas e Anestésicas
da FURB

Oscar César Pires


TSA-SBA
Secretário da Comissão de Ensino e Treinamento
Responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento do
Hospital Municipal de São José dos Campos
Professor Doutor de Farmacologia da Universidade de
Taubaté
Prefácio

A Sociedade Brasileira de Anestesiologia traz aos seus associados


o segundo número de seus e-books, dessa vez abordando a anestesia
inalatória.
No longínquo 16 de outubro de 1846, em que Thomas Morton,
usando éter, realizou o que hoje é considerado como o marco inicial da
Anestesiologia, foram lançadas as bases da nossa especialidade. Sobre o
alicerce da anestesia inalatória desenvolveram-se conceitos farmacológi-
cos e fisiológicos que acabariam com o sofrimento durante as operações e
modificariam para sempre e radicalmente o avançar da medicina cirúrgica.
A famosa tela que retrata aquele dia memorável mostra o quão pro-
funda foi a transformação da nossa especialidade desde então e, olhando
por este prisma, podemos dizer que este e-book constitui-se numa ver-
dadeira ponte histórica, pois liga a anestesia pioneira – artesanal e rudi-
mentar -, ao que há de melhor na tecnologia do século XXI em termos de
divulgação de conhecimentos.
Neste trajeto através do tempo lembramos que, embora os agentes
anestésicos, a monitorização e o próprio conhecimento farmacológico te-
nham evoluído consideravelmente, a anestesia inalatória continua a ser,
mais de cento e cinqüenta anos depois, a técnica mais praticada no mun-
do e, por essa razão, a SBA não poderia se furtar a incluí-la na sua série
de e-books.
É com prazer que entregamos ao nosso associado mais esta obra,
que é fruto do trabalho abnegado de vários autores, que cederam seu
tempo em prol da atualização científica do anestesiologista brasileiro. A
eles, nosso agradecimento.
Ao leitor, razão de ser de qualquer publicação científica, desejamos
que, pela possibilidade de acesso remoto, este e-book converta-se numa
boa revisão desse grande tema da Anestesiologia e seja uma fonte de
consulta permanentemente disponível, tanto em casa, como nos hospi-
tais.

Dr. Carlos Eduardo Lopes Nunes


Presidente da SBA
Índice
1. Anestesia Inalatória
Edno Magalhães_ ____________________________________ 13

2. Farmacocinética e Farmacodinâmica dos Agentes


Anestésicos Inalatórios
Marcelino Jager Fernandes_ ___________________________ 19

3. Anestésicos Inalatórios: Mecanismo de Ação_


Gastão Fernandes Duval Neto__________________________ 27

4. Sistemas de Administração
Edísio Pereira________________________________________ 43

5. Anestesia Geral Balanceada
Luiz Fernando de Oliveira______________________________ 67

6. Anestesia Inalatória: Monitoragem


Per-Operatória da Consciência
Leonardo Teixeira Domingues Duarte____________________ 75

7. Anestesia Inalatória na Criança


Mário José da Conceição______________________________ 93

8. Agentes Inalatórios e Proteção de Órgãos


Maria Angela Tardelli_________________________________ 103

9. Anestesia Inalatória: Toxicidade e Metabolismo


Edno Magalhães
Oscar César Pires___________________________________ 123

10. Simuladores em Anestesia Inalatória


Elaine Aparecida Felix
Florentino Fernandes Mendes_________________________ 135
Capítulo 1

Anestesia Inalatória
Edno Magalhães

Introdução

Até o século XIX, o que o homem mais desejou, entre todas as coi-
sas, foi aprender a controlar a dor. Em 1846, oficialmente no dia 16 de
outubro, médicos e dentistas deram à humanidade o que possivelmente
representa a mais fantástica descoberta entre todas as ciências: a Aneste-
sia. Esse grande presente não caiu do céu.
No início da década de 1840, os efeitos do éter dietílico e do óxido
nitroso já eram bem conhecidos. Humpry Davy descreveu os efeitos into-
xicantes do óxido nitroso no livro Researches Chemical and Philosophical:
Chiefly Concerning Nitrous Oxide.
O éter, que foi sintetizado pela primeira vez em 1500, já tinha de-
monstrado reduzir a ânsia de ar dos asmáticos. Por esse tempo, essas
drogas já eram bem conhecidas dos estudantes de medicina como intoxi-
cantes.
Em março de 1842, um médico de área rural,Crawford Long, usou
éter para anestesiar o paciente James Venable, submetido a cirurgia para
retirar tumores da parte posterior do pescoço. Long cobrou do paciente
dois dólares pelo serviço, dando início, assim, à anestesia como parte de
um serviço profissional. Devido às características da sua prática rural, Long
perdeu as anotações da maioria dos seus casos, ficando sem possibilidade
para estudos sobre o éter.
Em 1844, Horace Wells, um dentista de Connectcut, tentou a idéia
de anestesiar a si mesmo com óxido nitroso para que o seu assistente lhe
extraísse um dente, o que ocorreu sem dor alguma. Logo, Wells começou
a oferecer “odontologia indolor” como parte da sua prática profissional.
Tentou então demonstrar no Massachussetts General Hospital, ainda em
1844, uma extração dentária sem dor mas o paciente gemeu, e a anestesia
foi considerada um fracasso.
Em 16 de outubro de 1846, um dentista estudante de medicina,
Willian Thomas Green Morton, realizou uma anestesia cirúrgica com éter
no paciente Gilbert Abbott para remoção de um tumor na mandíbula, sendo
a operação realizada com sucesso e sem nenhuma dor. Os médicos que
assistiram à anestesia ficaram tão impressionados com o milagre da ope-
ração sem dor que expediram cartas para colegas do mundo inteiro. Aonde
essas cartas chegaram despertaram entre os médicos o desejo de apren-
der a fazer anestesia.

13
Em 19 de dezembro de 1846, foi feita a primeira anestesia na Ingla-
terra, para extração de um dente.
Em 21 de dezembro de 1846, foi realizada, também na Inglaterra,
sob anestesia com éter, uma amputação de perna, sem dor.
No início de 1847, anestesias já estavam sendo feitas em muitos
países da Europa, e no mês de junho desse mesmo ano já se praticava
anestesia na Austrália. Em 04 de outubro de 1847, um médico missionário
fez a primeira anestesia na China.
Para a cirurgia, a anestesia abriu a possibilidade de grande aperfeiço-
amento das técnicas cirúrgicas. Passou a ser possível a exploração de ca-
vidades viscerais por horas, o que antes tinha que ser feitos em segundos.
A praticidade de administração inalatória do éter tornou-se um verda-
deiro ponto de partida para todas tentativas que se seguiram na busca por
drogas que pudessem, por via inalatória, abolir a dor (analgesia) e fornecer
condições operatórias favoráveis como droga única.
Na Inglaterra, um médico de Londres de nome John Snow interes-
sou-se muito pelo novo estado de anestesia. Começou então estudar as
propriedades, físicas e químicas do éter. Ainda em 1847 desenvolveu um
E-Book de Anestesia Inalatória

vaporizador para o éter. Tornou público todo o funcionamento do vaporiza-


dor, emitindo inclusive informações quanto aos seus conhecimentos sobre
a vaporização do éter. Esse vaporizador era construído com material bom
condutor de calor, e era mergulhado em água. Assim conseguia manter
constante a temperatura do éter. Dentro de uma década do descobrimento
da anestesia, Snow já era capaz de calcular a quantidade de éter a ser gas-
ta para anestesiar um paciente.
Após a descoberta do clorofórmio como novo agente anestésico,
Snow começou a estudá-lo usando os conhecimentos adquiridos com o
éter. Concluiu que era mais seguro administrar clorofórmio medindo as
quantidades através de um inalador. John Snow condenava seriamente a
aplicação do clorofórmio de forma manual, utilizando um pano sobre o nariz
e a boca do paciente. Afirmava não ser possível por esse método controlar
adequadamente a depressão anestésica do paciente. Graças a sua grande
curiosidade científica e grande poder de observação clínica, Snow novamen-
te criou um vaporizador calibrado com compensação de temperatura para
outro agente anestésico: o clorofórmio.
Snow tornou-se um especialista em Anestesia, e na década de 1850
praticamente todo o seu ganho era proveniente da anestesia. Snow ganhou
prestígio nos meios médico e social, mas não alterou a sua prática de
anestesia.
Escolhido para anestesiar a rainha Victória da Inglaterra no nasci-
mento dos seus dois últimos filhos, como ainda não estava usando o seu

14
inalador para o clorofórmio, Snow preferiu não induzir o estado pleno de
anestesia na rainha. Empenhou-se e conseguiu prover uma situação de
analgesia para a rainha, usando então uma forma de analgesia obstétrica,
que passou a ser chamada de clorofórmio a La Reine, que persistiu em uso,
sob várias formas, durante todo o século seguinte.
Independentemente dos seus estudos sobre a física dos anestési-
cos inalatórios, Snow passou a estudar com bastante interesse os resul-
tados das anestesias. Estudou incessantemente todos os relatos sobre
mortes em anestesia.
Snow escreveu interessantemente sobre a morte da paciente Han-
nah, vítima da primeira morte sob anestesia no mundo. No seu livro On
chloroform and other anesthetics publicado em 1858, Snow comentou ex-
tensamente a fisiopatologia encontrada nas primeiras 50 mortes ocorridas
sob anestesia com clorofórmio. O seu espírito aguçado de investigação
clínica e os conhecimentos de alto nível sobre achados fisiopatológicos na
morte ajudaram-no bastante a entender a natureza do processo anestésico
e dos agentes que produzem insensibilidade. Com a sua mente inquiridora
e espírito de pesquisa, Snow criou os verdadeiros alicerces para uma es-
pecialidade.

Anestesia Inalatória
Com a morte prematura de Snow, a anestesia caiu no segundo pla-
no da medicina. Entretanto, nas grandes cidades, um número cada vez
maior de médicos tinham a maior parte de sua renda oriunda da prática da
anestesia. À medida que aumentavam as cirurgias, aumentava também a
necessidade de anestesia. Infelizmente, a mortalidade também aumentou
muito, passando a ser um importante problema. O clorofórmio aparecia
como o principal responsável pelas mortes que pareciam inexplicáveis. O
éter mostrava-se mais seguro, apesar dos efeitos colaterais como náuseas,
vômitos e indução mais demorada em relação ao clorofórmio. Isso fez com
que o éter fosse considerado o agente quase ideal ou menos que o ideal
àquela época. Por isso, durante aproximadamente um século procurou se
por um agente único ideal para substituir o éter. Essa preocupação resul-
tou na síntese dos modernos e mais seguros agentes, halogenados como
o clorofórmio, representados a partir do século XX por aproximadamente
treze agentes anestésicos colocados em uso clínico nos últimos 90 anos,
passando pelo tricloro etileno até chegar-se, após 1950, aos conhecidos
halotano, metoxiflurano e enflurano. E até os agentes recentes e em uso
clínico atual isoflurano, sevoflurano e desflurano. Importante notar que uma
das principais propriedades procuradas nesses agentes como importante e
necessária para a segurança era a baixa solubilidade sanguínea. Isso pode
explicar a permanência em uso, por mais de 160 anos, do óxido nitroso.
A procura pela explicação da mortalidade maior pelo clorofórmio e de

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possíveis substitutos para ele foi importantíssima para a anestesia. Essa
procura criou entre os médicos o interesse pelo estudo da anestesia e a
preocupação em aumentar a segurança do paciente. Essa preocupação, fe-
lizmente, está presente até os dias atuais na prática dos bons profissionais
da anestesiologia.
No final do século XIX, a maioria dos médicos já era acorde quanto
à necessidade de prática especializada da anestesia. Em 1908, a Asso-
ciação Médica Americana criou uma comissão para estudar a situação da
anestesia.
As conclusões dessa comissão podem ser assim resumidas:
1 - Para os médicos em geral e anestesistas não especializadamente
treinados, o éter deveria ser o anestésico de escolha.

2 - O uso do clorofórmio deveria ser desencorajado, a menos que


administrado por um expert.

3 - O treinamento especializado de anestesiologistas deveria ser es-


timulado e que fossem fornecidas mais informações sobre anes-
E-Book de Anestesia Inalatória

tesia para estudantes de medicina.

Perspectivas

Três propriedades são fundamentais para a procura e adoção de no-


vos agentes: solubilidade baixa, biotransformação mínima ou nula e benig-
nidade cardiovascular.
A curto prazo, aparece o xenônio. Gás de baixa solubilidade e o mais
benigno em relação ao sistema cardiovascular entre todos os inalatórios. O
alto preço do xenônio e a sua pequena disponibilidade não permitem o seu
uso disseminado. Não pode ser fabricado e é obtido no processo de destila-
ção fracionada do ar liquefeito. Componente normal da atmosfera, mesmo
em concentração mínima, é respirado normalmente sem sofrer biotrans-
formação e não é poluente atmosférico nem contribui para o efeito estufa.
A sua indicação ideal seria em pacientes em condições críticas. Já foi
aprovado como agente anestésico na Alemanha e na Rússia, mas aguarda
registro em outros países. Se fosse utilizado em larga escala, o xenônio
iria revolucionar o panorama da anestesia inalatória. Os aparelhos ficariam
mais simples e sem necessidade de vaporizadores. Infelizmente não se
deve aguardar o xenônio, anão ser em muito longo prazo.
A anestesia acompanha o desenvolvimento tecnológico geral, valen-
do-se progressivamente de equipamentos computadorizados e integrados.
Aguarda-se a introdução clínica da anestesia servo controlada mediante

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retroalimentação do efluente do vaporizador a partir das medidas teleex-
piratórias dos agentes inalatórios. Isto somado à capacidade de controle
sensivelmente melhor da anestesia inalatória pelas medidas das concen-
trações in e expiradas dos agentes, acrescenta uma dose de segurança
relevante à anestesia geral. No futuro, as técnicas de alvo controle deverão
assumir posição dominante na administração da anestesia geral. A aneste-
sia servo-controlada aguarda a introdução de um sinal confiável e universal
de profundidade da anestesia para sua implantação clínica generalizada.
Os monitores de profundidade da anestesia atualmente em uso empregam
o controle isolado de hipnose como substituto do contexto geral de aneste-
sia, o que não é completamente satisfatório.
A monitorização, com o seu progresso é extremamente válida para
a anestesia geral. A medida da função respiratória e a eletrocardiografia já
são realizadas com excelente tecnologia. Já estão disponíveis oxímetros
com utilização de maior número de comprimento de onda, permitindo medir
a concentração de carboxihemoglobina e também de metahemoglobina. Fal-
ta ainda um monitor não invasivo e de simples instalação que acompanhe
as variações do débito cardíaco de modo contínuo.
O impacto do estudo de farmacogenômica sobre a medicina e a anes-

Anestesia Inalatória
tesiologia em particular será fantástico. As mudanças de dinâmica neuronal
relacionadas com a passagem do estado de estesia para o de anestesia
continuam ignorados. Espera-se que a identificação da constituição protéi-
ca dos rececptores vá em frente e permita uma interpretação mais objetiva
das diferentes ações dos anestésicos.
Quando for possível identificar a constituição protéica dos receptores
responsáveis pelo estado de anestesia, será igualmente possível realizar
a síntese de novos fármacos específicos. O anestesiologista poderá prever
todo o desenrolar da anestesia e garantir completa segurança ao paciente.
O tempo para isso será mais demorado do que se deseja. Entretanto, ao
ser alcançado, permitirá um novo patamar de segurança na anestesia.
Os anestésicos voláteis são capazes de pré condicionar diretamente
ou aumentar indiretamente o pré condicionamento isquêmico, resultando
em proteção contra a lesão de isquemia- reperfusão.
Este efeito é denominado pré condicionamento anestésico, cujo me-
canismo ainda não está completamente elucidado, mas parece mimetizar
aquele do precondicionamento isquêmico. Nos últimos anos, um grande
número de estudos experimentais indica que os anestésicos voláteis con-
ferem proteção contra as alterações provocadas pela isquemia miocárdica.
Este efeito protetor não tem sido simplesmente explicado pelas alte-
rações no fluxo coronariano ou na relação oferta/consumo de oxigênio pelo
miocárdio. Os estudos mostram que os anestésicos voláteis apresentam

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efeitos diretor cardioprotetores. Estes efeitos resultam em proteção contra
a lesão isquêmica reversível e irreversível.
Por aproximadamente cem anos, procurou-se por drogas que isola-
damente como o éter e o clorofórmio fossem capazes de produzir todos os
componentes desejáveis da anestesia geral, sem efeitos colaterais. Agora,
com a proximidade dos procedimentos de servo e autocontrole e a dis-
parada de conhecimentos da farmacogenômica em relação à constituição
protéica de receptores ocorrem indicações bastante sugestivas de que a
anestesia inalatória se distanciará ainda mais de outras técnicas em ter-
mos de qualidade, segurança e melhor controle.

Referências Bibliográficas

1. Bacon DR - The Evolution of Anesthesiology as a Clinical Discipline: A Lesson in Deve-


loping Professionalism, em: Longnecker DE – Anesthesiology. New York, McGraw Hill
Medidcal, 2008;3-19.
2. Bacon DR - The World Federation of Societies of Anesthesiology: McMechan’s final le-
gacy. Anesth Analg, 1997; 84:1130-1135.
3. Comington FW, Colverley RK- Anesthesia on the western front: the anglo-american expe-
E-Book de Anestesia Inalatória

rience of World War I. Anesthesiology, 1986;65:642-653.


4. Magalhães E - Óxido Nitroso, em: Cavalcanti IL; Vane LA - Anestesia Inalatória. Rio de
Janeiro, SBA, 2007;63-83.
5. Parsloe CP - Noas Perspectivas da Anestesia Inalatória, em: Cavalcanti IL, Vane L A -
Anestesia Inalatória. Rio de Janeiro, SBA, 2007;117-132.
6. Smith HM, Bacon DR - The History of Anesthesia, em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting
RK - Clinical Anesthesia, 5th Ed, Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 2005; 3-26.
7. Tardelli MA - Agentes Inalatórios e Proteção de Órgãos, em: Cavalcanti IL, Vane LA - Anes-
tesia Inalatória. Rio de Janeiro. SBA, 2007;133-156.

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Capítulo 2

Farmacocinética e Farmacodinâmica dos


Agentes Anestésicos Inalatórios
Marcelino Jager Fernandes

Introdução

Farmacocinética é a parte da farmacologia que descreve o caminho


de qualquer droga dentro do organismo. Em termos simples, a farmacoci-
nética descreve o que o organismo faz com a droga. Farmacodinâmica é o
estudo dos efeitos da droga e dos mecanismos pelos quais estes efeitos
são obtidos. De modo simplificado, descreve o que a droga faz com o or-
ganismo. O conhecimento destes dois aspectos da farmacologia é de fun-
damental importância para o anestesiologista, pois irá determinar como a
droga será usada e com quais objetivos.
Os agentes anestésicos inalatórios são as drogas mais utilizadas
com o objetivo de se obter o estado de anestesia. A via inalatória para ad-
ministração da anestesia, além de ter sido a primeira via de sucesso para
obtenção do estado anestésico, oferece vantagens únicas, pois prescinde
de acesso venoso para sua administração, e, como a via de eliminação é a
mesma, tem a vantagem de alto grau de controle para aprofundamento da
anestesia e sua recuperação. O uso de monitores que analisam a fração
inspirada e expirada permite um controle fino da profundidade anestésica,
sendo referida mesmo como uma anestesia alvo controlada. A maioria dos
anestesiologistas conhece e manipula muito bem todos estes aspectos da
anestesia inalatória.

Farmacocinética dos agentes inalatórios

A farmacocinética dos agentes inalatórios descreve a sua absorção


dos alvéolos para os capilares pulmonares (chamada aqui mais comumente
de captação), sua distribuição entre os diversos tecidos do organismo, me-
tabolismo e finalmente sua eliminação, particularmente pela via pulmonar.
A captação e distribuição dos agentes inalatórios depende, inicial-
mente, do gradiente de pressão parcial que é criado entre o sistema venti-
latório da máquina de anestesia e alvéolo, sangue e tecidos. Esta série de
gradientes de pressões é a verdadeira força motriz que impulsiona a droga
através de várias barreiras (alvéolos, capilares, membranas celulares) até
o seu local de ação no sistema nervoso central. De maneira simplificada
pode-se escrever:

19
PA Pa Pbr

?
?
Onde PA = pressão parcial alveolar, Pa = pressão parcial arterial e Pbr
= pressão parcial cerebral. Assim sendo, após o equilíbrio a PA irá refletir
a pressão parcial cerebral. A PA é utilizada como índice de profundidade
anestésica, recuperação da anestesia e potência anestésica, descrita co-
mumente como CAM (concentração alveolar mínima).
Os fatores determinantes da PA são: a pressão parcial administrada
no fluxo de gases frescos, também descrita como fração inspirada, a ven-
tilação alveolar, as características do sistema ventilatório utilizado, a capa-
cidade residual funcional, o coeficiente de partição sangue-gás (l), o débito
cardíaco e diferença de pressão parcial alvéolo-venosa.
Quanto maior for a pressão parcial administrada, menor o tempo
para se atingir o equilíbrio, uma vez que uma fração inspirada alta com-
pensa a captação do anestésico pelo sangue. Isto é chamado efeito da
concentração do anestésico. No início da indução, a fração inspirada deve
ser alta para acelerar a indução anestésica e depois reduzida a níveis dese-
E-Book de Anestesia Inalatória

jáveis para a manutenção do estado anestésico. O efeito do segundo gás é,


basicamente, uma consequência do efeito da concentração, onde um gás
de baixa solubilidade como o óxido nitroso é captado em grandes volumes,
e na inspiração seguinte, provoca o aumento da pressão parcial alveolar do
segundo gás (halotano por exemplo), causando um aumento mais rápido
da PA deste último.
O aumento da ventilação alveolar tem o efeito de acelerar o aumento
da PA do anestésico por compensar a captação pelo sangue. Entretanto,
vale lembrar que a hiperventilação causa diminuição na pressão parcial de
dióxido de carbono (PaCO2), que determina vasoconstrição cerebral, limi-
tando a entrada do anestésico no cérebro, podendo resultar em retardo da
indução anestésica. Por outro lado, a diminuição da ventilação alveolar irá
retardar o aumento da PA e por conseguinte, aumentará o tempo para se
atingir o equilíbrio. A ventilação espontânea possui um certo efeito protetor,
pois o aumento da concentração do anestésico determina depressão da
respiração com diminuição da captação do anestésico. O uso de ventilação
mecânica retira este efeito protetor por manter ventilação alveolar constan-
te.
As características do sistema ventilatório utilizado são importantes.
Os fatores que irão influenciar são o volume do sistema ventilatório, a so-
lubilidade do agente nos componentes de borracha ou plástico e o fluxo
de gases frescos administrado. O volume do sistema irá agir como um
tampão, lentificando o tempo necessário para se atingir a PA desejada,
por diluir a fração anestésica administrada. Um fluxo de gases frescos alto

20
compensa esta diluição e se contrapõe ao efeito tampão do volume do
sistema. Finalmente, se o agente é solúvel nos componentes de borracha e
plástico do sistema, haverá uma diminuição da oferta do agente, retardan-
do o aumento da PA.
O coeficiente de partição descreve a razão de distribuição do anesté-
sico entre duas fases distintas, sangue/gás por exemplo. É um descritor de
solubilidade e pode ser definido entre o gás alveolar e sangue, bem como
sangue e diferentes tecidos. O coeficiente de partição sangue-gás descreve
a solubilidade do agente no sangue. Quanto maior o coeficiente de partição
sangue-gás, maior a solubilidade no sangue. Se a solubilidade no sangue
é alta, o agente tende a passar rapidamente para o sangue, sendo retirado
em grandes quantidades do alvéolo. Assim, irá demorar mais tempo para

Farmacocinética e Farmacodinâmica dos Agentes Anestésicos Inalatórios


se atingir a PA de equilíbrio, e finalmente, o tempo de indução anestésica
será maior. Isto acontece por exemplo com o halotano. O sevoflurano é um
agente de baixa solubilidade, e por esta razão, atinge a PA mais rapida-
mente, resultando em menor tempo de indução. O coeficiente de partição
tecido-sangue determina a captação do anestésico pelos tecidos e o tempo
necessário para o equilíbrio dos tecidos com a pressão parcial arterial (Pa).
Este tempo pode ser estimado pelo cálculo de uma constante de tempo
(quantidade de anestésico que pode ser dissolvido no tecido, dividido pelo
fluxo sanguíneo tecidual). Uma constante de tempo em uma curva expo-
nencial representa 63% do equilíbrio e 95% do equilíbrio é equivalente a 3
constantes de tempo. Para os anestésicos voláteis, o equilíbrio entre Pa
e Pbr (pressão parcial cerebral) depende da solubilidade do anestésico e
requer de 5 a 15 minutos (três constantes de tempo), sendo menor para o
desflurano e maior para o halotano. A tabela I descreve os diferentes coefi-
cientes de partição para os diversos agentes anestésicos.

Tabela I. Coeficientes de partição



Sangue/gás Sangue/ Sangue/ Sangue/ Óleo/gás
cérebro músculo gordura
Metoxiflurano 12 2 1,3 48,8 970
Halotano 2,54 1,9 3,4 51,1 224
Enflurano 1,90 1,5 1,7 36,2 98
Isoflurano 1,46 1,6 2,9 44,9 98
Óxido nitroso 0,46 1,1 1,2 2,3 1,4
Desflurano 0,42 1,3 2.0 27,2 18,7
Sevoflurano 0,69 1,7 3,1 47,5 55
Xenônio 0,115 1,7 3,1 47,5 55

21
O débito cardíaco influencia a captação por carrear maior ou menor
quantidade do agente do alvéolo. O aumento do débito cardíaco resulta
em maior captação, dificultando o aumento da PA, aumentando o tempo
de equilíbrio. A diminuição do débito cardíaco causa o efeito inverso. Este
efeito é mais evidente com os agentes mais solúveis como o halotano.
Como a maioria dos agentes voláteis causa depressão do miocárdio em
maior ou menor grau, após algum tempo começa a ocorrer diminuição da
captação do agente, provocando aumento súbito da PA, diminuindo o tempo
de indução anestésica. Com os agentes pouco solúveis este efeito quase
não é percebido, pois o equilíbrio ocorre antes que a diminuição do débito
cardíaco tenha um efeito significativo sobre a captação do agente.
A diferença alvéolo-venosa reflete a captação tecidual do anestésico.
A captação tecidual afeta a captação nos pulmões pelo controle da taxa de
aumento da pressão parcial no sangue venoso. Os fatores que determinam
a fração do anestésico removido do sangue pelos tecidos são paralelos
àqueles que determinam a captação nos pulmões, como solubilidade teci-
dual, fluxo sanguíneo, e diferença de pressão parcial arterial/tecidual. Os
tecidos ricamente vascularizados têm uma captação inicial mais rápida e
E-Book de Anestesia Inalatória

também entram em equilíbrio mais rapidamente. A depender da solubilida-


de nos outros tecidos, o agente poderá ser captado em maior ou menor
intensidade, de onde será posteriormente liberado, lentamente, retardando
a recuperação da anestesia ou não.
Os agentes voláteis são pouco metabolizados e sua via de eliminação
é principalmente pelos pulmões. Dentre os agentes ainda em uso, o halotano
tem a maior taxa de metabolização pelo organismo, em torno de 20%. O des-
flurano quase não é metabolizado. A maior metabolização do halotano, leva
a problemas clínicos importantes, com maior risco de desenvolvimento de
hepatite fulminante devido à formação de haptenos que desencadeiam uma
reação imunológica grave. O isoflurano é metabolizado em torno de 0,2% e o
sevoflurano, em torno de 2%.

Farmacodinâmica

A farmacodinâmica estuda os efeitos dos diversos agentes sobre o or-


ganismo. Para melhor entender as relações entre dose e efeito anestésico, foi
criado o conceito de concentração alveolar mínima (CAM), definida como a con-
centração, em uma atmosfera, que inibe a resposta de movimento a um estí-
mulo doloroso supramáximo (em seres humanos seria a incisão cirúrgica da
pele) em 50% dos pacientes. A CAM é uma dose efetiva em 50% dos pacientes
(DE50). Entre outras coisas, a CAM define a potência anestésica. Quanto maior
a CAM, menos potente o agente. Este conceito trouxe uniformidade quanto às

22
doses a serem administradas, uma vez que pela via inalatória não é possível
medir a dose em miligramas ou gramas. Com isto se estabelece quantidades
relativas para se atingir pontos específicos a serem atingidos ou não durante a
sua administração. Daí foram derivados outros conceitos como a CAM awake,
que é a concentração alveolar mínima na qual o paciente perde a capacidade de
responder verbalmente, e a CAMbar, que seria a CAM na qual ocorre bloqueio
das resposta autonômicas à incisão cirúrgica. A DE95, ou seja, a CAM que inibe
a resposta motora em 95% dos pacientes corresponde a 1,3 CAM. A tabela II
descreve a CAM para os diferentes agentes voláteis, entre as idades de 30 a 55
anos, temperatura de 370C, sob pressão barométrica de uma atmosfera.

Tabela II

Farmacocinética e Farmacodinâmica dos Agentes Anestésicos Inalatórios



CAM
Óxido nitroso 104
Halotano 0,75
Enflurano 1,63
Isoflurano 1,17
Desflurano 6,6
Sevoflurano 1,8
Xenônio 63 - 71

Vários fatores podem influenciar a CAM. A idade tem papel prepon-


derante na variação da CAM, sendo menor quanto maior a idade, com dimi-
nuição de cerca de 6% para cada década de vida. Os fatores que aumentam
a CAM são: hipertermia, excesso de produção de feomelanina (cabelos
ruivos), níveis aumentados de catecolaminas no SNC induzidos por drogas,
ciclosporina, hipernatremia. Os fatores que diminuem a CAM são: hipoter-
mia, idade avançada, uso de medicação pré-anestésica, diminuição dos
níveis de catecolaminas do SNC induzidos por drogas, uso de agonistas
alfa-2, ingestão aguda de álcool, gravidez, o período pós-parto entre 24 e
72 horas, uso de lítio, lidocaína, opioides no neuroeixo, ketanserina, PaO2
< 38mmHg, pressão sanguínea < 40mmHg, bypass cardiopulmonar, hipo-
natremia. Aparentemente não alteram a CAM: metabolismo anestésico,
abuso crônico de álcool, sexo, duração da anestesia, PaCO2 entre 15 e
95mmHg, PaO2 > 38mmHg, pressão sanguínea > 40mmHg, hiper ou hipo-
calemia, disfunção glândula tireóide.
De maneira geral, os agentes inalatórios reduzem o metabolismo
cerebral, refletido pela diminuição do consumo de oxigênio. Isto resulta em
proteção cerebral nas situações em que podem ocorrer dano cerebral devi-

23
do a menor aporte de sangue e consequentemente, de oxigênio ao cérebro.
Todos aumentam o fluxo sanguíneo cerebral devido à vasodilatação, fenô-
meno que é independente da redução do metabolismo cerebral. Entretanto,
é bem estabelecido que o isoflurano provoca alteração pouco significativa
do fluxo sanguíneo cerebral. De modo geral, todos alteram a autorregulação
do fluxo sanguíneo cerebral, de tal forma que em doses mais altas o fluxo
passa a ser passivo e regulado pela pressão cerebral. O sevoflurano não
afeta a autorregulação, se administrado até uma CAM.
O desflurano, sevoflurano e isoflurano diminuem a pressão arterial
por redução da resistência vascular periférica. O halotano causa depres-
são do miocárdio de modo dose dependente. O desflurano pode causar
taquicardia quando a fração inspirada é aumentada rapidamente para 6%,
fato que pode ser atenuado pela administração de opióides. Sevoflurano e
isoflurano são capazes de produzir cardioproteção via pré condicionamento
miocárdico.
Todos os agentes inalatórios deprimem a ventilação, elevam a PaCO2
e alteram a curva de resposta ventilatória ao CO2. Todos diminuem o tônus
da musculatura brônquica. Isoflurano e desflurano têm odor punjente e po-
E-Book de Anestesia Inalatória

dem causar irritação brônquica na fase inicial da indução inalatória, não


sendo indicados para esta técnica. O sevoflurano não tem cheiro punjente
e a indução inalatória costuma ser suave e rápida, graças à baixa solubili-
dade.
Quanto à junção neuromuscular, todos são capazes de produzir re-
laxamento muscular suficiente para permitir a intubação e potencializam
todos os bloqueadores neuromusculares.
Os mecanismos de ação dos agentes voláteis são assunto de discus-
sões longas, e muitas vezes infrutíferas. Segundo a teoria de Meyer-Overton
existiria correlação entre a lipossolubilidade dos agentes e sua potência anes-
tésica. Assim, presume-se que os agentes voláteis agem por alterar a confor-
mação da membrana plasmática das células nervosas, alterando propriedades
fisicoquímicas, com distorção dos canais de íons, determinando sua incapaci-
dade de agirem funcionalmente. Atualmente, as evidências sugerem que os
agentes voláteis agem por ligação a receptores específicos como os receptores
de glicina, GABAA, glutamato (NMDA, AMPA e kainato) e até mesmo alterando
a função dos canais de sódio (a lidocaína diminui a CAM). Aparentemente os
anestésicos inalatórios não estimulam a liberação de opioides endógenos.
Anestesia é um processo que requer estado de inconsciência asso-
ciado a imobilidade em resposta a um estímulo nociceptivo. A imobilidade
induzida pelos agentes inalatórios é mediada por suas ações sobre a me-
dula, mais do que suas ações sobre o cérebro. Sendo um processo tão
complexo, como é a consciência, não é possível explicar o fenômeno da

24
anestesia pela ação das drogas em um único local do sistema nervoso cen-
tral. Seria pois, o resultado da ação em diversos locais do SNC e atingindo
alvos moleculares variados. Provavelmente, ocorrem alterações funcionas
dos canais iônicos, e da transmissão sináptica, que em última análise re-
sulta no fenômeno da anestesia. Muito há que ser investigado até ser pos-
sível elucidar os principais mecanismos de ação dos agentes anestésicos.

Referências:

1. Stoelting RK, Hillier SC - Pharmacokinetics and Pharmacodynamics of Injected and Inha-


led Drugs, em: Stoelting RK, Hillier SC - Pharmacology & Physiology in Anesthetic Practi-
ce. 4ª Ed, Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 2006; 3–41.
2. Ebert TJ, Schmid PG - Inhaled Anesthetics, em: Barash PG - Clinical Anesthesia. 6ª Ed,

Farmacocinética e Farmacodinâmica dos Agentes Anestésicos Inalatórios


Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 2009; 413– 443.
3. Myatt J - Pharmacology of inhalational anaesthetics. Update Anaesth, 2008; 24:102-
107.
4. Roberts F, Freshwater-Turner D - Pharmacokinetics and anaesthesia. Update Anaesth,
2008; 24:82-85.

25
Capítulo 3

Anestésicos Inalatórios:
Mecanismo de Ação

“As bases científicas anátomo-fisio-farmacológicas que suportam


cientificamente o entendimento do mecanismo de ação da anestesia
inalatória ainda não são completamente entendidas”.

Gastão Fernandes Duval Neto

Introdução

A importância do entendimento da grandiosidade do fenômeno da


Anestesia Clínica deve ser valorizada por todos os anestesiologistas.
Anestesia geral é considerada como um estado não natural em que a
capacidade de reter memória, bem como de discernir e reagir aos estímulos
nocivos, é controlada e suprimida de maneira reversível por meio de uma va-
riedade de drogas depressoras do sistema nervoso central, entre as quais,
os anestésicos gerais inalatórios1.
Os anestésicos gerais deprimem progressivamente a consciência, até
o estado de anestesia geral, resultando em inconsciência, impedimento do
aprendizado e do processamento de informações em nível alto do sistema
nervoso central 2,3.
Na atualidade, ainda não estão claros os mecanismos de ação desses
agentes anestésicos. Embora existam diferentes teorias que tentam tornar
esse fenômeno mais conhecido, nenhuma das propostas é totalmente convin-
cente do ponto de vista científico. Entre as quais podemos citar as seguintes:

• Meyer-Overton
• Volume Crítico (Mullins)
• Receptor Proteico
• Receptor GABAA
• Receptores de Glicina
• Dois Poros de Canal de Potássio

Embora os agentes classificados como anestésicos gerais inalatórios


variem, em grande escala, na sua capacidade de produzir hipnose, amnésia,
analgesia e imobilidade, eles apresentam duas atividades farmacodinâmi-
cas comuns entre si, isto é, a produção reversível da perda de consciência
e a imobilidade em resposta aos estímulos nociceptivos, de maneira dose
dependente (como veremos adiante no texto).

27
Dessa forma, a anestesia geral inalatória pode ser definida como
a indução medicamentosa da perda reversível da consciência de maneira
dose dependente (perda de responsividade - alteração da cognição). Torna-
se importante salientar que não deve ser confundida a função consciência
com a função memória, seja ela implícita ou explícita. Por exemplo, um
paciente pode não ter nenhum indício de memória do período transopera-
tório, mas pode, potencialmente, estar consciente durante todo o procedi-
mento4,5.
Estudo recente caracterizou de maneira cronológica a evolução do
processo de entendimento dos mecanismos da anestesia geral, que podem
ser descritos da seguinte forma6:
- 1937- Guedell classificou os planos de anestesia pelo éter (sem uso
de bloqueadores neuromusculares) – níveis baseados em respostas autonô-
micas e motoras secundárias ao estímulo nociceptivo;
- 1949 - Morris classificou a anestesia cirúrgica como leve, média e
profunda;
- 1957 - Woodbridge descreveu quatro elementos no fenômeno anes-
tesia: componente sensorial aferente (analgesia), motor eferente (relaxa-
E-Book de Anestesia Inalatória

mento muscular), reflexo (controle autonômico) e mental (inconsciência), o


que caracterizou a formação da tétrade da anestesia.
Embora reconhecendo a importância da inconsciência durante a anes-
tesia geral, existe uma sugestão de outro tipo de classificação de compo-
nentes da anestesia geral, mais adaptada à realidade clínica, representados
por componentes cortical, sub-cortical e periférico.
Os componentes propostos estão representados na Figura 1, acom-
panhados de seus respectivos fatores de influência.
Embora as respostas motora e autonômica secundárias à estimu-
lação nociceptiva possam ser consideradas um sinal de plano anestésico
insuficiente, elas tem origem predominantemente sub-cortical e, possivel-
mente, em nível medular alto. Sendo assim, na presença de baixas doses de
anestésicos inalatórios, o uso de doses moderadas ou elevadas de opioides
(analgésicos potentes) pode abolir as respostas motora e, principalmente,
autonômica secundárias à incisão cirúrgica de pele (identificação de nível
anestésico superficial ou insuficiente). Tal fato pode resultar na presença
parcial da consciência de pacientes durante o período transoperatório, sem
manifestações autonômicas ao estímulo nociceptivo.
Além do fato descrito acima, existem outros dados que evidenciam
a fragilidade da avaliação clínica da profundidade anestésica. As respostas
motoras e/ou autonômicas secundárias à estimulação nociceptiva cirúrgica
podem ser abolidas pela utilização de agentes bloqueadores neuromuscula-
res, drogas sem poder anestésico.

28
Farmacocinética e Farmacodinâmica dos Agentes Anestésicos Inalatórios
Figura 1 – Níveis de atividade farmacodinâmica dos anestésicos inalatórios (Adap-
tado de Nunes, RR. 6).

Os sinais de profundidade anestésica baseados nas respostas auto-


nômicas pós-estímulo algogênico cirúrgico (hipertensão arterial, taquicardia,
lacrimejamento e sudorese) também podem ser abolidos pela administração
de fármacos beta-bloqueadores adrenérgicos, anticolinérgicos, agonistas
alfa-adrenérgicos, entre outros.
Devido aos alertas clínicos descritos anteriormente, torna-se impor-
tante salientar a necessidade de uma monitoração do nível de hipnose (in-
consciência) durante a anestesia clínica para, de maneira mais segura, evi-
tar episódios transoperatórios de consciência e/ou memória (implícitas ou
explícitas), com todas as suas consequências somáticas e psíquicas.
O anestesiologista deve entender que a inconsciência é considerada
uma característica específica e indissociável da anestesia geral, inalatória
ou venosa. Consequentemente, a avaliação da profundidade anestésica pas-
sa pela quantificação do estado da consciência ou hipnose (considerando
as duas palavras com significado semelhante). A forma de avaliação desse
tipo de função neuronal e da quantificação da atividade mental cerebral é a
eletroencefalografia (índice bispectral, potenciais evocados, etc.).
De modo simplificado7, a principal característica dos anestésicos ge-
rais inalatórios é a de promover duas atividades farmacodinâmicas sobre

29
o indivíduo anestesiado: hipnose (amnésia – prevenção da consciência) e
imobilidade (ausência de resposta motora ao estímulo nociceptivo).

Estruturas e mecanismos envolvidos na produção da Anestesia


Inalatória

Fenômeno da perda reversível da consciência (hipnose)

Duas estruturas estão implicadas na indução da inconsciência: córtex


e estruturas sub-corticais, principalmente o tálamo.
Na atualidade, dois estudos clínicos in vivo identificam diferentes es-
truturas anatômicas relacionadas com esse tipo específico de ação farma-
codinâmica dos anestésicos inalatórios.
Fenômeno de origem cortical: O primeiro trabalho8 foi realizado em pa-
cientes submetidos a colocação cirúrgica de eletrodos para estimulação ce-
rebral profunda (tratamento de doença de Parkinson). Tecnicamente, os ele-
trodos foram distribuídos da seguinte forma: um eletrodo no couro cabeludo
para captar atividade elétrica cortical e outro colocado mais profundamente
E-Book de Anestesia Inalatória

no cérebro, visando obter a atividade elétrica de estruturas anatômicas sub-


corticais (tálamo). O resultado dessa pesquisa evidenciou que durante a
perda da consciência por inalação de sevoflurano (e/ou infusão de propofol),
a atividade cortical d se eleva, enquanto a atividade rápida b diminui. Con-
sequentemente, a frequência detectada na borda espectral - frequência 90%
(SEF90) diminui, bem como a frequência média e o parâmetro não linear di-
mensional de ativação. Similar alteração ocorre nas estruturas sub-corticais,
mas em menor intensidade e mais tardiamente. A coincidência da perda de
consciência com as alterações corticais sugere que a indução da perda da
consciência é de origem predominantemente cortical.
Todavia, o estudo acima descrito apresenta algumas limitações:
- Para a análise encefalográfica cortical foi utilizado apenas um eletro-
do frontal, o qual representa somente uma pequena porção topográfica da
atividade elétrica cortical total (pouca representatividade da atividade elétri-
ca global cerebral);
- A diferença no espectro de potência identificada no trabalho pode
representar a concomitância de captação da atividade elétrica cortical so-
mada à captação da atividade de elevada frequência originária de outras
estruturas sub-corticais (contaminação dos dados colhidos com potenciais
extra corticais);
- A análise dos sinais elétricos de alta frequência pode alterar a inter-
pretação de resultados, ou seja, a técnica de análise da frequência pode re-
sultar na elevação irreal da borda espectral (SEF90) e da frequência média,

30
mesmo durante uma predominante e real atividade eletroencefalográfica
lenta d. Esse dado é de vital importância devido ao fato de que os agonistas
dos receptores gama-aminobutírico - tipo A (GABAA) induzem a geração de
baixa atividade elétrica (14Hz), refletindo o seu efeito inibitório menos do
que a inibição sugerida pela análise da SEF90 ou pela análise da frequência
média (sensibilidade do elemento de análise da atividade elétrica).
Assim, o estudo acima descrito pode ser considerado frágil na sua
conclusão final, de que os anestésicos gerais inalatórios induzem a diminui-
ção na atividade cortical de maneira totalmente independente da velocidade
e intensidade da atividade elétrica de localização sub-cortical (tálamo).
O momento (timing) em que acontecem as alterações elétricas ce-
rebrais é o principal fato que suporta a proposta do envolvimento primário

Farmacocinética e Farmacodinâmica dos Agentes Anestésicos Inalatórios


da córtex no processo de abolição da consciência por anestésicos inalató-
rios. Entretanto, ainda permanecem obscuras as alterações induzidas pelos
anestésicos gerais inalatórios no nível sub-cortical, as quais potencialmente
também podem influenciar alterações do sinal elétrico gerado pela cortica-
lidade.
De modo mais simples, a diminuição da atividade elétrica cortical
detectada pelos monitores eletroencefalográficos pode não representar, es-
pecificamente e de maneira inequívoca, o efeito de origem cortical dos anes-
tésicos. Ou seja, não pode ser excluída a participação do tálamo nesse tipo
de resposta, embora o trabalho em pauta considere como o principal alvo de
ação dos anestésicos inalatórios a CÓRTEX CEREBRAL8.
Fenômeno de origem talâmica: O tálamo tem como função primária
o estabelecimento de uma conexão eletrofisiológica com a córtex cerebral,
transmitindo informações sensoriais para a mesma e conduzindo respostas
motoras do cérebro para a periferia. Estudos mais antigos já sugeriam a
participação de estruturas talâmicas no fenômeno da consciência/incons-
ciência9.
Recente trabalho experimental10 realizado em modelo animal exami-
nou a influência do sistema colinérgico sobre a fisiologia talâmica e, con-
sequentemente, sobre o estado de consciência. O estudo descreveu que
a estimulação colinérgica no núcleo mediano central talâmico reverte a de-
pressão de reflexos de orientação e marcha (righting reflex) tanto em recep-
tores como em sítios específicos, ou seja, reverte a depressão da consciên-
cia induzida pela inalação de sevoflurano. Entretanto, o bloqueio colinérgico
dessa área não reduz as concentrações necessárias de sevoflurano para
exercer os mesmos efeitos anestésicos. Dessa forma, este trabalho con-
cluiu que os receptores colinérgicos talâmicos possuem um efeito importan-
te na regulação do despertar e que o sevoflurano (anestésicos inalatórios)
previne esse fenômeno através do bloqueio reversível do sistema colinérgico

31
envolvido na regulação da relação consciência/inconsciência. Assim, é pro-
posto que a geração da inconsciência durante a anestesia inalatória é de
origem talâmica.
O estudo acima apresenta algumas controvérsias, entre elas podem
ser citadas as seguintes11:
- O bloqueio colinérgico dessa região não reduz as necessidades
anestésicas do sevoflurano (visto acima);
- O despertar de cobaios destituídos de receptores b2 nicotínicos não
evidencia alteração no requerimento de anestésicos inalatórios para a gera-
ção de inconsciência;
- Os antagonistas colinérgicos não produzem inconsciência.
É importante ressaltar que, apesar desse estudo ter sido muito bem
projetado metodologicamente, o núcleo mediano central do tálamo pode não
ser o principal sítio de ação dos anestésicos gerais como proposto na teoria
colinérgica da anestesia inalatória.
O fenômeno da anestesia geral pode ser efetivado através do blo-
queio do despertar (induzir a inconsciência) por inibição de células presentes
no núcleo medial do tálamo. Entretanto, essa proposição negligencia as
E-Book de Anestesia Inalatória

estruturas mesencefálicas e o sistema septo-hipocampal, setores que cer-


tamente possuem um papel importante nesse contexto.
Por outro lado, além do sistema colinérgico, outros sistemas são ci-
tados como potenciais geradores de inconsciência durante a utilização de
anestésicos inalatórios: GABAA, serotonina, acetilcolina, glutamato.
O GABAA está identificado na função de controle da regulação entre
consciência/inconsciência através de sua correlação entre o núcleo media-
no central do tálamo e o sistema colinérgico central (nicotínico central).
Se a formação reticular ativadora recebe estímulos, a formação reti-
cular medular alta inibe o núcleo reticularis, o qual diretamente se opõe à
inibição GABAérgica exercida pela acetilcolina.
A estimulação oscilatória talâmica, em uma frequência média de 8 a
12Hz, abre os “portões”, e os impulsos dos sistemas exógenos são trans-
mitidos por vias projetadas até as sinapses axomáticas de neurônios pirami-
dais existentes na córtex baixa.
Fenômeno de origem tálamo-cortical: Em contraste com as teorias
exclusivas dos substratos anátomo-fisiológicos de ação farmacodinâmica
dos anestésicos inalatórios surgem as teorias de atividade de alças tálamo-
corticais, as quais integram a córtex com o tálamo nesse tipo de atividade
farmacológica. Alguns estudos referem-se a esse tipo de situação como
“mecanismo neural córtico-talâmico de reentrada” (reverberação).
Revisão clássica12 na literatura ressalta a importância da atividade
sincrônica de marcapasso localizada na região talâmica, que oscila em uma
frequência a de atividade elétrica, entre 8-12 Hz, regulando e sincronizando

32
a excitabilidade das vias neuronais tálamo-corticais. Na concepção de vários
pesquisadores, esse fenômeno está intimamente relacionado com o estado
consciente/inconsciente durante a anestesia inalatória, integrando a ativida-
de elétrica entre as estruturas corticais e talâmicas (sub-corticais).
Anátomo-fisiologicamente, o tálamo é constituído de três tipos de
neurônios interativos:
• Axônios de projeção cortical direta;
• Neurônios núcleo reticulares (que interagem através de sinapses
com células tálamo-corticais excitáveis, constituindo o sistema de
controle feedback GABAérgico inibitório);
• Neurônios talâmicos internos não interativos.
Os núcleos tálamo-corticais ativáveis são constituídos de neurônios

Farmacocinética e Farmacodinâmica dos Agentes Anestésicos Inalatórios


que, quando estimulados, produzem potenciais elétricos (spikes) e células
que produzem respostas do tipo oscilatório (produzindo descargas rítmicas
oscilatórias de elevada frequência e repetidas). A formação reticular ativado-
ra possui íntima relação com a estrutura talâmica acima descrita e transmite
para a mesma o influxo de estímulos sensoriais colaterais periféricos. A
importância desse conjunto de estruturas fica evidenciada pelo fato de que a
secção experimental dessa estrutura induz a uma situação de coma profun-
do e prolongado, sendo que a sua estimulação elétrica resulta em alteração
do sincronismo eletroencefalográfico.
A ativação colinérgica (semelhança com a atividade anestésica geral
inalatória) dessa estrutura diminui sua a influência sobre os neurônios GA-
BAérgicos núcleo reticulares, os quais removem a hiperpolarização neuronal
local e facilitam o tráfego de estímulos em direção a corticalidade – esse
fato resulta na geração de consciência. O eletroencefalograma nessa situ-
ação de despertar (consciência) apresenta uma sincronização de ondas a.
Por outro lado, o evento de dissincronização cortical resulta em um ritmo se-
cundário a interações entre neurônios córtico-corticais e geração de ritmos
de frequência b (12-25Hz).
Posteriormente à estimulação desse local (simulando o input somatos-
sensorial, exógeno e endógeno cirúrgico), a atividade elétrica da porção córtico-
talâmica fica evidentemente elevada e as frequências g voltam a se propagar
até as estruturas corticais através das alças córtico-talâmicas. Essa interação
do tipo feedback identifica a interação entre o tálamo e a córtex no que se refe-
re a indução da inconsciência durante os procedimentos anestésicos.
Simplificando, podemos identificar os seguintes fatos:
• A presença de atividade eletroencefalográfica b e g são indispen-
sáveis para a manutenção da consciência do indivíduo;
• Essa atividade deve estar presente principalmente na região fron-
to-temporal;

33
• O desacoplamento funcional nessa região é acompanhado de per-
da da consciência.
Quando a anestesia inalatória é interrompida ou sua profundidade
superficializada (intencionalmente ou não), as alças tálamo-córtico-talâ-
micas começam a reverberar em sua atividade, resultando na detecção,
pelos neurônios piramidais, de estímulos interpretados como episódios
de memória de fatos no período de recuperação ou superficialização anes-
tésica. Dessa forma, a inibição de neurônios corticais e das projeções
tálamo-corticais difusas não específicas é importante na relação limiar
entre a consciência e a inconsciência. O fechamento dos “portões” do
sistema neuronal de projeções difusas do tálamo pode induzir a perda de
consciência.

A partir dos mecanismos acima expostos, pode ser sugerida a seguin-


te “CASCATA ANESTÉSICA”12:

• Hiperpolarização direta de membranas celulares corticais e talâmi-


cas;
E-Book de Anestesia Inalatória

• Supressão de áreas mesencefálicas/pontinas envolvidas com o


despertar (consciência), por remoção do input excitatório para as
alças tálamo-corticais (inibição da neurotransmissão glutaminérgi-
ca e colinérgica);
• Elevação da neurotransmissão sináptica GABAA (circuito inibitório
relacionado com as alças tálamo-corticais – mecanismo de rever-
beração)

Os diferentes anestésicos inalatórios empregados em clínica podem


utilizar um único ou vários desses mecanismos combinados para exerce-
rem as suas ações farmacodinâmicas. A maioria das evidências conside-
ram que perda de consciência durante a anestesia inalatória é o resultado
de um amplo aumento na inibição neuronal exercida em nível talâmico, im-
pedindo a transmissão de estímulos periféricos para a corticalidade (efeito
filtro).
Como já foi visto acima, não parece ser possível justificar a atividade
dos anestésicos inalatórios (inconsciência) através de uma teoria isolada
ou estrutura neuronal, mas sim de uma interação entre muitas delas. Uma
das evidências dessa afirmativa é o fato de que a atividade farmacológica
sobre o processo de neurotransmissão afeta de maneira bastante ampla o
sistema nervoso central e periférico.
As hipóteses entre a atividade exclusivamente cortical ou córtico-talâ-
mica são baseadas na ativação eletroencefalográfica de potenciais tipo d,

34
os quais podem, entretanto, não expressar somente a ação dos anestésicos
inalatórios sobre neurônios corticais. Esse tipo de situação pode também re-
fletir uma atividade farmacológica inibitória sobre o sistema reticular ativador
ascendente e “portões” talâmicos, enfraquecendo a hipótese anteriormente
citada.
Estudos13 tomográficos com emissão de pósitrons e de ressonância
magnética funcional recentes associados a estudos eletroencefalográficos e
potenciais evocados podem de maneira segura identificar as estruturas alvo
responsáveis pela atividade farmacodinâmica da geração de inconsciência
por parte dos anestésicos inalatórios.
A Figura 212, com base em evidências científicas, apresenta de ma-
neira diagramática os princípios neurofisiológicos da ação farmacodinâmica

Farmacocinética e Farmacodinâmica dos Agentes Anestésicos Inalatórios


dos anestésicos inalatórios, em relação a inconsciência e amnésia. De ma-
neira didática, o esquema está apresentado em seis etapas:

Figura 2 - Diagrama descrevendo os seis estágios hipotéticos da perda da consci-


ência durante anestesia inalatória (vide descrição no texto – adaptado de John e
Prichep12)

1. Depressão da formação reticular ativadora (ARAS), diminuindo a con-


centração de acetilcolina e consequentemente, diminuindo o tráfego
de potencias elétricos (estímulos) em direção ao tálamo e córtex;
2. Bloqueio da reatividade do sistema límbico, inibindo a sua intera-
ção com a córtex pré-frontal e possibilitando o bloqueio da esto-
cagem de memória;

35
3. Bloqueio da inibição sobre o núcleo reticularis talâmico pela de-
pressão da formação reticular ativadora. Isso resultaria no fecha-
mento dos portões talâmicos, principalmente pela hiperpolariza-
ção mediada pela ação inibitória GABAérgica, elevando a atividade
elétrica de frequência q;
4. Bloqueio das reverberações tálamo-córtico-talâmicas e da percep-
ção através das alças talâmicas, com diminuição das frequências
gama;
5. Desacoplamento parieto-frontal, com bloqueio da cognição;
6. Depressão da córtex frontal.

Os núcleos talâmicos intralaminar (não específico) e ventro-basal (es-


pecífico) atuam como “portões” das lâminas corticais I e V. Os neurônios
piramidais corticais recebem estímulos provenientes dos portões I (ventro-
basal) e V (intralaminar). Através desse tipo de estimulação, as descargas
córtico-talâmicas se elevam e a ondas elétricas de frequência g se propagam
de maneira retrógrada para regiões corticais de sua origem (fenômeno de
E-Book de Anestesia Inalatória

Figura 3 - Diagrama das interações entre as várias regiões cerebrais envolvidas na con-
dução central dos estímulos sensoriais (vide descrição no texto – adaptado de Schneider
e Kochs14.)A Figura 314 resume as teorias sobre as estruturas e mecanismos envolvidos
na atividade geradora de inconsciência por anestésicos inalatórios. O diagrama ilustra a
via de transmissão neuronal do estímulo somatossensorial através da formação reticular
ascendente medular alta e tálamo até a córtex cerebral. Os trabalhos que originaram esse
diagrama sugerem que as alças córtico-corticais e tálamo-corticais (CT-TC) representadas
são essenciais para o entendimento do processo de percepção cerebral, e consequente-
mente, para geração da consciência.

36
reverberação). A supressão direta da atividade de células corticais pelos
anestésicos inalatórios (em vermelho) induz a perda da consciência (= teoria
da atividade cortical dos anestésicos inalatórios). Esse mecanismo pode
ser revertido pela estimulação nicotínica da formação reticular ativadora (em
verde), que reabre os portões talâmicos, permitindo o tráfego de potenciais
elétricos em direção a córtex cerebral, propiciando o despertar (conciência)
(= teoria talâmica e tálamo-cortical).

Fenômeno da amnésia

Existem evidências científicas15 que justificam afirmar que o efeito


amnésico produzido pelos anestésicos inalatórios é mediado por mecanis-

Farmacocinética e Farmacodinâmica dos Agentes Anestésicos Inalatórios


mos eletrofisiológicos e humorais diferentes dos que propiciam o estado de
inconsciência (bloqueio da consciência). Tem sido demonstrado de maneira
inequívoca que a memória pode ser bloqueada em níveis de anestesia que
não suprimem a consciência, ou seja, para muitos dos anestésicos a dose
necessária para obtenção clínica de inconsciência supera a requerida para
prevenir a estocagem de memória.
Um estudo16 utilizou os anestésicos ditos “não imobilizadores - 2N” e
anestésicos inalatórios (isoflurano, desflurano e sevoflurano). Os primeiros
são agentes com propriedades anestésicas baseadas na sua lipossolubi-
lidade, mas com a propriedade farmacodinâmica de somente causar am-
nésia, alteração da memória, sem interferir no nível de consciência ou pro-
mover imobilidade durante estímulo cirúrgico. Os autores identificaram que
sua ação anestésica, em virtude da sua lipossolubilidade, pode suprimir o
aprendizado e abolir a memória, sem causar a perda de consciência ou imo-
bilidade cirúrgica. O mesmo trabalho concluiu que os 2N (1,2-dichlorohexa-
fluorocyclobutane) suprimem o processo de aprendizado, mas não deprimem
as respostas aos estímulos auditivos de média latência como o fazem os
anestésicos inalatórios. Esse fato sugere que os 2N suprimem a memória
por atuarem farmacologicamente deprimindo a transmissão rostral de po-
tenciais elétricos através de estruturas sub-corticais, como por exemplo a
amígdala, de maneira diferente dos anestésicos inalatórios, que deprimem
as estruturas tálamo-corticais.
Outro estudo17 utilizou métodos de eletroencefalografia quantitativa
e de tomografia com emissão de pósitrons (PET) com o objetivo de avaliar
alterações da atividade cerebral correlacionadas com o bloqueio da memória
durante procedimentos sob sedação consciente. Apresentou resultados que
permitem concluir que o efeito dos anestésicos (inclusive os anestésicos
inalatórios) sobre os episódios de memória está relacionado primariamente
com a sua atividade em nível de córtex pré-frontal dorso-lateral. Além dessa

37
área do sistema nervoso central, o giro do cíngulo e o núcleo médio dorsal
do tálamo podem também estar envolvidos nesse processo.
Não existem pesquisas desenvolvidas em humanos que tenham ava-
liado a extensão dos efeitos através dos quais os agentes anestésicos ina-
latórios atuam sobre a memória dos pacientes submetidos a anestesia,
pois esse fenômeno certamente envolve interligações de vários níveis da
neo-córtex. O estudo dos efeitos desses agentes sobre a fisiologia do sis-
tema límbico está ainda aguardando pelo progresso técnico da imagem de
ressonância magnética funcional ou da avaliação elétrica com eletrodos po-
sicionados de maneira intra-cerebral.
É importante salientar que os estudos atuais avaliam somente even-
tuais casos de memória explícita, sem nenhuma intervenção em relação à
memória implícita. Nessa área da pesquisa, existem evidências de que a
formação da memória implícita pode acontecer mesmo quando a consciên-
cia não está presente.

Fenômeno da imobilidade (medular)


E-Book de Anestesia Inalatória

A imobilidade do paciente durante o ato anestésico-cirúrgico é um


requisito de vital importância para o sucesso.
Todos os anestésicos inalatórios evidenciam a capacidade, de ma-
neira dose/potência dependente, de produzir imobilidade na presença de
estímulo nociceptivo. A imobilidade é um dos fatores considerados na defini-
ção da unidade de potência anestésica inalatória, ou seja, da concentração
alveolar mínima (CAM) dos anestésicos inalatórios. A CAM é a concentração
mínima alveolar de um determinado anestésico inalatório que abole movi-
mentos em resposta aos estímulos nociceptivos exercidos sobre a pele, em
50% dos pacientes18.
A origem do mecanismo da imobilidade conferida por esse grupo de
agentes anestésicos é bastante controversa. Inclusive, atualmente, surge a
possibilidade do envolvimento isolado de um substrato fisio-farmacológico
medular para justificar esse tipo de situação clínica, como veremos mais
adiante.
Alguns trabalhos19,20 na literatura enfatizam a medula como o ponto
central da imobilidade propiciada pelo uso clínico de agentes anestésicos
inalatórios. Entretanto, a imobilidade não resulta da perda do processa-
mento da aferência nociceptiva em nível medular, nem necessariamente é
consequente à capacidade ou incapacidade da medula em responder aos
impulsos provenientes do cérebro, os quais podem resultar em movimento.
A ação sobre um único ou vários tipos de receptores medulares pode
estar envolvida no processo de imobilidade motora aos estímulos cirúrgicos.

38
Esse tipo de resposta pode ser mediada por vias aferentes sensoriais, efe-
rentes motoras ou pela participação de interneurônios medulares.
No sentido de identificar uma via neuronal comum para explicar cienti-
ficamente a resposta motora evocada por estímulo nociceptivo, surge como
uma das possibilidades a depressão de receptores associados a neurônios
motores, tanto por efeito pré ou pós-sináptico na neurotransmissão excita-
tória ou inibitória.
Experimentos21 desenvolvidos em animais de laboratório evidencia-
ram que as ações dos anestésicos inalatórios sobre o cérebro não reque-
rem a inibição das respostas motoras aos estímulos algogênicos. Tem sido
mostrado em ratos anestesiados com agentes inalatórios que a transec-
ção da medula espinhal cervical não altera a concentração alveolar mínima

Farmacocinética e Farmacodinâmica dos Agentes Anestésicos Inalatórios


do anestésico (CAM) para a abolição respostas motoras após estímulos
cirúrgicos na pele. Esses fatos demonstram a atividade seletiva na medula
espinhal desse tipo de agente farmacológico. Em contraste, a hipnose e a
amnésia são ações de origem supra-medular (talâmica e/ou cortical). Nessa
situação, somente quando os anestésicos inalatórios são administrados em
concentrações acima de três vezes a sua CAM é que começam a surgir os
sinais de imobilidade em resposta ao estímulo nociceptivo. É provável que
os sinais eletrofisiológicos provenientes da medula afetem o efeito hipnótico
dos anestésicos no cérebro, enquanto os sinais descendentes córtico-me-
dulares podem influir nas ações imobilizadoras dos anestésicos na medula.
Sintetizando, a literatura atual enfatiza a medula espinhal como o
sítio primário afetado pelos anestésicos inalatórios, no sentido da produção
de imobilidade pós estímulo nociceptivo. Entretanto, a imobilidade não resul-
ta da perda da capacidade de processamento da aferência nociceptiva para
dentro da medula, nem é necessariamente consequente à capacidade desta
medula em responder aos impulsos nervosos oriundos do cérebro, os quais
poderão resultar em movimento.
Dentro dessa área de pesquisa surge uma situação paradoxal no
que se refere ao mecanismo da imobilidade pós estímulo nociceptivo
durante a utilização clínica dos anestésicos inalatórios. Muitos estu-
dos sugerem um sítio comum através do qual os anestésicos exercem
esse tipo de ação. Geralmente essas suposições científicas estão ba-
seadas no fenômeno da aditividade22. Esse fenômeno pode ser des-
crito da seguinte forma: “é postulado que os anestésicos inalatórios
agem em múltiplos receptores e, a partir da soma de fraca intensidade
de ação em cada um dos mesmos, o resultado obtido é a produção de
imobilidade em situações de aferência algogênica”. Sendo assim, os
anestésicos inalatórios interagem entre si de forma aditiva para produ-
zirem a imobilidade. Essa é uma situação que configura-se totalmente

39
diferente do sinergismo farmacológico, o qual depende de múltiplos e
diferentes sítios de ação.
A comunidade científica identifica uma série de prováveis sítios espe-
cíficos para justificar o substrato anatomo-fisio-farmacológico responsável
por esse tipo de mecanismo de ação dos anestésicos inalatórios. Esses in-
cluem os portões quimio-dependentes e os portões voltagem dependentes.
Após extensa e consistente pesquisa experimental, podem ser citados os
seguintes: receptores de GABA, glicina, acetilcolina (neuronal nicotínico), glu-
tamato (NMDA e AMPA-kainato), opioides, adrenérgicos, serotoninérgicos,
além da óxido nítrico sintetase (NOS), óxido nítrico, canais de potássio e
sódio e fendas juncionais. Os resultados atuais desse grupo de pesquisas
sobre as possibilidades reais do envolvimento dos mediadores quimio-de-
pendentes ou voltagem-dependentes no processo de imobilidade permitem
concluir que nenhuma das duas opções pesquisadas é capaz de explicar
com total coerência o fenômeno de uma maneira global, somente através de
mínimas participações individualizadas.
Canais de sódio como uma possibilidade de mediador da imobilida-
de23,24,25: os canais de sódio surgem como uma possibilidade de alvo para a
E-Book de Anestesia Inalatória

geração de imobilidade decorrente da utilização de anestésicos inalatórios.


Esse tipo de possibilidade está ligada ao fato de que os anestésicos inalató-
rios possuem a potencialidade de afetar a atividade de todos canais iônicos
medulares no terminal nervoso, através do controle da liberação de neuro-
transmissores nesses terminais, pois o potencial elétrico gerado nesse local
é totalmente influenciado pelos canais de sódio.
A inativação rápida dos canais de sódio media o processo de despo-
larização/repolarização rápida regulando os potenciais de ação, enquanto
outros canais de sódio de inativação lenta contribuem para o aparecimento
de descarga repetitiva de potenciais (atividade sustentada) e para o pro-
cesso de somação temporal. Dessa forma, tais canais podem influenciar,
de maneira convincente, a concentração alveolar mínima (CAM) durante a
anestesia inalatória e o fenômeno de imobilidade.
Várias evidências experimentais indiretas suportam os canais de só-
dio nesse tipo de papel. Uma elevação do sódio no espaço extracelular
do sistema nervoso central resulta em uma elevação correlata (retilínea)
da CAM e, de modo oposto, o seu decréscimo diminui de maneira linear a
CAM26. A administração sistêmica de agentes bloqueadores dos canais de
sódio, tipo lidocaína, diminui de maneira progressiva a CAM de vários anes-
tésicos inalatórios, em experimentos com ratos 27.
Possibilidade de estruturas não específicas como mediadores da imo-
bilidade: os anestésicos inalatórios podem atuar através de atividade sobre
as propriedades da membrana celular dupla (constituição bi-laminar).

40
Um trabalho28 experimental sugere que os anestésicos inalatórios po-
dem agir na interfase da membrana dupla citoplasmática neuronal por mo-
dificação do padrão de pressão intersticial e, consequentemente, alteração
da função de proteínas constituintes nessa estrutura.
Alguns autores29 propõem outro tipo de teoria, utilizando elementos do
velho postulado de Meyer e Overton. Sugerem a possibilidade de que o vapor
de água natural forma bolhas em pequenos túbulos (canais iônicos) e que
essa ação possa interferir no fenômeno de regulação da condução nervosa,
pela alteração da fisiologia desses canais. Os anestésicos inalatórios podem
influenciar a formação de bolhas, alterando a condução neuronal e, teorica-
mente, gerar anestesia.

Farmacocinética e Farmacodinâmica dos Agentes Anestésicos Inalatórios


Conclusão

As discussões e propostas acima descritas sugerem que existem mui-


tas estruturas candidatas para o papel de sítio alvo de ação dos anestési-
cos inalatórios para propiciarem a efetividade das funções de inconsciência,
amnésia e imobilização pós estímulo nociceptivo. Entretanto, a realidade é
que, nem de maneira isolada como também conjunta, os sítios propostos
explicam totalmente a origem dos fenômenos em estudo (CAM).
Um trabalho29 recente considera “plausíveis candidatos” os elemen-
tos acima descritos por serem canais de condução de impulsos excitatórios,
os quais podem ser bloqueados pelos anestésicos inalatórios ou canais de
condução de impulsos inibitórios, que podem ter sua ação aumentada por
esses agentes anestésicos. É importante salientar que as ações citadas
são independentes das funções de consciência e memória.
Futuras pesquisas deverão ser desenvolvidas no sentido testar a re-
levância de específicos canais quimio e voltagem dependentes no processo
de imobilidade secundário à inalação de agentes anestésicos, como tam-
bém nos eventos de inconsciência e amnésia.

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42
Capítulo 4

Sistemas de Administração
Edísio Pereira

A oferta de gases e vapores durante a anestesia inalatória sofre


influências do sistema de inalação. O sistema é formado por um conjunto
de componentes incluindo tubos corrugados, válvulas, balão reservatório
e conexões, onde a mistura inalatória é admitida. Possui ainda ponto de
entrada para o fluxo de admissão e saída para eliminação do gás expira-
do. A interposição da máscara facial ou do tubo traqueal permite unir o
paciente ao aparelho de anestesia propriamente dito. Possibilita a inala-
ção de oxigênio e agentes anestésicos, enquanto promove a remoção do
gás carbônico.
Independente dos arranjos dos componentes do sistema de anes-
tesia, outras características funcionais são consideradas como de maior
importância:
Acurácia na oferta de oxigênio e anestésicos.
Eficácia na remoção do gás carbônico.
Estabilidade da concentração inspirada do anestésico.
Baixa resistência respiratória.
Pequeno espaço morto.
Segurança para uso clínico.

Esses equipamentos recebem frequentes incorporações tecnológi-


cas introduzidas pelos fabricantes, o que limita o foco da presente aborda-
gem. Assim, serão apresentados apenas os conceitos básicos.

Classificação

A nomenclatura original classifica os sistemas de anestesia inalató-


ria como aberto, fechado, semi-aberto e semi-fechado. Esta classificação é
insatisfatória frente a uma análise funcional. O mesmo arranjo pode variar
desde a condição de aberto a fechado, na dependência do fluxo de admis-
são. Assim, sob o ponto de vista didático, pode-se definir:
Aberto: quando todo o volume expirado é eliminado do sistema para
a atmosfera. Significa também, sem reinalação.
Fechado: quando não há saída de gases para o exterior. Neste
sistema, há reinalação total do volume expirado, após a absorção do
CO 2.
Semi-aberto e semi fechado: de difícil caracterização por envolver dis-
cussão semântica e sem interesse didático. Do ponto de vista funcional po-

43
dem ser genericamente classificados como sistemas com reinalação parcial,
uma vez que apenas uma fração variável do volume expirado é reinalado.
Dentro de uma análise estritamente funcional, a pedra angular é a
eliminação do gás carbônico do sistema, o que pode ser obtido por:
Administração de um adequado fluxo de admissão.
Uso de um absorvedor de CO2.

O termo reinalação refere-se ao gás alveolar quando inspirado como


parte do próximo volume corrente, contribuindo para a elevação da fração
expirada de CO2 (FeCO2). Nos sistemas sem absorvedor de CO2, o percentual
dessa reinalação está na dependência de quatro fatores: o desenho do cir-
cuito, o modo de ventilação (espontânea ou controlada), o fluxo de admissão
e o padrão ventilatório. Nos sistemas com absorvedor de CO2, a reinalação
depende da reação química do gás alveolar com a cal. Portanto, a reinalação
não deve ser usada para classificar os sistemas. Dentro desse conceito, o
único critério diferencial passa a ser a presença, ou não, do absorvedor 1.

I. Sistemas sem absorvedor de CO2:


E-Book de Anestesia Inalatória

I.a. Sistema com válvula sem reinalação


I.b. Sistemas de Mapleson

II. Sistema com absorvedor de CO2:

Sistema circular

I.a. Sistema com válvula sem reinalação

Consiste de uma válvula (Ruben ou similar) com uma bolsa re-


servatório que recebe diretamente o fluxo de admissão 1. O mecanismo
valvular é mantido por um pistão, que se desloca em seu próprio eixo por
ação de uma mola. A válvula direciona para o paciente o volume corrente
formado por gás fresco acumulado no balão e, a seguir, o gás expirado é
eliminado para a atmosfera. Isto é, quando o paciente inspira ou o balão
é comprimido, a válvula unidirecional se desloca e permite a passagem
do gás para os pulmões; quando se inicia a expiração a válvula unidire-
cional retorna à sua posição inicial, e direciona o gás expirado para a
porta expiratória. O fluxo de admissão deve ser igual ao volume minu-
to, durante ventilação espontânea ou controlada 1. Este sistema já foi
abandonado para uso em anestesia. A válvula AMBU possui mecanismo
semelhante, sendo também classificada como válvula sem reinalação.
(Figuras 1 e 2).

44
FIGURA 1 - Válvula de Ruben e desenho esquemático da válvula nas posições ins-
piratória e expiratória.

Sistemas de Administração

FIGURA 2 - Sistema sem reinalação com válvula de Ruben (A), tubo corrugado (B) e
balão reservatório (C). A válvula encontra-se em posição expiratória.
FG – fluxo de admissão

I.b. Sistemas de Mapleson A, B, C, D, E e F

Esses sistemas foram classificados de A a E por Mapleson, em 1954


2
. Posteriormente, em 1975 3, foi acrescentado o arranjo F representado
pela modificação de Jackson Rees do T de Ayre. O critério diferencial entre

45
os diferentes sistemas leva em consideração a porta de entrada do fluxo de
admissão e o ponto de escape dos gases para a atmosfera. Possuem em
comum os mesmos componentes cujos arranjos determinam suas carac-
terísticas funcionais (Figura 3). O desempenho desses sistemas quanto à
eliminação do gás carbônico é altamente dependente de um adequado fluxo
de admissão (Figura 4). Isto é, a magnitude do fluxo de admissão determina
o percentual de gás alveolar no próximo volume corrente.
Do ponto de vista descritivo distinguem-se três grupos funcionais na
classificação de Mapleson: Grupo A; Grupo B, C; Grupo D, E, F. Como mos-
tra a Figura 4, a distribuição dos gases no interior desses sistemas sofre
modificações relacionadas aos arranjos dos seus componentes.
E-Book de Anestesia Inalatória

FIGURA 3 - Desenho dos sistemas de Mapleson com suas respectivas configura-


ções de A – F .
FG – fluxo de admissão

46
Sistemas de Administração
FIGURA 4 - Distribuição dos gases durante ventilação espontânea e controlada nos
circuitos de Mapleson A - F. Grupos: grupo A; grupo B e C; grupo D, E, F. (Copiado
de Miller RD (ed) – Miller’s Anesthesia, 6ª Ed, Philadelphia, Elsevier, 2005; Figura
9-20; 294.)

Mapleson A – Sistema de Magill

Embora o sistema de Magill não seja utilizado no Brasil,


esta análise funcional tem como objetivo servir de modelo para
o melhor entendimento do movimento dos gases no interior dos
demais sistemas. (Figura 5).
O sistema é constituído por um tubo corrugado, um balão reservató-
rio, entrada do fluxo de admissão na extremidade distal e válvula de esca-
pe na extremidade proximal, em relação ao paciente 1. Para uma análise
funcional sem abordagem matemática, vamos imaginar uma sequência de
eventos durante um ciclo respiratório em ventilação espontânea. Antes de
ser conectado ao paciente, o volume interno do sistema (balão + tubo cor-
rugado) está preenchido com gás do fluxo de admissão. Ao final da primeira
inspiração, o espaço morto anatômico e alveolar, bem como o volume inter-
no do sistema, estão preenchidos com gás do fluxo de admissão, enquanto

47
o balão encontra-se parcialmente vazio. Inicia-se a expiração e os gases
exalados (espaço morto e alveolar) deslocam-se ao longo do tubo corrugado
em direção ao balão, o qual é continuadamente preenchido pelo gás do flu-
xo de admissão. A pressão se eleva gradativamente no interior do sistema,
até abrir a válvula de escape durante a parte final da expiração, e elimina
preferencialmente gás alveolar, enquanto conserva gás fresco e gás do es-
paço morto anatômico (Figura 4, A). O próximo volume inspirado é composto
por gás do espaço morto e gás fresco, acumulados no tubo corrugado e no
balão durante a pausa expiratória. A reinalação de gás do espaço morto
anatômico não interfere nas trocas gasosas por não conter CO2. Assumindo
que não há mistura longitudinal dos gases, o gás do espaço morto e o gás
fresco somente serão eliminados após o gás alveolar. Isto é, a prevenção
da reinalação é função da magnitude do fluxo de admissão. Seu valor teó-
rico é igual à ventilação minuto 2. Em estudos clínicos, não ocorreu reinala-
ção com um fluxo de admissão igual à ventilação alveolar 4,5. Este fluxo é
limítrofe e aumenta a vulnerabilidade do sistema para a reinalação, embora
esteja trabalhando dentro de sua máxima eficiência teórica.
E-Book de Anestesia Inalatória

Ventilação Espontânea
Fluxo de admissão = 0,7 x ventilação minuto

Durante a ventilação controlada, o sistema é ineficiente e exige altos


fluxos de admissão. O problema ocorre pelo fato da válvula ser mantida
parcialmente fechada durante a insuflação pulmonar, e somente permitir o
escape de gases na fase final da inspiração, quando a pressão no interior
do sistema atinge seu valor de abertura. Durante a inspiração com pressão
positiva, os pulmões são inicialmente insuflados com gás alveolar retido no
sistema durante a fase expiratória e, somente depois, o volume inspirado é
formado por gás do espaço morto e do fluxo de admissão (Figura 3 A). Isso
explica o aumento da FeCO2. Na prática clínica, o sistema de Mapleson A
somente deve ser usado durante ventilação espontânea.

Mapleson B e C

Os sistemas B e C possuem arranjos similares e são funcional-


mente de baixa eficácia. Em ambos, a entrada do fluxo de admissão e a
válvula de escape situam-se próximas ao paciente (Figura 6). Isso permite
que o gás alveolar e o gás do espaço morto anatômico misturem-se com
o gás fresco no balão reservatório localizado em uma posição mais distal
em forma de fundo de saco. Sob esta condição, a mistura ali acumulada
não é “lavada” pelo fluxo de admissão. A análise funcional do sistema

48
Sistemas de Administração
FIGURA 5. - Arranjo do sistema Mapleson A (Magill). Acima, modo de funcionamento
do sistema de Magill durante ventilação espontânea.
FG – Fluxo de admissão

mostra que a reinalação ocorrerá sempre que o fluxo inspiratório médio


for maior que a taxa do fluxo de admissão, quando ocorrerá utilização da
mistura de gases acumulada no balão, para completar o volume corrente
(Figura 4 - B e C). Na fase expiratória, no momento da abertura da válvula
há escape da mistura de gases acumulada no balão. No caso do sistema
B, no que pese a existência do ramo reservatório, o percentual de reina-
lação dependerá da magnitude do fluxo de admissão, que deve ser maior
que o dobro do volume minuto 3,5.
O Mapleson C possui ramo reservatório muito curto, comparado ao
sistema B. Isso permite uma maior reinalação de gases expirados que es-
tão em mistura com o gás fresco no balão reservatório. O fluxo de admissão
é o mesmo recomendado para o sistema B 5. Como no sistema B, a válvula
de escape está próxima a entrada do fluxo de admissão, o que torna o sis-
tema ineficiente em ventilação espontânea ou controlada.
As análises funcionais dos sistemas B e C são semelhantes em qual-
quer modo de ventilação. Na prática clínica hodierna, seu uso limita-se a
ventilação durante transporte do paciente ou em situações de emergência.

49
FIGURA 6. Desenho dos sistemas B e C de Mapleson.
P – paciente ; FG - fluxo de admissão

Sistemas de Mapleson D, E e F
E-Book de Anestesia Inalatória

São funcionalmente similares e o desenho incorpora um T de Ayre


3
. Diferem entre si pela presença ou ausência de um balão na extremi-
dade distal (sistemas F e E), ou pela incorporação de uma válvula de es-
cape (sistema D). Durante a expiração, o fluxo de admissão mistura-se
continuadamente com o gás expirado enquanto desloca-se ao longo do
tubo reservatório em direção à atmosfera (sistema E), ou para o balão

FIGURA 7. Desenho esquemático dos sistemas D, E e F de Mapleson.


FG – fluxo de admissão

50
reservatório (sistemas D e F), de onde parte da mistura (gás expirado
+ fluxo de admissão) é eliminada. Durante a pausa expiratória o fluxo
de admissão contínuo preenche a porção proximal do tubo corrugado.
A possibilidade de reinalação passa a ser decorrente da interação de
diferentes fatores: fluxo de admissão, volume corrente, pausa expirató-
ria, modo de ventilação (espontânea ou controlada) e produção de CO2
(Figura 7).

Mapleson D

O sistema D é um T de Ayre com ramo expiratório longo acoplado a


um balão reservatório e a uma válvula de escape (Figura 8). A entrada do
fluxo de admissão localiza-se na extremidade proximal ao paciente, enquan-
to a válvula de escape situa-se distalmente e próxima à bolsa reservatório
(inverso do sistema A).

Sistemas de Administração

FIGURA 8. Representação esquemática do sistema Mapleson D. Acima, o desenho


da distribuição dos gases em ventilação espontânea e controlada simula a imagem
congelada ao final da expiração.

Durante a ventilação espontânea comporta-se funcionalmente da


mesma maneira que o Mapleson E, na versão com volume do ramo expi-
ratório maior que o volume corrente. Na fase expiratória, o volume exalado
(espaço morto + alveolar) e o fluxo de admissão contínuo deslocam-se ao
longo do tubo corrugado em direção ao balão reservatório e pressionam a

51
abertura da válvula. Como esta válvula permanece fechada na parte inicial
da expiração, a primeira porção do gás expirado (espaço morto) acumula-se
no balão reservatório; quando a válvula se abre, o gás eliminado consiste
principalmente de gás alveolar que se encontra depositado no ramo reserva-
tório, além de frações de gás do espaço morto. Na inspiração que se segue,
o volume corrente é formado por gás do fluxo de admissão contínuo, gás
fresco acumulado ao longo do ramo expiratório durante a pausa expiratória,
mais um percentual de gás alveolar remanescente e acumulado na parte
mais distal do tubo corrugado (Figura 4). O percentual de gás alveolar nessa
mistura inalada dependerá do fluxo de admissão, do volume corrente e da
duração da pausa expiratória, dos quais o único fator manipulável é o fluxo
de admissão. Nessas condições, para prevenir a reinalação recomenda-se
um fluxo de admissão maior que 2 vezes a ventilação minuto 2,5.
Durante a ventilação controlada, o fato do arranjo do sistema manter
uma distância entre a porta de entrada do fluxo de admissão (proximal) e a
válvula de escape (distal), permite uma maior eliminação de CO2. A válvula
de escape mantém-se parcialmente fechada e somente abre-se no pico
da pressão inspiratória. Durante a insuflação pulmonar o gás eliminado
E-Book de Anestesia Inalatória

consiste principalmente de gás alveolar e gás do espaço morto anatômico,


enquanto o pulmão é ventilado com gás do fluxo de admissão. Na fase
expiratória, como ocorre em ventilação espontânea, o gás do espaço morto
tende a se acumular no balão enquanto a mistura de gás alveolar com gás
fresco tende a se acumular na extremidade distal do tubo corrugado. Sob
este ponto de vista, o sistema D tem melhor rendimento em comparação
aos sistemas A, B e C. É usado principalmente em ventilação controlada,
com fluxo de admissão igual a 2 vezes a ventilação minuto 2,5,6.

Mapleson E

O sistema Mapleson E refere-se à modificação do T de Ayre original 7


acrescido de um ramo expiratório 8 de comprimento variável e diâmetro de
10 mm, que atua como reservatório. Não possui balão reservatório. A entra-
da de fluxo de admissão está localizada no ramo lateral. Caracteriza-se por
ausência de válvulas, mínimo espaço morto e baixa resistência (Figura 9).
Em ventilação espontânea e usando o arranjo que possui o volume interno
do ramo reservatório maior que o volume corrente, não ocorre diluição da
mistura anestésica com ar atmosférico. Entretanto, há risco de reinalação.
Na fase expiratória, o gás exalado desloca-se ao longo do ramo expiratório
misturado ao gás do fluxo de admissão, de maneira que o gás eliminado
do sistema consiste principalmente de gás alveolar e do espaço morto. Na
medida em que a expiração progride, e durante a pausa expiratória, o gás

52
fresco se acumula no ramo reservatório na parte mais proximal ao paciente.
Logo, na inspiração que segue, não ocorre reinalação quando o fluxo de ad-
missão exceder o pico do fluxo inspiratório. Isto é, as condições para evitar
a reinalação são as mesmas citadas para o sistema D, quando praticamente
todo o gás inspirado é proveniente do fluxo de admissão. Nessas condições,
o fluxo de admissão recomendado deve exceder 2 vezes a ventilação minuto
3,5
. Com o uso de ramo reservatório com volume interno igual a 20% do volu-
me corrente do paciente, o fluxo de admissão preconizado é de 2-3 vezes a
ventilação minuto 1,9 .

Sistemas de Administração
FIGURA 9. Sistema Mapleson E mostrando o T de Ayre com ramo reservatório con-
tendo o volume interno maior do que o volume corrente. Ao lado, a distribuição dos
gases no final da expiração. (redesenhado de Sykes MK 5 .)
FG – fluxo de admissão ; P - paciente

A ventilação pode ser controlada pela oclusão digital intermitente da


extremidade distal do ramo expiratório. Para a análise funcional e cálculo do
fluxo de admissão são feitas as mesmas considerações aplicadas quando
em ventilação espontânea 3,5 .
Como referência histórica, a Figura 10 é apresentada com a intenção
de reverenciar uma fase artesanal da anestesia. A ilustração mostra tubos
de diferentes comprimentos, disponíveis para encaixe no ramo expiratório
do T de Ayre. O volume interno da peça escolhida corresponde a aproxima-
damente 20% do volume corrente do paciente 9.

Sistema F – Jackson Rees

O circuito classificado como Mapleson F 3 é a modificação de Jackson


Rees do T de Ayre 10,11 com volume do ramo expiratório maior que o volume
corrente, semelhante ao sistema E (Figuras 11 e 12). Difere do Mapleson
D pela ausência da válvula de escape. É um sistema compacto, simples
em seu mecanismo, de baixo custo e mínima resistência respiratória. Ainda
hoje é extensivamente utilizado em anestesia pediátrica. Consiste de um

53
E-Book de Anestesia Inalatória

FIGURA 10. T de Ayre original devidamente montado. O ramo expiratório funciona


como reservatório, e seu volume interno é calculado para aproximadamente 20%
do volume corrente. Os diferentes comprimentos são calculados pela fórmula do
volume do cilindro (copiado de Collins VJ 9 .)

Nota do autor – A figura é mantida em sua forma original, sem tradução, como apre-
sentada na publicação de Collins 9

balão reservatório com capacidade de 500 ml, com abertura para saída dos
gases, acrescido à extremidade distal do ramo expiratório; a entrada do
fluxo de admissão localiza-se na extremidade proximal. A eliminação do gás
expirado que se acumula no balão ocorre pelo rabicho, ou por um orifício
existente no corpo do balão. Tanto a abertura do rabicho como o orifício no
balão são controlados pelo operador.
Durante a expiração, o gás alveolar é direcionado para o balão, onde
se acumula em mistura com o gás do fluxo de admissão. Simultaneamente
essa mistura é eliminada pelo balão, em um crescendo, até o fim da expira-

54
ção. Segue-se a pausa expiratória, quando o gás fresco arrasta para o balão
o gás alveolar depositado no ramo expiratório. Assim, o ramo reservatório
fica preenchido por gás do fluxo de admissão. Na inspiração que se segue,
o volume inicial é formado por esse gás, mais o fluxo contínuo de gás fres-
co. Mesmo que ao final da fase inspiratória ocorra a reinalação, a mistura
estará diluída pelo fluxo de admissão contínuo e ocupará o espaço morto
anatômico. O fluxo de admissão recomendado é de 2 vezes a ventilação
minuto, em ventilação espontânea ou controlada 3. Jackson Rees (1960) 11
limita o uso para fluxos até 4 L.min-1, o que equivale aproximadamente ao
indicado para uma criança de até 20 quilos de peso corpóreo. Segundo Eger
12
, o fluxo de admissão igual a 1,5 vezes a ventilação minuto não altera o
PACO2.

Sistemas de Administração
FIGURA 11. Desenho esquemático do sistema Mapleson F (Jackson Rees). Acima,
conjunto com bolsa reservatório dispondo do rabicho e, ao lado, versão do balão
reservatório com orifício para escape dos gases.
FG – fluxo de gases ; P - paciente

Circuito de Bain

O circuito coaxial de Bain é uma modificação do sistema Mapleson D


13
, mantendo basicamente o mesmo arranjo (Figura 13). O fluxo de admis-
são é conduzido por um tubo com 7 mm de diâmetro, inserido centralmente
ao longo do ramo expiratório (1,8 m de comprimento, 22 mm de diâmetro
e 500 ml de volume interno) até a extremidade proximal ao paciente. As-
sim, o ramo aferente (conduz o fluxo de admissão) e o eferente (conduz
o gás expirado) encontram-se coaxialmente situados. Os gases expirados

55
E-Book de Anestesia Inalatória

FIGURA 12. Movimento dos gases no sistema Mapleson F (Jackson Rees) nas dife-
rentes fases do ciclo respiratório. (copiado de Eger EI 12 .)
direção do fluxo
D

deslocam-se ao longo do tubo corrugado até a válvula de escape situada na


outra extremidade, junto ao balão reservatório. Apresenta como vantagem,
em relação aos demais sistemas de Mapleson, a capacidade de reter calor
e umidade tornando mais fisiológica a mistura inspirada. Pode ser usado
durante ventilação espontânea ou controlada. Seu uso produziu muitas pu-
blicações, com diferentes recomendações quanto ao fluxo de admissão
necessário para evitar a reinalação.
Durante ventilação controlada, em paciente acima de 50 quilos de
peso corpóreo, um fluxo de admissão igual a 70 ml.kg.min-1 mantém a
normocapnia, desde que o volume minuto do ventilador exceda o fluxo de
admissão 14 . No paciente pediátrico de até 35 quilos de peso corpóreo é
recomendado o fluxo de 3,5 L.min-1; acima de 35 quilos de peso, o fluxo
de admissão recomendado é de 100 ml.kg.min-1; para crianças com peso
abaixo de 10 quilos o fluxo de 2 L.min-1 não produz alcalose respiratória 15.
Em criança pesando até 50 quilos recomenda-se um fluxo de 3,5 L.min-1 16 .
Em ventilação espontânea foram publicadas diferentes recomenda-
ções: fluxo de admissão variando de 200-300 ml.kg.min-1 17,18; 100 ml.kg.

56
FIGURA 13. Desenho do circuito de Bain e do sistema Mapleson D, para compara-
ção visual.

Sistemas de Administração
FG – fluxo de admissão; V - válvula de escape

min-1 tem a mesma eficiência que o arranjo de Magill com fluxo de admissão
de 70 ml.kg.min-1 19; fluxo de admissão igual a 3 vezes a ventilação minuto
6,20
. Soliman e Laberge 21 recomendam para crianças de até 20 quilos de
peso o fluxo de admissão de 206 (± 3,5) ml.kg.min-1 para manter a PACO2
dentro dos limites da normalidade. Estas publicações sugerem que o sis-
tema de Bain não é uma boa opção para uso em ventilação espontânea,
e reflete a interação de diferentes fatores intervenientes na reinalação. Os
estudos não permitem responder definitivamente as questões:
Pode ser usado em adulto e criança?
É recomendado para uso em ventilação espontânea e controlada?
Qual fluxo de admissão para prevenir a hipercarbia?
Qual a melhor relação entre fluxo de admissão e ventilação minuto,
para produzir hiperventilação mantendo a PaCO2 normal?

Modificação de Baraka do T de Ayre

A modificação de T de Ayre idealizada por Baraka em 1969 22, utiliza


duas peças em T com 1 cm de diâmetro e separadas por um tubo corrugado
com capacidade de aproximadamente 60 ml; um balão reservatório ocupa
a extremidade distal. As duas peças em T são dispostas, respectivamente,
proximal e distal ao paciente. O duplo T permite modificar as posições de

57
entrada e saída dos gases: funciona como sistema Mapleson A (Magill)
se o fluxo de admissão entra via ramo lateral distal (próximo ao balão) e
a saída dos gases pelo ramo lateral proximal. Difere do sistema de Magill
pela ausência da válvula. Esse arranjo é recomendado durante ventilação
espontânea. Funciona como Mapleson F (Jackson Rees) quando a entrada
do fluxo de admissão se faz pelo ramo lateral proximal e a eliminação pelo
T distal, sendo indicado para uso em ventilação controlada (Figura 14).
E-Book de Anestesia Inalatória

FIGURA 14.O duplo T de Ayre e o tubo reservatório compoem o arranjo de Baraka 22


. O T proximal conecta o tubo reservatório ao paciente (máscara ou tubo traqueal);
o T distal conecta o tubo reservatório ao balão. Ao lado, o sistema com entrada do
fluxo de admissão no T proximal, preconizado para uso em ventilação controlada.

Durante ventilação espontânea (Magill) ou em ventilação controlada


(Jackson Rees), o fluxo de admissão recomendado é igual ao volume mi-
nuto do paciente 22. Em ambas as situações, a eliminação do gás alveolar
do sistema se faz durante a expiração. Ainda, o estudo de Barash 22 limita
seu uso na faixa de neonato até a criança de 7 anos de idade. O cálculo
do fluxo de admissão utiliza uma tabela com base na superfície corpórea.
Entretanto, nas condições clínicas do dia-a-dia, para uso na criança sem
patologia metabólica ou cardiovascular, pode ocorrer dificuldade de ordem
prática na faixa etária de neonato e lactente (1 ano), devido ao pequeno
volume minuto. Nestas condições, na opinião do autor, pode-se usar um
fluxo mínimo empírico de 2 L.min-1 ou a fórmula sugerida por Jreig e col 23 .

Comentário

Na prática clínica atual da anestesia, os sistemas de Mapleson perderam


sua importância, principalmente para uso no paciente adulto. Devido aos altos
fluxos de admissão exigidos para seu bom desempenho, são poluentes e de alto
custo operacional pelo exagerado consumo do agente inalatório. Na anestesia

58
pediátrica ainda há espaço para sua utilização, e onde goza de muita popularida-
de. Dos arranjos apresentados, o Baraka, o Jackson Rees e o Bain são em or-
dem preferencial os de maior uso no Brasil. Em princípio, estes sistemas podem
ser usados durante ventilação espontânea e controlada. Entretanto, a prática
clínica atual prioriza a ventilação controlada manual ou mecânica, cujos critérios
de opção fogem ao escopo desta revisão. A escolha do fluxo de admissão é um
problema complexo para esses sistemas cujo perfil valoriza a simplicidade.
Na opinião do autor, na prática clínica diária da anestesia pediátri-
ca na criança saudável, torna-se necessário a adoção de um guia para a
escolha do fluxo de admissão inicial, que teoricamente evite a reinalação
24
. Paralelamente, as correções poderão ser efetuadas pela monitorização
contínua da FeCO2, o que torna apenas de interesse acadêmico os cálculos
teóricos. Entretanto, deve-se considerar a dificuldade da capnometria em
alguns equipamentos, nos casos de pequeno volume corrente e frequência
rápida, como nos recém-natos e lactentes.
Várias são as opções que não utilizam fórmulas complicadas:

Arranjos de Baraka ou Jackson Rees:

Sistemas de Administração
Peso corpóreo Fluxo de admissão
Até 13,5 kg 2 L.min-1
> 13,5 kg 220 ml/kg/min

Circuito de Bain:

Peso corpóreo Fluxo de admissão


Até 10 kg 2 L.min-1
10-35 kg 3,5 L.min-1
> 35 kg 100 L.min-1

II. Sistema com absorvedor de CO2: Sistema circular 25,26

O arranjo do sistema circular permite superar as desvantagens dos


sistemas de Mapleson: altos fluxos de admissão, elevado consumo de
agentes inalatórios, poluição ambiental, perda de calor e umidade pelo pa-
ciente. Para tanto, o sistema é tecnicamente complexo, tem maior risco de
falhas e é volumoso. Uma importante característica é ser altamente eficien-
te na manutenção das concentrações dos gases e vapores inspirados, além
de permitir a reinalação do gás expirado após a absorção do gás carbônico.

59
Componentes

Composto essencialmente por dois tubos corrugados unidos por uma


peça em Y formando o ramo inspiratório e o expiratório, onde se instalam
nas extremidades distais as respectivas válvulas unidirecionais que man-
têm separadas as direções dos gases; o recipiente (canister) com o absor-
vedor de CO2, o balão ventilatório, a porta de entrada do fluxo de admissão
e a válvula de escape completam o sistema. A resistência respiratória é
mínima (3 cmH2O) e o espaço morto mecânico limitado ao volume interno
do conector em Y (Figura 15).
E-Book de Anestesia Inalatória

FIGURA 15. Sistema circular com seus componentes esenciais.


FG – fluxo de admissão

Absorvedor de gás carbônico

Composto de um recipiente (canister) com duas câmaras em plás-


tico transparente, que contêm os grânulos do absorvedor e são monta-
das verticalmente em série 25,26 (Figura 16). Geralmente com capacidade
total para dois quilos, são preenchidas com grânulos de tamanho entre
4 a 8 mesh(*) (2,36 a 4,75mm), o que torna negligenciável a resistência
ao fluxo de gás, além de oferecer uma ampla superfície de absorção.
Com o canister preenchido, aproximadamente metade do seu volume
interno corresponde ao espaço intergranular, onde se processa a absor-
ção. Esse espaço deve ser no mínimo igual ao maior volume corrente
esperado para o paciente. As duas câmaras são encaixadas por um
anel tipo gaxeta. Nessa mesma secção existe outro anel que divide o

60
canister em compartimento superior e inferior; sua função é estreitar a
passagem e desviar o caminho do gás, de maneira a impedir a formação
de canais de circulação no espaço entre os grânulos e as paredes do
canister. A cal sodada é o absorvedor mais utilizado. É composto por
80% de hidróxido de cálcio; 4% de hidróxido de sódio; 1% de hidróxido
de potássio e 14-19% de água. Uma pequena quantidade de sílica é
adicionada para tornar o grânulo mais duro, o que reduz a formação de
poeira cáustica que pode produzir queimaduras em contato com a muco-
sa. Um indicador de pH (etil violeta, fenolftaleína) é adicionado e muda
de cor com a exaustão do absorvedor, quando aumenta a concentração
de íons hidrogênio. A absorção de CO2 é uma reação química exotérmica
podendo atingir valores de até 40ºC.
Mais recentemente está disponível no mercado o hidróxido de
cálcio (Amsorb) 27 , composto de hidróxido de cálcio (83%), cloreto de
cálcio (1%) e água (14,5%). Apresenta como vantagem a ausência das
bases fortes hidróxidos de sódio e potássio, o que reduz a possibilida-
de de formação do monóxido de carbono quando em contato com des-
flurano, isoflurano, halotano e sevoflurano, ou a formação do composto

Sistemas de Administração
A com o uso do sevoflurano. Sua capacidade de absorção é reduzida de
50% e seu custo mais elevado, quando em comparação à cal sodada
25
. É também comercializado outro tipo de absorvedor (Dragersob 800
Plus), formulado com reduzida quantidade da base forte de hidróxido
de sódio (2%) e sem hidróxido de potássio.

(*) Mesh – Unidade arbitrária pelo padrão USP. Refere-se ao número de orifícios por
polegada linear em uma tela, através dos quais os grãos devem passar.

Prevenção da reinalação

A localização relativa dos componentes do sistema circular permite


otimizar sua eficiência, tanto na eliminação do CO2 quanto na economia
do uso de oxigênio e anestésicos. Esses componentes podem assumir as
mais variadas posições, desde que seu desenho incorpore as regras bási-
cas para a prevenção da reinalação de CO2 12,28 :

a) válvulas unidirecionais colocadas nos ramos inspiratório e expira-


tório;
b) entrada fluxo de admissão situada entre o absorvedor e a válvula
inspiratória;
c) válvula de escape situada após a válvula expiratória unidirecional.

61
Preservação do gás no sistema circular

O arranjo mais eficiente deve conservar gás do fluxo de admissão e


o gás expirado sem CO2 (espaço morto anatômico), além de promover a eli-
minação de gás alveolar antes da passagem pelo absorvedor 12,28. Assim,
quando as válvulas unidirecionais estão próximas ao paciente, e a válvula de
escape imediatamente após, à jusante do ramo expiratório, o arranjo apre-
senta o seu melhor rendimento (Figura 17). Esse tipo de válvula (válvula de
Elam como é conhecida no Brasil) foi, durante muitos anos, utilizado em nos-
so meio em substituição ao componente em Y 29. Foi abandonada devido a
pouca confiabilidade no funcionamento e por ser pouco prática devido ao seu
volume. Os sistemas circulares modernos, em sua grande maioria, utilizam
um arranjo alternativo mais simples e menos eficiente, por permitir maior
perda de gás expirado. Assim, a válvula de escape foi movida para longe do
paciente, colocada antes do absorvedor de CO2 e próximo ao balão (Figura
18). As válvulas unidirecionais inspiratória e expiratória, fabricadas em discos
de cerâmica, foram acomodadas em domus transparentes situados longe do
paciente 26 . (Figura 16).
E-Book de Anestesia Inalatória

Fluxo de admissão

O sistema circular permite a reutilização dos gases e vapores exala-


dos, após a absorção do CO2. Isso torna desnecessária a utilização de altos
fluxos, como os recomendados para os sistemas de Mapleson. Do ponto de
vista conceitual o fluxo basal de 250-300 ml.min-1 é utilizado em uma técni-
ca de anestesia denominada de circuito fechado. Com o fluxo < 1 L.min-1 o
termo consagrado é anestesia de baixo fluxo. Nestes dois casos não ocorre
a reinalação devido à reabsorção total de CO2. Há reinalação de volume (es-
paço morto anatômico e gás alveolar sem CO2), do oxigênio e dos agentes
anestésicos, sem perda para a atmosfera de gás do fluxo de admissão. A
gradativa elevação do fluxo de gases aumenta a eliminação do gás alveolar
pela válvula de escape, mantendo-se, dentro de limites, o desempenho do
sistema. Há economia de cal sodada quando são utilizados fluxos de 2-3
L.min-1. Torna-se desnecessária a presença do absorvedor com a aplicação
de fluxos de admissão a partir de 4-5 L.min-1.
Quando usado em baixo fluxo não é recomendável utilizar a mistura
O2/N2O, mesmo com a monitorização pelo analisador de oxigênio no ramo
inspiratório. Nesta condição, usar somente o oxigênio e o agente volátil.
Assim, a diluição do oxigênio no sistema não alcançará níveis críticos na
fração inspirada. Ainda, como os vaporizadores convencionais não funcio-
nam adequadamente com fluxos < 1 L.min-1, há necessidade de monitorar

62
Sistemas de Administração
FIGURA 16.
Absorvedor de CO2 e suas relações com os demais componentes do sistema circu-
lar. As setas indicam a direção dos gases no interior do sistema.

a concentração inspirada do agente inalatório, que tende a cair para valo-


res inferiores aos indicados na escala do vaporizador; com fluxo > 1.500
ml.min-1 a concentração inspirada do agente volátil é similar àquela indica-
da no vaporizador.

Análise funcional

Durante a inspiração, o gás do fluxo de admissão juntamente com o


gás expirado anteriormente e acumulado no balão reservatório, caminham
para o paciente pelo ramo inspiratório. A inspiração abre a válvula inspiratória
unidirecional. Por outro lado, a válvula unidirecional expiratória encontra-se
fechada devido à pressão retrógrada, o que impede a reinalação de gás com
CO2. Quando se inicia o fluxo expiratório ocorre a abertura da válvula unidire-

63
E-Book de Anestesia Inalatória

FIGURA 17. Sistema circular com arranjo da válvula de escape próximo ao paciente.
Observar a maior eliminação de gás alveolar e conservação de gás do fluxo de ad-
missão e do espaço morto. (copiado de Eger 12,28 ).
D

direção do fluxo

cional expiratória, e o fechamento da válvula unidirecional inspiratória. O gás


expirado desloca-se em direção à bolsa reservatório e, devido ao aumento de
pressão no final da expiração, a válvula de escape se abre para eliminar uma
fração do gás alveolar. O restante do volume expirado passa pelo absorve-
dor, quando se reinicia um novo ciclo respiratório. Um ponto importante é a
posição relativa da válvula de escape no desenho do sistema. Deve ter uma
específica localização no ramo expiratório, de maneira a permitir uma maior
eliminação do gás alveolar antes de sua passagem pelo absorvedor de CO2.
Isso permite maior economia do absorvedor, embora determine perda para a
atmosfera de gases e vapores anestésicos, presentes no gás alveolar.
As válvulas unidirecionais se assentam horizontalmente sobre a
superfície circular (secção transversa) do tubo cilíndrico que tem abertura
para o interior da área do domus. Este tubo condutor de gases se con-

64
Sistemas de Administração
FIGURA 18. Sistema circular com válvula de escape posicionada próximo ao balão
reservatório. Nesse arranjo, há perda de gás alveolar com gás do espaço morto,
que se misturam ao longo do tubo corrugado durante a expiração. Isso diminui a
reutilização do gás expirado. (copiado de Eger 12,28).
D

direção do fluxo

tinua com o tubo corrugado. Os movimentos de abertura e fechamento


das válvulas podem ser acompanhados visualmente, através da superfície
transparente do domus.

Os modernos aparelhos de anestesia 25

Na última década ocorreu uma rápida incorporação da eletrônica nos


aparelhos de anestesia, com gradual substituição dos equipamentos pneu-
máticos. Essa evolução não invalida a necessidade do conhecimento dos
princípios básicos, no desenho do aparelho padrão de anestesia. Assim,
recomenda-se para esses novos aparelhos uma criteriosa análise realizada
pelo anestesista, antes de colocá-los em uso. É obrigatório um completo en-
tendimento quanto ao funcionamento dos sistemas integrados.

65
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E-Book de Anestesia Inalatória

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66
Capítulo 5

Anestesia Geral Balanceada


Luiz Fernando de Oliveira

Anestesia balanceada, em contraponto à anestesia inalatória clássi-


ca, caracteriza-se pela associação de duas ou mais drogas, inalatórias ou
venosas, com o intuito de reduzir a morbidade e melhorar as características
farmacocinéticas da anestesia geral, sem prejuízo da sua eficácia. Frequen-
temente também é chamada de “anestesia multimodal”, embora este ter-
mo seja melhor aplicado a procedimento que envolva a associação de anes-
tesia geral com técnicas de anestesia loco-regional, com vistas à redução
da dor pós-operatória ou do consumo de agentes anestésicos, como por
exemplo a associação de bloqueio peridural contínuo com anestesia geral.

Histórico

Um dos grandes sonhos da humanidade sempre foi vencer a dor.


Muito embora este objetivo ainda não tenha sido plenamente alcançado,
enorme sucesso foi obtido no controle da dor cirúrgica com o advento da
anestesia geral, em 1846. O advento da anestesia geral marca um momen-
to histórico não só para a medicina, com a abertura da possibilidade de de-
senvolvimento das modernas técnicas cirúrgicas, mas para a humanidade,
com a derrota do pensamento fatalista que então dominava e que acredita-
va ser impossível abolir a dor cirúrgica, o que, para alguns pensadores da
época, ia contra as leis divinas.
A anestesia geral é estado de inconsciência temporária e reversível
caracterizada por supressão da exterocepção (dor, tato, pressão, olfato,
temperatura, visão e audição), amnésia e imobilidade. Sua descoberta na
década de 1840, foi resultante da contribuição de vários cientistas como
Crawford Long, Horace Wells e, finalmente, William Thomas Green Morton,
considerado o pai da Anestesiologia pela primeira demonstração pública
da possibilidade de controle da dor cirúrgica pela inalação de éter1, 2, 3.
Embora outras drogas logo tenham sido introduzidas como alternativas ao
éter, como o clorofórmio, o cloreto de etila e o tricloroetileno, a segurança
cardiorrespiratória do éter permaneceu insuperável, apesar de seus efeitos
indesejáveis como longa latência e longo despertar, potente efeito emético,
odor irritante característico e inflamabilidade, limitarem seu uso.
O sucesso do éter, em especial da praticidade de sua administração
por via inalatória como droga única, foi tão grande que a anestesia geral
como resultado da inalação de uma única droga, pela simplicidade da sua
realização, criou um paradigma que durante quase cem anos a caracterizou.

67
Durante quase um século todas as tentativas foram centradas no desenvol-
vimento de um agente anestésico ideal que pudesse substituir o éter como
agente único para anestesia inalatória pura. A perseverança nesse caminho
culminou com o desenvolvimento dos modernos anestésicos halogenados,
derivados históricos do clorofórmio, podendo se considerar como o pioneiro
dessa geração o halotano, introduzido em 1956, isto é, mais de cem anos
após a descoberta da anestesia geral.
O halotano, pelas suas características à época revolucionárias como,
rápida latência, odor agradável, despertar suave e mais rápido que o do
éter, aliado à não-inflamabilidade, destronou afinal o éter, tornando-se o
novo padrão para anestesia geral. Passados mais de cem anos da desco-
berta da anestesia geral por Long, Wells e Morton, continuava a prevalecer,
no entanto, o conceito de que uma única droga inalável poderia ser o meio
mais rápido e eficiente de se alcançar anestesia geral.
O halotano, pelo risco de eventos cardiocirculatórios indesejáveis (ar-
ritmias, parada cardíaca) e potencial risco de lesão hepática estava longe,
no entanto, de ser o agente anestésico ideal e atender aqueles objetivos.
Com o intuito de reduzir os riscos do halotano, o óxido nitroso (N2O) pas-
E-Book de Anestesia Inalatória

sou a ser usado em técnica combinada, para potencializar os efeitos depresso-


res do sistema nervoso central e assim reduzir a demanda por concentrações
mais elevadas do halotano, minimizando o risco de eventos cardiocirculatórios
indesejáveis, já que o N2O não tem efeito cardiodepressor significativo, além de
acelerar a indução pelo efeito do segundo gás. O uso dessa associação logo
entrou na prática da anestesiologia e se tornou corriqueiro.
Nas décadas de 1930 e 1940, avanço importante foi alcançado em
outra área, a das drogas intravenosas, embora estas não tenham sido logo
incorporadas à prática corrente da anestesia. O primeiro passo foi a in-
trodução do tiopental sódico por Lundy em 1936, como o primeiro agente
hipnótico de ação ultra-curta para uso intravenoso e que possibilitava o es-
tabelecimento da inconsciência em segundos e não mais em minutos (até
20 a 30 min), como era com o éter4. Primeiramente proposto como substi-
tuto do éter para a produção de anestesia geral, devido a seu potente efeito
depressor cardiorrespiratório e reduzida eficácia analgésica (analgesia cirúr-
gica só é alcançada em doses elevadas, associadas a parada respiratória
e depressão hemodinâmica), inicialmente não teve seu uso popularizado.
A vantagem da rápida indução da inconsciência não parecia suficiente na
época para mudança do paradigma como a anestesia era então conduzida,
utilizando-se apenas um agente, em geral o éter, e na maioria das vezes,
sem necessidade de acesso venoso.
Foi durante o ataque a Pearl Harbour que o tiopental passou pela sua
prova de fogo. Pela necessidade de atendimento em massa aos feridos e

68
pela inexistência de recursos hospitalares suficientes para o atendimento
do enorme número de casos de trauma, o tiopental foi usado para procedi-
mentos anestésicos de emergência de pacientes que não tinham condições
de serem transportados para o hospital. Como os médicos, muitos com trei-
namento em anestesiologia ainda precário na época, não tinham prática no
manejo do tiopental, em especial em pacientes hipovolêmicos e chocados,
a mortalidade consequente à sua administração foi muito elevada, o que
levou a uma grande rejeição a seu uso e quase acabou com a utilização do
tiopental em anestesiologia. Apenas alguns anos mais tarde, já na década
de 1950, com o maior conhecimento da sua farmacocinética e farmacodi-
nâmica, o tiopental passou a ser utilizado rotineiramente, não mais como
agente único de anestesia, mas para a indução rápida da inconsciência em
associação com éter ou halotano, abreviando e tornando mais agradável
para os pacientes a indução anestésica.
Na mesma época, Griffith e Johnson (1942) iniciaram seu trabalho
pioneiro com o curare (d-tubocurarina), introduzindo-o na prática anestésica
com a finalidade de propiciar relaxamento muscular e imobilidade sem ne-
cessidade de elevadas concentrações do agente inalatório, assim reduzin-

Anestesia Geral Balanceada


do o risco de depressão cardiovascular e despertar prolongado5.
Esses dois eventos quebraram o paradigma então prevalente por
quase cem anos de prática anestésica, que fazia da anestesia inalatória
pura o padrão para anestesia geral. Teve início então uma nova era carac-
terizada pelo uso judicioso da associação de drogas inalatórias e venosas
com o objetivo de produzir anestesia geral eficaz com menor morbimortali-
dade, ou anestesia balanceada.
Sem dúvida que a quebra do paradigma direcionou esforços dos gran-
des laboratórios farmacêuticos em busca de novas drogas com potencial
para substituir ou potencializar os anestésicos gerais inalatórios. Paralela-
mente, os anestésicos inalatórios também não pararam de ser desenvolvi-
dos e ao longo das últimas cinco décadas foram sendo melhorados, com
ênfase em características farmacocinéticas mais favoráveis, como latência
e despertar mais rápidos e propriedades farmacodinâmicas mais seguras,
como menor toxicidade hepatorenal e menor cardiotoxicidade, culminando,
na década de 1990, com a introdução do sevoflurano e do desflurano.
O sevoflurano, em especial, revolucionou a anestesia inalatória com sua
farmacocinética rápida que permite rápida indução e despertar e maior se-
gurança cardiovascular, tornando a anestesia inalatória uma técnica mais
segura, confiável e eficaz.
Por outro lado, o desenvolvimento de novas drogas com propriedades
hipnóticas, analgésicas e relaxante muscular não parou. O maior destaque
ficou com o desenvolvimento e introdução na prática clínica dos opioides

69
de ação rápida, com destaque para o fentanil. A introdução do fentanil na
prática anestésica na década de 1960 revolucionou o modo como se prati-
cava a anestesia. Potente analgésico, com curta duração de ação e efeito
potencializador dos anestésicos gerais, seu uso logo se tornou rotineiro
na anestesia balanceada. Como tudo que é diferente e vai de encontro a
paradigmas consolidados, a resistência à introdução do fentanil na prática
da anestesia foi grande e devemos à anestesia européia, em especial aos
franceses, belgas e espanhóis, a popularização do uso de fentanil como co-
adjuvante na anestesia moderna. Com a maior frequência de seu emprego
na década de 1970, em especial sua popularização como técnica segura
para anestesia cardíaca, novos opioides foram sendo introduzidos, sem
grandes avanços farmacológicos, até o advento do remifentanil, no início
dos anos 2000. O remifentanil propiciou uma nova revolução conceitual
pois, com sua farmacocinética ultra-curta não cumulativa, permitiu o de-
senvolvimento de técnicas de anestesia venosa total antes prejudicadas
pelas características cumulativas dos opioides até então disponíveis como
o fentanil, alfentanil e sufentanil. O remifentanil logo se mostrou também
muito útil para a anestesia balanceada quando associado ao sevoflurano,
E-Book de Anestesia Inalatória

propiciando maior estabilidade cardiocirculatória e pronto despertar.


Para que a técnica de anestesia venosa total se tornasse viável foi
necessário um outro grande passo, o desenvolvimento de um substituto
para o tiopental sódico já que este, por ser cumulativo, não pode ser usado
em técnicas de administração contínua. Este passo foi alcançado com o
desenvolvimento do propofol na década de 1980. Embora com perfil far-
macodinâmico semelhante ao do tiopental, já que é tão depressor cardior-
respiratório quanto este, o propofol apresenta um perfil farmacocinético
muito mais favorável. Com uma meia-vida de eliminação rápida, pequena
variação da meia-vida sensível ao contexto e sem tendência a acúmulo6,7, o
propofol veio preencher a lacuna que faltava para que as técnicas de anes-
tesia venosa total se tornassem práticas, o que foi muito auxiliado pelo
desenvolvimento simultâneo de novas bombas de infusão programáveis e
alvo-controladas.

Anestesia Balanceada

Quem primeiro sugeriu o conceito da utilização de mais de um medi-


camento com o objetivo de produzir anestesia foi George Crille, em 19108.
Em 1926, Lundy criou o termo “anestesia balanceada” para definir procedi-
mento onde, pela associação de drogas e técnicas (bloqueios), poderíamos
alcançar os vários objetivos da anestesia geral, processo hoje melhor defi-
nido pelo termo anestesia multimodal.

70
Na anestesia inalatória pura temos de alcançar apenas com
o agente inalatório todos os requisitos da anestesia geral como in-
consciência, supressão da exterocepção, imobilidade e relaxamento
muscular, sem comprometimento da estabilidade cardiocirculatória e
neurovegetativa. Esses objetivos são difíceis de serem alcançados na
mesma dose (concentração) do agente, pois normalmente não são pro-
priedades paralelas apresentando diferentes DE50, isto é, diferentes
potências hipnótica, analgésica, relaxante muscular e cardiodepresso-
ra. Assim, alcançar o efeito ideal a cada momento do procedimento
anestésico-cirúrgico é difícil, o que em geral acarreta a necessidade
de se aprofundar o plano anestésico para se alcançar o relaxamento
ou analgesia desejada, com maior risco de depressão cardiocirculató-
ria. Em consequência, o uso de técnica de anestesia inalatória pura,
em razão do binômio eficácia-segurança, é hoje pouco utilizada exceto
onde a vantagem de se usar a indução inalatória é evidente como na
anestesia em crianças, e assim mesmo apenas até que se possa es-
tabelecer um acesso venoso.
A anestesia balanceada segue princípio farmacológico diverso,

Anestesia Geral Balanceada


baseado no conceito de sinergismo, também aplicado em outras áreas
da medicina com sucesso como, por exemplo, na associação de amo-
xacilina com clavulanato, sulfa com trimetropim e aspirina com clopidro-
grel, entre outras associações que maximizam a eficácia. Na anestesia
balanceada, o uso da associação de duas ou mais drogas com diferen-
tes objetivos e mecanismos, mas com efeito sinérgico (na maioria das
vezes apenas aditivo), facilita a obtenção de equilíbrio entre hipnose,
analgesia, imobilidade, relaxamento e estabilidade neurovegetativa de
forma eficaz e segura, maximizando a eficácia e minimizando a toxicida-
de. O sucesso dessa estratégia fez com que as técnicas de anestesia
balanceada gradativamente substituíssem a técnica da anestesia geral
inalatória pura.
Embora o termo “anestesia balanceada” normalmente seja usado
para designar uma forma de anestesia inalatória caracterizada pelo uso
da associação de anestésicos inalatórios (halogenados e N2O) com re-
laxantes musculares e hipnóticos, o conceito também se aplica a anes-
tesia venosa total, na realidade uma forma de anestesia balanceada
venosa. Neste caso, se utilizam apenas drogas de uso venoso, como um
hipnótico (propofol) associado a um opioide (remifentanil) e a relaxante
muscular, enquanto na anestesia balanceada convencional utilizam-se
tanto drogas inalatórias (como anestésico de base) quanto venosas,
para propiciar a hipnose, a analgesia, a imobilidade e o relaxamento
muscular (Vide Tabela I).

71
Tabela I – Modalidades de Anestesia Geral

Anestesia Geral
Hipnose Analgesia Relaxamento
Inalatória Ag. Inalatório Ag. Inalatório Ag. Inalatório
Balanceada Ag. Inalatório Ag. Inalatório Ag. Inalatório
Hipnótico Opioide Relaxante Muscular
Venosa Total Hipnótico Opioide Relaxante Muscular

A anestesia geral como consequência do desenvolvimento dos re-


cursos farmacológicos e tecnológicos parecia evoluir ao final da década
de 1990 na direção da substituição da técnica clássica inalatória, pura ou
balanceada, pelas técnicas de anestesia venosa total e muitos anteviram o
desaparecimento daquela, substituída pela administração servocontrolada
de agentes venosos. O desenvolvimento de novas drogas com perfil farma-
cocinético mais favorável ao uso venoso contínuo (curta meia-vida de elimi-
nação, meia-vida sensível ao contexto estável, pouco efeito cumulativo), de
E-Book de Anestesia Inalatória

novas bombas de infusão mais precisas e alvo-controladas e dos meios ele-


trônicos de monitorização dos sinais vitais, parecia apontar nessa direção.
Por outro lado, a complexidade da administração da anestesia ve-
nosa total, com duas ou até três bombas infusoras em uso simultâneo,
com diferentes programações, em comparação à maior simplicidade e pre-
cisão dos modernos vaporizadores; o aparecimento do sevoflurano com
sua farmacocinética rápida; bem como o desenvolvimento de monitorização
mais avançada e precisa, tornando econômico o controle da concentração
dos anestésicos inalatórios no ar expirado, contribuíram para consolidar a
anestesia inalatória balanceada como alternativa prática, segura e eficaz de
anestesia geral, em contraponto à anestesia venosa total.
A condução da anestesia geral balanceada tanto quanto a anestesia
venosa total exige por parte do anestesiologista amplo conhecimento da
farmacocinética e farmacodinâmica das várias drogas a seu dispor, de for-
ma a permitir sua harmonização no sentido de se obter anestesia eficaz,
segura e de reduzida morbidade. Qualquer que seja o método adotado, o
objetivo maior ao se administrar anestesia geral tem de ser minimizar a
morbimortalidade e maximizar a hipnose, analgesia e a estabilidade neuro-
vegetativa, e isso é possível tanto com a anestesia inalatória balanceada
quanto pelas técnicas de venosa total.
Na realidade, a utilização de anestesia venosa total ou anestesia
balanceada não são excludentes, já que a escolha deve ser norteada pelas
características do paciente e da cirurgia, dos recursos técnicos disponíveis

72
e da habilidade profissional em conduzir o tipo de anestesia indicado. O
desenvolvimento contínuo dos recursos farmacológicos e dos meios ele-
trônicos de monitorização e automação, além dos custos econômicos, é
que irão definir, no futuro, se alguma das técnicas irá prevalecer, já que no
momento atual ambas são úteis e importantes para o bem estar de nossos
pacientes.

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73
Capítulo 6

Anestesia Inalatória:
Monitoragem Per-Operatória da
Consciência
Leonardo Teixeira Domingues Duarte

A anestesia geral é intervenção farmacológica usada para prevenir efei-


tos adversos psicológicos e somáticos do trauma cirúrgico e também para criar
condições convenientes para cirurgia1. É geralmente definida como a tríade de
inconsciência, amnésia e imobilidade em resposta à estimulação nociceptiva2.
Todavia, essa definição ainda não é precisa e diferentes subcomponentes são
descritos por muitos autores como fundamentais. Essencialmente, durante a
anestesia geral, deve existir bloqueio da função mental manifesto por meio
de inconsciência; bloqueio sensitivo com interrupção da percepção da esti-
mulação dolorosa; bloqueio motor que impede a movimentação do paciente
e promove condições cirúrgicas ótimas; e bloqueio autonômico e da resposta
ao estresse minimizando as respostas neurovegetativas e cardiocirculatórias.
O termo “anestesia balanceada” cunhado por Lundy em 1926 se
refere à combinação de diferentes fármacos e técnicas anestésicas com
o objetivo de associar seus efeitos e superar, com isso, a carência de um
anestésico ideal capaz de produzir simultaneamente hipnose, analgesia,
relaxamento muscular e bloqueio neuro-humoral.
Os anestésicos inalatórios apresentam diferentes efeitos em sua
ação (inconsciência, analgesia, amnésia, imobilidade, etc). Enquanto pou-
cos agentes anestésicos agem exclusivamente sobre apenas um compo-
nente da anestesia geral, também é verdade que, muitas vezes, é difícil
separar e quantificar de forma confiável seus efeitos sobre diferentes sub-
componentes, especialmente a consciência e analgesia (bloqueios mental
e sensitivo). A sobreposição desses efeitos pode ser, pelo menos em parte,
razão para a inexistência de monitores precisos para os componentes da
inconsciência e analgesia. Por diversas vezes, tentativas de quantificar as
necessidades anestésicas específicas para analgesia ou hipnose falharam,
já que não há parâmetro validado.

Profundidade da Anestesia

A profundidade da anestesia ocorre pela interação de dois efeitos


fundamentais para a anestesia clínica. O primeiro efeito envolve o compo-
nente hipnótico que gera inconsciência. O segundo efeito constitui o com-
ponente analgésico que bloqueia a resposta reflexa à estimulação nociva.

75
A titulação desses dois componentes pelo anestesiologista produz a anes-
tesia clínica de forma efetiva e segura.
Desde a descrição dos estágios da anestesia com éter, permanece
o interesse em medir a profundidade da anestesia. Inicialmente, a preocu-
pação foi evitar sobredoses de anestésicos, mas, atualmente, somam-se
os riscos reconhecidos das subdoses que poderão causar respostas he-
modinâmicas e motoras potencialmente perigosas durante a cirurgia, além
do despertar e lembrança intra-operatória. Outro interesse em monitorizar a
profundidade da anestesia reside em controlar custos por meio da titulação
da dose anestésica e, assim, evitar desperdícios e acelerar a alta da sala
de recuperação pós-anestésica (SRPA) e hospitalar.
Na prática diária, a administração dos agentes anestésicos é basea-
da principalmente em seus efeitos adversos farmacodinâmicos. Como ocor-
re com outros fármacos, a seleção e a dose administrada de anestésicos
inalatórios se baseia nos conhecimentos de farmacologia populacional, na
qual o efeito desejado é obtido com a titulação da dose e observação do
seu efeito. Com isso, muitas vezes, são observados resultados insuficien-
tes ou exagerados que demandarão correções na dose dos fármacos anes-
E-Book de Anestesia Inalatória

tésicos. A queda dos parâmetros hemodinâmicos com hipotensão arterial


e bradicardia são efeitos adversos comuns à sobredose anestésica. Por
outro lado, hipertensão arterial e taquicardia refletem diretamente bloqueio
sensitivo insuficiente (analgesia inadequada) e também podem ser causa-
dos por bloqueio mental inadequado, com reação de estresse e consciência
intra-operatória. Tal fato ocorre porque a sensibilidade dos indivíduos à ação
anestésica é variável (variabilidade individual).
A Figura 1 representa as necessidades de aprofundamento da anes-
tesia segundo os diferentes estímulos, sejam benignos ou nocivos. As res-

Figura 1: Relação entre as respostas a diferentes estímulos e profundidade da anes-


tesia. No quadro: benignos, sem acento.

76
postas podem ser categorizadas e seguem uma sequência na qual a perda
da resposta verbal precede a perda dos movimentos voluntários, que, por
sua vez, precede o desaparecimento dos movimentos involuntários.
Apesar da profundidade da anestesia ainda ser reportada e relacio-
nada aos planos anestésicos descritos por Guedel, no início do século XX
(1937), na anestesia com éter (Quadro I), estes sinais clínicos não podem
mais ser usados como principal guia da profundidade da anestesia, já que
o éter foi substituído por agentes mais modernos. A prática atual é a de
combinar opioides e bloqueadores neuromusculares (BNM), além de outros
adjuvantes, aos anestésicos inalatórios. Com isso, os sinais clínicos original-
mente descritos (respiração, atividade ocular, diâmetro pupilar, reflexo ciliar,
deglutição e presença de vômitos) para a quantificação da anestesia geral
em quatro estágios são alterados ou desaparecem. Como resultado, o con-

Anestesia Inalatória: Monitoragem Per-Operatória da Consciência


ceito de profundidade em planos anestésicos é ultrapassado e inconsistente.

Quadro I
Estágios de anestesia com éter

Estágio I Analgesia Estágio de indução e excitação voluntá-


ria ou de analgesia e amnésia. Atividade
mental controlável por todo o estágio,
progressivamente deprimida até a incons-
ciência. Resistência voluntária à conten-
ção e aos vapores anestésicos. Perda ou
embotamento da sensação de dor.
Estágio II Delírio Estágio de delírio, excitação involuntária ou
ação desinibida. Período da perda da cons-
ciência até o começo da respiração auto-
mática. Estágio de sonho.
Estágio III Cirúrgico Período desde o início da respiração auto-
mática até a parada respiratória.
Plano 1 Leve
Plano 2 Moderado
Plano 3 Profundo
Plano 4 Excessivo
Estágio IV Paralisia me- Estágio de paralisia respiratória ou super-
dular dosagem. Intervalo entre a parada respira-
tória e cardíaca até a morte.

77
Consciência e Memória

O termo bloqueio mental se refere à busca pela inconsciência duran-


te a anestesia geral. A anestesia geral é um estado em que ocorre depres-
são reversível do sistema nervoso central (SNC) com perda da consciência
e do mecanismo de formação de memória. A inconsciência é característica
essencial da anestesia geral3.
Por não se tratar de um parâmetro dicotomizado, a consciência é
processo gradual cujo efeito anestésico é referido como sedação e hipno-
se. No caso particular de graus superficiais de bloqueio mental, um novo
componente deve ser considerado – a amnésia. Por definição, o bloqueio
completo da consciência previne a formação de memória, uma vez que não
haverá qualquer percepção dos eventos e, assim, não serão lembrados.
Da mesma forma, com níveis insuficientes de anestesia e inconsciência
incompleta, será possível a formação de memória. Novamente, a memória
é difícil de ser quantificada porque pode ser implícita, difícil de ser avaliada
voluntariamente (requer testes psicológicos) e capaz de influenciar o com-
portamento do paciente. A memória explícita inclui a lembrança consciente
E-Book de Anestesia Inalatória

e espontânea e pode ser detectada por meio de entrevista no pós-operató-


rio. Alguns pacientes podem apresentar sonhos durante a anestesia, o que
implica em estado mental intermediário de transição entre a consciência
explícita e a implícita.
A consciência e a memória sob anestesia geral são complicações ra-
ras. O despertar durante a anestesia é definido como a memória consciente
de eventos ocorridos durante a anestesia e o problema se tornou mais im-
portante e recorrente desde a introdução dos BNM. Apesar da memória ex-
plícita ser um evento raro e o desenvolvimento de estresse pós-traumático
ser ainda mais incomum, o fato de milhões de anestesias gerais serem
realizadas anualmente torna o problema muito mais grave.
Foi demonstrado que as concentrações anestésicas necessárias para
produzir inconsciência são maiores que aquelas para suprimir a formação de
memória4. Há evidências, entretanto, que a memória implícita pode ocorrer
mesmo sem a presença de consciência e a dose anestésica necessária para
sua supressão é incerta5.
Doses subanestésicas de agentes inalatórios são capazes de pre-
venir a lembrança intra-operatória e a supressão da memória ocorre de for-
ma dose-dependente. Com 0,4 da concentração alveolar mínima (CAM) do
anestésico inalatório, ocorre mudança súbita do padrão eletroencefalográfi-
co da atividade de alta voltagem das porções posteriores cerebrais para as
anteriores. Esse fenômeno é acompanhado de grande redução das neces-
sidades cerebrais de oxigênio e é provável que essas alterações reflitam a

78
transição do estado acordado para o inconsciente. Além disso, a amnésia
ocorre possivelmente com essa dose anestésica (0,4 CAM). À medida que
a dose do anestésico inalatório se aproxima de 1 CAM, a frequência do ele-
troencefalograma (EEG) diminui ainda mais e a voltagem atinge o máximo.
Grande ensaio clínico que incluiu 2000 pacientes com risco elevado
de memória intra-operatória avaliou e comparou a eficácia de duas aborda-
gens adotadas para evitar esta complicação – a monitorização do índice
bispectral (BIS) e da concentração expirada do anestésico volátil6. Enquanto
em um grupo de pacientes o BIS foi mantido entre 40 e 60 como recomen-
dado para anestesia cirúrgica, no grupo controle a fração expirada do anes-
tésico foi mantida acima de 0,7 CAM, valor considerado capaz de suprimir
a formação de memória explícita4. Não houve diferença na ocorrência de
lembrança intra-operatória entre os dois grupos, o que sugeriu que, sob

Anestesia Inalatória: Monitoragem Per-Operatória da Consciência


vigilância, a monitorização do BIS e a administração de 0,7 CAM do anes-
tésico inalatório são igualmente eficazes na prevenção de lembrança intra-
operatória em pacientes suscetíveis submetidos a anestesia inalatória.
A profundidade anestésica está mais relacionada à memória explícita
do que à implícita. Ainda não há método ideal de diagnóstico ou monitoriza-
ção para avaliar a profundidade anestésica, assim como detectar a consciên-
cia durante anestesia geral. Atualmente, a ausência de lembranças de even-
tos é o único critério objetivo para comprovar a existência de inconsciência
perioperatória.

Analgesia

A analgesia envolve a percepção consciente do estímulo nocivo. É a


combinação de componentes sensitivo (discriminativo) e afetivo (emocio-
nal). O componente sensitivo da dor é definido como nocicepção. Enquanto
a analgesia se refere à percepção da dor e pode ser obtida pelo bloqueio
das vias da dor e da consciência, a antinocicepção é especificamente me-
diada pela modulação farmacológica da transmissão no sistema nocicep-
tivo. Desta forma, a antinocicepção previne tanto a percepção consciente
quanto os efeitos neuronais e espinhais relativos à aferência nociceptiva.

Interação entre Hipnose e Analgesia

A atenuação da estimulação cirúrgica depende de analgésicos (ex.


opioides) e anestésicos locais. O estudo da interação entre analgésicos
e hipnóticos é, então, fundamental para o entendimento e definição da
profundidade da anestesia. A consciência durante a anestesia dependerá
do balanço entre a depressão e a excitação do córtex cerebral (Figura 2)7.

79
Na figura, termos em português e inglês. (severe e none)
E-Book de Anestesia Inalatória

Figura 2: Interações entre hipnóticos e analgésicos.

O córtex cerebral é primariamente deprimido pelos hipnóticos e o resul-


tado é a inconsciência. Todavia, opioides, óxido nitroso e anestésicos locais
também influenciam a consciência ao prevenirem que a estimulação dolorosa
seja transmitida até o córtex, reduzindo as necessidades de hipnóticos8.
A observação, na década passada, de que a ocorrência de movi-
mentos durante estimulação dolorosa não podia ser antecipada a partir
da monitorização da atividade eletrencefalográfica inspirou a hipótese
de que a atividade elétrica cortical não controla as respostas motoras9.
A capacidade dos anestésicos inalatórios induzirem imobilidade em res-
posta à estimulação nociva não é mediada pelo córtex cerebral, mas
pela medula espinhal 10. A compilação de estudos realizados no início
da década de 1990 em espécies animais mostrou claramente que a
medula espinhal, apesar de sofrer influências modulatórias supraespi-
nhais, é o principal local no SNC da ação dos anestésicos inalatórios
para geração de imobilidade10,11. Assim, parece óbvia a ação poupadora
dos opioides sobre a CAM dos anestésicos inalatórios e seu efeito de
imobilidade, por meio de sua ação ao nível da medula e tronco cerebral.

80
Quantificação da Ação Anestésica

A análise da ação anestésica com base apenas nos efeitos hemo-


dinâmicos utiliza parâmetros indiretos e inespecíficos influenciados pela
ação do agente anestésico, e também por diversos fatores inespecíficos
(medicação anti-hipertensiva, variabilidade da estimulação nociceptiva, va-
riabilidade individual, etc). Sinais de anestesia superficial detectados por
respostas somáticas e autonômicas (reflexo palpebral, ciliar e corneano,
movimentação dos olhos, profundidade, ritmo e frequência dos movimentos
respiratórios, comportamento da pressão arterial e do pulso, tônus muscu-
lar), apesar de constituírem métodos mais acessíveis, são, porém, inespe-
cíficos e imprevisíveis para a detecção de consciência perioperatória.
A concentração alveolar mínima (CAM) dos anestésicos voláteis é

Anestesia Inalatória: Monitoragem Per-Operatória da Consciência


usada como índice de comparação da potência entre estes agentes. To-
davia, enquanto CAM equivalentes dos anestésicos produzem depressão
semelhante do SNC, os efeitos cardiopulmonares podem ser diferentes.
Tal fato enfatiza que a CAM representa apenas um ponto da curva dose-
resposta dos efeitos produzidos pelos anestésicos inalatórios e que essas
curvas dose-resposta não são paralelas12.
Em geral, os anestésicos inalatórios possuem curvas estímulo-res-
posta paralelas à curva da CAM (curva dose-resposta) e paralelas entre
si13. Assim, ao conhecer o valor da CAM, pode-se inferir os valores relati-
vos de outras razões estímulo-resposta (CAM acordado – concentração al-
veolar em que a resposta ao comando verbal é perdida (~ 1/3 CAM); CAM
bar – concentração alveolar que bloqueia a resposta autonômica; CAM
intubação – concentração alveolar que impede resposta à intubação).
A CAM do anestésico inalatório serviu como padrão das concen-
trações anestésicas relevantes em mecanismos propostos de anestesia.
Como a CAM é definida como a perda da resposta motora, essa ação anes-
tésica tem sido, algumas vezes, confundida com antinocicepção ou analge-
sia. Todavia, antinocicepção e imobilidade, provavelmente, diferem uma da
outra.
São necessários, então, parâmetros que avaliem direta e especi-
ficamente o efeito anestésico e as respostas farmacodinâmicas a estes
agentes. Diferentes parâmetros e métodos clínicos estão disponíveis para
quantificar o nível de sedação/hipnose e analgesia/antinocicepção.
A avaliação clínica do efeito anestésico só é específica com o pa-
ciente acordado. Por isso, não será efetiva durante níveis de sedação ou
anestesia. Métodos baseados nas alterações da atividade elétrica cerebral,
como índices baseados no EEG e potenciais evocados, serão a base da
avaliação da profundidade do efeito anestésico. Diferentes índices e moni-

81
tores foram desenvolvidos a partir da análise da atividade eletroencefalo-
gráfica e de potenciais evocados (Figura 3).
E-Book de Anestesia Inalatória

Figura 3: Monitores do componente hipnótico da anestesia atualmente disponíveis


e recomendações dos fabricantes. Figura copiada sem referência.

Comumente, esses índices são expressos por números não dimen-


sionáveis, que variam de zero a 100 e se correlacionam inversamente com
o nível de sedação e hipnose durante a anestesia. Para cada monitor, são
recomendadas faixas alvo para sedação, anestesia geral, hipnose profun-
da, “quase” supressão e supressão (Figura 3). São diferentes índices que
usam escalas variadas e, por isso, podem tornar a comparação direta difícil.

Monitorização da Consciência

Como o principal órgão-alvo da ação anestésica é o cérebro, a ava-


liação e a monitorização do efeito anestésico sobre a consciência devem
ser feitas com parâmetros que reflitam a atividade cerebral – o EEG ou po-
tenciais evocados. Potenciais evocados são respostas elétricas cerebrais
à aplicação de diferentes estímulos. Para a avaliação da função mental, o
estímulo auditivo por meio do estudo dos potenciais evocados auditivos
(PEA) foi sugerido.
Diferentes estudos mostraram que parâmetros do EEG se corre-
lacionam bem com alterações no estado da consciência. Além disso, a
monitorização do EEG constitui medida contínua e não-invasiva. Durante
a anestesia, o EEG demonstra alterações características induzidas pelos
anestésicos, que são específicas para cada droga e complexas pela sua

82
distribuição espacial no córtex cerebral. Com isso, o uso rotineiro do EEG
na sala de cirurgia para monitorização cerebral foi desencorajado devido a
diferentes motivos: complexidade dos padrões do EEG, com necessidade
da sua interpretação por neurofisiologistas experientes; efeitos variados
dos diferentes anestésicos sobre o EEG; e falta de dados mostrando seu
impacto sobre a evolução dos pacientes.
O EEG pode ser descrito segundo sua frequência e amplitude. A
transformação de Fourier pode ser usada para decompor o EEG em compo-
nentes específicos de frequência do sinal (Quadro II).

Quadro II: Bandas de frequência do EEG

Banda do EEG Frequência (Hz)

Anestesia Inalatória: Monitoragem Per-Operatória da Consciência


Gama > 30
Beta 13 – 30
Alfa 8 - 13
Teta 4-8
Delta <4

A informação do espectro de frequências pode ainda ser reduzida para


parâmetros numéricos mais simples, como a frequência média (FM) e a fre-
quência de banda espectral (SEF)14. Apesar desses parâmetros derivados do
espectro do EEG poderem indicar os efeitos anestésicos, há limitações para
seu uso. Esses parâmetros foram muito investigados, mas se mostraram in-
sensíveis e inespecíficos. Além disso, não mostraram relação uniforme com
os efeitos das drogas ou sua resposta clínica15;16. Além de um efeito bifásico
sobre o EEG, outras fontes potenciais de inacurácia desses parâmetros do
EEG incluem variabilidade intra e interpacientes, alterações do EEG relacio-
nadas com a idade, interferência de artefatos e efeitos específicos de certos
agentes (desinibição, excitação com cetamina ou etomidato).
A FM e a SEF refletem a frequência e a amplitude do espectro do
EEG, mas a relação entre as frequências é perdida. Esta relação é descrita
pelo bispectro ou bicoerência. Parâmetros do bispectro mostraram detectar
anestesia inadequada.

Análise da Ordem/Desordem do EEG

Parâmetros que quantificam a ordem ou desordem do EEG foram su-


geridos como medidas dos efeitos anestésicos, tais como a entropia apro-
ximada (ApEn)17, entropia espectral (SpEn)18 , e a complexidade Lempel-Ziv

83
(LZC)18. São medidas não lineares que podem quantificar características do
EEG não acessadas pela análise espectral.
A ApEn e a entropia de permutação (PeEn), baseada em dinâmica simbó-
lica, foram propostas para a medida da complexidade do EEG19. A ApEn parece
ser uma medida apropriada da profundidade da anestesia e seus valores se
correlacionam com a concentração anestésica20. Por outro lado, a PeEn mostrou-
se superior à ApEn na avaliação da relação dose-resposta sobre o EEG durante
anestesia com sevoflurano21. As diferenças entre as duas modalidades de moni-
torização residem principalmente na maior resistência da PeEn a artefatos. Além
disso, a computação mais rápida da PeEn garante esta modalidade como opção
superior na monitorização em tempo real da ação anestésica.
A SpEn é um novo parâmetro derivado do EEG que pode ser usado na
geração de modelos farmacocinético-farmacodinâmicos dos efeitos dos anes-
tésicos inalatórios. Modelo do efeito hipnótico do sevoflurano foi construído
com base na relação entre a concentração do anestésico e a SpEn do EEG22.

Análise do Potencial Evocado Auditivo


E-Book de Anestesia Inalatória

A audição é o último sentido a desaparecer durante a anestesia e,


portanto, o processamento auditivo pode estar presente durante o curso
da anestesia. Na análise do potencial evocado auditivo, os componentes
precoces refletem a resposta do tronco cerebral ao estímulo auditivo e são
relativamente resistentes aos anestésicos gerais. Os componentes tardios
refletem o processamento consciente e associações do sinal auditivo. São
instáveis e tendem a desaparecer durante a sedação e anestesia. A avalia-
ção do bloqueio da consciência intra-operatória pode ser feita pela análise
do componente de média latência do PEA (PEAML), que foi apontado como
capaz de refletir o nível de processamento auditivo durante anestesia geral
e, assim, a amnésia e inconsciência. O aumento da dose anestésica dimi-
nui as amplitudes e aumenta as latências do PEA23. A memória implícita
esteve relacionada à contínua presença do PEAML. Além disso, o PEAML
foi abolido em pacientes que não apresentaram lembrança intra-operatória.
Infelizmente, a presença de muitas fontes de artefato durante a cirur-
gia torna difícil a identificação dos componentes do PEA24. Por isso, diver-
sos métodos de análise automática foram sugeridos.

Índices do Componente Hipnótico da Anestesia

Os monitores atuais de “profundidade da anestesia” avaliam, na ver-


dade e em sua maioria, o nível de hipnose, que é apenas um dos compo-
nentes da anestesia.

84
Os índices baseados no EEG e PEA são, atualmente, a medida ideal
dos efeitos farmacodinâmicos da anestesia geral. Todavia, há ainda limi-
tações. Esses índices não são medidas fisiológicas, mas resultados de
modelos matemáticos. São desenvolvidos a partir de bases de dados de
pacientes submetidos a anestesia geral com diferentes agentes anesté-
sicos. O BIS, por exemplo, foi obtido a partir de um algoritmo derivado da
análise de grande número de EEG de voluntários e pacientes submetidos
a sedações e anestesia geral com diferentes agentes anestésicos. Além
disso, o cálculo do índice requer tempo e este tempo pode ser variável e
não mais refletir o estado clínico do momento. A demora da atualização do
índice varia entre os diferentes monitores e também com o mesmo monitor.
A depender da direção e da intensidade da variação da profundidade da
anestesia, o intervalo de tempo pode ser muito variável e demorar até 2

Anestesia Inalatória: Monitoragem Per-Operatória da Consciência


minutos25.
O estado de consciência pode ser inferido pela análise do índice bis-
pectral (BIS). Apesar da consciência não ser medida diretamente está claro,
através de extensa validação clínica, que a medida do BIS é preditiva da
probabilidade de resposta de despertar durante a anestesia e cirurgia. Por
outro lado, nem as respostas auditivas evocadas, nem o BIS forneceram
evidência clara das concentrações anestésicas com as quais a consciência
é interrompida.

O Índice Bispectral

O índice bispectral, conhecido pela marca registrada BIS, é parâmetro


multifatorial derivado do EEG. Especificamente desenvolvido para avaliar a
resposta do paciente aos anestésicos e sedativos, permite a monitorização
do componente hipnótico da anestesia26. É um número não dimensionável
que varia entre zero e 100. Em pacientes não-anestesiados, o BIS está en-
tre 90 e 100. Por outro lado, a supressão total da atividade elétrica cortical
resultará em um valor de BIS de zero. Valores de BIS entre 40 e 60 se asso-
ciam a baixa probabilidade de despertar e de consciência intra-operatória27.
O BIS apresenta a melhor combinação de sensibilidade e especifici-
dade entre os monitores da profundidade anestésica atualmente disponí-
veis no mercado.
A introdução do BIS na prática clínica representou para os anestesio-
logistas um método confiável de avaliação da função cerebral e que permitiu
a titulação dos hipnóticos sobre a atividade cortical. A monitorização do BIS
permite a otimização e a individualização da administração e, com isso, reduzir
o consumo dos agentes anestésicos, manter um nível adequado de hipnose
e evitar níveis demasiadamente profundos de anestesia, o despertar e a for-

85
mação de memória implícita e explícita, durante a anestesia geral 26,27. De
fato, o Food and Drug Administration (FDA), órgão governamental americano,
recomendou o uso do BIS para monitorização da profundidade da anestesia
com o objetivo de reduzir a ocorrência de despertar e memória intra-operatória.
Estudos recentes sugerem que o uso do BIS acelera a recuperação após anes-
tesia geral com anestésicos inalatórios devido a sua capacidade de minimizar
a administração de sobredoses anestésicas durante a manutenção da anes-
tesia, o que, em última análise, poderá reduzir os custos do procedimento
anestésico-cirúrgico27,28.
O paciente pode apresentar consciência intra-operatória sem exibir
sinais clínicos de anestesia superficial. Em vários desses relatos, o valor
do BIS se elevou antes que ocorressem variações na frequência cardíaca e
pressão arterial29. Com o BIS, a perda da consciência se correlacionou com
valores entre 68 e 75. Valores entre 45 e 60 foram recomendados durante
a manutenção da anestesia geral (Figura 4). Valores abaixo de 60 foram as-
sociados a baixas probabilidades de lembrança e menor risco do paciente
apresentar movimentos durante a cirurgia sob anestesia geral15,30.
E-Book de Anestesia Inalatória

Figura 4: Relação entre os valores do BIS, a profundidade da hipnose e os efeitos


anestésicos correspondentes sobre o EEG.

A lembrança intra-operatória apresenta uma incidência de 1 a 2 ca-


sos por 100031. Diversos relatos demonstram o benefício e a eficácia da
monitorização do BIS a fim de detectar e prevenir a ocorrência de despertar
e memória intra-operatória29,30. De fato, o uso do BIS promoveu redução de
até 82% na ocorrência de despertar intra-operatório30,32. Mesmo com o estu-

86
do de populações bastante diferentes entre si, ensaios clínicos concluíram
a favor da importância do BIS na prevenção do despertar intra-operatório. A
incidência de lembrança intra-operatória foi de 0,04% com a monitorização
do BIS, enquanto a incidência no grupo controle foi de 0,18% 32.
Apesar do algoritmo do BIS ter sofrido diversas alterações desde
sua primeira versão, com o intuito de melhorar seu desempenho e diminuir
a interferência de artefatos, existem ainda situações que determinam va-
riações espúrias dos valores do BIS e que devem ser reconhecidas pelos
anestesiologistas, evitando assim, durante a anestesia geral, sobredose
anestésica ou subdose, que poderá causar o despertar intra-operatório,
aparecimento de memória e suas consequências33.
O óxido nitroso (N2O) exerce ação cortical fraca e que não é detec-
tada pelo algoritmo do BIS34. A inalação de N2O a 50% não altera o BIS,

Anestesia Inalatória: Monitoragem Per-Operatória da Consciência


nem causa inconsciência35. Na concentração de 70%, perde-se a resposta
ao comando verbal, mas o BIS permanece inalterado35. Redução paradoxal
no BIS foi relatada 6 minutos após a descontinuação do N2O, desde valor
médio de 95 – 81 para 30 – 5035. O EEG registrado simultaneamente aos
valores de BIS mostrou um aumento das atividades de ondas d e q de baixa
frequência, muito semelhantes ao padrão que ocorre durante a anestesia
profunda. Esse achado pode ser atribuído a fenômeno de retirada e supres-
são peculiar à interrupção súbita do N2O.
Os diferentes anestésicos inalatórios determinam alterações pecu-
liares sobre o EEG. Com isso, os valores de BIS não são os mesmos com
concentrações equipotentes de diferentes anestésicos. O valor do BIS foi
significativamente maior com o halotano do que com doses equipotentes
de sevoflurano ou isoflurano36,37. Tal fato indica que o algoritmo do BIS, que
não foi descrito para o halotano, não reflete o efeito hipnótico desse anes-
tésico. Por isso, quando o BIS é monitorizado durante anestesia com ha-
lotano, é preciso cuidado para evitar sobredose inadvertida do anestésico.
Outro caso atípico relatado apresentou elevação paradoxal dos valo-
res do BIS após aumento da fração inspirada de isoflurano - de 0,9% até
1,26% 38. Essa reação paroxística de despertar foi, na verdade, devida a
aumento nas ondas a e b no EEG. Os valores do BIS retornaram aos valores
basais após a redução da concentração de isoflurano.

Anestesia Inalatória em Alça Fechada

A monitorização durante anestesia tem o objetivo de reduzir a ocor-


rência de eventos adversos graves. Todavia, em muitos casos, não há evi-
dência científica de que a monitorização de determinado parâmetro fisio-
lógico de fato diminua o risco de acidentes e incidentes. Na verdade, o

87
propósito primário da monitorização é regular e controlar o ato anestési-
co, ao detectar erros e informar precocemente o risco de deterioração da
condição clínica do paciente. Neste contexto, paciente, anestesiologista
e monitor formam uma alça fechada complexa. A monitorização é, então,
usada como parte deste sistema de retroalimentação para manter estado
fisiológico seguro para o paciente.
Enquanto a monitorização das diferentes funções fisiológicas é parte
fundamental do cuidado anestésico, a administração precisa de fármacos
para o controle dos componentes da anestesia geral é que conduz ao su-
cesso da anestesia. Tentativas foram feitas com o intuito de automatizar a
administração das drogas anestésicas e sistemas em alça fechada foram
desenvolvidos para a administração de anestésicos inalatórios. Esses sis-
temas são a base da automação em anestesia e se mostraram iguais ou
melhores que a administração manual das drogas, ao controlarem o efeito
anestésico por uma alça de retroalimentação39.
Sistemas automáticos de controle em alça fechada funcionam de for-
ma semelhante aos anestesiologistas. Um sistema processa a informação
que chega do paciente e a compara ao valor definido pelo anestesiologista
E-Book de Anestesia Inalatória

como desejado, de forma que a variável é alcançada e mantida após ajus-


tes realizados manualmente pelo profissional ou automaticamente por meio
de controle computadorizado, idealmente com mínimo atraso e variação em
torno do alvo. No controle em alça fechada, um algoritmo integra modelos
farmacocinéticos e farmacodinâmicos do agente anestésico para prever e
ajustar continuamente a concentração alvo do anestésico e seu efeito. Com
isso, o efeito alvo pode ser mantido com maior estabilidade e previsibilidade.
A Figura 5 apresenta os componentes do sistema de controle: 1) o paciente
como parte a ser controlada; 2) a resposta, representação do processo a ser
controlado; 3) modelo de relação de entrada-saída, mais comumente um mo-
delo matemático que relaciona a dosagem do agente anestésico e seu efeito;
4) adaptador; e 5) controlador. Revisões sobre o funcionamento técnico dos
mecanismos de controle em alça fechada estão disponíveis40.
Como o BIS mostrou ser monitor que permite avaliação precisa da
profundidade da hipnose durante anestesia geral, sua incorporação em sis-
temas de controle em alça fechada pode ser útil para evitar períodos com
controle inadequado das respostas hemodinâmicas e de estresse, além do
risco subsequente de lembrança intra-operatória durante a anestesia. Tam-
bém poderá evitar períodos de hipnose excessiva que podem se associar a
hipotensão arterial e despertar prolongado. Dessa forma, a monitorização
do BIS no sistema de controle em alça fechada tem o potencial de melhorar
a qualidade da anestesia e liberar o anestesiologista para outras tarefas
durante a anestesia.

88
Figura 5: Diagrama de um sistema em alça fechada e seus componentes. Falta
referência.

Anestesia Inalatória: Monitoragem Per-Operatória da Consciência


Existem diversos estudos sobre o controle automático da sedação e
hipnose com base na monitorização do BIS como variável controlada na in-
fusão contínua de propofol. Por outro lado, anestésicos inalatórios têm sido
usados menos frequentemente sob condições de controle automático. Lo-
cher e colaboradores 41 descreveram sistema controlador que utiliza as infor-
mações provenientes tanto do BIS quanto da fração expirada do anestésico
inalatório para o controle da oferta do anestésico ao paciente. O controlador
apresenta alça de controle interna e externa. Enquanto a alça de controle
externo ajusta a fração expirada do anestésico para obter o BIS desejado, a
alça de controle interna ajusta o vaporizador para obter a concentração expira-
da necessária. Quando comparado ao controle manual executado pelo anes-
tesiologista, este sistema de controle automático apresentou desempenho
superior. O funcionamento do controlador automático foi estável e seguro.
Os parâmetros hemodinâmicos demonstraram comportamento semelhante
independentemente do controle automático computadorizado. A manutenção
dos valores de BIS mostrou variabilidade cerca de duas vezes menor, tanto
na incisão da pele quanto durante a manutenção da anestesia. A duração
dos períodos em que o BIS esteve acima de 60 foi cinco vezes menor com o
controle automático. De forma semelhante, a duração das fases de controle
inadequado do BIS (> 60 ou < 40) foi de 0,5% de todo o tempo de anestesia,
enquanto no grupo de pacientes com controle manual foi de 10%, mostrando
maior risco de anestesia inadequada. Apesar da maior variabilidade no grupo
de controle manual, o modo de controle não alterou os tempos para recu-
peração da anestesia (abertura ocular, extubação e orientação). O controle
demonstrou ação consistente e segura mesmo quando o sinal do BIS estava
temporariamente inválido, graças ao mecanismo de controle que utiliza tanto
o BIS quanto a concentração expirada do anestésico inalatório.

89
Em outro ensaio clínico, os autores compararam a administração de
isoflurano e óxido nitroso controlada manualmente ou em alça fechada com
o alvo avaliado pelo BIS42. Ambas as técnicas resultaram em condições
intra-operatórias semelhantes, mesmas características de despertar, esta-
bilidade hemodinâmica e valores do BIS, bem como variação e desvio dos
valores alvo, similares. Por outro lado, os episódios de anestesia superficial
foram mais comuns com a técnica de controle manual.
O sucesso do controle automático depende, em última análise, da
qualidade da informação que chega do paciente até o controlador. Fica claro
que para o funcionamento perfeito desses sistemas de retroalimentação é
necessário que o efeito desejado seja avaliado e medido adequada e preci-
samente. No caso da anestesia inalatória, a monitorização da profundidade
da anestesia e a titulação de drogas hipnóticas são auxiliadas pela adoção
de registros derivados do EEG processado (BIS) ou potenciais evocados. O
índice bispectral mostrou-se efetivo em muitas circunstâncias e é o monitor
mais comumente usado como fonte de informação nos sistemas em alça
fechada27,43.
Apesar dos sistemas em alça fechada terem se demonstrado supe-
E-Book de Anestesia Inalatória

riores ao controle manual, tais dispositivos ainda não têm sua aplicação
amplamente difundida. A razão é que tal tecnologia não está totalmente
desenvolvida para o uso clínico cotidiano. Além disso, pesquisa adicional
ainda é necessária para garantir segurança no controle da administração
anestésica, especialmente com o desenvolvimento nas áreas de tecnologia
dos sensores e na detecção e eliminação de artefatos.

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92
Capítulo 7

Anestesia Inalatória na Criança


Mário José da Conceição

A anestesia inalatória continua sendo utilizada para a maioria


dos procedimentos cirúrgicos para os quais esteja indicada anes-
tesia geral. No passado, obtinha-se com único anestésico inalató-
rio, como por exemplo o halotano, todos os aspectos da anestesia
geral: inconsciência, analgesia, bloqueio neuromuscular e bloqueio
dos reflexos autonômicos. Os novos anestésicos inalatórios introdu-
zidos no arsenal terapêutico, apesar de algumas vantagens, perde-
ram potência anestésica, obrigando o emprego de técnica polimodal
para que se possa conseguir o mesmo conjunto de efeitos.
O halotano, derivado halogenado, hoje gradualmente abandonado
por seus efeitos adversos graves, entre eles a depressão cardiovascular
potente e a hepatotoxicidade, foi introduzido na prática clínica por volta de
1956. Dessa época em diante, vários éteres halogenados, com estrutu-
ras químicas semelhantes, foram sintetizados e passaram a ser propostos
como anestésicos inalatórios em substituição ao halotano. Assim, o isoflu-
rano apareceu em 1981, apesar de sintetizado bem antes disso, bem como
sevoflurano e desflurano incorporados a partir dos anos 1990.
A experiência clínica e os analisadores das frações inspirada e ex-
pirada de anestésicos inalatórios permitem o uso seguro dessa classe
de fármacos para produzir anestesia geral inalatória em crianças. Além
da vigilância adequada, o conhecimento da farmacodinâmica e farmacoci-
nética desses fármacos, no paciente pediátrico, é fundamental para bom
êxito no seu emprego.

Figura 1: Estrutura química dos anestésicos inalatórios.

93
Os anestésicos introduzidos a partir dos anos 1990 e atualmente
em uso clínico, substituíram o halotano por algumas de suas vantagens.
Até o momento, a ausência de nefrotoxicidade ou hepatotoxicidade desses
agentes são fatores determinantes para sua ampla aceitação. Outro fator
é seu baixo coeficiente de partição sangue/gás, o que proporciona indução
e recuperação anestésicas rápidas, quando comparados a agentes como
o halotano. Ainda que seja desconhecida a solubilidade sangue/tecido em
pacientes pediátricos, o conhecimento dos efeitos da idade na solubilidade
dos anestésicos inalatórios em tecidos humanos permite afirmar que nos
tecidos de crianças deve guardar boa similaridade com o que ocorre nos
tecidos adultos1. No caso dos pacientes pediátricos esse é fato particular-
mente importante, haja vista o largo emprego da indução anestésica inala-
tória. O sevoflurano nos dias atuais é o agente ideal para a indução inalató-
ria em crianças, por ser destituído de odor desagradável e garantir indução
inalatória bastante breve. O sevoflurano foi o primeiro éter anestésico a
rivalizar com o halotano como anestésico inalatório de escolha para uso em
crianças. Porém, o sevoflurano é metabolizado in vivo e degradado in vitro
na presença de absorvedores de gás carbônico (CO2) em determinadas con-
E-Book de Anestesia Inalatória

dições. A indução inalatória em crianças com isoflurano, está contraindica-


da, já que esse agente possui odor descrito como “pungente” e irritante da
via aérea. A indução inalatória com o isoflurano pode ser tumultuada e su-
jeita a complicações graves, como laringoespasmos. O mesmo se observa
com o desflurano no caso de induções anestésicas inalatórias em crianças.
Técnica comum é a indução inalatória com sevoflurano, substituindo-o pos-
teriormente pelo desflurano ou isoflurano para a manutenção da anestesia.
Estes agentes inalatórios são de uso comum em pacientes pediátricos. Na
tabela I são apresentadas suas principais propriedades físico-químicas.

Tabela I
Propriedades físico-químicas dos agentes inalatórios

PROPRIEDADE SEVOFLURANO DESFLURANO ISOFLURANO


Coeficiente sangue/gás 0,65 0,42 1,46
% de metabolização 2-5% 0,02% 0,2%
Estabilidade em cal sodada não sim sim
Conservantes não não não
Ponto de ebulição 590C 240C 490C
Pressão vapor 20ºC 157mmHg 669 mmHg 238 mmHg
Peso molecular 200 168 184
Coeficiente gordura/sangue 47,5 27,2 44,9

94
Diferenças fisiológicas entre crianças e adultos na captação dos
anestésicos inalatórios
A captação dos anestésicos inalatórios está vinculada aos seguintes
fatores2:
1. Concentração inspirada
2. Ventilação alveolar (VA)
3. Capacidade residual funcional (CRF)
4. Débito cardíaco (DC)
5. Coeficiente de solubilidade
6. Diferença entre a pressão parcial alveolar e a pressão parcial ve-
nosa

Diferenças na composição corporal, distribuição do débito cardíaco

Anestesia Inalatória: Monitoragem Per-Operatória da Consciência


e nos volumes interferem na captação dos anestésicos inalatórios. Estes
fatores são diferentes nas crianças se comparados aos adultos, particular-
mente em crianças abaixo de um ano de idade3.

Essa diferença pode ser atribuível aos seguintes fatores:


1. Maior ventilação alveolar;
2. Maior débito cardíaco para órgãos ricamente perfundidos;
3. Baixa solubilidade tecidual;
4. Baixa solubilidade sangue/gás.

A idade é fator importante na velocidade do aumento da concentra-


ção alveolar. Está demonstrado que essa velocidade é maior em crianças
e com variações entre as faixas etárias4. Inexistem estudos que permitam
afirmar que a concentração alveolar do sevoflurano, ou desflurano, é atin-
gida com maior rapidez em pacientes pediátricos. Porém, como a variação
na concentração alveolar afeta mais os anestésicos muito solúveis do que
os poucos solúveis, pode se deduzir que a concentração alveolar do sevo-
flurano aumenta de forma tão rápida quanto em adultos. Na prática clínica
isso pode significar mais segurança para a indução anestésica inalatória.
Também do ponto de vista clínico, tanto sevoflurano, quanto desflurano no
final da anestesia, com diminuição da concentração inspirada, exibirão rá-
pido declínio da concentração alveolar e período de emergência menor do
que aqueles observados para o halotano e isoflurano. Desequilíbrios entre
ventilação e perfusão e obstrução da via aérea podem retardar a indução
inalatória. Pacientes portadores de doenças cardiovasculares congênitas,
com desvio direita-esquerda, podem apresentar tempos maiores para o
equilíbrio entre a pressão parcial inspirada e a pressão parcial alveolar. O
problema se exacerbará com o uso de anestésicos pouco solúveis5.

95
A pressão parcial do gás no órgão efetor é a responsável pela ação clí-
nica. No caso dos anestésicos inalatórios, a tensão parcial do gás no cérebro.
Por consequência, a concentração alveolar mínima (CAM) não será a respon-
sável pelo efeito clínico. A CAM, por exemplo, varia com a pressão atmosférica
e podem ser encontrados diversos valores de CAM para um mesmo grupo de
pacientes de acordo com o lugar no planeta onde estejam sendo anestesiados.
Além do mais, não será a concentração mínima, mas a pressão parcial do
agente inalatório que manterá imobilidade frente a estímulo cirúrgico, 50% de
uma determinada população experimental. Isso equivale à dose efetiva (DE50)
para 50% desses indivíduos. Como usamos vaporizadores para a administra-
ção de agentes inalatórios e na atualidade analisadores da concentração ins-
pirada e expirada dos gases, usa-se o conceito de “concentração” de forma
generalizada. Em virtude disso é desconhecido o tempo aproximado para que
o agente inalatório alcance o equilíbrio das pressões parciais, desde o alvé-
olo até o órgão efetor (cérebro). Por isso, se recomenda esperar de 20 a 30
minutos para se determinar a CAM. Porém ainda se continua utilizando como
indicadores do efeito cerebral (potência anestésica) os termos dose efetiva em
50% (1 CAM = DE50) e dose efetiva em 95% (1,3 CAM = DE95).
E-Book de Anestesia Inalatória

A concentração alveolar mínima (CAM) varia com a faixa etária da


criança. Em recém-nascidos ela é mais baixa do que em lactentes e esses
tem CAM aproximadamente 30% mais elevadas do que os adultos. A partir
de um ano de idade observa-se diminuição gradual de 6% nos valores da
CAM para cada década da vida. Na tabela II são mostrados os valores apro-
ximados da CAM para as várias faixas etárias.

Tabela II
Valores de CAM e a idade 6
Agente < 30 1a3 3a6 6 meses a 1a3 3a6
(O2 100%) dias meses meses 1 ano anos anos
Isoflurano 1,5 1,6 1,78 1,6 1,6 1,6
Sevoflurano 3,3 3,2 3,2 2,5 2,5 2,5
Desflurano 9,16 9,42 9,92 8,73 8,62 7,98

A CAM para indução com o sevoflurano varia entre 2,5 a 4,5% como
mostraram vários estudos7,8,9. Concentrações elevadas de sevoflurano, sobre-
tudo acima de 4%, podem acompanhar-se de distúrbios eletroencefalográficos
sugestivos de atividade epileptiforme10. Esses traçados eletroencefalográficos
costumam se normalizar quando a concentração fica em torno dos 2,5%11. Em
pacientes adultos, o uso de fármacos adjuvantes como opioides, ajudam a re-
duzir a CAM. A utilização de óxido nitroso pode reduzir a CAM entre 25 a 60%.
A prática pode permitir a utilização de menores concentrações de sevoflurano9.

96
Classicamente a indução inalatória com sevoflurano, em crianças, é obtida
com os vaporizadores ajustados para fornecerem concentrações entre 6 e 8%,
que são mantidas por cerca de dois minutos e em seguida reduzidas de forma
a manter concentrações de manutenção em torno de 3,5%. Variações individu-
ais, ou de equipamentos utilizados, podem exigir ajustes nas concentrações
administradas para o efeito desejado.
Equipamentos que permitem a administração da chamada concen-
tração inalatória alvo de sevoflurano, seja para indução ou manutenção da
anestesia, similar à concentração alvo da anestesia venosa total, estão hoje
à disposição para o uso clínico12. A vantagem da administração de concen-
tração inalatória alvo é o emprego de concentrações razoavelmente precisas
do agente inalatório13. Essa abordagem reduz o risco de superdosagem e
consumo. Esse tipo de administração é possível em pacientes pediátricos.

Anestesia Inalatória: Monitoragem Per-Operatória da Consciência


Porém, a agitação durante a indução inalatória, ou a falta de boa adaptação
da máscara na face da criança, prejudicam o plano da concentração alvo e
elevam o consumo de sevoflurano durante a indução anestésica14.
Sevoflurano é metabolizado pelo citocromo P-450 2 E1. Os produtos
dessa metabolização são o hexafluorisopropanol e fluoretos inorgânicos.
Os fluoretos inorgânicos, a exemplo dos pacientes adultos, foram medidos
na urina de pacientes pediátricos, tanto lactentes quanto pré-escolares.
O pico de concentração sanguínea dos fluoretos ocorreu 1 hora após a
interrupção do sevoflurano. Entre seis faixas etárias estudadas, o pico de
concentração sanguínea de fluoretos inorgânicos, após administração de
sevoflurano, foi menor entre lactentes e maior nos pré-escolares. Entre-
tanto, em todos os casos estudados esses níveis sanguíneos foram muito
inferiores aos níveis considerados nefrotóxicos15,16.
A reação do sevoflurano com absorvedores de CO2 produz composto
A. Ainda que nos pacientes adultos as evidências sugiram que o composto
A produzido nessas circunstâncias pareça ser inócuo, não existem estudos
definitivos em crianças. Porém, parece bastante razoável deduzir-se que
nos pacientes pediátricos, até o momento, tudo aponta para os resultados
conhecidos para os adultos.
Sevoflurano, como todos os outros éteres anestésicos e compostos
halogenados, está intimamente relacionado com o desencadear de hiper-
termia maligna em pacientes suscetíveis a doença. Existem relatos de ca-
sos em crianças com o uso de sevoflurano17,18.

Efeitos Cardiovasculares e Respiratórios

A contratilidade miocárdica, o tônus vasomotor e o sistema nervoso


autônomo são áreas onde os anestésicos inalatórios exercem ação e de-

97
sencadeiam a maioria dos efeitos adversos sobre o sistema cardiocircula-
tório. A maior parte da hipotensão arterial causada pelo halotano se dá pela
diminuição da contratilidade miocárdica. Já com sevoflurano, isoflurano e
desflurano, pela diminuição da resistência vascular. Isoflurano e desflurano,
em concentrações baixas, aumentam a frequência cardíaca. O sevoflurano,
ao contrário, provocará elevação na frequência cardíaca em concentrações
de 1,5 CAM. Em recém-nascidos, administração de isoflurano não se acom-
panha de aumento da frequência cardíaca, possivelmente pela diminuição
no reflexo do seio carotídeo19,20.
O prolongamento do intervalo Q-T do eletrocardiograma pode resultar
em arritmias graves, como taquicardias ventriculares e fibrilação ventricu-
lar. Existem muitas causas para o aumento do intervalo Q-T, e entre elas
encontram-se agentes anestésicos inalatórios19. Os agentes inalatórios po-
dem prolongar o intervalo Q-T por atuação direta, independente de atividade
autonômica. O sevoflurano parece não interferir com o intervalo Q-T em
pacientes pediátricos com intervalos Q-T normais, enquanto o mesmo não
poderá ser afirmado com relação ao desflurano19. O sevoflurano, a 1 CAM
em oxigênio a 100%, tende a apresentar bom perfil hemodinâmico tanto na
E-Book de Anestesia Inalatória

indução, quanto na manutenção da anestesia em crianças21. Todavia, al-


guns estudos relataram bradicardia significativa e condução cardíaca anor-
mal observadas durante indução inalatória em crianças, sugerindo efeito
depressor sobre o sistema de condução miocárdico20.
Todos os anestésicos inalatórios desse grupo diminuem o volume
corrente, cuja intensidade está diretamente ligada à dose empregada. O
fato reduz a ventilação alveolar e aumenta a PaCO2. Como compensação,
observa-se elevação da frequência respiratória, exceto com o isoflurano.

Efeito sobre o Sistema Nervoso Central (SNC)

Os anestésico inalatórios provocam efeitos sobre o metabolismo


cerebral, fluxo sanguíneo e atividade elétrica neuronal. Proporcional à di-
minuição da atividade cerebral, observa-se a diminuição do consumo ce-
rebral de oxigênio. O halotano pode aumentar o fluxo sanguíneo cerebral,
elevando a pressão intracraniana. Em crianças com processos expansivos
intracerebrais esse fato contraindica o emprego do halotano. O isoflurano
parece não provocar esse tipo de alteração, bem como não interfere com a
produção ou absorção do líquido cefalorraquidiano. Isso torna o isoflurano
o anestésico inalatório com melhor perfil de proteção cerebral, desde que
o paciente esteja normovolêmico. Sevoflurano e desflurano não diferem
de forma substancial do isoflurano quanto a esses aspectos. Entretanto,
por razões de segurança, recomenda-se não ultrapassar a dose de 1 CAM,

98
para qualquer um dos três anestésicos, quando utilizados em pacientes
neurocirúrgicos15.
O isoflurano, mesmo em níveis profundos de anestesia, não apre-
senta alterações eletroencefalográficas compatíveis com atividade convul-
siva. O mesmo não se aplica ao uso do sevoflurano, como já comentado.
Em virtude daqueles relatos de traçados eletroencefalográficos sugestivos
de atividade epileptiforme e casos isolados de crises convulsivas quando
do emprego de 1,5 a 2 CAM de sevoflurano, recomenda-se o uso cauteloso
em crianças com história clínica de epilepsia.

Agitação no despertar

O problema da agitação no despertar da anestesia inalatória observa-

Anestesia Inalatória: Monitoragem Per-Operatória da Consciência


do em crianças é comum. O predomínio dessa complicação é observado na
faixa etária entre 1 e 6 anos. A agitação é mais frequente após o sevoflura-
no, porém a complicação é descrita também com isoflurano e desflurano.
A agitação é típica e caracteriza-se por desorientação, hipersensibilidade
a estímulos e hiperatividade motora. Na maioria das vezes é de curta du-
ração, mas pode exigir intervenção terapêutica, prolongando o período e a
morbidade da recuperação pós-anestésica22. A complicação está relaciona-
da a fatores como o temperamento da criança, o nível de ansiedade no pe-
ríodo pré-operatório e a técnica anestésica empregada. Algumas etiologias
foram sugeridas além do tipo de agente inalatório empregado. Entre elas a
presença de dor, o tipo do procedimento cirúrgico, o despertar rápido pro-
porcionado pelos agentes com baixo coeficiente de partição sangue/gás23.
Entretanto a controvérsia persiste com relação a esses fatores. A dor, por
exemplo, foi descartada como causa em pacientes submetidos a bloqueios
anestésicos bem instalados, e que mesmo assim, exibiram agitação na
emergência do sevoflurano24. Estudo comparando anestesia inalatória com
sevoflurano e anestesia venosa com propofol encontrou níveis de agitação
ao despertar semelhantes25.
Para identificar aquelas crianças com maior risco de apresentar agi-
tação ao despertar da anestesia inalatória26, alguns autores propuseram
escalas de pontuação para prever o nível de ansiedade pré-operatório. Es-
tas resultaram em estudos, ainda que com resultados positivos, pouco con-
clusivos quanto a sua real utilidade27,28. Talvez essas escalas possam ter
alguma utilidade na prática clínica, servindo para uma atitude terapêutica
preventiva. Porém, elas são muito pouco utilizadas.
Muitas soluções com intervenção farmacológica tem sido propostas.
As mais comuns, porém de eficácia discutível, são associações perioperató-
rias de propofol, opioides ou cetamina24. Essas associações diminuem, mas

99
não evitam totalmente o problema. Benzodiazepínicos não são a melhor op-
ção para o tratamento desse tipo de complicação29. A dexmedetomidina em
estudos clínicos prospectivos foi eficaz, de forma significativa, na redução da
agitação após o sevoflurano e isoflurano, sendo o fármaco que apresentou os
melhores resultados30,31. A possível explicação para o efeito positivo da dex-
medetomidina reside no fato de que o sevoflurano e isoflurano, em modelos
experimentais, estimulam os sistemas liberadores de noradrenalina no siste-
ma nervoso central 32. Esse efeito ocorre pela ativação de correntes excita-
tórias de neurônios do locus coeruleos33. Ainda que não se possa extrapolar
resultados experimentais para a prática clínica, é bastante razoável, baseado
na eficácia de agonista a2 no tratamento dessa complicação, se inferir que o
fenômeno também esteja ocorrendo com a exposição do locus coeruleos hu-
mano ao sevoflurano e de alguma forma tenha papel na agitação observada.
A utilização da acupuntura foi também descrita como possível inter-
venção terapêutica no tratamento da agitação do despertar em crianças34.
Esse estudo, entretanto, utilizou amostra pequena e em procedimentos
cirúrgicos de pequeno porte (miringotomias) e duração breve.
E-Book de Anestesia Inalatória

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101
Capítulo 8

Agentes Inalatórios e
Proteção de Órgãos
Maria Angela Tardelli

Introdução

Um assunto que tem se destacado na Anestesiologia é a utilização


de agentes anestésicos capazes de promover proteção aos órgãos.
A proteção de órgãos, durante a anestesia, visa a redução da lesão
celular decorrente da lesão de isquemia-reperfusão. A reperfusão represen-
ta o final do processo isquêmico e é essencial para a restauração das
funções normais da sobrevivência celular. Entretanto, pode paradoxalmente
amplificar a lesão secundária ao processo isquêmico. Clinicamente, não é
possível distinguir um processo do outro e sendo a isquemia frequentemen-
te acompanhada de reperfusão, a lesão celular é chamada indistintamente
de lesão de isquemia-reperfusão1.
O efeito cardioprotetor dos anestésicos voláteis, em resposta à is-
quemia, é o que mais tem sido objeto de estudos. Este efeito foi observado
laboratorialmente com animais em modelos de lesão por isquemia-reperfu-
são e clinicamente em humanos com doença coronariana. Esta proteção
farmacológica, com mecanismo semelhante ao do pré-condicionamento
isquêmico, é descrita como pré-condicionamento anestésico e tem sido
relatada em outros órgãos incluindo cérebro2-4, rim5-7 e fígado5,8.
Nos últimos anos, foi demonstrado que os anestésicos voláteis tam-
bém exercem efeitos protetores contra a lesão isquêmica quando adminis-
trados por breves períodos durante a reperfusão; a esse efeito denomina-se
pós-condicionamento anestésico9.

Lesão de Isquemia-reperfusão

Conceito - A lesão que ocorre durante a isquemia é denominada lesão


isquêmica e sua extensão depende da duração e intensidade da isquemia.
Durante a instalação da isquemia parte das células sofre lesão irreversível e
parte sofre alterações bioquímicas, mas sua função pode ser recuperada com
nova oferta de oxigênio. Embora a restauração do fluxo sanguíneo finalize o
episódio isquêmico e é essencial para prevenir a lesão celular irreversível, a
reperfusão, per se, pode aumentar a lesão tecidual além daquela produzida
pela isquemia isoladamente (Figura 1)10. Por exemplo, as alterações histoló-
gicas após 3 horas de isquemia intestinal, em gatos, seguida de 1 hora de

103
reperfusão são muito piores que as alterações observadas após 4 horas de
isquemia11. A lesão celular depois da reperfusão de um tecido viável, previa-
mente isquêmico, é definida como lesão de isquemia-reperfusão12.
E-Book de Anestesia Inalatória

Figura 1 - Instalação da lesão de isquemia-reperfusão.

As situações de isquemia-reperfusão como aquelas associadas à


terapêutica trombolítica, transplante de órgãos, angioplastia coronariana,
pinçamento aórtico ou circulação extracorpórea, resultam em resposta infla-
matória local e sistêmica. Quando esta resposta é grave pode evoluir para
a síndrome da resposta inflamatória sistêmica ou síndrome da disfunção
de múltiplos órgãos, que é responsável por 30 a 40% da mortalidade em
unidades de cuidados intensivos terciários. Portanto, a lesão de isquemia-
reperfusão pode estender-se para além da área isquêmica, como resultado
da devastadora consequência da reperfusão tecidual, com o desenvolvi-
mento de lesões em órgãos distantes não envolvidos no insulto isquêmico
inicial12.
Fisiopatologia - A isquemia celular prolongada resulta em várias al-
terações metabólicas e ultraestruturais (Quadro I)12. A isquemia diminui a
fosforilação oxidativa celular com consequente falha na síntese de fosfato de
alta energia incluindo ATP e fosfocreatina. Esta profunda redução no estoque

104
de energia interfere na homeostase celular alterando a função da bomba iô-
nica ATP-dependente da membrana celular, favorecendo a entrada de cálcio,
sódio e água na célula. Altas concentrações de cálcio intracelular degradam
as proteínas e fosfolipídios. O aumento da produção de radicais livres tam-
bém contribui para a degradação de proteínas e fosfolipídios13. Além disso,
durante a isquemia, o catabolismo dos nucleotídeos de adenosina resulta em
acúmulo intracelular de hipoxantina, a qual é convertida em espécies reativas
do metabolismo do oxigênio (ROS) quando o oxigênio é reintroduzido10.

Quadro I - Efeitos celulares da isquemia12.

Alteração no potencial de membrana


Alteração na distribuição iônica (­Cálcio/Sódio intracelular)
Edema celular
Desorganização estrutural
Aumento de hipoxantina

Agentes Inalatórios e Proteção de Órgãos


Diminuição de adenosina 5’-trifosfatase (ATP)
Diminuição de fosfocreatina
Diminuição de glutationa
Acidose celular
- -
As ROS incluem anions superóxidos (O2 ), radicais hidroxila (OH ), pe-
róxido de hidrogênio (H2O2), ácido hipocloroso (HOCl), e hidroperoxila (HO2).
São potentes agentes oxidantes e redutores que lesam a membrana celular
diretamente por peroxidação lipídica, atingindo todos os componentes celu-
lares de maneira indistinta, ampliando as lesões induzidas pela isquemia12.
A lesão celular resultante da isquemia e da reperfusão pode levar à
morte celular por dois mecanismos diferentes, necrose ou apoptose.
O processo de necrose não utiliza energia e caracteriza-se por ede-
ma celular e ruptura de organelas e da membrana celular seguida por uma
reação inflamatória.
A apoptose, diferente da necrose, é uma forma programada de morte
celular dependente de energia e inclui distintas fases de alterações estru-
turais como a condensação da cromatina nuclear e retração celular. Os cor-
pos apoptóticos contendo organelas celulares e fragmentos nucleares são
rapidamente fagocitados pelas células vizinhas, sem resposta inflamatória.
Na isquemia-reperfusão, os possíveis fatores que deflagram a apoptose in-
cluem a geração de ROS, sobrecarga de cálcio e óxido nítrico. Dois mecanis-
mos principais tem sido caracterizados; um é via mitocôndria que envolve a
liberação mitocondrial do citocromo c, fator indutor de apoptose e provavel-
mente outros fatores como liberação de caspase 2 e 9, para o citossol. A

105
liberação do citocromo c parece ser dependente da abertura dos poros de
transição da permeabilidade mitocondrial, a qual está associada ao acúmu-
lo de cálcio e alterações do gradiente eletroquímico na mitocôndria. Outro
mecanismo inclui a ligação de receptores na superfície do sarcolema ao
fator alfa de necrose tumoral (TNF-a). O resultado destes mecanismos é a
ativação da cascata de caspases com consequente clivagem protéica, frag-
mentação do DNA e finalmente morte celular apoptótica10,14 .
O processo de isquemia-reperfusão também ativa complementos e forma-
ção de vários mediadores pró-inflamatórios que alteram a homeostase vascular.
Entre os complementos, o mais importante é o C5a, que além de estimular a
ativação de leucócitos e a quimiotaxia, amplifica a resposta inflamatória induzin-
do a produção de citocinas, TNF-a, e interleucinas 1 e 6. O complemento C5b-9
aumenta a adesão de leucócitos e altera o tônus vascular por inibição do rela-
xamento via endotélio-dependente. Em adição, as ROS aumentam a ativação de
leucócitos e quimiotaxia por ativação da fosfolipase A2 da membrana celular10,12.
No processo de ativação dos leucócitos, quimiotaxia, adesão dos leu-
cócitos no endotélio e sua transmigração, o passo inicial é o aumento da
expressão da P-selectina endotelial que interage com um contrarreceptor leu-
E-Book de Anestesia Inalatória

cocitário (PGSL-1) (Figura 2)12. Esta interação inicial é frouxa e é seguida por
uma interação mais firme com as moléculas de adesão intercelular (ICAM-1),
mediada pelas b2 integrinas (CD11/CD18). A subsequente transmigração do
leucócito para o interstício é facilitada por uma molécula de adesão celular
endotélio-plaqueta (PECAM-1) localizada nas junções das células endoteliais.

Figura 2 - Ativação e transmigração de leucócitos.


PGSL-1: contrarreceptor leucocitário; CD11/CD18: b2 integrinas na superfície dos
leucócitos; ICAM-1: molécula de adesão intercelular-1; PECAM-1: molécula de ade-
são celular endotélio-plaqueta-1.

106
Quando os leucócitos ativados atingem o espaço intersticial, liberam
ROS, proteases (colagenases e elastases), o que resulta em aumento da
permeabilidade microvascular, edema, trombose e morte da célula do pa-
rênquima.
O acúmulo de leucócitos e plaquetas na parede do vaso representa
lesão adicional por seu efeito de obstrução microvascular (isquemia)1.
Assim, a isquemia-reperfusão de um órgão pode aumentar a dispo-
nibilidade sistêmica de mediadores inflamatórios que ativarão leucócitos,
com subsequente disfunção vascular de órgãos distantes do processo is-
quêmico inicial (figura 3)15.
O conhecimento desta fisiopatologia é importante porque um dos
mecanismos envolvidos na cardioproteção promovida pelos anestésicos vo-
láteis é o bloqueio da expressão das moléculas que promovem adesão e
transmigração dos leucócitos16.

Pré e Pós-Condicionamento

Agentes Inalatórios e Proteção de Órgãos


O pré-condicionamento é um fenômeno celular defensivo adaptati-
vo. Refere-se ao mecanismo paradoxal no qual o pré-tratamento com bre-
ves estímulos potencialmente lesivos aumenta a tolerância à lesão celular
em resposta ao mesmo estímulo subsequente. Assim, breves episódios
de isquemia subletal protegem da isquemia prolongada subsequente. No
pós-condicionamento os breves episódios de isquemia são aplicados na
fase inicial de reperfusão. Estes dois fenômenos representam um meca-
nismo protetor endógeno inerente a todos os tecidos com alto consumo
de energia.

Figura 3 - Ativação e transmigração de leucócitos.

107
Investigações sobre o mecanismo do pré-condicionamento isquêmico
levaram a observações, em animais, de que vários agentes farmacológicos
podem desencadear um efeito tipo pré-condicionamento. Assim, o pré-con-
dicionamento farmacológico seria uma forma mais segura que a isquemia
para induzir cardioproteção no ser humano17.
Os efeitos protetores decorrentes do pré-condicionamento isquêmi-
co são de duração limitada e podem ser divididos em duas fases. A fase
inicial (pré-condicionamento precoce) ocorre imediatamente à aplicação do
estímulo, e induz uma proteção intensa mas limitada a uma duração de 1
a 3 horas, enquanto que a fase tardia (pré-condicionamento tardio) ocorre
cerca de 12 a 24 horas após o estímulo inicial e induz menor proteção, que
permanece por 3 dias (Figura 4)16,18.

Pré e Pós-Condicionamento Isquêmico

A hipótese sobre o mecanismo do pré-condicionamento é a de que


a isquemia estimula receptores que ativarão vários mediadores intracelu-
lares, que por sua vez induzem ativação de um ou mais efetor final, que
E-Book de Anestesia Inalatória

estabelece a proteção contra a isquemia prolongada.

Figura 4 - Fase de proteção inicial e tardia do pré-condicionamento.

O estímulo isquêmico causa a liberação de mediadores celulares in-


cluindo a adenosina, bradicinina, noradrenalina, opioides e radicais livres.
Estes mediadores ativam receptores na membrana celular, entre eles o de
adenosina (A-1, A-3), endotelina (ET1), acetilcolina (M2), bradicinina (B2),
opioides (d1) e adrenérgicos (a1 e b), que são acoplados à proteína G. A im-
portância de cada um destes receptores depende da espécie e do estímulo
do pré-condicionamento16,17.
A ativação da proteína G gera uma cascata de eventos que resulta
na ativação da proteína cinase C, que retransmitirá o sinal para o efetor

108
Agentes Inalatórios e Proteção de Órgãos
Figura 5 - Mecanismo de pré-condicionamento isquêmico.
ROS: espécies reativas de oxigênio; PKC: proteína cinase C; G: proteína G; K+:canais
de potássio ATP-dependente; NO: óxido nítrico; iNOS:óxido nitrico sintase indutível;
COX2: cicloxigenase2.

final responsável pela resistência à lesão isquêmica, os canais de potás-


sio ATP-dependente (KATP) situados na mitocôndria e na membrana celular
(Figura 5)16,20. Este é o mecanismo postulado para o pré-condicionamento
precoce.
A maioria dos estudos indica que a preservação da função mito-
condrial, que ocorre como consequência da ativação dos canais KATP, é
de fundamental importância para os efeitos cardioprotetores contra a
isquemia. Seu papel, no aumento da tolerância à isquemia, tem sido
atribuído à redução na sobrecarga de cálcio, melhor preservação dos
estoques de energia e prevenção da ativação das vias de necrose e
apoptose13,16.
Além da sinalização direta para a proteção precoce, a proteína ci-
nase C também ativa fatores de transcrição no núcleo celular que leva à
expressão de proteínas que estão envolvidas em promover a fase tardia
da proteção. A fase tardia é caracterizada pela manutenção, durante vários
dias, de sinais similares aos da fase precoce, com ativação dos canais KATP
da mitocôndria e da membrana celular13,17.
Estudos indicam que sinais e vias envolvidas no mecanismo do pré-
condicionamento atuam no pós-condicionamento. A cardioproteção resul-
tante dos dois processos é equivalente19.

109
Pré e Pós-Condicionamento Anestésico

Os anestésicos voláteis são capazes de pré-condicionar diretamen-


te, ou indiretamente aumentar o pré-condicionamento isquêmico resultando
em proteção contra a lesão de isquemia-reperfusão5. Este efeito é deno-
minado pré-condicionamento anestésico, cujo mecanismo ainda não está
completamente elucidado, mas parece mimetizar aquele do pré-condiciona-
mento isquêmico (Figura 6)20. Em adição, os anestésicos voláteis inibem a
expressão das moléculas responsáveis pela ativação dos leucócitos e me-
lhoram a reatividade vascular, preservando a capacidade de vasodilatação
por ativação dos canais KATP, redução do cálcio intracelular no músculo liso
vascular e liberação de óxido nítrico20-22.
Recentemente, foi demonstrado que a anestesia por 1 hora com con-
centrações expiradas de sevoflurano entre 0,5 e 1,0% promove alteração
da expressão gênica no sangue de voluntários. O resultado é a redução da
expressão da L-selectina pró-inflamatória nos leucócitos e indução de resis-
tência celular ao estímulo inflamatório que persiste por 24 a 48 horas após
a exposição, consistente com a “segunda janela de proteção”23.
E-Book de Anestesia Inalatória

Figura 6 - Mecanismo de pré-condicionamento anestésico.


ROS: espécies reativas de oxigênio; PKC: proteína cinase C; G: proteína G; K+:canais
de potássio ATP-dependente.

110
Os anestésicos voláteis também promovem diminuição da extensão
da lesão de reperfusão quando administrados logo no início do período de
reperfusão, à semelhança do pós-condicionamento isquêmico5,19.
Considerando que o pré e pós-condicionamento anestésico apresen-
tam mecanismos semelhantes ao pré e pós-condicionamento isquêmico,
que são demonstrados em outros órgãos além do coração, a utilização de
agentes inalatórios teria uma aplicação clínica significante, particularmente
nos procedimentos cirúrgicos que envolvem alto risco de lesão de isquemia-
reperfusão24. Adicionalmente, esta proteção se estende além do período
de exposição da anestesia, promovendo através do pré-condicionamento
tardio, o benefício da proteção no período vulnerável pós-operatório.

Pré e Pós-Condicionamento Anestésico e Proteção de Órgãos

Cardioproteção - A isquemia miocárdica perioperatória é um sério


evento adverso que pode aumentar a morbidade e a mortalidade após ci-

Agentes Inalatórios e Proteção de Órgãos


rurgias cardíacas e não cardíacas. Nos procedimentos não cardíacos, entre
18 e 74% dos pacientes com doença coronariana apresentam isquemia
miocárdica perioperatória5. Muitas abordagens têm sido propostas para
prevenir ou diminuir a isquemia miocárdica perioperatória. A maioria delas
é direcionada para a modulação da relação oferta/consumo de oxigênio
pelo miocárdio, incluindo antagonistas beta-adrenérgicos, agonistas alfa2
ou bloqueadores de canal de cálcio.
Nos últimos anos, um grande número de estudos experimentais in-
dica que os anestésicos voláteis conferem proteção contra as alterações
provocadas pela isquemia miocárdica. Este efeito protetor não tem sido
simplesmente explicado pelas alterações no fluxo coronariano ou na rela-
ção oferta/consumo de oxigênio pelo miocárdio. Os estudos mostram que
os anestésicos voláteis apresentam efeitos cardioprotetores diretos. Eles
pré-condicionam diretamente ou aumentam indiretamente o pré-condiciona-
mento isquêmico, assim como promovem pós-condicionamento; estes efei-
tos resultam em proteção contra a lesão miocárdica isquêmica reversível e
irreversível25.
Similar ao pré-condicionamento isquêmico, os anestésicos voláteis
desencadeiam memória do efeito cardioprotetor agudo, determinando efei-
to protetor após sua eliminação. A administração de 1 CAM de isoflurano,
sevoflurano ou desflurano, em ratos, promove alterações no perfil de ex-
pressão das proteínas do miocárdio, que persistem por até 72 horas após
a anestesia. Estas alterações no proteoma, associadas com funções na gli-
cólise, respiração mitocondrial e resposta ao estresse, estão intimamente
relacionadas à cardioproteção e ao pré-condicionamento isquêmico, o que

111
indica vias comuns nos dois mecanismos26. Assim, no pós-operatório, os
anestésicos voláteis são capazes de desencadear as mesmas alterações
bioquímicas da fase precoce da cardioproteção, com a vantagem de não
necessitar de isquemia para produzir o efeito.
No pré-condicionamento anestésico, as vias intracelulares de sinaliza-
ção envolvem o receptor de adenosina, a proteína G, a proteína cinase C, a
proteína tirosina cinase e os canais de KATP da mitocôndria e do sarcolema5.
Parece que o aumento das ROS é o fator principal para o início do pré-con-
dicionamento anestésico. Isto é sugerido pela observação de que a adição
de eliminadores de ROS durante a exposição ao sevoflurano ou isoflurano
bloqueia a resposta do pré-condicionamento anestésico.
O aumento inicial das ROS resulta em ativação de uma sequência
de eventos evidenciada pela ativação da proteína cinase C, outra cascata
de cinases tais como as proteínas cinases de tirosina e proteínas cinases
ativadas pelo mitógeno p38. A ação principal destas vias intracelulares de
mensagens parece ser a abertura dos canais de KATP. O resultado da aber-
tura dos canais de KATP da mitocôndria é a redução do acúmulo de cálcio
na mitocôndria e citossol e diminuição das grandes quantidades de ROS
E-Book de Anestesia Inalatória

normalmente formadas durante a reperfusão, com melhor preservação es-


trutural e funcional da célula. Em adição aos efeitos diretos nos miócitos,
o pré-condicionamento anestésico protege as células endoteliais das coro-
nárias5.
Agentes que bloqueiam etapas desta cascata de eventos alteram o
efeito da cardioproteção dos anestésicos voláteis. O bloqueio dos canais
de KATP pela glibenclamida abole os efeitos cardioprotetores do pré-condi-
cionamento isquêmico e anestésico. O pré-tratamento com inibidor seletivo
da cicloxigenase2 (COX-2) abole a cardioproteção tardia induzida pelo iso-
flurano, sugerindo que a COX-2 tem um importante papel na fase tardia do
pré-condicionamento anestésico27.
A administração de halotano, isoflurano, desflurano ou sevoflurano
em coelhos, antes do período de isquemia miocárdica, resulta em diminui-
ção da área de infarto, evidenciando o pré-condicionamento anestésico5,28.
Esses mesmos agentes, assim como o enflurano, quando administrados
durante a reperfusão após o período de isquemia, também promovem pro-
teção5,29. Além disso, dados recentes indicam que o pré-condicionamento
anestésico com um anestésico volátil é capaz de promover cardioproteção
adicional após o pré-condicionamento isquêmico30.
Em animais, os efeitos benéficos evidentes do pré-condicionamento
anestésico na lesão miocárdica reversível e irreversível pós-isquêmica es-
timularam estudos clínicos para explorar se estes efeitos resultariam em
melhor transcurso perioperatório.

112
Os estudos indicam que o pré-condicionamento anestésico provavel-
mente também ocorre no homem. Contudo, suas implicações na proteção
contra as consequências da lesão isquêmica miocárdica reversível e irre-
versível tem sido conflitantes entre os autores. A falta de homogeneidade
nos resultados, quando comparados aos dados em animais, provavelmente
é consequência da aplicação do pré-condicionamento anestésico em dife-
rentes momentos do procedimento cirúrgico, inclusão ou não da fase de
washout (eliminação do anestésico antes do estímulo isquêmico), duração
da isquemia e do pré-condicionamento anestésico.
A importância de diferentes modalidades de administração do pré-
condicionamento anestésico é evidenciada pelos resultados de estudos
nos quais os anestésicos voláteis foram administrados durante todo pe-
ríodo da anestesia. Nesta situação, os dados demonstram um efeito pro-
tetor clinicamente relevante tanto nos marcadores de função miocárdica
pós-operatória como nos marcadores bioquímicos de lesão celular, quando
comparados com os da técnica de anestesia intravenosa total. Quando ad-

Agentes Inalatórios e Proteção de Órgãos


ministrados apenas como protocolo de pré-condicionamento anestésico ou
durante a reperfusão, embora se observe recuperação mais precoce do
volume sistólico e menor liberação de troponina I que a técnica intravenosa
total, a diferença não tem significância estatística31.
A melhor evolução pós-operatória de cirurgia cardíaca em pacientes que
recebem anestesia com agentes voláteis fica evidenciada pelo menor tempo
de internação na unidade de terapia intensiva e alta hospitalar mais precoce,
quando comparados aos que recebem anestesia intravenosa total.32-34
O real impacto destas ações protetoras na evolução dos pacientes,
tais como morbidade perioperatória e mortalidade, ainda deve ser esta-
belecido. Um estudo recente observou que a administração de 2 CAM de
sevoflurano por 10 minutos, no início da circulação extracorpórea antes do
pinçamento da aorta, foi associada com melhor evolução cardiovascular no
primeiro ano de pós-operatório. Os pacientes que desenvolveram um novo
evento adverso cardíaco (oclusão coronariana, insuficiência cardíaca con-
gestiva) neste período eram os que tinham apresentado níveis mais altos
de biomarcadores de lesão miocárdica nas primeiras horas de pós-opera-
tório, quando comparados aos que não apresentaram evento adverso. Por-
tanto, não pode ser excluída deste estudo22 a hipótese de que, no primeiro
ano, a proteção observada é consequência dos efeitos protetores iniciais.
Importantes questões sobre o papel dos agentes voláteis na cardio-
proteção ainda permanecem nos estudos clínicos tais como: se os efeitos
cardioprotetores são iguais entre os diferentes agentes, qual a concentra-
ção necessária para obter esses efeitos, qual o melhor momento para sua
administração e por quanto tempo.

113
Vasos Sanguíneos - O pré-condicionamento isquêmico dos vasos san-
guíneos tem o potencial de proporcionar proteção contra a lesão vascular e
impedir a contribuição do endotélio nos eventos pró-inflamatórios e trombo-
gênicos associados à lesão de isquemia-reperfusão35.
Estudos, em animais e no homem, demonstram que o pré-condicio-
namento com anestésicos voláteis envolve a inibição de neutrófilos e redu-
ção na sua interação com o endotélio vascular após a isquemia-reperfusão.
Em corações isolados de rato, os neutrófilos pré-tratados com 1 CAM de
isoflurano ou sevoflurano perdem sua capacidade de induzir disfunção con-
trátil, como resultado da redução de sua aderência ao endotélio. Quando foi
utilizada concentração de 0,25 CAM, o isoflurano diminuiu, mas não abo-
liu os efeitos da ativação dos neutrófilos36. Este efeito é consistente com
observações de que o pré-tratamento com 1 CAM de halotano, isoflurano
ou sevoflurano é capaz de diminuir a expressão dos complementos CD11/
CD18 na superfície dos neutrófilos37.
Recentemente, um estudo clínico prospectivo e aleatório demonstrou
que o pré-condicionamento com sevoflurano, durante 10 minutos antes do
pinçamento da aorta, em pacientes submetidos à revascularização do mio-
E-Book de Anestesia Inalatória

cárdio, diminuiu a expressão de PECAM-1 e aumentou a probabilidade de


sobrevivência sem evento adverso após 1 ano do procedimento cirúrgico22.
A proteção endotelial promovida pelos anestésicos voláteis durante a
isquemia-reperfusão, aliada a seus efeitos sobre os neutrófilos e plaquetas
tem profundas implicações na manutenção da integridade vascular durante
a reperfusão. Esta proteção vascular do pré-condicionamento anestésico é
um dos mecanismos da proteção de órgãos. Considerando a importância
dos vasos no suprimento de nutrientes e oxigênio em todos os tecidos, o
pré-condicionamento anestésico poderia beneficamente afetar uma grande
variedade de órgãos além do miocárdio24.
Pulmão - A principal complicação da lesão de isquemia-reperfusão
do pulmão é a disfunção do endotélio vascular pulmonar que se manifes-
ta por hipertensão pulmonar, aumento da permeabilidade vascular, edema
pulmonar e piora da troca gasosa. Após a circulação extracorpórea esses
efeitos se manifestam clinicamente como lesão pulmonar aguda que se
associa à ventilação mecânica prolongada, com aumento da morbidade e
mortalidade.
Estudos que avaliaram o isoflurano pela técnica de pré e pós-condi-
cionamento e o sevoflurano com pré-condicionamento demonstraram que
estes anestésicos protegem o pulmão isolado de rato através da inibição
da liberação do TNF-a. Embora as preparações de pulmão isolado tragam
resultados encorajadores sobre o condicionamento com os anestésicos vo-
láteis, estudos experimentais in vivo e clínicos são necessários para definir

114
o exato papel destes agentes contra a lesão pulmonar de isquemia-reper-
fusão24.
Rim - Os resultados do efeito dos anestésicos voláteis sobre a prote-
ção renal são promissores. Recentemente, foi demonstrado que a adminis-
tração de 1 CAM de halotano, isoflurano, sevoflurano ou desflurano antes
e após a isquemia renal, promove redução da necrose tubular mais que o
pentobarbital ou a cetamina. Este efeito foi atribuído à redução da resposta
inflamatória evidenciada pela redução de fatores como interleucina-8, TNF-
a, e ICAM-1. Entretanto, quando estes anestésicos foram administrados
somente no período que antecede a isquemia, a proteção renal não foi evi-
denciada7. Em contraste com este achado, a administração de 1,5% de iso-
flurano durante 20 minutos antes da isquemia renal em ratos, resultou em
níveis mais baixos de uréia e creatinina plasmáticas após 24 e 48 horas
de reperfusão, quando comparado ao grupo não pré-condicionado 38. A di-
ferença entre estes resultados pode ser explicada pelo fato de no primeiro
estudo os animais terem sido acordados totalmente, para evitar resíduo de

Agentes Inalatórios e Proteção de Órgãos


anestésico, antes de receberem novamente anestesia com pentobarbital
para a realização dos processos de isquemia e reperfusão.
Em ratos, a administração de 1 CAM de desflurano durante os 15
minutos iniciais de reperfusão, após períodos de 30 minutos de isquemia,
conferiu proteção renal avaliada pelo clearance de creatinina, cistatina C e
excreção fracionada de sódio39.
O sevoflurano apresenta efeito antiinflamatório e antinecrótico, in
vitro, nas células do túbulo proximal de rim humano40.
Na prática clínica, uma potencial aplicação clínica da proteção renal
com os anestésicos voláteis foi ilustrada em recente estudo onde foi de-
monstrado que o pré-tratamento com 2 CAM de sevoflurano, por um período
de 10 minutos no início da circulação extracorpórea, antes do pinçamento
da aorta, melhorou a filtração glomerular pós-operatória avaliada pela con-
centração plasmática de cistatina C. Os autores destacam que o modelo
deste estudo não permitiu diferenciar se este efeito nefroprotetor é resulta-
do da ação direta do sevoflurano sobre o tecido e/ou vascularização renal
ou se reflete a melhor preservação da função cardíaca também observada
nestes pacientes41.
Fígado - A lesão de isquemia-reperfusão hepática está envolvida na
disfunção hepática intra e pós-operatória de situações como o transplante
hepático, em operações no fígado que necessitem de pinçamento da veia
porta e exclusão vascular hepática, e no choque hemorrágico ou séptico.
Em preparações de fígado isolado de rato, a administração de 2
CAM de halotano, isoflurano ou sevoflurano não apenas diminui o consumo
basal de oxigênio como também protege da lesão de isquemia-reperfusão

115
hepática evidenciada pela diminuição da lactato desidrogenase durante o
período de reperfusão8.
Estudo em porcos mostrou que a anestesia com isoflurano confere
maior proteção contra a isquemia hepática que o halotano e o enflurano.
Na reperfusão, a recaptação do lactato pelo fígado retornou aos valores
pré-isquemia apenas nos animais anestesiados com isoflurano; naqueles
que receberam anestesia com halotano ou enflurano a recuperação desta
capacidade foi de 30 e 50%, respectivamente42.
A enzima heme oxigenase-1 (HO-1) é essencial para a função normal
do fígado e tem papel protetor fundamental na exposição hepática ao es-
tresse. Os subprodutos resultantes de sua atividade apresentam proprieda-
des antioxidantes e potentes efeitos antiinflamatórios. Pode-se especular
que a indução de HO-1 por anestésicos voláteis é parte de um efeito de
pré-condicionamento e que o pré-tratamento com estes agentes pode ser
benéfico para atenuar a lesão de isquemia-reperfusão hepática. Em ratos,
a administração de 1,7 CAM de isoflurano ou sevoflurano, durante 6 horas,
é capaz de induzir a HO-1 enquanto que a de desflurano, nas mesmas con-
dições, não o é43.
E-Book de Anestesia Inalatória

Há necessidade de estudos clínicos para avaliar o impacto do pré-


condicionamento com os anestésicos inalatórios na função hepática em
situações associadas com isquemia-reperfusão do fígado humano.
Intestino - O papel dos anestésicos voláteis na lesão de isquemia-
reperfusão do intestino não tem sido investigado. Os dados disponíveis são
limitados aos efeitos destes agentes na circulação esplâncnica.
Dados clínicos obtidos por fluxometria laser-doppler mostram que a
anestesia com 1 CAM de desflurano foi associada a maior fluxo sanguíneo
no jejuno que 1 CAM de isoflurano, sugerindo que o desflurano seria parti-
cularmente benéfico nos pacientes de alto risco44.
Estudos experimentais demonstram que os anestésicos voláteis re-
duzem a interação deletéria entre leucócitos e endotélio da microcirculação
mesentérica. Pode-se especular que este fenômeno beneficiaria o intestino
durante condições de isquemia-reperfusão24.

Sistema Nervoso Central

Cérebro - A lesão de isquemia-reperfusão do cérebro está presen-


te em muitas enfermidades como acidente vascular cerebral, traumatismo
craniano e vários procedimentos cirúrgicos como a endarterectomia de ca-
rótida, ressecção de aneurisma intracraniano ou correções na aorta sob
parada circulatória em hipotermia. A lesão de isquemia-reperfusão pode
clinicamente manifestar-se como significante piora das funções sensitivas,

116
motoras e cognitivas. Embora muitas estratégias tenham sido propostas
para reduzir a lesão de isquemia-reperfusão, métodos práticos clínicos ain-
da não estão bem estabelecidos24.
Há evidências de que os anestésicos voláteis administrados duran-
te a isquemia cerebral conferem neuroproteção, como demonstrado em
modelos de isquemia global, focal e hemisférica. Este efeito neuroprotetor
dos anestésicos voláteis, por muito tempo, foi atribuído à profunda redu-
ção do metabolismo cerebral quando administrados em concentrações clí-
nicas. Atualmente, a maioria dos mecanismos propostos para este efeito
neuroprotetor enfatiza a ação destes anestésicos em canais iônicos que
contribuem para a morte celular por excitotoxicidade decorrente do acúmulo
de glutamato no espaço extracelular durante a isquemia. Os anestésicos
inalatórios administrados antes (pré-condicionamento) ou durante (neuro-
proteção) a isquemia cerebral, são protetores através da modulação da
excitotoxicidade. Este efeito ocorre por inibição da liberação de glutamato,
potenciação da neurotransmissão gabaérgica e antagonismo dos recepto-

Agentes Inalatórios e Proteção de Órgãos


res de glutamato (AMPA e NMDA) que atenuam o aumento de cálcio intrace-
lular induzido pela isquemia.
Paradoxalmente, o aumento do cálcio intracelular induzido pelos
anestésicos voláteis pode estar envolvido no pré-condicionamento do cé-
rebro isquêmico. Tais alterações no cálcio intracelular modulam processos
protetores dependentes do cálcio envolvendo a calmodulina.
Os efeitos neuroprotetores dos inalatórios podem ocorrer por ini-
bição da formação de ROS na mitocôndria e citoplasma, eliminação de
radicais livres e inibição da degeneração da membrana e da peroxidação
lipídica. Também pode estar envolvida a ativação do receptor de adenosina
A1, com consequente ativação dos canais KATP mitocondriais para a indução
de tolerância cerebral.
Em adição, é postulado que os anestésicos inalatórios reduzem ou
retardam a apoptose pela ativação da proteína cinase B e por diminuição da
expressão de uma proteína indutora de apoptose.
Os mecanismos de neuroproteção pelos anestésicos voláteis estão
esquematizados na figura 724,45. Contudo, a maioria dos estudos sobre neu-
roproteção com anestésicos voláteis demonstra que esta proteção não é
mantida por muitos dias. Assim, foi observado que a neuroproteção induzi-
da pelo isoflurano foi evidente apenas até o quarto dia após a isquemia. A
área de infarto cerebral após 7 dias se igualava entre os ratos que haviam
recebido isoflurano e os que não receberam46.
Considerando que a lesão isquêmica é um processo dinâmico ca-
racterizado pela perda de neurônios por até 14 dias depois da isquemia,
a neuroproteção conferida pelos anestésicos voláteis tem sido evidente

117
logo após a isquemia, mas sua manutenção por períodos mais prolonga-
dos ainda é controversa.
Estudo recente demonstrou que o sevoflurano pode ser neuroprote-
tor na isquemia focal e global e que estes efeitos se mantêm até o 28º dia
de observação47.
O sevoflurano produz neuroproteção contra a lesão neurológica devi-
da à isquemia cerebral global produzida pela parada cardíaca. Além disso, a
administração repetida, por 4 dias consecutivos, de sevoflurano promoveu
pré-condicionamento contra a lesão neurológica decorrente de isquemia in-
duzida 24 horas após a interrupção do anestésico3.
In vitro, o sevoflurano e o desflurano diminuem a apoptose e a morte
da célula nervosa decorrentes da falta de oxigênio e de glicose48.
A administração de óxido nitroso durante isquemia cerebral global in-
completa aumenta os danos isquêmicos e resulta em piora do prognóstico
neurológico quando comparado com a anestesia com isoflurano ou halota-
no. O óxido nitroso pode também atenuar as propriedades neuroprotetoras
dos anestésicos voláteis45.
Quanto ao xenônio, vários estudos indicam que este agente pode ter
E-Book de Anestesia Inalatória

efeitos benéficos na lesão cerebral associada à circulação extracorpórea, em


roedores. Contudo, exacerba a lesão cerebral isquêmica em ratos, em mo-
delo que combina a circulação extracorpórea com embolia aérea cerebral45.
Os estudos clínicos envolvendo neuroproteção com os anestésicos
voláteis são escassos. Pacientes anestesiados com desflurano não apre-
sentaram diminuição da oxigenação do tecido cortical quando a oclusão
temporária da artéria cerebral média foi realizada sob aumento da concen-
tração de desflurano para 9%, visando produzir ondas de supressão. Aque-
les que receberam tiopental, suficiente para produzir ondas de supressão
similares durante a oclusão, apresentaram diminuição da oxigenação49.
O efeito da diminuição da hemoglobina para valores entre 7,6 e
8,0 g.dL-1 promove saturação de oxigênio no bulbo da jugular mais baixa
durante anestesia com propofol (55±8%) quando comparada à anestesia
com sevoflurano 1% associado ao óxido nitroso a 60% (71±10%). Entre-
tanto, a diminuição da saturação cerebral de oxigênio é similar entre os
dois agentes50.
Medula Espinhal - A lesão da medula espinhal após um período
de isquemia perioperatória é uma complicação bem conhecida de opera-
ções na aorta torácica ou tóraco-abdominal.
O pré-condicionamento com 0,5, 1,0 e 1,5 CAM de isoflurano em
modelo de isquemia transitória da medula espinhal, em coelhos, promoveu
proteção contra a lesão neurológica isquêmica precoce de modo dose de-
pendente, via ativação dos canais de KATP da mitocôndria24.

118
Agentes Inalatórios e Proteção de Órgãos
Figura 7 - Unidade neurovascular: mecanismos envolvidos na neuroproteção com os
anestésico inalatórios.

A exposição repetida de 1 CAM de isoflurano induziu pré-condiciona-


mento tardio contra a lesão isquêmica da medula espinhal depois de 24 e
48 horas, em coelho. Este efeito se manifestou através de melhor função
motora e menos alterações histopatológicas51. Estes achados sugerem que
o pré-condicionamento com isoflurano induz tolerância à isquemia precoce
e tardia na medula espinhal, assim como no cérebro.
No rato, o pré-condicionamento com sevoflurano não foi capaz de
reduzir a lesão neurológica decorrente da isquemia da medula espinhal52.
Os mecanismos neuroprotetores estão em azul e os de pré-condiciona-
mento anestésico em verde. Os mecanismos que estão sendo investigados
tanto para neuroproteção como para pré-condicionamento estão em vermelho.
FSCr: fluxo sanguíneo cerebral regional; Bax: proteína indutora de
apoptose; TMC: taxa de metabolismo cerebral; iNOS: óxido nitrico sintase
indutível; NO: óxido nitrico, cGMP: monofosfato de guanosina cíclica; Akt:
proteína cinase B; MAPK p38: proteínas cinases ativadas pelo mitógeno
p38; ERK: cinase regulada por sinais extracelulares; CCPDK II: proteína
cinase II dependente de cálcio/calmodulina; [Ca+2]i: cálcio intracelular.

119
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122
Capítulo 9

Anestesia Inalatória:
Toxicidade e Metabolismo
Edno Magalhães
Oscar César Pires

A busca por agentes anestésicos capazes de produzir os efeitos de-


sejados de forma reversível, fácil e rápida com o mínimo possível de efeitos
indesejáveis reflete a preocupação existente, desde os primórdios da anes-
tesia inalatória, com possibilidade de toxicidade dos agentes inalatórios1.
Todos os agentes anestésicos inalatórios modernos e mais marcada-
mente o halotano causam depressão miocárdica, enquanto o isoflurano e
o sevoflurano são os que apresentam menor intensidade depressora sobre
o sistema cardiovascular. Eles também deprimem a resposta respiratória
normal ao dióxido de carbono e a hipóxia. Outros efeitos adversos incluiriam
dano renal e hepático, este mais frequentemente relatado com halotano,
embora casos raros tenham sido descritos com outros agentes2.

Efeitos sobre o sistema cardiovascular

Todos os anestésicos voláteis causam depressão miocárdica concentra-


ção dependente. Os principais mecanismos são a redução da entrada de cálcio
no sarcolema e alteração na função do retículo sarcoplasmático 3. O agente
que apresenta maior efeito inotrópico negativo é o halotano. Ele também inibe
a regulação do receptor muscarínico sobre a adenilciclase e estimula a ativi-
dade da proteína G dependente da atividade da adenilciclase 4. Este aumento
da atividade da adenilciclase pode explicar as disritmias oriundas da sensibi-
lização do miocárdio induzida por catecolaminas. Em baixas concentrações o
enflurano causa menor depressão miocárdica que o halotano, embora essa
vantagem seja perdida em concentrações elevadas 2. Isoflurano causa mínima
depressão cardiovascular em concentrações abaixo de 2 CAM (concentração
alveolar mínima), mas apresenta efeito mais intenso que outros agentes sobre
a redução da resistência vascular periférica e coronariana, com sugestivo roubo
coronariano em portador de doença da artéria coronária (DAC). Não obstante,
não existe evidência de que os riscos associados à administração de isoflurano
em portadores de DAC excedam os de outros agentes voláteis 2. O sevoflurano
apresenta, sobre o isoflurano, a vantagem de causar mínimos efeitos sobre a
frequência cardíaca. A rápida elevação da concentração inspirada de desflura-
no causa elevação da frequência cardíaca e da pressão arterial, associadas
a um aumento da atividade simpática possivelmente mediada por receptores
das vias aéreas superiores, de pulmões e sistêmicos 5.

123
O isoflurano, sevoflurano e desflurano prolongam o intervalo QT no
eletrocardiograma, podendo resultar em taquicardia ventricular polimórfica
do tipo “torsades de pointes” e fibrilação ventricular, enquanto que o envol-
vimento do halotano sobre o intervalo QT é controverso 6.
Na atualidade, a capacidade dos agentes inalatórios em proteger o
miocárdio de insultos isquêmicos de maneira semelhante ao pré-condicio-
namento cardíaco tem sido bastante considerada.

Efeitos sobre o sistema respiratório

Todos os agentes halogenados causam depressão respiratória dose-


dependente deprimindo a resposta respiratória normal ao dióxido de carbo-
no e a hipóxia. Esta depressão respiratória resulta da depressão geral do
centro respiratório, do sistema nervoso central e dos quimiorreceptores dos
corpos carotídeos. A supressão da resposta hipóxica aguda pode permane-
cer por várias horas após a descontinuação da anestesia 7. A concentração
do agente capaz de causar redução na resposta hipóxica varia de 0,08%
para o halotano a 0,27% para o sevoflurano. Enquanto a hipóxia fecha ca-
E-Book de Anestesia Inalatória

nais de potássio da membrana do corpo carotídeo promovendo despolariza-


ção e influxo de cálcio, os agentes inalatórios causam abertura dos canais,
com consequente hiperpolarização 8.
O isoflurano e o desflurano são irritantes do trato respiratório, poden-
do resultar em laringoespasmo e dificultar a indução da anestesia. Por ou-
tro lado, o sevoflurano causa pouca irritação no sistema respiratório e altas
concentrações são bem toleradas, tornando-o agente altamente satisfatório
para indução da anestesia, especialmente em crianças 2.
Com possível exceção do desflurano, os anestésicos voláteis cau-
sam formação de espécies reativas de oxigênio durante hipóxia. A possível
exceção do desflurano se deve ao seu reduzido metabolismo 7. A adminis-
tração dos antioxidantes ácido ascórbico e a-tocoferol reverte completa-
mente a redução da resposta hipóxica ao isoflurano 9.

Hipertermia maligna

Doença rara, potencialmente fatal, hereditária, caracterizada por hi-


permetabolismo quando há contato do indivíduo predisposto aos anesté-
sicos voláteis (halotano, enflurano, isoflurano, sevoflurano e desflurano) e
à succinilcolina. Quando em contato com o agente desencadeante, ocorre
excessiva liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático para o intracelular
no músculo esquelético humano e de certas espécies de suínos, cães, ca-
valos e outros animais, gerando um estado hipermetabólico caracterizado

124
por aumento da produção de CO2, elevado consumo de O2, distúrbio ácido-
base, rigidez e lesão muscular 10.

Potencial genotóxico e mutagênico

Os anestésicos inalatórios apresentam potencial para atividade mu-


tagênica ou carcinogênica, com interesse elevado na exposição ocupacio-
nal 11,12. Eles podem aumentar a frequência de aborto espontâneo em mu-
lheres que trabalham nas salas de operação e afetar a reprodução. Dano
genético com alterações na estrutura do DNA ou aumento na permuta de
cromátides 13. Não obstante, estudo envolvendo a permuta de cromátides
em mitoses estimuladas de linfócitos T de quarenta crianças submetidas
a anestesia com sevoflurano para procedimentos cirúrgicos menores não
observou nenhum efeito genotóxico 14. O xenônio pode parar a reprodução
celular bloqueando a mitose durante o estágio metáfase-anáfase, embora
seja reversível com sua retirada 15.

Anestesia Inalatória: Toxicidade e Metabolismo


Toxicidade hepática

A hepatotoxicidade dos anestésicos inalatórios é conhecida desde


1850, a partir de relatos em pacientes anestesiados com clorofórmio, mas
não naqueles anestesiados com éter. O dano não é causado apenas pelo
agente anestésico propriamente, mas pelos metabólitos produzidos após
sua biotransformação pelo citocromo P450 16.
A ocorrência de hepatite por halotano foi relatada já em 1958, 2
anos após a sua introdução na prática anestésica e desde então sua ocor-
rência é maior com este agente, embora raros casos de hepatite tenham
sido relatados com outros anestésicos inalatórios. A hepatotoxicidade por
halotano pode ocorrer de duas maneiras:
a) Hepatite tipo I – de ocorrência bastante frequente, com estimativa
de 1 em 20 para talvez 1 em 3 pacientes, porém com menor dis-
túrbio de enzimas hepáticas. Ocorre elevação assintomática das
transaminases, 1 a 2 semanas após exposição, a qual se resol-
ve sem tratamento. A ocorrência é mais provável sob condições
de hipóxia e redução da perfusão hepática local ou generalizada
após episódios de hipotensão arterial. Para ocorrência não é ne-
cessária exposição repetida e o significado clínico das alterações
bioquímicas é desconhecido. Sua causa não é totalmente com-
preendida, mas parece resultar de efeito tóxico direto ou indireto
após ligação covalente com componentes celulares. O primeiro
passo do metabolismo redutivo do halotano é a inserção de um

125
elétron para produzir um metabólito altamente reativo, denomina-
do radical livre intermediário. Macromoléculas podem reagir com
este radical livre ou outros metabólitos intermediários e causar
uma reação autocatalítica peroxidativa em cadeia, no fígado, com
desarranjo e necrose da membrana celular 2.
b) Hepatite tipo II – de ocorrência imprevisível e rara, com estimati-
va geral de 1 em 35.000 anestesias com halotano em adultos.
Em crianças a ocorrência estimada é de 1 em 82.000 exposi-
ções a halotano. Resulta em hepatite grave fulminante com alta
incidência de mortalidade. A exposição prévia é usual e pode
haver relato de hiperpirexia e icterícia, tardias no pós-operatório.
Os primeiros sinais são febre, erupção cutânea e ou dores ar-
ticulares que podem preceder a icterícia e podem ter início em
até um mês após anestesia com halotano. Na impossibilidade
de transplante hepático, a hepatite evolui com alto índice de
mortalidade. Atualmente é aceito que a hepatite tipo II é imuno
mediada, com resposta direcionada aos hepatócitos. O citocro-
mo P450 2E1 (CYP2E1) faz a intermediação do halotano para
E-Book de Anestesia Inalatória

um intermediário reativo (trifluoracetil cloreto), que se liga de


forma covalente com componentes a proteínas hepáticas for-
mando neoantígenos trifluoracetilados. Acredita-se ser o evento
inicial da cascata imunológica, culminando com a formação de
anticorpos, que acaba por causar necrose hepática grave em
exposições subsequentes de pacientes susceptíveis. O metabo-
lismo oxidativo do sevoflurano não produz intermediário reativo e
então este agente não está associado a hepatotoxicidade imuno
mediada. No soro de pacientes com hepatite tipo II são encon-
trados anticorpos que reagem de forma covalente com um acil
halogeneto presente na membrana celular dos hepatócitos. Este
acil halogeneto (CF3COCl) atua como um epítopo ou hapteno,
que é apresentado às células imunocompetentes, estabelecen-
do reação antígeno-anticorpo 17. Pacientes que são acometidos
pela hepatite por halotano desenvolvem auto-anticorpos que tem
como alvo específico a CYP2E1, isoenzima do citocromo P450
responsável pela biotransformação de hidrocarbonetos haloge-
nados, como o halotano. Similarmente, auto-anticorpos em ele-
vadas titulações tem sido detectados em anestesiologistas pe-
diátricos expostos a anestésicos halogenados 18. Porém, como
poucos destes indivíduos desenvolvem hepatite, a patogenia
destes auto-anticorpos na hepatite induzida por anestésicos per-
manece questionável.

126
Toxicidade renal

A nefrotoxicidade do fluoreto inorgânico foi aventada primeiramente


em 1960, com a introdução do metoxiflurano (2-2 diclorofluoroetil metil
éter). O metoxiflurano foi retirado do uso clínico por causa da elevada
incidência de nefrotoxicidade associada a concentrações plasmáticas de
fluoreto excedendo 50 mM.l-1, com alto índice de falência renal não res-
ponsiva a vasopressina. Entre os agentes utilizados atualmente, altas
concentrações de fluoreto tem sido relatadas com sevoflurano. Após duas
CAM-horas de anestesia com sevoflurano, concentrações de fluoreto ex-
cedendo 50 mM.l-1 foram documentadas. Entretanto, não há relatos de
disfunção renal associada a exposição prolongada a sevoflurano e uma
importante diferença entre os dois agentes é que o fluoreto produzido
durante anestesia com metoxiflurano é produzido nos rins, causando
dano direto. Isto é em parte relacionado a presença nos rins de múltiplas
isoenzimas do citocromo P450 (CYP2A6, CYP3A, CYP2E1), responsáveis

Anestesia Inalatória: Toxicidade e Metabolismo


pelo metabolismo do metoxiflurano enquanto que o metabolismo renal do
sevoflurano é quatro vezes menor, de forma que baixos níveis de fluoreto
são encontrados nos rins 19.
Goldberg e outros (1996), pesquisando níveis séricos de fluoreto
inorgânico em pacientes anestesiados com sevoflurano e isoflurano en-

Figura 1 – Curvas de fluoreto sérico em relação ao tempo para os diversos agentes


halogenados

127
contraram indícios de que o tempo durante o qual os rins permanecem
expostos a altos níveis de fluoreto inorgânico tem importância maior do
que os picos de concentração desse íon isoladamente em relação aos
possíveis danos renais decorrentes da exposição ao sevoflurano. Esta
teoria considera o tamanho da área sob a curva fluoreto/tempo, e não
apenas a concentração encontrada em determinado momento no soro
sanguíneo (Figura 1).
O sevoflurano merece consideração especial por sofrer degradação
espontânea quando exposto a temperaturas que excedem 50°C na presen-
ça de absorvedores de dióxido de carbono, produzindo fluormetil-2,2-difluor-
1-(trifluormetil) vinil éter (FDVE), conhecido como composto A e pequenas
quantidades de 2-(fluormetoxi)-3-metoxi-1,1,1,3,3-pentafluorpropano, co-
nhecido como composto B (figura 2). Os produtos de degradação resultam
da extração de próton (ácido) do sevoflurano na presença de bases (KOH ou
NaOH). FDVE é metabolizado pela conjugação com glutationa S-conjugado
e hidrolisado pela cisteína S-conjugado. A captação destes S-conjugados
pelos rins e seu subsequente metabolismo pela b-liase parece ser respon-
sável pela necrose tubular causada pelo FDVE em ratos. Em contraste, em
E-Book de Anestesia Inalatória

pacientes expostos a anestesia com sevoflurano e baixo fluxo de gases,


a concentração média de composto A foi de 8 a 32 ppm, sem apresentar
efeitos clínicos significativos sobre a função renal, enquanto nos ratos foi
de 400 ppm 20. Esta diferença pode explicar a nefrotoxicidade do FDVE em
ratos pela maior atividade da b-liase nestes animais 20 (atividade da b-liase
em ratos é dez vezes maior do que em seres humanos).

Figura 2. Formação dos compostos A e B após exposição do sevoflurano a tem-


peraturas elevadas e bases fortes, NaOH e KOH, presente na cal sodada e na cal
baritada.

128
Produção de monóxido de carbono

Quando os anestésicos inalatórios passam pelo absorvedor de CO2, mo-


nóxido de carbono (CO) pode ser produzido em concentrações de risco poten-
cial sendo mais elevada com desflurano e enflurano, mais baixa com isoflurano
e insignificante com sevoflurano e halotano. Para todos os anestésicos ina-
latórios a produção de CO é elevada com cal baritada. O exato mecanismo de
produção de CO não está esclarecido. Tem sido proposto que a reação inicial
da base catalisando a extração de próton do grupo difluormetiletil do desflura-
no, que não se encontra presente no sevoflurano e halotano. A quantidade de
monóxido de carbono produzida depende da quantidade de absorvedor em con-
tato com desflurano, com a quantidade de água no absorvedor e com o fluxo
de gás fresco, sendo que 4,8% de água em cal sodada e 9,7% em cal baritada
são suficientes para prevenir a produção de CO 21. Atualmente já estão em
uso absorvedores de CO2 sem a presença de bases fortes (hidróxido de sódio e
potássio) em sua composição e com possibilidades de manutenção constante

Anestesia Inalatória: Toxicidade e Metabolismo


de umidade.

CARACTERÍSTICAS DOS AGENTES EM USO ATUALMENTE

Óxido nitroso

A maior parte do N2O é exalada de forma inalterada, embora uma


pequena parte possa ser eliminada através da pele ou excretada na urina.
Por apresentar solubilidade 34 vezes superior à do nitrogênio, difunde mais
rapidamente para compartimentos que contenham ar, tais como ouvido mé-
dio e bolhas pulmonares, podendo expandi-los com risco de causar dor
e pneumotórax. O N2O é um analgésico potente e sua administração em
fração inspirada de 20% equivale a 15 mg de morfina por via subcutânea.
Mistura contendo 50% de N2O em O2 é comumente empregada para prover
analgesia durante o trabalho de parto, vítimas de traumas e outras situa-
ções de emergências 2.
A cobalamina monovalente é essencial para a síntese da metionina e
tetrahidrofolato, necessários à síntese de DNA em tecidos de rápida prolifera-
ção. A forma ativa da metionina, S-adenosilmetionina, é também o principal
substrato para metilação em muitas outras reações bioquímicas, incluindo a
metil substituição de neurotransmissores e a formação da bainha de mielina
dos nervos. Exposição a N2O por duas a quatro horas oxida irreversivelmente
o cobalto da vitamina B12, convertendo a cobalamina monovalente em bivalen-
te e assim, a atividade da enzima cobalamina-dependente, metionina sintase
(5-metiltetrahidrofolato-homocisteina S-metiltransferase) é completamente ini-

129
bida. A recuperação da atividade da metionina sintase requer a formação de
novas enzimas em tempo de três a quatro dias, embora a recuperação total
possa levar várias semanas. A exposição crônica ao N2O pode causar eritro-
poiese megaloblástica, morte neuronal e dano à medula espinhal 22. Alterações
megaloblásticas reversíveis podem ser detectadas na medula óssea após 12
a 24 horas de exposição. Há relatos de pacientes que desenvolveram mielo-
patias graves e prejuízos neurológicos após anestesia com N2O 23. Esta toxici-
dade pode ocorrer tanto no paciente como nos profissionais que o empregam.
Aventa-se, nos dias atuais que as concentrações de vitamina B12 próprias do
individuo teriam interferência muito grande nos possíveis danos oriundos do
óxido nitroso. Embora não pareça que o N2O seja teratogênico para seres hu-
manos, devido aos efeitos sobre a síntese de DNA, é prudente evitar exposição
durante o primeiro trimestre de gestação. O N2O apresenta potência 230 vezes
superior ao monóxido de carbono para o efeito estufa e seu uso em anestesia
contribui em aproximadamente 0,1% do aquecimento global, com meia vida na
atmosfera de aproximadamente 120 anos 2.

Halotano
E-Book de Anestesia Inalatória

Devido ao grupamento CF3, o halotano (2-bromo-2-cloro-1,1,1-trifluoroe-


tano), sofre oxidação espontânea e, exposto a luz ultra violeta, é decomposto
em HCl, HBr, íons cloro, bromo e fosgênio (COCl2). Para prevenção da decom-
posição ele é armazenado em frasco âmbar com adição do preservativo timol.
Aproximadamente 20 a 50% do halotano captado pelo organismo sofre me-
tabolismo, mais alto que qualquer outro anestésico volátil de uso corrente.
É solúvel em borracha e em menor intensidade em polietileno. A solubilidade
em borracha, material comumente utilizado em sistemas anestésicos, pode
retardar a indução e a recuperação da anestesia inalatória, o que tem sido
evitado pela substituição da borracha por plástico, que não absorve os agentes
anestésicos 24.
O efeito mais proeminente do halotano no sistema circulatório é a re-
dução da pressão arterial devido à redução da contratilidade miocárdica e da
resistência vascular, embora esta seja menos proeminente que com outros
agentes. Outro efeito que pode ser considerável é a sensibilização do mio-
cárdio às catecolaminas que pode resultar no desenvolvimento de arritmias
ventriculares 24.

Enflurano

Devido a baixas taxas de metabolismo hepático, em torno de 2,5%, o


enflurano (2-cloro-1,1,2-trifluoretil difluorometil éter) foi introduzido na clínica

130
como alternativa ao halotano, principalmente em múltiplas exposições. Não
obstante, tem a capacidade de induzir atividades paroxísticas no eletroen-
cefalograma, acentuadas na presença de anestesia profunda e hipocarbia,
efeito este não acentuado em portadores de epilepsia, durante ou após anes-
tesia com enflurano. Ele é metabolizado por isoenzimas do citocromo P450,
especialmente a P450 2E1, produzindo metabólitos que incluem o ácido tri-
fluoracético (TFA) e o íon fluoreto inorgânico. Embora em pequeno número,
hepatite por enflurano tem sido relatada e o dano hepático por enflurano seja
baixo, estima-se em 1:800.000. Em uso clínico corrente, o pico de concen-
tração raramente excede 25 mM.l-1, mantendo-se por pouco tempo, do limiar
para toxicidade renal 24.

Isoflurano

O isoflurano (1-cloro-2,2,2 trifluorometil éter) é um isômero estrutural


do enflurano que não requer preservativo e é estável na presença de luz ul-

Anestesia Inalatória: Toxicidade e Metabolismo


travioleta. Sofre metabolismo em taxas inferiores a 0,2%, sem descrição de
efeitos tóxicos sobre o fígado 25.

Sevoflurano

O sevoflurano (fluorometil2,2,3-trifluoro-1-[trifluorometil]etil éter) é


um metil isopropil éter fluorado, que apresenta taxa de metabolismo de
5%, superior ao isoflurano ou enflurano. Como os outros halogenados,
tem a isoenzima 2E1 do citocromo P450 como específica para o seu me-
tabolismo. O sevoflurano é desdobrado em fluoretos orgânicos, inorgâ-
nicos e hexafluorisopropanol, que são excretados pela bile e como íons
fluoreto na urina. Embora apresente alta proporção metabolizada, hepatite
é uma hipótese improvável, desde que seja suposto que a via metabólica
não inclua ligação de metabólitos reativos com proteínas ou lipídios. Não
obstante, existem relatos de casos de hepatite relacionada com exposição
a sevoflurano em que o paciente estava fazendo uso de acetaminofeno e
também casos em que outras possíveis causas foram excluídas 26-27.

Desflurano

O desflurano (1,2,2,2-tetrafluoretil-difluor-metil éter) difere do isoflu-


rano em apenas um átomo de flúor substituído por cloro no grupamento
a-etil. Esta substituição é responsável pela redução na solubilidade san-
guínea, tecidual e também na potência. Adicionalmente, a fluoração da
molécula etil éter resulta em alta pressão de vapor que, juntamente com

131
o baixo ponto de ebulição exige vaporizador especial aquecido. É o hidro-
carboneto halogenado que sofre menos metabolismo hepático e então não
considerado como associado a lesão hepática. Entretanto, existem relatos
de pacientes que desenvolveram hepatotoxicidade aguda após anestesia
com desflurano 28-30. Como o desflurano é resistente à degradação pela cal
sodada, em certas condições pode-se acumular no sistema respiratório.

Xenônio

O xenônio apresenta muitas das propriedades do anestésico ideal,


com coeficiente de partição sangue-gás de 0,12, a mais baixa de todos os
anestésicos em uso corrente, permitindo rápida indução. Não é metaboli-
zado no corpo humano, não causa significante alteração na contratilidade
miocárdica, resistência vascular periférica, mesmo na presença de doença
cardíaca 31. Sua ação se dá por inibição de receptores N-metil-D-aspartato
(NMDA) e também sobre bombas de cálcio da membrana neuronal inibindo
respostas nociceptivas no corno posterior da medula espinhal. Por ser um
constituinte natural da atmosfera, não adiciona poluição quando expelido
E-Book de Anestesia Inalatória

para fora do circuito anestésico e em contraste com outros agentes, não


causa destruição da camada de ozônio 32.

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133
Capítulo 10

Simuladores em Anestesia Inalatória


Elaine Aparecida Felix
Florentino Fernandes Mendes

Introdução

Simular é fazer uma réplica de elementos suficientes do mundo real


para obter um objetivo. A tecnologia de simulação constitui-se numa pode-
rosa ferramenta de ensino, amplamente utilizada no ensino da graduação e
na educação médica. Ela é considerada uma nova ferramenta de aprendiza-
do, pois oferece oportunidades seguras e eficazes para praticar e adquirir
as habilidades clínicas necessárias para o atendimento junto ao paciente.
Todas as modalidades de simulação são projetadas para acelerar a experi-
ência de aprendizagem e reforçar os conhecimentos adquiridos a partir de
material escrito 2,10,13. A simulação de habilidades médicas como parte do
processo de diagnóstico e tratamento pode integrar várias especialidades
(anestesiologia, cirurgia, clínica, ginecologia e obstetrícia, pediatria, ima-
gem), abrangendo o treinamento das urgências, emergências e tratamento
intensivo em uma hierarquia de complexidade crescente.
Na área da saúde, a simulação é o resultado da combinação de esfor-
ços de muitos indivíduos e instituições ao longo dos últimos 15 anos e sua
aplicação vem crescendo no ensino e no desenvolvimento de habilidades 1-4,9-12.
A simulação oferece ao aprendiz a oportunidade de desenvolver habi-
lidades antes do trabalho supervisionado com pacientes reais. Ela também
pode ser utilizada na prática clínica para educação continuada e para treina-
mento em situações pouco frequentes. A simulação utilizada para o ensino
médico complementa, mas não substitui, as experiências reais de ensino
junto ao paciente 1-8.
Escolas médicas, educadores, organizações certificadoras, siste-
mas de credenciamento de hospitais e organizações voltadas ao desen-
volvimento de práticas seguras advogam o desenvolvimento de métodos
mais efetivos para ensinar e medir o desempenho clínico. Assim, a simu-
lação pode ser utilizada para atingir proficiência em situações básicas e
complexas, para medir o avanço na capacidade de estabelecer o diagnós-
tico e a terapêutica adequada e para desenvolver a habilidade para inte-
grar conhecimento, julgamento clínico e prática em equipe. Tais atividades
são consideradas elementos essenciais para melhorar a segurança da
prática médica. A simulação é particularmente útil para ensinar o manejo
de eventos raros ou infrequentes. Da mesma forma, o treinamento de
equipes na gestão de crises também pode ser ensinado de forma eficaz.

135
A simulação pode existir tanto em tempo real como fora dele (se desejar).
É possível alterar o fluxo do tempo e o nível de complexidade do treina-
mento (diferente das demais modalidades de ensino). Isso pode ser útil
para alunos iniciantes, que podem necessitar mais tempo para entender
a situação que está sendo apresentada.
Embora a maior utilização da simulação esteja focada em procedi-
mentos e habilidades técnicas em diversas especialidades sua utilização
pode ultrapassar o universo tecnológico. Em muitos centros de ensino a
simulação é usada para desenvolver habilidades não-técnicas e profis-
sionalismo, como a comunicação com pacientes e colaboradores, ou é
dirigida a questões éticas como, por exemplo, o cuidado ao final da vida.
A simulação também tem papel importante para garantir qualidade e segu-
rança ao paciente 14 e tem sido usada como complemento para desenvol-
ver competências e para treinamento continuado 3,15. Vantagens especiais
da simulação incluem o fato de que a aquisição de competências pode ser
obtida através da prática repetida de cenários e ações, sem colocar em
risco o paciente, o que é considerado um imperativo ético 23.
Na figura 1 estão listadas as várias etapas que vão da simulação até
E-Book de Anestesia Inalatória

o desenvolvimento de práticas seguras.

Figura 1 – Simulação como um método para desenvolver práticas seguras

Murray D. Clinical simulation: measuring the ef���������������������������������������


fi�������������������������������������
cacy of training. �������������������
Curr Opin Anaesthe-
siol 2005;18:645–648.

Conceitos gerais em simulação

A simulação é uma tentativa de imitar a realidade e pode ser tão


detalhada que se aproxima da mesma, ou pode ser um agrupamento de
elementos reunidos para serem apenas uma imitação parcial da reali-
dade.
De um lado, existem simuladores de alta fidelidade, com simula-
ção física real e interatividade com o ambiente real, e, de outro lado, há
simulações baseadas em computador e treinamento de habilidades utili-
zando dispositivos. A simulação de alta fidelidade tenta recriar todos os

136
elementos de uma situação que são perceptíveis para um participante.
Simulação baseada em computadores induz o participante a transformar
a experiência obtida através de uma tela bidimensional em metáfora sig-
nificativa de uma situação da vida real. Os dispositivos são focados no
desenvolvimento de habilidades específicas ou em áreas da anatomia
humana 24,25.

Dispositivos

São projetados para chamar a atenção do participante para uma


tarefa específica (punção venosa, intubação). Eles variam em quali-
dade, e cuidados devem ser tomados para garantir que a simulação
assegure uma taxa razoável de realização dos objetivos. Eles devem
ser de qualidade suficiente para trazer benefício ao participante. Os
produtos devem ser confiáveis, robustos e clinicamente significati-
vos. Cursos sobre como utilizar este tipo de dispositivos são geral-
mente orientados para perícia, com nível e objetivo de habilidade

Simuladores em Anestesia Inalatória


específico 24,25.

Simulação baseada em computador

O advento da interatividade reforçou esses produtos. Eles são es-


pecialmente úteis para cursos de tomada de decisões. Pela sua própria
natureza são muitas vezes confiáveis e reprodutíveis. Produtos de simu-
lação com base em computadores também variam em qualidade 17, e em
consequência, a qualidade do ensino decorrente de seu uso. Sua aplicação
deve ser acompanhada por alguma atividade em sala de aula, para permitir
perguntas e exploração detalhada dos problemas descobertos durante o
uso do software 24,25.

Simulação de alta fidelidade

Para a simulação em grande escala ter sucesso, o instrutor deve


criar uma transição suave entre a realidade e a simulação. O instrutor, ou
o operador, encoraja e estimula o participante para evitar o desânimo. Isto
é obtido pelo convincente uso de adereços, de pessoal treinado e através
de interações. A simulação deve fazer sentido para o participante. É preciso
convencê-lo de que aquilo que ele está experimentando é na verdade real,
ou pelo menos realista. Esta tarefa é difícil, porque o participante, através
de ações espontâneas, vai mudar o modo como a realidade interage com
o ambiente 24-26.

137
Realidade

Quando se tenta recriar uma situação particular, deve-se prestar aten-


ção especial aos detalhes que dão aos participantes um senso de realida-
de. A profundidade do detalhamento deve espelhar aquela que é exigida
pelo participante para sentir que a experiência é real. Um exemplo desta
situação na indústria do cinema é a utilização de fachadas de edifícios para
criar a percepção de um edifício real. Com a experiência, os instrutores
irão reconhecer os diversos fatores que desempenham papel importante,
ou não, na geração de uma situação real 24-26.

A manipulação da realidade

É importante imaginar o tempo como uma entidade linear represen-


tada por um conjunto de eventos sequenciais. Na simulação, os membros
da equipe participante podem desenvolver uma série de eventos e con-
frontá-los com a vida real. As interações com o ambiente influenciam os
resultados. Tem-se, portanto, a capacidade para alterar a evolução de um
E-Book de Anestesia Inalatória

cronograma durante a simulação 18. O grau das ações pode variar de extre-
mamente passivo (nenhuma alteração significativa no curso ou no resultado
dos eventos) até extremamente ativo (efeito grande sobre o desenvolvimen-
to ou o resultado). A importância deste conceito reside na compreensão do
grau de influência possível para determinar um resultado. Na simulação, o
aluno não é o único fator que irá determinar o curso dos acontecimentos. A
equipe de simulação pode ter um efeito profundo sobre a evolução de um
cenário, quer pela interferência ativa ou pela indiferença passiva 24,25.
Os principais simuladores fabricados permitem ao instrutor utilizar
cenário e respostas pré-definidas. Permitem, também, flexibilidade para
definir e manipular respostas fisiológicas em tempo real. Este é um concei-
to importante porque a estrita aderência aos cenários e eventos pode (ou
não), em algum ponto, deixar de levar em conta as ações imprevisíveis do
participante. Pode-se imaginar a busca por duas realidades: (a) do instrutor
ou computador, (b) do participante. Enquanto o participante percebe o meio
ambiente e responde adequadamente a simulação permanecerá intacta. A
maioria dos simuladores permite a criação de cenários, perfis e respostas
pré-definidas. Se uma situação pré-estabelecida não se integra perfeita-
mente à realidade percebida pelo participante, então se deve alterar com-
petências para permitir que a simulação continue no sentido não previsto
anteriormente. Embora estrutura e antecipação prévias sejam fundamentais
para ajudar o instrutor a organizar e produzir uma situação, elas também
são fatores limitantes na produção de um ambiente real. Os instrutores

138
devem estar preparados com antecedência para uma simulação, mas tam-
bém devem estar prontos para improvisar e redirecionar o cenário, conforme
necessário. A realidade percebida pelo aluno deve espelhar os objetivos do
curso e os instrutores devem ganhar experiência, aprender a improvisar e a
desempenhar com facilidade várias habilidades 24,25.

Simulação de alta fidelidade - aspectos práticos

A simulação de alta fidelidade exige considerável preparação. Nor-


malmente, este tipo de simulação requer:
Líder da equipe
Atores
Manequim de alta fidelidade
Ambiente elaborado e recriado
Equipamento audiovisual
Participante (s)
Facilitador

Simuladores em Anestesia Inalatória


Líder da equipe

A simulação deve ser abordada da mesma maneira como um diretor


aborda a produção de um filme. A principal diferença é que, às vezes, as
situações podem se desdobrar de formas imprevistas, tal como na gestão
de crises. É fundamental que o líder da equipe seja estabelecido no início
da sessão. Muitos dos princípios do gerenciamento de crise são aplicáveis
ao papel do líder de equipe de simulação.
Ao líder cabe:
Atribuir e delegar tarefas ou funções para os membros da equipe;
Assegurar início adequado;
Assegurar que os participantes sejam expostos a uma experiência
de qualidade;
Estar preparado para dirigir na sala de controle (pode incluir operar o
computador) ou esta tarefa pode ser delegada;
Lidar com problemas e situações inesperadas de forma dinâmica;
Estar familiarizado com todos os aspectos da simulação em curso;
Ser um eficaz comunicador;
Compreender a fisiologia e a farmacologia envolvida na simulação.

É importante notar que o líder da equipe e o operador não são neces-


sariamente a mesma pessoa. O líder da equipe é responsável por garantir
um bom dia de simulação. “Operador” é um termo descritivo que se refere

139
à pessoa que está executando o computador e, talvez, as comunicações. O
operador faz a simulação acontecer em tempo real. O líder da equipe pode
assumir o papel de operador, mas sua principal função é conduzir o grupo
durante a simulação 24,25.

Atores

Os atores devem ser capazes de executar eficazmente uma situação


dinâmica. Eles devem estar familiarizados com os conceitos básicos de
saúde e termos que são pertinentes à sua função. As fontes de atores po-
dem ser variadas e dependem dos recursos do centro para usá-los. Centros
de simulação podem optar por utilizar os próprios participantes ou escolher
atores de outras fontes, tais como pessoal médico aposentado. Médicos,
enfermeiras e estudantes de medicina voluntários também são geralmente
escolhidos para desempenhar esta atividade. O desempenho dos atores
está diretamente correlacionado ao nível de experiência e sua capacidade
para improvisar. Interações do ator com o participante podem afetar o de-
sempenho do participante passiva ou ativamente. Embora pareça fácil de
E-Book de Anestesia Inalatória

agir, não é. O ator precisa responder rapidamente e de forma espontânea às


interações dentro do ambiente. Os atores para desempenharem de forma
mais realista seu papel de personagem devem evitar preconceitos e idéias
preconcebidas 24,25.
Atores e o pessoal da sala de controle devem estar constantemente
se comunicando através do uso de dispositivos eletrônicos sem fio. Isto
permite comunicação multidimensional e adaptação rápida ao desenrolar
da simulação. Esta comunicação também permite ao operador manter certo
grau de controle sobre a simulação para garantir que os objetivos de ensino
sejam cumpridos 24,25.
Atores são elementos importantes da simulação 26. Seria impossível
adivinhar o resultado de uma interação entre duas pessoas, ou um conjunto
de pessoas. Isto é o que diferencia simulação de aula e aprendizagem ba-
seada em problemas. A participação de atores ou pessoas é uma dimensão
que nenhum livro pode fornecer 24-26.

Participantes

A experiência com simulação mostra que a maioria dos participantes


são intimidados pelo medo da avaliação e da crítica. É importante abordar
estas questões no início do processo, quando são definidos os objetivos
desejados da simulação. Distribuição prévia de material explicativo é fre-
quentemente útil. Quando as pessoas se acostumam com a simulação,

140
os temores se dissipam. Os participantes devem ser tratados com respeito
e ter a oportunidade de familiarizar-se com o equipamento (especialmente
com o manequim e com o monitor), antes do início da simulação. A neces-
sidade de familiarização diminui com participantes que já foram expostos
a simulação 24,25.
Os participantes muitas vezes entram num cenário de simulação com um
elevado senso de percepção de seu entorno (semelhante ao Efeito Hawthorne).
Eles geralmente estão esperando algo acontecer. Antes de introduzir um evento
ou uma crise é importante permitir ao participante tempo para relaxar e integrar-
se com o ambiente. Vários métodos podem ser utilizados para esta finalidade. O
principal objetivo é fazer com que o participante evite a descrença. Este processo
pode ser imediato, quando uma pessoa é impulsionada para uma simulação de
crise em curso, ou pode levar vários minutos em uma situação de menor pressão.
Apesar das tentativas de um participante para fazer perguntas como: “eu posso
fazer isso...” ou “eu preciso realmente dar esse fármaco”, em nenhum momento
os atores ou quaisquer outros elementos da simulação podem “sair” da realidade
a ser retratada para responder essas perguntas. Perguntas como “eu realmente

Simuladores em Anestesia Inalatória


preciso dar esse fármaco...” podem ser satisfeitas pelas respostas (a partir de
uma enfermeira) como “o que você quer dizer, você é o médico.” O ator mantém-se
na realidade do momento e também obriga o participante a perceber que ele con-
trola se o paciente será exposto ou não ao fármaco. Isto é importante para manter
a fidelidade da simulação. Perguntas como essas podem ser desafiadoras, mas
podem ser facilmente tratadas por pessoal experiente 24,25.

Ambiente

Quando o equipamento real for utilizado, todo esforço deve ser fei-
to para recriar o ambiente para a simulação desejada. Materiais físicos e
adereços devem dar a aparência de serem úteis e reais. Não há nenhuma
vantagem em utilizar cenários pobres, porque eles só diminuem o realismo
da simulação. Cenários têm lugar na simulação somente se reforçarem ou
auxiliarem a percepção da realidade 24,25.
É importante fornecer materiais auditivo e visual aos participantes. Ma-
teriais e acessórios devem ser avaliados quanto ao realismo visual, auditivo,
tátil e interativo. Alguns materiais exigirão apenas determinados atributos.
Por exemplo, anunciar uma parada cardíaca só exige realismo auditivo. A pro-
posta deve ser considerada bem sucedida se convence o participante que é
real. Os materiais mais convincentes são, naturalmente, as coisas reais. Por
exemplo, a utilização de instrumentos cirúrgicos de forma correta, pode ser
suficiente para convencer o participante de que um verdadeiro procedimento
cirúrgico está ocorrendo 24,25.

141
Com o aumento da experiência da equipe em simulação, mais fa-
tores ambientais e materiais serão introduzidos e usados. A experiência
também permitirá a equipe reconhecer técnicas comuns, para distrair ou
atrair participantes. Um exemplo óbvio é o uso de uma alteração no som da
oximetria de pulso para chamar a atenção de um participante 24,25.

Equipamentos audiovisuais

Equipamentos audiovisuais (AV) são essenciais para o sucesso de


uma simulação. O equipamento tem duas finalidades distintas: (a) permi-
tir ao operador e as demais pessoas na sala de controle ver a simulação a
partir de todos os ângulos e (b) registrar e fornecer ao(s) participante(s) um
retorno da simulação em vídeo. O design e a disposição do equipamento
devem maximizar a quantidade de informações recolhidas. A informação
gravada pode incluir áudio e vídeo, sinais vitais e múltiplos ângulos. Um
marcador de tempo é um bom instrumento de referência durante a grava-
ção. Nem todas as simulações exigirão discussão (debriefing) em vídeo. A
reprodução de vídeo pode ser uma ferramenta de ensino muito poderosa
E-Book de Anestesia Inalatória

e não deve ser destinada somente a simulação em grande escala. O uso


do vídeo é sempre uma opção e irá variar de acordo com os requisitos do
curso 24,25.
Os sistemas de gravação podem ser básicos, utilizando uma única
câmera ou podem tornar-se mais complexos usando vários níveis de entra-
da. A facilidade de uso também é importante, pois a maioria dos usuários
provavelmente não será especialista em equipamento de vídeo. Assim, o
armazenamento e a gravação de áudio e vídeo apresentam desafios espe-
ciais para todo o centro. A revisão detalhada de uma simulação adiciona
substancial experiência de aprendizagem. Por esta razão, é imperativo um
sistema de captação e armazenamento de vídeo confiável. O sistema deve
ser robusto e relativamente livre de falhas, com uma taxa de captura perto
de 100% 24,25.
Os objetivos do equipamento AV devem incluir, no mínimo, a capaci-
dade de:
Registrar áudio visual e contexto acuradamente;
Visualizar o registro de múltiplos pontos de vista;
Fornecer informações duráveis, confiáveis e equipamento fácil de
usar;
Loja de material gravado com facilidade e segurança;
Criar material gravado e visualmente atraente;
Segurança do material gravado.

142
A sequência de pré-simulação

Uma vez que um cenário é selecionado, ele é carregado no compu-


tador e todos os acessórios pertinentes são preparados. A equipe deve
passar alguns momentos discutindo um plano de atuação básico e deve
ser clara sobre o papel que cada membro irá desempenhar. Perguntas por
membros da equipe são feitas neste momento. A conectividade sem fio
entre atores e o operador deve ser confirmada 24,25.

Check list pré-simulação


Todos os membros da equipe de simulação estão disponíveis e pre-
parados.
Todos os adereços estão no lugar adequado.
O cenário foi carregado e é funcional.
O equipamento audiovisual está pronto e funcionando.
Os participantes estão acessíveis.
As comunicações sem fios estão on-line.

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Desenvolvendo simulação de alta fidelidade
Revisão sistemática concluiu que a simulação médica de alta fideli-
dade é efetiva somente quando algumas condições são satisfeitas: é pro-
porcionado feedback educacional, a prática repetitiva é usada, a simulação
é integrada dentro do currículo padrão, a variação da dificuldade de apren-
dizagem pode ser adaptada conforme o nível do aprendiz 27
O cronograma pode variar dependendo do curso e dos objetivos. No
momento em que o participante passa através da porta da sala de simula-
ção ele deve estar bem consciente de que está enfrentando uma situação
real. Os operadores e os professores devem agir como se o centro ou a
área de simulação fosse um hospital real. Desde o início eles devem ins-
truir os participantes que estão no hospital. É importante, no entanto, que
permitam aos participantes que se familiarizem com o centro e com o pa-
ciente. Eles devem ter a possibilidade de experimentar coisas, mas devem
fazê-lo de tal forma que o equipamento nunca seja referido como falso ou
simulado. Quando os participantes são convidados a ouvir murmúrio do
manequim, eles precisam se dirigir ao mesmo como um paciente real e
dizer coisas como: “Sr. Santos, o senhor se importaria se eu ouvisse o seu
pulmão?” O operador na sala de controle irá responder através do microfo-
ne de forma adequada. Como alternativa, os professores podem introduzir
o “Sr. Santos” e iniciar uma conversa com ele e com os participantes.
Isso é útil e permite que os participantes realmente comecem a “diminuir
a descrença”. Uma vez que os participantes estejam familiarizados com o

143
meio ambiente e com o manequim, eles são convidados a deixar a
sala 24,25.
Um participante é escolhido e convidado a entrar na sala de simula-
ção no contexto do script escolhido. Por exemplo, o participante é chamado
para ir para a sala 2, em que um paciente está necessitando de alguma
ajuda. A simulação é iniciada e espera-se que o participante possa executá-
la como se fosse a vida real. Neste ponto, o relacionamento entre todos os
participantes na sala de simulação e na sala de controle irá ditar a forma
como a simulação evolui. O participante pode pedir ajuda, se for permitido
pelos objetivos do curso. A ajuda pode ser um companheiro participante do
curso ou pode vir na forma de um dos professores do centro. Isto depende
inteiramente dos objetivos do curso e do seu desenho. Se um participante
é um auxiliar, então ele deve ser isolado de qualquer conhecimento do que
está ocorrendo na sala de simulação (a menos que o script dite de outra
forma). Os outros membros do grupo participante são escoltados até uma
sala de conferências onde se pode ver ao vivo a transmissão dos aconteci-
mentos da sala de simulação 24,25.
Uma vez que a simulação esteja completa, deve ser dado um
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intervalo ao grupo. Após o intervalo o grupo remonta a simulação com


o facilitador ou instrutor e com os membros do elenco de simulação e
inicia o processo de esclarecimento 24,25.

Debriefing

Um balanço pode ser caracterizado de diversas maneiras. O elemento


central deve ser a capacidade de um facilitador para estimular a aprendiza-
gem e a discussão de forma organizada. Bons facilitadores (debriefers) são
frequentemente bons educadores, apesar disso não ser sempre verdadeiro.
O papel do facilitador é identificar os elementos da simulação (depois de con-
cluída) que possuem valor educativo e que são pertinentes para os objetivos
do curso. Ele atua para facilitar o debate em torno destes elementos 24,25.
O processo de esclarecimento é muitas vezes subestimado como
uma ferramenta educacional, pois é tão importante quanto o próprio cená-
rio. Neste processo, o estudante é estimulado a avaliar a situação usando
ferramentas anteriormente não disponíveis para os profissionais de saúde.
Eles são capazes de aprender com sua própria auto-análise e com o debate
com os outros colegas. O esclarecimento é também um momento em que
elementos da evolução de um cenário podem ser agregados ao ensino de
conceitos e conhecimentos 24,25.
Vídeo e outros dispositivos são frequentemente úteis. Um facilita-
dor de dúvidas aprende a iniciar a discussão com perguntas abertas que

144
objetivam induzir os membros do grupo a verbalizar seus pensamentos.
Perguntas como: “Como é que se sente?” frequentemente levam a uma
resposta sincera. Na sequência uma questão mais dirigida, como: “O que
você quer dizer?” ou “Pode explicar isso para nós?” serve para continuar a
discussão. O objetivo é que os membros do grupo sintam-se inspirados na
“abertura” da discussão e tornem-se mais à vontade com o interrogatório
durante sua evolução 13.
Muitas vezes, com o passar do tempo, a análise da simulação é mui-
to mais fácil porque os participantes ganharam confiança nos indivíduos e
no processo e, embora a maioria das sessões de esclarecimento aconteça
adequadamente, há momentos em que o estresse do cenário e da análise
pode ser opressor para o participante. O facilitador deve estar bem ciente
dessa possibilidade e intervir da melhor maneira possível. O processo de
auto-avaliação e a avaliação pelos pares pode ser uma ferramenta muito
positiva. Centros de simulação precisam estar preparados para estas situa-
ções e desenvolver políticas para lidar pró-ativamente e com empatia com o
participante que apresentar dificuldade com esse processo. Os instrutores

Simuladores em Anestesia Inalatória


e facilitadores são incentivados a ler sobre o balanço de recursos eficazes,
porque isso é verdadeiramente uma arte. Existem muitos cursos e mate-
riais que podem auxiliar nesse esforço 13,21,22.

Simulações para o ensino da Anestesiologia

O campo da simulação médica, e suas potencialidades de ensino,


tem se expandido da anestesiologia para outras especialidades médicas
(medicina interna, medicina de emergência, pediatria, cirurgia, radiologia,
entre outras).
A anestesia interfere com inúmeros mecanismos básicos de defesa
do paciente, incluindo a percepção da dor, a motricidade, a respiração, a
função hemodinâmica, etc. Muitos agentes anestésicos deprimem o co-
ração e o tônus cardiovascular, podendo provocar arritmias cardíacas, ou
precipitar eventos fisiopatológicos catastróficos, tais como choque anafilá-
tico, hipertermia maligna e choque. Além disso, durante os procedimentos
de monitoração diversos problemas de funcionamento do equipamento po-
dem potencialmente colocar em risco a saúde e até a vida do paciente. O
paciente em estado inconsciente é dependente do anestesista, que deve
diagnosticar e tratar as complicações anestésicas e cirúrgicas.
Embora a prática anestésica seja geralmente considerada “rotina”,
ela requer vigilância e habilidade para reconhecer e resolver problemas que
podem ameaçar a vida. O anestesiologista deve desenvolver habilidades
como: a capacidade de assimilação de conceitos complexos, habilidade

145
manual, pensamento e reflexos rápidos, entre outras. Para a administração
da anestesia em todas as suas etapas, desde o pré-operatório até a recu-
peração anestésica, é necessário conhecimento profundo de anatomia, de
fisiologia, de farmacologia e de medicina interna. Além disso, é necessário
desenvolver habilidades para indicar e realizar intubação, monitorização,
cateterização venosa e arterial e desenvolver respostas rápidas para even-
tos adversos.
A prática anestésica vem sendo ensinada com base na relação direta
entre instrutor e aprendiz, pela qual o aprendiz acompanha anestesias reais
em pacientes, sob a supervisão de um instrutor mais experiente, e, gradati-
vamente, passa a realizar todas as etapas necessárias para o aprendizado
autônomo. Essa abordagem apresenta diversos problemas, tais como um risco
maior para o paciente, potencial interferência com a eficiência da cirurgia, tem-
po maior para o aprendizado de todas as etapas e técnicas. Entretanto, o maior
problema consiste na impossibilidade ética de se provocar diversos tipos de
acidentes instrumentais, farmacológicos e fisiopatológicos, com a finalidade de
treinar e testar habilidades específicas de resolução de problemas. Ademais,
como a incidência geral de complicações é menor do que 1:10.000 casos,
E-Book de Anestesia Inalatória

muitos anestesistas, e os médicos em treinamento, podem passar anos sem


serem expostos a complicações graves e a emergências anestésicas, tendo
somente o conhecimento da literatura e não a vivência real.
A educação anestesiológica através da simulação foi proposta princi-
palmente para fins de treinamento, de análise e de interpretação de fenô-
menos, com a finalidade de habilitar o profissional, sem a presença do pa-
ciente, a desenvolver respostas rápidas e adequadas diante de eventuais
acidentes e intercorrências sérias, cuja incidência é baixa. Uma das mais
importantes razões para desenvolver o ensino e o treinamento baseado em
simulação especificamente em anestesia é de evitar consequências adver-
sas ao paciente relacionadas ao erro e a inexperiência. O desenvolvimento
psicomotor para procedimentos de alto risco, o desenvolvimento cognitivo
para situações médicas de alto risco e para eventos graves de ocorrência
rara (hipertermia maligna, por exemplo) podem ser ensinados, treinados e
certificados nesse novo paradigma.
Em situações críticas, como ocorre no perioperatório, a simulação
pode fornecer uma das mais promissoras abordagens para treinar o médico
no manejo de eventos complexos, infrequentes, de risco e raros.
Em 1960, em seu trabalho pioneiro com o SIM I®, um manequim contro-
lado por computador para simulação anestésica, Denson e Abrahamson esco-
lheram o treinamento da sequência de intubação. Segundo esses autores, “o
uso do simulador para planejamento e aumento gradual da dificuldade dos pro-
blemas a serem resolvidos pelo aluno, além da repetição ilimitada de cada fase

146
dos procedimentos a serem aprendidos, e imediata retroalimentação quanto ao
desempenho do aluno, permite que cada um aprenda a sua própria maneira e a
sua própria velocidade”. A partir deste estudo pioneiro, outros autores desenvol-
veram sistemas simulados visando todo o ato anestésico, tais como o sistema
CASE, de Gaba e DeAnda (1988), que simula toda a sala cirúrgica; e o ASR (The
Anesthesia Simulator-Recorder) de Schwid e O’Donnell (1990).
Atualmente, os simuladores desenvolvidos dividem-se em dois gran-
des grupos, havendo no mercado diversos produtos comerciais em ambas
as categorias:
Simuladores baseados unicamente em software, nos quais todas
as funções do equipamento e procedimentos anestésicos são simulados
como textos e imagens em uma tela de vídeo;
Simuladores baseados em um conjunto de software e manequins
especiais, dotados de sensores e atuadores que visam simular pacientes
humanos de forma mais realística.

Simulações computadorizadas para o ensino da Anestesiologia

Simuladores em Anestesia Inalatória


Nos últimos anos, em muitos países desenvolvidos, vem ocorrendo uma
verdadeira revolução no treinamento de médicos anestesistas. Novas tecnolo-
gias permitem que os aprendizes pratiquem a anestesia utilizando simuladores
computadorizados, de forma a permitir um número muito maior de sessões
práticas em menor tempo, em comparação com as técnicas de ensino tradi-
cionais. A simulação por computador permite também vencer o problema ético
principal referido acima, ao facilitar a experimentação repetitiva com diversos
tipos de falhas, intercorrências e mal funcionamento do equipamento, e treinar
o anestesista usando fenômenos em situações de ocorrência rara.
Tipicamente, um software simulador de anestesia, partindo de mode-
los matemáticos de fisiologia, de farmacologia e de fisiopatologia procura
obter o máximo de realismo. Deste modo, ele pode ser usado tanto para
o treinamento de estudantes, quanto para o planejamento de estratégias
anestésicas. A interação com o usuário é feita geralmente através de uma
interface gráfica, que exibe de forma realista os diversos indicadores en-
contrados nos manômetros de gases e líquidos, no ventilador de anestesia,
nos monitores de sinais vitais, tais como oxímetro, capnógrafo, cardioscó-
pio, monitores de pressão invasiva e não invasiva, termômetros, e outros
equipamentos de uso em anestesia, tais como bombas de infusão.
Em alguns sistemas mais sofisticados, aparecem na tela imagens
do paciente, com possíveis indicações de sinais e sintomas referentes ao
nível da anestesia, cianose, etc. Os sinais vitais, por sua vez, podem ser
gerados em tempo real pelos modelos matemáticos. Essa interface tem

147
por objetivo aproximar a simulação da situação real a ser enfrentada e de
facilitar o manejo por pessoas com pouco conhecimento em informática.
Em adição à cirurgia, o software pode introduzir diversos problemas,
tais como: hemorragias mecânicas, diminuição abrupta do retorno venoso
(vasodilatação, posição ou compressão da veia cava), atelectasias, pneu-
motórax, embolias, reações alérgicas, falhas de equipamento, sobredose
de anestésicos, etc. Os incidentes críticos podem ser criados pelo exami-
nador-professor ou pela própria máquina, a partir de uma listagem interna.
Com o uso do mouse e placa de geração de som, o sistema pode si-
mular o exame do doente, comunicar-se com o cirurgião, controlar a ventila-
ção, diagnosticar intubação esofágica, examinar vias aéreas, perceber per-
fusão do doente, coloração (anemia, icterícia, cianose), administrar fluidos
e medicações, além de reanimar o paciente com parada cardiorrespiratória,
desfibrilar e usar drogas de ressuscitação.
Bons sistemas simuladores incluem um arquivo farmacológico, con-
tendo parâmetros de farmacocinética e farmacodinâmica de dezenas de
drogas anestésicas e não anestésicas de uso rotineiro na prática clínica.
O arsenal de equipamentos pode incluir bomba para infusão rápida de san-
E-Book de Anestesia Inalatória

gue, cardiodesfibrilador, tromboelastógrafo, balão intra-aórtico, biopump,


etc. Muitos simuladores permitem armazenar também um banco de da-
dos contendo casos de pacientes reais ou fictícios a serem anestesiados
(dados clínicos, peso, altura, doença principal, comorbidades associadas,
idade, sexo, exames, etc.) assim como a cirurgia a ser realizada, a partir de
parâmetros criados pelo docente.
A resposta do paciente à manipulação farmacológica é geralmente feita
em tempo real, a partir de modelos fisiológicos e farmacológicos. O modelo
de sistema cardiovascular prediz débito cardíaco, diversas pressões sanguí-
neas, fração de ejeção, índice cardíaco, volume diastólico final de ventrículo
esquerdo, consumo e balanço de O2 cardíaco, resistência vascular periféri-
ca e resistência vascular pulmonar. Barorreflexos fazem parte deste modelo
cardiovascular, assim como o reflexo oculocardíaco e carotídeo. O modelo do
sistema respiratório prediz pressões na árvore respiratória, trocas gasosas,
concentrações sanguíneas de gases, complacência e resistência pulmonar,
concentração alveolar de agentes inalatórios. O modelo farmacocinético pre-
diz a concentração plasmática, meia vida, eliminação e efeitos farmacológicos
das drogas contidas na listagem. Podem ser definidos por software diversos
valores limites, onde pode ocorrer uma mudança de estado fisiológico/clínico
(isquemia miocárdica que evolui para parada cardíaca, hipóxia que evolui para
arritmia mais midríase não fotorreagente (morte cerebral)).
Cada fármaco no simulador pode afetar o nível de consciência, de
analgesia, de bloqueio neuromuscular, a frequência cardíaca, a resistência

148
vascular sistêmica, a contratilidade miocárdica, o tônus venoso, a frequência
respiratória, a curva de CO2 expirado, a respiração bem como diversas outras
variáveis com propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas. Os mo-
delos farmacológicos, para maior realismo, podem levar em consideração a
interação de drogas, tais como agonismo, antagonismo e sinergismo.
Além de simular os sistemas fisiológicos com grande realismo, os simu-
ladores anestésicos geralmente apresentam vantagem adicional em relação ao
treinamento em anestesias reais: gráficos especiais podem ser exibidos no vídeo,
mostrando a evolução temporal dos níveis de diversas drogas, simultaneamente,
em qualquer compartimento orgânico desejado (alvéolos, sangue, compartimento
intracelular, fígado, rins, urina, cérebro, etc.), permitindo assim uma melhor compre-
ensão quanto aos fenômenos subjacentes à anestesia e às suas intercorrências.

Simulações com manequins especializados para o ensino da


Anestesiologia

O segundo grupo de simuladores, mais sofisticados e caros, con-

Simuladores em Anestesia Inalatória


siste de um manequim com reprodução anatômica fidedigna em relação à
boca, faringe, laringe e traquéia (e que pode ser intubado). Os manequins
mais completos têm as seguintes características:
Apresentam movimentos respiratórios autônomos de frequência e
profundidade controláveis por software.
Podem ser ventilados mecanicamente, gerando CO2 em quantidades
corretas, que podem ser enviados para monitoração pelo capnógrafo.
Apresentam alto-falantes para emissão de bulhas cardíacas detectá-
veis com estetoscópio, bem como atuadores mecânicos para simular pulso
radial e carotídeo.
Apresentam resposta mecânica de tremor dos polegares em respos-
ta a estimulador neural padrão, bem como tensão do músculo masseter,
proporcional ao nível anestésico.
Apresentam sinais de ECG, normais e patológicos, com frequência
proporcional ao estágio anestésico. Muitos manequins são sensíveis a di-
versos tipos de manobras diretas.
Podem ser injetados com diversos tipos de drogas.
Apresentam sensores de pressão no trato respiratório superior, para
detecção do posicionamento do tubo traqueal.
Podem sofrer venóclise e cateterização.
Apresentam sensores de pressão de insuflação respiratória e de
pressão mecânica torácica (ressuscitação por massagem externa).
Assim, o conceito mais avançado de simulador anestésico consiste
de um paciente-manequim completo, que pode ser utilizado com o aparelho

149
anestésico e sistemas de monitorização idênticos aos utilizados na prática
clínica. O usuário pode ventilar, intubar, desfibrilar, administrar gases anes-
tésicos, ar ou oxigênio, estimular nervos, administrar agentes intravenosos,
auscultar e monitorizar diversos parâmetros fisiológicos. O manequim, sob
controle do computador, libera gases respiratórios, exibe sinais vitais e
reage a manipulações e a drogas.
Diversas empresas oferecem produtos desse tipo. O mais sofisticado
é fabricado pela empresa americana CAE-Link, do mesmo grupo que fabrica
os sofisticadíssimos simuladores para treinamento de pilotagem aérea.
Há numerosas vantagens para o uso da simulação em anestesia:
Não há riscos para o paciente, nem problemas éticos;
É útil para o ensino individualizado (interativo), bem como para a de-
monstração de diferentes técnicas anestésicas;
Um mesmo caso pode ser repetido de forma idêntica ou com varia-
ções aleatórias, tantas vezes quanto se queira;
Permite correlacionar de forma didática eventos fisiológicos e farma-
cológicos com os fenômenos observados clinicamente;
É útil para registrar, analisar e observar técnicas anestésicas;
E-Book de Anestesia Inalatória

Permite reconhecer incidentes críticos e treinar estratégias de pre-


venção e resolução;
Permite a geração de situações que envolvem eventos incomuns,
porém sérios;
Múltiplos cenários podem ser usados sequencialmente;
Permite reconhecer e valorizar adequadamente artefatos apresenta-
dos pelos monitores.
O desempenho do aluno pode ser registrado e avaliado qualitativa e
quantitativamente;
Permite realizar exames de proficiência anestésica.

Conclusão

A simulação é uma ferramenta poderosa. Em muitos aspectos, é o


mais próximo da realidade onde se pode iniciar o treinamento, antes de
passar para a própria realidade.
Em anestesia, o ambiente pode ser tão amplo e útil como tem sido
os simuladores de vôo para a aviação. Não é possível separar facilmen-
te uma atividade tão integradora como o ato anestésico e a medicina
perioperatória em modelos de simulação super direcionados. A maioria
das ferramentas disponíveis pode ser aplicadas à Anestesiologia e o são
como um todo. Poucas estão direcionadas especificamente a anestesia
inalatória. Portanto, neste capítulo procuramos introduzir a simulação

150
como ferramenta insubstituível no processo de ensino e aprendizado da
anestesiologia.
Muitos departamentos têm utilizado a simulação com vários graus de
sucesso. O planejamento, a implementação e a manutenção de um centro
de simulação pode ser demorado e dispendioso e exige dedicação, persis-
tência e adaptabilidade.
Usuários de simulação prospectiva devem entender como a realidade
pode ser recriada e manipulada. A equipe de simulação deve ser multifun-
cional e entender que cada membro tem uma função e os efeitos sobre o re-
sultado do dia. Escolhas do design do centro de simulação, equipamentos
de audiovisual são fatores importantes que irão variar de instituição para
instituição. Na fundação de um centro de simulação, um conjunto claro de
objetivos e o currículo devem ser definidos antes dos equipamentos. Como
com qualquer outra ferramenta de ensino, professores e facilitadores com-
petentes (para interrogatório, se necessário) são importantes.

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