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Revista Tempos Acadêmicos - ISSN 2178-0811

Os desafios do Pós-Abolição: a luta pela emancipação


Willian Robson Soares Lucindo1

Resumo: Este artigo tem a finalidade de dar visibilidade às experiências das populações
afrodescendentes após a Abolição da escravatura no Brasil. O que teria feito a antiga
população de escravizados com o fim da escravidão? É uma pergunta possível de se
fazer quando analisamos a história do Brasil a partir dos livros didáticos (principal
veículo do conhecimento histórico escolar). Neles são exploradas a cor ou a raça e a
origem continental das pessoas escravizadas, quando abordam o período escravista, mas
quando tratam da sociedade brasileira pautada no trabalho livre tudo isso desaparece.
Discutem a presença europeia na formação da classe trabalhadora do país, porém não
citam como era o povo brasileiro, os aspectos ressaltados no escravismo não têm
importância, deste modo as populações de origem africana desaparecem quando acaba o
sistema de cativeiro. Entretanto, após a consolidação da história da escravidão focada na
experiência de cativos, ganhou força um novo campo de estudo na historiografia
brasileira: o pós-Abolição, que busca, acima de tudo, dar entendimento à formação da
cidadania dos afrodescendentes.

Palavras-chaves: Pós-Abolição; sociabilidades; populações de origem africana;


relações etnicorrariciais;

Abstract: This article aims to give visibility to the experiences of people of African
descent after the abolition of slavery in Brazil. What would have made the old
population of slaves with the end of slavery? It is a question of can do when we analyze
the history of Brazil from the textbook (the main vehicle of knowledge transcript).
Them are explored color or race and continental origin of enslaved people, when they
approach the period of slavery, but when dealing with the Brazilian society based on
free labor all this disappears. Discuss the formation of the European presence in the
country's working class, but did not mention was how the Brazilian people, the aspects
highlighted in slavery do not matter, thus the populations of African origin disappear
when the system ends up in captivity. However, after the consolidation of the history of
slavery focused on the experience of slaves, gained momentum a new field of study in
Brazilian history: the post-abolition, seeking, above all, to understand the formation of
the citizenship of African descent.

Keywords: Post-Abolition; sociability; populations of African origin, race relations

Introdução: definindo o pós-Abolição


1
Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa
Catarina (PPGH/UDESC), professor da Rede Pública Municipal de São Paulo e Pesquisador Associado
do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da mesma universidade (NEAB/UDESC).

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A preocupação com o período escravista brasileiro muitas vezes esteve


vinculada com a compreensão das relações raciais. O debate girava em torno, então, de
saber qual o porquê da dificuldade das populações afrodescendentes em se integrarem à
sociedade brasileira pautada no trabalho livre. Nos principais estudos da primeira
metade do século XX, a escravidão foi vislumbrada como um mundo governado pela
vontade dos senhores e toda a ação de escravizados era uma espécie de reflexo disso. A
consequência historiográfica dessa interpretação é uma análise da Abolição como um
não fenômeno ou de menor importância, que não pôde trazer mudanças concretas para a
sociedade brasileira,2 e, por consequência, no pós-Abolição as populações de origem
africana sofreram com suas anomalias e foram colocadas de lado (quando não
substituídas por trabalhadores imigrantes). Ainda, em algumas pesquisas é possível
encontrar a ideia de que a escravidão causou deformações morais, sociais e culturais nos
escravizados, transmitidas, posteriormente, aos seus descendentes. Isso justificaria a
incapacidade deles em criar qualquer tipo de organização nos primeiros anos da
sociedade livre.

Nessa interpretação histórica a desigualdade entre negros e brancos não é fruto


única e exclusivamente de caráter socioeconômico, a ele se vincula o aspecto racial.
Florestan Fernandes levou em conta o preconceito racial, que seria um dos antigos
hábitos da sociedade escravista que foi perdurado ao seu fim, que ajudava no
favorecimento dos imigrantes na busca pelos postos de trabalho.

E, nesta disputa por trabalho, outros elementos faltavam aos afrodescendentes,


como a ausência de “coragem para ocupar posições degradantes” e capacidade “para
fomentar poupança”, qualidades que não faltavam às populações imigrantes, que, por
isso, conseguiram a “eliminação dos negros” dos postos de trabalho. Na sua visão,
também era um problema o falta de políticas em favor de ex-cativos e seus
descendentes, que os deixavam à “sua própria sorte”, responsáveis por si mesmos
“embora não dispusesse de meios materiais e morais para realizar tal proeza”. 3 A

2
RIOS, Ana Lugão. MATTOS, Hebe Maria. Memórias do Cativeiro: família, trabalho e cidadania no
pós-abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p.21
3
FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes – o legado da raça branca.
São Paulo: Dominus : Ed. Univ. S. Paulo, 1965.p.5 e p.1

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mudança de postura acontece nos finais dos anos 1930, para o autor, que seria um
momento em que as populações afrodescendentes conseguiram uma ocupação estável.

A construção histórica de disputa entre imigrantes europeus e afrodescendentes


por postos de trabalho nas primeiras décadas após a Abolição foi explorada por outros
pesquisadores. José de Souza Martins teorizou esses anos como um momento de
transição e substituição de mão-de-obra, de origem africana para a de origem europeia.
Ele também diferencia a história da escravidão da história do trabalho, uma vez que em
seu entendimento o primeiro sistema funcionava através de um trabalho irracional, sem
4
que fosse possível construir entre a mão-de-obra uma subjetividade. Silvia Hunold
Lara, ao problematizar a relação da história do trabalho e a escravidão, aponta que na
mesma medida em que as populações escravizadas foram excluídas dessa historiografia
foi também os cativos beneficiados pela Abolição e seus descendentes,5 porque após o
13 de maio de 1888 o que importa para essa historiografia é a ocupação dos imigrantes.

Com a revisão dos estudos do período escravista, que colocaram a perspectiva


escrava no foco de pesquisa, foi possível pensar novos problemas e abordagens para o
pós-Abolição. Atualmente as pesquisas desse campo de estudo estão preocupadas com
os destinos das populações que saíram do cativeiro, os projetos que foram formulados
por e/ou para elas, suas manifestações culturais, relações sociais, ou seja, a complexa
dinâmica das relações e dos conflitos da sociedade pós-escravista, que emergiram
marcadas pela escravidão.6

A “herança escravista” não deixa de ter sua importância para as relações


raciais, mas foi reavaliada e a situação das populações afrodescendentes deixou de ser
resultado pura e simplesmente dela. Procura-se, acima de tudo, verificar a
desestruturação do sistema escravista, seus desdobramentos nos diversos setores da
sociedade, além da construção das identidades e categorias raciais. Assim, ao mesmo
tempo em que apontam que antigas formas de dominação foram mantidas, demonstram
que outros mecanismos foram criados para manter e excluir privilégios a determinados
grupos. Apontam Hebe Mattos e Ana Lugão Rios, que após essa reavaliação
4
Ver MARTINS, José de Souza. O Cativeiro da Terra. 1. ed. São Paulo: Livraria Editora Ciências
Humanas, 1979.
5
Ver LARA, Silvia Hunold. Escravidão, Cidadania e História do Trabalho no Brasil. In revista do
programa de Estudos Pós-Graduados em História e do departamento de História da PUC/SP-SP:
EDUC, 1998. E ______. Blowin' In The Wind: Thompson e A Experiência Negra No Brasil. Projeto
História, São Paulo, v. 12, 1995
6
FRAGA, Walter. Encruzilhadas da Liberdade – Histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-
1910). Campinas, SP: editora Unicamp, 2006 p. 27

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O ponto de partida [dos estudos do pós-Emancipação] foi a percepção de que


a construção das identidades raciais negras nas Américas não se fez como
contrapartida direta da violência intrínseca à ordem escravista. Trata-se de
reconhecer que o processo de destruição da escravidão moderna esteve
visceralmente imbricado com o processo de definição e extensão dos direitos
de cidadania novos países que surgiam das antigas colônias escravistas. E
que, por sua vez a definição e o alcance desses direitos estiveram diretamente
relacionados com uma contínua produção social de identidades, hierarquias e
categorias raciais. Nesse sentido, a historicidades das identidades e
classificações raciais tornou-se questão central para o entendimento dos
processos de emancipação escrava e das formas como as populações
afrodescendentes e as sociedades pós-emancipação lidaram culturalmente
com os significados da memoria do cativeiro.7

Então, para os estudos de pós-Abolição, é importante analisar como as


populações afrodescendentes se relacionaram com os projetos de cidadania, como foram
absorvidas ou não, suas táticas para se inserirem, os projetos de vidas que construíram
para si.

As associações no pós-Abolição

Os estudos de memórias das populações oriundas do período escravista são


escassos no Brasil, pois não houve uma preocupação em registrar a memória de antigos
cativos e de seus descendentes, como aconteceu nos Estados Unidos. Por isso um bom
foco de estudo é a formação de agrupamentos de afrodescendentes, como as associações
beneficentes e as irmandades. Essas duas formas de aglutinação, junto com os jornais,
foram os principais meios usados pelas populações afrodescendentes para intervir na
sociedade nos primeiros anos de República em todo o país. Através de seus estatutos e
notícias, é possível notar a preocupação que tinham com a educação, o sentimento de
solidariedade, a busca pela ascensão social e que seus membros se consideravam
participantes de uma elite entre os afrodescendentes, apesar de muitas vezes ter
significado somente que possuíam uma ocupação remunerada.

Muitas análises foram construídas a partir da ideia de que os jornais, as


associações e as irmandades foram os embriões do Movimento Negro consolidado na
década de 1970. Mais do que isso, elas foram espaços de gestão autônomas dos

7
RIOS, Ana Lugão. MATTOS, Hebe Maria. Op. Cit. p.21

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afrodescendentes, onde buscaram construir laços de solidariedade e mecanismos de


ascensão social.8 Enquanto as irmandades religiosas foram fortes expressões desde o
período colonial, na República as sociedades beneficentes surgiram com força em quase
todo território brasileiro, a maioria delas ficou conhecida como sociedades recreativas
por conta do destaque das atividades lúdicas.

As sociedades beneficentes eram controladas por grupos de letrados, o que não


significa que todos os participantes sabiam ler e escrever, e sim que eles se apropriaram
da leitura e da escrita e fizeram uso delas em suas práticas sociais. Na definição de
Magda Soares,9 “o letramento é resultado da ação de ensinar e aprender as práticas
sociais de leitura e escrita. O estado ou condição que adquire um grupo social ou
indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais”.

Então elas foram lugares de letramento, que em suas dinâmicas e gestões


demandavam o domínio da cultura letrada para emitir pareceres de balanços e das
propostas de candidatos a sócio, para publicar as punições, registrar as denúncias de
condutas impróprias de outros sócios, além de que muitas controlavam jornais. Na
cidade de São Paulo, por exemplo, o jornal Kosmos era controlado por um grêmio de
mesmo nome, usado para divulgar eventos assim como acontecimentos dentro e fora de
vida associativa, destacando as condutas dos associados, mesmo que de outras
instituições.

A ação dos associados nas ruas era importante, pois os afrodescendentes


letrados buscavam o respeito do restante da sociedade, tentavam incorporar os valores
das classes dirigentes e agir a partir dele para, assim, desarmar os argumentos negativos
sobre as maneiras de ser das populações de origem africana. As roupas, as danças e os
comportamentos precisavam ser vigiados para que ninguém pudesse falar algo contra a
sociedade e de seus associados.

“Denunciar qualquer acto prejudicial ao andamento, ao bom nome do


centro”,10 era um dever dos sócios do Centro Recreativo Smart. E, para ser admitido

8
ROSA, Julio César da. Sociabilidades e territorialidade: a construção de sociedades de
afrodescendentes no sul de Santa Catarina (1903/1950). 2011. p.25 Dissertação (mestrado em história do
tempo presente) Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina.
9
SOARES, Magda. Letramento e Alfabetização: as múltiplas facetas. Trabalho apresentado no GT
Alfabetização, Leitura e Escrita, durante a 26ª. Reunião Anual da ANPEd, realizada em poços de Caldas,
de 5 a 8 de outubro de 2003.
10
Estatuto do Centro Recreativo Smart, 1910, p.2.

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como associado do Grêmio Recreativo Dramático Kosmos era preciso atender àlgumas
exigências: “ser proposto por um sócio em gozo dos seus direitos sociais, por escripto e
mencionado o nome, estado civil, profissão, residência”, ser maior de quinze anos e “ter
bom comportamento moral e civil”11. No Centro Recreativo Dansante Defensor da
Pátria, poderiam fazer parte do quadro associativo “todas as pessoas de ambos os sexos
e de reconhecida idoneidade moral”; o estatuto reforça a condição moral entre os sócios
contribuintes, afirmando que para se tornar um destes o candidato deveria ter “bom
comportamento moral e civil”.12 Também não era permitida a entrada de pessoas de atos
duvidosos nas festas, nem mesmo como convidadas, como foi noticiado n’O Alfinete, a
“sempre Exma e gentil esposa [do presidente da Sociedade Chuveiro de Prata], ainda
não mãe, [que] proibiu que ali [no Chuveiro de Prata] entrassem Magdalena Roza,
Fulgência de Conceição, etc., que são pessoas que a moral manda que fiquem em
casa”.13

A vigilância também era feita por alguns membros das sociedades que tinham
cargos específicos para isso: eram eles os 1º e 2º fiscais ou os mestres-sala. Caso um
sócio agisse de maneira inadequada, o fiscal do Kosmos ou do Smart deveria chamar a
atenção dele por duas vezes em particular, na próxima suspendê-lo e comunicar o
presidente, isto nas festas ou reuniões. Maneira inadequada poderia ser comprometer
uma dama antes que fosse dado sinal para iniciar a quadrilha, voltar do centro do salão
desacompanhado das damas ou dos cavalheiros para as contradanças.14 Além disso,
haviam atos impróprios que poderiam causar a eliminação, como frequentar qualquer
atividade alcoolizado ou portando armas, ter “mau comportamento dentro ou fora das
festas ou reuniões”, faltar com respeito a quem quer que fosse quando estivessem
representando sua associação e desrespeitar qualquer sócio ou convidado, assim como
desacatar qualquer membro da diretoria.15

Quando as sociedades vigiavam as condutas de seus integrantes, tentavam


garantir a que eles não se comportassem de forma inadequada do ponto de vista das
classes dirigentes e, deste modo, desmontariam as bases de discriminação. Ou seja, no
momento em que era discutido se as populações de origem africana eram ou não inferior

11
Estatuto Grêmio Dramático e Recreativo Kosmos, 1921, p.1
12
Estatuto Grêmio Recreativo Dansante Defensores da Pátria, 1922, p.1
13
O Alfinete, 27 set., 1921.
14
Estatuto Grêmio Dramático e Recreativo Kosmos, 1921, p.4. e Estatuto do Centro Recreativo
Smart, 1910, p.11.
15
IBIDEM.

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às demais, se elas representariam um atraso ao desenvolvimento nacional e como lidar


com os vícios que ela adquiriu na escravidão ou que já lhes eram presentes pela
condição racial, os letrados afrodescendentes tentavam impor uma “outra
convivência”16 que faria com que fossem respeitados.

Porém, a luta contra a discriminação não se limitava ao comportamento. A outra


convivência passava também pela instrução e educação, por isso espaços destinados à
leitura, estudo são objetivos presente nos diferentes estatutos. Na Sociedade Recreativa
União Operária de Laguna, aponta Júlio Cesar da Rosa que seus fins era:

a) Proporcionar reuniões dançantes ou quaisquer outras festas em que se


reúnam amistosamente os sócios e seus familiares; b) criar uma sessão de
leitura variada e instrutiva para seus sócios fazendo aquisições de jornais,
livros e revistas boas; c) intensificar e desenvolver-se por todos os meios ao
seu alcance os serviços de assistências sociais. 17

Uma das primeiras associações fundadas na cidade de São Paulo com esse
caráter era o Club 13 de Maio dos Homens Pretos, de 1902, e no seu estatuto informava
que, além de festejar a data da Abolição da escravatura, era seu objetivo cria escolas
noturnas e diurnas, assim que seus fundos permitissem.

Não há informações que este clube tenha conseguido criar uma sala de aula,
mas um de seus membros fundadores, Ignácio Amorim, tornou-se diretor do Centro
Cívico Palmares, nos finais da década de 1920, e emprestou sua casa para servir de
espaço de instrução, enquanto construía a nova sede em seu terreno. Em um momento
conturbado da história deste centro, a obra foi criticada por conta do custo e de sua
necessidade, para se defender Amorim foi até a sede do Clarim d’Alvorada, um dos
jornais mais importantes entre os afrodescendentes paulistas, e contou sobre sua história
de luta desde a fundação do clube, passando por um pequeno periódico e sempre com o
mesmo objetivo: instruir as populações afrodescendentes.

A preocupação com a educação não aparece só nas sociedades beneficentes do


início do século XX, Perses Cunha, em sua dissertação, aponta para a existência de um
curso de alfabetização na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos

16
O Alfinete, 12 out. 1918
17
Estatuto Sociedade Recreativa União Operária. Capitulo I, artigo 2º, 1903. Apud. ROSA, Julio
César da. Op. Cit. p.26.

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18
Homens Pretos de Florianópolis, em 1859. Na cidade de Campinas outra irmandade
teve uma experiência educativa importante, em 1892 a Irmandade de São Benedito dos
Homens Preto fundou uma escola em anexo à capela do santo protetor. A escola foi
obrigada a sair das dependências da Igreja quando se iniciou no Brasil o processo de
romanização do catolicismo, mas seus responsáveis conseguiram manter suas atividades
educativas até meados dos anos 1940.19 Na cidade de São Paulo, a Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário dos Homens Preto foi criada em 2 de janeiro de 1711 20 e manteve,
pelo menos na primeira metade do século XX, uma escola regular para os seus irmãos.

Desta maneira, as associações tentavam que seus associados integrassem a


sociedade brasileira e ao seu processo de desenvolvimento tão divulgado pelos
republicanos. Mas, a integração tem que ser vista como uma “via de mão dupla”, em
que integrar tanto significou a busca dos afrodescendentes em se parecer com as classes
dirigentes, assimilando seus valores, regras, maneiras de interpretar o mundo, como
também fazer com que elas se parecessem com eles. Isso pode ser notado nas festas e
comemorações.

As sociedades de afrodescendentes do inicio do século XX comemoravam as


datas de leis e de personalidades importantes no processo abolicionista. O dia 28 de
setembro, por exemplo, tornou-se o dia da Mãe Negra, relembrando que em 1871 foi
garantido por lei o direito das escravizadas serem mães, quando foi declarado que as
crianças nascidas de seus ventres eram livres. E, entendiam os afrodescendentes, que
com isso as mulheres cativas deixaram de serem meras progenitoras para se tornarem
mães, porque podiam de fato criar suas crianças.

Os jornais paulistas destinados às populações afrodescendentes, então, todo


mês de setembro trazia especiais sobre as mães, mulheres africanas, suas descendentes,
na condição de escravizadas, no período republicano. Ainda, para comemorar eram
realizadas missas, procissões ou piqueniques, que terminavam em um baile em alguma

18
CUNHA, Perses Maria Canellas da. Educação como Forma de Resistência. O Caso da Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos homens Pretos. 2004 Dissertação (Mestrado em
Educação). Universidade Federal Fluminense, Niterói. p.09.
19
VILLA, Marcelo. Igreja de São Benedito é Marco da Cultura Negra: pastoral do negro promove
missa hoje como parte do Dia da Consciência Negra. Correio Popular, Campinas, 18 nov., 2001.
20
Compromisso de 1870.

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sociedade. E em São Paulo até meados da década de 1920 existiu a Sociedade 28 de


Setembro que durante a sua existência era a responsável por esta festa.

O Club 13 de Maio dos Homens Pretos de 1902 da cidade de São Paulo,


colocava em seus objetivos festejar a data da Abolição da escravatura anualmente “com
o brilhantismo possível”, e assim o fez enquanto permaneceu em atividade. Na cidade
de Campinas, os membros da Irmandade de São Benedito dos Homens Pretos
organizavam as festas em comemoração a Abolição, sempre com a presença de um
político que fazia algum discurso. Entretanto, em 1908 seu colégio é obrigado a se
desvincular com a igreja junto com alguns irmãos, como desde 1902 mantinham outra
associação – o Centro Literário dos Homens de Cor, o qual mais tarde foi chamado de
Federação Paulista dos Homens de cor –, eles continuaram organizados nela e
estenderam suas ações. Desde 1907 a Federação já era responsável pela organização das
comemorações ao dia 13 de maio, e suas festas eram notícias em todos os jornais da
cidade, em 1909, por exemplo, a data “só não passa despercebida por causa da atuação
da Federação que contou com o apoio da Loja Maçônica Independência”. 21 E segundo
Cleber Maciel, neste ano o jornal Comércio de Campinas, um dos grandes periódicos,
fez um registro mais bem elabora, anunciando um mês antes todas as atividades
previstas e a organização da Federação. 22

Ainda, aponta José Galdino Pereira, que de 1911 a 1920, “de um modo geral, o
panorama não se modifica, isto é, a Federação continua como a entidade que assume
cada vez mais o compromisso de comemorar a data”.23 O que acontece é a diminuição
do tamanho da festa. Em 1914, ela foi simplificada e aproveitou-se para comemorar a
memória dos republicanos falecidos, dois anos depois o aniversario de morte de
Francisco Glicério recebe mais destaque que a Abolição. As marchas e as
movimentações nas ruas começam a desaparecer desde 1915, mas dois anos depois
aconteceu “em Campinas o maior encontro de negros até então ocorrido. O Centro

21
PEREIRA, José Galdino. Os Negros e a Construção de sua Cidadania: estudo do Colégio São
Benedito e da Federação Paulista dos Homens de Cor de Campinas – 1896 à 1914. 2001. Dissertação
(mestrado em educação) Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, Campinas. P.
301
22
MACIEL, Cleber da Silva. Discriminações Raciais: negros em Campinas (1888 – 1926) Alguns
aspectos. Campinas:IFCH/UNICAMP, 1985. Dissertação (mestrado em história).
23
PEREIRA, José Galdino. Op. Cit.. P. 307

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[Cívico] 13 de Maio comemora seu aniversário e recebe representantes de Jundiaí e São


Paulo”. 24

Deste modo, os letrados afrodescendentes tentavam colocar as datas


abolicionistas entre os grandes marcos da história do Brasil, dignos de comemoração.
Os abolicionistas de origem africana, como Luiz Gama e José do Patrocínio, também
eram exaltados em suas datas de nascimentos e de morte, procissões e missas eram
realizadas em homenagens a eles, que eram exaltados como heróis nacionais no mesmo
patamar de Tiradentes. As comemorações funcionavam como uma forma de não deixar
passar despercebida a importância das populações de origem africana na formação da
sociedade brasileira e a liberdade conquistadas por elas. Por isso, os nomes de quase
todas as associações fundadas entre a última década do século XIX e na primeira
metade do século XX faziam alusões ao fim do regime escravista, seja através das datas,
de nomes de abolicionistas, ou da inserção da palavra “liberdade” no nome, como a
Sociedade Elite Flor da Liberdade, que existiu na cidade de São Paulo.

A imprensa negra paulista e a educação

As ações das sociedades beneficentes e os modos de pensar o mundo dos


afrodescendentes letrados da Primeira República podem ser encontrados nas páginas
dos jornais criados por eles, que ficaram conhecidos como a imprensa negra. Entre os
anos de 1833 e 1867, circularam no Brasil periódicos escritos e organizados por pessoas
descendentes de africanos, destacando-se: Homem de Cor, O Mulato, O Brasileiro
Pardo, O Cabrito e O Meia Cara, distribuídos entre os anos de 1833 e 1867 na Corte.
Entretanto, não são considerados como parte da Imprensa Negra para a maioria dos
pesquisadores do tema, uma vez que tratavam dos problemas dos “mulatos”, sem inserir
os outros grupos afrodescendentes.

Entende-se como imprensa negra todo periódico formulado por pessoas de


origem africana, destinados a elas e que priorizam o debate sobre as suas experiências, a

24
IBIDEM.

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luta contra a discriminação.25 Isso não quer dizer que possuíam um reconhecimento de
raça, pois os primeiros ainda no inicio do século XX rejeitavam a identificação racial,
lutavam contra o estigma da cor, sem que considerasse a tom da pele como algo
possuidor de uma essência que os unissem. Os principais periódicos dirigidos aos
afrodescendentes na cidade de São Paulo das primeiras décadas do século XX eram: O
Menelike (1916); O Bandeirante (1918); O Alfinete (1918), A Liberdade (1919); O
Kosmos (1924); O Elite (1924); O Patrocínio (1925); Auriverde (1928); . O Clarim
(1924), que depois de alguns meses se tornou O Clarim d’Alvorada.

Como pode ser visto anteriormente, as associações geridas por letrados


tentavam criar espaços e maneiras para inserir as populações afrodescendentes no
mundo letrado, porém os jornais indicam a dificuldade de manter esses espaços, como
cita O Alfinete de 1919

Pensamos que as Sociedades, como ponto de reunião familiar, não devem ser
formados unicamente para dançar; precisamos progredir, e para isso,
precisamos [de] agremiações que possam sustentar uma escola, um
bibliotheca, etc. Apezar das desilusões por que passou o articulista, quando a
“Kosmos” inaugurou uma pequena bibliotheca teve de pedir o seu
fechamento por falta de leitores, notando-se que os sócios e mesmo o Gremio
não faziam despeza alguma com a manutenção da mesma. 26

Na continuação do artigo, o jornalista Frederico Souza pede que as sociedades


beneficentes se unissem e tentassem inculcar em seus associados o “amor pelas cousas
úteis”, pois não era “raro se encontrar grande numero de rapazes, que (infelizmente)
exhibem 5 ou 6 recibos de sociedades dançantes, e esquecem, (porque não possuem) um
só de uma sociedade beneficente”. Desta forma, denunciava o esvaziamento das
atividades beneficentes das sociedades, por causa dos próprios associados que preferiam
as atividades lúdicas, nem as atividades dramáticas eram frequentadas, segundo esse
artigo. Entretanto, ele indica o esforço em construir os espaços beneficentes, como a
caixa beneficente do Centro Smart, criado pelo seu fundador Gastão Silva, e a

25
SANTOS, J. A. . Imprensa negra: a voz e a vez da raça na história dos trabalhadores brasileiros.. In:
XXIII Simpósio Nacional de História ANPUH, 2005, Londrina - PR. Anais do XXIII Simpósio Nacional
de História ANPUH, 2005.
26
SOUZA, Frederico Baptista de. Ilusão. O Alfinete, 9 mar., 1919.

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importância deles, que criaria um espírito de solidariedade e ensinaria o caminho da


virtude aos que se achavam desviados. 27

Desta forma, as críticas da imprensa negra incluíram a falta de união entre os


afrodescendentes no que dizia respeito às práticas de ajuda mútua, por isso surgiu “um
grupo mais ou menos esclarecido, que entendia que o negro devia ir a campo para se
conscientizar e combater com a mesma arma do branco: cultura e instrução, o que o
negro não tinha nem se preocupava em ter”.28 Esse grupo passou a destacar nos jornais
as ações educativas e de auxilio mútuo das colônias estrangeiras, que deveriam ser
“copiadas” pelos afrodescendentes, sob a justificativa que eles gozariam dos benefícios
do progresso da Paulicéia. Por isso,

torna-se indispensável a instrucção para complemento dessa grande obra de


civismo, patriotismo e de educação directa; constatemente, vê-se vários
patrícios bem vestidos, mesmo apresentáveis; porém, ás vezes ou quase
sempre sem instrução. Qual a razão ainda de viverem nesse estado?

Escolas há em todos os bairros, nocturnas, diurnas, gratuitas, mantidas pelo


nosso governo, por associações diversas – alumnos há de todas as
nacionalidades; mas de cor, não sei qual a razão de se contar as dezenas!

Possuímos associações nossas que para facilitar crearam cursos elementares


para os filhos de seus associados e de todos que desejassem receber os
primeiros conhecimentos de instrucção porem os seus esforços fracassaram,
ante o grande esmorecimento, a falta de alumnos freqüentes.

Mocidade! … o progresso é um facto, é necessário que se multipliquem


diariamente, as parcellas componentes dos nossos homens que lêm, escrevem
e que pensam com reflexão; para tal fim appello aos chefes de família, aos
irmãos bondosos, que concorram de bom grado para que se multipliquem os
nossos feitos de grandeza, assim mui breve poderemos cooperar
harmoniosamente para o dia de amanhã e às gerações futuras.29

Anos antes deste artigo, O Alfinete já havia feito um comentário que talvez
ajude no seu entendimento, dizia o jornalista José Benedicto Martins que ao invés de
querer aprender um ofício “para ganhar honradamente nossa vida”, ficavam contentes
“sómente por obter modesta collocação de servente de uma repartição pública, ou de um
escriptorio”, que garantia um ordenado suficiente para comprar um terno que seria

27
IBIDEM.
28
CUTI; LEITE, José Correia.(orgs). op.cit. p.19.
29
O Clarim d’Alvorada. Mocidade. O Clarim d’Alvorada, São Paulo, 24 out. 1926, p.2.

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usado aos domingos em algum baile.30 A partir do paralelo desses dois artigos, que se
referiam ao progresso e aos homens de cor, é possível considerar que a crítica também
era feita aos modos como a grande parte do grupo de letrados usava e entendia as
sociedades beneficentes recreativas, como espaço de divertimento. Este artigo, ainda,
reforça a ideia de que as associações criaram cursos elementares a fim de facilitar a
instrução dos associados que desejassem, mas que elas fracassaram por falta de público.

Ainda, O Alfinete de 22 de setembro de 1918 denunciava o estado lamentável


dos homens de cor no Brasil, “opprimidos de um lado pelas ideias escravocratas que de
todo não desapareceram” e de “outro pela nefasta ignorância em que vegetam”.
Formava-se, assim, uma antítese, em que a Abolição da escravatura era vista também
pelo caráter negativo, que transformou os descendentes de escravizados em seres
invisíveis às políticas sociais, o que acarretaria no alto número de analfabetos nesse
meio. Porém, finaliza o artigo,

se todos procurassem restringir este câncer que a corroe, nasceria a iniciativa,


da iniciativa, nasceria a força da cohesão da cohesão, o ideal e do ideal a
Victoria final, desse elemento que uma vez, conhecendo o seu papel na
marcha da nossa civilisação, poderia ser um factor, muito mais importante da
grandeza e prosperidade da nossa querida patria.31

Assim, vivendo em um período em que “tudo se progride”, a vitória chegaria


se a humildade fosse combatida e se as populações de origem africana se fizessem
apresentáveis, mas não só nas roupas e/ou nas condutas, era preciso ir além. Seria
“preciso freqüentar escolas, propagar a boa imprensa, instituir sociedades Beneficentes,
Educativas, Literárias, com reuniões intimas”, sem usar como desculpa a falta de
recursos, pois a união faria com que os mais “destacados” ajudassem os mais carentes.32

Para os letrados afrodescendentes a República era sinônima de civilização, que


poderia ser entendida como um local em que as “desigualdades poderiam ser resolvidas
com a força individual ou coletiva, dentro das regras estabelecidas”. E, ainda, “era um
conjunto de valores e práticas que possuía a capacidade de, quando, quando em contato
com povos da periferia, retirá-los da condição de bárbaros, possibilitando sua ascensão
dos extratos mais baixos”, ou seja, “a imagem de civilização estava associada à

30
MARTINS, José Benedicto. Os Pretos e o Progresso. O Alfinete, 3 set., 1918.
31
OLIVEIRA. Para os Nossos Leitores. O Alfinete, 22 set. 1918. p.1.
32
O Clarim 06/01/1924

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liberdade e mais do que isto, à possibilidade de conquista”.33 É por conta desse


entendimento que a eles não pretendia lutar contra a ordem, e sim de ajudá-la. Num
artigo do segundo número do jornal O Clarim fica claro a percepção de educação como
dever dos cidadãos e o momento de oportunidade

Oh Paes! Mandae vossos filhos ao templo da instução intellectual – “a


escola” não os deixeis analphabetos como dantes!

Hoje temos tudo, aproveitae as horas nocturnas si os trabalhos vos impedem.


Ides á escola! Aproveitae o precioso tempo para engrandecer a nossa raça e o
nosso querido Brasil!...34

A educação das crianças de cor e também dos adultos, segundo Florestan


Fernandes deveria “preparar a ‘gente negra’ para a integralização absoluta, completa, do
negro em toda vida brasileira”.35 Mas, as formas como a educação aparecem nas
páginas dos jornais estão além da integração, estava ligado ao soerguimento moral da
classe, e até da autoestima dos homens de cor.

Ninguém calcula a pena que eu tenho quando num pobre homem – que
poderia ser espiritualmente saudável e arrejado – convencido de ser um inútil
e um desprezível por não saber ler

E eu já os tenho encontrado aos feixes.

Uma vez um carregador, enquanto eu esperava um bonde, me disse que eu


era feliz por que sabia ler, e acrescentou textualmente que ele era um
desgraçado: nem sabia ler (…)

Vergonha de não saber ler, julgaria que, por isso, era improductivo, um
infecundo um lamentável 36

E ainda um conto do jornal Auriverde se alinha a essa relação analfabetismo e


desgraça

33
CARDOSO, Paulino de Jesus F. A Luta Contra a Apatia: Estudo da instituição do movimento negro
anti-racista na cidade de São Paulo (1915 – 1931). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (dissertação de mestrado) 1993. 67-69
34
O Clarim 03/02/1924 - Instrução
35
SANTOS, A. J. Veiga dos. Op. Cit Apud FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade
de classes – no limiar de uma nova era. São Paulo: Ática 3d. 1978 p.40
36
Jornal O Progresso 15/11/1928

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Há uns dias chegou um individuo ao pé do outro a quem não conhecia e


pediu-lhe com muita insistência que lesse uma carta. O sujeito abriu muito
apressado a carta e fixou nella os olhos attentos, fingindo que lia. Passados
alguns momentos, começou a mostrar-se afflictissimo, olhando para o
suplicante:

- Chore, senhor … chore!…

- Por que hei de chorar? – perguntou-lhe este já as lágrimas nos olhos

- Chore, senhor, chore!

- Mas, por que hei de chorar, diga?

- Chore, senhor, a sua desgraça e a minha, porque nenhum de nós sabe


37
ler

Segundo Marta Maria Chagas de Carvalho, nos anos finais da década de 10 do


século XX quem não dominava as primeiras letras estava marcado como inapto,
produzindo, “assim, um deslocamento no discurso educacional: um novo personagem
irrompe, um brasileiro doente e improdutivo, peso morto a frear o Progresso, substitui a
figura do Cidadão abstrato, alvo das luzes escolares” como foi pensado desde a
ascensão do pensamento republicano no país.38 Assim, oferecer a instrução elementar
significava aproveitar as potencialidades de pessoas que se sentiam desgraçadas,
devolver-lhes a autoestima e fazer com que fossem vistas de forma respeitosa, é por isso
que para os letrados afrodescendentes “o alphabeto brilha mais do que todas as
constelações do céu”.39

Assim, o reconhecimento do estado de pobreza econômica dos


afrodescendentes, o qual seria, ao mesmo tempo, causado e agravado pelo
analfabetismo, fazia com que os letrados exigissem uma ação conjunta de si pela
formulação de espaços de ajuda mútua, evocando os deveres cívicos de contribuir com a
pátria e a dívida com os abolicionistas. O fracasso das sociedades beneficentes fez com
que os grupos de letrados buscassem novas formas de associações, que não valorizasse
o lúdico mais do que o instrutivo, em alguns casos que se rejeitasse o primeiro em favor
do segundo. Este é o caso do Centro Cívico Palmares, fundado em 1926.
37
Jornal Auriverde 29/04/1928. Grifo meu
38
CARVALHO, A Escola e A República e outros ensaios. 1. ed. Bragança Paulista: EDUSF, 2003. p.
35.
39
O Progresso, São Paulo, 15 nov. 1928

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A ideia surgiu de um pequeno grupo liderado por Antônio Carlos, que a


principio tentou criar “uma biblioteca que ajudasse os negros a se elucidarem, uma
biblioteca que desse pro negro ter um lugar melhor para bater um papo, discutir, etc.”. 40
Em todo o país existiram diversos centros cívicos até a década de 1930, não só criados
por afrodescendentes, e todos estavam preocupados em oferecer educação para seus
frequentadores. Isso ocorreu por conta da campanha de erradicação do analfabetismo no
Brasil no período, que mobilizou a sociedade civil, além disso, as colônias estrangeiras
também se articularam deste modo para se fortalecer enquanto grupo.

No estado de Santa Catarina em 1918 foi fundado o Centro Cívico Cruz e


Souza em Lages, que foi investigado por Andréa A. de Moraes Cândido Carvalho 41,
para quem o centro realizava

a nobre tarefa na alfabetização de adultos, uma vez que existia um número


elevado de afrodescendentes analfabetos, entre os quais, muitos eram
freqüentadores e sócios do Centro Cívico. Além da alfabetização, lecionavam
outras matérias seguiam o programa do ensino público. Haviam aulas de
alemão ministrado pelo Professor Sebastião Dias Gomes, que também era de
“cor”, cuja convivência por longo tempo com o Frei Rogério Nheus,
proporcionou-lhe aprender a referida língua42.

Apesar de não realizar em suas dependências atividades recreativas, pelas


páginas da imprensa negra paulista percebesse que os centros cívicos nunca
configuraram uma oposição às sociedades beneficentes, ambas organizações se
complementavam e muitas vezes tiveram ações conjuntas. O Centro Humanitário José
do Patrocínio, que foi um exemplo de centro cívico paulistano, entendia que era
responsabilidade da comissão de instrução realizar atividades lúdicas, como festas ao
patrono e bailes comemorativos. Em 1928, o Centro Cívico Palmares foi responsável
pela festa de 13 de maio, organizando uma romaria aos túmulos dos heróis
abolicionistas, discursos e no fim do dia um baile em uma sociedade beneficente.

A intenção de diminuir os espaços de recreação ou até elimina-lo dos objetivos


da associação, nunca significou o rompimento do grupo de letrados com as sociedades

40
CUTI; LEITE, José Correia.(orgs). op. cit. p.73.
41
CARVALHO, Andréa Aparecida de Moraes Cândido. Negros de Lages: memória e experiência de
afrodescendentes no planalto serrano. Florianópolis. 2001. Trabalho de conclusão de Curso (graduação
história). Universidade do Estado de Santa Catarina.
42
IBIDEM. p. 61.

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beneficentes, pelo contrário, mantiveram-se sempre no mesmo círculo de atividades. O


que se tentou foi criar novos métodos para alcançar os objetivos comuns.

Um artigo de Arlindo Veiga, publicado em 13 de maio de 1927 no Clarim


d’Alvorada, mostra quais eram os objetivos da instrução no Centro Cívico Palmares.
Nele o autor pedia aos pais que dessem educação a sua prole, voltada “a conquista do
presente e do futuro: primeiro ensinando-a na disciplina conveniente, segundo as
possibilidades vossas e de vossos filhos; corrigindo-os seriamente para evitar-lhes a
onda de desmoralização que atinge a todos e, em especial, a nossa Gente”. Continuava
por recomendar que evitassem deixá-los analfabetos da leitura “e, ainda mais, [no]
analfabetismo moral que provoca a pavorosa crise do caráter nacional”, a intenção era
que, além de ler, os “negros” tivessem firmes princípios morais, e terminava afirmando

Claro está, entretanto, que esse educar, esse ensinar, esse disciplinar não
podem todos os paes faze-lo por si: ninguém dá o que não pode ou não tem.

Mas podem todos dar as condições materiaes da aquisição dessa educação,


ensino e disciplina, poupando, a bem da sua descendência e do Brasil maior e
melhor para nós e para todos alguns milréis mensaes, que amiúdo se gasta
sem dar conta dos desperdiçados - farras. Porque não applicar umas poucas
migalhas numa obra de apperfeiçoamento do Negro Brasileiro?!

Essa obra de aperfeiçoamento da nossa Gente é todos os cuidados do


CENTRO CÍVICO PALMARES. Convida elle todos vós, Negros Patrícios,
para vos agregares ao seu trabalho.

A nossa hora chegou.43

Nesse artigo, Arlindo Veiga expõe também seu viés nacionalista, que deveria
ser adotado na educação do Centro Cívico Palmares, pois ela era um dever
“nacionalístico” e patriótico, com a finalidade de moralizar a “gente negra”. O
importante é notar que Veiga considerava que a maioria da sua “Gente” não possuía
esse educar, esse ensinar, esse disciplinar oferecido no Centro, e que a onda de
desmoralização a alcançava de modo especial, por isso deveria parar com as farras ou
diminuí-las para poupar dinheiro e destiná-lo ao Palmares, que a ajudaria contra a crise

43
SANTOS, Arlindo Veiga dos. Palavras aos Paes Negros. O Clarim d’Alvorada, São Paulo, 13 mai.,
1927. pp.3-4.

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do caráter nacional ao eliminar o analfabetismo moral. Em outro ponto do artigo, é


indicado o nível de estudo que desejava aos “filhos da plebe – a não ser em condições
de intelligencia excepcionaes” -, não era a intenção que fossem bacharéis da alta esfera
e se metessem nos altos estudos, porque exigiam grandes posses e poderiam causar
grandes sofrimentos e desenganos, “nem sempre esses saltos valem a sua dor”, a
necessidade era ter artífices e profissionais hábeis.44

É preciso entender que esse tipo de oficio era valorizado porque seria difícil
um jovem pobre alcançar o posto de bacharel, que para época deveria significar de
direito, e mais ainda se manter entre os outros, já que ainda lutavam contra as
discriminações.

REFERÊNCIAS:

CARDOSO, Paulino de Jesus F. A Luta Contra a Apatia: Estudo da instituição do


movimento negro anti-racista na cidade de São Paulo (1915 – 1931). São Paulo:
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (dissertação de mestrado) 1993.

CARVALHO, A Escola e A República e outros ensaios. 1. ed. Bragança Paulista:


EDUSF, 2003.

CARVALHO, Andréa Aparecida de Moraes Cândido. Negros de Lages: memória e


experiência de afrodescendentes no planalto serrano. Florianópolis. 2001. Trabalho de
conclusão de Curso (graduação história). Universidade do Estado de Santa Catarina.

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LARA, Silvia Hunold. Escravidão, Cidadania e História do Trabalho no Brasil. In


revista do programa de Estudos Pós-Graduados em História e do departamento de
História da PUC/SP-SP: EDUC, 1998.

44
SANTOS, Arlindo Veiga dos. Palavras aos Paes Negros. O Clarim d’Alvorada, São Paulo, 13 mai.,
1927. pp.3-4.

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Revista Tempos Acadêmicos - ISSN 2178-0811

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SOARES, Magda. Letramento e Alfabetização: as múltiplas facetas. Trabalho


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VILLA, Marcelo. Igreja de São Benedito é Marco da Cultura Negra: pastoral do


negro promove missa hoje como parte do Dia da Consciência Negra. Correio Popular,
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19

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