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E O DISCURSO
NO CENTRO
DO PROBLEMA
O amor, o elogio à loucura, a visão das ideias e da
reminiscência e finalmente a imortalidade da alma
estão entre os principais temas do diálogo platônico
D
de ler Platão estão a maneira como o au-
está entre a segunda e a últi- tor coloca as questões que estão em forma
ma fase. Em seu prólogo há de diálogo e Sócrates aparece como por-
o encontro de Sócrates com ta-voz de Platão. Há o que os historiado-
Pedro, aluno de retórica de Lísias, no qual res de Filosofia chamam de "tradição in-
o assunto discutido sobre os escritos de direta", que é a obra ser quase por inteira
Lísias tem como temas principais o amor em forma de diálogos. Em Platão, de al - FERNANDO PEREIRA
e a retórica. O problema circundante é a gum modo, o não-ser é esse exemplo que DA SILVA É BACHAREL E
LICENCIADO EM FILOSOFIA
relação entre a oralidade e a escrita, que ele dá com os sofistas, ou seja, o discurso
PELA EFLCH - UNrFESP,
é um problema entre os gregos. Já na se- que não tem comprometimento com a CAMPUS GUARULHOS.
gunda parte, o Sócrates de Platão apre- verdade. Diferentemente de Parmên ides MINISTROU AULAS COMO
senta um discurso próprio. O tema em que o não-ser é a negação absoluta PROPESSOR NA REDE
PÚBLICA DO ESTADO DE
da retórica é desenrolado no ter- do ser, que também poderia se chamar
SÃO PAULO DESDE 20i3.
ceiro discurso do livro, o qual é o de o nada. Quando Platão quer definir o
segundo discurso de Sócrates. Po- que é o sofista, ele retoma Parmênides, o
demos distinguir quatro temas di- discurso do"sofista é um discurso do não-
ferentes nesse segundo discurso de -ser, que é um discurso que não exprime a
Sócrates, a saber: a defesa da imor- verdade das coisas, a natureza das coisas,
talidade da alma, o elogio à loucura, estaria mais para a doxa ou opinião e não
a visão das ideias e da reminiscência e, um conhecimento propriamente, ou seja,
fi nalmente, o amor. Entre as dificuldades ele não interpreta Parmênides no sentido
ESPECIAL
66 • filosofia ciência&vida
0 NO COMEÇO DO D ISCURSO, PLATAO
INVOCA AS MU SAS, PORQUE AS
MUSAS ACOMPANHAM A POESIA NO
UNIVERSO MÍTI CO-RELIGIOSO GREGO
macon2, que serve tanto para curar e vai numerando essas vantagens de Lísias. Retórica filosófica é uma
quanto para entorpecer ou encan- e as desvantagens. O amor é uma retórica da verdade, é uma retórica
tar. Pharmaceia é uma ninfa que falta, uma carência. Porque o amor que obedece à dialética que propor-
nos remete ao sentido ambíguo do supõe um desejo e se se deseja é ciona dizer sobre a natureza do ser.
pharmacóis de curar e/ou entorpe- porque não tem. O sentido do ter- Já o discurso da aparência só pode
cer as pessoas. Há um interesse da mo pobre é contrário entre Sócra- persuadir quem não conhece quem
parte de Sócrates para saber o que tes e Lísias, porque para Sócrates está no domínio da doxa ou, se pre-
Lísias disse em seu discurso sobre pobres são os amantes sem amor ferir, no domínio da opinião.
o amor, que propicia a Pedro dis- enquanto que para Lísias o pobre é Vamos analisar o que é palinó-
traí-lo. Não é do interesse de Lísias um amante com amor. A carta de dia3 para Sócrates:
se distrair com seu discurso. O in- Lísias é uma carta de sedução ao No começo do discurso, Platão
teresse de Sócrates é o do discurso jovem, ao falar do amor ele pode invoca as musas, porque as musas
verdadeiro. A filosofia se apresenta estar falando do próprio discurso. acompanham a poesia no univer-
em Sócrates pelo autoconhecimen- O amor é uma energia que pode so mítico-religioso grego. A poe-
to, o que todo homem deve fazer? ser destrutiva, está pegando o as- sia tem um sentido cultural de
Quem somos nós? Pedro é revelado pecto tirânico do amor. É um dis- conceder às próximas gerações a
como guia que entorpece Sócrates curso epidítico (demonstrativo), cultura de seus antepassados. O
com o discurso, tal como o phar- é um discurso modelar, ou seja, segundo discurso Sócrates atribui
rriacóis entorpece seu paciente. pode gerar outros discursos. Ara- a Estesícoro. Palinódia em grego
Sócrates se deixa levar, não é ha- zão e o desejo são os dois princí- quer dizer "canto em outro tom".
bitual a Sócrates esse jogo retórico. pios que regem o homem. Mas palinódia para Sócrates quer
Sócrates se deixa levar para fora da dizer retratação e purificação. No
cidade pelo seu interesse nas folhas RETÓRICA PERSUASIVA Fedro, o amor é um deus e essa pa-
de Lísias. CONTRA RfTÓRICA linódia é uma retratação para com
Lísias usa o método da antíte- FILOSÓFICA esse deus, "preciso limpar meus
se; vantagens; relação sem amor; O primeiro discurso de ouvidos com água doce" a ideia
desvantagens; relação com amor; Sócrates vai seguir o argumento de purificação. Sócrates errou em
fazer o primeiro discurso ao falar
de um deus de maneira contraria
à benévola. Usando o mesmo ar-
gumento de Lísias, Sócrates quer
deliberar sobre o amor. Ele sai da
questão do amor e entra na ques-
tão sobre a imortalidade da alma
em sua palinódia. Há algo intrín-
seco entre a função em si própria
de alguma coisa e a natureza da
coisa. É preciso ceder ao amante
apaixonado e não o contrário, se-
gundo Sócrates. No discurso de
Lísias, o amor é apresentado como que ele quer chegar à natureza da A DEFE:SA DA
insensatez, como uma força desor- coisa. O que é importante é pensar IMORTALIDADE
denadora perturbadora. O primei- a natureza do amor. A narrativa r A 'A
ro discurso de Sócrates não é de é diferente da forma argumenta- A natureza da alma é imortal,
Sócrates mas é atribuído a Pedro, tiva de discurso para gerar uma ela se aproxima da divina. Há se-
pois Pedro "envenenou" Sócrates. teoria. Só tem o controle de dizer res que se movem por si mesmo e
A invocação das musas no começo mentiras quem conhece a verda- outros que se movem por outros.
do primeiro discurso não é casual de, não quem não conhece. O que A verdade tem a ver com o ser das
mas intencional, porque as musas está em questão é o que é melhor coisas com a natureza das coisas.
são o próprio canto, são filhas de ceder ao amante apaixonado ou ao Por que Sócrates entra no assunto
Zeus. São as musas que decidirão sem amor e também a questão do da imortalidade da alma? É pre-
se vão revelar a verdade ou dizer que é um bom discurso. O grande ciso falar da alma, pois é na alma
mentiras símeis aos fatos. Sócrates perigo do discurso é que ele pode que acontecem o amor, paixões e
quer dizer que ele é um canal en- influenciar a ação do homem. Há ações da alma e falar da imortali-
tre o divino e os homens. O novo a boa loucura. A loucura nem sem- dade dela, pois há algo de divino
não é importante, o tradicional ou pre traz deletérios. Exemplos do na alma. Há duas traduções dife-
o antigo é que têm valor na cultura mesmo gênero são delírios ou lou- rentes para a mesma sentença: "o
grega, portanto Sócrates não quer curas religiosas. O filósofo é aquele que é animado de movimento per-
gerar algo novo, é através do antigo que ama o saber e deseja-o. pétuo é imortal" e "o que se move
a partir de si mesmo é imortal".
Embora sejam diferentes, podem
Vida e obra andar juntas, pois não são exclu-
dentes. Platão começa falando
Nasceu por volta de 470 a.C. e morreu conde- que um atributo da alma é a
nado pelo tribunal ateniense. Por corromper a juventude e imortalidade. Ele vai definindo
desacreditar nos deuses, foi obrigado a tomar o veneno cicuta o que é imortalidade: falando da
com a idade de 70 anos. É considerado um marco na história imortalidade ele trata da ideia de
da Filosofia, por isso há filósofos pré-socráticos e filósofos so-
movimento como essencial. O
cráticos. Nunca produziu nenhum texto, a maior parte do
movimento é pensado sobre
que sabemos sobre as ideias de Sócrates é através
a ideia de existência de vida.
dos textos deixados pelo seu discípulo Platão.
Há dois tipos de ser, aque-
le que se move a si mesmo, e
Nasceu em Eleia (hoje Vélia, na Itália
aquele que é movido por outro. O
meridional, ao sul de Salerno). Segundo Platão, Parmênides
que é animado de movimento per-
conheceu Sócrates em Atenas entre aprq,ximadamente 451 e
449 a.C. Foi o primeiro filósofo cuja teoria diz que o ser é
pétuo é imortal. O que move outro e
(ou existe) e o não-ser (ou o nada) não é (ou não existe). Ou o que é por outro movido é mortal.
seja, que o ser pode ser pensado e dito, já o nada não pode ser Podemos distinguir o que tem o
pensado nem dito. Tais ideias causaram inovações na lógica e o princípio de seu próprio movimen-
nascimento da ontologia. to e aquilo que não tem o princípio
de seu próprio movimento pode
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mover outro ser, mas move a partir
de outro que o moveu. O que difere
é que aquilo que tem o princípio de
seu próprio movimento é imortal e
aquilo que não tem o princípio de
seu próprio movimento é mortal.
Há um fim da existência para aqui-
lo que é movido por outro. Existe
uma ligação entre a ideia de movi-
mento e a ideia de princípio, o que é
ser um princípio? O que está na na-
tureza do que é ser um princípio?
Segundo Sócrates, o princípio não
é gerado (quase uma tautologia). O
princípio, sendo o que é, ele é an-
terior a qualquer outra coisa. Há
uma primazia, ela é dada ao prin-
cípio, ela é dada à alma. Sócrates
está ligando a imortalidade à eter-
nidade. O princípio é o começo e é
incorruptível, indestrutível. É pre-
ciso colocar o que é imortal para
justificar o que é mortal. Sócrates a alma humana e a alma divina, a bém aquilo que realmente não é.
está tratando sobre o princípio em primeira é heterogenia já a segunda O exercício filosófico se aproxima
geral e fala que se existem coisas é homogenia. A metáfora dos dois do delírio amoroso, porque há a
que não são ou não têm o princí- cavalos contrastando branco e pre- contemplação e há o prazer na
pio, como o de seu próprio movi- to corresponde à heterogeneidade contemplação. O inteligível é o
mento ou outro princípio, elas não da alma. Os dois cavalos repre- alimento da alma.
existiriam sem o princípio de tudo sentam a beleza e o peso. Cabe ao
1
Daimort: Em sentido próprio. um deus, uma deusa.
o que é gerado. A diferença entre cocheiro puxar a carroça com sua uma divindade; potência divina; donde: destino,
própria habilidade para levá-la sorte, infortúnio. Por extensão: um espírito, um
O EXERCÍCIO
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para cima ou para baixo. O quan- gênio ligado a uma cidade com seu protetor, ou a
uma pessoa, definindo !,CU cad.ter e seu dt!~tinu;
to for possível ao homem ele deve gênio bom. gênio mau , cará ter de alguém .
FILOSOFICO SE se aproximar do divino. Quando a 1
Pl,ármC1con ou Pluirmnko11: Fármaco, toda
APROXIMA DO carroça sobe, ela se vislumbra com substância que pode produzir uma altcrnçilo
benéfica ou maléfica na natureza de um corpo,
o divino. remédio, poção, droga, veneno, cosmético,
DELÍRIO AMOROSO, unguento, poção ou filtro mágico, sortilêgio.