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O SAMBA DO CRIOULO DOIDO: UMA PROPOSTA DE

TEMPORALIDADE
REVISTA DA GAMA E SOUZA – ANO 02 – Nº 03 – jan./jun. 2017

O SAMBA DO CRIOULO DOIDO: UMA PROPOSTA DE


TEMPORALIDADE
João Marques da Silva Neto1

RESUMO: Este artigo é uma proposta de reflexão para a análise do tempo nos domínios da
História. Partindo de O Samba do Crioulo Doido, de Sergio Porto, o Stanilaw Ponte Preta, buscou-
se compreender as diversas temporalidades existentes no estudo e ensino de História, e a noção de
tempo histórico que predomina nos livros didáticos da disciplina. A desconstrução da narrativa
histórica não está presente apenas na canção de Sergio Porto, mas nas abordagens propostas por
estudiosos, como Hayden White, que convida os historiadores a buscar novos padrões para a
construção de suas narrativas históricas.
Palavras- chaves: História; Tempo Histórico; Narrativa Histórica; Livro Didático.

ABSTRACT: This article is a proposed reflection for the analysis of time in the domains of history.
Starting from Samba do Crioulo Doido by Sergio Porto, the Stanilaw Ponte Preta, we sought to
understand the various temporalities that exist in the study and teaching of History and the notion of
historical time that predominates in textbooks of the discipline. The deconstruction of historical
narrative is not present only in the song of Sergio Porto, but in the approaches proposed by scholars
like Hayden White who invites historians to seek new standards for the construction of their
historical narratives.
Keywords: History; Historical Time; Historical Narrative; Textbook.

INTRODUÇÃO

Em nosso dia a dia, quando alguém quer se referir a algo que está fora da ordem, da norma
desejada, comumente utiliza a expressão samba do crioulo doido, para referenciar a desordem
reinante. A origem dessa expressão encontra-se na música de Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte
Preta2, Samba do Crioulo Doido. Por meio dela, o autor nos mostra os encontros de personagens da
História do Brasil, que não foram contemporâneos entre si e diferente da narrativa histórica
apresentada pelos historiadores, ela foge a linearidade do tempo e nos possibilita esse encontro
inusitado, com tom de humor, beirando ao absurdo para os conhecedores da História que se
desenhou em nosso país.
A canção é uma crítica do autor à obrigatoriedade imposta às escolas de samba. Com a
ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930, “o Estado passou a intervir mais nos diversos
setores da vida do país, inclusive no terreno social e cultural, sistematizando-se o financiamento do
Carnaval” (SOIETH, 1998, p. 142). Com essa medida, os grupos que chegaram ao poder com a
Revolução de 1930, buscavam em oposição ao período republicano anterior a República Velha
“retomar a construção da nacionalidade” (SOIETH, 1998, p. 144), interrompida pelo:

[...] liberalismo nefasto que caracterizara a República Velha, criticando por se


satisfazer com um discurso ufanista em relação à terra e por estar impregnado de

1
Mestre em Educação, UNESA. Professor de História da PCRJ. (joaomsn@ig.com.br)
2
Sérgio Marcus Rangel Porto (Rio de Janeiro, 11 de janeiro de 1923 — Rio de Janeiro, 30 de setembro de 1968) foi um
cronista, escritor, radialista e compositor brasileiro. Era mais conhecido por seu pseudônimo Stanislaw Ponte Preta.
Disponível em< https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9rgio_Porto> Acesso em 19 de dez. de 2016.

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valores europeizantes, e que desacreditava os homens e atribuía nossas mazelas à


inferioridade da raça e do caráter nacional. (SOIETH, 1998, p.144)

Seguindo as estratégias de aproximação dos novos grupos dominantes com as classes


populares, a institucionalização e a valorização da cultura popular pelo novo Estado se deram
através das escolas de samba, e dessa forma, como mecanismo para atender aos seus interesses, o
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), “impôs às escolas a obrigatoriedade de utilizarem
temas nacionais em seus enredos” (SOIETH, 1998, p.148).
O que o autor do Samba do Crioulo Doido se propôs em criticar foi à permanência “ de um
tipo de memória nacional calcado na exaltação dos vultos da historiografia oficial”(SOIETH, 1998,
p.148), nos sambas de enredo das escolas de samba.
Essa concepção de uma historiografia oficial fez-se presente no sistema educacional
brasileiro, através de sucessivas reformas dos governos do Brasil independente. As políticas
educacionais, principalmente na fase republicana do país, buscaram adequar a História, o ensino, a
formação docente, os conteúdos, as orientações curriculares, os materiais didáticos entre outros ao
seu tempo, aos seus interesses.
Nessa perspectiva, embora os títulos de livros didáticos de História do Programa Nacional
do Livro Didático (PNLD)3 não apresentem, aos seus leitores, uma narrativa histórica semelhante
ao samba de Stanislaw Ponte Preta, também nem sempre apresentam uma proposta de organização
de conteúdos como indicado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de História:
A proposta sugere que o professor problematize o mundo social em que ele e o estudante estão
imersos e construa relações entre as problemáticas identificadas e questões sociais, políticas, econômicas e
culturais de outros tempos e de outros espaços a elas pertinentes, prevalecendo a História do Brasil e suas
relações com a História da América e com diferentes sociedades e culturas do mundo. (PCN-HISTÓRIA,
1998, p.46)
Embora o documento que é parâmetro para o ensino de História no país reforce “o estudo de
acontecimentos históricos sem a prescrição de uma ordem de graduação espacial e sem a ordenação
temporal” (PCN-HISTÓRIA, 1998, p.46) esta também não é a narrativa histórica que encontramos
em livros que selecionados do PNLD.
O PCN- História (1998) indica a organização dos conteúdos para o território nacional em
eixos temáticos. Essa linha metodológica possibilita o desdobramento dos conteúdos em subtemas,
“orientando estudos interdisciplinares e a construção de relações entre acontecimentos e contextos
históricos no tempo”. (PCN-HISTÓRIA, 1998, p.46)
O ensino de História, estabelecido dessa maneira, permite uma concepção que abarque tanto
o processo contínuo como o descontínuo no ensino da disciplina no contexto escolar. Dessa forma,
mais do que o estranhamento ao vermos relacionar no Samba do Crioulo Doido, personagens
históricos com temporalidades tão distantes entre si, uma proposta assim concebida procura dar
conta das grandes transformações políticas e sociais que o Brasil vem vivenciou ao longo de seu
percurso histórico.
Contudo, não é essa metodologia que alguns livros didáticos de História do PNLD adotam.
Nesses, jamais haveria o encontro dos personagens de tempos diferentes, pois os autores dessas
obras didáticas seguem uma tradição já consolidada de seleção e organização dos conteúdos, que
obedecem à linha do tempo da história tradicional, dos períodos históricos definidos.
A descontinuidade no ensino de História a que nos referimos é o rompimento com certo tipo
de prática instituído na docência em História, a dos conteúdos serem ministrados cronologicamente,
segundo apresentam alguns livros didáticos da disciplina. Não significa também adotar a narrativa
do samba de Stanislaw Ponte Preta como condutor da História, pois os acontecimentos históricos
possuem uma dimensão temporal, aconteceram em um período determinado do tempo.

3
Os livros didáticos de História analisados foram das edições 2011 e 2014 do PNLD.

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A periodização da História do Brasil, que Stanislaw Ponte Preta procurou também


“bagunçar” na letra do seu samba, foi a que torna evidente uma História pautada em vultos
históricos, pois para muitos“ reflete uma concepção de História que privilegia os feitos dos ‘grandes
homens’ e busca a imposição de uma determinada visão da História da sociedade
brasileira.”(BERUTTI; MARQUES, 2009, p. 87). Segundo Berutti e Marques (2009), essa
concepção de História de “matriz positivista, factualista, narrativa, político-institucional”
(BERUTTI; MARQUES, 2009, p. 87) é como os sambas de enredo criticados pelo autor do Samba
do Crioulo Doido, sustentam uma História de exaltação aos personagens históricos e aos seus
feitos, e ainda, estão presentes em certos textos didáticos de História.
Porém, quando os autores de obras didáticas decidem excluir os personagens históricos,
mantêm a narrativa histórica perioditizada, cronológica e evolutiva de maneira “inconsistente para
contextualizar e assinalar as novas questões colocadas no tempo presente.” (BERUTTI;
MARQUES, 2009, p.88).
Os livros selecionados no PNLD não adicionaram à marcha temporal a proposta do
historiador francês Fernand Braudel, apresentada desde a década de 1950, de uma historiografia em
que os processos históricos estariam divididos segundo sua duração: longa média e curta duração
(BERUTTI; MARQUES, 2009, p. 91-98) ou curta, longa e longuíssima duração como sustenta
Braudel (2005).
Braudel (2005) analisa o tempo histórico a partir dos processos históricos que atingiram o
continente europeu, com destaque para o período medieval até o século XIX. Segundo o autor:
“Todo trabalho histórico decompõe o tempo decorrido, escolhe entre suas realidades cronológicas,
segundo preferências e opções exclusivas mais ou menos conscientes.” (BRAUDEL, 2005, p.44)
Nessa perspectiva organiza-se a apresentação do tempo em História tal qual o autor nos adianta: “A
história tradicional, atenta ao breve, ao individuo, ao evento, habituou-nos há muito tempo à sua
narrativa precipitada, dramática, de fôlego curto” (BRAUDEL, 2005, p.44). Esse tempo curto
estaria relacionado à vida cotidiana (BRAUDEL, 2005, p.45), a todos os campos das atividades
humanas (BRAUDEL, 2005, p. 45). O tempo curto, segundo Braudel (2005, p. 46) é o mais
enganador dos três processos históricos, pois ele não representa a totalidade do processo, do fato
histórico em si, nesse tempo não é possível ao historiador um mergulho profundo em sua duração.
A História como apresentada em livros didáticos também não realiza um mergulho profundo
em seu processo histórico, pois fica na superfície dos acontecimentos ao selecionar os seus
conteúdos, e o debate dialético-escolar (MAZZOTTI, 2008, p.29) foi banido do ensino com o uso
de um único livro didático, destinado a cada disciplina (MAZZOTTI, 2008, p.29).
Os outros tempos históricos, segundo Braudel (2005, p.44) teriam “amplitude secular: a
história da longa, e mesmo longuíssima duração”. A narrativa histórica de longa duração estaria
relacionada à conjuntura dos processos econômico e social. Ela compreende “uma dezena de anos,
um quarto de século e, no limite extremo o meio século” de um ciclo, segundo o autor (2005, p.
47). Além das conjunturas, inserem-se nas narrativas históricas de longa duração as estruturas que
lhe dariam uma feição de longuíssima duração. “Certas estruturas, por viverem muito tempo,
tornam-se elementos estáveis de uma infinidade de gerações: atravancam a história, incomodam-na,
portanto, comandam-lhe o escoamento.” (BRAUDEL, 2005, p. 49).
Os conteúdos apresentados em livros didáticos de História do PNLD, ainda que adotem a
periodização tradicional da História do Brasil, relacionados aos marcos cronológicos da história
política do país, como Colônia, Império e República e, aos marcos cronológicos do continente
europeu: Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea não excluem os
processos como apresentados por Braudel (2005), embora dificilmente os identifiquem de acordo
com a sua duração.
Mas, mesmo essa concepção de narrativa histórica, não deixa de evidenciar uma forma de
interpretar, de se reconstruir o passado. Segundo Barros (2005),
[...] toda “representação do tempo” é subjetiva, socialmente localizada, e que a própria representação
do ‘tempo histórico é ela mesma histórica. Não existe o “tempo histórico” em si mesmo, mas apenas formas

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variadas e predominantes de se conceber o tempo histórico nas várias sociedades e nas várias épocas, ou, em
algumas situações, no interior mesmo de determinados setores de uma sociedade historicamente
determinada. (BARROS, 2005, p.145)
Nessa perspectiva, o Samba do Crioulo Doido, a nosso ver, além de desestruturar uma
narrativa predominantemente marcada pela sucessão dos fatos e da condução da história por “vultos
históricos”, nos mostra a possibilidade de outro discurso, outra maneira de se apresentar e
interpretar o discurso histórico-narrativo, nem sempre presente nos textos didáticos dos livros de
História.
Stanislaw Ponte Preta retira os personagens da História do Brasil do seu tempo histórico. Os
personagens já não “falam” em seu contexto, por isso as narrativas históricas que os perpetuaram, já
não são as mesmas, alteram-se as figuras da linguagem que deram sentido aos seus atos. Não
estamos querendo afirmar, contudo, que, por conta dessa desestruturação desencadeada no Samba
do Crioulo Doido surge uma nova história. Mas se estabelece, segundo White (2001, p. 15), um
novo discurso e pelo gênero discursivo adquirimos o direito de expressar as coisas de outra maneira.
Nessa concepção do discurso, da qual a narrativa histórica está incluída, White (2001)
apresenta-nos as formas como se constroem as explicações dadas aos tópicos que geram litígios,
dado a natureza de opiniões divergentes. O mesmo podemos deduzir, ocorre nas ciências humanas,
como a História, pois segundo o autor esta seria uma forma de demarcar, definir e identificar um
novo território na constituição de um novo discurso (WHITE, 2001, p.13). Por território,
compreende-se o campo de análise estabelecida pelo discurso. “E o discurso efetua esta adequação
por meio de um movimento pré-figurativo mais trópico que lógico”. (WHITE, 2001, p.14)
Nas narrativas históricas, segundo White (2001, p.15), predomina o trópico4, o desvio, a
figura de pensamento que se situa entre o campo da realidade objetiva e as possibilidades expressas
pela linguagem. Pelo tropo segundo White (apud Blomm, 1975, p.91), há transporte de sentido
expresso pela linguagem de um ponto ao outro, num processo que possibilita a construção de outro
entendimento, de outro significado na interpretação das narrativas.
Como na História tida como tradicional, os historiadores sustentam as narrativas como
realidades de um tempo, assim o fazem também os textos didáticos dos livros de História. Na
proposta de análise de White (2001), em sua aproximação com a literatura é possível mostrar que
todo texto que se propõe a representar o real, como os textos em História ou deixaram de fora
alguma coisa da descrição de seu objeto ou lhe atribuíram algum significado que provavelmente não
seria o seu correspondente. Dessa forma, segundo o autor, pela análise literária é possível “mostrar
que qualquer descrição em prosa de qualquer fenômeno contém pelo menos um movimento ou
transição na sequência de enunciações descritivas que viola um cânone de coerência lógica.”
(WHITE, 2001 p. 15).
White (2001) prega ainda é o entendimento do silogismo, “o próprio modelo do silogismo
revela clara evidência do emprego de tropos” (WHITE, 2001, p.15). Assim, o silogismo, segundo
o modelo aristotélico de premissa maior (Todos os homens são mortais) para premissa menor
(Sócrates é um homem), a escolha do elemento que servirá de base para a conclusão da premissa
inicial constitui-se num movimento tropológico, que representa uma mudança na lógica do discurso,
pois vai de elementos universais aos singulares.
Definindo a palavra discurso, de acordo com a sua origem latina discurrere, que segundo
White (2001), sugere movimentos em direções diversas, o mesmo estaria presente na prática
discursiva. É o que provavelmente não identificamos nas narrativas históricas em textos didáticos.

4
A palavra trópico, de tropo, deriva de tropikos, tropos, que no grego clássico significa “mudança de direção”, desvio,
e na koiné “modo” ou “maneira”. Ingressa nas línguas indo-européias modernas por meio de tropus,que em latim
clássico significava “metáfora” ou “figura de linguagem no latim tardio, em especial quando aplicada à teoria da
música, “tom” ou “compasso ”. Todos esses sentidos, sedimentados na palavra trope, do inglês antigo, encerram a força
do conceito expresso no inglês moderno pelo termo style, um conceito particularmente apropriado para o exame
daquela forma de composição verbal que, a fim de diferenciá-la, de um lado, da demonstração lógica e, de outro, da
pura ficção, chamamos de discurso. (WHITE, 2001, p.14)

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Não há, nesses textos movimentos para frente e para trás, ou deslocamento para cá e para lá, como
sugere o autor, mas um único movimento, do passado para o presente, numa linha reta, cronológica
presente não só na narrativa, mas na organização dos conteúdos das obras didáticas e como que
instituído nos planejamentos anuais de ensino, e por isso, a nosso ver, esses textos seriam
destituídos dos elementos da prática discursiva apresentadas por White (2001 p.16-17): antilógico,
pré-lógico e dialético (grifo nosso).
Esses elementos constituem movimentos assim definidos pelo autor:
Antilógico , seu objetivo seria desconstruir uma conceituação de uma dada área de
experiência que se tenha petrificado numa hipóstase que impede percepção nova ou
nega, no interesse da formalização, o que nossa vontade ou emoções nos dizem que
não deve ser o caso num dado setor da vida. Pré-lógico, seu objetivo é demarcar
uma área da experiência para análise subsequente por um pensamento orientado
pela lógica. (WHITE, 2011, p. 16)

Sobre o movimento dialético presente no discurso, White (2001), sustenta que o discurso
apresenta a natureza dúplice, ele é interpretativo e pré-interpretativo. Ele é sempre interpretativo por
trazer uma dada realidade e pré-interpretativo, por selecionar a linguagem, o discurso a ser
utilizado, uma vez que não se pode abdicar do lógico que torna inteligível o narrado, o texto. É
nesse campo que o discurso se constitui dialético.
Para não entrar no campo do dissenso do termo dialético, White (2001, p, 17) propõe outra
terminologia, para identificar o movimento do discurso tratado como dialético: diatático. Segundo o
autor, “Este conceito tem o mérito de sugerir um tipo algo diferente de relação entre o discurso, o
seu suposto tema e as interpretações divergentes deste último.” (WHITE, 2001, p.17) Nesse
domínio, o discurso busca fugir à lógica, aqui entendida como possibilidade de um discurso não
racional, conclusivo na validação de suas premissas. Nessa construção ele é reflexivo. Segundo
White (2001, p.17) “É por isso que todo o discurso sempre é sobre o próprio discurso e é sobre os
objetos que compõem o seu tema.”.
A construção do discurso histórico assim compreendido por White (2001), de que “a
narrativa não pré-existe, mas uma narrativa pré-existente àquela formulada pelo historiador, não
encontra adesão em boa parte de seus membros, assim também, como a identificação da História
como uma narrativa literária pretendida por White (2001), não tem sido totalmente admitida. A
História em situação didática, não é concebida como uma narrativa, como um gênero literário que
evidencia o trabalho de seu autor. No paradigma tradicional, ela é a representação real do tempo
abordado pelo historiador através de suas fontes de pesquisas e não somente de sua interpretação.
Dessa forma, os textos de História em situação didática representam uma forma de conceber
o passado baseado no que se considera evidente e mesmo que busquem um nível de interpretação
para os fatos narrados, não fogem ao nível básico do entendimento, da linguagem. Esse modo de
conceber a História como representação do real e não como interpretação do real, legitima o
discurso de alguns atores sociais, que tem no passado histórico os referenciais para suas intenções,
segundo as ideologias que desejam sustentar. Com base nesse argumento é que ao nosso ver que os
textos didáticos tem contribuído para a permanência de algumas teses como de exaltação aos
personagens históricos e aos seus feitos e a manutenção de uma narrativa histórica perioditizada,
cronológica e evolutiva conforme exposto anteriormente.
Barros (2005) nos chama atenção para o movimento de renovação já existente na
historiografia de se representar a História que não seja somente pela perioditização linear. Para o
autor, mais do que uma nova forma na representação do tempo histórico, é preciso “abordar a
história também com um ‘novo dizer’”. (BARROS, 2005, p. 149)

Assim, à parte a proposta inovadora de Braudel e de outros historiadores


associados ao movimento dos Annales para repensar o tempo histórico, esta que
teve efeitos sensivelmente duradouros na historiografia ocidental, seria preciso
talvez esperar pelas últimas décadas do século XX para alguns historiadores

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pioneiros – incorporando técnicas narrativas introduzidas pela literatura e pelo


cinema moderno – ousassem em retomar a narrativa histórica mas sem deixar de
assegurar a libertação em relação a uma determinada imagem de tempo mais linear
ou mais fatalmente progressiva na representação de suas histórias (ou seja, na
elaboração dos seus textos). (BARROS, 2005, p. 149)

Diante do paradigma de temporalidade histórica presente no Samba do Crioulo Doido, ainda


estamos perante o desafio de superar os padrões tradicionais do discurso narrativo e com isso
reordenar a narrativa histórica, principalmente da História ensinada por meio dos livros didáticos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise que apresentamos na exposição desse artigo, tendo como foco as
temporalidades presentes no estudo e ensino da História, podemos compreender o uso que se faz
das narrativas históricas em nossa sociedade. Seja para legitimar algumas abordagens ou mesmo
questionar alguns discursos.
O Samba do Crioulo Doido, de Stanislaw Ponte Preta, nos apresenta não uma alternativa
histórica, posto que os fatos já ocorressem, mas uma narrativa que desconstrói uma concepção de
história ainda predominante no entendimento da disciplina, principalmente no espaço escolar. A
música de Stanislaw Ponte Preta nos convida a refletir sobre as simultaneidades possíveis no trato
com o estudo histórico, às vezes negligenciado na história didática, representada pelos manuais
escolares.
O debate que se abre em nossa sociedade nessas primeiras décadas do século XXI acerca da
história ensinada, nos alerta para o uso nefasto que podem fazer aqueles que pretendem se apropriar
da História para legitimar seus discursos e suas narrativas do percurso percorrido por nossa
sociedade. Mais do que desconstruir as narrativas sobre o passado, é se instituir uma narrativa sobre
o tempo presente.

REFERÊNCIAS:

BARROS, José D’Assunção. Os usos da temporalidade na escrita na história. Saeculum –


Revista de História [13]; João Pessoa, jul/dez.2005.
BERUTTI, Flávio; MARQUES, Adhemar. Ensinar e aprender história. Belo Horizonte: RHJ,
2009.
BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 2005 (1ª reimpressão da
2.ed. de 1992).
GUIA DE LIVROS DIDÁTICOS: PNLD 2011: história: ensino fundamental: anos finais.
Brasília, Ministério da Educação, Secretária da Educação Básica, 2010. Disponível em
<http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/guias-do-pnld/item/2349-guia-pnld-2011-
%E2%80%93-anos-finais-do-ensino-fundamental > Acesso: 19 de dez. de 2016.
GUIA DE LIVROS DIDÁTICOS: PNLD 2014: história: ensino fundamental: anos finais.
Brasília, Ministério da Educação, Secretária da Educação Básica, 2013. Disponível em<
http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/guias-do-pnld/item/4661-guia-pnld-2014>
Acesso: 24 de mar. de 2016.
MAZZOTTI, Tarso Bonilha. Doutrinas pedagógicas, máquinas produtoras de litígios. Marília:
Poïesis Editora, 2008.
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: História. Secretaria de Educação
Fundamental. - Brasília: MEC/SEF, 1998.
SOIHET, Raquel. A subversão pelo riso: estudos sobre o carnaval carioca da Belle Èpoque ao
tempo de Vargas. Rio de Janeiro: Editora Getúlio Vargas, 1998.

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WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso: Ensaio sobre a Crítica da Cultura. 2.ed.,São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2001

ANEXO O vigário dos índios


Aliou-se a Dom Pedro
Narração: Sérgio Porto E acabou com a falseta
Da união deles dois
Este é Samba do Crioulo Doido. A história de Ficou resolvida a questão
um compositor, que durante muitos anos
obedeceu ao regulamento e só fez samba E foi proclamada a escravidão
sobre a História do Brasil. Em nome de E foi proclamada a escravidão
Inconfidência, Abolição, Proclamação, Chica
da Silva...; e o coitado do crioulo teve que Assim se conta essa história
aprender tudo isso para o enredo da escola. Que é dos dois a maior glória
Até que no ano passado escolheram um tema A Leopoldina virou trem
complicado: E D.Pedro é uma estação também
-Atual Conjuntura!
Aí o crioulo endoidou de vez e saiu este O, ô,ô,ô,ô,ô
samba: O trem tá atrasado ou já passou
O, ô,ô,ô,ô,ô
Canto: Quarteto em Cy O trem tá atrasado ou já passou

U u úuuuuu (buzina)
Foi em Diamantina
Onde nasceu JK
Que a princesa Leopoldina
Arresolveu se casá
Mas chica da Silva
Tinha outros pretendentes
E obrigou a princesa
A se casar com Tiradentes

Lá iá lá iá lá ia
O bode que deu vou te contar
Lá iá lá iá lá iá
O bode que deu vou te contar

Joaquim José
Que também é
Da Silva Xavier
Queria ser dono do mundo
E se elegeu Pedro II

Das estradas de Minas


Seguiu pra São Paulo
E falou com Anchieta

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