Todo o sistema nervoso central, sede do controle das funções neurais, deriva-se
embriologicamente da PLACA NEURAL, observável no ser humano já desde o
décimo-nono dia de vida embrionária na forma de uma camada única de células, e que se diferencia através de CRISTAS NEURAIS para formar uma depressão (o SULCO NEURAL) no disco primitivo de ECTODERMA. A elevação progressiva das cristas neurais, associada à escavação progressiva no ectoderma, formará inicialmente uma GOTEIRA NEURAL, para dar origem então ao TUBO NEURAL, dotado de uma VESÍCULA NEURAL mais anterior (ou rostral), de onde originar-se-ão as estruturas encefálicas, através de sua ulterior segmentação em três outras vesículas. São as vesículas prosencefálica, mesencefálica e rombencefálica. Células oriundas da crista neural migrarão para formar os neurônios que formam os gânglios sensitivos espinhais e dos nervos cranianos sensitivos V, VII, VIII, IX e X. O nervo trigêmeo (V) surge do primeiro arco branquial na extremidade rostral da ponte é essencialmente sensitivo. O nervo facial (VII) surge do segundo arco branquial na coluna eferente da ponte, responsável pela inverção dos músculos da expressão da face. O nervo glossofaríngeo (IX) surge do terceiro arco branquial com as fibras na coluna eferente do mielencéfalo. O nervo acessório (XI) é formado por varias raízes da medula oblonga. O nervo vago (X) é formado pela fusão dos nervos do quarto ao sexto arcos branquiais, inervando o coração e intestinos O nervo hipoglosso (XII) é formado pela fusão de fibras daraiz ventral de até quatro nervos occipitais e inervam a os músculos da língua. O nervo adbucente (VI) nasce das células basais do metencéfalo, inervando o músculo reto lateral do olho. O troclear (IV) origina das células da coluna eferente posterior do mesencéfalo invervando o músculo obliquo superior do olho. O oculomotor (III) é derivado dos primeiros miótomos pré ópticos e invervam os demais músculos do olho. O nervo óptico (II) é formado por mais de um milhão de fibras que se originam na retina primitiva. O nervo olfatório são neurônios bipolares que se diferenciam das células do revestimento do saco nasal primitivo e por fim, o nervo vestíbulo-coclear (VIII) é originado dos ductos semi-circulares e do ducto coclear respectivamente. Também originam-se da crista neural todas os elementos celulares s omestésicos do sistema nervoso periférico, e a maior parte das células autonômicas periféricas, assim como alguns outros tipos de elementos celulares neurais. O encéfalo primitivo compreende a região do tubo neural cefálica ao quarto par de somitos. A porção do tubo neural caudal ao quarto par de somitos corresponde à medula Já a vesícula neural irá sofrer várias transformações, atingindo progressivamente a forma das estruturas do cérebro, ou seja, dos hemisférios cerebrais, de estruturas centrais do encéfalo e do tronco encefálico, com a vesícula prosencefálica formando o ARQUIENCÉFALO, ou ENCÉFALO PRIMITIVO. Este encéfalo primitivo terá notável desenvolvimento na escala evolutiva animal, sofrendo acréscimos neuronais quantitativos e qualitativos. Na filogenia, observamos diversificações e acréscimos à estrutura geral do sistema nervoso, obedecendo às necessidades evolutivas. Dividimos o sistema nervoso responsável pelo desempenho das funções relacionais, em: A. SISTEMA NERVOSO CENTRAL (incluindo as porções do sistema nervoso protegidas por arcabouço ósseo: o ENCÉFALO, envolto pelos ossos da caixa craniana, e a MEDULA ESPINHAL, envolta pela coluna vertebral); B. SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO (raízes nervosas espinhais e de nervos cranianos, gânglios sensitivos espinhais e de nervos cranianos, plexos, divisões, troncos, nervos periféricos – espinhais e cranianos – e receptores periféricos). As raízes, plexos, troncos e nervos periféricos são constituídos morfologicamente por feixes de axônios de neurônios cujos corpos celulares estão localizados seja no neureixo seja nas cadeias de gânglios espinhais e de nervos cranianos (estes, localizados no tronco encefálico). As raízes nervosas são o ponto de emergência das fibras axonais no neuroeixo, seja em nível da medula espinhal, seja no tronco encefálico. Algumas raízes de nervos cranianos podem mostrar-se reais ou aparentes, segundo originem-se efetivamente no local de sua emergência do neuroeixo ou não. Os gânglios são agrupamentos de corpos celulares neuronais, formando um aglomerado de estruturas onde podem ser observados também vínculos sinápticos. No sistema nervoso somático têm função sensitiva (processamento de informações dos sentidos que incidem sobre o indivíduo); no sistema nervoso autônomo, há gânglios motores viscerais (inervação principalmente de fibras musculares lisas), representando vínculos sinápticos entre os neurônios autonômicos. O sistema nervoso central, NEUROEIXO, corresponde à porção onde são desempenhadas as funções próprias da neuralidade, e que fixou sua localização nos animais cordados em região dorsal e central; o sistema nervoso periférico representa as estruturas que permaneceram na periferia do corpo, expostas ao ambiente circundante e atuantes sobre o mesmo, conforme é observado nos animais inferiores. Em termos evolutivos, quando os EUCARIOTAS se desenvolveram, passou a haver uma diversificação de tecidos, representados por células com diferentes morfologias, e que desempenhavam funções mais e mais específicas. Assim, o tecido nervoso contava com células específicas, e como servia para auxiliar o animal em sua interação com o meio, através da sensibilidade e da capacidade de produzir movimento, localizava-se na periferia do corpo do animal. Quando do surgimento de cordados, a NOTOCORDA DORSAL, formada essencialmente pelo TUBO NEURAL já citado, migrou gradualmente para sua posição dorsal e central, mas manteve seus vínculos com as estruturas que permaneceram na periferia, e que efetivavam o contacto do indivíduo com o seu meio. Da irritabilidade primitiva do ser procariótico, vemos desenvolver-se um aparato neural que separa estruturas com função motora de estruturas com função sensitiva, inicialmente de funcionamento independente nos vários segmentos somáticos do animal. A inexorável evolução morfofuncional traz então as estruturas neurais de controle para uma posição central, mantendo na periferia apenas as adaptações necessárias para a percepção de estímulos ambientais e para a consecução dos atos motores – o movimento tão característico das espécies animais, deslocamento no espaço que permite a vida de relação ideal. Denominamos ENCÉFALO às estruturas contidas dentro do crânio: cérebro, cerebelo e tronco encefálico. O CÉREBRO é constituído pelos hemisférios cerebrais, envolvendo uma porção central denominada DIENCÉFALO. O cerebelo é uma estrutura ligada essencialmente à coordenação dos movimentos do homem, e encontra- se anatomicamente relacionada ao tronco encefálico, sede este do controle de inúmeras funções, inclusive aquelas que mantêm a vida biológica dos sistemas orgânicos (como a geração e controle dos padrões de respiração, a regulação da temperatura corporal e a pressão do sangue dentro dos vasos sangüíneos). O tronco encefálico é classicamente dividido em três segmentos: do rostral para o caudal, MESENCÉFALO, PONTE e BULBO. Os hemisférios cerebrais formam o assim denominado TELENCÉFALO, onde podemos distinguir uma face externa ou lateral (ou da convexidade), e uma face interna ou medial; típicos da superfície dos hemisférios são os GIROS ou CIRCUNVOLUÇÕES, notável adaptação que permite conter muito maior massa encefálica numa caixa craniana de volume restrito. Notamos que o telencéfalo é formado por uma região mais externa, denominada CÓRTEX CEREBRAL, e que por sua vez se constitui predoinantemente de duas a seis camadas de corpos celulares neuronais (SUBSTÂNCIA CINZENTA), com diferentes graus de complexidade filogenética, e que recobre um grande CENTRO BRANCO MEDULAR, formado este por fibras nervosas axonais (SUBSTÂNCIA BRANCA). Em meio a este centro branco, distinguem-se agrupamentos de corpos celulares neuronais que formam os NÚCLEOS DA BASE ou núcleos basais – CAUDADO, PUTAMEN, GLOBO PÁLIDO e CLAUSTRO, principalmente – e que servem para o controle do movimento produzido pelo homem. Entre os dois hemisférios, assim como projetando-se para dentro de cada hemisfério, existem os VENTRÍCULOS CEREBRAIS (ventrículos laterais e terceiro ventrículo); contamos ainda com um quarto ventrículo, localizado mais abaixo, a nível do tronco encefálico. Estes ventrículos são reservatórios dinâmicos do LÍQUIDO CÉFALO-RAQUIDIANO, um líquido cristalino contendo pequenas quantidades de proteínas, glicose, cloreto e leucócitos, de grande importância para a nutrição, proteção e excreção a nível do sistema nervoso central, que é banhado continuamente por ele. Vale falar ainda dos envoltórios meníngeos, das MENINGES, membranas conjuntivas conhecidas por DURA-MÁTER (também denominada paquimeninge), PIA-MÁTER e ARACNÓIDE (também conhecidas como leptomeninge). Elas desempenham importante papel na proteção mecânica do tecido nervoso, constituindo uma barreira protetora, constantemente banhada pelo líqüor. Formam estruturas importantes como a FOICE DO CÉREBRO, que separa fisicamente os dois hemisférios cerebrais, e a TENDA DO CEREBELO, que separa a chamada FOSSA POSTERIOR da FOSSA ANTERIOR. Os giros hemisféricos são compreendidos em regiões anátomo-funcionais denominadas LOBOS CEREBRAIS – lobos FRONTAIS, PARIETAIS, TEMPORAIS e OCCIPITAIS na convexidade, assim como um LOBO DA ÍNSULA, que permanece oculto sob os lobos temporais; a face medial dos hemisférios admite ainda o LOBO LÍMBICO, formado classicamente por estruturas filogeneticamente antigas, ligadas aos processos comportamentais mais primitivos do animal. Os giros são delimitados pelos SULCOS ou CISURAS, os quais servem por vezes como limitantes dos vários lobos cerebrais. Nota-se ainda que, na face medial dos dois hemisférios cerebrais, há fibras (brancas) que interligam os hemisférios – são as COMISSURAS BRANCAS INTER- HEMISFÉRICAS, das quais a mais importante é o CORPO CALOSO, que permite o intercâmbio de informações neurais entre os dois hemisférios. O diencéfalo é a porção intermediária entre o telencéfalo e o tronco encefálico, sendo formado principalmente pelos TÁLAMOS e pelo HIPOTÁLAMO. Os tálamos são grupos de núcleos (ou seja, de agrupamentos de corpos celulares localizados no interior do neuroeixo) por onde passa toda uma gama de informações que chegam ao telencéfalo ou que dele partem – fundamentalmente, os tálamos têm função no processamento das informações que chegam ao sistema nervoso central. Já o hipotálamo, de localização mais ventral, é formado por diversos agrupamentos de núcleos cinzentos, e está relacionado a várias funções neurais e endócrinas (glandulares, hormonais), em especial ao controle das funções vegetativas mantenedoras da vida, como a regulação da ingesta de alimentos, do impulso sexual, da temperatura corporal, dos ritmos biológicos, do assim denominado sistema nervoso autônomo. Como outras estruturas pertinentes ao diencéfalo, podemos citar o metatálamo, o subtálamo e o epitálamo, sedes de funções neurais. Podemos ainda dividir o sistema nervoso central em SEGMENTAR, constituído pelos vários níveis anátomo-funcionais da medula espinhal, e SUPRA-SEGMENTAR, incluindo o tronco encefálico, o diencéfalo e o telencéfalo, com organização não- segmentar, bem mais complexa. Esta divisão origina-se da estrutura característica da medula espinhal, já desde o tubo neural, onde a inervação dos diferentes segmentos corporais é dada por níveis medulares distintos e correspondentes. O caráter segmentar do Sistema Nervoso recorda-nos que o sistema nervoso periférico tem como função primordial servir de intermediário funcional entre o S.N.C. e estruturas periféricas. Estas estruturas podem ter dois tipos de funções: a. função AFERENTE, como a dos receptores periféricos, sensitivos, através dos quais o sistema nervoso central será informado de estímulos que incidem sobre a periferia do corpo (existem estímulos também na intimidade dos tecidos corporais, conforme será visto mais adiante); b. função EFERENTE, como a dos neurônios responsáveis pelo comando de contração das fibras musculares esqueléticas, as quais efetuam os movimentos programados pelo sistema nervoso central. O tronco cerebral chama-nos a atenção por três particularidades morfológicas importantes: 1. presença de vários agrupamentos nucleares (substância cinzenta), com funções neurais diversas – núcleos motores próprios, núcleos de nervos cranianos e núcleos reticulares; 2. vários FEIXES ou TRACTOS de fibras axonais (brancas), de disposição em sentido vertical ou horizontal, ou seja, que se projetam oriundas da ou na direção da córtex cerebral, ou que interligam regiões próximas dentro do próprio tronco encefálico; 3. o aspecto RETICULADO observável aos cortes anatômicos, resultado da intensa ramificação da rede axonal descrita em (2). É notável no tronco encefálico a exigüidade de espaço para conter as inúmeras estruturas que o conformam. Certos agrupamentos nucleares do tronco encefálico originam ou são o destino dos neurônios da maioria dos chamados NERVOS CRANIANOS, em número total de doze pares: I Olfatório II Óptico III Oculomotor IV Troclear V Trigêmeo VI Abducente VII Facial VIII Vestíbulo-Coclear IX Glossofaríngeo X Vago XI Acessório XII Hipoglosso
Cada um destes nervos cranianos responde por funções aferentes ou eferentes,
somáticas ou viscerais. A medula espinhal é também estrutura altamente compactada, que se extende da base do crânio até a região lombar, no interior da coluna vertebral, que protege sua delicada estrutura. Apresenta a forma de um cilindróide achatado no sentido ântero- posterior. Sua substância cinzenta central forma um "H" envolto por substância branca, por onde passam inúmeros feixes nervosos. Lembramos que a substância cinzenta delimita na substância branca três pares de FUNÍCULOS (anteriores, laterais e posteriores) – no nível da medula cervical, os funículos posteriores ainda se dividem em dois feixes (grácil e cuneiforme); os CORNOS de substância cinzenta são genericamente dois pares, anteriores e posteriores – do nível T1 ao nível L2 há mais um par de cornos, de localização LATERAL, relacionados ao sistema nervoso autônomo (simpático). Nas superfícies laterais anteriores e posteriores fixam-se raízes (anteriores e posteriores) que se unem a cada nível medular para formar os nervos espinhais. Na substância cinzenta, localizam-se populações neuronais que desempenham funções neurais específicas. A medula espinhal é percorrida em seu comprimento pelo canal ependimário, por onde circula o líquido céfalo-raquidiano, e que irá desembocar no quarto ventrículo, no nível da ponte no tronco encefálico. O aspecto vegetativo da vida, aquele que pressupõe a preservação da vida biológica com suas funções corporais essenciais de nutrição e excreção, é representado pelo SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO, que controla as funções imprescindíveis à homeostase, constituindo uma divisão anátomo-funcional do sistema nervoso central e periférico, com cadeias de neurônios próprias. A unidade morfológica e funcional do S.N. é o NEURÔNIO, célula dotada de um CORPO CELULAR e de um prolongamento citoplasmático, o AXÔNIO, verificando-se a existência de pequenas expansões citoplasmáticas da membrana plasmática neuronal formando ramificações (DENDRITOS) tanto ao nível do corpo celular quanto da extremidade distal do axônio, onde se localiza o TELODENDRO. É interessante observar que as dimensões do pericário têm uma relação com as funções desempenhadas pelo neurônio – há diâmetros do soma da ordem de 4 mm até mais de 100 mm (por exemplo, nos motoneurônios alfa medulares); da mesma forma, o axônio pode apresentar-se em vários comprimentos nos diferentes tipos celulares neuronais, por vezes atingindo mais de 100 cm de comprimento no ser humano. Isto assumirá importância funcional, a ser demonstrada mais adiante: os neurônios são classificados em tipos Golgi I (de axônio longo) ou Golgi II (de axônio curto), segundo suas capacidades de se projetarem através dos sistemas; além disso, o tipo Golgi I apresenta parcas ramificações dendríticas somáticas, em comparação com a abundância das mesmas no tipo Golgi II. Outro ponto de interesse é a bainha de mielina, que reveste praticamente todo axônio com diâmetro superior a 1 mm – daí denominado mielínico. Esta mielinização é obtida graças à participação das células de SCHWANN, ou oligodendrócitos, que "enrolam" várias camadas da lipoproteína mielina ao redor do axônio; na realidade cada célula de Schwann é responsável por um pequeno segmento da bainha de mielina de vários neurônios. O neurônio é, funcionalmente, uma célula com um polo RECEPTIVO (o corpo celular) e um polo EMISSIVO (o axônio), e que irá receber e emitir mensagens fisiológicas. Podemos mesmo considerar o axônio como uma estrutura condutora dos estímulos que provêm do polo receptivo em direção ao polo emissivo. A interligação dos diversos neurônios que constituem o sistema nervoso dá-se por meio de junções especializadas entre suas membranas plasmáticas – as SINAPSES. De maneira geral, os neurônios interligados formam cadeias ou sistemas, por onde se dá a passagem dos impulsos nervosos. De maneira genérica, cada tipo celular neuronal está morfologicamente adaptado às características funcionais por ele assumidas, apresentando formas e dimensões características do soma, do axônio e dos dendritos. O tecido nervoso, em suas diversas localizações, apresenta uma homogeneidade típica na distribuição de suas células, formando aspectos anatômicos característicos das funções neurais. Assim, falamos de aglomerados de corpos celulares neuronais formando uma substância cinzenta que é encontrada nos (a) núcleos cinzentos, nos (b) gânglios somáticos e autonômicos, no (c) "H" medular e na (d) córtex cerebral e cerebelar. Os núcleos cinzentos são encontrados: (a.1.) a nível do tronco cerebral, vinculados funcionalmente à motricidade somática, aos nervos cranianos e às projeções corticais específicas; (a.2.) no encéfalo, formando as estruturas cinzentas dos núcleos da base, já mencionados; (a.3.) no cerebelo, formando os núcleos cerebelares (fastigial, globoso, emboliforme e denteado). Da mesma forma, os diferentes trajetos das fibras axonais promanadas dessas populações de corpos celulares, seja em eixos verticais que percorrem o comprimento do neuroeixo, seja em eixos horizontais que atravessam cada nível do neuroeixo. Esta organização caracteristicamente topográfica do tecido nervoso é o substrato do binômio estrutura versus função que tem grande importância na compreensão neurofisiológica