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Revista Adusp Novembro 2003

CUBA,
A TRANSIÇÃO
SOCIALISTA E A NOVA
ORDEM INTERNACIONAL
Mauro Luis Iasi
Professor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e doutorando em Sociologia pela FFLCH-USP
Wladimir de Souza/Imagenlatina

Av. Malecón, Havana

Se por um lado Cuba tem todo o direito de se defender das


agressões imperialistas dos EUA (e para tanto deve ser garantida
sua soberania na utilização de sua ordem jurídica), por outro lado
isto não impede que tenhamos uma opinião própria sobre alguns
elementos desta ordem legal, mais especificamente sobre a pena
de morte. Pois ela é contraditória com o “fator de consciência”
que, na Ilha, constituiu-se no eixo central da transição socialista
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“Martí me habló de la amistad socialista em Cuba que permitem No espaço reduzido deste artigo
y creo en él cada dia, refletir sobre os impasses e pro- não cabe uma detalhada exposição
aunque la cruda economia blemas da transição para, depois, destes caminhos e suas implicações.
ha dado luz a otra verdad” nos debruçarmos sobre o momen- Destaco, no entanto, que parte desta
Silvio Rodríguez to atual. experiência pode ser a chave para

U
Cuba foi, desde suas origens questões cruciais da transição tal co-
ma das principais até a forma particular de transiçãomo nos apresenta Mészáros (2002)
características da re- socialista que assumiu, uma revolu-em suas reflexões em busca de uma
volução cubana é que ção heterodoxa. Isto não quer dizernova teoria da transição. Como sabe-
ela provoca posições muita coisa se partirmos do princí-mos, este pensador marxista formula
apaixonadas, talvez pio que as verdadeiras revoluções a provocante tese segundo a qual um
pelo fato, como já se fazem sempre contra alguma dos problemas da transição socialista
disse Che Guevara, de esta experi- ortodoxia. Foi assim na revolução seria que a ação revolucionária pode
ência ser um “divisor de águas” en- russa de 1917 e sua crítica ao re- produzir uma alteração jurídica na
tre aqueles que “querem o bem formismo da II Internacional, forma de propriedade sem que haja
do povo, e, do outro, os que o uma profunda superação daquilo que
odeiam”. ele denomina de “sociometabolismo”
No entanto, se esta do capital.
visão apaixonada nos Dizendo em poucas pa-
ajuda a cerrar fileiras, A experiência cubana lavras, uma revolução pode
mantendo unida e forte alterar radicalmente a
a solidariedade contra buscou um caminho próprio na correlação das forças po-
a agressão imperialista líticas no Estado sem al-
(agora intensificada construção da transição socialista. Parte terar alguns dos elemen-
pela gestão deliquencial tos que seriam essenciais
de Bush), é verdade desta experiência pode ser a chave para para a existência do ca-
também que pode impe- pital, tais como uma cer-
dir uma segunda tarefa
questões cruciais da transição ta divisão hierárquica do
que é compreender Cuba trabalho, a subordinação
como nossa mais valiosa ex- da classe trabalhadora
periência prática de transição à gestão centralizada, a
socialista e, portanto, com a devida assim como na China com a crítica substituição da burguesia por
objetividade crítica. ao chamado “modelo Petrogrado”, outras personificações que cumpri-
Precisamos partir do pressu- que impunha a cópia da via soviéti- riam a mesma função de extrair e
posto de que estas duas ações, a ca para a realidade chinesa. acumular trabalho excedente.
solidariedade necessária e a com- Quanto à via estratégica da Ainda que não concorde com-
preensão crítica da experiência revolução, Cuba foi uma criativa pletamente com todas as impli-
cubana, não são antagônicas, pelo síntese de elementos da guerra po- cações da tese mészariana, suas
contrário, formam uma unidade pular de guerrilhas de apoio cam- reflexões são de grande utilidade
necessária para que nossa solida- ponês com táticas insurrecionais para aqueles que buscam compre-
riedade seja consciente e nossa nas cidades. Isto é por demais co- ender os impasses da transição.
crítica seja solidária. nhecido. O que é pouco estudado A construção de uma nova socia-
Comecemos, então, pela re- é que a experiência cubana seguiu bilidade no caminho aberto pela
cuperação dos elementos da par- buscando um caminho próprio na inicial socialização dos meios de
ticular experiência de transição construção da transição socialista. produção, a necessária inversão do

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caráter das relações sociais de pro- econômica, a rentabilidade, o interes- cundária. Esta, no entanto, não era
dução marcadas pela divisão entre se material individual como estímulo, a forma como Che via a questão.
gestão e execução, pela alienação e etc.), nos arriscamos a chegar a um Segundo Carlos Tablada (1987):
reificação do trabalho, são aspectos impasse (...). Para construir o comu- “Che pensava que a perpetuação
dos mais importantes para aqueles nismo, é preciso mudar o homem e desenvolvimento das leis e cate-
que acreditam que a transição so- ao mesmo tempo que a base econô- gorias econômicas do capitalismo
cialista não é a mera construção de mica”. (Guevara, Textos Políticos, prolongam as relações sociais de
uma base material (confundida e citado por Löwy, 2002). produção burguesas e com elas os
reduzida ao aspecto econômico), É bom recordar que os manuais hábitos de pensamento e motivações
mas fundamentalmente o processo soviéticos de economia socialista da sociedade capitalista, ainda que
de construção de um novo ser hu- estavam a todo vapor no caminho agora o fenômeno tenha se meta-
mano através da criação de novas do “cálculo econômico”, das “leis morfoseado sob formas socialistas”.
relações sociais. gerais da economia socialista” e da Verdadeiramente não são exa-
É neste aspecto que a contri- “lei do valor socialista”, tudo isto tamente as leis e categorias que
buição da experiência cubana é da amarrado pelo princípio imutável, prolongam as relações, mas o
maior riqueza. A polêmica contrário, é a sobrevivência das re-
de Che Guevara sobre a lações que se reflete na sobrevida,
forma de gestão da no pensamento, das categorias
economia, que ficou Che recupera Marx da economia política do
conhecida pela con- capital. No entanto,
traposição entre o ao afirmar que a tarefa da transição no essencial, o que o
“cálculo econômico” e autor cubano destaca
o “sistema orçamentário”
é, principalmente, criar as condições para é a relação funda-
de empresas consolida- mental que Che fazia
superar a escravizante subordinação do
das, traz à luz a questão entre os mecanismos
sobre a sobrevivência indivíduo à divisão social do trabalho econômicos e o produto
da lei do valor na destes na formação ou
transição socialista. não de uma nova cons-
O que é aparente- ciência. Sabemos que para
mente apenas uma discussão transformado em lei natural pela o revolucionário cubano-argentino
técnica, esconde uma polêmica mui- ortodoxia soviética, da superiori- este era o aspecto mais importante
to maior. Che Guevara estava con- dade do plano. A sobrevivência da para medir o acerto de uma políti-
vencido de que não se pode construir lei do valor e da forma mercadoria ca na transição.
o socialismo utilizando os métodos e era uma contradição menor diante Recuperando o pensamento de
ferramentas herdadas da sociedade da urgência de derrotar o Ocidente Marx, Guevara afirma que a tarefa
capitalista, assim como o socialismo na corrida pela “eficiência”, “pro- da transição é, principalmente, criar
não poderia ser confundido com dutividade”, “rentabilidade” das as condições para superar a escra-
a mais eficaz maneira de produzir “empresas socialistas”. vizante subordinação do indivíduo
em grande escala mercadorias com O fato de que a maneira esco- à divisão social do trabalho e supe-
os meios de produção socializados. lhida para atingir tais metas fosse a rar o trabalho como mero meio de
Neste sentido, Che dizia que perpetuação da forma essencial das vida, transformando-o em primeira
“Indo atrás da quimera de realizar relações capitalistas de organização necessidade da existência. Diz Che:
o socialismo com ajuda das armas e gestão do trabalho, como, por “O socialismo econômico sem a
corrompidas legadas pelo capitalismo exemplo, a forma taylorista-fordis- moral comunista não me interessa.
(a mercadoria tomada como unidade ta, era visto como uma questão se- Lutamos contra a miséria, mas ao

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mesmo tempo contra a alienação Ao mesmo tempo, preocupa- Guevara preocupava-se com a
(...) Marx se preocupava tanto com vam o dirigente cubano problemas forma em que a transição socialis-
os fatores econômicos quanto com de uma outra natureza, mas que se ta se institucionalizaria, e de que
sua tradução no espírito. Chamava- ligam diretamente ao nosso tema. modo a ação excepcional dos revo-
lhe ‘um fato de consciência’. Se o A ação revolucionária havia cria- lucionários iria se transformar em
comunismo negligencia os fatos de do uma série de instrumentos de práticas societais que não podiam
consciência, pode se tornar um mé- justiça que faziam sentido em um perder seu caráter revolucionário.
todo de repartição [e, agregaríamos certo momento do processo revo- Se, para ele, a revolução é quando o
nós, de produção e distribuição lucionário, mas que corriam o risco excepcional se torna cotidiano, qual
mais justa de mercadorias], mas já de degenerar em formas arbitrárias seria a forma deste cotidiano não
não é uma moral revolucionária” que podiam causar grande dano na se perder nas armadilhas da velha
(Che, citado por Löwy, op.cit.). relação entre o povo e a revolução. consciência formada na antiga so-
Fica bastante claro que para Este perigoso caminho de se- ciedade? O critério guevariano para
Che o socialismo não pode ser paração das massas causado por estas questões é o mesmo que liga
confundido com uma “simples um poder sectário e arbitrário nas este aspecto particular ao problema
acumulação mecânica de quanti- mãos de alguns, como florescia geral abordado anteriormente sobre
dade de produtos postos à dis- a emancipação: uma moral e uma
posição do povo” (Che), consciência revolucionária
assim como procu- Se, para Che, a revolução é quando deve se basear em ati-
ra estabelecer uma tudes e relações con-
clara relação entre a o excepcional se torna cotidiano, como cretas que permitam,
forma concreta das re- de fato obriguem, o
lações e o que estas pro-
evitar que este cotidiano perca-se nas surgimento de novo
duzem na consciência do padrão de relações
armadilhas da velha consciência formada
ser humano que se forma humanas.
durante o processo na antiga sociedade? Esta linha de
de transição. raciocínio levava
Esta preocupação à discussão de
econômica se reflete uma legalidade socialista,
igualmente nas questões políticas. por exemplo nos chamados ou mais precisamente, levava à
A forma, e não apenas a meta, da CDRs (Comitês de Defesa da necessidade de superar a ação revo-
ação política deve ser emancipa- Revolução), foi duramente critica- lucionária típica de uma conjuntura
tória. Por isto Che insistiu em mé- do por Che. Este caminho sectário de guerra civil na direção de uma
todos diferentes para criação do de uma “ligação rígida às vezes, de “normalidade” na qual a relação
partido em Cuba, combatendo as medidas corretas até medidas ab- entre os seres humanos volte a ser
tendências burocráticas que dis- surdas, o caminho de supressão da o central.
tanciavam a vanguarda da classe, crítica, não somente por quem tem Os CDRs, uma vez perdido o
como, por exemplo, no momen- o legítimo direito de fazê-la, que vínculo que os une à massa, podiam
to de criação das Organizações é o povo”, mas do próprio partido se converter em instrumento arbi-
Revolucionárias Integradas que perdeu seu caráter “vigilante e trário nas mãos daqueles que o con-
(ORI), ocasião na qual Che insis- de inspeção ao se transformar em trolavam, e pior, esta arbitrariedade
tiu para que o novo membro do um executor” (Che, 1981), tudo tendia a ser justificada em nome de
partido a ser criado fosse indicado isto poderia causar o dano maior um suposto combate aos “contra-
diretamente em assembléias de que é distanciar as massas de sua revolucionários”. Lembrando que
trabalhadores. vanguarda. “contra-revolucionário é aquele

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Havana antiga

que luta contra a revolução, mas temos que dar um pequeno passo materialidade objetiva em que se
também é aquele senhor que, valen- atrás e estabelecer estas relações, insere a experiência histórica.
do-se de sua influência, consegue não continuar com as relações do Após um curto período de expe-
uma casa, consegue depois dois car- forte e do fraco, do ‘eu disse e aca- riência das propostas de Che e dian-
ros, viola o racionamento e obtém bou’. Em primeiro lugar porque não te dos resultados alcançados e das
depois tudo o que o povo não tem; é justo e em segundo lugar, e muito contradições produzidas, entre elas,
(...) este sim é um contra-revolucio- importante, porque não é político” paradoxalmente, um crescimento da
nário” (Che, 1981), Guevara apre- (Che Guevara, La influencia de la burocracia devido à extrema centra-
sentará um interessante raciocínio revolución cubana en la América lização que a proposta demandava,
que nos leva a refletir sobre sua Latina. In: Obras, t. 2, p. 486-91) Cuba adotou várias orientações.
particular visão da transição para Esta preocupação inspirará dire- Naquilo que nos interessa, o fato
uma “legalidade socialista”: tamente a tentativa de estabelecer é que, por um tempo, predominou
“É lógico que em momentos de os Órgãos de Poder Popular a partir uma orientação mais ortodoxa ins-
excessiva tensão não se podem usar de 1974 (Florestan Fernades, 1979, pirada pelo pensamento econômico
panos quentes. Aqui se prendeu p. 199). Todas estas iniciativas, des- soviético. Esta etapa seguiu até a dé-
muita gente sem saber se realmente de aquelas próprias do campo eco- cada de 80 quando foi criticada por
eram culpados. Na Sierra nós fuzi- nômico, como as políticas e jurídi- aquilo que se chamou de “retifica-
lamos pessoas sem saber se eram to- cas, assim como suas conseqüências ção”, processo no qual foram recu-
talmente culpadas, mas há momen- no processo de formação de uma peradas algumas das idéias centrais
tos em que a revolução não podia nova consciência, não são determi- do pensamento econômico de Che.
parar para averiguar demais: tinha a nadas apenas pela intencionalidade O processo de retificação abria
obrigação de triunfar. Nos momen- dos revolucionários ou pelas boas horizontes dos mais otimistas para
tos em que as relações normais entre intenções de qualquer governo. o desenvolvimento da transição
as pessoas voltam a ter importância, Dependem em última instância da socialista em Cuba, no entanto,

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o desmonte da URSS e do leste deve ser garantida sua soberania Somos contra a pena de morte
europeu caiu como uma bomba na utilização de sua ordem jurídica por uma série de motivos, desde
para a frágil economia cubana. A que foi constituída de forma sobe- humanitários até jurídicos. No
precarização material condicionou rana, isto não impede que tenha- entanto o que nos interessa aqui
a adoção das chamadas medidas mos, como socialistas, uma opinião é, retomando o raciocínio gueva-
especiais para tempos de paz, na própria sobre alguns elementos rista, porque “não é justo e não é
verdade um conjunto de orienta- desta ordem legal, mais especifica- político”. Precisamos tomar todo
ções de defesa e sobrevivência, que mente, sobre a pena de morte. o cuidado para não recriarmos
bloqueou o caminho aberto pela O Estado cubano tem que se entre nós uma atitude de justifi-
retificação dos anos 80. defender da agressão imperialista, cativa que nos cegue a qualquer
Tanto o contexto internacional mas, ao mesmo tempo, está cada deformação que possa haver, do
como internamente as medidas es- vez mais obrigado a enfrentar con- tipo “não importa o que o gover-
peciais, fizeram com que prevale- tradições internas agravadas pela no cubano faça, desde que faça
cesse em Cuba uma visão pragmá- reprodução de desigualdades que a em nome da revolução”. Sabemos
tica de reformas econômicas que atual orientação econômica acaba que, em nome da “defesa da revo-
pudessem viabilizar os recursos por gerar. lução”, muitos dos atos cometidos
essenciais, primeiro para a acabam por colocar em risco
sobrevivência e depois pa- esta mesma revolução.
ra a busca de uma alter- A revolução cubana
nativa de desenvolvi- Não podemos recriar uma conseguiu sobre-
mento que não mais viver até agora,
podia contar com atitude que nos cegue a qualquer deformação, quando muitos
o “Comecom”. O apostavam no seu
resultado foi uma do tipo “não importa o que Cuba faça, desde desmantelamento
abertura comer- imediato após o des-
cial e produtiva que faça em nome da revolução”... monte soviético, não
que permitiu o re- simplesmente por man-
torno de investimen- ter rígidos instrumentos
tos privados, principalmente de controle, mas pelo vínculo
na área do turismo, mas não ape- Não basta aceitar o fato de que diferenciado que construiu com as
nas, com todas as conseqüências o Estado cubano é obrigado a ser massas e sua capacidade de des-
em relação à reprodução de desi- duro, mas compreender por que locar o eixo central da transição
gualdades que se possa imaginar, é obrigado a agir assim. Não pelo para o “fator de consciência”. E é
combinadas com um processo de questionamento, como ampla- exatamente isto que o imperialis-
fechamento político e controle mente propalado pela imprensa mo quer quebrar.
muito mais reforçado. monopólica internacional, sobre
A atual situação, incluindo a es- a “sumariedade do processo judi- Referências bibliográficas
calada agressiva norte-americana e cial”, pelo cerceamento do direito Fernandes, F. Da guerrilha ao socialismo: a revolução cubana.
São Paulo, T.A. Queiroz, 1979.
o episódio do fuzilamento de três de defesa e outros argumentos que Guevara, E. C. Obras, vol. 3, São Paulo, Global, 1986.
participantes em uma tentativa de perdem a legitimidade por parti- Guevara, E. C. Textos políticos e sociais, São Paulo, Edições
Populares, 1987.
seqüestro de uma balsa, são refle- rem de onde partem. Cuba como Löwy, M. O pensamento econômico de Che. São Paulo, Ex-
pressão Popular, 2002.
xos deste quadro mais geral e não qualquer país tem o direito de pro- Mészáros, I. Para Além do Capital, São Paulo, Boitempo,
podem ser compreendidos fora de- teger-se e para isto utilizar-se de 2002.
Sader, E. e Fernandes, F. Che Guevara, São Paulo, Ática, 1981.
le. Se por um lado Cuba tem todo seus dispositivos legais. A questão
Tablada Perez, C. Ernesto Che Guevara, hombre y sociedad,
direito de se defender e para isto para os socialistas é outra. Buenos Aires, Antarca, 1987.

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