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iITÒRIÀL

Pa c ò

A disciplina escolar de história oferece ao


educando saberes e fazeres que qualificam a
leitura do mundo social no qual está inserido,
proporcionando-lhe, como cidadão e membro
da comunidade política, informações sobre o
processo deformação histórica da sua comunidade.
Também oferece ao sujeito histórico ferramentas
conceituais e modelos teóricos que lhe permitem
interpretar o passado, mas também o presente.
Fornece ao homem do presente procedimentos
técnicos para recolher e organizar a massa de
informações que a sociedade contemporânea
produz, armazena e distribui.
Ao responder às demandas da sociedade
contemporânea a instituição escola e a disciplina
escolar de história não precisam recorrer ao
discurso tecnocrático.Tão pouco se aventurar em
propostas que homogeneizam as diferenças
sociais. No mundo contemporâneo marcado
pela radicalização do processo de globalização,
ritimado pela aceleração do tempo histórico, Hite . 1 ff f ■- ípsíif • n |f ;M f
mudaram as dinâmicas sociais e os saberes i
imprescindíveis para viver e agir de forma
autônom a e consciente na sociedade da
informação, mas a responsabilidade da educação
RICARDO DE AGUIAR PACHECO
formal continua sendo a de preparar as jovens
gerações para a vida na sociedade do seu tempo.

ENSINO DE HISTORIA E
PATRIMÔNIO CULTURAL
/PacoEditorial

(çpJ@PacoEditorial UM PERCURSO DOCENTE


9 " 788546112082721 l@Paco_Editorial
Um cu rrículo escolar
co n te m p o rân e o deveria se
preocupar com a
alfabetização hum anística
dos educandos.Todas as
experiências q u e o sujeito
vivência estão situadas em
um espaço num
d eterm in ad o tem po. 0
espaço é o m eio am biente
em que vivem os, mas é
tam bém a paisagem que a
sociedade constrói RICARDO DE AGUIAR PACHECO
alterando o espaço natural.
De form a sem elh an te o
tem p o ta m b é m é uma
ENSINO DE HISTÓRIA E
dim ensão d o m u n d o físico,
um efeito im utável d o qual PATRIMÔNIO CULTURAL
nenhum o bjeto ou ser
escapa. M as o te m p o UM PERCURSO DOCENTE
tam bém é uma percepção
social sobre esse processo
d o m un d o físico, uma
construção social variável
tr,<,
O'O
»r,!! \
de acordo com as sensações
e concepções q u e cada 0
in d iv íd u o e sociedade
p rod uz e rep ro d u z para Ó
organizar e viver seu tem po.
.1
Pa c o ■ *! Editorial
Vo '
APRESENTAÇÃO
Katia Maria Abud
Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo

Ensino de História: Patrimônio e Cultura vem para su­


perar uma lacuna nas discussões sobre o ensino de his­
tória. São várias as vertentes que nos dão caminhos para
pensar as questões didáticas da nossa disciplina. Uma
delas, sem dúvida, é composta pelas fontes e documen­
tos que a Cultura Material nos fornece e que afetam uma
parte documental de extrema importância, constituída
pelo Patrimônio Histórico, cuja preservação aponta para
o direito à memória. E é neste aspecto, sobretudo, que
se concentra a importância desta obra de Ricardo de
Aguiar Pacheco.
A leitura dos textos que compõem este livro nos leva
a refletir sobre quanto a Cultura Material e suas formas
de manifestação são indutoras de aprendizado em his­
tória. Ao iniciar a obra com reflexões sobre os saberes
que a história ensina, o autor leva-nos a pensar sobre a
importância da disciplina nos tempos em que vivemos,
quando a sua própria existência na grade curricular
encontra-se ameaçada. A ameaça à história como disci­
plina escolar significa não somente redução das horas
de estudo, mas a eliminação de uma forma de pensa­
mento que implica na compreensão da sociedade e na
formação da consciência histórica. Para esta contribui o
conhecimento do passado, a reconstrução dos caminhos
percorridos pelos grupos sociais no traçado de sua his­
tória. E, nesse traçado, a Cultura Material, o Patrimônio

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R ic a r d o de A g u ia r Pa c h e c o

tizar orientações metodológicas para o uso de objetos do 1


patrimônio cultural (material e imaterial) como base para
o desenvolvimento de conhecimentos históricos e o ama­ SABERES QUE A HISTÓRIA
durecimento de conceitos do campo das humanidades.
Outro desafio é pensar o ensino dentro dos espaços ENSINA
e instituições de memória. No capítulo seis e sete temos
duas partes de uma mesma reflexão produzida a partir As grandes transformações sociais da virada do milê­
da experiência docente fora da escola. O último capítulo nio afetaram sobremaneira a sociedade contemporânea.
não é uma conclusão, mas é originário de uma palestra A radicalização do processo de globalização aproximou
em que os elementos anteriores misturam-se de forma os grupos humanos e achatou a dimensão tempo-espaço;
mais rápida e intuitiva, servindo, assim, como o fecha­ as novas tecnologias da informação disseminaram de for­
mento desse conjunto de idéias. ma cada vez mais dinâmica o conhecimento; o desenvol­
Em aulas de formação de professores, costumo falar vimento científico e tecnológico colocando em cheque os
das metodologias de ensino como receitas de bolo. Os paradigmas da racionalidade científica moderna. Autores
modelos pedagógicos, as propostas metodológicas, os como Boaventura de Sousa Santos (1995) apontam-nos
roteiros de atividades são como receitas de bolo da titia. para a necessidade de desenvolvermos ferramentas teóri­
Elas contam como a titia faz aquele bolo gostoso. Mas cas que, ancoradas na tradição do pensamento científico,
cada um que tiver acesso ao livro de receitas tem a op­ abordem as características inovadoras de nossa era.
ção de seguir o passo a passo, ou de acrescentar algo, ou Nesse cenário as relações de ensino-aprendizagem e
retirar algum elemento, ou de reordenar o processo. E suas instituições tomaram-se objeto de profunda refle­
ao final de tudo veremos que o bolo da titia, só a mão da xão crítica. Como lembra André Petitat (1994), ao longo
titia faz. Suas receitas são apenas indicações para cada da experiência histórica do ocidente a instituição escola
um fazer o seu bolo a seu modo. cumpriu o duplo papel de produção e reprodução das
O esforço de reunião desses artigos foi impulsionado relações sociais. Dessa forma, as transformações sociais
por amigos e colegas do Laboratório de Estudos e Inter­ da contemporaneidade, ao mesmo tempo em que a rei­
venções em Patrimônio Cultural e Memória Social. A esse vindicaram como local privilegiado de sociabilização,
coletivo que me acolhe dedico essa material. Também de reprodução dos saberes e fazeres junto às novas gera­
agradeço às agências de pesquisa que, em diferentes mo­ ções, cobraram dela a produção de novas relações com o
mentos, financiaram os projetos de pesquisa que resul­ saber acumulado e demandam por uma atualização de
taram nas reflexões que aqui apresentamos. À Capes, ao seus objetivos e metodologias de ensino.
CNPq e à Facepe, meu agradecimento e minha esperança Nas décadas que se seguiram ao período de redemo-
no desenvolvimento científico no campo do ensino. cratização da sociedade brasileira, eclodiu um forte de­
bate sobre o papel da instituição escola e muitas propos­
Ricardo Pacheco, fevereiro 2017. tas inovadoras de atualização do currículo da disciplina

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En s i n o d e h i s t ó r i a e p a t r im ô n io C ultural

ficaçao do debate sobre o ensino de história na institui não se reaüzou de forma fácil. Como salienta Kátia Abud
çao escola constituiu um campo de saber autônomo: (1997, p. 28), os currículos oficiais propostos para a dis­
ciplina "têm sido o veículo para a disseminação do dis­
diferente*^0 ^ hlStória ensinada tem assumido curso do poder e para a difusão da ideologia." Para ela a
erentes imagens nos diversos espaços onde se
formulação do código disciplinar para o ensino de histó­
laç°õesSSv T °H “ dÍSCUSSÕes e «form u- ria na educação básica passou por diferentes postulados.
laçoes, visando revalorizá-la como campo de saber
autonomo fundamental para a formaçãí>do pensa­ Durante o período colonial o ensino básico foi con­
mento dos cidadãos. (Fonseca, 1995, p. 48) trolado pelas instituições ligadas à Igreja, com particular
destaque à Ordem dos Jesuítas. Estes deram à disciplina a
Ou seja, a história, enquanto disciplina escolar lida perspectiva de história sagrada. Seguindo Thays Nívia de
com os três conceitos, as três dimensões da p a íw a íiistó Lima Fonseca (2004), o início do sistema de ensino oficial
ria^mas se distinguindo de cada um deles. Os recursos di no Brasil deu-se durante o Império com a organização do
daücos, como livros e mapas, os materiais de a i ^ como Colégio Dom Pedro II. Para a disciplina de história, o pro­
ocumentanos e filmes, são narrativas sobre o pfssado que grama dessa instituição selecionou alguns fatos históricos
e fez deles elementos explicadores do processo de for­
W s s S Í a T COnfUpdidOS P610 estad“ te coL o próprio
passado. Da mesma forma, as evidências da experiência mação da comunidade nacional. Seguindo a proposição
umana no tempo, como documentos históricos e objetos de Von Martius de "como escrever a história do Brasil"
museologicos, nao se constituem na narrativa historiei em foram destacados os elementos étnicos formadores do
st mesmos ou na história processo revelada diante do a ^ povo, o papel do empreendimento das grandes navega­
no, mas sun em fontes sobre as quais se empregam ctferen- ções para a fundação do Brasil, dividindo o país com base
procedimentos e técnicas de investigação § em suas características regionais. Esse programa discipli­
ta n to " eT S distinções aos estudantes é impor nar teve claramente a intenção de produzir um sentimen­
tante para desnaturalizar as interpretações que fazem to de unidade nacional em tomo da Monarquia.
d » passado. Possibilita que a his pria
Com o fervor da escola novista, a metodologia do en­
t o de mera reprodução das narrarivas elaboradas pela sino de história passa a ser pensada por Jonathas Serra­
Dltaa"081? a 6 enCOntre sua ParHcularidade como dfcd- no. Este professor do Colégio D. Pedro II e membro do
Instituto Histórico e Geográfico do Brasil escreveu dois
ô manuais para orientar o ensino de história nas institui­
ções de ensino formal. Neles, propôs o uso dos novos
métodos e técnicas pedagógicas como forma de aproxi­
incumbida de diferentes funções p o lf r ic o - p ja ^ c a s mar o ensino dos interesses dos alunos. Segundo Maria
No caso particular do Brasil, dadas as suas dtaensõra de Auxiliadora Schimidt (2004, p. 198), na visão de Jonathas
PaK confanental e de população muUétnica, essa t a ^ a Serrano, "torna-se importante o ensino da História para
se entender o fio que une todas as questões da humani-
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e n s in o de H is t ó r i a e Pa t r im ô n io C u ltu ra l

de práticas pedagógicas voltadas à formação do cidadão o aluno para agir no mundo globalizado, só representa
construtor da sociedade democrática. avanço na medida que o prepara para o exercício cons­
Como aponta Thais Fonseca, o ensino de história ciente da cidadania em sua comunidade local.
sempre cumpriu um papel estratégico na sociedade bra­
sileira. Por vezes explorando as diferenças regionais e Ler o mundo e interpretar as relações sociais
étnicas, outras procurando consolidar uma identidade
nacional, como instrumento de alienação ou como pro­ Os desafios da sociedade contemporânea cobra dos
grama de formação da cidadania. Essas ambivalências profissionais da educação, de forma geral, e dos pro­
evidenciam uma variação nos sentidos e diretrizes da fessores de história, de maneira específica, uma revisão
disciplina escolar de história, mas mostram que, invaria­ crítica dos currículos escolares. A adesão a projetos mes­
velmente, ela esteve ligada a projetos político-pedagógi- siânicos de um mundo redimido pelo desenvolvimento
cos mais amplos que a própria sala de aula.
técnico desqualifica a experiência histórica e o campo so­
/ cial como objeto da investigação científica e racional. So­
Da formação do súdito fiel à monarquia, à do cida-
luções mágicas são cotidianamente apresentadas como
dao consciente e participativo, o ensino de história
tem caminhado em consonância com as questões
saída fácil, servindo apenas a tecnocratas da educação
de seu tempo, mesmo que em alguns momentos - , ocupados em reproduzir receituários de uma globaliza­
particularmente os de regime autoritários - o dire­ ção homogeneizadora e excludente.
cionamento e o cerceamento sejam maiores e mais Como nos aponta Marilena Chauí (1997, p. 7), pre­
prejudiciais. (Fonseca, 2008, p. 88) cisamos ter cuidado com o "discurso competente" em
educação. O discurso
No século XXI isso não é diferente. No contexto da
sociedade da informação o acesso e a manipulação de no qual a linguagem sofre uma restrição que pode­
dados tornam-se cada vez mais importantes para as es­ ría ser assim resumida: não é qualquer um que pode
tratégias de desenvolvimento socioeconômico das so­ dizer a qualquer outro, qualquer coisa em qualquer
ciedades. Os diferentes setores sociais, sobretudo a ju­ lugar e em qualquer circunstância.
ventude, demandam por um ensino conectado com as
novas tecnologias, interativo e dinâmico. O discurso competente, disfarçado em discurso téc­
nico, se autoatribui à autoridade de único saber capaz
Mas não podemos nos esquecer de que a educação
formal também deve estar atenta às tradicionais neces­ de definir as políticas públicas a serem adotadas. Em
sidades dos grupos marginalizados por acesso aos sa­ educação, vemos essas estratégias em duas dimensões
beres que lhes possibilitam melhores condições de vida. igualmente perigosas para a formação da cidadania. Em
Uma educação da inclusão digital não pode esquecer uma esfera macro, ou institucional, vemos os burocratas
a inclusão social. A educação que qualifica e prepara encastelados em seus escritórios definindo os currículos
a serem adotados. Em outra dimensão, que podemos

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R ic a r d o de A g u ia r Pa c h e c o En s i n o de H is t ó r ia e p a t r im ô n io C u ltu ra l

conceitos e estratégias de interpretação dos dados so­ chocam-se cotidianamente com o pensamento apriorís-
ciais que lhe permitiram interpretar seu contexto social. tico, fruto da observação do mundo imediato feito pelo
A partir deste entendimento propomos que a disci­ chamado senso comum. Todas as disciplinas escolares
plina escolar de história deva trabalhar com programas se veem frente ao desafio de problematizar essa visão e
e atividades voltadas ao ensino-aprendizagem de três introduzir os educandos na lógica própria de cada cam­
tipos, ou ordens, de saberes complementares entre si: po disciplinar específico.
as informações históricas referentes à experiência das
comunidades no tempo; os conceitos utilizados pelas A questão que se coloca diante deste panorama da
ciências humanas para analisar as relações sociais; e os história ensinada é que o fundamento científico da
história foi raramente ressaltado na sala de aula,
procedimentos metodológicos utilizados para coletas e
não se constituindo na base da organização dos con­
organização das informações sociais.
teúdos do conhecimento histórico a serem trabalha­
Um programa que aborde conteúdos dessas três di­ dos na sala de aula. [...] O passado, como matéria
mensões permitirá ao aluno o desenvolvimento de uma de conhecimento, quase não tem sido afirmado na
atitude de desnaturalização das relações sociais em que sala de aula a partir da teoria do conhecimento e da
vive e o instrumentaliza para o exercício da cidadania. A ciência. (Knauss, 2005, p. 283)
formação da cidadania na sociedade contemporânea pas­
sa pela apropriação das informações acumuladas pelas A disciplina escolar de história, na grade curricular do
gerações anteriores, mas também pela produção de novos ensino básico, sempre esteve associada à tarefa de repro­
saberes e o desenvolvimento das habilidades dos educan- duzir uma determinada narrativa sobre o passado que
dos na sua ação com o mundo. É a relação entre esses sa­ servisse ao propósito de construção da identidade nacio­
beres e o ensino de história que passamos a explorar. nal no presente, à afirmação de laços simbólicos que con­
solidassem nos alunos a noção de pertencimento a uma
As informações históricas mesma comunidade de sentidos. Frente a essa demanda
política, as questões ligadas à cientificidade do conheci­
Embora óbvio, nunca é demais frisar que a discipli­ mento histórico, em particular, e dos saberes próprios das
na escolar de história tem a responsabilidade de traba­ humanidades, de forma geral, foram secundarizadas.
lhar junto aos educandos os conhecimentos específicos A ciência história - como ciência da memória social -
produzidos pela história ciência, ou seja, as informações tem como objeto de investigação o conjunto de eventos
históricas. Tal como as outras disciplinas - Língua Por­ da experiência humana. Assim, a disciplina escolar de
tuguesa, Matemática, Ciências da Natureza... - também história tem a responsabilidade de problematizar junto
a história tem os conhecimentos produzidos pela histó­ aos educandos as informações históricas que fazem par­
ria ciência sobre a história processo como referência. te da memória coletiva do tempo presente. Como salien­
Como aponta Paulo Knauss no contexto escolar, as ta Conceição Cambrini (1994, p. 23),
bases racionais e abstratas do pensamento científico

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R ic a r d o de A g u ia r Pa c h e c o ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL

dida em que se encontram deslocadas as questões belecer as relações entre os diversos objetos do conheci­
que ele permite resolver, bem como a rede relacio­ mento histórico.
nai que mantém com os outros conceitos. (Astolfi;
Develay, 1994, p. 48) Compreender os fatos e dados quer dizer estabelecer
relações significativas entre os dados ou fatos (em
Também refletindo sobre o processo de mediação di­ história) e requer-se o conhecimento de conceitos.
dática que as disciplinas do ensino escolar operam sobre São eles que darão significado aos fatos ou dados. Ao
os conceitos desenvolvidos no campo da investigação contrário serão apenas memorizados mecanicamen­
científica, Alice Lopes destaca que: te sem alguma compreensão. (Baldissera, 1997, p. 85)

O maior problema em questão é o processo de apro­ Para superar esse isolamento do conceito de seu
priação do conhecimento pela escola, frequente­ potencial criativo, faz-se necessário que eles sejam as­
mente realizado de forma a retirar dos conceitos sua sociados aos problemas e processos intelectuais que os
historicidade e sua problemática. Como decorrência geraram. No caso da disciplina escolar de história os
desse processo os saberes ensinados aparecem como resultados do esforço intelectual de explicação dos fe­
saberes sem produtores, sem origem, sem lugar, nômenos do mundo social não podem ser apresentados
transcendentes no tempo. (Lopes, 1997, p. 107)
como uma verdade revelada sobre o passado ou uma
narrativa que se sabe desde sempre, mas como respos­
Tornar evidente que as disciplinas escolares traba­
tas às indagações feitas e estruturadas de forma lógica,
lham com conceitos significa reconhecer que essas so­
como construções teóricas que empregam ferramentas
frem deslocamentos. Implica em perceber que essas
conceituais adequadas.
disciplinas constituem uma epistemologia particular,
Um dos conceitos próprios (o que não significa ex­
uma forma própria de operar o conhecimento acadê­
clusivo) da disciplina escolar História é o de tempo so­
mico colocando-o em novos círculos comunicativos. A
cial enquanto dimensão onde se organiza a vida social.
história ciência utiliza e desenvolve diversos conceitos e
Como aponta Maria Aparecida Bergamaschi, ao abordar
modelos teóricos nas investigações acadêmicas que rea­
essa dimensão das relações sociais esquecemos sua com­
liza sobre as sociedades do passado. Essas ferramentas
plexidade do ponto de vista cognitivo e na maioria das
e interpretações, quando transpostas para os materiais e
vezes naturalizamos as formas socialmente construídas
atividades didáticas, devem ser contextualizadas e rela­
para contar e organizar a experiência humana coletiva e
cionadas com os problemas e dimensões da experiência
social que procuram responder. individual do tempo.
Para José Alberto Baldissera, o ensino de história não Atividades intencionais para ensinar noções de tem­
se limita à memorização de dados e fatos. Sua prática po são, em geral atribuições das séries iniciais do
implica em criar situações de aprendizagem em que o ensino fundamental, já que, a partir do momento
educando seja provocado a utilizar conceitos para esta­ em que a história passa a ser ensinada como uma

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R ic a r d o de A g u ia r Pa c h e c o ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL

formações recebidas por meio do método da crítica do­ gar os documentos e registrar suas impressões sobre eles.
cumental. Atitude indispensável para o cidadão ler criti­ O educador, ao utilizar esses espaços e seus objetos como
camente um jornal ou entender o sentido das propostas materiais didáticos, como elemento provocador da refle­
de um candidato em um processo eleitoral, por exemplo. xão crítica sobre ás relações sociais, utiliza-se de diversos
Ao relatar uma experiência didática baseada no uso procedimentos técnicos como o registro de informações
de filmes, Carlos Alberto Visentini (2005, p. 165) alerta das peças, a contextualização dos objetos, a relação entre
para a necessidade de se desenvolver com os educandos esses objetos e a memória social. Esses procedimentos ha­
procedimentos de decomposição da narrativa cinemato­ bilitam o sujeito a realizar, não apenas uma, mas várias
gráfica, percebendo a importância de definir assuntos e visitas a espaços museográficos. Não apenas entender o
cenas a serem interpretadas e relacionadas com outras in­ museu como espaço de comunicação, mas a ler, em outros
formações. Para esse autor, "entender o filme como parte espaços que frequenta, a relação entre os objetos da cul­
de um curso supõe, no mínimo, o mesmo trabalho ofere­ tura material e as práticas sociais ali se estabelecem, pro­
cido a outros documentos ou a textos da bibliografia." Ou cedimentos como a ordenação temporal, a leitura como
seja, o filme, ao se tomar parte de um processo de ensino- a ordenação temporal, a leitura de imagem e a análi­
-aprendizagem sobre o passado, passa a ser ele próprio, se de fontes são utilizados em diferentes atividades da
sua linguagem, seus elementos e opções narrativas, obje­ disciplina escolar história. Esses procedimentos, assim
to de análise, objeto da aprendizagem. Dessa forma, tanto como as informações históricas e os conceitos, não pre­
se ensina o fato histórico presente no filme, como também cisam ser explorados com o objetivo único de responder
prepara o educando para outras leituras cinematográfi­ a um exercício de sala de aula. Ao contrário, devem ser
cas, além de contribuir para a alfabetização dos sujeitos apresentados como estratégias que a História ensina e
nessa linguagem particular que é o audiovisual. podem ser aplicadas pelo educando na leitura do mun­
O museu é outro espaço de comunicação explorado do, podendo ser transpostas a diversas situações da vida
pela disciplina escolar história como local de aprendiza­ cotidiana do educando.
gem. Para Zita Possamai (2000, p. 98), os museus são locais
onde objetos de valor histórico são arranjados para cons­ Um ensino do passado para o presente
truir um discurso. Mas, para isso,
No contexto das transformações sociais, a escola,
é necessário fazer a história falar através dos teste­ como instituição social, e a disciplina escolar história,
munhos materiais do passado, possibilitando que, como parte dessa estrutura, não podem deixar de refletir
como documento histórico, o objeto possa transmi­ sobre seu papel na formação. Ao lado da antiga tarefa de
tir o maior número de informações possíveis.
transmissão do conhecimento surgem novas demandas
sociais impossíveis de serem negligenciadas. A forma­
Para chegar a isso se faz necessário desenvolver com ção das identidades culturais e do sujeito político, que
os educandos procedimentos que lhes permitam interro­ adote atitudes de valorização da democracia, implica na

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Ric a r d o de Ag u i a r Pa c h e c o ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL

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R ic a r d o de A g u ia r Pa c h e c o ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL

receptor passivo, tampouco, se pensa no ensino como quem se possibilita aprender somente aquilo que lhes
transmissão das informações, como um programa que interessa a partir de seu mundo imediato.
possa ser executado independente das experiências so­ Diferente disso, quando nos referimos à questão do
ciais vivenciadas pelos agentes desse processo. ensino por projetos ensino-aprendizagem falamos de uma
Ensino e aprendizagem, em nosso entendimento, são proposta metodológica que reconhece o ensino e a apren­
duas faces de um mesmo processo educativo. Acompa­ dizagem como um campo de relações cognitivas e sociais
nhando os postulados da filosofia da educação enuncia­ ambivalentes. Essa não se prende ao dirigismo de um pro­
dos por Paulo Freire (1987; 1998), pensamos no educa­ fessor que tudo sabe, tampouco está limitada a uma ação
dor e no educando como dois sujeitos de um processo espontânea do aluno que pode ficar restrito ao seu cam­
onde ambos se formam e se transformam mutuamente po de certezas. Falamos antes de educadores e educan­
numa relação. Mais que isso, pensamos a educação for­ dos como agentes sociais que se entendem e se respeitam
mal, estabelecida no interior da instituição escola, como como agentes sociais e sujeitos cognicentes construtores
um campo social onde os agentes estabelecem contatos do conhecimento. Que sabem que estão em posições di­
diretos deliberadamente voltados e planejados para ferentes nessa relação cabendo, a um e a outro, distintas
provocar a desestabilização e equilibração das formas responsabilidades e possibilidades nesse processo.
de compreensão do mundo, voltadas para a valorização No projeto de ensino-aprendizagem interagem o
da autonomia cognitiva. ! educador-orientador e os educandos-pesquisadores que
Aceitando os postulados de Pierre Bourdieu (2001) compartilham entre si responsabilidades e possibilida­
entendemos as relações sociais como estruturas estru- des na proposição de desafios e execução de ações que
turantes dos agentes e do hábitus da instituição escola. possibilitem a construção coletiva do conhecimento. Ao
Para além de uma visão de causa e efeito esse postula­ educador cabe planejar e supervisionar as atividades
do permite-nos pensar os alunos e os professores como de pesquisa dos educandos, identificar as limitações e
agentes sociais inseridos num campo social específico apontar estratégias a serem experimentadas na solução
que têm papéis distintos no interior da instituição. Mas dos desafios encontrados pelos educandos. Aos edu­
também nos possibilita entender que essas posições, candos é facultado selecionar entre seus interesses um
as práticas e representações sobre o que seja ensinar e tema sobre o qual deseja desenvolver um conhecimento
aprender são cotidianamente redefinidas em função das mais aprofundado, expor suas dúvidas e compartilhar
próprias relações estabelecidas no interior do campo. suas certezas valorizando seus saberes e suas habilida­
Dessa forma, ao propormos uma pedagogia por pro­ des extraescolares. Como autores de uma obra aberta,
jetos, não pensamos em "projetos de ensino", como pla­ compete aos dois acordar uma estratégia para operar os
nejamentos propostos pelos professores oniscientes que processos de transmissão e aquisição de conhecimentos
ensinam independente dos interesses, dúvidas e saberes formais com a inquietação intelectual e a curiosidade do
dos alunos. Tampouco se fala de "projetos de apren­ ensino não formal.
dizagem", propostos unicamente alunos onipotentes a

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R ic a r d o de A g u ia r Pa c h e c o En s i n o de H is t ó r ia e p a t r im ô n io C ultu ra l

proposto aos alunos que, após uma atividade desenca- Essa produção textual faz-se importante em dois mo­
deadora anotem dúvidas e certezas sobre os temas ob­ mentos distintos da atividade de ensino-aprendizagem.
servados. Como exemplo, pode-se citar a visita a uma Primeiramente, o início do trabalho é o momento para
exposição de animais onde surgiram questões como: de se ter uma ideia da trajetória que será percorrida e dos
onde vêm os animais expostos? Quais são os maiores e passos necessários para realizá-la. Nessa medida o pro­
menores animais expostos? Por que os os animais são jeto busca tornar evidente tanto para o educando quanto
penteados? Como funciona determinado maquinário? ao educador toda a intencionalidade pedagógica da pes­
Quais os critérios utilizados nos concursos? Quanto cus­ quisa a ser desenvolvida. No projeto devem aparecer,
ta determinado animal? de forma mais ou menos clara, o conjunto de saberes e
No mesmo momento é solicitado ao aluno que, ex­ habilidades cognitivas já estabilizadas que serão utiliza­
plorando seus conhecimentos, aponte uma resposta pro­ dos, mas também aqueles situados na zona de conhe­
visória para a pergunta formulada. Na observação dessa cimento proximal, ou seja, capazes de ser executados e
resposta é possível ao professor perceber tanto o grau apropriados pelas crianças em grupo, com o auxílio da
de interesse do aluno quanto o nível de conhecimento ação pedagógica. Mas esse registro também será impor­
prévio que o aluno dispõe sobre o tema. Neste momen­ tante no final da pesquisa para que o professor, e cada
to, deve-se estar atento às estratégias cognitivas utiliza­ aluno individualmente, possam, retomando o ponto ini­
das pelos alunos. Uma hipótese absurda pode indicar cial da atividade, reconhecer o esforço desprendido e o
um desinteresse pelo tema uma vez que não mereceu caminho percorrido ao longo da pesquisa, evidencian­
seriedade. De outro lado, uma resposta precisa demons­ do, assim, as aprendizagens realizadas.
tra um nível de conhecimento prévio que irá dispensar Esse projeto pode assumir diferentes itens e forma­
a atividade de pesquisa inviabilizando a atividade de tos textuais. Temos trabalhado com um modelo básico
ensino-aprendizagem. Nesses casos é cansativo, mas re­ que apresenta: título; questão central, questões secundá­
comendável que se problematize ou reinicie o processo rias, hipóteses, fontes de consulta, metodologia, produ­
de definição dos temas. to final e cronograma. Esses itens, contudo, podem ser
omitidos e outros acrescidos em virtude do tipo do tema
O plano de voo escolhido e das opções adotadas pelos pesquisadores e
orientador. Apenas destacamos que as razões para essas
Um segundo passo na definição de um projeto de escolhas devem estar claras, senão para os educandos,
ensino-aprendizagem constitui-se na escritura do proje­ ao menos para o educador que tem a responsabilidade
to de pesquisa a ser desenvolvido por cada estudante. de zelar pela funcionalidade desse primeiro instrumen­
Estamos chamando de "projeto de pesquisa" a atividade to da pesquisa que é o projeto.
desenvolvida pelos educandos. Projeto de ensino-apren­
dizagem é a proposta metodológica que estamos descre­
vendo. O primeiro, portanto, é uma parte da segunda.

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R ic a r d o de A g u ia r Pa c h e c o En s i n o de H is t ó r ia e p a t r im ô n io C ultural

Mas, como dissemos antes, a hipótese evidencia, para que dependendo da temática escolhida uma ou outra
o educador, o nível de compreensão que o educando fonte pode ser mais pertinente.
tem da temática proposta. Nesse sentido uma resposta Novamente poderá se fazer necessária a interferência
provisória correta, na maioria das vezes, aponta para o do orientador para direcionar as atividades de busca das
fato de que o educando não se lançou verdadeiramente informações para as bases de dados pertinentes. Uma
ao desafio da descoberta de novas informações, cabendo pesquisa pode tornar-se inviável pela falta de objetivi­
ao orientador estimular e provocar o educando a colocar dade no levantamento de informações, particularmente
problemas mais complexos e desafiadores do que aque­ em se tratando de estudantes da educação básica. Dessa
les para os quais já possui respostas precisas. forma julgamos prudente que o professor, dialogando
Um aluno que, ao se colocar a questão "Quem é consi­ com os pesquisadores, definam aquelas que são mais
derado o melhor jogador do mundo?", responde o nome pertinentes para cada objeto de investigação.
exato e completo do atleta escolhido pela FIFA como tal Na metodologia deve-se propor aos pesquisadores
não está formulando um problema de pesquisa, mas res­ que reflitam sobre como utilizar as ferramentas e as ba­
pondendo burocraticamente a demanda do professor que ses de dados mencionadas no item fontes. Em geral o
solicitou uma pergunta e uma resposta. Contudo, uma educando tem uma visão simplista de que basta "pes­
provocação pode levar esse educando a problematizar quisar na biblioteca e na internet" com a qual a orienta­
"Quais são os critérios utilizados pela FIFA para escolher ção não pode se conformar. Julgamos importante que o
o melhor jogador de futebol do mundo?" Ou "Qual foi a educador solicite a descrição dos procedimentos de pes­
trajetória profissional do melhor jogador de futebol do quisa a serem utilizados nessas bases de dados.
mundo?". Essa segunda ordem de perguntas pode sim Aqui interessa levar os educandos a tomarem ciência
representar um esforço de investigação que leve o alu­ de que na atividade de pesquisa são realizadas ativida­
no a descobrir, não apenas o processo de escolha, mas o des simples e corriqueiras como ler - atividade funda­
esforço individual dos atletas de alto rendimento para mental e desconsiderada como metodologia de estudo
ocupar a posição de melhor em sua categoria. - realizar resumos, construir gráficos, selecionar dados
estatísticos, entrevistar pessoas, assistir filmes e executar
Fontes e métodos buscas na internet através de termos específicos. O inte­
ressante nesse ponto não é inventar metodologias novas
Delimitadas as curiosidades dos pesquisadores, cabe ou particulares para cada projeto de pesquisa, mas sim
listar as fontes a serem consultadas para solucionar tais evidenciar para os alunos que atividades simples são
interesses. Lembramos que não se trata de listar uma bi­ procedimentos de pesquisa eficientes desde que bem di­
bliografia a ser consultada, mas os locais e ferramentas recionados.
a serem utilizadas. Assim, consideramos como fontes Uma visita à biblioteca ou a consulta na internet por
bibliotecas, enciclopédias, internet, cd-rom, entrevistas si só não se constituem em atividade de pesquisa. Exis­
com especialistas, jornais e revistas. Lembramos ainda tem uma série de procedimentos simples que necessitam

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R ic a r d o de A g u ia r Pa c h e c o ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL

por soluções adequadas ao grupo de pesquisa para que Um nome para isso
ele desenvolva as atividades de coleta e sistema tização
na forma de tarefa de casa. O que deve ser pensado pelo Propomos como última tarefa da formalização do
orientador são estratégias para fazer com que nesse tem­ projeto de pesquisa a escolha do título. Esse deve apre­
po, curto ou longo, seja possível atender às demandas sentar, de forma clara, o tema de estudo, pois ele acaba
de orientação dos grupos de pesquisa e quais as ativi­ servindo como um termo de identidade e referência do
dades podem ser desenvolvidas pelos pesquisadores de trabalho reahzado. Assim entendemos como muito mais
forma independente e fora do horário. Por exemplo, a significativo que os projetos sejam chamados de formas
leitura de um livro ou a visita a determinado site pode simples e genéricas como "os demônios", "as bruxas ,
ser deixada como tarefa a ser realizada em casa e entre­ "os deuses gregos" e não "a função social das mitologias
gue pelo aluno no próximo encontro. sobre o mal na sociedade ocidental", muito embora essa
Um cronograma de pesquisa deve prever basica­ última formulação possa expressar o elemento central
mente quais as etapas de realização da pesquisa e pro­ da preocupação dos educandos nessa pesquisa.
por prazos possíveis para se realizarem. Apenas como A formatização do projeto de pesquisa pelos alunos-
exemplo pensemos o seguinte cronograma: dois encon­ -pesquisadores e a ação do professor-orientador auxi­
tros para a produção do próprio projeto; três encontros liando nessa tarefa por si já se constitui em uma estra­
para a coleta de dados na biblioteca da escola; outros tégia de ensino-aprendizagem. Assim como uma boa
três encontros para a coleta de dados na internet; um en­ pergunta vale mais que mil respostas, julgamos que a
contro para uma entrevista com um especialista na área; sistematização das reflexões, durante a formalização
dois encontros para a preparação do produto final; e um do projeto, já produz desestabilizações cognitivas que
último encontro para a apresentação da pesquisa. impulsionam os educandos à busca de novas certezas.
Tenhamos presente que, dependendo da temática da Dessa forma, propomos que os educadores não tenham
pesquisa, cada uma dessas tarefas demanda por maior medo de usar o tempo para a formulação da pesquisa.
ou menor tempo, necessitando outras atividades e dis­ A prática tem demonstrado que é comum aos pesqui­
pensando algumas. Assim um projeto sobre um deter­ sadores o desejo de, ao longo da pesquisa, ir reformulan­
minado músico deve prever tempo e condições para a do as perguntas formalizadas e as respostas encontradas
audição de suas composições; sobre um escritor, a leitu­ de forma a melhor enquadrá-las com as novas informa­
ra de uma de suas obras. Também deve-se pensar que ções obtidas. Embora esse seja o fim de uma pesquisa,
o aluno não estará realizando apenas o projeto na sua julgamos que esses registros não devam ser realizados
vida escolar e, portanto, terá outros afazeres. Um bom no próprio projeto. Entendemos que o texto formulado
cronograma deve ser realista e um projeto bem sucedido no momento inicial da pesquisa deva ser mantido como
começa se estruturando com base nas possibilidades de tal. Assim, ao final da execução do projeto ele poderá
tempo disponíveis. ser retomado como testemunho de um determinado es­
tágio de conhecimento que o pesquisador e o orientador

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RICARDO DE AGUIAR PACHECO ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL

Outro instrumento que julgamos importante para a des como o fichamento de um texto ou a leitura de um
execução do projeto é o próprio cronograma. Quando livro pode ser requisitada de uma semana para outra.
feito de forma responsável e realista ele consegue prever Outro instrumento que tem se mostrado útil é a ma­
em quais momentos haverá atividades de pesquisa. Esses nutenção de um diário de campo. Esse também pode
momentos podem ser identificados como horário de pro­ ter diferentes nomeações, tais como, relato diário, diário
jetos, momento da pesquisa, dia da investigação, entre de bordo, relatos da exploração, entre outros que a ima­
outras possíveis nomeações, mas devem ter um plane­ ginação permitir. Essa ferramenta constitui-se em uma
jamento e preparação prévia por parte do orientador. É folha na qual são registradas ao final de cada encontro
verdade que a pesquisa, ou seja, a descoberta e o registro do grupo de pesquisa, uma ou duas frases relatando a
das informações devem ser realizados pelo pesquisador, atividade desenvolvida nesse momento.
mas também também é necessário afirmar que a respon­ Esses registros levam os pesquisadores a perceber
sabilidade para que os educandos do ensino fundamen­ quais tarefas já foram realizadas e qual o tempo empre­
tal encontrem os instrumentos e as fontes de informação gado nelas. Como instrumento de registro e de consulta
é responsabilidade do educador. Sem esse planejamento, esse instrumento auxilia os alunos do ensino fundamen­
sem a seleção e preparação prévia do material haverá tal a perceberem o seu ritmo de trabalho ajudando-os a
grande dificuldade em realizar as descobertas. projetar os passos a serem dados no encontro seguinte
Assim, é importante que seja feita uma seleção prévia de forma a conseguirem realizar a atividade de pesquisa
de materiais e de atividades a serem propostos aos pesqui­ no período previsto no projeto. Dessa forma, os próprios
sadores de modo a garantir que terão ponto de partida para pesquisadores vão percebendo a necessidade de acele­
sua pesquisa. A intensidade e a profundidade com que se­ rar suas atividades ou de não realizar atividades pouco
rão utilizados, contudo, devem ser facultadas aos pesqui­ proveitosas para a pesquisa.
sadores em função, tanto de seus interesses, como de seus
esforços. Temos ainda que ter presente a necessidade dos Ferramentas de pesquisas
pesquisadores, a seu modo, buscarem outros materiais.
Uma forma de otimizar os horários de pesquisa é a Sem dúvida, as principais ferramentas de pesquisa
proposição de uma pauta para cada encontro. Assim, se­ atualmente são a internet e a biblioteca. O uso de um e
guindo o cronograma proposto e de acordo com o ritmo outro desses recursos, contudo, devem ser balanceados
da pesquisa o orientador pode definir, no início de cada e comedidos de forma a fornecer um conjunto de infor­
encontro, quais são as tarefas a serem realizadas naque­ mações suficientes para a construção do conhecimento,
le momento. Pode-se ainda definir tarefas para serem mas que, por outro lado, não seja excessivo ou complexo
resolvidas pelos pesquisadores no período entre uma e a ponto de inviabilizar uma sistematização por alunos
outra sessão de orientação. Ações como levantamento de ensino fundamental.
junto ao fichário da biblioteca ou seleção de páginas da De acordo com o conceito de zona de conhecimento
internet podem ser realizadas num encontro; já ativida­ proximal de Vygotsky (2003), existe um conjunto de conhe-

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R ic a r d o de A g u ia r Pa c h e c o ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL

orientador com pouca prática no uso dessas tecnologias tes nesses livros, da mesma forma que autores diferen­
terá dificuldade em realizar uma seleção prévia. Sugeri­ tes apresentam informações diferentes sobre o mesmo
mos que esses se disponham a apreender com seus alu­ tema. Assim cabe, nas atividades de pesquisa, sempre
nos para melhor orientá-los nos próximos projetos e não trabalhar com livros de autores diferentes para que os
apenas deixar que eles façam sozinhos. De outro lado, pesquisadores possam ampliar o leque de informações e
educandos com pouca familiaridade com o computador mesmo confrontá-las.
também têm dificuldade em executar uma busca eficien­ Um segundo tipo de material que a maioria das bi­
te necessitando, por isso, de indicações mais direciona­ bliotecas possui são as enciclopédias. Algumas maiores,
das por parte do orientador. Por outro lado, uma maior outras mais atualizadas, mas todas são fontes de infor­
familiaridade com a tecnologia por parte do orientador mações preciosas. Muitas vezes os temas propostos pe­
não pode inibir o aluno de descobrir como buscar suas los pesquisadores não estão disponíveis como verbetes.
informações; por outro lado uma maior habilidade de Aqui a ação prévia do orientador mostra-se importante
alguns educandos não deve causar ao educador a ilusão realizando um levantamento no índice da enciclopédia
de que todos os pesquisadores dominam a tecnologia. e de verbetes nos quais o tema possa ser encontrado. Por
Mas mesmo na era digital a biblioteca continua sen­ exemplo, o termo "deuses do olimpo" não consta das
do um grande repositório de informações e conhecimen­ enciclopédias, mas nos verbetes "mitologia" e "Grécia"
tos da humanidade. E o livro segue como melhor amigo é possível encontrar informações sobre esses seres.
do estudante. Mesmo bibliotecas escolares pequenas, Um outro grande amigo que se encontra nas bibliote­
formadas basicamente por livros didáticos doados são cas é o dicionário. Não os mini ou os dicionários escolares
preciosas bases de dados que não devem ser desperdi­ os quais se costuma utilizar em sala de aula, mas os gran­
çados por um pesquisador. des e pesados volumes completos. Obras como o " Auré­
Como dissemos antes, cabe ao orientador realizar lio" e o "Houaiss" são importantes, não apenas para en­
uma busca prévia na biblioteca para verificar o material tender o significado das palavras, mas para refletir sobre
disponível e selecionar aquele mais pertinente ao grupo os conceitos científicos empregados nos textos. Apenas
de pesquisa segundo a faixa etária e o foco dos interes­ como exemplo, leia o verbete "cultura" ou o verbete "nú­
ses. Essa seleção pode ser separada e entregue direta­ mero" de um desses dicionários e imagine o que poderia
mente aos alunos como forma de agilizar os trabalhos, ser discutido a partir dessa definição com seus orientan-
mas julgamos muito mais interessante conduzir grupos dos. Assim, pode ser realizado com outros termos e con­
na utilização dos catálogos e na localização do material ceitos próprios do campo da pesquisa realizada.
nas prateleiras sem que haja necessidade de ser dito que Outra fonte de informação relativamente fácil de ser
aquele material já fora previamente selecionado. utilizada são as entrevistas com pessoas que têm um
Nas bibliotecas, em geral, encontramos fontes de in­ maior conhecimento sobre o tema. Essas entrevistas po­
formações de diferentes tipos. Um deles são os livros dem ocorrer na própria escola convidando um professor
didáticos. E certo que nem todos os temas estão presen­ (da instituição ou de fora), um pai ou um amigo de al­

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RICARDO DE AGUIAR PACHECO ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL

a investigar "o que aconteceu com os deuses gregos de­ uma página já as editando e iniciam a confecção de um
pois que as pessoas deixaram de acreditar neles?". Ou cartaz colando na folha as figura e textos, etc.
seja, transferiu sua dúvida final do primeiro projeto em Acreditamos que nesse momento também se torna
questão inicial para o segundo. Evidencia que ele esta­ importante a ação do orientador ajudando o grupo a or­
va procurando construir um campo de certezas que o denar as diferentes etapas de organização de uma apre­
possibilitasse deixar de acreditar na existência dos seres sentação: inicialmente devem ser selecionadas as in­
mitológicos do seu próprio imaginário infanto-juvenil. formações recolhidas que farão parte do trabalho final,
Dessa forma, julgamos ser mais produtivo encerrar uma pois nem tudo o que foi recolhido pelos pesquisadores
pesquisa consolidando resultados provisórios e reiniciar é efetivamente aproveitável; depois cabe a realização de
um novo processo do que ficar prolongando indefinida­ um esboço do material em uma folha de papel, para que
mente uma mesma investigação. assim se possa visualizar o que deseja construir e sele­
Quanto à formalização do projeto de pesquisa ficou cionar o que de mais significativo se tem a mostrar; para
estabelecido entre estudantes-pesquisadores e profes- só então efetivamente montar o material propriamente.
sor-orientador qual seria o produto final da pesquisa e Se a intenção é produzir um cartaz, cabe realizar
qual o prazo que teria para realizá-la. Este pode ser uma levantamento de quais são as informações prioritárias
página de internet, a confecção de cartazes, participação para serem expostas. É importante lembrar que um car­
em feiras de ciências ou realização de um seminário em taz não comporta textos longos. Depois se faz um de­
sala de aula. Essas são algumas formas para os pesquisa­ senho prévio apontando as dimensões do cartaz. Caso
dores apresentarem ao professor, aos colegas e á comu­ ocorra uma mostra na qual diferentes projetos sejam
nidade escolar as informações e aprendizagens realiza­ apresentados é interessante que o orientador defina
das ao longo da pesquisa. uma dimensão padrão para todos os grupos. Cabe ainda
Numa situação pedagógica em que diferentes grupos propor um estudo de cores que facilite a percepção das
de pesquisa atuam simultaneamente, é conveniente reali­ informações. Depois é interessante a realização de um
zar uma atividade na qual cada grupo apresente o produto esboço do cartaz apontando como serão distribuídas as
final de sua pesquisa. Esse momento pode ser uma sessão informações e quais imagens serão utilizadas.
de apresentação oral dos projetos, uma feira de ciências Caso se opte pela construção de um site na internet
na qual se expõem cartazes ou um seminário no qual cada os cuidados devem ser dobrados. Nesse suporte cabem
pesquisador relata o quedescobriu em sua pesquisa. muito mais informações e estão disponíveis diversos
Como nas outras etapas da pesquisa, esse momento recursos estéticos. Caso não haja um cuidadoso plane­
final também deve ser pensado com antecedência pelo jamento, a tendência dos alunos é publicar a totalida­
grupo. Nossa prática tem mostrado que os alunos ten­ de das informações investigadas não fazendo qualquer
dem a iniciar a confecção do material da apresentação avaliação ou seleção. De outro lado, os recursos dispo­
justamente por ele. Ou seja, começam a construção de níveis para edição, quando usados sem critérios acabam
por produzir mais poluição visual do que qualidade.

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R ic a r d o de A g u ia r Pa c h e c o ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL

reuradas pelo pesquisador, mas também como foram mentos prévios e estabelece um novo patamar de com­
trabalhadas, organizadas e sistematizadas. No segundo, preensão das questões que lhes são pertinentes.
é possível confirmar o ritmo e o engajamento do aluno Para uma avaliação desse nível, julgamos pertinente
com as tarefas da pesquisa. retomar com o estudante-pesquisador o projeto de pes­
Aqui é necessário outro cuidado: um portfolio cheio de quisa tal como foi formulado no inicio do trabalho. Nele
materiais impressos ou copiados não significa leituras rea­ estão registradas as concepções do momento inicial da
lizadas. Assim sendo, é importante verificar, junto com o pesquisa. Os tipos de perguntas propostas e a confron­
aluno, quais das informações ali reunidas têm sentido para tação das respostas provisórias com os resultados da
ele. Também devemos ter presente que, mesmo nas pesqui­ pesquisa são indícios de como o educando estava e está
sas em grupo, o portfolio deve ser individual mostrando a entendendo o tema proposto, mas o último e mais deli­
trajetória pessoal de cada pesquisador. Logo, os alunos de cado nível de avaliação diz respeito ao próprio educador
um mesmo grupo não terão todos os mesmos materiais. que orienta as atividades de pesquisa. Postulando que o
Por sua vez, o diário de campo, se minimamente ensino e a aprendizagem são relações sociais indissoci­
acompanhado ao longo das aulas de projeto pelo orien­ áveis entre si, não podemos acreditar que exista ensino
tador, pode evidenciar o envolvimento do aluno com a sem aprendizagem. Dessa forma, cabe ao próprio edu­
atividade de pesquisa. Apontando a atividade realizada cador que coordenou as atividades de pesquisa refletir
a cada encontro esse instrumento de acompanhamento sobre o seu próprio nível de aprendizagem ao longo do
deixa claro para o educador, mas também para o edu­ processo, sobre as suas certezas e dúvidas frente à prática
cando: o seu compromisso com as tarefas necessárias à pedagógica desenvolvida.
pesquisa, visto que nele se materializa o andamento ou Essa aprendizagem, por vezes, diz respeito ao pró­
não das tarefas de pesquisa; o ritmo de trabalho, pois prio tema do projeto que orientou, pois, selecionando
ali está registrado o tempo utilizado para a realização o material e preparando as atividades de pesquisa, ele
das atividades e dificuldades de cada uma das etapas próprio acaba por descobrir, ou retomar, informações e
propostas no cronograma, pois nele temos registro de entendimentos já esquecidos. Outras vezes a aprendiza­
que momentos tomaram mais tempo do que o previsto. gem mais significativa para esse agente diz respeito à
Contudo, o nível mais significativo da avaliação da própria dinâmica de construção do conhecimento. Isso
atividade de projetos é a percepção do amadurecimento ocorre com a percepção de como cada aluno operaciona-
dos conceitos empregados pelos pesquisadores, fato que liza a construção do conhecimento e/ou com um novo
é percebido nos movimentos de desestabilização e esta­ entendimento sobre o papel da pesquisa como estraté­
bilização do campo de certezas de cada um dos agentes gia desse processo no ensino fundamental, mas o termô­
envolvidos no projeto de pesquisa. Uma pesquisa bem metro do crescimento do educador nessa atividade pode
proposta, ou seja, sobre um tema que se tem desejo de ser percebido pelas descobertas e amadurecimento que
maior conhecimento, seguramente abala os conheci­ realiza sobre a própria dinâmica da metodologia dos
projetos de ensino-aprendizagem.

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3

ESTUDO DO MEIO E
PATRIMÔNIO HISTÓRICO
As alterações no regramento da educação que substi­
tuiu a antiga LDB (Lei 5692/69) pela nova Lei de Diretri­
zes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) extingui-
ram os currículos mínimos e estabeleceram que o ensino
formal deve contribuir para o desenvolvimento de habili­
dades cognitivas e práticas dos estudantes. Essa mudan­
ça do marco legal que orienta a organização do ensino
nacional propôs alterações significativas das concepções
de currículo, de sujeito, enfim, dos objetivos da educação
escolar. Este deslocamento demanda questões para os
professores repensarem suas práticas pedagógicas.
Diferentemente do que foi demandado aos profes­
sores das gerações passadas, aos educadores do século
XXI não cabe copiar o programa já consagrado dos anos
passados e repetir o repertório de informações legitima­
das pelo rótulo de um currículo mínimo a ser reproduzi­
do de forma acrítica. Não cabe reproduzir um currículo
oficial e universal para todas as escolas brasileiras. A re­
gra que se estabelece com a LDBEN de 1996 é trabalhar
o saber sistematizado pela humanidade a partir da rea­
lidade local e dos saberes da comunidade para que os
alunos desenvolvam as habilidades necessárias ao con­
vívio social e à vida produtiva. Os professores contem­
porâneos devem saber selecionar saberes e fazeres que
sejam significativos para a comunidade local e, a partir
daí, provocar os alunos a utilizarem conceitos e informa­
ções gerais para dar sentido ao que é experenciado no
contexto de suas vidas.

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RICARDO DE AGUIAR PACHECO ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL

O Estudo do Meio Num segundo momento deve-se formalizar, junto com


os alunos, estratégias de pesquisa para realizar a coleta e
Circe Bittencourt, em seu manual sobre a metodologia análise dos dados desta realidade. Esse é o momento de
do ensino escolar de história, aponta que a metodologia colocar os alunos diante das informações, dos conhecimen­
do estudo do meio se caracteriza pela sua flexibilidade: tos sistematizados e conceitos necessários ao entendimen­
to do problemas identificado, mas também é o momento
O estudo do meio é um método de investigação de oferecer as ferramentas teóricas e as práticas de coleta e
cujos procedimentos se devem ater a dois aspectos sistematização dessas informações. Podemos dizer que é o
iniciais. O primeiro deles é que esse método é um momento no qual se desenvolvem as habilidades relacio­
ponto de partida, não um fim em si mesmo. O se­ nadas à construção do conhecimento, ao ato de estudar e
gundo é que sua aplicação resulta sempre de um
ao reconhecimento do processo de aprendizagem.
projeto de estudo que integra o plano curricular da
escola [...] Para a realização do estudo do meio, há O terceiro momento desta sequência metodológica
que se tomar uma série de cuidados, porque seus é conduzir o aluno a desenvolver ações de intervenção
objetivos englobam três aspectos: o aprofundamen­ no contexto social estudado, entendendo que não existe
to de conteúdos (conceitos e informações de cada conhecimento abstrato sem referência no mundo social
uma das disciplinas envolvidas), a socialização dos e que não existe assimilação sem mudança de atitude.
alunos e a sua formação intelectual (observação, Essa metodologia propõe a realização de alguma ação
comparação, analogias). (Bittencourt, 2005, p. 273) concreta que incida no tema estudado utilizando as in­
formações e conceitos estudados, mas também as habi­
Para estruturar esta tarefa Circe propõe que a meto­ lidades e atitudes desenvolvidas nos momentos anterio­
dologia do estudo do meio se organize por uma sequên­ res. Este é o momento em que se dá sentido ao processo
cia de procedimentos didáticos que provoque os alunos de ensino-aprendizagem, transformando o conhecimen­
a três movimentos distintos, mas articulados entre si: a to em saber-fazer.
problematização, a pesquisa e a intervenção. Logo vemos que o estudo do meio não é uma meto­
A metodologia do estudo do meio, inicialmente, dologia voltada para a memorização de um determina­
promove situações que conduzam os alunos a proble- do saber específico, como a fases da Revolução France­
matizar sua realidade. Notícias de jornal e situações do sa ou a lista dos heróis nacionais. Informações como o
cotidiano podem ser utilizadas como elemento detona- conceito de revolução ou os nomes e fatos relevantes da
dor de questionamentos e curiosidades. Neste momen­ memória nacional passam a ser conceitos e informações
to, está se desenvolvendo a habilidade de observar o que possibilitam entender o porquê de tantos homens
mundo de forma curiosa e desnaturalizada. No caso do brancos, poucas mulheres e negros fazerem parte do
ensino de história, interessa-nos observar as relações so­ panteão nacional. Noções como a de saneamento básico
ciais em que o aluno está imerso como forma de fazê-lo podem ser utilizadas para interpretar o bairro e as pri­
perceber a concretude do mundo social. meiras civilizações.

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RICARDO DE AGUIAR PACHECO e n s in o d e H is t ó r ia e Pa t r im ô n i o C u ltu ra l

No momento final, o professor conduz a apropriação Nesta ação os alunos foram convidados a pesquisar
dos significados atribuídos aos objetos culturais. Essa ta­ no site da universidade os dados históricos dos prédios
refa demanda por uma releitura do objeto em diferentes do campus central da Universidade Federal do Rio Gran­
linguagens esperando-se que o público da ação mani­ de do Sul - UFRGS (Porto Alegre/RS). São 14 edificações
feste os significados que atribuem ao objeto estudado. construídas entre 1896 e 1910 onde se estabeleceram as
Como momento de síntese dos anteriores agora se busca primeiras Faculdades em Porto Alegre. Nesta publica­
que o aluno incorpore os significados do objeto cultural ção é possível ter acesso a informações que permitem
estudado, que o reconheça como algo que lhe pertence e explorar o histórico dos prédios, seus usos anteriores e
que tem sentido para si. estado de conservação. Também estão disponíveis in­
Em síntese, vemos que estas duas metodologias de formações sobre o estilo e características arquitetônicas
ensino - o estudo do meio e a educação patrimonial - desses prédios.
estão voltadas mais ao desenvolvimento de habilidades Num segundo momento, os alunos foram conduzi­
do que à memorização de informações como proposto dos a pé em um roteiro de visitação a estas edificações.
pelas atuais orientações educacionais. Estão mais preo­ Nesse momento, cada aluno poderia utilizar uma má­
cupadas em colocar os alunos em busca do conhecimen­ quina fotográfica carregada pelo professor para tirar fo­
to do que lhes oferecer as verdades sobre dados fatos tos onde aparecesse algum prédio histórico. A intenção
históricos. Estas metodologias, portanto, dialogam mais foi a de provocar os alunosa fazerem o registro dos ob­
com a perspectiva do desenvolvimento de habilidades jetos culturais observados.
cognitivas do que com a memorização e reprodução de Na volta à sala de aula as fotos impressas foram dis­
informações. tribuídas aos alunos que as tiraram. Estes também pude­
ram trocar entre si as fotos, visto que muitos deles pre­
Três experiências no chão da sala de aula feriram ficar com as fotos onde apareciam. No momento
seguinte, cada aluno deveria contar oralmente as infor­
No cotidiano da sala de aula essas metodologias têm mações históricas e sua experiência pessoal com aquele
servido para o desenvolvimento de diversas atividades prédio da universidade. Em geral, os alunos foram capa­
pedagógicas. No momento, para os efeitos deste traba­ zes de dar significado aos prédios apresentando a data
lho, apresento três trabalhos pedagógicos que se utili­ da construção, as reformas sofridas, listar seu uso prin­
zaram dessas referências metodológicas nos quais tive cipal como os cursos e atividades que ali ocorreram, mas
algum envolvimento efetivo. todos destacaram a tarde de passeio com os amigos e as
Um primeiro projeto de ensino-aprendizagem que se brincadeiras que ah fizeram como o mais significativo.
utilizou dessas metodologias como referência, foi chama­ Esse projeto de ensino-aprendizagem buscou pro-
do "UFRGS: lugar de memória: utilizando a metodologia blematizar uma situação concreta do mundo social dos
da educação patrimonial nos prédios históricos" e desen­ estudantes - a existência de um conjunto de prédios his-
volvido com alunos da 5a série do ensino fundamental.

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jados no interior da oficina e aplicadas as dinâmicas de dida como o processo formativo do sujeito, a educação
significação dos objetos culturais observados. deve se ocupar em desenvolver as habilidades necessá­
Nessa oficina de produção de projetos de educação rias para que os sujeitos interpretem e atribuam signifi­
patrimonial está evidente a utilização da metodologia cado ao mundo quê os cerca. Nesse caso, a informação
proposta por Horta para levar os estudantes que foram específica não é o foco, mas o apoio para a produção de
recebidos a observar, registrar, explorar e significar os saberes e fazeres mais complexos, tais como a produção
objetos culturais. Contudo, a oficina de formação de pro­ de identidades, a problematização do mundo social e a
fessores, que produziu estes projetos, estava pautada intervenção social.
pela identificação de uma situação-problema e uma in­ Desejamos apontar que estas metodologias, muito
tervenção no contexto: receber um grupo de estudantes. embora exijam um envolvimento sujeito-objeto, não se li­
mitam ao estudo do espaço circundante do aluno. E pos­
Os métodos contexto da sala de aula sível de se realizar tais atividades com objetos fisicamente
I distantes dos alunos. As saídas de campo bem planejadas
Cada uma dessas atividades teve suas característi­ podem e devem ser utilizadas como uma ferramenta que
cas, limitações e problemas operacionais próprios. Mas supera estas distâncias e possibilitam o contato com os
todas elas foram iniciativas que utilizaram as referências bens culturais de locais e comunidades distantes.
metodológicas da educação patrimonial e do Estudo do Uma metodologia de ensino é, por assim dizer, uma
Meio. Servem, portanto, como referências para nossa re­ proposta concebida no campo das idéias sobre como se
flexão sobre o papel das metodologias no ensino. realizar uma atividade pedagógica. A operacionalização
Um primeiro apontamento diz respeito ao público prática concreta de cada ação terá demandas próprias
destas atividades. As atividades apresentadas foram de­ que necessitam ser consideradas e superadas. Assim, en­
senvolvidas em três níveis de ensino: o fundamental o tendemos as metodologias como indicativo e não como
médio e o superior. Logo, entendemos que estas metodo­ um imperativo. Concretamente falando, sabemos que,
logias são aplicáveis a grupos de qualquer idade ou nível partindo de sala de aula, o contato com o objeto cultural
de escolarização, não se constituindo em atividade lúdica, não é o ponto de partida da ação educativa, tal como pro­
voltada apenas aos menores, ou de uma investigação por põe a educação patrimonial. O mesmo vale para a etapa
demais complexa, sendo indicada apenas para os maiores. do reconhecimento do espaço social, proposto como pri­
Uma segunda reflexão diz respeito ao que está sendo meiro momento da metodologia do estudo do meio.
ensinado nesses projetos. A educação numa visão tradi­ Por fim, gostaríamos de concluir lembrando que o
cional é entendida como a transmissão de informações contexto social e político no qual se insere a escola brasi­
específicas, mas para esse tipo de educação é bom que leira sofreu significativas alterações nas últimas décadas.
se diga logo, que estas metodologias não são convenien­ Isso faz com que muitas referências sobre o que seja uma
tes. O estudo do meio e a educação patrimonial estão boa aula que atenda aos interesses sociais e políticos de
baseados muna visão de educação mais ampla. Enten­ nosso tempo-espaço tenha se alterado. Nesta necessária

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RICARDO DE AGUIAR PACHECO En s i n o de H is t ó r ia e p a t r im ô n io C ultu ral

ção especial da comunidade acadêmica que sistematica­ centros culturais, novos museus, e outras instituições de
mente vem se envolvendo em atividades e projetos com valorização da memória social.
o objetivo de preservar e divulgar a importância desses Todo o esforço em preservar os bens representativos
monumentos. do passado, contudo, deve estar associado a uma per­
No período que compreende entre 1896 e 1910, esta- cepção da sua importância por parte da sociedade do
beleceram-se as primeiras faculdades em Porto Alegre. tempo presente. De tal sorte que faz-se necessário o de­
Nestes quatorze anos foram instituídos os cursos de En­ senvolvimento de ações educativas que destaquem o va­
genharia, Medicina e Farmácia, Odontologia, Agronomia, lor artístico cultural dos Prédios Históricos da UFRGS.
Veterinária, Direito, Ciências Econômicas e Artes Plásticas Foi com esse intuito que propusemos e executamos
que passaram a exigir edificações e espaço físico adequa­ o projeto didático UFRGS: lugar de memória. Procu­
do às suas atividades específicas. As faculdades contaram rando participar deste esforço da comunidade acadê­
com a colaboração dos setores industriais, comerciais e mica, temos como objetivo fundamental utilizar o pa­
de agricultura gaúchos, mobilizando o conjunto da po­ trimônio histórico da universidade para sensibilizar os
pulação porto-alegrense, todos engajados em campanhas estudantes do ensino médio e fundamental do Colégio
com o intuito de arrecadar donativos que viabilizassem a de Aplicação para a importância da preservação destes
instalação desses cursos superiores na capital. bens culturais. Desejamos promover a apropriação dos
Estas obras, projetadas por arquitetos europeus em significados culturais desses bens da universidade por
estilo neoclássico, dizem respeito, não somente à UFR- estes pequenos membros da comunidade acadêmica. De
GS como instituição de ensino superior no estado, mas modo amplo, desejamos destacar a importância de ações
também remetem aos modos de vida da sociedade na preservacionistas ao amplo conjunto de bens culturais.
virada para o século XX. De tal sorte que a conservação Esse projeto desenvolveu diversas ações educativas,
deste patrimônio histórico contribui enormemente para contudo, nesse momento, vamos nos ater a uma delas,
a divulgação de uma memória social ao mesmo tempo "A Visitação aos prédios históricos da UFRGS". Neste
em que pode ser explorado como fonte documental para relato apresentamos: Io) algumas considerações sobre a
o estudo sistemático do processo histórico. metodologia da educação patrimonial; 2o) um breve rela­
No Rio Grande do Sul, bem como em outros esta­ to das atividades desenvolvidas nessa atividade de ensi­
dos brasileiros, principalmente nas últimas décadas do no; 3o) reflexões oriundas dessa experiência pedagógica.
século XX, tomou vulto um processo descrito por Cho-
ay (2001) como "monumentalização do passado." Este Ensino de história e educação patrimonial
processo pode ser percebido através da mídia que fre­
quentemente noticia ações de preservação e restauração Os esforços de preservação do passado frequente­
de bens de caráter histórico, cultural e artístico. Repre­ mente embaralham as noções de história e de memória,
sentativos de outros tempos, eles são transformados em anulando as diferenças e asfixiando a relação crítica en-

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RICARDO DE AGUIAR PACHECO En s i n o d e h i s t ó r i a e p a t r im ô n io C ultu ral

culturais como fonte primária de um trabalho de e problematizada neste texto foi desenvolvida em duas
ativação da memória social, recuperando conexões turmas da quinta série do ensino fundamental (com 35
e tramas perdidas, provocando a afetividade blo­ alunos cada, na faixa etária de 12 anos) do Colégio de
queadas, promovendo a apropriação pelas comu­ Aplicação no mês de novembro de 2004.
nidades de sua herança cultural, resgatando e/ou
A atividade iniciou-se em sala de aula com uma con­
reforçando a auto-estima e a capacidade de identifi­
cação dos valores culturais, ameaçados de extinção.
versa com os alunos sobre "prédios antigos." Nesse mo­
(Horta, 1999, p. 35) mento enfatizou-se o valor das edificações para perceber
e entender como as pessoas de outro tempo as habita­
Em outro sentido lembramos que o fazer pedagógico vam. Questionou-se sobre a importância da história das
em tomo do patrimônio cultural também potencializa cidades e a necessidade de mantê-la como testemunho de
a apropriação de noções interdisciplinares como as de um tempo que não existe mais. Por fim, perguntou-se so­
cidadania, visto que os educandos passam a entender bre as técnicas e cuidados de restauração e preservação.
a importância da responsabilidade coletiva na preser­ Ao final dessa discussão inicial, apresentamos ao grupo
vação patrimonial. Também pode se relacionar com a de alunos a possibilidade de realizarmos a visitação aos
preservação ambiental, pois o espaço construído passa a prédios históricos do Campus Central da UFRGS.
ser percebido como meio ambiente social. As práticas de No encontro seguinte os alunos foram levados ao la­
leitura e interpretação também podem ser inseridas nes­ boratório de informática da escola para exploração do
tas ações, posto que os bens patrimoniais fazem parte de site do Serviço de Patrimônio Histórico, órgão da UFR­
um amplo código cultural a ser interpretado e semanti- GS responsável pelos projetos de preservação e restauro
zado sem esquecer que a cultura material evidencia os da instituição. Nesse endereço eletrônico tivemos acesso
efeitos do tempo-espaço, tanto na sua dimensão da física às imagens e aos dados históricos e arquitetônicos das
como da sociologia. doze edificações que fazem parte da história da univer­
Ou seja, as ações de educação patrimonial, por serem sidade. Além disso, foi possível ver o estado de conser­
claramente uma proposta de sensibilização que articula vação dos prédios, as intervenções feitas naqueles que já
um amplo conjunto de saberes, conceitos e habilidades foram restaurados e o cronograma de ações futuras nos
interdisciplinares, facilitam a tarefa de formação inte­ que ainda demandam obras.
gral do aluno. Solicitamos então aos alunos que, em pequenos gru­
pos, escolhessem um prédio com o qual se identificas­
O patrimônio histórico como recurso pedagógico sem. Sobre essa edificação deveriam realizar uma ob­
servação mais detida das imagens e dados disponíveis
Com base nas considerações anteriores realizamos procedendo de anotações sobre a data de construção,
a atividade pedagógica que chamamos de "Visita aos de intervenções, nome dos técnicos responsáveis e usos
Prédios Históricos da UFRGS". A atividade apresentada que a edificação já teve.

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R ic a r d o de A g u ia r Pa c h e c o En s i n o de H is t ó r i a e p a t r im ô n io C u lt u r a l

visto pelos alunos do ensino fundamental e médio como mos a mera visualização, obtida através das imagens di­
algo distante de seu contexto social e pouco interessante. gitais, e partimos para a apreensão através da experiên­
Uma vez que tratamos de "coisas velhas" e "lugares dis­ cia concreta da visitação.
tantes" tem-se a ilusão de que elas não possuem existên­ Propomos que as edificações históricas romperam
cia material. Esse afastamento tempo-espacial faz com duas barreiras temporais. Observadas pela internet as
que os temas e objetos da disciplina sejam tomados como edificações estavam num tempo futuro da tecnologia da
algo apartado e mesmo contraditório às demandas da so­ comunicação. O estudo de suas características históricas
ciedade contemporânea, suas tecnologias e sua dinâmica colocou essas edificações no seu tempo passado. Obser­
cada vez mais acelerada, consumista e imediatista. vados in loco, após a sua observação na ferramenta di­
Pesquisar as características dessas edificações na in­ gital e o estudo de suas características históricas, estes
ternet serviu como uma preparação da visitação opor- objetos da culturamaterial, que são os prédios históricos,
tunizando aos alunos recolherem dados sobre as edi­ saltaram do passado e do futuro para o presente imedia­
ficações. A recepção feita pela equipe do Serviço de to como experiência concreta.
Patrimônio Histórico despertou para as questões técni­ Esse jogo de passado e futuro também ficou presen­
cas envolvidas na atividade de preservação. O exercício te quando da apresentação das técnicas de construção,
fotográfico permitiu ao aluno direcionar o olhar sobre restauro e conservação empregadas em cada edificação.
o patrimônio. Relatar essa experiência significou reme­ Durante a palestra, realizada pela equipe do Serviço de
morar um passado com o uso de outro suporte material. Patrimônio Histórico da Universidade, um ponto que
O uso da internet para a pesquisa dos dados históri­ chamou a atenção dos alunos foram as estratégias de
cos e técnicos das edificações foi um passo na inclusão intervenção. Ficaram evidentes as diferenças entre as
das novas tecnologias da informação no estudo das hu­ técnicas de construção empregadas no passado das uti­
manidades. Mas destacamos aqui que essa utilização foi lizadas na atualidade entre a reforma que se faz em uma
direcionada com um objetivo educacional claramente construção do tempo presente e o restauro em uma edi­
definido: recolher informações sobre determinado obje­ ficação com valor histórico.
to histórico. Nesse sentido, a internet serviu como pre­ Dessa maneira, os alunos evidenciaram que também
paração para a atividade de campo, como local de coleta as técnicas de construção têm uma historicidade e que a
e seleção de informações que depois foram efetivamente história das sociedades não é apenas um conjunto de re­
utilizadas na sequência da atividade. lações abstratas, perdidas num passado remoto e distante
Noutro sentido, o uso da internet serviu como uma de suas vidas. Ao contrário, os prédios históricos da uni­
contraposição entre objeto e imagem, entre realidade e versidade, assim como as casas em que vivem e as demais
simulacro. Através dos computadores os alunos tiveram edificações, têm uma história. São testemunhos do pro­
a oportunidade de ver fotos e imagens dos prédios his­ cesso de desenvolvimento tecnológico das sociedades.
tóricos, mas a atividade de campo possibilitou o contato Ficou claro para os alunos que a preservação não se
direto com os bens pesquisados. Dessa forma, transpo­ trata de consertar o antigo, mas recriá-lo com as possibi-

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R ic a r d o de A g u i a r Pa c h e c o ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL

Nesse momento, preservar é atribuir sentido a ele­ tância da preservação do patrimônio histórico e cultural
mentos materiais que nos remetam às experiências pas­ da comunidade. Através dela possibilitamos a percep­
sadas. Manter e preservar fotos, edificações e demais ção de forma lúdica e concreta dos mecanismos de cons­
bens históricos não significa ter que viver como antiga­ trução da memória Social.
mente. Conservar registros e testemunhos de outro tem­ Ao longo da atividade foi possível proporcionar
po não é guardar "coisas velhas." Aqui temos presente aos alunos a operacionalização dos conceitos-chave da
as lembranças da experiência vivida em um passado educação patrimonial, tais como memória e patrimônio
próximo com os objetos de um passado distante, ofere­ de forma tranquila e prazerosa. Como nos propôs Bal-
cendo a possibilidade de perceber a dimensão, o tama­ dissera (1997, p. 85) no ensino "são eles [os conceitos]
nho e forma ao tempo social. que darão significado aos fatos ou dados," a atividade
No conteúdo não registrado das falas articuladas pe­ proposta aqui possibilitou a manipulação desses concei­
los alunos foi possível perceber o envolvimento com a tos, utilizando os elementos da cultura material que são
atividade e as conclusões a que chegaram após esse con­ os prédios históricos da UFRGS. Manipulando objetos
junto de iniciativas. As falas resgataram, não apenas os concretos de outro tempo evidenciamos que o passado
fatos divertidos da atividade, como as brincadeiras com não é algo distante, que o estudo da sociedade de ou­
os colegas e demais comentários que mostram como a tro tempo-espaço pode se constituir em algo divertido e
atividade foi prazerosa, reforçando os laços afetivos en­ prazeroso, mas, sobretudo, valorativo dos saberes e da
tre as crianças e os prédios históricos da UFRGS que lhes memória coletiva da comunidade.
serviu de ambiente.
Foram lembrados os dados técnicos dos prédios, as Referências
características arquitetônicas e a importância histórica
das edificações visitadas. Nesses comentários vemos o BALDISSERA, José Alberto. Os conceitos, o ensino e a
uso do patrimônio para a rememoração do passado e aprendizagem em História. In: Qual história? Qual en­
preservação de uma memória coletiva. sino? Qual cidadania? Porto Alegre: Ed. Unisinos, 1997,
Foram destacados as técnicas de restauro e os novos p. 82-94, p. 85.
usos que cada edificação passou a ter após a intervenção.
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Es­
Aqui percebemos o entendimento dos critérios e prin­
tudos Avançados. São Paulo. v. 5, n. 11,1991, p. 173-191.
cípios que norteiam uma ação de preservação patrimo­
nial. Ela não se constitui no congelamento dos bens, mas CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Pau­
no uso adequado e responsável desses testemunhos do lo: Estação Liberdade; EdUNESP, 2001.
passado no tempo presente enquanto memória coletiva.
Com isso, concluímos que a atividade de Visitação GEERTZ, Clifford. O saber local. Petrópolis, RJ: Vozes,
aos Prédios Históricos da UFRGS se constituiu em uma 1999.
estratégia eficiente para despertar nos alunos a impor­

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RICARDO DE AGUIAR PACHECO ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL

interdisciplinares sobre os significados simbólicos atri­ dos nos colegiados da administração superior - de que
buídos aos objetos de memória de seu acervo. Somente a trajetória da universidade, suas conquistas e seu pa­
com essas bases consegue-se tornar operacional a tare­ pel junto à comunidade não poderíam ser relegados ao
fa de comunicar poeticamente a memória institucional esquecimento. Antes, devem ser lembrados, não apenas
e fazê-la significativa para os diferentes grupos sociais como motivos de orgulho de um passado significativo,
que compõem a comunidade universitária. mas também como estímulo para o enfrentamento dos
O Memorial da UFRPE foi criado pela Resolução nú­ novos desafios a que as instituições de ensino superior
mero 19/90 e regulamentado pela Resolução 83/90 do do país a cada tempo presente.
Conselho Universitário e instituído como unidade admi­ No ano de 2005 a casa onde residiu o professor Ivan
nistrativa da universidade que tem como função guar­ Tavares, professor emérito da UFRPE, foi restaurada e
dar, pesquisar e divulgar a história institucional con­ adequada para abrigar o acervo histórico da Universida­
tribuindo, assim, para a afirmação da identidade dessa de. Ali sediado, o Memorial da UFRPE passou a contar
comunidade acadêmica formada por docentes, discentes com duas salas de exposição, sala para a guarda dos do­
e técnicos administrativos. Nesses documentos vemos cumentos, espaço para reserva técnica, para os pesqui­
expressos os objetivos do Memorial da UFRPE: sadores e outra para a equipe administrativa em uma
área que ultrapassa 200 metros quadrados. Contudo,
- Pesquisar, coletar, identificar, recuperar, catalo- ' por uma soma de infortúnios, no início do ano de 2009
gar, conservar e expor documentos e outros objetos este amplo espaço e rico acervo encontravam-se subuti-
ligados as diferentes fases da vida da instituição, lizados e praticamente abandonados.
desde a criação de "Célula Mater" a Escola Superior
Visando revitalizar suas atividades de guarda, pes­
de Agricultura e Veterinária São Bento.
quisa e comunicação, foi articulado o projeto de pesqui­
- Propiciar à comunidade universitária, aos estu­
diosos e a sociedade de um modo geral, um acervo sa e extensão "Memorial da UFRPE: Educação, Memória
de elementos balizadores das ações e serviços pres­ e Patrimônio Flistórico." Este teve como objetivo estra­
tados pela instituição à educação local, regional e tégico potencializar as ações da equipe de trabalho do
nacional, notadamente na esfera do conhecimento Memorial, dar utilização plena ao acervo documental e
teórico-prático-científico, ligados ao setor primário aos recursos materiais já disponíveis em sua sede e bus­
da economia car parcerias para novas iniciativas voltadas à pesquisa,
- Expor documentos e peças significativas de seu
acervo que testemunhem as diferentes fases evolu­ História e memória
tivas da UFRPE. (UFRPE, 1990)

A formalização de práticas de preservação e difusão


Percebemos que a estrutura do Memorial da UFRPE
da memória institucional é cada vez mais comum nas
se estabeleceu a partir da percepção da instituição e seus
sociedades contemporâneas. Essas ações vêm atender a
agentes - professores, técnicos e discentes representa­
um movimento que historiadores como Jaques Le Goff

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RICARDO DE AGUIAR PACHECO En s i n o de H is t ó r ia e p a t r im ô n io C u lt u r a l

Como aponta Dominique Poulot, as políticas públi­ constituir o patrimônio histórico das comunidades quan­
cas ou institucionais de valorização dos bens culturais do são reconhecidos como tais por cada sujeito que os
das sociedades contemporâneas e de seus grupos ligam- incorpora à sua experiência. Para Maria Cecília Londres
-se ao reconhecimento desses objetos como elementos Fonseca, esse processo implica em atribuir aos objetos um
identitários e como símbolos das comunidades locais valor simbólico que originalmente não lhes pertencia.
que se relacionam diretamente com eles.
No caso dos patrimônios históricos e artísticos, o va­
Neste aspecto, o patrimônio não deixa de ser - como lor que permeia o conjunto de bens, independente
havia sido sempre - o resultado de um processo cons­ de seu valor histórico, artístico, etnográfico etc., é o
ciente de seleção; mas, nesta perspectiva, é baseado valor nacional, no caso a nação. (Fonseca, 1997, p. 36)
em apreciações particulares. Para sua inclusão no pa­
trimônio, monumentos ou sítios culturais devem ser Ou seja, ao escolhermos um objeto para compor o acer­
marcados, em primeiro lugar, com um sinal positivo vo de um museu ou memorial estamos retirando-o de seu
por indivíduos ou grupo. (Poulot, 2009, p. 230) contexto original para atribuir-lhe outra funcionalidade: a
de evocar o passado e articular um discurso para este fim.
É nesse movimento de construção das comunidades Os objetos guardados em museus são alegorias do
de sentidos que diferentes grupos sociais passam a ma­ passado que se deseja lembrar. Isso significa que eles
terializar suas identidades através da construção de "lu­ não são o próprio passado, mas objetos culturais sele­
gares de memória" os quais, como sustenta Pierre Nora, cionados e agrupados para produzir um dado discurso
nascem da necessidade objetiva dos grupos sociais se sobre o passado que atenda às demandas da comunida­
representarem para os seus e para os outros. de de evocar o seu passado.
Nos dias de hoje os museus estão em pleno renasci­
Os lugares de Memória nascem e vivem do senti­
mento, mas sua valorização está menos atrelada à sua
mento que não há memória espontânea, que é pre­
contribuição à ciência, pois são vistos como espaços pri­
ciso criar arquivos, que é preciso manter aniver­
sários, organizar celebrações, pronunciar elogios vilegiados da construção da memória e da identidade
fúnebres, notariar atas, porque estas operações não (Oliveira, 2008, p. 34). Nesse cenário, as grandes insti­
são naturais. E por isso a defesa, pelas minorias, de tuições públicas e privadas - como é o caso da UFRPE
uma memória refugiada sobre focos privilegiados e - necessitam de políticas claras de preservação de sua
enciumadamente guardados nada mais faz do que memória institucional sob pena de caírem no autoesque-
levantar à incandescência a verdade de todos os lu­ cimento e consequente diluição de sua identidade frente
gares de memória. (Nora, 1993, p. 7) ao conjunto da sociedade.
O fortalecimento do Memorial da UFRPE como es­
Este conjunto de objetos culturais, materiais e imate- paço de memória voltado para reflexão-ação sobre as
riais, herdados pelos contemporâneos somente passam a relações entre educação, memória e patrimônio históri­

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R ic a r d o de A g u ia r Pa c h e c o e n s in o de H is t ó r ia e Pa t r im ô n i o C u lt u r a l

a fim de potencializar o uso deste patrimônio histórico um blog que faz o registro e a divulgação das atividades
como elemento narrativo e difusor da memória institu­ realizadas no Memorial.
cional trabalhada na pesquisa inicial e transformada em O financiamento institucional do projeto contou com
exposição museológica. a concessão de quatro bolsas de extensão e duas bolsas
Para realizarmos o conjunto dessas tarefas, dividi­ de incentivo acadêmico. Contudo, as ações destes fica­
mos as ações previstas na forma de subprojetos. Cada ram um tanto limitadas pela ausência de equipamentos
um deles respondeu a todas as etapas de um único tema adequados ao trabalho e verba de custeio. Apenas para
da exposição - pesquisa inicial; musealização dos resul­ clarificar esta situação, devemos dizer que, inicialmente,
tados; programa educativo - ou apenas a uma dessas os cartazes da exposição foram feitos à mão, pela ausên­
etapas. E os resultados foram apresentados nas salas de cia de um computador para editá-los e de impressora
exposição do memorial na forma de exposição museoló­ para reproduzi-los. Ainda assim, destacamos que atingi­
gica e suas atividades educativas. mos diversas metas inicialmente pretendidas. A primei­
I ra delas, e que tem um efeito ritualístico, foi a abertura da
Organização do acervo e da exposição permanente Casa Ivan Tavares com regularidade. Com essa ação, vol­
tamos a dar funcionalidade a esta unidade administrati­
Frente à situação de abandono a que se encontrava o va da UFRPE que estava fechada e sem desempenhar sua
acervo do Memorial da UFRPE, foi necessário estabele­ importante missão de difusão da memória institucional.
cer uma ordem de tarefas e de objetivos a serem atingi­ Ao longo do primeiro semestre de trabalho, realiza­
dos progressivamente: a) arrumar fisicamente o espaço mos a limpeza e o acondicionamento das peças e docu­
da Casa Ivan Tavares; b) preparar a Casa para a visita­ mentos do acervo na reserva técnica. Como o Memo­
ção; c) organizar a recepção dos visitantes. Muito embo­ rial encontrava-se sem equipe responsável por período
ra houvesse um planejamento inicial, essas tarefas foram superior a um ano, estimamos que durante esse tempo
sendo planejadas e realizadas simultaneamente, sendo tenha havido apenas ações pontuais de limpeza das sa­
muitas vezes refeitas para se encontrar a melhor solução. las. Desta forma, iniciamos nossa ação realizando aquela
Para reabrir o Memorial foi tomada uma série de que é a função primeira das instituições de memória, ou
iniciativas e ações administrativas sendo que, primeira­ seja, a guarda e conservação de documentos e objetos
mente, foi elaborado um projeto de extensão que depois que contam a história da UFRPE e, por extensão, do en­
se desdobrou em projeto de pesquisa. Estes orientaram sino agrícola e do ensino superior em Pernambuco.
as atividades e possibilitaram nossa participação em edi­ Assim, juntamente com os bolsistas de extensão ini­
tais de financiamento para ações de pesquisa e extensão, ciamos a arrumação da casa. Primeiro, foi necessário
mas também foram feitas ações mais prosaicas, como realizar uma limpeza reforçada do chão, das paredes
recolocar o prédio na rotina da equipe de limpeza da e dos armários. Depois, planejar uma nova distribui­
universidade, substituir as lâmpadas queimadas e fazer ção dos móveis e do acervo. Para chegarmos a uma boa
reparos no telhado. Em meio a isso, também editamos solução, experimentamos diferentes possibilidades de

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R ic a r d o de A g u ia r Pa c h e c o ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL

pesquisas para além do acervo do memorial. Em outros Narrar a história ou reconhecer o passado
arquivos foram pesquisadas informações sobre a data
de início dos diferentes cursos de graduação da UFR- Quando visualizamos a possibilidade de atuar jun­
PE, bem como sua organização institucional. Também to ao Memorial da UFRPE sentimos-nos desafiados a
foi investigado o ano de constituição de setores como realizar muitas atividades. Isso nos levou a propor um
a biblioteca, por exemplo. Cada uma dessas pesquisas projeto com diversos objetivos que, agora vemos, são ir-
foi elaborada para tornar-se parte da exposição do Me­ realizáveis no período de um ano de atuação e, menos
morial e, assim, comunicar aos visitantes as informações ainda, com a estrutura de pessoal e de equipamentos de
por elas sistematizadas. que dispúnhamos. Neste momento entendemos que es­
Com base nessas pequenas pesquisas e achados, foi tamos distantes das condições ideais para a realização
montada a exposição permanente "UFRPE: Ensino, Pes­ do trabalho técnico que um museu necessita. Assim, nos
quisa e Extensão" que remete à história institucional voltamos a ações prioritárias, tais como a melhoria das
da UFRPE. Estando exposta no salão principal da Casa condições de guarda do acervo, organização de uma
Ivan Tavares, ela passou a ser o principal atrativo do exposição permanente que estimule a visitação ao Me­
público visitante. Ela está dividida nestas três grandes morial e a preparação de atividades educativas simples,
partes que representam a tríade universitária. Na parte mas que permitam a exploração desse espaço educativo
do ensino, reunimos uma linha cronológica dos cursos sobre a história do ensino superior em Pernambuco.
de graduação, uma série de cadeiras e outra de proje­ Hoje sabemos que trabalhamos em dimensões me­
tores de imagens utilizados em diferentes períodos nas nores do que aquelas que tínhamos no início do projeto.
salas de aula da UFRPE. Na parte que aborda a pesqui­ Mas acreditamos ter encontrado um ponto no qual sa­
sa, apresentamos uma série de teodolitos e outra de mi­ bemos que não fazemos tudo o que é necessário a uma
croscópios, além de vidros de ensaio e uma balança de instituição de memória, mas que realizamos com sere­
precisão. A extensão está representada através de foto­ nidade aquilo que é possível para preservar objetos e
grafias de diferentes ações empreendidas pela UFRPE, documentos da história institucional da UFRPE. Já cons­
com um destaque para o conjunto de documentos sobre truímos condições para utilizar o espaço da Casa Ivan
o "Projeto Pau-Brasil", no qual se inclui uma amostra de Tavares como uma instituição de memória, definindo
caule da árvore. espaços para as salas de exposição, a reserva técnica e
A exposição também traz referências aos três grupos área administrativa. Montamos uma exposição perma­
da comunidade universitária, dispondo sobre mesas nente que representa a história da universidade e pro­
distintas, objetos que remetem aos docentes, aos discen­ duzimos atividades pedagógicas para públicos de dife­
tes e aos técnicos administrativos. Expositores diferen­ rentes idades. Mesmo assim, sabemos que isso tudo é o
tes apresentam informações e objetos que remontam: ao resultado do trabalho de um grupo esforçado, ciente de
hospital veterinário, à biblioteca, aos colegiados superio­ que ainda possui muito trabalho pela frente.
res, ao campus universitário e à cerimônia de formatura.

112 113
.v. -
m?s 6

AS AÇÕES EDUCATIVAS EM
MUSEU
Ao longo do primeiro semestre de 2009 a equipe de
trabalho do Memorial da UFRPE atuou na concepção e
montagem da exposição permanente "UFRPE: 100 anos
de ensino, pesquisa e extensão." Como desdobramen­
to dessa ação, no segundo semestre foram concebidas e
preparadas as ações educativas que potencializavam os
discursos e os sentidos sobre o passado dessa institui­
ção de ensino superior. Neste capítulo, apresentamos as
reflexões teóricas oriundas do projeto de pesquisa e ex­
tensão que norteou a utilização do museu como espaço
de memória. O que apresentamos a seguir é o registro
das reflexões teóricas produzidas na prática de prepara­
ção das atividades educativas. E concluímos escrevendo
acerca do que essa experiência teórico-prática nos ensi­
nou sobre o trabalho do historiador no campo da educa­
ção em museus.

Educação e Museu

Ao problematizar a força dos processos educativos


sobre os sujeitos, Carlos Rodrigues Brandão (1981, p. 75)
lembra-nos que

como outras práticas sociais constitutivas, a educa­


ção atua sobre a vida e o crescimento da sociedade
em dois sentidos: 1) no desenvolvimento de suas
forças produtivas; 2) no desenvolvimento de seus
valores culturais.

117
R ic a r d o de A g u ia r Pa c h e c o ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL

grupos sociais) - seja como pesquisador, seja como edu­ impondo que as demandas de uma etapa fossem respei­
cador - é a dupla responsabilidade de falar do passado, tadas pelas demais:
explicitando os conflitos e as disputas que nele se en­ I o) pesquisa inicial: os pesquisadores da equipe se
contram, ao mesmo tempo em que atua na formação de utilizaram das referências teóricas e metodológicas de
uma identidade coletiva, que procura reforçar os laços diferentes áreas do conhecimento (Flistória, Museologia
identitários da comunidade que deseja ser ali retratada. e Educação) para construir subprojetos utilizando os ob­
Em 2006, a casa onde residiu Professor Ivan Tavares, jetos do acervo do Memorial da UFRPE para abordar as
professor emérito da UFRPE, foi restaurada e adequada relações entre educação, memória e patrimônio.
para abrigar o Memorial da UFRPE. Atualmente, a Casa 2o) comunicação museológica: as conclusões das pes­
Ivan Tavares conta com salas de exposição, sala clima- quisas iniciais foram transformadas em sínteses capazes
tizada para a guarda dos documentos significativos da de serem incorporadas à exposição museológica. Assim,
memória institucional, espaço para reserva técnica, es­ não interessaram extensos relatórios, mas seleções de
paços para a pesquisa e administração do memorial. objetos, cartazes, etiquetas que comunicassem as con­
Em março de 2009, esse espaço e acervo se encontra­ clusões para, desse modo, informarem a memória da co­
vam em desuso. Foi quando elaboramos o projeto de en­ munidade acadêmica sobre a importância histórica do
sino, pesquisa e extensão que apontou as diretrizes para objeto exposto.
sua reabertura. Desejávamos nesse momento atualizar 3o) programa educativo: tanto no momento da pes­
as ações do memorial e dar utilização ao acervo e aos quisa como da montagem da exposição teve-se em
recursos materiais já disponíveis na sua sede bem como mente que o material exposto seria objeto de uma ação
buscar parcerias para novas iniciativas para fazer deste educativa. O planejamento e a execução dessa ação visa­
espaço de memória um espaço educativo. vam potencializar os significados da exposição e poten­
Uma vez montado o projeto de ensino, pesquisa e cializar o valor histórico do patrimônio e da memória
extensão foi constituída uma equipe de trabalho. Esta coletiva. Assim, o planejamento das ações educativas
foi composta basicamente pelo professor coordenador e do Memorial da UFRPE foi iniciado juntamente com a
quatro bolsistas de extensão, responsáveis pela organi­ montagem da exposição permanente.
zação do acervo, e duas bolsistas BIA/FACEPE/UFRPE
responsáveis pelo desenvolvimento das ações educati­ Ações educativas
vas. Outros alunos voluntários deram contribuições im­
portantes à realização das atividades. A pesquisa no acervo do Memorial da UFRPE per­
Com as referências teóricas do campo do patrimônio mitiu a montagem da exposição "UFRPE: 100 anos de
este grupo de trabalho desenvolveu uma metodologia ensino, pesquisa e extensão" que remete à história da
que sobrepôs três movimentos que, embora pensados universidade. Nessa exposição, objetos e documentos
ordenadamente, foram executados simultaneamente do acervo foram utilizados como elementos para ativar
a memória sobre as práticas associada às três dimensões

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RICARDO DE AGUIAR PACHECO ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL

Com base nessas referências teóricas, surgiram, na sempre disposta a tomar todos quantos a ele se en­
equipe, diversas idéias para as ações educativas. Elas fo­ treguem. (Freire, 1992, p. 83)
ram debatidas coletivamente e, assim, qualificadas pelo
emprego de conceitos de apropriação e significação do Para a construção do roteiro de visitação foi realiza­
patrimônio. Em seguida, passou-se ao planejamento e da uma oficina coletiva em que cada bolsista participan­
à estruturação dessas atividades com base na premissa te da montagem da exposição apresentou sua versão,
freireana da "leitura de mundo", ou seja, possibilitar si­ sua leitura sobre os objetos expostos. Uma vez que cada
tuações nas quais objeto fosse problematizado para que, bolsista havia ficado responsável pela seleção de um
a partir dessa reflexão, o educando produza uma nova conjunto de objetos e pela montagem de um expositor
síntese da experiência vivida. temático, era natural que ele tivesse maior reflexão sobre
Apoiados nessa metodologia, os bolsistas envolvi­ sua parte do trabalho.
dos na construção da exposição foram orientados na Desse modo, fizemos um roteiro inicial em que cada
elaboração das ações educativas voltadas ao público do bolsista informava aos demais o que se contava em cada
memorial. Foi criado um roteiro de visitação e um con­ parte da exposição. Com base nesta experiência foi mon­
junto de três jogos didáticos que utilizam as peças e in­ tado um roteiro de visitação que, formado das múltiplas
formações da exposição. escritas e leituras dos diferentes membros do grupo, po-
Para isso seguimos uma metodologia freiriana en­ deria ser reorientado por cada um de forma individual.
tendida como uma "disciplina do pensar" - com vistas a Nesse roteiro de visitação pelos objetos representa­
possibilitar que cada bolsista envolvido no projeto mani­ tivos da história da universidade privilegiava-se que
festasse sua posição sobre o trabalho desenvolvido e en­ os visitantes se sentissem estimulados a observarem as
tendesse que ele se tomava não apenas agente do seu ato peças expostas e relacioná-las com seu cotidiano estu­
formativo que se estruturava, mas também do ato educa­ dantil, posto que todos os objetos estiveram diretamente
tivo que o qualificava para trabalhar com o patrimônio: relacionados ao ensino, à pesquisa e extensão universi­
tária.
Na construção desta necessária disciplina não há Também foram produzidos três jogos pedagógicos
lugar para a identificação do ato de educar, de que exploram peças e informações da exposição. A pri­
aprender, de conhecer, de ensinar, com um puro meira estratégia para a confecção das ações educativas
entretenimento, uma espécie de brinquedo com re­ para a exposição foi buscar as regras de jogos e brinca­
gras frouxas ou sem elas, nem tão pouco com um deiras já conhecidas e adaptá-las às demandas didáticas
que-fazer insonso, desgostoso, enfadonho. O ato de
da exposição. Com esse intuito, foi solicitado aos bol­
estudar, de ensinar, de aprender, de conhecer é di­
fícil, sobretudo exigente, mas prazeroso [...] É pre­
sistas uma explosão de idéias de onde partiram diver­
ciso, pois, que os educandos descubram e sintam a sas possibilidades. Desse conjunto foram selecionados
alegria nele embutida, que dele faz parte e que está três jogos que poderiam ser aplicados junto a grupos de
visitantes ao fim da visitação: o Caça-Palavras da Pre-

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R ic a r d o de A g u ia r Pa c h e c o e n s in o de H is t ó r i a e Pa t r im ô n io C u ltu ra l

Ensinar história no museu orientam a produção do discurso histórico - teoria da


história - a esses referenciais dos processos educativos -
Concluímos esta etapa do capítulo com a convicção teoria da educação. Esse foi o grande desafio desta ação.
de que é possível, aos espaços de memória, reativar sua Foi preciso articular uma metodologia de trabalho teóri­
função de espaços de produção de conhecimento cientí­ co e prático que orientasse e ordenasse as atividades de
fico ao mesmo tempo em que há o reforço da missão das pesquisa ao lado da formalização de um planejamento
instituições de ensino. No caso dos museus de história, educativo rigoroso voltado ao espaço de ensino infor­
acreditamos que é possível construir discursos sobre o mal que é o Memorial da UFRPE. Isso tudo, ao mesmo
passado das comunidades ah retratadas, passíveis de se­ tempo em que se articulavam as demandas técnicas e as
rem reelaborados e ressignificados pelos visitantes. En­ responsabilidades sociais destas duas tarefas próprias
tendemos que os espaços de memória podem e devem do campo da memória social: estudar o homem no tem­
planejar e desenvolver ações educativas que explorem po e formar o sujeito no presente.
os significados dos objetos expostos como forma de qua­ As atividades de significação dos objetos expostos
lificar sua função social de guarda, pesquisa e divulga­ ganham maior impacto quando teórica e metodologi-
ção da memória social. camente fundamentados. Nessa direção, a metodologia
Nossa experiência junto ao Memorial da UFPE nos da educação patrimonial e os referenciais teóricos do
mobilizou para refletir sobre a ação do historiador junto pensamento freiriano, em particular o conceito de leitu­
a um equipamento voltado à memória institucional. Em ra do mundo, mostraram-se como bases sólidas para o
nossa ação percebemos que a ação do bacharel em his­ planejamento educativo que foi executado pela equipe
tória não se restringe à pesquisa, tampouco o licenciado do Memorial da UFRPE. Entendemos que foi devido a
em história deve limitar sua ação formativa ao espaço esses referenciais adotados - memória coletiva, identi­
da sala de aula. Ao contrário, o profissional que tem o dades sociais, leitura do mundo - que a ação educativa
passado como objeto de reflexão deve ter diante de si es­ construída não se tornou apenas a narrativa do passado
tes dois campos de atuação do profissional historiador: fechado para um público passivo. Ao contrário, supôs-
produzir o discurso sobre o passado e criar situações de -se a possibilidade de o público da exposição interpretar
difusão desse discurso. os objetos e se reconhecer neles e nas situações apre­
Com esse objetivo deve procurar estratégias para sentadas na exposição. O trabalho constituiu-se, assim,
provocar no seu público, não a aceitação passiva de uma numa aposta na competência intelectual desse público
fala sobre o passado, mas promover a reflexão sobre a para significar os objetos expostos tendo por base a sua
experiência humana no tempo. Utilizando-se, para isso, experiência pessoal.
das diferentes linguagens que o mundo contemporâneo
nos coloca à disposição.
Para desenvolver nossa ação junto ao Memorial da
UFRPE foi preciso articular referenciais teóricos que

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RICARDO DE AGUIAR PACHECO En s i n o de H is t ó r ia e Pa t r im ô n i o C u lt u r a l

guístico significa também fazer uso de um conjunto de signar objetos sociais como "Estado absolutista" ou "Es­
estruturas lógicas ordenadoras e estruturantes do pen­ tado colonial" não por memorização, mas por eviden­
samento (Foucault, 1997). ciar uma progressiva compreensão das particularidades
Assim ocorre com a alfabetização na língua materna de cada construção social.
na qual o letramento significa a possibilidade do sujeito Ao mesmo tempo, deve promover a iniciação ao uso
fazer uso do código escrito para registrar a comunicação das estratégias de organização e interpretação temporal
verbal, mas também se fala em alfabetização matemática dos eventos. Ao transmitir as datas e fatos próprios das
como a apropriação do significado dos signos numéricos informações históricas dispostas no currículo deve fazer
como uma linguagem capaz de representar, organizar e uso dos recursos metodológicos das ciências humanas -
operar com as quantidades. Já a alfabetização científica como a linha de tempo e os quadros comparativos - não
significa a iniciação do indivíduo aos termos e estratégias como simplificação didática, mas como emprego das es­
de pensamento próprios do que chamamos de método truturas de pensamento que permitem aos sujeitos inter­
científico, do pensamento hipotético como estratégia para pretarem o mundo social.
interpretar o mundo. Como propõe Attico Chassot (2003, Ao longo do mundo moderno - ou desde o século XVI
p. 91), "ser alfabetizado cientificamente é saber ler a lin­ - a escola vem sendo moldada como instituição social
guagem em que está inscrita a natureza. É um analfabeto responsável pela educação formal das novas gerações
científico aquele incapaz de uma leitura do universo." como espaço social destinado a realizar a alfabetização
Como vemos, a alfabetização não ocorre apenas na das crianças. Nesse movimento a escola foi progressiva­
língua materna. A alfabetização, como aptidão no uso de mente reforçando-se como instituição responsável pelo
um código, ocorre nas diferentes linguagens. É nesse sen­ saber a ponto de ganhar, virtualmente, o monopólio da
tido que podemos falar da "alfabetização humanística" função educativa na sociedade. Como lembra André Pe-
do sujeito como o processo de apropriação dos signos, titat (1994), ao longo da experiência histórica do Ociden­
dos conceitos e das estruturas de pensamento utilizadas te, a instituição cumpriu o duplo papel de produção e
pelas ciências humanas para interpretar as relações so­ reprodução das relações sociais. Dessa forma, as trans­
ciais. O ensino escolar de história, nessa visão, volta-se formações sociais da contemporaneidade, ao mesmo
para a iniciação do educando na linguagem desenvolvida tempo em que a defendiam como local privilegiado de
para realizar a observação e análise das relações sociais. socialização, de reprodução dos saberes e fazeres junto
E neste contexto que podemos propor que a disci­ às novas gerações, lhe cobram a produção de novas re­
plina escolar de história promova no educando a apro­ lações sociais frente ao saber acumulado e, ao mesmo
priação e o uso adequado de conceitos como o tempo, tempo em que mantém sua obrigação de introduzir a
espaço, processo histórico, instituições sociais, entre ou­ criança no mundo dos adultos, cobra uma atualização
tros, para designar os objetos socialmente construídos e de seus objetivos e metodologias (Santos, 2005).
significados no mundo social. O ensino de história deve Nesse início de século XXI vivemos uma profunda
estar atento ao emprego de termos adequados para de­ transformação nas formas de difusão do conhecimen-

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Ric a r d o de A g u ia r Pa c h e c o ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL

e planejamos o que faremos nas horas de descanso. Mar­ Como vemos, o tempo e o espaço são dimensões
camos nossos encontros e ficamos chateados quando nos complexas com as quais todos os sujeitos se relacionam.
desencontramos por nos esquecermos que cada indiví­ A qualidade e os usos que cada sujeito faz dessa relação
duo vive o tempo simultaneamente de forma diferente vai depender da consciência que temos dessa dimen­
enfrentando, cada qual, os seus desafios e dificuldades são do mundo social. Uma alfabetização humanística
particulares para chegar até o ponto de encontro. deveria oportunizar situações em que os educandos to­
Para o psicólogo Jean Piaget (1980), o tempo é uma massem consciência do tempo como dimensão da vida
noção complexa, ou seja, a sua compreensão como di­ social, mas proporcionar também o uso de diversos ou­
mensão do mundo físico e social depende do entendi­ tros conceitos próprios das ciências humanas, tais como,
mento e da associação das noções de sucessão, duração sociedade, instituições, processo e consciência histórica.
e simultaneidade. A noção de sucessão permite-nos or­ Enfim, possibilitar a aquisição dessa linguagem cientí­
denar os eventos em uma sequência de acontecimentos fica e dessa estrutura de pensamento que permite aos
e reconhecer o que ocorreu antes ou depois.' A noção de indivíduos se reconhecerem como sujeitos inseridos em
duração permite-nos utilizar o tempo para definir o ta­ relações sociais e promover a iniciação na observação
manho dos eventos, ou seja, a sua duração. Já a noção sistêmica do mundo social e na operacionalização de
de simultaneidade possibilita ao sujeito reconhecer que noções como as de tempo e espaço.
em um mesmo momento diversos eventos ocorrem ém Um currículo escolar contemporâneo deveria preo-
espaços diferentes. Isso nos permite traçar relações de cupar-se com a alfabetização humanística dos educan­
interdeterminação entre eventos ocorridos em diferen­ dos. Todas as experiências que o sujeito vivência estão
tes espaços físicos. situadas em um espaço num determinado tempo. O es­
Já o historiador Jacques Lê Goff (1996) entende que paço é o meio ambiente em que vivemos, mas é também
o tempo físico é percebido pelos sujeitos como tempo a paisagem que a sociedade constrói alterando o espaço
social. E neste último que localizamos os eventos histó­ natural. De forma semelhante, o tempo é uma dimensão
ricos nos quais as eras e revoluções se desenrolam. O do mundo físico, um efeito imutável do qual nenhum
tempo social, diferente do tempo físico, acelera ou para objeto ou ser escapa. Mas o tempo também é uma per­
de acordo com a percepção que a consciência humana cepção social sobre esse processo do mundo físico, uma
lhe atribui a partir de sua própria experiência no mun­ construção social variável de acordo com as sensações
do. Assim, diferentes sociedades construíram diferen­ e concepções que cada indivíduo e sociedade produz e
tes temporalidades e distintas relações com a dimensão reproduz para organizar e viver seu tempo. Quem não
temporal. Algumas construíram a ideia de um passado se lembra de uma experiência pessoal agradável na qual
mítico e imutável das tradições; outras visualizam um o tempo transcorreu rapidamente e de outra entediante
passado narrado pelos interesses do presente, presente quando o tempo custa a passar? Por outro lado, quem
este que constantemente reelabora seu discurso sobre o não organiza sua vida social dividindo seu tempo entre
passado. atividades rotineiras, típicas do tempo cíclico das socie-
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Ricardo de Aguiar Pacheco ensino de História e Patrimônio C ultural
fílllreffl
ria esses aprendizados podem ser operacionalizados em informações são elementos simbólicos que estabelecem e
atividades como a ordenação e interpretação de eventos reforçam o sentimento de pertencimento identitário dos
e processos históricos, o reconhecimento e valorização sujeitos à sua comunidade local, regional e nacional.
das diferenças culturais das comunidades no tempo De forma semelhante, a utilização dos procedimen­
passado, mas também nas sociedades do presente. Os tos de pesquisa próprios das ciências humanas com edu­
PCNs, por sua vez, promovem uma flexibilização dos candos do ensino básico significa propor experiências
programas curriculares para que as escolas possam arti­ concretas com as chamadas fontes históricas e propor a
cular os conhecimentos disciplinares aos saberes locais. coleta e organização de dados empíricos por parte dos
Desse modo, propõem o desenvolvimento de aprendi­ educandos. Assim, propostas de atividades como a lei­
zagens voltadas para a formação da cidadania através tura crítica de um documento antigo e a confecção de
de ações educativas interdisciplinares. uma linha de tempo são oportunidades de o educando
Para cumprir tal tarefa propomos que a disciplina desenvolver as habilidades de leitura e de identificação
escolar de história trabalhe com três ordens de saberes das idéias presentes em um panfleto eleitoral. Ao mesmo
humanísticos: as informações históricas, os procedimen­ tempo, lembramos que o depoimento oral ou a entrevista
tos de pesquisa e as ferramentas conceituais. Por infor­ de uma pessoa significativa da comunidade é fonte his­
mações históricas nos referimos ao conjunto de data e tórica tão importante quanto o pronunciamento de um
fatos articuladores da memória social. Os procedimeritos presidente da República sobre uma situação vivida. A
de pesquisa próprios das ciências humanas são as estra­ observação sistemática de bens patrimoniais como edifi­
tégias de coleta e organização das informações sociais. cações e objetos históricos demanda o mesmo esforço de
As ferramentas conceituais são os instrumentos teóricos interpretação que o entendimento de como se construiu
que permitem ao sujeito comunicar e interpretar os fenô­ o prédio da escola. A consulta a fontes históricas, assim
menos sociais. É importante destacar que a alfabetização como a observação de vestígios de um tempo passado,
humanística não significa uma ruptura com o que é en­ nos permite a compreensão do próprio tempo presente.
sinado na escola, mas uma tomada de consciência por Com o emprego de conceitos próprios das ciências
parte do educador de quais saberes sustentam a inclusão humanas propomos nada mais que um refino da lingua­
de um assunto numa seleção curricular e qual a finalida­ gem coloquial, já utilizada pelos educadores, para me­
de a ser alcançada com determinada estratégia didática. lhor nomear e interpretar os objetos trabalhados nas au­
Numa visão alfabetizadora, trabalhar com as informa­ las de história. Nomear os objetos sociais, tal como o ato
ções históricas, com as datas e fatos da memória social im­ de nomear elementos do mundo material é parte de uma
plica menos na memorização mimética desses dados histo- operação racional e científica que, simultaneamente, nos
riográficos e mais na construção dos significativos sociais permite o uso de um mesmo termo para dois objetos dis­
desses eventos históricos. Nesse sentido, as datas e heróis tintos, mas também possibilita o agrupamento de objetos
nacionais são lembranças tão importantes, tão significati­ distintos em um mesmo conceito. É neste contexto que
vas quanto as datas e heróis das comunidades locais. Essas termos como Estado, cultura, passado e presente mais do

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R ic a r d o de A g u ia r Pa c h e c o e n s in o d e H is t ó r i a e p a t r im ô n io C u ltu ra l

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LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez,
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