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O QUE O PRESIDENTE DEVERIA APRENDER COM MARECHAL RONDON

Ideais do sertanista, que idealizou o Serviço de Proteção aos Índios, são relevantes até hoje

Larry Rohter
09/08/2019 - 06:00 / Atualizado em 16/09/2019 - 09:49

Em sua defesa dos povos indígenas, Rondon idealizou o Serviço de Proteção aos Índios, que começou suas atividades em 1910 e foi dirigido por ele
até 1930. Na foto, o futuro marechal distribui presentes para os índios parecis, em Mato Grosso. Foto: Luiz Thomas Reis / Museu do Índio

Em 2015, comecei a escrever uma biografia do marechal Cândido Mariano da Silva


Rondon motivado apenas pela admiração que sua vida despertava em mim — exemplar
por sua coragem física e moral, seu sacrifício pelo bem comum e seu serviço patriótico
abnegado. Nunca imaginei que Rondon: uma biografia sairia num momento em que
todo o seu legado, todos os valores de não violência, humanismo e tolerância cultural,
valores que são manifestações da grandeza da nação e do povo brasileiro, estariam sob
ameaça. Mas aqui estamos. Vale a pena ressaltar a importância do comportamento
correto e altruísta de Rondon como funcionário público. Em seu enterro, em 1958, o
último de seus discípulos intelectuais, o antropólogo e futuro ministro e senador Darcy
Ribeiro, o chamou de “a mais rica, mais coerente, mais enérgica e mais generosa
personalidade jamais criada pelo povo brasileiro”. Suas ações e seus ideais são
extremamente relevantes para os tempos atuais. O país está mais uma vez enfrentando
alguns dos mesmos desafios que preocupavam Rondon, e, de fato, sua experiência nos
pode ensinar muito sobre como lidar com a conjuntura em que estamos imersos. A
relevância de Rondon se destaca — mas não se limita — a dois campos fundamentais,
cada vez mais em evidência, cada vez mais debatidos, desde que o ex-capitão Jair
Bolsonaro assumiu o poder, em janeiro. O primeiro deles é o tratamento dado aos
grupos indígenas, que Rondon reconhecia como povos originários do Brasil e que
buscou proteger da perda de suas terras e de sua identidade cultural. O segundo é seu
pioneirismo em algo que nem tinha nome em sua época, mas que hoje conhecemos
como ambientalismo e desenvolvimento sustentável.

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Theodore Roosevelt e o marechal Rondon ao lado do marco com o nome do rio rebatizado em homenagem ao ex-presidente americano e
antes conhecido como Rio da Dúvida. Foto: Divulgação / Museu do Índio / Funai

Todo brasileiro já ouviu falar de Rondon. Ele foi o desbravador do sertão que cunhou
aquela frase memorável: “Morrer se preciso for, matar nunca”. Na realidade, Rondon
não foi apenas o mais importante explorador moderno dos trópicos, mas também um
grande cientista e, apesar de ser caracterizado como “o general pacifista”, um feroz
combatente nas trincheiras políticas. Para defender seus ideais, travou batalhas até com
presidentes, como Epitácio Pessoa, Artur Bernardes e Getulio Vargas, sem medo das
consequências pessoais. De certa maneira, as recentes declarações do presidente
Bolsonaro sobre a necessidade de abrir novos terrenos para o agronegócio e a
mineração lembram o discurso de Vargas, que, uma vez declarado o Estado Novo, em
1937, anunciou uma “marcha para o oeste” com o intuito de fomentar o
desenvolvimento econômico do Centro-Oeste. Para Vargas, a campanha representava
“o verdadeiro sentido de brasilidade” e pretendia fazer com que os indígenas se
tornassem “úteis ao país”. Qual foi a resposta de Rondon? Redobrou seus esforços para
demarcar terras indígenas, usando novos critérios que ampliaram o tamanho das áreas
delimitadas. Durante todo o Estado Novo, Rondon foi servidor de um governo cujos
objetivos e filosofia ele não compartilhava. Mas achou melhor permanecer dentro desse
governo, lutando para seus próprios projetos, a ficar fora, sem poder fazer nada. Foi
desse jeito que ele conseguiu torpedear um acordo com o Vaticano que daria ao clero
um papel na política indigenista, ajudou a bloquear uma aliança do Brasil com as
potências fascistas e conseguiu um orçamento mais gordo para defender os interesses
dos indígenas.

Mas em matéria de política indigenista talvez ainda mais relevante para o momento
atual seja a crise de 1910, da qual Rondon foi um dos principais expoentes. Naquele
momento, a economia estava em franca expansão, com o empresariado paulista ansioso
por penetrar o interior e explorar suas riquezas. O diretor do Museu Paulista, Hermann
von Ihering, deu sustento intelectual a esse desejo quando escreveu um artigo
afirmando que “os índios não representam um elemento de trabalho e progresso” e,
portanto, “parece que não há outro meio de que se possa lançar mão senão seu
extermínio”. Em meu livro, afirmo que Rondon, com sua vigorosa defesa dos povos
indígenas e de suas terras, evitou um genocídio. Com isso, não quero dizer que o
governo Bolsonaro esteja contemplando um genocídio. Longe disso, embora num
disparate há 20 anos o então deputado tenha levantado tal suspeita quando lamentou:
“Pena que a cavalaria brasileira não tenha sido tão eficiente quanto a americana, que
exterminou os índios”. Mesmo sendo mais comedidas, suas declarações mais recentes
deixam claro que ele, como os adversários de Rondon um século atrás, considera que os
povos indígenas são um empecilho, um obstáculo ao desenvolvimento pleno do país.
Como tal, é necessário tirar os “privilégios” dos quais eles supostamente desfrutam.
“Não tem terra indígena onde não tenha minerais,” declarou o futuro presidente em
2015, numa palestra em Campo Grande, perto da terra natal de Rondon. “Ouro, estanho
e magnésio estão nessas terras, especialmente na Amazônia, a área mais rica do mundo.
Não entro nessa balela de defender terra para índio.” No mesmo discurso, queixou-se
de que “os índios não falam nossa língua, não têm dinheiro, não têm cultura. São povos
nativos. Como eles conseguem ter 13% do território nacional?”.

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Exploradores chegam a aldeia contatada por Rondon no vale do Rio Ji-Paraná, no estado de Rondônia, que recebeu esse nome em
homenagem ao sertanista. Foto: Museu Histórico do Exército

“AS DECLARAÇÕES DE BOLSONARO DEIXAM


CLARO QUE ELE CONSIDERA OS POVOS
INDÍGENAS UM EMPECILHO AO
DESENVOLVIMENTO PLENO DO PAÍS, ASSIM
COMO OS ADVERSÁRIOS DE RONDON UM
SÉCULO ATRÁS”

Em seus momentos de maior angústia, Rondon se desesperava com esse tipo de


raciocínio, muito comum em sua época — e com a negligência e a hostilidade
provocadas por ele. “Desrespeitados em suas pessoas e suas famílias, perseguidos,
caluniados, eles vivem em situação misérrima”, confidenciou a seu diário em 1930,
quando terminava uma missão de inspeção das fronteiras do Brasil e encontrou
comunidades indígenas indigentes. “Se aceitam a sociedade do branco, ficam reduzidos
à pior das escravidões… Se se embrenham nas matas, são acossados e exterminados a
ferro e a fogo.” Quem faz um mínimo de esforço rapidamente vai descobrir que um dos
feitos mais notáveis de Rondon foi justamente documentar as ricas culturas dos “povos
nativos” do Brasil. Fez isso não apenas com uma centena de artigos científicos, mas
também por meio do primeiro filme etnográfico de que se tem notícia e das primeiras
gravações de música indígena, aproveitadas posteriormente pelo compositor Heitor
Villa-Lobos. O poliglota Rondon aprendeu línguas indígenas como bororo, pareci e
nambiquara e compilou glossários e livros de gramática desses idiomas. Foi o conjunto
desse trabalho científico que possibilitou a obra-prima do antropólogo francês Claude
Lévi-Strauss, Tristes trópicos.

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Índios waiãpis denunciaram a invasão de sua aldeia por garimpeiros e o assassinato do cacique Emyra Foto: Apu Gomes / AFP

“RONDON LAMENTOU EM SEU DIÁRIO: ‘SE


(OS ÍNDIOS) ACEITAM A SOCIEDADE DO
BRANCO, FICAM REDUZIDOS À PIOR DAS
ESCRAVIDÕES… SE SE EMBRENHAM NAS
MATAS, SÃO ACOSSADOS E EXTERMINADOS
A FERRO E A FOGO’”

É importante lembrar também que Rondon foi o idealizador de uma agência


governamental para atuar em prol dos interesses dos indígenas. Em 1910, ele fundou o
Serviço de Proteção aos Índios (SPI), antecessor da atual Fundação Nacional do Índio
(Funai), e foi chefe do organismo até a Revolução de 1930, quando foi expulso do
Exército por não apoiar Vargas. É verdade que tanto o SPI como a Funai tiveram altos e
baixos, com líderes capazes ou não, ao longo das décadas. Mas até a chegada de
Bolsonaro ao cenário nacional ninguém questionava a responsabilidade do governo
brasileiro de cuidar dos interesses de todos os seus cidadãos, mesmo aqueles que vivem
à distância do Estado. “Se eleito, vou dar uma foiçada na Funai, mas uma foiçada no
pescoço”, declarou Bolsonaro em agosto de 2018, em plena campanha presidencial.
“Não tem outro caminho. Não serve mais.” Talvez seja mais uma bravata. O
desaparecimento da Funai ou seu estrangulamento com uma falta de verbas
representaria o desmantelamento da herança sertanista de Rondon e a rejeição dos
valores rondonianos. Estabelecer um organismo oficial para proteger os índios, suas
terras e suas culturas foi uma das grandes contribuições de Rondon ao humanismo
brasileiro. O marechal sempre favoreceu um sistema em que cada povo indígena teria o
direito de escolher o grau de aproximação que desejava com a sociedade brasileira.
Bolsonaro, não. O presidente quer a incorporação obrigatória ou até forçada. Durante a
campanha, declarou: “Vamos integrá-los à sociedade. Como o Exército faz um trabalho
maravilhoso tocante a isso, incorporando índios, está certo, as Forças Armadas”. Acho
surpreendente essa atitude. Afinal de contas, o presidente é um ex-militar, e o Exército
venera a memória de Rondon.

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Para Rondon, sempre foi impossível separar a causa indígena da questão do meio
ambiente. Os povos originários reverenciam o mundo a seu redor, e ele, como filho das
etnias bororo, terena e guaná, compartilhava essa visão do homem vivendo em
harmonia com a natureza. Os indígenas eram, portanto, guardiões naturais da beleza e
das riquezas da terra. Como explorador e cientista, Rondon aprendeu a respeitar ainda
mais a grandeza do mundo natural e foi o primeiro a visitar lugares que hoje formam
parte do sistema de parques nacionais — entre eles o Monte Roraima e as Montanhas
do Tumucumaque. Também foi autor do projeto que originou o Parque Nacional do
Xingu, criado três anos depois de seu falecimento, para homenageá-lo. Por essa dupla
razão — ambientalismo e indigenismo —, é especialmente preocupante ver o governo
Bolsonaro lançar a ideia, mesmo de forma provisória, de abrir reservas indígenas à
mineração. Nos tempos de Rondon, os seringais constituíam a principal ameaça à
existência dos povos originários. Mas ele lutou também contra as investidas dos
garimpeiros, madeireiros e fazendeiros — até em momentos em que a postura do
governo foi de indiferença. Agora o país tem um governo que apoia, de maneira
entusiasmada, uma política que resultaria na destruição de terras indígenas
demarcadas por Rondon e na negação da autonomia dos habitantes dessas reservas.
Essa proposta é a crônica de uma tragédia anunciada.

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Cerca de 15 mil garimpeiros trabalham hoje na reserva indígena ianomâmi, entre Roraima e o Amazonas, que abriga 23 mil índios. Foto:
Daniel Marenco / Agência O Globo

Em 2005, os cintas-largas me convidaram para visitá-los na Reserva Indígena


Roosevelt, que se estende por ambos os lados do Rio Roosevelt, no limite dos estados de
Rondônia e Mato Grosso. Ali, me contaram como a Expedição Científica Roosevelt-
Rondon havia passado por aquele lugar em 1914 e como, percebendo as intenções
pacíficas de Rondon, que deixou presentes para eles à beira do rio, os caciques
decidiram não atacar os forâneos. Mas com garimpeiros invasores a história foi outra.
Em abril de 2004, depois de quatro anos de invasões e uma resposta oficial que os
cintas-largas julgavam deficiente, os índios mataram pelo menos 29 garimpeiros
envolvidos na extração ilegal de diamantes. Ora, se isso aconteceu quando tucanos e
petistas estavam no poder, supostamente alinhados com os povos indígenas e o
movimento ambientalista, como seria a reação de um governo abertamente hostil aos
interesses desses dois grupos? É fácil prever. A administração Bolsonaro não vai reagir
às denúncias e queixas dos indígenas, os povos invadidos vão buscar justiça a seu modo
e o governo somente entrará em ação depois de outro massacre — contra os detentores
legais da terra invadida. Aliás, no plenário do Congresso, o então deputado Bolsonaro
afirmou, em 2016, que, caso fosse eleito, daria “fuzil e armas a todos os fazendeiros”.

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O presidente se esforça para cumprir suas promessas de campanha, entre elas integrar os índios à sociedade, abrir as reservas para a
exploração mineral e dar uma “foiçada” na Funai. Foto: Alan Santos / Agência O Globo

Para dizer a verdade, em cada cantinho da política nacional atual que eu olho, percebo
ecos dos tempos de Rondon. Tomemos como outro exemplo o bate-boca que acabou
com a exoneração de Ricardo Galvão, presidente do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), no dia 2 de agosto. Quando dados oficiais do Inpe para o mês de junho
revelaram um aumento considerável no desmatamento na Amazônia, Bolsonaro reagiu
iradamente, questionando os dados e acusando o Inpe de fazer “propaganda negativa”
contra seu governo e de agir “a serviço de alguma ONG”. Galvão rebateu a acusação,
citando o renome internacional do Inpe por sua “transparência e honestidade
científica”. Rondon viveu uma experiência semelhante em 1922, quando o presidente
Epitácio Pessoa pediu que ele encabeçasse uma comissão governamental para
investigar as causas da feroz seca que assolava o Nordeste havia cinco anos. O governo
queria recomendações para aliviar a crise. Paraibano de nascimento, Pessoa deu
destaque ao combate à seca, construindo mais de 400 açudes e poços durante seu
mandato — mas sem conseguir os resultados desejados.

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Como engenheiro militar, Rondon achava inicialmente que o problema fosse puramente
técnico, fácil de resolver com melhores barragens e sistemas de drenagem. Depois de
viajar pela região por dois meses, conversando com autoridades, lavradores,
agrônomos, empresários e até, num encontro memorável no sertão do Ceará, com o
Padre Cícero, Rondon chegou a outra conclusão. “Não pode o problema de forma
alguma reduzir-se à obra de irrigação e açudagem”, escreveu no relatório que entregou
ao presidente. “O que se visa acima de tudo é ao homem, a sua incorporação a uma vida
com dignidade.” Ao ler as entrelinhas, é possível dizer que Rondon estava afirmando
que o problema fundamental era um sistema político e econômico que concentrava o
poder e a riqueza em poucas mãos, tirando do pequeno agricultor a possibilidade de
uma vida digna. Pessoa, porém, acabou rejeitando o relatório que ele mesmo havia
encomendado. Numa refutação escrita e em comentários à imprensa, qualificou a
avaliação de Rondon de excessivamente sombria. Quando os repórteres foram procurar
Rondon, sua resposta foi taxativa: “A consciência manda que eu diga o que sinto
porque, no futuro, quando a realidade confirmar os fatos previstos pela ciência, não
quero ser do número dos otimistas de hoje”. Talvez as palavras de Rondon sejam de
consolo para Galvão, o ex-presidente do Inpe, e outros cientistas preocupados com o
viés do atual governo. Passado quase um século do caso de Rondon e Pessoa, sabemos
quem tem razão: aquele que confiou nos “fatos previstos pela ciência”. E acho que não
precisamos desperdiçar nem cinco minutos duvidando da idoneidade do Inpe e dos
cientistas que, seguindo Rondon, atuam como “a consciência manda”.
O desmatamento na Amazônia vem crescendo no governo Bolsonaro, segundo os alertas do Inpe. Foto: Carl de Souza / AFP

Continuam muito pertinentes também os conselhos que Rondon ofereceu a seus colegas
militares na última entrevista que concedeu, em maio de 1957, na ocasião de seu 92º
aniversário. Estava fisicamente fraco, doente e quase cego, mas suas palavras foram
lúcidas e até proféticas. Um ano e meio antes, havia surgido nas Forças Armadas um
movimento para impedir a posse do recém-eleito presidente Juscelino Kubitschek —
movimento que foi frustrado por um golpe preventivo liderado por outro grupo militar.
Rondon era aliado de JK e de seu plano para construir uma nova capital no Cerrado do
Centro-Oeste e quis, a todo custo, evitar novas manifestações de descontentamento e
desagrado entre os oficiais. Foi por isso que disse: “O Exército deveria ser o grande
mudo, pronto ao sacrifício pelo bem da nação, sem, contudo, intervir em mesquinhas
questões de politicagem”. Todos nós sabemos que sete anos depois as palavras de
Rondon foram ignoradas pelos colegas e que o resultado foi uma ditadura militar que
durou 21 anos e fez o país sofrer muito. Hoje, após uma luta árdua para reconquistar o
respeito e o apoio do povo brasileiro, as Forças Armadas, mais uma vez, enfrentam uma
encruzilhada. Até que ponto devem atrelar os destinos das instituições militares a um
presidente ex-militar que quer se aproveitar de seu prestígio? Ou seria melhor manter
uma certa distância das palavras e ações levianas e precipitadas do atual ocupante do
Palácio do Planalto? São perguntas que ainda não têm respostas. Mas os conselhos
sábios de Rondon sugerem um caminho a seguir.

Larry Rohter é jornalista e escritor. Autor de “Rondon: uma biografia” (Objetiva),


foi correspondente no Brasil do jornal “The New York Times”

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