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PENTAGRAMA

A revista Pentagrama propõe-se a atrair a ÍNDICE:


atenção dos leitores para a nova era que
2 OS ELEMENTAIS
começou para o desenvolvimento da DA ESFERA AURAL

humanidade. 13 FIM DAS ILUSÕES:


COMEÇO DA NOVA VIDA

15 PARSIFAL, A SENDA
O Pentagrama sempre foi, em todos os tempos, INICIÁTICA CRISTÃ
NA OBRA DE WAGNER
o símbolo do homem renascido, do novo
24 OS VALORES OPOSTOS
homem. Também é o símbolo do universo
DA VIDA
e de seu eterno devir, por meio do qual
30 A FRATERNIDADE DOS
acontece a manifestação do plano divino. ESSÊNIOS

35 SERVIDORES
DA LUZ
Entretanto, um símbolo somente tem valor
39 A REALIDADE
quando se torna realidade. O homem que DA REENCARNAÇÃO

realiza o Pentagrama em seu microcosmo,


em seu próprio pequeno mundo, 1996
ANO 18
permanece no caminho de transfiguração.
NÚMERO 5

A revista Pentagrama convida o leitor para


operar esta revolução espiritual em si mesmo.

© Stisch ing Rozekruis Pers. Reprodução proibida sem autorização prévia.


OS ELEMENTAIS DA ESFERA AURAL

Raros são aqueles que, interessa- UMA IMAGEM INCOMPLETA

dos pela ciência esotérica, nunca DO ADVERSÁRIO

ouviram falar do “Guardião do Um-


bral”, este elemental que certamen- Eis, em poucas palavras, o que nos
te cada um de nós carrega em sua ensinam as narrativas.
esfera aural, criado e mantido como Conquanto que não queiramos negá-
está, através de uma série ininter- -las, encontramos aqui, como em quase
toda a literatura esotérica, apenas uma
rupta de vidas terrestres.
verdade muito incompleta, quase uma
meia-verdade que, por isto mesmo é
Este elemental, que é a revivificação muito perigosa. O Guardião do Umbral é
de todo o mal que o homem cometeu, criado pela atividade mental da cons-
mantém-se vivo enquanto provoca seu ciência do eu dialético e é mantido vivo
criador para que ele pratique o mal, pois pelas atividades desta mesma cons-
a corrente aural que vem do mal consti- ciência.
tui sua base de existência. Portanto, o candidato que se encon-
Muitas vezes já ouvistes que, desde o tra na senda de libertação deve manter-
momento em que alguém põe o pé na -se extremamente vigilante quanto ao
senda já começa a purificação de sua que faz nascer este monstro do mal,
esfera aural, harmonizando suas corren- considerando que sua manifestação é a
tes com as leis divinas de construção, o conseqüência de seus próprios atos!
que provoca, naturalmente, uma crise Querer fugir às seqüências de seus
em seu próprio sistema. Ora, esta crise próprios erros é não ter profundidade,
provoca um encontro, um confronto cor- nem lógica, nem inteligência. Se dese-
poral com o elemental do mal que, jais elevar-vos acima de toda a miséria,
ameaçado em sua própria existência, dor e sofrimento, é preciso fazer desa-
tenta, com todas as suas forças, arrastar parecer as causas: é por isso que deveis
seu princípio alimentador de vida. compreender claramente os erros das
As antigas narrativas contam que, no- narrativas sobre as quais falamos.
ve vezes em dez, é o Guardião do Um- Imaginai que alguém, levado por sua
bral quem obtém uma vitória brilhante. consciência-eu, tentasse fugir das con-
Assim, deduzimos que este elemental, seqüências das atividades desta cons-
por necessidade vital — pois esta é uma ciência e depois, como se nada tivesse
questão de vida ou morte para ele — acontecido, entrasse na vida superior
barra a passagem que conduz ao outro com um sorriso de beato nos lábios.
reino, o Reino da Luz. Ninguém jamais conseguiu isto! Alguns
Logo que este elemental é aniquilado, até chegaram a iludir-se, mas a realida-
totalmente neutralizado, é possível ultra- de estava bem longe. Um tipo de pseu-
passar a porta que conduz ao outro do-aluno como este pode perseverar du-
reino. rante muito tempo nesta mistificação e,
com a maior boa-vontade do mundo
pode até eventualmente induzir em erro
os outros e a si mesmo, mas jamais fará
parte da nova vida nestas condições.

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É claro que ele pode começar uma
“outra” vida, pois, assim como o deus ro-
mano Janus, o núcleo da consciência
dialética tem dois aspectos. Ele pode
desdobrar-se em duas atividades de
consciência, sendo que uma seria posi-
tiva e outra, negativa. Desde o momen-
to em que nos sentimos fartos do mal,
sempre poderemos provocar uma trans-
formação e nos voltarmos para o que é
considerado convencionalmente como
“bem” e “bom” . Chamamos isto de “con-
versão”. Geralmente, quem determina a
atitude moral convencional deste tipo de
conversão é a natureza e o meio. É claro
que, neste caso, não se trata de uma
transformação fundamental. Estas con-
versões, apesar de serem facilmente
explicáveis, não passam do resultado
de cambalhotas e reviravoltas da exis-
tência na natureza dialética. É apenas o
instinto de conservação da personalida-
de: sempre que for necessário, um
aspecto diferente é acentuado.
Nas agitações do oceano da vida,
sempre se vão erguendo novos obstá-
culos que vamos criando para nós mes-
mos. Logo que vencemos um, criamos
automaticamente outro, e assim nossa
vida vai ficando cheia de preocupações, sua forma atual, o sofrimento termina
de tensões e de angústias que a agi- para sempre. Todas as tentativas da
tam, fazendo-nos cometer erros que, Gnosis, desde a queda do homem, têm
por sua vez, voltam-se duramente con- esta finalidade.
tra nós. E aí está o resultado: sempre
há um fantasma assombrando nossa
esfera aural! NOVA TENTATIVA DE LIBERTAÇÃO
Será que não seria preferível desco-
brir as causas fundamentais de todo es-
te sofrimento, para fazê-lo desaparecer? Até o presente momento, todas estas
Na Rosacruz Áurea, achamos que a tentativas de restauração não tiveram
causa de toda a miséria humana encon- nenhum efeito sobre a humanidade O microcosmo
incluso no
tra-se na consciência, naquilo que cha- atual. Reincidimos no erro milhares de
macrocosmo.
mamos de consciência-eu. vezes, somos casos praticamente perdi- (Utriusque
No momento em que o núcleo da dos e desesperados, a não ser por per- Cosmi, Robert
consciência dialética deixa de existir em tencermos ao grupo proporcionalmente Fludd, 1617).

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pequeno que busca febrilmente uma homem original, o criador desta aparên-
saída. É este desejo manifesto de liber- cia de homem, não pode abandonar a
tação que parte de um grande número obra de suas mãos.
de nós, associado ao esforço poderoso Se esta obra é “má” e não está de
e dinâmico da Hierarquia da Luz para acordo com o plano do Logos, ela vai
ajudar, se possível, os homens decaí- manter seu criador aprisionado.
dos, que nos dá a coragem de ainda Este aprisionamento do homem ver-
indicar o antigo caminho da transfigura- dadeiro a sua criação imperfeita apare-
ção. Neste artigo, gostaríamos de fazê- ce esboçado em inúmeros mitos e escri-
lo com os olhos fixos neste fantasma turas sagradas, e muito logicamente, é
perigoso que conhecemos teoricamente representado como uma queda, uma
como o Guardião do Umbral. catástrofe.
Todas as ciências esotéricas falam de
um homem superior e de um homem
inferior: de um homem original, que é o LIBERAÇÃO DE PODERES DIVINOS
“Outro”, o celeste, e de um homem ter-
restre. Os antigos falavam, portanto, de
duas consciências: a consciência do Se o homem verdadeiro quiser viver,
“Outro” celeste, e a consciência do ho- quiser seguir sua verdadeira vocação, a
mem comum. aparência de homem deve ser aniquila-
Estes dois seres não têm nada em da até sua última fibra. O Guardião do
comum, e certamente não são a ima- Umbral é, portanto, o “fantasma de um
gem recíproca um do outro, como deixa- fantasma”.
vam supor as antigas gravuras mágicas No que diz respeito a esta situação
em que um rosto grosseiro e animal precária, poderíamos raciocinar da se-
mostra uma semelhança inegável com guinte maneira: se o homem celeste ao
um outro do mesmo tipo, porém nobre e menos se afastasse da aparência de
espiritualizado. O homem celeste origi- homem criada por ele no passado e diri-
nal é o homem verdadeiro, o eleito por gisse novamente toda a sua atenção
Deus; o homem que conhecemos muito para sua missão divina, a aparência de
bem não passa de uma aparência de homem haveria de dissolver-se, talvez
homem, um ser que desenvolveu-se ao lentamente, mas com toda a certeza.
lado do homem verdadeiro em um Infelizmente, não é tão simples!
microcosmo muito complexo, logo Quando o homem dialético, o homem
depois de uma situação fatal. aparente, foi formado por seu criador
Assim como o homem original é uma original, ele recebeu também um pouco
criação divina, a aparência de homem de seu poder e de suas qualidades divi-
que somos é uma criação do homem nas, que lhe permitiram, por meio de
original, concebida experimentalmente uma cultura de milhares de anos, che-
durante um período dramático da histó- gar a uma existência completamente in-
ria humana. Portanto, pode-se dizer que dependente, com todas as conseqüên-
esta aparência de homem, chamada em cias que isto envolve.
nossa filosofia de homem dialético, é o
Guardião do Umbral que se coloca co-
mo adversário do homem divino. APARÊNCIA E REALIDADE:
Portanto, é evidente que a existência UM EMARANHADO DIFÍCIL DE DESEMBARAÇAR
desta aparência de homem no micro-
cosmo impede, e muito, a manifestação
e o desenvolvimento do homem original. Ora, estas conseqüências agravaram
“O criador sempre estará ligado a sua a situação de tal maneira que a atual
criatura”: esta é uma lei que rege todos existência da humanidade apresenta
os domínios da matéria e do Espírito. O um emaranhado entre aparência e rea-

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lidade que é difícil de desembaraçar. equipados, como o somos, por nosso Oito degraus
Estas aparências nos parecem ser tão criador. Resultado: assassinato, sangue, conduzem a
alma a sua
reais que desconhecemos completa- lágrimas, sofrimento indescritível, pois
pátria original
mente a realidade verdadeira, que é o nos falta o selo divino. (De Nova
homem celeste primordial. E, quando De tempos em tempos, há uma pe- Logica,
alguém faz uma tentativa de desmasca- quena nesga de luz, um pouco de bon- Raymond Lulle,
rar as aparências e indicar o caminho da dade, um pouco de paz, temos um 1512, Livraria
transfiguração, o homem fica, em um pouco de esperança, mas logo volta a Britânica,
Londres).
primeiro momento, bastante assustado, desilusão.
depois penosamente tocado e, depois, O fantasma dialético cria e gera. Ele
completamente hostil. povoa o mundo, a esfera etérica e as
Cada vez mais este tipo de tentativa regiões do mundo dos desejos; ele po-
de salvação do mundo e da humanidade voa, principalmente, sua própria esfera
trazem um grande perigo para aqueles aural com monstros de seu próprio ser.
que o empreendem. Compreendei bem Da mesma forma que as centelhas divi-
em que consiste este perigo. nas geradas pelo Pai universal multipli-
Não estamos falando das inúmeras cam-se, uma sinistra paródia desta dife-
torturas que alguns obreiros tiveram de renciação divina é posta em cena. A
suportar, nem estamos referindo-nos ao aparência humana não recua diante de
fato de terem sido massacrados aos nada: também criadora, no espírito e na
milhares, pois estas torturas e estas
angústias mortais tocavam apenas a
aparência humana e não podiam de
modo algum ser fatais.
O perigo é que o trabalho não possa
jamais ser completado, que ele seja en-
travado em seu andamento progressivo.
Se os maniqueus, e mais tarde os cáta-
ros, tivessem podido continuar sua obra
sem serem interrompidos, o mundo
atual seria completamente diferente.

ESTAR FORA DO PLANO DIVINO

O homem dialético, o elemental aural


do homem original, tem uma existência
autônoma, independente de seu criador.
O homem celeste, portanto, caiu em
um estado extremamente alarmante: a-
cabou criando algo que escapa a seu
controle. É por isso que a antiga sabe-
doria o qualifica de “acorrentado”, de
“enforcado”, aquele que está de cabeça
para baixo. Ela o representa como o
“expulso do Paraíso”, como Prometeu
acorrentado aos duros rochedos da rea-
lidade aparente que ele próprio criou.
Fantasmas dialéticos, nós continua-
mos a brincar de construir um paraíso
sobre a terra. Isto é possível por sermos

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matéria. É assim que o mundo tornou- O ROMPIMENTO DO EU
-se um inferno de fogo ardente povoado
de demônios.
As criações do homem dialético tam- Mas o rompimento do eu, este aniqui-
bém têm uma existência independente. lamento, não pode vir do alto, ou pelo
Pensai nos antigos testemunhos. A apa- menos isto já não é possível, por causa
rência humana, a sombra humana, co- da independência que foi conquistada
mo a qualifica a sabedoria antiga, per- por este homem aparente; isto deve ser
petua sua ação criadora em coletivida- feito a partir de baixo, a partir deste pró-
de, à medida que suas aspirações e ne- prio homem-aparência, desta sombra
cessidades pessoais o requeiram. É as- de homem. E isto por meio de Cristo,
sim que são criados os fantasmas cole- que lhe dá a força. Este é o fundamento
tivos, e muita gente as chama inocente- essencial da auto-oferenda crística, da
mente de imagens mentais vivas. Pen- auto-entrega de nossos instrutores
sai nas bonecas de Madame Mandalipp, cátaros, e é isto que entendemos por
no Golem do gueto da velha Praga, e rompimento do eu.
também no grande número de deuses e Para muitos, a auto-oferenda não
ídolos que muita gente conserva vivos e passa de uma participação, de um ato
dos quais muitos são vítimas. de bondade, um ato humanitário. Raros
Mas isto não seria tão grave, pelo são aqueles em quem irradia o princípio
contrário, isto seria muito desejável se da auto-oferenda de profunda sabedo-
significasse o fim do homem-aparência; ria, conforme João Batista. Somente
mas, como sabeis, este homem conti- estes podem dizer, com os olhos fixos
nua ligado à roda do nascimento e da no homem original: “Ele deve crescer e
morte; e vagueia, encarnado ou desen- eu diminuir” (João, 3:30). Este é o pro-
carnado, através das regiões da matéria cesso indicado pelo próprio Mestre,
e do espírito. Compreendeis agora, por quando diz: “Aquele que perder sua vida
que Cristo disse: por amor a mim, acha-la-á“ (Mateus
“Meu reino não é deste mundo”? 10:39).
Compreendeis por que os instrutores Infelizmente, bem poucos vêem este
mundiais falam em transfiguração? caminho regenerador. Um frágil laço
E agora, o que é exigido deste ho- ainda liga, dentro deles, o homem origi-
mem terrestre mais que complexo em nal divino e o homem aparente. Neste
sua grotesca diversidade, em sua reali- caso, eles conseguem compreender a
dade e em sua aparência, para que seu doutrina da Rosacruz Áurea e podem
sofrimento, sua miséria e suas limita- ver claramente a razão, a urgente ne-
ções desapareçam? O que é exigido pa- cessidade científica deste aniquilamen-
ra que seja restabelecido o plano divino to pessoal. É com alegria que desejam
original em todo o seu esplendor, em realizar a auto-entrega para a regenera-
benefício do mundo e da humanidade? ção do ser que os gerou. E, só em saber
O objetivo é romper os entraves que que suas centelhas divinas, totalmente
continuam mantendo o homem original despojadas, reintegrarão o “Outro”, o ce-
acorrentado, e promover sua volta para leste, sentem uma verdadeira alegria,
o Reino dos Céus. um júbilo que ultrapassa toda e qual-
O meio para alcançar este objetivo é a quer compreensão, uma beatitude que
desagregação, a total dissolução da apa- lhes faz achar que todo o sofrimento e
rência humana, até mesmo em seus áto- tristeza têm pouca importância. E, as-
mos — pois, enquanto este ser aparente sim, haverá de terminar sua perdição,
existir, de um modo ou de outro (profun- sua via dolorosa.
damente desenvolvido ou completamen- O homem dialético é, portanto, uma
te decaído), seu criador, o homem origi- criação imperfeita do ser original e é as-
nal, continuará sempre ligado a ele. sim que podemos qualificá-lo de Guar-

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dião do Umbral do homem celeste. Este Como estas criações estão profunda-
conhecimento espiritual pode finalmen- mente ligadas à terra, não é necessário
te esclarecer profundamente muitos argumentar para demonstrar que tipo de
conceitos e situações que continuavam conseqüências funestas decorrem de-
obscuros até hoje. las. As atividades criadoras dos seres
Primeiro, precisamos compreender humanos vão-se sucedendo continua-
muito bem que o homem, tal como ele é mente, sem uma compreensão mais
atualmente, também é um criador no profunda de seus resultados e com um
sentido completo do termo. Não nos es- enorme gasto de energia. Mas, cedo ou
tamos referindo ao ato procriador, desti- tarde, eles sentem os efeitos pois, no
nado a perpetuar a raça humana, mas à campo aural de seu criador vai-se de-
atividade criadora do homem em um senvolvendo um elemental, que é medi-
sentido muito mais amplo. Todos os que do com a própria medida daquele que
se interessam pelo esoterismo sabem utilizou para trazê-lo à vida.
que a natureza manifestada, em toda a Todos os contos e lendas sobre vari-
sua extensão, ou seja, toda a vida mate- nhas de condão e outros objetos mági-
rial ou sutil, é constituída por éteres. cos atraem a atenção para esta faculda-
Portanto, cada pensamento humano e- de criadora ilimitada do homem. Com-
xerce uma atividade etérica, pela qual preendeis, portanto, que todo e qual-
os efeitos do pensamento tornam-se quer pensamento, ato, ou atividade sen-
formas visíveis e sensíveis, além das sorial produz uma criação etérica.
atividades humanas comuns. Geralmente, estas criações, que pro-
Quando, por exemplo, nossos pensa- vêm de pensamentos, dissipam-se e
mentos são especulativos, estas formas dissolvem-se em átomos dentro de um
também serão especulativas. Elas se certo tempo, depois de terem exercido
apresentam nitidamente em nossa esfe- suas funções. Se não fosse assim, os
ra aural, sem ter qualquer fundamento homens desapareceriam no oceano de
ou base racional. Por isso, podem ser suas próprias criações.
claramente estorvantes para quem as Mas ainda resta um resultado: o
cria, ainda que não se liguem ou influen- núcleo destas formas etéricas. Os prin-
ciem muito seu criador, cípios destas criações permanecem,
Quando os pensamentos são criados reúnem-se e formam uma espécie de
com mais força, baseados em uma re- elemental. Desta forma, o ser humano
flexão racional, então as formas que são mantém em seu panteão uma corrente
trazidas à vida desta maneira são mais perpétua de formas etéricas temporá-
poderosas e muito mais importantes rias.
para seu criador.

DOIS ELEMENTAIS DIRIGEM A VIDA COTIDIANA


LIGAÇÃO DA CRIATURA COM SEU CRIADOR

Esta corrente alimenta dois elemen-


Esta faculdade criadora, da qual o tais. São os elementais que manifestam
homem limitado em sua natureza não os dois aspectos da vida dialética em
tem nenhuma idéia, é maravilhosa. nossa esfera aural: o resultado dos bons
Ficaríeis extremamente espantados se e dos maus pensamentos. Um é conhe-
pudésseis observar vossa esfera aural e cido como “O Guardião do Umbral”; o
contemplar todas as criações que se outro, o elemental que protege a esfera
foram acumulando em vosso campo de aural, leva o nome de “Anjo-da-Guarda”.
respiração no decorrer dos tempos, e Quantos contos não falam a respeito de
que aí se encontram, misturadas, asso- um “Anj-da-Guarda” que nos acompa-
ciadas e separadas. nha? Na verdade, isto é um grande exa-

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gero: o que existe é uma proteção par- A terra faz parte de um encadeamen-
cial. to de sete planetas. Em cada um destes
Somente pelo simples fato de serem planetas existem quatro éteres que pro-
alimentados e mantidos vivos pela cor- duzem formas que correspondem ao
rente de formas etéricas temporais, referido planeta.
deveis perceber claramente que estes Ora, como o homem dialético somen-
dois elementais vivem em pé de guerra te pode assimilar as forças etéricas da
entre si, e que se encontram em estado natureza da morte, o elemental do bem,
de fome ou de saciedade, de acordo o anjo-da-guarda, nunca terá nenhuma
com o comportamento de cada um. utilidade no processo do renascimento.
O estado de fome do elemental do Este processo — que também é o pro-
mal é constante no protótipo do homem cesso de transfiguração — trata de uma
da natureza. Logo que este elemental atividade etérica totalmente diferente,
adquire uma certa força, ele vai lançan- que não é desta natureza.
do cada vez mais apelos a seu criador, Ora, os pensamentos humanos não
provocando a produção de formas etéri- estão preparados para atrair e assimi-
cas correspondentes, de tal forma que lar as correntes etéricas provenientes
seu poder de assimilação insaciável re- de uma outra esfera do sistema plane-
cebe continuamente o alimento da tário sétuplo. Portanto, devemos admitir
parte de seu criador, o homem dialético. que, como o elemental natural não
Ao contrário, o elemental do bem pode viver de outras forças etéricas,
consegue saciar-se muito mais depres- não poderá ser transformado. Ele per-
sa. Sua força aspirante está longe de tence a esta natureza e continua sendo
ser tão forte; e ele vive em perfeita con- desta natureza, assim como o homem
cordância com seu criador, que rapida- dialético.
mente fica deslumbrado com sua bon- Podemos também concluir que o ele-
dade ilusória com relação a seus seme- mental natural do mal tem sua sede na
lhantes e segue seu caminho sentindo- esfera aural de todos os seres dialéti-
-se satisfeito e presunçoso. cos, pois ele é a seqüência lógica de
Geralmente, o elemental inferior, o todos os seus pensamentos e atos
elemental do mal, alimenta-se das duas imperfeitos. Da mesma forma, cada
forças etéricas inferiores; e o elemental pessoa possui também um elemental
superior, o elemental do bem, das duas natural do bem, como conseqüência de
forças etéricas superiores. Entretanto, tudo o que ela já fez de bem no sentido
tanto em um caso como no outro, quem dialético. O estado dos pensamentos
cumpre a tarefa básica é a substância determina grande parte do comporta-
etérica quádrupla. mento na vida cotidiana; pelo menos é
Já dissemos que a proteção que po- um fator que não deve ser desprezado.
demos receber eventualmente de nos- Agora, é possível representar clara-
so elemental natural do bem é apenas mente aqueles em quem uma destas
parcial. Compreendemos isto a partir forças vai desempenhar um papel pre-
do momento em que tomamos cons- dominante: de um lado, vemos um tipo
ciência de que o homem dialético de homem essencialmente mau, crimi-
somente tem a possibilidade de rece- noso; de outro, um tipo essencialmente
ber e absorver as quatro forças etéricas bom e humanitário. Entretanto, este ho-
desta natureza. mem bom segundo a natureza jamais
poderá ser o novo homem. Ao contrário:
um tipo como este vive em uma terrível
A TERRA FAZ PARTE DE UM imitação e em completa ilusão, pelo fato
ENCADEAMENTO DE SETE PLANETAS de seu elemental de bondade não sen-
tir nenhuma necessidade e nenhuma
aspiração a nada que não seja prove-

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niente das forças etéricas da natureza
da morte.
É por isso que, se observardes mais
de perto a ação destes homens — que
têm toda a sua vida voltada para uma só
tendência — então vereis que esta vida
está completamente dirigida para a terra
e é absolutamente orientada pela cultu-
ra da bondade do mundo mortal, com
tudo o que isto comporta.
Assim como tantos personagens
clássicos da história mundial, eles vêem
neste mundo um reino divino que eles
tentam estabelecer nesta natureza, com
todas as suas forças, com toda a sua
bondade e todas as suas qualidades de
alma, com todo o seu ser e com o ele-
mental de sua própria esfera aural: con-
seqüentemente, o resultado não pode
ser positivo.

A INUTILIDADE DO BEM

Se observardes esta situação, admiti-


reis tudo o que foi falado antes. Pode-
ríamos até admitir mais facilmente que
um homem mau — em razão do profun- de processo de desenvolvimento. Para Cada ser é
do sofrimento que sente depois de ter fazer isto, é indispensável compreender prisioneiro da teia
de aranha de
cometido uma falta — compreenderá bem o que Paulo tem em mente quando
suas próprias
mais rapidamente do que um homem diz: “O que é desta natureza não pode ações e das
bom, por causa de sua ilusão da bonda- afetar o que é de uma outra natureza”. linhas de força
de. “É mais fácil um camelo passar pelo Ele também nos ensina muito clara- cósmicas
buraco de uma agulha do que um rico mente que uma outra realidade de ser (1400, B blioteca
Nacional, Paris).
entrar no Reino de Deus” (Mateus: 19: não pode surgir desta natureza, que é a
24). natureza da morte.
É preciso pesar muito bem. É comple- Este mesmo assunto surge na Epís-
tamente lógico que todos nós sintamos tola aos Coríntios, onde ele afirma clara-
repugnância pelo mal, cada um segun- mente que, assim como o corpo terres-
do sua natureza. Mas vede com bastan- tre pertence a uma certa natureza, o
te clareza quanta inutilidade há no bem, corpo celeste, ou o novo corpo, tam-
no humanitarismo, na religião natural, bém.
com suas eternas experiências, suas Em outras palavras, o corpo terrestre
incessantes subidas e descidas. É por não é capaz de tornar-se um corpo ce-
esta razão que agora temos de achar leste porque é construído pelos quatro
uma saída para este círculo vicioso. éteres desta natureza, e com eles desa-
Podemos afirmar que todos nós senti- parece.
mos repugnância pela maldade, mas Por isso devemos compreender que
que também vemos distintamente a inu- somente os quatro éteres de uma nova
tilidade da bondade habitual. Reflitamos realidade podem trazer à vida uma terra
agora para saber se existe um outro tipo que oferece a libertação, uma humani-

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Revista em dade que tenha encontrado esta liberta- deixásseis, por algum tempo, de vos
quadrinhos ção, uma bondade e uma beleza impe- interessar pelo jogo das forças contrá-
americana recíveis. É absolutamente impossível rias que dominam este mundo. Sabe-
sobre o
que nosso estado de ser e nosso ele- mos que a maldade vos causa repug-
Golem (1974).
mental do bem, com toda a sua cultura, nância. Subtraí igualmente vosso inte-
nos levem a um resultado como este. resse de todos estes meios de fazer o
A sagrada ciência da transfiguração bem que muita gente vos indica em mui-
nos ensina que a terra dos libertos, a tos setores. Muitos vos apresentam inú-
humanidade liberta, a bondade e a bele- meras linhas de conduta religiosa, mas,
za eternas não têm necessidade de no final das contas, é o vosso próprio
serem trazidas à vida, pois elas já estão elemental do bem que, em vosso san-
aí. Nós não tomamos parte dela por gue e por vosso sangue, vos arrasta
causa de nossa natureza. nesta direção. Portanto, rompei com es-
É por isso que devemos abandonar tes valores e com estas forças, durante
nossa natureza e todas as suas obras e um tempo indeterminado: eles não vos
nos revestirmos de uma natureza com- trarão nenhuma libertação. Não escu-
pletamente diferente. teis mais estas vozes, que falam dentro
Para terminar, sem dúvida seria mui- de vós e a vosso redor. E, finalmente,
to interessante indicar-vos um método não aceiteis como bom tudo aquilo que
que permitisse uma conscientização to- até agora julgastes como bom.
talmente autônoma e independente de
toda e qualquer influência, que mostras-
se como é possível à humanidade che- COMO ENCONTRAR A CALMA INTERIOR
gar à libertação por um meio completa-
mente diferente de todos os meios con-
sagradados e habituais, tão frustrantes. É isto que queremos dizer: tentai des-
Gostaríamos de aconselhar-vos, com ligar-vos de todos os vossos problemas
a condição de que soubésseis que sois e procurai alcançar a calma interior. Se
prisioneiros do labirinto da ilusão, que realmente o desejardes, então temos a
absoluta certeza de que ocorrerá uma
grande transformação.
O que acontece, na verdade? No
momento em que deixais de vos interes-
sar por tudo o que agita o mundo, quan-
do já não vos interessais de modo
algum por tudo o que vos impulsiona
para uma direção qualquer, e quando
renunciais às atividades que geralmente
provêm deste impulso, então todos os
elementais naturais — tanto os do bem
quanto os do mal — morrem de fome
em vosso campo aural. E é justamente
isto que é preciso acontecer! Se quereis
obter um resultado libertador, é preciso
começar por purificar vossa esfera aural
de todos os elementais que vós mes-
mos criastes. Então, o espelho embaça-
do de vossa razão haverá de tornar-se
límpido, e podereis, neste instante,
observar o mundo e sua agitação de
forma muito mais objetiva e clara.
Este método de abandono, de tran-

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qüilidade, foi chamado pelos antigos mestres
de “estado de eremita”. Alguns acharam que
compreenderam e pensaram que era preciso
levar uma existência isolada em uma cabana
ou em uma gruta nos confins de uma floresta
ou no alto das montanhas, buscando uma vida
superior no meio da sujeira, da fome e da po-
breza.
O estado de eremita, que é o objetivo da
Gnosis, somente pode ser obtido pelo método
que acabamos de descrever rapidamente: é
preciso, em um tempo mais ou menos longo,
abrir uma distância entre seu próprio ser e as
agitações e tormentos, tanto interiores como
exteriores, do ser dialético.
Todos somos capazes disto, desde que es-
tejamos conscientes da existência da pers-
pectiva de uma vida libertadora. Todos pode-
mos tornar-nos este eremita, indo e vindo, em
nossa vida comum do dia-a-dia. Para viver
deste modo, ninguém precisa viver em retiro,
nem tornar-se uma pessoa pouco sociável. Se
fordes capazes de viver como eremita, neste
sentido, durante algum tempo, plenos de uma
santa aspiração pela vida superior, então per-
cebereis todos os valores e limitações da vida
dialética, e, depois deste retiro, é certo que
sentireis a senda como um pressentimento,
inicialmente de forma teórica, e em seguida o
caminho vos será confirmado por meio de
vossa reminiscência da pátria perdida. E
assim podereis cumprir vosso Caminho, com
a ajuda da Escola Espiritual da Rosacruz
Áurea.

Catharose de Petri
Jan van Rijckenborgh

11
FIM DAS ILUSÕES: COMEÇO DA NOVA VIDA

O homem moderno segue sua alma tá totalmente mergulhado nesta ilusão, e


mortal; ele vive na ilusão. A palavra precisa lutar por sua família, seu emprego,
seu ideal. Ele está sempre procurando
ilusão envolve alucinação, sonho, i-
novos métodos para continuar vivo e con-
magem mental que alguém gostaria servar sua própria realidade. Mas seu vizi-
de ver realizada, e também visão ou nho, para quem esta realidade não é ab-
plano irrealizáveis. Estas três defini- solutamente a única, diz a sua mulher:
ções convêm perfeitamente à fati- “Você precisa ver. Ele morre de batalhar
e isto não leva a nada. É pura ilusão!” En-
gante vida moderna. Os sentidos do
quanto isto, um outro vizinho zomba des-
ser humano o enganam. Eles fazem ta palavras sábias: em seu modo de pen-
surgir, como por magia, um mundo sar, este também está errado e vive de
que não existe. Eles o assaltam com ilusão.
impressões irreais. E o ser humano
a eles se prende com todas as suas
MAS DE ONDE VÊM AS ILUSÕES?
forças, aí reflete e aí sonha. Ora,
seus sonhos o enganam. E, no final
das contas, parece que suas espe- Qual é a causa desta ilusão dos senti-
ranças se vão como fumaças e que dos, que dura tanto e atinge a todos? Mi-
lhões, em todo o mundo, vão atrás de ob-
os objetivos visados jamais são atin-
jetivos pelos quais sonharam e medita-
gidos. ram. Ora, a matéria da qual o mundo é
constituído dá muitas oportunidades para
N aturalmente, vários métodos foram alimentar ilusões como estas. Um fenô-
desenvolvidos para reforçar e revelar es- meno natural bem conhecido é a mira-
tas impressões, a fim de melhor adaptá- gem: uma visão enganosa no deserto. O
las à vida cotidiana. Variadas formas de viajante cansado e sedento está com tan-
ensino, e principalmente a publicidade te- ta fome e com tanta sede que forja para si
cem ao redor do homem um casulo de mesmo uma imagem nítida que se acaba
ilusão. Neste mundo fechado, ele se con- mostrando sob a forma de uma miragem,
sidera verdadeiro, assim como o mundo um reflexo sem realidade, um “castelo na
que o rodeia. areia”.
Assim, não é difícil fazer um esboço de Quanta gente não vive a vida em um
sua própria vida e apimentá-la com um deserto? Em uma corrida sem rumo, sem
pouco de “molho gnóstico”. resultados, para tentar alcançar uma ilu-
Como as pessoas ignoram o funda- são atrás da outra? Todas estas imagens,
mento de uma teoria como esta, são facil- estes pensamentos, estas visões não
mente tocadas de maneira bastante ingê- têm nada de real, não se baseiam em ne-
nua. A vida e o mundo, em nós e a nossa nhuma realidade, e sempre se desfazem
O sol se volta, só podem ser qualificados de ilusó- quando se pensa alcançá-las. Não se po-
levanta e nos
rios e quiméricos se formos capazes de de tocá-las nem pegá-las. Elas nos man-
mostra o
mundo tal
fazer claramente a distinção entre ilusão e têm ocupados com nada, vivem pisando
como é... (Foto realidade. A ilusão constitui a dura realida- em nós e usando o melhor de nossas for-
Pentagrama). de da vida de todos os dias. O homem es- ças.

13
Assim a vida vai girando, do berço ao fundamentada na morte.
túmulo e do túmulo ao berço, e as ilusões Entretanto também há uma realidade
nos acompanham desde a infância. imortal, sobre a qual a morte não tem
nenhum controle: o mundo da alma imor-
tal. É por isso que a Rosacruz Áurea faz
COMBATER AS ILUSÕES COM ILUSÕES a distinção entre o mundo mortal e o
mundo imortal; entre a alma mortal e a
Lucas 15:16 a alma imortal. Esta separação é tão nítida
18: “E desejava Assim, uns e outros se combatem com que a vida mortal não pode absolutamen-
encher o ilusões que forjaram para si. Seus senti- te perceber a vida imortal. No máximo
estômago com
dos os enganam. Tudo o que eles perce- podemos desconfiar de sua existência
as alfarrobas
que os porcos
bem não passa de um reflexo da realida- quando nossa própria realidade se des-
comiam; e de. Se cinco pessoas viverem a mesma pedaça.
ninguém lhe experiência ou descreverem o mesmo Se este mundo ilusório está caindo em
dava. Caindo, objeto, suas versões serão totalmente di- ruínas, o que acontece muitas vezes de
porém em si, ferentes: algumas até mesmo contrárias. forma brutal, o sofrimento e a tristeza que
disse: ‘Quantos
empregados de
No entanto, trata-se da mesma coisa e os vêm com a doença, desemprego, condi-
meu pai têm sentidos receberam as mesmas impres- ções sociais desfavoráveis, guerra, me-
abundância de sões. Mas os sentidos, que estão em in- xem com as ilusões, abrem com força a
pão, e eu aqui, teração com o eu, apenas comunicam o consciência e fazem com que as pessoas
pereço de fome! que o eu quer ver, e deixam de lado o res- vivam novas experiências. O resultado
Levantar-me-ei,
tante da informação. são novas percepções. E, quando a per-
irei ter com meu
pai e dir-lhe-ei: Em outras palavras: as outras informa- sonalidade, “o eu”, consegue sarar das
Pai, pequei ções são rejeitadas pela personalidade. velhas ilusões, então ela consegue tor-
contra o Céu e Daí podemos concluir que depende de nar-se receptiva a novas impressões.
diante de ti’“. cada um construir seu próprio mundo ilu- Uma nova senda abre-se diante dela.
sório e mantê-lo por necessidade vital!
Entretanto, este mundo o impede tam-
bém de perceber o que há fora dele! JÁ NÃO HÁ LUGAR PARA A ILUSÃO
Somente suas próprias percepções — e
ainda passadas pelo crivo — contam e
importam para ele. É a “sua” realidade, Quando este novo impulso trabalha
vista pelo “seu” eu, uma realidade mortal verdadeiramente em um sentido regene-
rador, isto deve aparecer bem concreta-
mente, pois o homem gosta de conservar
o que já adquiriu, e sempre está buscan-
do alguma coisa nova, mesmo seguindo
seus velhos hábitos. Assim, o homem
constrói para si um novo mundo que nada
tem de novo e que ainda é uma ilusão.
Não é possível sair do desesperado
círculo vicioso das ilusões, a não ser
reconhecendo interiormente como verda-
de a nova compreensão adquirida, trans-
mutando-a em uma nova atitude, radical,
que rompe com toda e qualquer ilusão.
Então, um novo mundo vai sendo
construído: um mundo onde já não há
lugar para a ilusão.
PARSIFAL, A SENDA INICIÁTICA CRISTÃ
NA OBRA DE WAGNER

A força chamadora, purificadora e Logo na entrada, Wagner manda di-


libertadora do Graal exerce sempre zer a Gurnemanz:
uma atração irresistível sobre os que
“Escutais o chamado?
buscam a verdade divina: o mito do Bendizei agora vosso Deus,
Graal toca no imo da consciência que vos elegeu para ouvi-lo!” 1
humana e aí age de forma marcan-
te. Ao tomar conhecimento desta nar- O chamado do Criador ressoa vago e
longínquo, buscando as almas que cor-
rativa de tantos séculos, a alma per-
rem o risco de se perder na matéria: é
dida sente a lembrança de uma vida uma bênção poder perceber este cha-
maravilhosa, assim como um pro- mado. O verdadeiro buscador escuta si-
fundo anseio de libertação. lenciosamente, cheio de gratidão por
ser assim encorajado na conquista do
E que grandiosa dádiva, quando este
Graal.
desejo atinge os muros aprisionadores
da vida material e o coração é trespas- O GRAAL E O FERIMENTO DE AMFORTAS
sado por um ferimento profundo! Este é
o ferimento de Amfortas! Richard Wag-
ner ilustrou este desejo e tudo o que “O que é o Graal?
vem com ele, em “Parsifal”. A escolha Ninguém pode dizê-lo.
deste tema testemunha a revivificação Mas, se ele te elegeu,
de uma mística pagã a partir da doutri- este saber, tu jamais perderás.”
na cristã de libertação. Parsifal é o co-
roamento da obra de Wagner, que de- No sétimo Livro do Corpus Herme-
clarou que, com esta ópera, retirava-se ticum 2, Hermes diz a Tat: “Ele enviou
do mundo. para baixo uma grande cratera cheia de
Em Parsifal, o tema, os personagens forças do espírito e um mensageiro para
e os episódios também representam as anunciar aos corações dos homens a
fases do caminho de iniciação crística. tarefa: ‘Mergulhai nesta cratera, vós al-
O cálice do Graal e o sangue, Amfortas mas que podeis fazê-lo; vós que crestes
e o ferimento, Klingsor e a lança, o pró- e confiastes em que ascendereis até ele
prio Parsifal, Kundry e o beijo, todos es- que enviou para baixo este vaso de mis-
tes dados são, para quem busca, os ele- tura; vós que sabeis para que objetivo
mentos de seu mais profundo ser que fostes criados’”.
tomaram som e forma. São símbolos da Estas palavras revelam o segredo
esperança e do desejo interior de ser salvador do Graal, que pertence aos
liberado pela luz de toda a baixeza, do maiores Mistérios libertadores já ofere-
nadir em que se encontra sua vida cidos à humanidade. O Graal possui um
decaída. aspecto cósmico e microcósmico. No
Neste artigo, esforçamo-nos para co- plano cósmico, ele age como um campo
locar sob a luz da Rosacruz Áurea tudo que tudo engloba. É por meio dele que
o que está subentendido pelos persona- a humanidade recebe a força do Espíri-
gens e acontecimentos simbólicos de to Santo. No plano microcósmico, é o
“Parsifal”. cálice que pode ser moldado em cada

15
pessoa a fim de recolher os alimentos no século XX, quando o ser humano
santos, com a condição de que esta ta- chegou a um ponto de extrema cristali-
ça esteja vazia, que ela não contenha zação. Antigamente era normal, na Eu-
nenhuma força impura, ou seja, nenhu- ropa, que muitos processos vitais invisí-
ma força da natureza mortal. veis fizessem parte concreta da vida
A antiga narrativa da qual Wagner cotidiana. Este fenômeno, aliás, está
emprestou seu tema é datada da Idade voltando com grande força nos últimos
Média. Em sua origem, o Graal evocava anos.
o cálice da Santa Ceia, ou o cálice no Os cátaros e os templários viviam e
qual José de Arimatéia recolheu o san- trabalhavam na tradição do Graal: seus
gue de Cristo e o levou para o Ocidente. nomes estão definitivamente ligados ao
No “Perceval” de Chréstien de Troyes Graal. Na parede de uma pequena gruta
(cerca de 1135-1183), este conta que sob o Castelo do Graal, em Montréal de
José de Arimatéia recolheu a lança com Sos, no Sul da França, estão represen-
a qual Jesus foi trespassado na cruz, tados: uma taça, uma lança, algumas
assim como o cálice cheio do sangue gotas de sangue e o sol. Para o homem
que escorreu de seu ferimento, tendo atual, esta evocação simbólica na maté-
levado este cálice e esta lança até os ria às vezes é bem difícil de ser com-
Pirineus, onde deveriam ser guardados preendida. O perigo de uma mistificação
pelo rei Titurel. Para isto, o rei construiu ou de uma ilusão é, portanto, bem real.
o Castelo do Graal, onde reunia os ca- Por isso é importante que o candidato
valeiros que deveriam proteger o Graal. atual, que segue o caminho de liberta-
Ele exercia sua realeza em total confor- ção, esteja profundamente compenetra-
midade com o plano de desenvolvimen- do da idéia de que o mundo material
to divino. Aqui começa a peça de Wag- nada mais é do que uma impostura,
ner. O filho de Titurel, Amfortas, tomou o uma ilusão. O caminho do Santo Graal,
Graal sob sua guarda depois de seu pai, assim como é indicado pela Escola
mas, como havia entrado em luta por Espiritual da Rosacruz Áurea, visa a
temeridade contra Klingsor, o rei das conquista da alma-espírito, e não de um
trevas, este lhe roubou a santa lança. objeto! O Graal, o cálice em que foi
De tempos em tempos, Amfortas de- recolhido o sangue de Cristo, é um sím-
ve mostrar o Graal a seus cavaleiros bolo da alma original, que, como uma
que, durante uma ceia ritualística, rece- taça, deve servir ao Espírito Santo, e
bem os alimentos santos que o Graal portanto deve ser encontrada e liberta-
contém. da no coração de cada um.
Parsifal, “o Puro”, “o Tolo que nada O candidato aos Mistérios deve, as-
sabe”, depois de inúmeras provas, con- sim como Parsifal, partir em busca do
segue retomar a lança, cura o ferimento Graal, pois, quando um dia ele estiver
de Amfortas e toma seu lugar como rei de posse desta maravilhosa taça, terá a
do Castelo do Graal. É assim que termi- capacidade de unir-se ao Espírito San-
na a peça. to, graças a ela. Então, ele fará parte da
O que restou do Graal? Esta taça len- Fraternidade do Graal e, como tal, em-
dária ainda existe? Nos séculos passa- preenderá sua tarefa: por onde for, para
dos, as regiões sutis e materiais se in- grande bênção de seus semelhantes,
terpenetravam mais facilmente do que ele carregará o Graal no mais profundo

16
de seu ser. Então, os alimentos santos sem fim. Ele espera que a morte o liber-
que sua nova alma será capaz de rece- te, mas a morte nunca chega. A previ-
ber, ele distribuirá à humanidade famin- são de que um tolo, um puro, retomará a
ta, que busca a libertação. lança do jardim encantado de Klingsor,
Assim, o “Parsifal”, de Wagner, apre- dá-lhe (e a seus cavaleiros) alguma es-
senta um longo caminho. O candidato perança de sair desta situação.
deve ver claramente a decadência de
seu estado: ele está como Amfortas, cu-
jo ferimento o tortura sem descanso. Fi- O GRAAL E O JARDIM ENCANTADO DE
nalmente, ele torna-se capaz de seguir KLINGSOR
a senda de Parsifal, “o Tolo”, “o Puro”.
Graças a seu encontro com Kundry, seu
ser aural, o Guardião do Umbral, ele co- O Graal e o jardim encantado de
meça a compreender a causa dos sofri- Klingsor simbolizam dois reinos de vida:
mentos do mundo; e é preciso que ele o campo de vida pura e paradisíaca, de
resista a Kundry para, depois de sentir o um lado, e o reino da impostura, dos
despertar de sua compaixão e de sua desejos dialéticos, de outro. No reino do
compreensão, poder viver o mistério da Graal, o estado de alma dos cavaleiros
Sexta-feira Santa. é puro, mas eles não têm consciência
disto; eles representam o primeiro está-
gio do homem terrestre que vai vivenciar
O FERIMENTO DE AMFORTAS um pouco desta imensa e santa maravi-
lha. Nesta fase, a vida dialética desem-
penha um papel secundário. O Cavalei-
Uma sombra de melancolia e de dor ro do Graal não pode exercer nenhum
paira sobre o Castelo do Graal. Amfor- poder enquanto não se ligar ao mundo
tas, o rei, está ferido. Nenhum remédio mortal.
do mundo pode curar este ferimento, a Este estado paradisíaco, entretanto, Segundo a
não ser a santa lança que está em po- não é duradouro, pois Klingsor tem o tradição, esta
der de Klingsor: logo que este ferimento poder nas mãos, no mundo da impostu- é a lança que
trespassou o
seja curado, esta sombra haverá de dis- ra. Ele, que antigamente havia sido um
flanco do Salvador
sipar-se. cavaleiro do Graal, abandonou o cami- crucificado
No primeiro ato de “Parsifal”, Gurne- nho indicado por Deus. Na senda do (Hamburgo,
manz conta que Amfortas, armado com crescimento da alma, ele caiu vítima dos Viena).
a santa lança, parte para combater fascínios enfeitiçadores da matéria.
Klingsor, o senhor do mundo dos senti- Como filho do fogo, ele compreende sua P.18-19: Duas
dos e adversário do Graal; conta tam- falta, é verdade, mas não volta atrás e páginas de um
bém que ele encontrou-se com a sedu- escolhe o caminho da esquerda, o da manuscrito do
século XIII que
tora Kundry, a quem não soube resistir; magia negra. Para não mais sucumbir a
relata a história
que, logo que caiu em seus braços, dei- seus próprios desejos, ele se castra. de Parsifal.
xou a lança e que Klingsor apoderou-se Assim, ele se torna a personificação do
dela e lhe fez um ferimento muito grave. mal, e é assim que ele se esforça para
Amfortas volta para o castelo sem a atrair os cavaleiros do Graal para apos-
lança e, por ter negligenciado sua santa sar-se totalmente deles. Em seu jardim
missão, sua vida torna-se uma tortura encantado, jovens-flores tentam prender

17
em suas redes os cavaleiros errantes, ocasião da queda. A personalidade dia-
para tirar deles sua força divina. lética dilacera e mantém continuamente
aberta esta chaga, pois ela vive total-
mente baseada no eu, enquanto o mi-
A LUTA CONTRA O MAL crocosmo dá incessante testemunho de
seu estado divino original, aspirando à
cura: e esta cura é impossível, pelo me-
Amfortas decide acabar com esta si- nos enquanto o eu pertencer inteira-
tuação. Ele deixa o Castelo do Graal, mente à natureza mortal!
mas o faz por sua própria iniciativa, sem Todos aqueles que se encontram
ter recebido nenhuma missão de Deus nesta fase — consciente ou inconscien-
para combater contra Klingsor. Ele acha temente — bebem dos dois campos de
que é forte o bastante para vencer o mal vida e sofrem com esta dupla natureza.
por seus próprios meios, e não vê que Amfortas diz que ele é rei contra sua
assim vai ter de se haver com as forças vontade e que ele deve apresentar o
opostas, e que vai apenas se ligar ao Graal durante a ceia, obedecendo as
mal sem poder acabar com ele. Deste ordens de seu pai que lhe fala ao mais
modo, ele entra no caminho do bem e profundo de sua alma.
do mal, exatamente como o próprio Neste momento, ele vê a fonte do
Klingsor já havia feito. Simbolicamente sangue sagrado, a força do Graal; e
falando, ele está pronto para colher a também a efervescência do sangue ím-
maçã da Árvore do Conhecimento do pio. Suas dolorosas palavras revelam
Bem e do Mal no jardim encantado de claramente em que estado de dilacera-
Klingsor! Ligando-se a Kundry, seu ser ção ele se encontra. Na qualidade de
aural, ele liga-se ao mundo do desejo, servidor do Graal, ele está estreitamen-
exatamente o mundo que deve conti- te ligado ao Reino de Deus, tomando
nuar inferior a ele, que é o rei do Graal. parte da fonte do sangue sagrado; mas,
Ele se torna o rei-pecador, ou seja, o ao mesmo tempo, ele é torturado pela
homem que se afastou do reino de efervescência do sangue ímpio que
Deus. Aqui há um paralelo que deve ser corre em suas veias.
feito com o homem expulso do Paraíso: Como acabar com esta dolorosa si-
por sua falta de compreensão e por abu- tuação? Somente a lança, a causa de
sar de seu livre-arbítrio, cheio de boas seu ferimento, poderá fechar esta cha-
intenções, ele conta apenas com suas ga, e somente Parsifal está preparado
próprias capacidades de homem mortal. para encontrar a lança e trazê-la até ele.
Esta “queda” mostra-lhe, entretanto, o
que ele abandonou. Ele sabe que o
Reino de Deus tornou-se inacessível A LANÇA SAGRADA
para ele. Apesar disso, ele não escolhe
o mal, como Klingsor, mas volta para o
Castelo do Graal, com a alma profunda- Nas velhas narrativas que falam de
mente ferida pelo mundo do desejo, e Parsifal, a santa lança desempenha um
incapaz de acabar com este estado papel-chave. Comparando as versões
desesperante por meio de suas próprias medievais com o Parsifal, de Wagner,
forças. fica claro que esta lança não desempe-
Nada mais lhe resta senão a espe- nha o mesmo papel. Wagner utilizou es-
rança de libertação. te símbolo para colocar em evidência os
Estes fatos são inteiramente reais processos da consciência que apare-
para todos os candidatos que se encon- cem menos claramente nas antigas nar-
tram na senda da libertação interior. A rativas. É por isso que ele coloca o epi-
semente divina, dentro dele, sofre com sódio da lança sagrada no centro de sua
o ferimento infligido ao microcosmo por ópera com o símbolo do Espírito. De

20
fato, quando aconteceu a descida na
matéria, o homem perdeu seus poderes
divinos: perdeu-se o Espírito que havia
dentro dele. Então, ele o roubou e dele
fez um uso incorreto; ele o manchou de
tal modo que, no final, somente um “to-
lo”, ou seja, um inocente, um “puro” po-
deria reavê-lo. E, quando o Espírito vol-
tasse, então a humanidade também
poderia retornar a seu campo de vida
original.

A LANÇA SAGRADA SANGRA

Na narrativa de Chréstien de Troyes e


Wolfram von Eschenbach (cerca de
1179-1220), são duas lanças que de-
sempenham um papel importante, em
momentos diferentes. Uma é uma arma
comum, com a qual Amfortas é ferido. A
outra é chamada de “a lança sagrada”.
Wolfram von Eschenbach fala desta lan-
ça na hora em que Parsifal, sempre sem
compreender nada, entra pela primeira
vez no Castelo do Graal. É preciso que
ele se sente para cear em companhia
do rei doente e de seus cavaleiros. É
então que acontece uma cerimônia ma-
ravilhosa: a santa lança é traxzida para
a sala e os cavaleiros caem em prantos
e começam a gritar, vendo gotas de
sangue que dela escorrem. Wolfram diz
que esta procissão com a lança tornou-
-se uma tradição desde que Amfortas foi
ferido. Em sua interpretação, a santa
lança não está diretamente ligada com
o ferimento e a cura do rei. A lança con-
tinua no Castelo do Graal e de tempos
em tempos é apresentada aos cavalei-
ros como símbolo do sofrimento que o fram von Eschenbach e seus leitores
ferimento de Amfortas faz reinar sobre o conhecem este simbolismo profundo,
castelo. pois nesta época muitos cristãos no
Ocidente já associavam o Graal e a
lança ao caminho da cruz de Cristo.
A LANÇA E O GRAAL Wolfram von Eschenbach refere-se a
este pano de fundo mas não dá nenhu- O Graal é a fonte
de toda a vida
ma imagem do caminho de libertação
(baixo-relevo ital-
Entretanto, a lança que sangra tam- que este símbolo oculta. Já Wagner faz iano do século IX ,
bém está associada ao aspecto liberta- do ferimento pela lança e da cura pelo Staatliche Museu
dor da força crística. É certo que Wol- Graal uma só peça, que se passa ao re- de Berlim).

21
(Galaad traz dor da lança sagrada. Trata-se de uma testemunho de que segue diretamente
o Graal até só lança e dá-se uma grande importân- o simbolismo cristão da lança sagrada.
Amfortas para cia àquele que a empunhar. Na mão de
curá-lo
Klingsor, ela é causa de morte e perdi-
(manuscrito do
século XVI,
ção, mas na de Parsifal, ela opera a O GOLPE DADO PELO SOLDADO LONGINUS
Alemanha). cura fundamental. Graças a esta ima-
gem, ele desvela completamente o mis-
tério do Graal e abre caminho para a No Evangelho de João, está escrito
compreensão que este mistério oculta. que, depois da crucificação, Jesus foi
Segundo Wagner, Amfortas empu- golpeado no flanco pela lança de um
nhava a lança quando partiu para com- soldado. O sangue e a água que escor-
bater Klingsor, mas ele não teve força o reram deste ferimento foram recolhidos
bastante para resistir à atração fatal do em um cálice. Nos textos medievais, es-
jardim encantado. Em conseqüência te soldado geralmente é representado
disto, a lança foi parar nas mãos de como um cego que, pelo sangue da lan-
Klingsor que “pode ferir até mesmo os ça, recobra a visão. Assim, o soldado
santos”, declara Gurnemanz. E foi isto o pagão converte-se e torna-se um fiel da
que aconteceu. Das mãos de Klingsor, nova lei. Sua cegueira é o símbolo que
Amfortas recebeu um ferimento que indica que ele se afastou de Deus e já
somento poderia ser curado “pelo golpe não pode vê-lo. Então, o sangue de
da própria lança que feriu o Salvador”. Cristo estimula sua reminiscência, cura-
Com estas palavras, Wagner dá seu -o de sua ignorância e faz com que seja

22
capaz de seguir o caminho de volta ao A LANÇA BRANDIDA
Reino de Deus.
O sangue e a água recolhidos por
José de Arimatéia no cálice do Graal Na ópera de Wagner, a lança surge em
simbolizam as forças astrais e etéricas cena antes do Graal. Mas, no final da
do reino divino. Aquele que está pronto peça, ela já não é acompanhada de la-
para receber e assimilar os alimentos mentações dos cavaleiros. Então é dito:
santos pode ser curado de sua ceguei-
ra; mas esta absorção e esta assimila- “Todos erguem os olhos,
ção exigem uma atitude de vida absolu- encantados de êxtase,
tamente nova. em direção à lança brandida”.
É por isso que a conversão de Longi-
nus não consiste em uma renovação de A lança sagrada saiu do jardim en-
sua compreensão intelectual ou de seus cantado da sedução e do desejo para
princípios místicos, mas sim em uma retornar a sua pátria original. No final da
transformação fundamental, baseada ópera de Wagner, Parsifal surge como o
em um novo entendimento, assim como rei-sacerdote do Graal, o novo homem
no desejo de santificação, abandonan- alma-espírito.
do o antigo eu ao “Outro” dentro dele. O
sangue do candidato que toma este ru-
mo é purificado e alimentado pela força
renovadora: o sangue e a água de Cris-
to. Aqui, o significado do caminho da
cruz é colocado em evidência: quando o
terrestre é novamente ligado a Deus
pela força crística, o homem decaído
recebe uma nova possibilidade de ser
salvo.
Os evangelhos que falam do caminho
da cruz de Jesus dão uma imagem clara
das diversas etapas do caminho de liber-
tação e a lenda de Longinus mostra como
a oferenda de Cristo em um ser humano
pode trazer um resultado positivo.
Qual é o simbolismo dos aconteci-
mentos do Gólgota? Longinus, o cego,
continua sendo um filho do fogo, apesar
de sua vida decaída. Ele é um ser espi-
ritual em potencial, razão pela qual ele
está armado com uma lança que lhe dá
a capacidade de evocar a força crística
libertadora. Um golpe desta lança deve
fazer correr o sangue: liberar a força crís-
tica, que assim estabelece uma ligação
definitiva com a terra e a humanidade. O
sangue sagrado que este golpe de lança
faz correr permite que Longinus recobre (Notas)
a visão, e a lança que entrou em conta- 1. Conforme a tradução de Marcel Beaufils,
Parsifal, Aubier Montaigne, Paris, 1964.
to com o sangue de Cristo torna-se um 2. Citação de A Arquinosis Egípcia, Jan van
instrumento sagrado. A santa lança ficou Rijckenborgh, Tomo II, Capítulo XIX. vers. 8,
associada para sempre ao Graal, à alma página 158, 1ª edição, 1986, Lectorium
humana verdadeira. Roscrucianum, São Paulo, Brasil.

23
OS VALORES OPOSTOS DA VIDA

É sempre o mesmo tema: a divisão ciência, a fim de penetrar em seu princí-


fundamental do mundo e dos dois pio essencial. Neste sentido, são neces-
sários: paz e silêncio interior.
extremos que daí resultam. Tudo
tem seu oposto: o amor tem como
seu contrário o ódio; a paz, a guer- A CONSCIÊNCIA ORIGINAL QUE
ra; a luz, as trevas; a beleza, a feiú- CONHECE A UNIDADE

ra; e a harmonia, o caos.

A consciência humana mortal foi-se


Toda a ação provoca uma reação. formando no decorrer de uma longa
Pouco importa se a ação é qualificada seqüência de experiências, oscilando
de boa ou de má: a reação é, em princí- entre os dois extremos do bem e do mal.
pio, contrária à ação. Assim, podemos Ela desenvolveu-se graças às experiên-
dizer que existe uma força que transfor- cias que foi vivenciando entre luz e tre-
ma todas as coisas em seu oposto. Tudo vas, bem e mal, quente e frio, medo e
o que sobe, um dia desce. Graças a tranqüilidade, melancolia e felicidade.
este fenômeno natural, surgem sempre Como o homem experimentou todos
novos rumos para onde ir. A roda gira e estes fenômenos, ele pensa em termos
a vida está sempre oferecendo novos de oposições. Em seu pensamento, a
aspectos que provocam a atividade dos luz é oposta às trevas, o calor é o opos-
seres humanos. to ao frio, o bem é oposto ao mal.
A história se repete: os objetivos Antes de sua queda do campo de
nunca são atingidos e, se eles se apre- vida original, ele possuía uma consciên-
sentam, percebemos que não passa- cia que estava preparada para conside-
vam de ilusões que se dissipam diante rar os fenômenos e os processos em
de nossos olhos de idealistas frustra- termos de unidade. Ele percebia a coe-
dos. são que estava subjacente, pois no
Claro, é bom estudar de perto estas mundo original não há nenhuma oposi-
leis e processos para finalmente conhe- ção e nem sequer nenhuma combina-
cer sua natureza, seu profundo signifi- ção de forças contrárias. No campo de
cado e sua finalidade; mas também — e vida divino, o amor não conhece nem
principalmente — para descobrir as limi- simpatia nem antipatia, como acontece
tações terrestres. no mundo humano.
Geralmente os homens estão com- Não havia lugar para o interesse pes-
pletamente conscientes de que tudo soal nem para o desejo impuro no
tem seu contrário, e que cada ação pro- campo de vida original que Deus havia
voca uma reação. Mas sem dúvida eles dado aos homens. Mas a consciência
não chegam a pensar que esta reação humana é limitada; e o homem julga de
representa quase sempre uma oposi- acordo com fenômenos dos quais ele
ção, um obstáculo. Para não minimizar o nem sequer conhece a verdadeira natu-
conjunto das leis sobre as quais fala a reza, nem o fundamento. Ora, ele bem
Doutrina Universal, aceitando-as ou que é obrigado a pensar desta forma,
refutando-as superficialmente, seria pois ele dispõe de outra consciência.
bom precisá-las também o mais clara- Ele fala de “bem” sem conhecer o
mente possível diante de nossa cons- “mal” que está por detrás. E fala a res-

24
peito do mal enquanto não compreende desta forma e a pensar de modo cortan-
as verdadeiras circunstâncias. Hermes te, analítico, criticando abertamente, a-
Trismegisto afirma que o bem “é um mal gressivamente?
menor”. A consciência mortal é muito É difícil agir de modo a que outro não
limitada para conceber a unidade e a reaja ou que não se revolte, principal-
coesão de todos os fenômenos, dentro mente se a nossa intenção é reforçar o
do homem e ao redor dele. Em outras eu ou agradar ao grupo. Claro, há sem-
palavras: o homem vê apenas os pólos pre alguém que barra a passagem e
opostos; ele sente e pensa de acordo que, por reação, é preciso contrariar.
com valores contrários. Estas reações acontecem fora do eu?
Será que somos livres para agir sem
envolver nosso eu? Segundo a lei que
SERÁ QUE SOMOS LIVRES PARA AGIR? diz que tudo se transforma em seu
oposto alguém que é movido pelas
melhores intenções do mundo, no final
Cada ação, cada pensamento, cada das contas, mostra-se negativo. A políti-
sentimento provoca uma reação e é, por ca e a economia dão provas desta lei
sua vez, uma reação a uma ação, a um em seus mínimos detalhes. Pelo menos
pensamento ou a um sentimento passa- agimos para ajudar os outros; mas en-
do. Algumas reações acontecem de re- tão, estes se tornam tão dependentes
pente, e a ação pode ser percebida cla- dos que os ajudam que já não podem
ramente. Outras reações duram anos, salvar-se a si mesmos! A colaboração
séculos ou até eões, e sua causa mui- esperada geralmente acontece de um
tas vezes é difícil de ser encontrada. To- jeito bem diferente daquele que desejá-
das estas ações e reações fazem do ho- vamos.
mem um elo de um longo encadeamen- Aquilo que alguém deseja consegue
to de fatos. Ele é arrastado na tormenta às custas de outra pessoa. A infelicida-
das ações e reações que ele mesmo de de um faz a felicidade de outros. A
desencadeou, sobre as quais não exer- vida de um acontece às custas da vida
ce nenhum controle e assim estas a- e da felicidade de outro. Uma consciên-
ções e reações vão carregando-o. cia vive às custas de outra consciência.
Neste sentido, a limitação da consci- Quem começa praticando o amor ter-
ência também é uma causa, pois a restre geralmente acaba com ódio.
maioria dos humanos não está cons-
ciente dos efeitos de suas ações, das
forças que elas desencadeiam! Cada NÃO SERIA MELHOR DEIXAR DE
um reage espontaneamente a ações SABER TUDO?
espontâneas; por exemplo, dando sua
opinião, quando alguém a pede ou não.
Não é verdade que, na maior parte do Muita gente diz que é melhor não
tempo nosso interlocutor reage respon- saber tudo, ignorar o que já fizemos e
dendo: suas conseqüências. Os limites da
“Sim, é verdade, mas...”, ou então “É consciência, neste caso, são considera-
impossível, pois...”? dos como uma proteção. Se tivéssemos
Na escola, nos negócios, não é ver- consciência daquilo do qual somos a
dade que aprendemos sempre a reagir causa — apesar de todas as nossas

25
boas intenções — não ousaríamos dar menos terrestres constituem a realida-
nem mais um passo para não fazer mal de, mas para uma consciência inspirada
ao próximo, apesar de nosso desejo de pelas forças divinas, é a vida terrestre
fazer o bem! que é irreal: o amor transforma-se em
Ora, do ponto de vista gnóstico, esta ódio, o ódio em amor, a paz transforma-
limitação da consciência, longe de ser -se em guerra, a guerra em paz, pois a
uma proteção, constitui um obstáculo. consciência terrestre limitada oscila de
De fato, isto nos impede de perceber um extremo ao outro... em conseqüên-
nossa verdadeira natureza, de ver que cia de sua carência fundamental de sa-
nenhum fenômeno no mundo é eterno, bedoria original.
e que a perfeição não existe.
Além disso, esta limitação faz com
que os homens vejam a vida como se CÍRCULO VICIOSO = PRISÃO
fosse um mar de rosas! Se eles se vis-
sem uns aos outros como instrumentos
inconscientes de microcosmos vagando Assim, podemo-nos dar conta de que
sem rumo, funcionando sem nenhuma as leis e as obrigações da natureza ter-
compreensão das causas e dos efeitos, restre mantêm a humanidade fortemen-
eles haveriam de guardar mais para si te presa a seu jugo e lhe proibem de sair
mesmos seus conselhos e seus julga- de um círculo fechado.
mentos. A consciência humana apren- Entretanto, elas também têm outra
deu que a morte é o fim da vida e que função. Pelos limites que elas impõem,
depois vem o céu, ou o inferno, para o homem chega a vivenciar seu aprisio-
grande vergonha de muitos! Ou então namento em um círculo vicioso. Ele acu-
que a consciência humana cria imagens mula tantas experiências e adquire
suscitadas por fenômenos paranormais tanta compreensão, que já não aceita
que eliminam a fronteira entre a vida e a esta situação e põe-se a procurar uma
morte. porta de saída.
Assim as limitações da vida terrestre
Mas, desde o início dos tempos, uma também impedem a cristalização, que
doutrina apresenta a morte natural co- impede a libertação do microcosmo. Se
mo uma nova chance para que o micro- não houvesse este rompimento, o
cosmo possa trocar o velho instrumen- homem sempre continuaria aprisionado
to, que se tornou inútil, por um instru- e incapaz de compreender o chamado
mento novo. De acordo com esta doutri- da Gnosis rumo à libertação e ao retor-
na, a morte natural oferece uma nova no a Deus.
possibilidade de libertação, mas esta Graças às limitações e às leis do
visão exige uma consciência transfor- mundo mortal, tudo o que é antigo aca-
mada. De fato, é a vivência das forças ba sendo esmagado para servir de cal-
opostas que edifica a consciência co- do de cultura às novas possibilidades
mum. A nova consciência, por sua vez, que fazem renascer e mantêm a lem-
está fundamentada no mundo original, brança da ordem original: a ordem divi-
onde não existe nenhum valor contrário. na.
De uma consciência limitada provém Qual é o limite da consciência? É
uma compreensão limitada. uma certa inexperiência que impede
Esta limitação surgiu, de um lado, em que o homem veja através dos véus,
razão das limitações do mundo onde uma imaturidade que é favorecida pelo
vive o ser humano, e, de outro, em ra- fato de que seu eu vai-se afundando ca-
Tempestade
zão da perda do verdadeiro conheci- da vez mais profundamente na matéria.
sobre Los
mento, do conhecimento divino, a Gno- Quanto mais o eu vai-se reforçando, Angeles
sis da Sabedoria divina. mais vai enfraquecendo o chamado da (Foto
Para a consciência terrestre, os fenô- Gnosis! Pentagrama).

27
O EU E A NATUREZA SÃO SOLIDÁRIOS está sempre lutando. Percebe-se clara-
mente o jogo das ações-reações e seus
efeitos podem ser sentidos e logo neu-
O eu cresce cedendo ao chamado da tralizados.
natureza. Acontece uma troca: o eu Esta neutralização é possível graças
pede e recebe, mas por sua vez ele é ao “não-fazer”, isto é: o aluno já não age
solicitado e deve doar-se. É assim que o por meio do eu, mas como um espectador
eu e a natureza mortal vão-se mantendo do funcionamento do eu em sua própria
reciprocamente. vida. Isto torna a deslocar os pontos mais
Como escapar aos limites da cons- acentuados de sua vida: sua atenção já
ciência? Como libertar-se da prisão das não é dirigida para o ser mortal, mas para
leis terrestres? Voltando-se completa- o ser imortal, original, que permanece
mente para o “Outro” o portador da vida desde sempre em seu microcosmo.
imortal: a alma imortal. Então o caminho Os impulsos e obstáculos do eu vão
da vida parte rapidamente para o senti- diminuindo, o que faz nascer a possibili-
do inverso. Já não há necessidade de dade de restabelecer o microcosmo
se debater para conservar um eu que decaído.

O circuito fechado
da vida (Pedra
esculpida, Praga).

28
Portanto, é na consciência que se en- ce, por exemplo, quando fatos felizes ou
contra a chave da transformação. Todas infelizes influenciam o pensamento, os
estas experiências acumuladas no de- sentimentos e o comportamento. A fé, o
correr de inúmeras vidas fazem surgir saber interior que dá a certeza da exis-
um poder de discernimento que permite tência da nova vida, da vida gnóstica,
fazer uma escolha, pois a finalidade da atrai aquele que busca como um ímã a
vida não é seguir um caminho de sofri- caminho da pátria original da humanida-
mento, mas sim adotar um comporta- de. O início deste caminho está no cora-
mento inteligente na senda da liberta- ção. No centro matemático do microcos-
ção interior: pois a vida na matéria mor- mo, correspondendo ao ápice do ventrí-
tal dá meios para que possamos atingir culo direito do coração, onde se encon-
a vida imortal. tra o que chamamos de átomo-centelha-
do-Espírito, onde se manifesta o univer-
so original em toda a sua extensão.
E SE A PESSOA NÃO SENTIR Quando o homem exterior, o homem-
O IMPULSO GNÓSTICO? -eu, volta-se para o homem interior, a
alma imortal, a nova vida começa a ma-
nifestar-se a partir desta centelha-do-
A consciência humana transforma-se, -Espírito, à qual o velho homem deve
portanto, graças a inúmeras experiên- fazer sua auto-entrega. O velho homem
cias, até poder captar a mensagem de deve abandonar-se ao novo homem
libertação. A transformação da cons- dentro dele. A verdadeira fé é direciona-
ciência conduz, no final das contas, a da para o restabelecimento do homem
sua regeneração total. Se ela continuar original em todo o seu esplendor e sua
não-receptiva ao impulso gnóstico e não glória. A consciência pura é seu fruto.
for regenerada, continuará limitada e irá Esta consciência permite um comporta-
afundando-se cada vez mais na vida mento concreto, espontâneo, totalmente
mortal, que conduz rapidamente para novo e libertador, que abre a senda que
sua perdição. leva à meta única: o Reino de Deus.
A renovação gnóstica é, portanto, a
única condição para que alguém possa
obter uma nova consciência. O ser hu-
mano vive segundo sua consciência.
Ora, o estado de consciência determina
o estado de vida. A consciência do que
é mortal suscita uma vida mortal; a
consciência do que é imortal, conduz à
vida eternal.
Entretanto, podemos acumular co-
nhecimentos teóricos sobre a vida gnós-
tica imortal, mas este tipo de conheci-
mento não assegura a posse de uma
nova consciência! É por isso que é pre-
ciso ter fé, acreditar na nova vida, a vida
gnóstica: isto não é uma invenção, mas
é de fato a única realidade. Quem chega
a esta fé compreende que o conheci-
mento não é suficiente: ele deve ser
transmutado em atos regeneradores.
Se tudo corre bem, a consciência se
transforma e a vida vai mudando ao
mesmo tempo, no dia-a-dia. Isto aconte-

29
A FRATERNIDADE DOS ESSÊNIOS

Os essenianos ou essênios forma- quela época. Em sua doutrina encontra-


vam uma comunidade separada da -se, em primeiro lugar, elementos arcai-
cos provenientes da cultura judaica,
religião oficial da época. O nome
mas também elementos provenientes
deles provém do aramaico e signifi- dos gregos, dos hindus e dos persas.
ca “piedosos” ou “puros”. A Bíblia Estas tradições foram sendo pouco a
não faz referência a eles. pouco abolidas mas reapareceram logo
em seguida, cristalizadas sob novas for-
mas.
C erca de dois séculos antes de Cristo,
até por volta do século I d.C., os essê-
nios espalharam-se por toda a Palestina OS PERGAMINHOS DE QUMRAM
e pelo Norte do Egito. No começo da era
cristã eles eram cerca de quatro mil
membros e formavam com os fariseus Duas fontes históricas permitem si-
(que eram aproximadamente seis mil) a tuar os essênios na corrente dos grupos
maior comunidade religiosa judaica da direcionados gnosticamente. Primeiro,
Palestina. O fundador desta comunida- existe a descrição do filósofo grego ju-
de era chamado de “Mestre da Justiça”. deu Filon, que viveu no século I d.C.; de-
A tradição contava que ele havia sido pois, há dados fornecidos pelos próprios
sacerdote do templo de Jerusalém, on- pergaminhos.
de havia entrado em conflito com seus Em 1947, um jovem pastor encontrou
superiores que pertenciam à seita dos em uma gruta perto de Qumram, na
fariseus, e onde, além disso, acontece- margem norte do Mar Morto, um conjun-
ram discussões acaloradas a respeito to de jarras que continham pergami-
das leis de Moisés. O conflito chegou a nhos. Em outras grutas, descobriram
seu ponto máximo no século II a.C., mais tarde outras jarras com pergami-
quando o rei selêucida Antióquio IV Epi- nhos, mas também pergaminhos isola-
fânio (175-163 a.C.) tentou estender seu dos. Não foi de repente que as pessoas
domínio sobre os judeus da Palestina. se deram conta do imenso significado
Ele dedicou o templo de Jerusalém ao destas descobertas: somente anos mais
deus grego Zeus e os grandes sacerdo- tarde a pesquisa científica ocupou-se
tes corrompidos sustentaram sua políti- delas. Atualmente, admite-se que, nes-
ca. O resultado foi uma revolta: o “Mes- tes 10 locais originais devem ter sido en-
tre da Justiça” e seus adeptos tiveram contrados cerca de mil documentos es-
de deixar Jerusalém, retiraram-se para o critos, e uma parte deles já havia sido
deserto e, fundaram a Aliança dos descoberta nos séculos anteriores. Ou-
Essênios, em um local que ainda hoje é tros pergaminhos desapareceram, ou e-
desconhecido. Não se pode afirmar se o ram apenas fragmentos e foram jogados
Mestre acompanhou o grupo de emi- fora. Os pesquisadores conseguiram
grantes ou se ele reuniu-se a eles mais reunir os fragmentos levando em conta
tarde. Somente 50 anos mais tarde foi a língua na qual foram escritos: hebrai-
estabelecido o Qumram. co, aramaico e grego. Em seguida, mui-
Os essênios conheciam a tradição bí- tas pistas importantes para esta pesqui-
blica melhor que os judeus comuns da- sa foram fornecidas pelo modo de escri-

30
ta, pela forma da letra e pelo material passado por um exame. Depois de um
utilizado (couro ou papiro). Somente no- período probatório de três anos, os
ve pergaminhos oferecem textos com membros prometiam jamais trair os
uma perfeita coerência. Inúmeros ma- segredos do modo de vida dos essê-
nuscritos dizem respeito ao Antigo Tes- nios.
tamento. Quem se tornasse um adepto qualifi-
No coração da doutrina dos essênios cado deveria transmitir todos os seus
havia a aliança contraída por Deus com bens à comunidade, continuando ele
o povo de Israel sobre o Monte Sinai. próprio a administrá-los. Daquilo que ele
Esta doutrina foi revelada e consignada tirasse e de outros proventos, ele deve-
nos 5 livros de Moisés: o Pentateuco, ria dar um décimo (dízimo) para as refei-
que faz parte integrante da Torah. Como ções comunitárias e dois décimos (dois
esta aliança não foi observada no senti- dízimos) para fins sociais. As regras de
do que lhe era dado pelos essênios, es- vida visavam ajudar os membros a do-
tes retiraram-se de Jerusalém e renova- minar sua natureza inferior.
ram a Aliança com Jeová. Para eles, a Qumram (atualmente Khirbet-Qm-
salvação do povo de Israel — revelada ram, colina em forma de ruína a noroes-
na Torah — estava totalmente ligada à te do Mar Morto) foi destruído em 68
Terra Santa. A Torah também servia de d.C. pelos romanos. O conjunto preen-
base para o rigor dos essênios que se- chia realmente a função de uma espécie
guiam as leis de maneira extremamente de academia ou de local de refúgio espi-
escrupulosa. Como estas leis eram ritual. Os membros da comunidade po-
muito severas, era difícil satisfazê-las e diam passar um tempo neste local, du-
muitos a abandonavam. Alguns eram rante um certo número de semanas, de
enviados de volta quando já não podiam meses ou de anos, para aí aprofundar-
perseverar na observância das regras; -se nos escritos tradicionais. Aí também
outros partiam espontaneamente. foram redigidos inúmeros pergaminhos.
O Pergaminho da Regra consiste em Como em Ain Feshka, que fica a 2 ou 3
uma lista de normas disciplinares que km ao sul, aí se encontram as oficinas
devem ser tomadas em caso de trans- dos escribas. Os produtos químicos ne-
gressão. Por exemplo: “Aquele que, du- cessários para o tratamento do couro e
rante uma reunião, adormecer três ve- dos papiros eram levados pelo mar Mor-
zes, será excluído por dez dias. E aque- to. Mais ao longe, foram descobertos ca-
le que rir como um tolo em voz alta será nais que levavam água fresca das mon-
punido por trinta dias” (Pergaminho da tanhas a Qumram e Ain Feshka. Aí se
Regra, VII, 11 e 14). cultivavam tamareiras, figueiras e legu-
Os essênios também legaram à Torah mes. Às margens do Mar Morto cres-
suas prescrições quanto à pureza. Um ciam taboas com as quais eram confec-
exemplo diz respeito à purificação ritual cionados colchões e telhados. Também
por imersão. Esta purificação devia a- havia construções onde os artesãos e
contecer ao menos duas vezes por dia comerciantes exerciam suas profissões.
antes das refeições comunitárias, que
eram assistidas exclusivamente pelos
membros que, depois de pelo menos
um ano de estudo da Torah, tivessem

31
TRECHOS DOS HINOS TRECHO DO PERGAMINHO DA
REGRA
... Pois, sem tua vontade, nada se faz e
nada é conhecido. “Para buscar a Deus com todo (seu)
Conheci estas coisas graças a tua coração e (sua) alma, para fazer o que
inteligência; é bom e direito diante dele, segundo o
pois desvelastes meus ouvidos para que ele prescreveu por meio de
os Mistérios maravilhosos. Mas não Moisés, e por meio de todos os seus
passo de uma criatura de argila, que servidores, os profetas;
se petrifica com água, da base da ver- e para amar a tudo o que ele elegeu e
gonha e a fonte da sujeira, do cadinho para odiar a tudo o que ele desprezou;
da iniquidade e da edificação do peca- para afastar-se de todo o mal e para
do, do espírito da perdição, perverso, ligar-se a todas as boas obras;
desprovido de inteligência e a quem os e para praticar a verdade e a justiça e
julgamentos da justiça apavoram! o direito sobre a terra, e para já não
O que poderia eu dizer que já não seguir a obstinação de um coração
fosse conhecido? E o que faria ouvir culpado, nem com os olhos luxuriosos
que já não tenha sido narrado? É a ti, que cometem todas as espécies de mal;
Deus dos conhecimentos, é a ti que e para fazer entrar todos os voluntários,
pertencem todas as obras de justiça, a os que querem praticar os preceitos de
base da verdade; mas ao filho do Deus, na Aliança da graça. (I, 1-8)
homem pertencem o serviço da iniqüi- E todos aqueles que decidem entrar
dade e as obras enganosas (Hino A). na regra da comunidade passarão na
Em seu coração colocastes a Aliança na presença de Deus (compro-
inteligência para que ele abrisse a metendo-se) a agir de acordo com tudo
fonte do conhecimento para todos o que ele prescreveu e a não voltar as
os inteligentes (B). costas para ele sob o efeito do medo
Rendo-te graças, ó Senhor, pois resga- ou do pavor ou de uma provação qual-
taste minha alma da sepultura e do quer, se forem tentados pelo império de
Sheol... fizeste com que eu me elevas- Belial. (I, 16-18).
se novamente a uma altura eterna, e E ninguém haverá de descer abaixo do
passeei por uma planície infinita(F). posto que deve ocupar, nem haverá de
Rendo-te graças, ó Senhor, pois ilumi- elevar-se acima do lugar que lhe é des-
nastes minha face pela tua aliança e... tinado.
encontrei-te, e, qual uma verdadeira Pois todos estarão na comunidade da
aurora, ao nascer do dia, apareceste a verdade e da virtuosa humildade e da
mim(H). afetuosa caridade e da escrupulosa
justiça, um pelo outro, no Conselho da
Santidade, como filhos da sociedade
eterna.
Mas quem quer que seja que despre-
zar os caminhos do Senhor e deixar de
entrar neles para seguir a obstinação
de seu coração não passará em sua
Comunidade da Verdade. (II, 23-26)

A fonte de (Tradução de A. Dupont-Sommer, Les écrits


Engaddi, no esséniens découverts près de la Mer Morte,
Qumram. Payot, 1959...1996.)

32
À ESPERA DO MESSIAS onde apareceriam grandes oposições.
Verdade e mentira, luz e trevas, iriam
opor-se cada vez mais. Seria preciso
Os essênios não apenas estudavam escolher: quem quisesse pertencer à
a lei do Antigo Testamento, mas tam- comunidade da salvação deveria respei-
bém os Profetas e os Salmos. Em Qum- tar as regras da vida, praticar a pureza,
ram foram encontradas transcrições de ser firme e perseverante. Para eles,
quase todos os livros do Antigo Tes- estava claro que somente a graça de
tamento. Para os membros da comuni- Deus poderia conduzir à Luz.
dade, estes escritos confirmavam sua o- A partir de 1947, a mensagem dos
pinião segundo a qual eles eram os her- essênios tornou-se novamente atual:
deiros das promessas divinas. Para “Preparai-vos para a vinda do Salvador!
eles, a Bíblia evocava sua própria histó- Dirigí vossos anseios para o portador da
ria, seus sofrimentos e seus combates, salvação! Cumprí vossa missão!” Esta é
mas também sua certeza de que a sal- a essência de sua doutrina.
vação estava próxima. Para o atual buscador da verdade,
Entre eles sempre houve visionários esta doutrina oferece inúmeras e precio-
que não somente prediziam o futuro do sas referências, com a condição de que
grupo como também falavam do Mes- ele não deixe que nenhum critério exte-
sias que deveria vir. É daí que vinha sua rior venha interferir, mas que, ao contrá-
força e seu estímulo. Sem dúvida, eles rio, se desligue de toda e qualquer ima-
contribuíram grandemente para o de- gem ligada à época com todas as suas
senvolvimento da concepção judaica do limitações. O homem do século XX não
Messias. Esta idéia, muito viva entre está colocado diante de um processo de
eles, assim como sua vida piedosa, pro- purificação corporal, mas diante do ca-
vinha da convicção de que eles deve- minho de uma libertação interior que
riam preparar um lugar para o nasci- possibilita o processo de transfiguração.
mento deste Messias.
Os essênios sentiam um profundo
anseio pela salvação e por um novo
mundo. Eles tinham grandes exigências
quanto a seu comportamento a fim de
preparar o corpo e a alma para a vinda
do Messias. Sua visão do mundo mostra
que eles consideravam o campo de vida
dos homens como um campo de vida
dialético. A doutrina divulgada prodiga-
mente na comunidade não compreendia
apenas os conceitos tirados do Antigo
Testamento, mas também as antigas
concepções persas (doutrina de Zo-
roastro) sobre a luta entre o bem e o
mal. Entretanto, esta visão dualista não
era simplesmente emprestada: ela era
completada pela afirmação de que o
Deus de Israel era o criador do mundo e
o dono do destino de seu povo. Aqui,
observa-se que eles colocavam seu
deus acima das contradições entre bem
e mal, entre luz e trevas.
Eles consideravam sua época como
um período de purificação e de provas

34
SERVIDORES DA LUZ

Os apreciadores dos romances de J. Na velhice, esta luz do sol celeste


Anker Larsen sabem que eles são desapareceu imperceptivelmente de
repletos de sabedoria e relatam sua existência, as sombras foram-se
tornando espessas e transformaram-se
“vivências da eternidade”, expres-
em uma realidade grosseira. Finalmen-
são empregada pelo próprio autor te, este sentimento de eternidade tor-
para descrever um estado que aos nou-se para ele apenas passado e ele
poucos tornou-se realidade. Este já não reconhecia mais nada.
autor pertencia à grande família dos
que “vivenciam a eternidade”, dis- “UM LUGAR ÁRIDO PARA UMA
persa pelo mundo afora. ALMA SEDENTA”

A partir dos fragmentos de sua auto-


biografia, de passagens de seus roman- Entretanto, em seu imo, ele sentia um
ces e de citações de uma de suas con- grande vazio. Suas tendências religio-
ferências, podemos concluir que J. A. sas fizeram com que ele empreendesse
Larsen era claramente orientado pela estudos para tornar-se pastor. Mas es-
Gnosis. tes estudos não duraram muito tempo,
Para abrir a porta aos que têm sede pois ele tomou consciência de que a
de espiritualidade, como ele diz, Larsen faculdade de teologia era apenas “um
apenas descreve sua evolução espiri- lugar árido para uma alma sedenta”. Ele
tual em forma de autobiografia. E evita o comparava este ensino a uma bebera-
emprego da palavra “eu”, dizendo: gem que alguém teria chamado de café
“Jamais vi ninguém ficar mais bonito sem ter nenhuma de suas característi-
empregando a palavra ‘eu’”. cas.
Anker Larsen nasceu nos anos 80 do Depois de ter dado adeus à Teologia,
século passado, na Dinamarca. Ele ele voltou-se para a Teosofia. Aí ele des-
cresceu em uma família de campone- cobriu, como dizia, os “papéis de famí-
ses, e, mesmo que o povo de sua região lia”: os antigos textos gnósticos como o
não fosse particularmente religioso, Tao Te King, os Upanishades, o Bhaga-
desde cedo começou a sentir que deve- vad Gita, as obras dos escritores sufis e
ria existir alguma coisa que fosse eter- dos místicos cristãos e também o Novo
na. Este sentimento tornou-se para ele Testamento. Mas ele não encontrou
uma espécie de realidade interior que, entre os teósofos a realidade que procu-
por assim dizer, o envolvia. De tempos rava, e criou uma grande antipatia pelo
em tempos, ele sentia muito claramente método metafísico, além de descobrir o
esta realidade como raios de sol na pele grave perigo do ocultismo.
(como ele mesmo dizia, esta compara-
ção era “falha” por natureza).
E aconteceu que este sol celeste o ASFIXIA POR FALTA DE AR

iluminava tão profunda e intensamente


que ele esquecia o mundo exterior, seus
companheiros de brincadeiras e suas No folheto: “Sobre a verdadeira vida”,
molecagens. ele descreve o ocultismo da Teosofia da

35
época como um treinamento pessoal
para obter um instrumento de precisão a
fim de adquirir o conhecimento dos
mundos superiores. Mas, perguntava-se
ele, o que o ocultismo consegue com
isto? Ele estuda o mundo astral e amplia
os conhecimentos exteriores — nada
mais! Isto não proporciona nenhum
desenvolvimento da alma, nenhum
crescimento espiritual! Muitas pessoas
perderam seu equilíbrio psíquico e físico
com estas práticas.
Além disso, ele mesmo havia contraí-
do uma “infecção metafísica” que pare-
cia querer tornar-se crônica, dizia ele. E
mais: a doutrina evolucionista da Teoso-
fia não lhe parecia nada mais do que
uma “asfixia por falta de ar”. Quanto a
isto, é interessante constatar que ele
O autor aprofundava-se no tema das duas
dinamarquês ordens de natureza, sobre o qual ele
J. Anker Larsen esclarecia alguns aspectos em seus
romances. Ele falava sobre isto como “o
que está aberto” ou “o que está fecha-
do”, ou ainda sobre “o ponto” e “a curva”.

EXPLICAÇÃO A RESPEITO DAS DUAS ORDENS


DE NATUREZA

Em seu romance “Santificação” (1928),


ele ilustra estes conceitos apresentando
um velho que conta aos jovens várias
histórias de profundo significado,
enquanto vai fumando seu cachimbo.
Em suas narrativas, ele explica que a
parte interna do cachimbo, toda queima-
da, representa o mundo visível e fecha-
do, e que o lado exterior, brilhante, re-
presenta o mundo divino, o mundo aber-
to. É o mesmo cachimbo, mas... que
diferença entre o interior e o exterior!
Em “Embriaguez” (1934), o persona-
gem principal tem uma visão: ele vê
uma enorme roda que vai girando
enquanto transporta toda a espécie de
coisas de baixo para cima e, inevitavel-
mente, de cima para baixo. É somente
no eixo, o ponto imóvel, que se encontra
a eternidade.
Esta imagem faz pensar imediata-

36
mente nas palavras de Jacob Boehme: ciasse mais. Então, renunciou a sua
“Deus fechou o mundo do corrompido, vontade pessoal e decidiu viver cada dia
mas assim mesmo Cristo encerrou este que Deus lhe concedesse de acordo
mundo no coração”. com a prece interior: “Senhor, que que-
res que eu faça?”
Este processo exigia tempo e aplica-
SAUDADE DO “SOL CELESTE” ção. Mas, seguindo este caminho ele
percebeu que as correntes do tempo e
do espaço iam-se afrouxando. O desejo
Depois de ter saído ileso da selva e a saudade que sentia com relação a
metafísica da Teosofia, mas com as pessoas ou lugares amados iam-se
mãos vazias depois de todas estas ex- enfraquecendo, não porque estes senti-
periências decepcionantes, ele foi inva- mentos tivessem esfriado, mas porque
dido por uma saudade infinita do sol ele já não sentia esta separação tão for-
celeste de sua juventude, que sempre temente como antes.
fazia com que ele se voltasse para os
“papéis de família”. Finalmente ele des-
cobriu: estes textos não somente fala- OS VELHOS HÁBITOS SÃO TEIMOSOS
vam a respeito da mesma coisa, como,
longe de enunciar considerações filosó-
ficas, eram a expressão de experiências Em um certo momento, ele sentiu que
vividas! Ora, era exatamente isto que seu processo espiritual estava sendo
ele buscava, antes de tudo! A teoria não conduzido por entidades superiores.
podia satisfazê-lo: era preciso que ele Lentamente a primavera voltou a sua
vivenciasse a própria realidade. existência.
Naturalmente, esta realização não foi A intensa vivência da realidade eter-
fácil para J. A. Larsen. Inúmeros obstá- na voltava mais freqüentemente. Se um
culos foram-se apresentando diante amigo mais próximo lhe perguntasse
dele, como para todos aqueles que bus- por que ele não se havia tornado um
cam a verdade. E, quando uma certa santo mais rapidamente, ele teria res-
abertura do sol da eternidade aconte- pondido que ele mesmo estava espan-
ceu, o veredito da Luz foi implacável: tado com tudo isto. Era preciso, natural-
“Levas uma vida completamente falsa. mente, livrar-se de muitas manchas e
Somente conhecerás a nova vida se velhos hábitos que eram realmente
voltares a ser como uma criança”. muito teimosos!
“Então”, disse o autor, “não foi tão Apesar disso, o sol celeste de sua in-
simples. É muito mais fácil um camelo fância tinha ressurgido com força e ha-
passar pelo buraco de uma agulha do via-se tornado dentro dele uma espécie
que um adulto voltar a ser criança“. Ele de nova consciência. Este fato o inspira-
lembrava-se muito bem da angústia de va profundamente em suas obras e nas
ter de romper com o nível de civilização conferências que ele era convidado a
e de cultura que prevalecia na época. proferir, esperando reencontrar as al-
Conhecimento, talento, sentimento mas-corações, sensíveis a tudo o que
de seu próprio valor... era preciso aban- tanto o preocupava.
donar tudo isto e ficar novamente no
nível do primeiro trabalhador do campo.
Depois de ter visto alguns resultados O SÉCULO DA DISPERSÃO E DA DISTRAÇÃO
e de ter recebido alguns clarões da no-
va vida, ele começou a desejá-la cada
vez mais intensamente. Ele tentou che- Nos anos 20, ele deu algumas confe-
gar a estes estados por meio da vonta- rências na antiga escola de Filosofia de
de, mas isto só fazia com que se distan- Amersfoort, na Holanda. Nelas, ele pro-

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nunciou algumas frases de grande sig- cos”, escrito em 1933. Este romance se
nificado para este final de século: passa nos anos 20. O personagem prin-
“Vivemos em um século de dispersão cipal diz, em um certo momento, que
e de distração. Ora, cada distração é co- dentro de pouco tempo já não será pos-
mo uma pá de areia nas profundezas do sível seguir o caminho de auto-realiza-
pensamento, e nós nos divertimos com ção individualmente.
isto sem perceber que nos divertimos O livro “Santificação” termina com um
com nossa própria perdição. apelo do personagem principal, que
As gerações futuras serão cada vez chegou à própria santificação e decidiu
mais dominadas pela vida mecânica e, criar uma comunidade religiosa.
a cada segundo, uma nova dispersão Como este artigo trata principalmente
transformará todo o pensamento pro- de “vivências da eternidade”, deixemos
fundo em supérfluo. Além disso, os que o próprio J. Anker explique o que é
jovens serão aprisionados, de um lado, e o que não é a vida eterna:
pelas correntes de considerações dog- “A vida eterna está sempre nos
máticas, o que não lhes permitirá a seguindo, como uma doença crônica,
chance de expressarem seu espírito, ou como uma espécie de tuberculose espi-
mal lhes dará esta chance; por outro ritual que apresenta os mais diversos
lado, eles serão aprisionados pelas cor- sintomas:
rentes de uma intelectualidade estéril • o fantasma que, sendo gerado pela
que, por sua arrogância, intimidará insatisfação causada pelas dificulda-
estes jovens ao ponto de acharem que des da realidade, a deforma;
a sede de eternidade é uma loucura. • a idéia de que a eternidade tem uma
Felizmente, inúmeras pessoas não dimensão, de onde nasce a convic-
ficarão satisfeitas por muito tempo com ção de que a vida eterna somente
tudo o que esta época vai-lhes oferecer; pode começar após a morte;
por fim, a fome e a sede se farão sentir • a crença de que os pais se perpe-
e forçarão muitos a buscar outras satis- tuam nos filhos, que consideram que
fações. Já existem pessoas, aqui e ali, cuidar deles durante toda a vida é
espalhadas pelo planeta, que não que- um sacrifício;
rem mais ser pioneiras em uma vida • mesas que giram e delírios religiosos
desprovida de valores eternos e que frenéticos em pessoas com dons me-
sentem a necessidade de novamente diúnicos e espiritistas;
buscar a Deus”. • e, como já dissemos, “asfixia por fal-
“Não me posso impedir de aspirar ta de ar da visão evolucionista”.
com grande esperança por um tempo
em que estas pessoas haverão de for-
mar a elite religiosa, pessoas que terão A VIDA ETERNA É UM ESTADO DE ALMA
considerado estes velhos dogmas como
belas antiguidades a serem jogadas
fora cuidadosamente e com muita pre- “Gostaria de dizer aos jovens que
caução, a fim de que não entravem o ainda são receptivos: a vida eterna não
novo que está crescendo. Esta é a pri- é uma região que fica do outro lado da
meira necessidade, se o homem quer morte, onde o sol jamais haverá de se
realmente curar-se” pôr e onde os anos seriam infinitos. A
(Citação de uma conferência de J. vida eterna — e eu não me canso de
Anker Larsen, 1927.) falar — é um estado de alma e não uma
simples continuação desta vida. É a ver-
Se perguntardes se este caminho dade mais profunda da vida que invade
pode ser percorrido individualmente ou e desenvolve o ser que atingiu a santifi-
não, encontrareis a resposta no livro de cação.”
Larsen intitulado “O rei Lear de taman- “Tomem cuidado com todas estas

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pessoas bem intencionadas, seja do
domínio político, social, religioso ou A REALIDADE
científico, pois nada provoca tanto mal
como “o bem”, o bem intencional, o bem DA REENCARNAÇÃO
pedante e presunçoso, que tem necessi-
dade de ser imposto a todo custo. E que
esta bem-aventurança sempiterna e
exagerada que se impõe sob tantas for-
mas nestes países não os cegue. Ela
não passa de um comprimido de aspiri-
na para aliviar as dores de cabeça de A vida de um ser humano é o resul-
uma humanidade que se está enfraque- tado de inúmeras vidas que se vão
cendo.” desenrolando em seu microcosmo e
“Que jamais alguém consiga fazê-los
de circunstâncias nas quais ele se
de bobos. Não percam a coragem: cons-
truam com toda a confiança, em seu encontra, enquanto é mais um habi-
coração, um altar para o Deus desco- tante deste microcosmo. O micro-
nhecido. Dia virá em que ele mesmo cosmo, ou pequeno mundo, é um
acenderá o fogo sagrado neste altar que campo de manifestação onde sem-
foi erigido para ele, com tanta esperan-
pre está renascendo um corpo
ça. E quanto mais numerosos formos
aplicando-nos nesta tarefa, mais inten- material, que é o sistema que serve
samente encontraremos o perfume das de veículo ao microcosmo e que
flores do Paraíso neste mundo que tanto expressa as forças e possibilidades
carece de espaço e de tempo. que estão presentes neste micro-
Então, haverá de surgir, nestes seres,
cosmo.
uma ternura espontânea que emanará
deles, sem distinção de ninguém. Esta
poderosa ternura é o sol da eternidade, Vagando na natureza do mundo decaí-
que brilha sobre bons e maus. É o bem do, o microcosmo divino foi profunda-
espontâneo, que é o Único e Verdadeiro mente danificado. Seu puro estado origi-
Bem.” nal já não existe: ele está muito mutila-
E o autor, cheio de humor, finaliza: do e desfigurado, e seu último habitante
“Se, em troca da nova vida que já ad- é a demonstração disto. Por isso, cada
quiri, alguém me propusesse todas as um é diferente, comporta-se diferente-
coisas desejáveis deste mundo, prome- mente e vivencia experiências diferen-
tendo-me que poderia guardá-las para tes. Neste sentido, podemos dizer que a
sempre, eu morreria de rir e jogaria tudo reencarnação existe, mas não é a per-
isto em um monte de lixo”. sonalidade quem volta.
A soma das experiências vividas em
vidas anteriores forma a consciência
que se expressa em uma nova perso-
nalidade. Da mesma forma que cada
pessoa carrega em seu sangue os fato-
res hereditários de seus pais e age de
acordo com eles, cada um carrega tam-
bém fatores hereditários de todos os ha-
bitantes que o precederam neste micro-
cosmo. E são estes fatores que determi-
nam sua vida e seus atos. O que cha-
mamos de karma nem sempre é desfa-
vorável. Se os habitantes precedentes

39
do microcosmo esforçaram-se para en- so de desenvolvimento para o qual toda
contrar o caminho de volta à vida origi- a humanidade está convidada e prepa-
nal, o microcosmo apresentará esta rada. E estão liberados para aceitar ou
marca benéfica, positiva. não este convite.
Quando examinamos a nós mesmos
e a outros, logo vemos que a natureza
divina original já não está presente. A CHRISTIAN ROSENKREUZ:
vida cotidiana não passa de luta, preo- ESTE ACEITOU O CONVITE
cupação, doença, guerra, destruição, e
horríveis massacres. O homem declarou
que Deus está morto! Já não há nenhu- Este é o protótipo do Novo Homem,
ma perspectiva de vida espiritual e ele sobre o qual falam os manifestos dos
se esforça por realizar o céu na terra. rosa-cruzes da Idade Média. É o ho-
Se examinarmos a questão mais de mem que abandona sua antiga vida e
perto, perceberemos que cada um pro- se prepara para entrar na vida imortal.
cura realizar seu próprio céu terrestre Christian Rosenkreuz recebe o convite
pessoal: alguns, por meio de um ideal; na véspera de Páscoa, no momento em
outros, por meio das armas, do dinheiro, que sua antiga vida chega a um fim e
do poder. Todos se esforçam para idea- quando ele pode ultrapassar a fronteira
lizar suas existências, para estabilizá- para entrar na nova vida. Ele é chama-
-las e prolongá-las. O que era conside- do a escolher: a aceitar ou não o convi-
rado há algumas décadas como uma te.
idéia inadmissível, uma “idéia negra”, Para aceitá-lo, ele deve satisfazer
tornou-se um fato evidente: é preciso algumas condições: é preciso que ele
lutar para viver. E convenhamos, não há se prepare para isto, diz o texto. Como
nada de sublime nisto. esta situação se apresentará para mui-
tos homens de nosso tempo, estude-
mos esta preparação para que eles pos-
A OPOSIÇÃO ESTÁ CADA VEZ MAIS EVIDENTE sam reconhecer este chamado, agora
que ele ressoa novamente sobre o mun-
do.
É por esta razão que o número de Antes que qualquer ser humano este-
buscadores está sempre aumentando, ja pronto, será preciso que ele execute
mas também aumenta o número de der- interiormente sete atos libertadores.
rotados. Entretanto, muitos não ficam Mortalmente cansado e em desespero,
passivos e reagem cada vez mais vio- ele deverá sentar-se na encruzilhada
lentamente contra a falta de perspecti- dos caminhos de sua vida. Depois de
vas da existência. Os buscadores da chegado aos limites de suas possibilida-
verdade divina estão chegando a um des pessoais, ele já não poderá ir longe:
limite em que, depois de um longo pro- tudo quebra em suas mãos. Sua cons-
cesso de desenvolvimento, têm o dever ciência tenta orientar-se e ele se debate
e a possibilidade de fazerem uma esco- como um pássaro cativo nos limites de
lha, e de preparar-se para seguir o seu pequeno mundo.
caminho para sair de toda esta miséria Para que serve a criação? Para que
e assim atingir a meta de sua existência. serve a vida? Ele busca. Ele recusa
Conseqüentemente, é preciso que tudo. Ele nega todas as autoridades, ele
eles abandonem e aniquilem tudo o que se opõe a tudo o que é tradicional em
é antigo, tudo o que os rebaixa, a fim de todos os setores: está cansado de tanta
atingir o novo, que eleva e que é cons- quinquilharia!
trutivo e eterno. Eles são numerosos e
se encontram na encruzilhada dos ca-
minhos, na véspera de um novo proces- ESCAPANDO DAS INFLUÊNCIAS ENGANOSAS

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Ele se esforça por examinar sua vida, da vida cotidiana.
avaliando os acontecimentos e os resul- Neste estágio, ele pode tornar-se, por
tados. Ele já não pode seguir adiante. exemplo, um reacionário excêntrico, de
Existe um umbral muito claro a ser ultra- quem todos zombam e contra quem
passado. Para fazer isto, impulsionado muitos se voltam. Ele tem idéias tão
por sua tristeza interior, ele rompe estranhas! Se ele se deixar levar por
espontaneamente com todas as influên- esta luta, está perdido. Mas, se ele for
cias que agem sobre ele. Ele se opõe a afastando-se cada vez mais destas tor-
todas as autoridades, a seu meio mentas astrais, a luz libertadora haverá
ambiente, a sua família, a sua educa- de descer dentro dele, até seu subcons-
ção... mas ele ainda não se opõe a ciente. Esta situação é muito bem ilus-
estes aspectos dentro de si: conseqüen- trada, com precisão, na descrição do
temente, ele ainda é sensível a estas poço no fundo do qual se encontram
influências, exterior e interiormente, e Christian Rosenkreuz e seus compa- Todas as vidas
ainda não é capaz de libertar-se delas. nheiros, e onde sete cordas são baixa- humanas deixam
Entretanto, ele sabe e sente interior- das, uma a uma. seus rastros.
O tempo os
mente que, além deste umbral existe apagam e vai
uma nova vida, completamente diferen- dando lugar para
te, e ele vai-se retirando cada vez mais A DESCOBERTA E O ENFRAQUECIMENTO novas experiências.

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DO PASSADO O PLANO DO NOVO HOMEM
ESTÁ DENTRO DO CORAÇÃO

Quando a tampa do poço é erguida, e


o primeiro raio de luz cai dentro dele, Christian Rosenkreuz busca a unida-
começa uma grande confusão: cada um de que desabrocha no coração puro e
luta para tentar escapar. O subconscien- aberto, onde se encontra o ponto que,
te é “descoberto”, enfraquecido, ataca- como uma porta, dá acesso à vida do
do e desintegrado. O passado, com homem imortal: o elo de ligação que
todas as ligações que aí tivermos ope- une a antiga e a nova vida. Neste ponto
rado, e que agem na vida cotidiana em que se encontra o proto-átomo ou o
como antenas e tentáculos, é pouco a átomo-centelha-do-Espírito, está grava-
pouco fechado e aniquilado. A porta da do o plano de desenvolvimento comple-
antiga vida se fecha, e a nova vida se to do Novo Homem imortal, de onde
anuncia. surgirá a unidade.
Todo e qualquer buscador deve se- Por que este plano não tem como
guir este processo individualmente e base a cabeça? Porque este ponto de
em plena consciência. Ninguém pode contato interior não existe na cabeça,
fazer isto por ele. É preciso que ele que somente reflete o que se passa no
aprenda a libertar-se por si mesmo das coração.
influências de seu próprio campo de É por isso que todos os que querem
existência: as forças e potestades que progredir devem restabelecer a unidade
aprisionam sua alma. Deste ponto de original da cabeça e do coração. A cor-
vista, verifica-se a máxima famosa: rente de pensamentos direcionados
“Carpe Diem” (Colhe o dia). Ou seja: pela matéria deve ser purificada e os
“Utiliza as oportunidades que te são pensamentos devem dar uma resposta
oferecidas, antes que seja tarde de- positiva à nova força que age no san-
mais!” Quem sobe o primeiro degrau gue a partir do coração. A recusa
deste processo, observa que a unidade espontânea da natureza decaída e de
entre a cabeça e o coração vai sendo suas influências faz com que o coração
restabelecida gradualmente. libere novas forças, que agem sobre o
A cabeça pensa, pensa, pensa, e o mental e o transformam visando o bem.
coração sente, deseja e se abre, mas os Os pensamentos renovados são
dois não entram em um acordo. Se os direcionados pela nova vida imortal.
pensamentos não traduzem os senti- Este processo exige tempo e total aten-
mentos, sem os expressarem, como po- ção. Cabeça e coração devem adquirir
de haver unidade? Sabemos o quanto uma vontade única, e devem ser liga-
os pensamentos e os sentimentos po- dos sobre uma única e mesma base.
dem-se opor violentamente. Alguns che- Quando for o caso, eles formarão, jun-
gam a uma certa unidade entre a cabe- tos, o cálice do Graal, no qual serão
ça e o coração, e dão testemunho disto recebidas as novas forças vitais.
com um poderoso carisma. Mas não se É claro que se trata de um processo
trata deste tipo de unidade, ou, se existe radical, de uma irradiação extremamen-
uma ligação entre a cabeça e o coração, te poderosa: um cálice do Graal está
o coração está submetido à cabeça. sendo construído no coração do micro-
cosmo.
As narrativas que envolvem estes
mistérios mostram como estes proces-
sos são delicados e sensíveis! Pen-
samentos e ações errados podem que-
brar, de um só golpe, o vaso de cristal
de pura luz, e isto acontece muitas ve-

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zes antes que aquele que busca a liber- isto possa parecer. Mas, quando alguém
tação interior tenha formado dentro de se liberta da antiga vida, já não tem
si o inviolável cálice do Graal. necessidade de manifestar-se nesta
vida, de expressar seu ideal, de fazer
valer seu poder e sua força. Ele empre-
A REGENERAÇÃO DE TODAS AS CRIATURAS ga as forças que lhe foram atribuídas
para servir aos outros e guiá-los até a
vida superior.
Se ele chegar a este ponto, então já
é capaz não somente de receber as for-
ças divinas, como também de expandi- REGENERAÇÃO DE CADA CÉLULA
-las em forma de bênçãos sobre todos
os reinos da natureza. Estas forças
agem também dentro dele, purificando Entretanto, ele somente poderá fazê-
todo o seu sistema e adaptando-o para -lo se já tiver operado sua conversão, a
a nova tarefa. Um novo metabolismo “reviravolta” fundamental; se já tiver da-
começa a se instaurar: ingestão e elimi- do as costas para a antiga natureza e já
nação se equilibram e a saúde é a não dilapidar sua força criadora queren-
melhor possível. Entretanto, é evidente do eternizar a vida mortal. A partir deste
que certos fatores provenientes das momento, a força do inconsciente, a for-
diversas vidas passadas não podem ça do passado que quer aprisioná-lo à
desaparecer de uma vez só. A expres- vida terrestre já está aniquilada, e a
são “a melhor saúde possível” deve ser morte já foi vencida. A resistência inte-
assim compreendida: dentro das condi- rior, a muralha que cerca o plano divino
ções naturais em que se encontra o é demolida pela Gnosis. A Luz crística
corpo material. aflui para sempre, livremente, tocando e
Mas um novo metabolismo, visto co- purificando o sistema humano em toda
mo um aspecto da transfiguração, real- a sua extensão.
mente acontece. Os pólos das células e Cada célula, cada veia, cada átomo
órgãos vão sendo sistematicamente in- do antigo sistema passa pela prova e é
vertidos e tornados aptos para receber preparado para a nova vida.
a força não-terrestre que é a Luz de A luz divina, a Gnosis que está em
Cristo, a Gnosis. Cristo desce às trevas, ligando-se nova-
Quem não resistir à prova é aniquila- mente ao homem e conduzindo-o para
do, enquanto que aquele que reage fora do mundo da doença e da morte,
puramente a ela, é integrado ao plano rumo ao Reino do Eterno Devir.
de desenvolvimento e participa da nova
manifestação de vida
Quando este fenômeno adquire uma
base sólida, podemos dizer que as for-
ças da antiga natureza já não são em-
pregadas nem esbanjadas. O homem
recebe, regenera e expande a força a
sua volta. Deste ponto de vista, a cria-
ção é quem permite ao homem manter-
-se e reproduzir-se. A força criadora tal
como a conhecemos é exclusivamente
empregada para consolidar a vida, pro-
longá-la e torná-la o mais agradável
possível. Esta força criadora está total-
mente direcionada para a manutenção
da antiga vida, por mais paradoxal que

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