acomodaram na parte traseira junto à bagagem. A maioria dos passageiros ia para Meerut, assim havia uma esperança de que depois desta parada elas poderiam ter um pouco mais de espaço e conforto. O motorista, um sikh de espessas sobrancelhas brancas, sorridente e bonachão, trabalhava nesta linha há muitos anos e conhecia bem o trajeto entre Delhi e Meerut, que em dias sem chuva ele percorria em duas horas e pouco dirigindo por uma estrada de terra e mão dupla. Assim, que os últimos três passageiros entraram e acomodaram suas bagagens, ele fechou a porta e após saudar a todos com um sonoro ‘Deus nos abençoe’, partiu tomando a direção ao noroeste.
Nirmalá aproveitou para conversar um pouco com
Giovànna sobre o futuro. Giovànna, você está sentindo-se mais leve, não é? – perguntou para puxar a conversa. Creio que sim. Estou sim, minha amiga. Espero que você seja feliz conosco, porque eu sei que o seu trabalho era muito importante para você, não era? Honestamente, eu não sei! Quando eu terminei os estudos precisava encontrar um trabalho, porque tinha que ter minha própria vida. Eu gostava muito de antropologia e com o convite e a perspectiva de uma vida acadêmica, eu me senti como se tivesse recebido um premio da loteria. Ai, eu entrei de cabeça no trabalho e aqui estou. Então, aconteceu você e meu mundo virou de cabeça para baixo, porque você abriu meu coração para uma outra dimensão e isto me fez repensar muitas coisas e rever meus valores de vida. Eu sempre acreditei que para ser alguém era necessário pertencer a um grupo de elite, ser aceita e crescer dentro do grupo. Mas agora vejo isto tudo muito distante, sem a importância que tinha no passado. Agora eu tenho outra compreensão do que seja a felicidade. E o que é a felicidade agora para você? É estar em paz, tentando compreender a vida sem pressupostos e sem nada desejar, porque sinto que precisamos de muito pouco para viver e ser feliz. Agora eu vejo com clareza a importância do ser em vez do ter. Você fez um grande progresso em muito pouco tempo e eu estou muito feliz por você e sinto que você está pronta para dar um passo importante no caminho espiritual. Foi sobre isto que você falou comigo em Delhi? Nirmalá balançou a cabeça em sinal de afirmação. Eu estou esperando com ansiedade. Quando a hora chegar. Por enquanto aguarde com paz no coração. A viagem ocorreu sem incidentes e uma hora depois elas estavam entrando em Meerut, um dos principais aquartelamentos militares do norte da Índia. Elas procuraram um albergue para passarem a noite, e contrataram um carro de aluguel para o dia seguinte. Após uma noite de sono reparador saíram antes da alvorada em direção da vila de Hastinápura, pois já há algum tempo Nirmalá queria conhecer a região que foi o palco dos acontecimentos relatados na epopéia Mahabharata. Tão logo elas chegaram no local, Nirmalá pediu ao motorista que as levasse até as ruínas da cidade velha, onde existe um templo dedicado ao Senhor Shiva. Ao ver a destruição do local, a tristeza invadiu seu coração que relembrou as sucessivas invasões e a selvageria dos reis mogois que destruíram milhares de templos em todo a região Norte do país por volta do século XVI. Pouco havia sobrado daquele que deveria ter sido um dos mais belos templos do antigo império dos kauravas, na cidade que outrora pertenceu ao reino dos Bharatas. Nirmalá caminhou até um local onde um grupo de pessoas fazia uma escavação, e perguntou a que distância ficava o rio Ganges. Um jovem arqueólogo apontou na direção leste dizendo que havia uma trilha até o rio, a cerca de seis ou oito quilômetros de distância. Após andarem por cerca de duas horas, elas escutaram o som do rio e logo em seguida avistaram suas águas correntes, em meios a bancos de areia e rochas. Elas estavam em uma enseada de areia branca e cascalhenta, onde o rio se dividia em várias corredeiras pouco profundas. Manisha agachou-se, lavou as mãos e bebeu da água sagrada. Em seguida lavou seu rosto e seus os braços, passando as mãos molhadas sobre os cabelos num ato de purificação. Enquanto isto Mitra e Ramba coletaram galhos secos para fazerem uma pequena fogueira. Nirmalá tirou as sandálias e com cuidado caminhou sobre as pedras até uma rocha rio adentro. Por um momento ela permaneceu de pé com a face voltada para o sol, numa prece silenciosa, em seguida soltou os cabelos ao sabor da brisa, sentou-se e fechando os olhos entrou em estado de meditação. Sua respiração era imperceptível e seu porte majestoso. Manisha pegou Giovànna pelo braço e vendo a fogueira que agora estava acesa, levou-a até lá. Mitra e Ramba estavam sentadas observando as labaredas em silêncio. Manisha pegou um galho em chamas, esfregou-o no chão até que as chamas se extinguissem, permanecendo somente brasas. Então, ela pediu que Giovànna permanecesse em pé, de braços abertos em cruz, e após recitar um mantra de louvor a Mãe Kalí, iniciou um rito de purificação, passando o arbusto em brasa pelo seu corpo, enquanto dava voltas em torno dela em lenta circunvolução no sentido horário. Giovànna sentiu alguns arrepios nos braços e nas costas. Em seguida a pedido de Manisha postou as mãos frente ao peito e permaneceu de olhos fechados. Mitra e Ramba colocaram-se ao seu lado, formando com Manisha um triangulo que tinha Giovànna no centro, e a fogueira aos seus pés. Juntas as três mulheres iniciaram um canto devocional em louvor a Ishaní, o aspecto da Mãe Divina que reina sobre o Cosmos. Então Manisha depositou o graveto sobre o fogo e colocando-se atrás de Giovànna, tocou-a na base da coluna cervical com os dedos indicador e médio da mão direita, pronunciando uma série de mantras monossilábicos, que se repetiam à medida que sua mão descia tocando-a em pontos específicos da coluna até que finalmente colocou- os na região perineal, e pronunciou o mantra ‘hrim’, por dez vezes. Giovànna sentiu uma estranha sensação, como se seu útero tivesse se contraído. Emocionada ela não conteve as lágrimas. Nirmalá aproximou-se dela para dar continuidade ao ritual. Hrim, hrim, hrim! - Nirmalá pronunciou o mantra de chamamento da Mãe Divina, tocando-a no púbis com a mão direita estendida, enquanto a esquerda tocava o alto de sua cabeça, na região denominada ‘portal para o Divino’. Giovànna arregalou os olhos ao sentir-se percorrida por uma sensação elétrica que subiu pela suas costas, tal como estivesse sendo roçagada por uma suave penugem. Então ela viu Nirmalá a sua frente e percebeu que seu semblante estava iluminado, com um suave brilho azulado. Nirmalá olhava-a de olhos semicerrados e ela sentiu seu hálito na respiração lenta, através da boca semiaberta. Então, ela pronunciou algumas palavras em uma língua que Giovànna não entendia, mas cujo som melodioso produzia nela uma sensação amedrontadora, pois ela estava preste a perder a consciência. Giovànna resistiu, resistiu, mas subitamente invadida por algo grandioso, deixou-se levar. Ela não chegou a perder a consciência, mas tudo que aconteceu em seguida foi assistido a uma certa distância, como se ela fosse uma testemunha silenciosa de sua própria iniciação. Nirmalá colou sua boca na boca de Giovànna e através da respiração compartilhou com ela o sacramento do prâna. Giovànna sentiu um intenso calor na região abaixo do cóccix e quase caiu de joelhos se não fosse amparada por Mitra e Ramba, que a levantaram, segurando-a, lado-a-lado. Então, uma luz intensa iluminou sua consciência e ela sentiu que tudo ao seu redor estava sendo consumido pela luminosidade de milhões de sóis, que explodiam em seu espaço consciencial, dissolvendo seus resíduos mentais, e com eles o ego e a personalidade. Ela viu o passado e o presente se desvanecerem na luz, e não conteve as lágrimas quando Nirmalá, segurando a sua cabeça entre as mãos, sussurrou em seu ouvido direito um mantra e um nome. Naquele momento Giovànna morria para o mundo, e Ganga Deví, nascia para seguir o seu destino. A partir de agora elas estavam ligadas para sempre. Giovànna sentiu o corpo amolecer e deixou-se cair nos braços das amigas, que a ampararam e a deitaram na areia. Por um tempo elas permaneceram ali, olhando-a com carinho. Mitra deitou a cabeça dela em seu colo, enquanto Manisha e Ramba friccionavam suavemente suas mãos e pés. Nirmalá foi até o rio e molhando seu xale na água gelada passou o pano umedecido em seu rosto, testa, pescoço e nuca. Ganga abriu parcialmente os olhos e um sorriso tímido iluminou seu semblante. Nirmalá fitou-a nos olhos, e acarinhando seus cabelos, disse-lhe: Ganga, sua hora chegou! A partir de agora você é um ser livre das amarras do passado. Use a sabedoria para viver a vida com alegria, luz e amor. Ela ainda estava amortecida e com dificuldade em articular as palavras, mas mesmo assim sussurrou: Ganga.....? O que aconteceu comigo? Elas sentaram-na e Nirmalá abraçou-a ternamente dizendo que agora seu nome era Ganga Deví, uma homenagem a deusa do rio em cujas margens elas estavam, e que ela não devia se preocupar com nada, pois a partir de agora seu caminho seria iluminados pela Luz da Mãe Divina. Ganga ainda estava trêmula. Seu nariz escorria um pouco e quando um calafrio percorreu seu corpo ela vomitou e caiu. Elas a levantaram e a ampararam caminhando juntas até as águas. Nirmalá com as mãos em concha pegou um pouco d’água e despejou sobre sua cabeça por varias vezes, enquanto cantarolava um mantra em homenagem a deusa cujo nome agora ela herdara e iria carregar para sempre.
Ao voltarem para Meerut ela já estava bem melhor,
embora se mantivesse calada e com olhar distante. No dia seguinte Ganga acordou bem disposta e muito alegre. Após o desjejum elas tomaram um carro em direção a Haridwar, e se hospedaram num hotel próximo do Ghat Asthi. Elas levantaram-se cedo e foram tomar o desjejum na cafeteria do hotel. Nirmalá olhou o semblante de Ganga Deví e ficou feliz ao ver que sua amiga estava serena e alegre. Ganga, que bom que você está feliz! Por um instante ela permaneceu alheia, porque ainda não havia se acostumado a ser chamada pelo seu nome espiritual. Desculpe-me Nirmalá, eu ainda não me acostumei com meu novo nome. Eu sei, mas deixe que Ganga assuma o lugar de Giovànna, porque assim o passado se dissolve mais rapidamente. Eu compreendo e estou sentindo que uma transformação está ocorrendo. Nirmalá sorriu. Amiga, teu porvir será grandioso, confia! Ela estava tranqüila porque nunca havia sentido tanta paz em seu coração quanto agora. De fato, ela estava começando a confiar. Em seguida elas saíram e foram caminhando ao longo dos canais, por onde as águas do Ganges cortam a cidade, na direção do Ghat Har-Ki-Pairi. Nirmalá, o que é Har-Ki-Pairi? É uma das escadarias que adentram o rio Ganges e onde as pessoas vão fazer seus ritos de ablução. Segundo a lenda, Haridwar é um dos quatro locais em que caíram gotas do amrita, o néctar da imortalidade, durante a batalha em que os deuses enfrentaram seres demoníacos pela supremacia dos céus. Conte-me esta história! Bem, esta é a história que deu origem ao festival do Kumbha Mela, que é um festival que ocorre a cada doze anos em quatro lugares sagrados da Índia e Haridwar é um desses lugares. E qual é a lenda? É uma lenda antiga, do período védico. Segundo contam, tudo se passou há milhares de anos, em uma época em que os deuses e os demônios viviam em paz, colaborando entre si na tarefa de recolher o néctar da imortalidade do oceano primordial de leite, que era a fonte da vida. Este néctar, denominado amrita, após ser recolhido por deuses e demônios era guardado em um pote, que em sânscrito nós denominamos khumba, daí o nome Khumba Mela. Certo dia, os demônios roubaram o khumba, que continha o néctar e fugiram pelos céus, perseguidos pelos deuses. Por doze dias e doze noites, que em nossa marcação do tempo equivale a doze anos, os demônios carregaram o pote com eles, mas certo dia eles foram atacados pelos deuses que queriam o néctar de volta. Durante a batalha, gotas do néctar amrita caíram em quatro pontos, que por isto se tornaram sagrados, simbolizando a vitória do bem sobre o mal. O Ghat Har- Ki-Pairi é um desses pontos. É uma bela história, mas qual o significado deste néctar denominado amrita? Ganga, o néctar seria uma bebida que confere a imortalidade a quem o ingere. Mas para entendermos, precisamos refletir sobre o que é a imortalidade. Será que a imortalidade seria permanecer para sempre neste corpo? Vivendo a mesma personalidade, nas mesmas condições? Não, isto não teria sentido, porque a experiência que iríamos ganhar seria muito pobre. Eu entendo a imortalidade como sendo a iluminação. O momento em que nós nos identificamos com a Luz interna, a Divindade que somos, e então passamos a ter consciência contínua, vida após vida. O que é consciência contínua? É uma forma de dizer que não perdemos a consciência de nós mesmos durante a morte e o renascimento. Entendo, então é a interrupção da consciência de si, a causa da mortalidade? Correto, a morte só existe pela interrupção da consciência. Quando não temos consciência do que fomos, porque esquecemos as vidas passadas, nós não estamos centrados em nosso verdadeiro Eu que é atemporal. E, se mantemos a consciência contínua, transcendemos a morte porque então sabemos que não somos o corpo e sim a imortal chama que é imagem do Divino. Você já está nesse processo. Mas, e o néctar? Então, o néctar seria uma bebida que quando ingerida, expande a consciência e nos mostra a imortalidade do Ser que somos. Isto existe ou é uma lenda? Alguns dizem que o amrita seria uma bebida denominada Soma, que foi usada no passado com o objetivo de expandir a consciência do devoto, levando-o ao mundo dos mortos e dos deuses. Outros dizem que o amrita é um fluido sutil que percorre os nadis, que são canais que interligam os chacras. Giovànna ficou pensativa. Sabe, quando eu estive na Amazônia , conheci um pajé que usava uma bebida para este fim, uma bebida que ele denominava yagé. Eu participei de uma cerimônia. E? Foi uma experiência interessante, mas eu tive muitas visões confusas e passei mal. O que você sentiu? Eu tive náuseas e vomitei muito. Eu creio que isto acontece quando a pessoa não está centrada em sua Luz interna e a expansão da consciência a leva para regiões obscuras da mente, onde existem medos e condicionamentos ancestrais. Giovànna concordou com Nirmalá. Realmente eu não estava bem naquela época. Aqui estamos. – disse Nirmalá apontando para o Ghat. O sol brilhava sobre as águas e seu reflexo agitado era a imagem da energia da vibração divina em ação. Nirmalá silenciou sua mente, respirou com suavidade e se embebeu da luz que abundava no local. Então, ela elevou seus braços ao alto abrindo-os num silencioso agradecimento a Mãe Divina, e unindo as mãos na altura da face, pronunciou silenciosamente uma oração: “Ambálika, bendita sejas Tu, Luz do mundo, princípio criador, fonte da vida e a origem de Tudo. Sagrada seja a tua presença em nossos corações e bendita seja a Tua Luz em nossas vidas.” Ela contemplava o rio e respirava a presença divina que dele emanava. Sua tez estava iluminada e seus olhos brilhantes irradiavam a emoção que Ela sentia ao vivenciar a presença da Mãe Divina nas sagradas águas do Ganges. Ramba e Mitra no topo da escadaria entoaram baixinho o mantra da Deusa Ganga. “Hrim Ganga Vidmahe, mahádeví dhimahi, tanno Ganga Prachodayat.” Ganga Deví e Manisha desceram as escadas e foram se juntar a Nirmalá que voltava de seu curto estado de êxtase. Ela olhou-as e sorriu. Então, pegando algumas flores que Giovànna lhe oferecia depositou-as sobre as águas do rio, pedindo que elas fizessem o mesmo. Algumas pessoas vieram e ficaram em torno delas para assistirem o ritual. Nirmalá sorriu para eles cumprimentando-os com as mãos postas frente ao peito. Uma mulher bem vestida, com um sári vermelho e um colar de pérolas, passou por dentre as pessoas e veio para perto dela. Quem é você jovem, que fala tão sábias palavras? – perguntou a mulher que demonstrava ter uma posição social elevada na casta dos kshatryas. Meu nome é Nirmalá e eu sou a filha da Mãe Divina. Giovànna conteve o sorriso ao ver a estupefação nos rostos das pessoas, pois ela também tivera dificuldade em entender a “filiação divina” de Nirmalá. Sei ..., e qual é a deusa que você declara ser a sua mãe? Nirmalá sorriu para a recém chegada. Ambá tem muitos nomes e muitas formas, mas Ela é Uma e Única, minha irmã, Ela é a face feminina de Deus. A mulher olhou-a de cima a baixo. E eu, quem sou? Nirmalá levantou-se sorrindo. A mulher não pode sustentar seu olhar e abaixou o rosto. Você é alguém que busca mudar de vida, mas não consegue e por isto vive em conflito. O que você sabe sobre mim? Você me conhece? Minha amiga eu sei quase tudo sobre você. Sei o essencial. Hum..., então temos aqui uma vidente! Se você tem algo para me perguntar, por favor pergunte. A mulher permaneceu olhando-a enigmaticamente. Sabe, você me parece familiar, mas não sei de onde eu a conheço. Nirmalá esboçou um sorriso e disse que se ela fizesse um esforço talvez se lembrasse. Mas ela permaneceu parada e aturdida. Samiha, será que eu mudei tanto que você foi incapaz de me reconhecer ? Afinal somente se passaram quinze anos! A mulher tomada pela surpresa arregalou os olhos. Já sei! Você é a cunhada daquele amigo de meu pai, como é mesmo o nome dele? Nirmalá sorriu para ela sem nada dizer. Samiha aproximou-se e veio cumprimentá-la com as mãos postas na altura do peito. Das Murtha, Krishna Das Murtha. – respondeu Nirmalá. É verdade! Desculpe-me, por não ter te reconhecido. Afinal você era uma garota inocente e parece que tinha um outro nome, estou certa?. – disse abraçando- a com uma atitude de reverência. E, então acrescentou: Me desculpe pois eu não quero atrapalhar o seu ritual. – disse retirando-se. Nirmalá virou-se para o Sol e orou. OM Tare Tuttare Ture Svahá! – e olhando para todos acrescentou; Meus irmãos, eu lhes fico grata por compartilharem comigo esta oferenda a Mãe Ganga. Estas águas que ela vivifica e sacraliza, simbolizam as águas da vida em cujas margens grandes civilizações do passado cresceram e deram seus frutos, para hoje sermos o que somos. Ao entrarmos nas águas dos rios e dos mares, devemos fazê-lo com respeito à vida que nelas tiveram origem. Por isto, estas águas devem ser preservadas em sua pureza, pois se as contaminarmos estaremos contaminando a continuidade da vida. Ela parou sua fala e vendo uma senhora que segurava um buquê, pediu uma flor. Então entrando nas águas depositou-a respeitosamente. Ao sair, mais uma vez agradeceu a todos e chamando suas amigas se retirou, tomando a direção da rodovia 58. Um rapaz que estivera escutando-a, sentado sobre sua bicicleta, cumprimentou-a acenando com a cabeça e dizendo: Tua luz iluminou meu coração. Nirmalá sorriu e continuou caminhando ao lado de Manisha. Um Rolls-royce preto estacionou um pouco à frente delas, e o motorista, impecavelmente vestido, desceu abrindo a porta de trás, para dar passagem a dona do veículo. Afinal, o que você está fazendo por aqui? – Samiha perguntou para Nirmalá. Nirmalá olhou para a imponência do veículo e sorrindo disse-lhe que estava levando a palavra da Mãe Divina ao seu povo. Então, Samiha contou-lhe que havia se casado e era a segunda esposa de Sua Alteza Real, o Marajá Kumar-i-Rajaha Singh de Marwar. E que eles estavam de passagem por Haridwar para tratarem da Marajoa Sahiba Gayatrí, a primeira esposa de sua Alteza, que estava adoentada. Gostaria que vocês viessem tomar um chá conosco uma tarde dessas. O que você acha? Nirmalá agradeceu e disse que se sentia honrada em visitá-la. Ao voltarem para o hotel elas foram almoçar. O porteiro veio até elas e esperou que se sentassem. Senhora, algumas pessoas querem falar consigo. Onde eles estão? Em quantos são? São em cinco pessoas, senhora. Diga-lhes que assim que eu terminar a refeição eu irei vê-los. Está bem? O porteiro assentiu com um movimento de cabeça e saiu. Tão logo terminou o almoço ela foi até o quarto se lavar e em seguida desceu para atende-los, que agora já eram em número de sete pessoas, esperando-a no saguão do hotel. Por sugestão de Nirmalá, eles foram para o pátio e sentaram-se sob a sombra de uma grande paineira. Eram dois casais e um senhor muito bem vestido à moda do rajastão, com um belo turbante vermelho e delicado óculos de aro de ouro. Eu sou Nirmalá. Vocês queriam falar comigo? Os casais se entreolharam e uma das mulheres pediu uma benção. Então, Nirmalá solicitou que todos se sentassem e a acompanhassem numa prece em louvor à Mãe Divina. Ela colocou a mão esquerda sobre o coração e com a direita estendida na direção deles, cantou: “Oh Mãe Divina, possa o teu amor e a tua luz, estimular a nossa mente e o nosso coração, para que caminhemos em Tua direção.” Em seguida ela olhou-os um-a-um e, despedindo-se de todos com as mãos postas à altura do coração levantou- se com intenção de sair. O senhor de turbante vermelho fez uma reverencia e um sinal de que queria falar com ela em particular. Ela compreendeu e voltando-se para ele perguntou: É por sua alteza que o senhor veio? O homem fez uma expressão de espanto. De fato, eu sou o secretário de sua alteza o Marajá Kumar-i- Rajaha Singh de Marwar. Mas venho a pedido de sua alteza a Marajoa de Marwar. Nirmalá fechou os olhos e permaneceu em silêncio por um instante. Ganga e Manisha estavam a seu lado e sentiram um perfume de jasmim. Não era a primeira vez que elas percebiam que Nirmalá emanava este perfume quando entrava em introspecção profunda. Diga a suas altezas que poderei ir vê-los amanhã, pela manhã. O marajá e sua esposa estão hospedados em Rishikesh, e se a senhora me permitir, eu poderia vir buscá-la às oito horas. Nirmalá acenou concordando. Ganga olhou para Nirmalá e sacudindo a cabeça à indiana, sorriu dizendo: Amiga eu não mais me surpreendo com seus talentos. Ela sorriu e fez um afago no rosto de Ganga dizendo: Às vezes nós não precisamos da vidência para concluir coisas, basta olhar e pronto. Quem em Haridwar teria um secretário com tanta imponência? Somente um Rajá! Por isto eu perguntei se era por sua alteza que ele havia vindo.
Uma luxuosa limusine as esperava para levá-las ao
encontro do marajá. Nirmalá foi acompanhada por Manisha e Ganga. Ele estava hospedado em seu palácio de verão, nas colinas de Narendranagar em Rishikesh. A limusine estacionou em frente à porta principal guardada por dois seguranças fardados. No alto da escada Nirmalá reconheceu o secretário do marajá que, ao vê-las, desceu para recepcioná-las. Bom dia! Sua Alteza a marajoa as espera no salão azul. – disse fazendo um gesto para que elas o seguissem. Elas entraram em um amplo salão central em forma circular, com piso de granito rosa e paredes com afrescos em lápis lázuli. De cada lado da entrada, duas escadas construídas em mármore branco davam acesso aos andares superiores. Pinturas a óleo mostravam o marajá sentado em seu trono, suas duas esposas e vários jovens que deveriam ser seus filhos. Dois amplos arcos, à esquerda e a direita, davam passagem para os salões azul e branco, que eram as cores da bandeira do Reino de Marwar. Sua alteza estava acompanhada de três pessoas que se levantaram para recebê-las. O secretário fez as apresentações: Sua Alteza Sahiba Gayatrí Kumarí Deví, a Marajoa de Marwar. – disse fazendo uma mesura em direção à sua patroa. Em seguida apresentou-as aos convidados nomeando-os. doutora Tabu Laho, Archana, sua filha e o senhor Ananda. Elas os cumprimentaram com as mãos postas frente ao coração. Sua alteza, uma jovem senhora de seus cinqüenta anos era uma típica mulher rajastã, elegantemente vestida com um sári de seda multicolorido, bordas em fio de ouro e drapeado ao estilo gujarati. Ela levantou-se para cumprimentá-las. Manisha estava deslumbrada com tudo ao seu redor. Ela nunca havia estado em um lugar tão luxuoso. A marajoa olhou-as com curiosidade. Ela tentava adivinhar qual delas seria Nirmalá, a mulher que tanto ouvira falar nos últimos dias. O secretário apresentou-as à marajoa. Ananda olhava-a encantado. Ele nunca vira uma mulher tão linda e com uma expressão tão suave. Desde o momento em que ele a viu no ghat, sua imagem não saía de sua mente e dia e noite ele sonhava com este momento, o momento de conhecê-la. Sua alteza convidou-as para se sentarem. Eu a agradeço por ter aceitado o meu convite. – disse olhando-a com um misto de curiosidade e carinho. Foram várias as coincidências que a trouxeram até mim, apesar de que eu não acredito em coincidências. – acrescentou sorrindo. Primeiro minha terapeuta, aqui presente, falou-me muito sobre você. – disse colocando sua mão sobre a de Tabu Laho. Depois meu secretário Kumar Singh, a ouviu e ficou muito impressionado com você. E como se não fosse o suficiente, Samiha, a segunda esposa de meu marido, contou-me que já a conhecia dos tempos de adolescência. Nirmalá sorriu dizendo que ela também não acreditava em coincidências, mesmo porque nada acontece sem o conhecimento e a permissão da Mãe Divina. A marajoa concordando, sorriu também. Mas, deixe-me apresentar a minha terapeuta, pois eu creio que vocês ainda não se conhecem e foi ela quem primeiro me falou sobre você. É verdade, nós ainda não nos conhecíamos pessoalmente. – Nirmalá respondeu voltando-se para Tabu. Nós temos uma amiga em comum e eu prometi a ela que se passasse por Haridwar iria lhe procurar. Então, a marajoa pegou um sininho de ouro e tocando-o por três vezes, chamou o mordomo para pedir que ele servisse um chá no ‘jardim de Ganesha’. Eles saíram por um dos portais de bronze, atravessaram um belo jardim interno, com muitas flores em um pequeno chafariz com água perfumada e passaram para o jardim externo, através de um corredor magnificamente decorado com lustres de cristal e quadros com motivos de caça. O jardim de Ganesha era assim denominado porque tinha uma imagem do filho de Shiva esculpida em mármore branco. Eles se sentaram e a marajoa pegou Nirmalá pela mão levando-a para passear pelo jardim. Que bom que você está aqui. Quando Tabu falou-me de você eu senti que nosso encontro seria providencial. Confesso que fiquei surpresa ao vê-la, pois após tudo que ouvi sobre você não esperava encontrar uma mulher tão jovem e tão bonita. Nirmalá limitou-se a sorrir, pois a estava escutando de olhos semi-serrados e em silêncio. Elas caminharam pelo jardim em direção a escultura de Ganesha. Aqui, teremos um pouco de privacidade, afinal estamos somente nós duas e Ganesha, a minha divindade de fé. Minha filha, eu creio que posso chamá-la assim, afinal vejo que você tem a idade de Mohana, a minha filha mais velha sobre quem quero vos falar. Você se importa de nos sentarmos? Nirmalá aquiesceu com um aceno de cabeça e elas se sentaram ao lado do deus elefante. Há dez anos meu marido conheceu Samiha durante uma viagem que fizemos à Paris. Ela e Mohana estudavam juntas em uma escola de línguas, e quando minha filha nos apresentou sua amiga Samiha, o marajá começou a cortejá-la abertamente e em menos de um ano depois, apaixonado por ela decidiu casar-se novamente. Para mim não foi uma surpresa, porque eu sabia que mais cedo ou mais tarde ele iria querer ter uma segunda esposa. Mas para Mohana foi um choque ver seu pai casar-se com alguém da sua idade, e eu creio que isto deve ter perturbado a minha filha, pois logo após o casamento ela começou a ter atitudes estranhas, vive sempre irritada, não dorme bem, não se alimenta bem e, de quando em quando tem tido desmaios inexplicáveis. Eu já a levei a dois médicos em Delhi e depois pedi que Tabu Laho a examinasse. Mas segundo ela o problema de Mohana não é físico, mas espiritual. Então, sabendo de sua vinda sugeriu-me que eu falasse com você a respeito.