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a tempo

REVISTA DE PESQUISA EM MÚSICA

NÚMERO 8
2016/1

FACULDADE DE MÚSICA DO ESPÍRITO SANTO “MAURÍCIO DE OLIVEIRA”


VITÓRIA - ES
a tempo – REVISTA DE PESQUISA EM MÚSICA. Coordenação de pós-graduação / Faculdade de
Música do Espírito Santo. V.8, n.8 (jan/jul. 2016).
Vitória, ES: DIO/ES, 2016

Semestral

1. Música - Periódicos.

ISSN 2237-7425

CDD: 780.7

Tiragem: 500 exemplares


a tempo
REVISTA DE PESQUISA EM MÚSICA

FACULDADE DE MÚSICA DO ESPÍRITO SANTO “MAURÍCIO DE OLIVEIRA”


COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO

EDITOR
Marcelo Rauta

CONSELHO EDITORIAL
Antônio Marcos Cardoso (UFG)
Diana Santiago (UFBA)
Ernesto Hartmann (UFES)
Jorge Antunes (UNB)
José Alberto Salgado (UFRJ)
José Nunes Fernandes (UNIRIO)
Luis Ricardo Silva Queiroz (UFPB)
Margarete Arroyo (UNESP)
Mônica Vermes (UFES)
Sérgio Luiz Ferreira de Figueiredo (UDESC)
Sílvio Ferraz (UNICAMP)
Sônia Albano (UNESP)
Vanda Freire (UFRJ)

ASSESSORIA EDITORIAL
Eduardo Gonçalves
Hellem Pimentel
Paula Galama

ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO
Tiago Venturini

CAPA, PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO


Sérgio Rodrigo da S. Ferreira
Sumário 09 | Editorial

11 | O Congo no Contexto Cultural Capixaba


Anardino Jose da Silva Junior

27 | Imaginação Musical e o Impulso (ou Élan)


André Rosalem Signorelli

41 | Coralito: experiências com o canto coral infantil na Faculdade de Música do


Espírito Santo
Anna Claudia Perin Vidigal

53 | A Prevenção de Lesões em Músicos e a Formação Musical: proximidades e


distanciamentos
Bráulio Bosi; Marina Medici Loureiro Subtil

71 | Análise Harmônica na Música Popular


Fausto lessa Fernandes Pizzol

83 | Bloqueios na Performance Musical


Karla da Silva Ferreira Corrêa Souza; Dorcas Rodrigues da Silva de Recaman

97 | Educação Musical Coletiva com Instrumentos de Banda - EMUCIB


Kleverson Delgado Da Silva; Marcelo Trevisan Gonçalves

107 | Diálogo Artístico: Influências temáticas entre som e imagem na indissociável


relação de saberes no campo das artes
Marcelo Rodrigues de Oliveira; Michele de Almeida Rosa Rodrigues

107 | Resenha: Auditory scene analysis: the perceptual organization of sound, de


Albert Stanley Bregman
Patrick do Val

107 | A Banda de Música: uma reflexão sobre sua história e princípios educacionais
Ricardo Ferreira Lepre
Editorial
Chegamos a mais uma edição da revista A tempo.

Esperamos que vocês se interessem por aprofundar ainda mais à pesquisa/


leitura dos conteúdos apresentados nesta edição.

Destacamos que a Semana de Pesquisa em Música da Fames tem edições anuais,


ocorrendo no segundo semestre letivo e é aberto a todos. Fiquem atentos ao edital
normativo. Participem!

Desde o segundo semestre de 2014, nossa revista está recebendo artigos em


fluxo contínuo, ou seja, a qualquer tempo. Envie-nos seus trabalhos. As normas para
submissão encontram-se na página www.fames.es.gov.br, clicar em “A tempo” e fazer
download de uma de nossas edições. Ao final da revista podem ser vistas as regras de
submissão.

Desde já lhes desejo uma excelente leitura.

Até o próximo número,

Ms. Marcelo Rauta


Editor
O congo no contexto
cultural capixaba

Anardino Jose da Silva Junior


Faculdade de Música do Espírito Santo - anardinojunior@gmail.com

Resumo Abstract
Por este artigo procura-se compreender For this article seeks to understand
a disseminação e preservação do congo the dissemination and preservation of
capixaba, a partir da análise feita na banda capixaba congo, from the analysis in
de congo Amores da Lua. Esta banda, the band congo Loves the Moon. This
mantém suas atividades há 70 anos, band keeps its activities for 70 years,
participando dos festejos religiosos e participating in religious and traditional
tradicionais que constituem o calendário festivities that make up the liturgical
litúrgico congueiro. A tradição é mantida calendar congueiro . The tradition
pela banda por meio da oralidade e is maintained by the band through
da realização de apresentações em orality and delivering presentations in
instituições educacionais de ensino tais educational institutions of education
como escolas, faculdades e universidades such as schools, colleges and universities
com o objetivo de disseminar a prática in order to spread the practice of congo.
do congo. A pesquisa aponta que há um The research shows that there is a strong
forte empenho por parte dos integrantes commitment on the part of members
em dar continuidade a esta cultura, mas in continuing this culture, but it was
foi possível perceber também certo revealed also certain disenchantment
desencanto em relação ao apoio recebido with the support received by the
por parte dos órgãos competentes competent bodies as cooperation in the
quanto a cooperação na liberação de release of financial resources related to
recursos financeiros relacionados à logistics structure to perform events.
estrutura logística para realização dos Another important point was the
eventos. Outro ponto relevante foi a observation in unevenness on the actual
observação no desnivelamento quanto number of congo bands between Victory
ao número efetivo de bandas de congo municipalities.
entre os municípios de Vitória.
Keywords: Preservation. Cultural
Palavras-chave: Preservação. Patrimônio heritage. Congo.
Cultural. Congo.
Introdução

Em cada realidade social a cultura se apresenta de forma diferente, cabendo


a cada indivíduo conhecer seu sentido intrínseco para que possibilite a valorização
de suas práticas, os princípios e as transformações a que elas se submetem. Segundo
Abaurre (2005) “manifestações culturais como as festas, folguedos e brincadeiras
que são inventadas pelo povo, é de grande significado para a vida social, pois é
diretamente por elas que a comunidade integra-se e se reconhece”. Isto resulta no
fortalecimento de uma determinada sociedade, evitando desta forma a desagregação
e a evasão territorial, práticas que são bem comuns em locais onde não há essa
vivência sociocultural.

Algumas expressões culturais surgem de forma espontânea. em um


processo anônimo por grupos ou por indivíduos e são produzidas genuinamente,
observando que são expressões que emanam das emoções, da fé e dos valores morais
de um determinado agrupamento social (ABAURRE, 2005).

Em terras capixabas bem como em todo território brasileiro estas


manifestações foram construídas ou herdadas, e se mostram hoje em grande número
e amplitude, devido às diversas etnias que se instalaram neste território, sendo que
algumas delas já ocupavam estas terras antes mesmo do período da colonização.
Segundo Abaurre (2005, p.12), “[...] cada cultura é o resultado de uma história
particular, e isso inclui também suas relações com outras culturas, as quais podem
ter características bem diferentes.” Muitas destas práticas culturais perpassaram
gerações, e por suas características, consolidaram a história e identidade de grupos
sociais diversos.

A Importância da Cultura na Construção Social

Há quem diga que uma pessoa não possui cultura quando ela não tem
contato com a leitura, artes, história, música, etc. Se compararmos um professor
universitário com um indivíduo que não sabe ler nem escrever, a maior parte das
pessoas chegaria à conclusão de que o professor é “cheio de cultura” e o outro,
desprovido dela.

Popularmente a cultura está relacionada à inteligência e ao grau de


conhecimento, porém para a antropologia - ciência que se dedica ao estudo
aprofundado do ser humano e seu comportamento – toda cultura é de grande

12
valor no contexto social de um determinado grupo de pessoas, e jamais pode ser
considerada mais ou menos importante uma da outra. (MELLO, 2009).

Observando a cultura de um povo, verificamos que algumas manifestações


são mais expressivas, como características peculiares de cada região. A exemplo disso
temos o carnaval de Olinda com seus bonecos gigantes, a capoeira e o acarajé da
Bahia, a panela de barro e a moqueca capixaba dentre outras. O reconhecimento do
valor e significado destas culturas por parte da sociedade contribui para que estas
práticas sejam reconhecidas como patrimônio cultural.

No Espírito Santo, o congo ganhou esse título no dia 20 de novembro de


2014. Muitas comunidades tem se empenhado em manter essa tradição viva, por
meio das bandas de congo existentes em várias regiões do estado.

Tendo em vista que o patrimônio cultural é uma herança, e enquanto tal deve
ser preservado, esse artigo justifica-se pela oportunidade de trazer ao conhecimento
acadêmico, além de contribuir para efetivação do processo e sua culminância até a
manutenção e continuidade desta tradição pelas bandas.

A prática do congo está diretamente vinculada às bandas, sendo hoje


em torno de setenta bandas de congo no Espírito Santo. Este artigo tráz como foco
central a Banda de Congo Amores da Lua, por ser uma das mais antigas do estado,
totalizando 70 anos de história e de contribuições para a disseminação desta cultura.
Outro fato relevante observado nesta banda, é que por todo esse período esteve sob
a responsabilidade de uma única família, a família Sales. A Banda de Congo Amores
da Lua está situada na região norte da ilha de Vitoria, no Bairro Santa Martha.

A importância da cultura na construção social

Há quem diga que uma pessoa não possui cultura quando ela não tem
contato com a leitura, artes, história, música, etc. Se compararmos um professor
universitário com um indivíduo que não sabe ler nem escrever, a maior parte das
pessoas chegaria à conclusão de que o professor é “cheio de cultura” e o outro,
desprovido dela. Popularmente a cultura está relacionada à inteligência e ao grau
de conhecimento, porém para a antropologia - ciência que se dedica ao estudo
aprofundado do ser humano e seu comportamento – “toda cultura é de grande
valor no contexto social de um determinado grupo de pessoas, e jamais pode ser
considerada mais ou menos importante uma da outra”. (MELLO, 2009).

13
Se o termo cultura está vinculado ao comportamento de um determinado
grupo de pessoas, torna-se injusto o julgamento quanto ao modo de vida deste ou
daquele povo, esta análise seria baseada em preconceitos. Afirmar que o índio que
não tem uma formação acadêmica, nem conhecimento teórico-musical, por exemplo,
não possui cultura é um equívoco, pois seria o mesmo que afirmar que seus costumes,
tradições, sua língua não têm nenhum significado.
Não existe relação necessária entre características físicas de grupos
humanos e suas formas culturais [...]. A diversidade das culturas
existentes acompanha a variedade da história humana, expressa
possibilidades de vida social organizada e registra graus e formas
diferentes de domínio humano sobre a natureza (SANTOS, 1996,
p.15).

Segundo Mello (2009), “a cultura é definida como uma rede de significados


que dão sentido ao mundo que cerca um indivíduo, ou seja, a sociedade. Essa rede
engloba um conjunto de diversos aspectos, como crenças, valores, costumes, leis,
moral, línguas, etc”. Nesse sentido, entendemos que é impossível que um indivíduo
não tenha cultura, afinal, ninguém nasce e permanece fora de um contexto social, seja
ele qual for. Este conceito identifica que todo indivíduo é provido de alguma cultura,
ainda que por observação de alguns esta seja de maior ou de menor relevância.

A cultura é adquirida através da vida prática, que provavelmente irá


determinar novos valores no decorrer da vida, pois o indivíduo irá se valer do
conhecimento adquirido através de suas próprias experiências ou de experiências
de seus antepassados como um ponto de partida para formar suas opiniões, seus
objetivos e até mesmo a construção de seu caráter.

O povo capixaba e sua diversidade cultural

Não diferente da formação das demais regiões do país, o Estado do Espírito


Santo, se estabeleceu por uma forte influência de diversos povos. O processo
de colonização ocorreu a partir de 1880, iniciado pela faixa litorânea devido ao
posicionamento geográfico, como também no sul do Estado devido às condições
climáticas. A ocupação também ocorreu em função da vinda de migrantes das
Minas Gerais, do Nordeste, do Rio de Janeiro, entre outros estados. “Os grupos de
estrangeiros que compuseram a identidade capixaba destacam-se, em quantidade
migratória, os italianos, alemães e poloneses”. (DADALTO, 2007, p. 57).

As diversidades culturais do território capixaba são verdadeiras riquezas,

14
pelas quais conhecemos parte da realidade de nossa gente a partir das singularidades
regionais, que proporcionam uma identidade exclusiva de cada agrupamento
social, seja através de suas tradições folclóricas (festas e danças), da arte (pintura e
arquitetura), da música, das crenças religiosas, da agricultura e da culinária.
[...] não é possível compreender o coletivo sem que se deixe de levar
em conta a história, com todo seu movimento de continuidade e
rupturas. Dessa maneira, é necessário vincular o relacionamento
entre os grupos de convivência e referências do indivíduo. Ao
estabelecer este vínculo revelam-se também os tipos e as formas
de interações existentes entre os grupos ou a sua identidade
grupal. Ou seja, ao interagir com o grupo o indivíduo se apropria
das representações coletivas, tomando como sua as lembranças do
grupo. O que possibilita avaliar uma perspectiva de análise includente
na integração dos imigrantes estrangeiros e brasileiros ao colonizar
o Espírito Santo e provocar sua miscigenação e desenvolvimento
composto de identidades diversas (DADALTO, 2007, p. 69-70).

Foi nesse ajuntamento de povos, que se buscavam um objetivo comum, que


era a consolidação de um futuro estável e promissor, que todos empregassem suas
tradições de trabalho, associando-as às suas crenças. Nas conquistas, comemoravam
com suas danças e músicas, onde não podiam faltar suas comidas típicas. Esse enredo
promoveu entre eles uma interação multicultural e assim deixaram através de suas
tradições e costumes, uma grande contribuição cultural para o povo Capixaba.

Patrimônio cultural capixaba

Se houve essa miscigenação na formação do povo Capixaba, cada cidadão


torna-se herdeiro de parte das tradições vindas de povos distintos, os quais deixaram
um importante legado cultural, que baseiam nossos valores atuais. Estes valores
constituem o patrimônio cultural de cada região.
“O patrimônio cultural de um povo compreende as obras de seus
artistas, arquitetos, músicos, escritores e sábios, assim como as
criações anônimas surgidas da alma popular e o conjunto de valores
que dão sentido à vida”. Ou seja, as obras materiais e não materiais
que expressam a criatividade desse povo: a língua, os ritos, as crenças,
os lugares e monumentos históricos, a cultura, as obras de arte e os
arquivos e bibliotecas [...] Conferência Mundial sobre as políticas
culturais, realizada no México em (1985).

Sendo fruto desta mistura de povos, o congo capixaba no dia 20 de


novembro de 2014 foi registrado como patrimônio cultural imaterial do Espírito Santo,
estando inserido entre as festas, celebrações e folguedos que marcam ritualmente a
vivência do trabalho, da religiosidade e do entretenimento capixaba. (CONDE, acesso

15
em 22 de Maio de 2015).

A preservação do patrimônio, segundo Figueiredo (2014, p.91) deve estar


relacionada ao seu real significado cultural, considerando-o como uma ferramenta
útil para o desenvolvimento social, possibilitando que a sociedade se aproprie de sua
memória e de sua diversidade cultural.

O congo capixaba

O congo capixaba é resultado da diversidade cultural dos diferentes


agrupamentos sociais que povoaram o Brasil desde a colonização. “Esta expressão
cultural se apresenta num aspecto de caráter histórico e folclórico, através da dança,
do rito e da religiosidade”. (PEREIRE, 2014).

O congo é uma importante manifestação cultural do Espírito Santo. Presente


em vários municípios, as bandas de congo preservam a tradição em suas práticas.
Os personagens, as roupas, as canções, os instrumentos, enfim, todo um contexto
histórico, promovendo a memória e identidade do congo em cada região.

Este tipo de manifestação é um exemplo concreto de que o grande mosaico


cultural do Brasil se apresenta de forma peculiar em cada região, de modo a contribuir
para a identidade de um povo. Ao destacar sobre as particularidades do congo capixaba
Pereira et. al. (2014) acrescenta que “cada banda, conforme sua região busca preservar
a forma que recebeu a tradição levando em conta à história, a instrumentação, a forma
de entoar suas canções e a maneira de tocar seus instrumentos”

Uma das primitivas Bandas de Congo identificada no Espírito Santo foi


integrada por índios Mutuns (do Rio Doce). Ela é registrada pelo Padre Antunes de
Serqueira (1832-1897), onde ele descreve que os índios formavam um grande círculo,
todos se punham de cócoras, batia as mãos no peito e nas coxas e produziam uns
sons estranhos com a boca. Faziam também uns movimentos corporais movidos por
uma música muito expressiva e diferente. Neste registro o padre descreve também os
instrumentos que eles usam para acompanhar toda essa tradição. Um dos instrumentos
foi descrito pelo padre como um bambu dentado, e que corria por ele uma vareta
do mesmo material. Este instrumento hoje é conhecido como Casaca. Alguns deles
tocavam tambores feitos de um pau cavado, às vezes oco por sua natureza, tendo em
uma das extremidades um couro, pregado com tarugos de madeira. Descreve ainda
outro instrumento como uma cabaça cheia de caroços dentro, com algum tipo de

16
semente (NEVES, acesso em 18 de jun. de 2015). A casaca aparece como importante
instrumento musical nas bandas de congo. Sua característica desperta curiosidade e
até mesmo espanto de quem vê. Sobre isso Neves destaca:
[...] como documento valioso, o registro feito, em Nova Almeida,
por D. Pedro II, quando por ali andou em fevereiro de 1860. Nessa
visita imperial, rabiscou D. Pedro alguns dados interessantes sobre
o conjunto musical, do qual desenhou o nosso reco-reco de cabeça
esculpida, anotando, inclusive, o nome “cassaca”. (NEVES, acesso em
18 de jun. 2015)

Desenho da Casaca feito por Dom Pedro II. Fonte: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo

Infelizmente não há registro das músicas cantadas pelas Bandas de Índios,


precursores das bandas de congo, nome como são designadas hoje, no entanto,
sabemos que os índios já possuíam suas culturas e línguas e que evidentemente já
possuíam suas músicas antes mesmo da chegada de Pedro Álvares Cabral no ano de
1500 que juntamente com seus auxiliares, como Frei Pedro Neto, corista de ordens
sacras e Frei Maffeu sacerdote organista e músico, imprimiu sobre os índios forte
influência, principalmente no espírito deles, por ocasião da primeira missa realizada
no Brasil. Foi por meio dessa arte, a música, e em especial a sonoridade do órgão
que se estabeleceu um elo entre as diferenças culturais tão marcantes dos primeiros
habitantes do Brasil e os invasores portugueses (LINS, 2009).

Quanto à religiosidade do congo, Lins (2009) nos fala que as bandas


prestam homenagem a um ou mais oragos (santo a quem se dedica um templo ou
uma capela). Há ainda aquelas que homenageiam antigos mestres, ou alguém que
por algum motivo marcou a história da banda ou da comunidade, seja qual for o
objeto de devoção e homenagem o fato mais evidente na relação bandas de congo-

17
religiosidade é a devoção a São Benedito, por ser ele o propiciador do milagre que
resultou na salvação de muitos negros, devido ao naufrágio de um navio que trazia
os negros escravos para o Espírito Santo ocorrido nas proximidades de Nova Almeida,
município de Serra, quando muitos se salvaram agarrando-se ao mastro do navio,
onde estava a imagem do santo, podendo assim chegar a salvo nas praias daquela
região, culminado em uma missa celebrada ao santo pelo milagre concedido.

Em todo o tempo, ficou marcada a força dos congueiros que ainda hoje não
medem esforços para que, através desta prática, possam celebrar e expressar sua fé
por meio das canções que louvam o santo devoto, contam e cantam seus milagres nos
cortejos.

A questão religiosa que envolve o Congo é registrada por Borges apud


Schuchter (2008), quando aponta que a primeira banda de congo foi criada no atual
município de Serra, em 1857, a partir da devoção do escravo Crispiniano da Silva ao santo
que ele pagara uma promessa. Sobre isso ele acrescenta que:
[...] Crispiniano com outros negros pediram ao seu senhor um dia de
descanso e uma junta de boi. Quando indagado por que e para quê
queria, disse que precisava cumprir uma promessa. Ao ser atendido,
foi para a mata arrumar o tronco de arvore que foi trazido no carro de
boi. Depois de enfeitá-lo, rodearam a fazenda, cantando e fazendo
batuque, sempre vigiados pelo senhor, sua família e pelos capatazes,
que também faziam o trajeto montados a cavalos, para que, no caso
de alguma tentativa de fuga, pudessem rapidamente capturar os
negros. [...] a ideia do tronco de arvore é para lembrar o mastro do
navio Palermo, que serviu de boia e que os salvou do naufrágio em
Nova Almeida (BORGES apud SCHUCHTER, 2008, p. 53).

A prática do congo se evidencia não só pela questão religiosa mas também


da necessidade que viam os escravos de expressarem suas tradições culturais como a
música, a dança e a fé, pois isto não lhes era permitido, embora muitos as praticassem
mesmo sem o consentimento de seus senhores e quando era descoberto sofriam
punições.

Entre as toadas de congos mais conhecidas e executadas pelas bandas


estão as de cunho religioso que por sua vez são dedicadas a São Benedito, por ser ele
um santo de devoção das bandas, pois creem que foi ele, São Benedito, que proveu
o milagre que salvou muitos negros no naufrágio do navio que os trazia para as
terras capixabas. A devoção a esse santo no Espirito Santo também foi promovida
tanto pelos frades franciscanos, como pelos jesuítas que mantinham a imagem dele
em altar, na igreja de São Tiago em Vitória. As composições das canções em nossos
dias trazem também um discurso poético, romântico e há ainda aqueles que fazem

18
menção às riquezas da terra capixaba, descrevendo em suas canções as paisagens e a
história de um determinado lugar.

Os ilustres personagens que registraram as primeiras referências sobre as


bandas de congo, esqueceram-se de escrever, no entanto, o que eles cantavam. Mas
por certo, graças a esses registros valiosos, é que hoje conhecemos a sua origem:
uma dança ritual dos ameríndios, tomada por empréstimo pelos afro-brasileiros e
os portugueses, que nelas imprimiram seus traços culturais: religiosos, linguísticos,
musicais, danças rituais e crendices (HISTÓRIA, 2001).

No contexto da devoção a São Benedito as bandas de congo do Espírito


Santo mantém viva a tradição da Festa do Mastro, sendo esta manifestação de suma
relevância para o congo capixaba, fazendo parte do calendário de festividades anual.
Esta festa se divide em quatro etapas, sendo a cortada do mastro, que é a derrubada
de uma árvore escolhida, seguido da puxada do mastro, do levantamento e da fincada
do mastro, que é feito ao lado ou diante do templo do padroeiro, as bandas tocam e
a comunidade cantam louvores ao santo.

A cortada do mastro é feita dias antes da festa e geralmente fica guardado


na sede da banda. A puxada do mastro é o ponto principal da festa, enfeita-se o
mastro, fixando em uma das suas extremidades o estandarte do padroeiro e o mesmo
é levado aos ombros dos fieis ou conduzidos por réplicas de um navio pelas ruas do
bairro onde se localiza a sede da banda, passando por bairros vizinhos, sendo levado
até a igreja do orago. As bandas saem caracterizadas com toda pompa que lhes cabe,
conduzidas pelo Mestre, rei, rainha, dançarinas, tocadores e arrastam verdadeiras
multidões pelas ruas, alguns se agarram ao mastro beijando-o e oferecem flores ao
santo, agradecendo e fazendo-lhe promessas.

O congo no Espírito Santo, desde a sua mais antiga formação, passa por algumas
adaptações, no sentido de torna-lo mais popular não apenas no sentido religioso, mas
também em comemorações, apresentações das bandas em diversas manifestações
culturais.

A tradição do congo abrange boa parte do Espírito Santo, principalmente


no litoral. São diversas bandas de congo, que estão situadas tanto nos grandes
centros, quanto em boa parte do interior do estado. A disseminação do congo em
nosso estado, com a formação de diversas bandas, estão vinculadas aos costumes,
tanto dos índios quanto dos africanos.

As bandas de congo se diferem umas das outras pelos seus uniformes, de

19
modo que cada região ou comunidade destaca-se por cores específicas dos grupos. A
maioria das bandas conta com a rainha do congo. Geralmente suas roupas destacam-
se pela beleza e o brilho, diferenciando das demais dançarinas.

A cultura do congo foi se fortalecendo a partir da admiração e adesão de


novos participantes por parte da população capixaba, a ponto dele ser reconhecido
como um patrimônio cultural capixaba. Isto se deve a grande quantidade de bandas
que foram surgindo no estado, de forma organizada, cada banda com sua diretoria,
e cada município com sua associação de bandas de congo e estas por sua vez, com o
apoio dos municípios, puderam através da pratica do congo ofertar as comunidades
oportunidades como oficinas de dança, oficinas de instrumentos, criação e apoio às
bandas mirins, inserindo crianças e adolescentes neste contexto cultural.

Contribuições das bandas de congo para a preservação da cultura

Participar dos festejos das Bandas de Congo é uma forma de socialização


com a comunidade local, ao simples brincar com o congo torna-se uma manifestação
onde o indivíduo se expressa e mostra seu sentimento de pertença. A grande maioria
dos adeptos a esta prática foram levados às Festas de Congo desde pequenos pelos
seus familiares, daí o gosto pelos festejos e a essa cultura especificamente, uma
herança que muitos recebem da família e da comunidade. A religião também tem sua
contribuição, já que a manifestação além de cultural acontece dentro do contexto da
fé católica.

Cada indivíduo, ao nascer, segundo Strey (2002), passa a fazer parte de um


processo de socialização já existente. Assim, este passa a apodera-se destes valores
através das relações com os outros indivíduos. O homem é considerado um ser de
relações sociais, que absorve normas, valores vigentes na família, em seus pares, na
sociedade. E assim, é formada a personalidade do ser humano, decorrente, segundo
Savoia (1989), desse processo de socialização, no qual se justifica fatores inatos, e
adquiridos. Entende-se, por fatores inatos, aquilo que herdamos geneticamente dos
nossos familiares, e os fatores adquiridos provém da natureza social e cultural.

O indivíduo ao apropriar-se do conhecimento do meio em que vive e se


relaciona com o outro dentro do mesmo contexto social, contrai uma atitude reflexiva
quanto a esta prática, e assim decorre o processo com crianças que são levadas pela
família e/ou comunidades às comemorações e festejos de uma Banda de Congo
tornam-se aliados, adeptos pela ação de preservação e valorização desta tradição

20
de forma natural passando a contrair neste processo de socialização uma atitude
reflexiva quanto a esta prática.

Banda de congo Amores da Lua

A história da formação da Banda de Congo Amores da Lua emerge de um


desejo particular do Sr. Alarico de Azevedo, que era um bem sucedido funcionário da
empresa Vale do Rio Doce na década de 1940, e não perdia a oportunidade de ir todo
ano à festa de São Benedito no município da Serra. Sua companheira era Dona Cecília
Maria Rosa, uma admiradora do congo e integrada nas manifestações (BICALHO,
2000).

A ideia de formar uma banda de congo foi motivada pelo desejo de brincar
ali mesmo no bairro Mulembá, hoje conhecido como Bairro de Santa Marta. Sendo
assim, comprou alguns tambores que estavam sendo vendidos no bairro Jaburuna,
município de Vila Velha.

Segundo Bicalho (2000) a comunidade de Mulembá logo aderiu a ideia de


seu Alarico, e aos que se integraram à banda não tiveram dificuldades em bater os
tambores e nem as mulheres de dançar o congo, pois todos, assim como seu Alarico,
gostavam de ir à Festa da Serra, o que acabou contribuindo para a concretização do
seu desejo. Naquele período já tinha congo em Maruípe, bairro vizinho de Mulembá. O
pessoal de lá vinha ajudar, mas contavam também com a experiência do Sr. Reginaldo
Sales, filho de João Sales, moradores do Bairro de Goiabeiras, que já tinha a tradição
do congo bastante arraigada.

Banda de Congo Amores da Lua. Fonte: FONSECA (1991).

21
A disseminação, preservação e os desafios das bandas de congo, sobre a ótica da
banda de congo Amores da Lua

Hoje a Banda de congo Amores da Lua conta com trinta integrantes, dentre
estes, cinco atuam de forma esporádica nas suas atividades. Eles se dividem em
funções específicas, atuando como instrumentistas, dançarinas, princesas, rainha e
mestres.

Os desafios enfrentados pela banda de congo Amores da Lua nos dias


atuais evidenciam-se quando analisamos a faixa etária de seus integrantes. De 15
entrevistados, 80% têm acima de 50 anos de idade, com exceção do Mestre Ricardo
que está com 30 anos e duas de suas dançarinas, uma com 38 anos e outra com 39.

Ao observar que a faixa etária dos integrantes era majoritariamente de


pessoas idosas, o Mestre Ricardo foi questionado sobre a falta de integrantes mais
jovens na banda, e até mesmo adolescentes e crianças, como é a situação do congo
da Serra-ES, por exemplo. Sobre isso ele revela que se deve à falta de interesse deste
público, que apesar de gostarem da manifestação só querem participar nos eventos
comemorativos em datas especiais, como os cortejos de São Benedito no final de
ano, sem se comprometerem com a Banda. Relata também que a discriminação e
preconceito, resultante da falta de conhecimento o que contribui para que não se
envolvam de forma mais efetiva.

Apesar de toda a simplicidade da população congueira, foi possível verificar


que a dedicação dos integrantes da banda é resultado da satisfação que sentem,

Figura 11: Banda de Congo Amores da Lua. Fonte: Disponível em: http://bandadecongoamoresdalua.
blogspot.com.br/

22
sendo integrantes ativos nesta manifestação, e não por terem alguma renda como
resultado disso visto que, como relata Mestre Ricardo, as atividades da banda hoje,
não geram nenhum lucro financeiro, todas as despesas são arcadas pela banda.

Em todos os casos, o compromisso com a banda é exclusivamente por amor


ao grupo, e satisfação em participar das comemorações, pois quando interrogados
como é a convivência entre eles, são unânimes em dizer: “nós somos uma família”. E ao
perguntar o que o congo significa para eles, obtivemos também uma única resposta:
“o congo é minha vida”. Não há nenhuma remuneração pelo esforço e empenho de
cada um nos trabalhos executados na banda, o que faz desta resposta uma certeza de
que os entrevistados em geral possuem vínculos fortes de afetividade com a banda.

Mestre Ricardo relata que na primeira gestão de João Coser como prefeito
de Vitória, foi firmado um convênio entre a prefeitura e as bandas de congo Amores
da Lua e Panela de Barro. Este convênio contemplava as bandas com um valor mensal,
para a aquisição de indumentárias, adereços e instrumentos musicais. Ricardo neste
período não era mestre, mas sabiamente acumulou um estoque de tudo que era
necessário para a posterior manutenção da banda no que se refere aos utensílios.
A visão futurista de Ricardo e a boa administração de recursos financeiros vindo do
convênio com a prefeitura de Vitória, é que tem proporcionado hoje aos integrantes
da Banda de Congo Amores da Lua estarem bem apresentados em seus trajes, com
roupas impecáveis e os instrumentos em perfeito funcionamento.

Hoje todas as despesas da banda incluindo a manutenção de roupas,


instrumentos e gastos com viagens para apresentações são mantidas pela própria
banda e muitas vezes pelas famílias dos Mestres. “Hoje as coisas são bem diferentes”
nos conta Mestre Ricardo: não há recurso nem apoio por parte da Prefeitura. Em
reuniões junto à Secretaria de Cultura, Mestre Ricardo conta que a fala é recorrente,
sempre há promessas, mas estas nunca se cumprem. Existe um edital disponibilizado
pelo governo do Estado, que contempla bandas que apresentam projetos com foco
em atividades folclóricas do estado com um valor aproximado a R$ 10.000,00 reais
para a execução, porém a burocracia e o favorecimento a algumas regiões do estado
acabam gerando descontentamento por parte do Mestre Ricardo e dos demais
integrantes da banda em reunirem forças para continuarem na luta pela conquista
deste recurso.

Os integrantes da Banda de Congo Amores da Lua são pessoas


comprometidas, dedicadas e fiéis às atividades da banda, mas ao mesmo tempo são
pessoas simples e de pouca escolaridade, o que não diminui em nada o valor de cada

23
uma delas no âmbito social e na contribuição para a prática da cultura do congo. Todos
têm plena consciência da importância do congo no contexto cultural do Estado, e
reconhecem que o congo é Patrimônio Cultural, apesar de não conseguirem definir o
significado do termo Patrimônio Cultural ou tampouco identificar tal benefício para
a banda.

Nas entrevistas realizadas foi possível perceber que para os integrantes


da banda o valor do congo está acima de qualquer título ou reconhecimento
sociopolítico, a luta de cada um para preservar esta cultura não está atrelada à visão
crítica da sociedade ou de prestígios políticos, mas é algo subjetivo, está relacionado
com a alma, significa a “vida”.

Mestre Ricardo acrescenta que a Secretaria de Cultura do Estado do Espírito


Santo, deixa a desejar em relação ao congo de Vitória, dando mais ênfase ao congo
dos municípios da Serra e Cariacica e também que não vê nenhuma proficuidade na
manifestação do congo em relação ao título de Patrimônio Cultural. Sobre isso relata
que apenas um vídeo foi elaborado com imagens de alguns eventos sobre o congo,
porém o destaque é todo para outras regiões, excluindo a cidade de Vitória. Nada do
que foi solicitado junto à Secretaria de Cultura após este reconhecimento da cultura
foi atendido, nem mesmo o calendário cultural que eles gostariam que constassem
nas comemorações anuais. “Nós levamos o congo no peito e na raça,” desabafa Mestre
Ricardo.

Buscando compreender o porquê de haver um maior direcionamento de


recursos por parte dos órgãos Estaduais e Municipais para as regiões de Cariacica e
Serra, e isto não acontecer de igual forma na cidade de Vitória, questiono o Mestre
Ricardo a que ele atribui essa distinção, neste sentido ele relata que nas duas regiões
há Associação das Bandas de Congo. Desta forma por haver maior quantidade de
bandas de congo em relação a Vitória, elas se associam e fazem uso deste equipamento
para unirem suas forças com o propósito de alcançarem seus objetivos.

A associação é uma ferramenta que viabiliza o acesso aos recursos e estreita


a relação entre bandas e órgãos competentes. Mestre Ricardo acrescenta que uma
associação só traz resultados quando há harmonia e parceria entre as bandas de
congo, assim sendo todos são beneficiados.

Em Vitória, segundo Mestre Ricardo existe duas bandas de congo que são:
Amores da Lua no bairro de Santa Martha e Panela de Barro no Bairro de Goiabeiras e
complementa que também existiu uma associação de bandas tendo como presidente

24
uma historiadora filha de paneleira, nascida em Goiabeiras, porém foi extinta por não
apresentar atividades segundo seu propósito requeria.

Ricardo conta que o fato da presidente da Associação ser integrante da


banda de Congo Panela de Barro, fez com que seus interesses estivessem voltados
para a banda de congo do qual é membro, de modo que não integrava a banda
Amores da Lua no contexto dos benefícios adquiridos pela associação. Sendo assim,
as bandas Amores da Lua e Panela de Barro tomavam rumos contrários, e a associação
perdeu todo seu propósito ficando assim, esquecida. Hoje cada banda de congo de
Vitória busca seus próprios interesses no sentido de se ampararem com seus recursos
próprios.

Os demais integrantes, ao serem questionados sobre a necessidade de


maior apoio por parte do poder público, 80% dos entrevistados concordam que
deveria ter mais apoio dos governantes na divulgação da cultura do congo na cidade
de Vitória, com menos burocracia e maior praticidade no repasse dos recursos.

Buscamos também compreender a aceitação da manifestação do congo


no contexto cultural do estado por parte da sociedade. A pergunta elaborada para
a questão foi: “Como o congo é visto pela sociedade?” A única resposta obtida foi:
“com preconceito e discriminação”. Mestre Ricardo lamenta este fato e atribui esta
concepção errônea da sociedade como sendo resultado da falta de conhecimento do
significado, da história e da prática da cultura do congo. Essa falta de conhecimento
segundo os entrevistados prejudica até algumas apresentações da banda. Dentre as
atividades promovidas pela banda neste contexto, estão às apresentações feitas por
eles em universidades, faculdades, escolas públicas e outras instituições, mas ainda
assim o congo não tem recebido espaço na sociedade, pois a discriminação continua.

Mestre Ricardo relata que, em apresentação numa escola na zona periférica


de Vitória, onde professores e alunos atentos e curiosos se reuniam no pátio escolar, a
banda apresentava-se com altivez, o ritmo marcado dos tambores em harmonia com
os demais instrumentos, o gingado das dançarinas e a exibição do estandarte com a
imagem de São Benedito quando de repente uma profissional da área da educação,
levantou-se e com ar de deboche exclamou: “Esse negócio de congo é macumba né?”
Mestre Ricardo, manteve a calma e disse: É esse preconceito das pessoas em relação
ao congo que tem feito muita gente se afastar e não se interessarem pela nossa
cultura, mas eu vou explicar o que é o congo. Após o testemunho do mestre, todas as
crianças o aplaudiram e alguns até chamaram a atenção da “tia” por apresentar total
desconhecimento à história da cultura do congo.

25
A ausência de apoio e de recursos, aliados ao preconceito, são fatores
contribuem o afastamento de novas gerações a esta manifestação cultural na
cidade de Vitoria, afirma Mestre Ricardo, além de não sustentarem as atividades
contínuas do congo como oficinas, cursos de dança e produção de instrumentos, o
que requer custeio alto e a banda não dispõe de recursos financeiros para tal. Os
jovens, adolescentes e adultos somente apresentam interesse pelo congo em datas
comemorativas quando o congo se apresenta nos cortejos de final de ano, logo após
se afastam restando apenas os integrantes que tradicionalmente fazem parte da
banda.

A Banda de Congo Amores da Lua infelizmente não tem apoio das novas
gerações que se interessem pela prática da cultura do congo, contudo procura buscar
junto aos integrantes da banda e da comunidade, meios de atrair este público juvenil
para as suas atividades.

Conclusão

Os capixabas são frutos da miscigenação brasileira, que resultou na


diversidade cultural que mantém viva a identidade de um povo com seus valores
éticos, morais e religiosos. Manter suas tradições é uma forma de conservar sua
história, onde os seus integrantes expressam a diversidade dos processos históricos,
econômicos e políticos que contribuem para continuidade cultural.

A realidade do congo capixaba, verificada no trabalho de campo junto com


a Banda de Congo Amores da Lua, mostra que há comprometimento por parte dos
integrantes da banda, vontade máxima em desenvolver as atividades e utilizar-se
de recursos como a transmissão oral, memórias e exposição na mídia entre outros,
visando atrair outras comunidades para a adesão da prática e com isso, a preservação
do congo, elencando que o patrimônio cultural não depende apenas da adesão
da comunidade congueira, torna-se necessário investimento e crédito dos órgãos
competentes. Conclui-se que é imperativo o comprometimento do poder público
para manter viva esta manifestação cultural.

Finalizo também que se faz emergente, atividades de conscientização para


que a sociedade desconstrua a visão preconceituosa da cultura do congo, jogando luz
no propósito central da perpetuação da banda, revelando seu encanto, valor cultural
e histórico, desmistificando a lenda de uma prática religiosa.

26
Verifica-se a necessidade de um estreitamento na relação entre a Banda de
Congo Amores da Lua com outras bandas, no sentido de revitalizar a Associação das
Bandas de Congo da cidade de Vitória, criando estratégias para promover atividades
regulares, com oferta de oficinas educacionais com atividades relacionadas a esta
manifestação cultural, o que seria também um recurso para atrair novos participantes,
haja vista que nesta pesquisa constatou-se que a maioria dos integrantes da banda são
pessoas idosas, urgindo assim providências para que as novas gerações participem
e através da adesão dêem continuidade e despertem o interesse e o carinho das
crianças para com esta manifestação folclórica tão tipicamente capixaba.

Tendo como parâmetro o significado e relevância do tema aqui abordado,


clarifica-se a necessidade das bandas, comunidades e órgãos estaduais e municipais,
de engajarem-se no propósito de garantir a continuidade desta manifestação popular,
possibilitando o acesso ao conhecimento, a vivência e a valorização do congo
capixaba. A sugestão é avançar transversalmente da identificação de problemas e
ameaças de descontinuidade da tradição, assim como as políticas de incentivo para
garantir a viabilidade, preservação, transmissão e atualização do congo.

27
Imaginação musical e o
impulso (ou élan)

André Rosalem Signorelli


Faculdade de Música do Espírito Santo - arsignorelli@yahoo.com.br

Resumo Abstract
Como a Imaginação musical pode auxiliar How musical imagination can help
na execução inteligente, consciente e smart, conscious and coordinated
coordenada dos movimentos pianísticos? implementation of pianistic movements?
Dar algumas sugestões e apontamentos Give some suggestions and notes is what
é o que procuraremos desenvolver no we will try to develop in this article. What
presente Artigo. O que gera o toque generates the pianistic touch? Which
pianístico? Qual o ponto detonador da detonator point of piano action? What
ação pianística? O que é, como surge it is, how it arises and what the course
e qual o percurso da energia musical? of musical energy? Considering that the
Tendo em vista que os diferentes estilos different styles and the peculiar character
e o caráter peculiar de cada peça (ou of each piece (or genre) require the pianist
gênero musical) exigem do pianista o the mastery of appropriate gestures to
domínio dos gestos adequados para dar give sound form (ie translate into sounds)
forma sonora (ou seja, traduzir em sons) to the musical content of a given work
ao conteúdo musical de determinada in a continuous flow of energy musical,
obra num fluxo continuo de energia we will give some practical proposals
musical, ensejaremos algumas propostas for clear achievement of technical and
práticas para a consecução clara dos expressive ends of a piece of music.
fins técnico-expressivos de um trecho
musical. Keywords: Piano action. Impulse.
Pianistic movements. Act of will. Musical
Palavras-chave: Ação pianística. consciousness and body consciousness.
Impulso. Movimentos pianísticos. Ato Body mastery. Intelligent study. Musical
de vontade. Consciência musical e energy.
consciência corporal. Domínio corporal.
Estudo inteligente. Energia musical.
À guisa de exórdio, vale destacar que, para os fins deste trabalho, parte-
se do conceito apriorístico de Imaginação Musical, bem como do entendimento
consuetudinário de Inteligência Musical (qual seja, tal como dados pelo ensino
acadêmico regular de Música com Habilitação Piano).

Nesse supedâneo, Imaginação corresponde à capacidade de ouvir


interiormente um som antes de produzi-lo ao piano (“sentir”, planejar). Portanto,
é semelhante ao impulso (ou élan) funcionando como ponto detonador da Ação
Pianística. Nesse sentido, não se limita a elementos musicais, mas também abarca
imagens extramusicais (oriundas do cotidiano da vida).

Na mesma peanha, Inteligência Musical significa a habilidade de


entendimento do Conteúdo Musical em sua dimensão sintático-semântica atribuindo
ao Texto escrito sentido cheio de vida e frescor não só para o próprio intérprete mas
também para a plateia ouvinte.

Em tal diapasão, com foco no Conteúdo Musical de uma obra é produzida


na interpretação toda uma plêiade de nuances (dinâmica, agógica, toque) oriundas
das exigências do fraseado expressivo.

Destarte, o ato de tocar piano é cerebrino e sujeito aos mais sutis matizes
psicomotores (os quais determinam o som produzido e os recursos técnico-mecânicos
utilizados). Portanto, há uma constante interação entre atividade sensorial e recursos
musicais. Ou seja, o intérprete, consciente dos fins musicais que pretende, regula a
cada nota o peso necessário à consecução do fraseado e toque exigidos pelo estilo e
caráter de cada obra musical.

Dessa forma, as mais discretas alterações táteis na ponta do dedo podem


intervir na sonoridade e, portanto, na qualidade da técnica pianística.

Feitas as devidas introduções temáticas, passemos sem mais delongas para


o assunto em tela.

Nesse contexto, a Imaginação faz traduzir em sons a representação artística


mental (objetivo, foco, goal) mais diretamente, sem obstáculos ou crispações, de forma
contínua, como o fluir intermitente de um rio. Ela oferta ao pianista uma ferramenta
para tornar ativa e operante sua Imagem Artística direcionando o corpo para efetuar
os movimentos adequados (perfeitamente adaptados). Braços relaxados como um
bom suporte e canal devem conduzir a ideia musical que deve soprar pelos dedos
diretamente nas cordas. Este o conceito que aprendemos da mestra russa GALINA

30
MINSKER (discípula de Shmidt-Shklowskaya, ex-aluna de Felix Blumenfeld). Para a
realização de tal desiderato, os movimentos corporais devem estar perfeitamente
coordenados e ajustados.

Deveras, a ponte que realiza esta interligação imanente consiste no impulso


mental (ou élan) e representa o foco ejetor de toda e qualquer ação pianística.

É por essa razão que os tecnólogos modernos, tomando como ponto de


partida a queda-livre (ação da força gravitacional sobre o peso de um braço relaxado
fazendo-o tombar sobre o teclado com abandono, sem resistência), consideram o
impulso como sendo a base dos movimentos pianísticos. De maneira que o repouso
(ou apoio) constitui a manifestação típica da força de atração gravitacional.

Na verdade, serve como fator motivacional, como causa eficiente dos


movimentos pianísticos. Funciona no sentido de conduzir o intérprete à técnica
adequada para cada passagem, considerando-se a Imagem Estética que tem
previamente em seus ouvidos e mente.

Como já dissemos, a propósito da lição de NEUHAUS (1973), quando o


pianista sabe o que quer (o objetivo), o como fazer (savoir faire = técnica) apresenta-
se mais natural e espontaneamente ao seu espírito juntamente com os meios
necessários e adequados à eficaz concretização.

Consoante KAEMPER (1968), a primeira referência ao conceito de impulso


foi feita por Aline Tasset em seu livro “La main et l’àme du piano d’après Schiffmacher”,
sob a denominação “geste lancé”. A autora escreveu sobre o método de ensino de
SCHIFFMACHER, discípulo de Sigismond Thalberg e F. Chopin e descreveu o impulso
como “gesto arremessado” ou “gesto lançado” designando o impulso a partir do
ombro que “arremessa” ou “lança” braço, mão e dedos sobre a superfície do teclado.

Nesse rumo, significa um impulso voluntário que gera um movimento


rápido logo seguido de passividade ou relaxamento. Ainda segundo ALINE TASSET,
o gesto lançado consistiria em um apoio forte do braço em movimento que avança
sobre o teclado sendo acompanhado passivamente pela mão firme. Assim, geraria
um som acentuado. Essa é também a noção que extraímos a partir da denominada
“técnica de ISABELLE VENGEROVA” 1 (pianista russa, depois radicada nos Estados
Unidos da América - discípula de Annete Yessipova em São Petersburgo e de Theodor
Leschetizky e Josef Dachs em Viena).

1 Cf. SCHICK, Robert D. The Vengerova System of piano playing. University Park: The
Pennsylvania State University Press, 1982, p. 23.

31
A definição de lançamento para LEIMER-GIESEKING (1951) consiste em uma
força muscular apta a colocar em movimento o peso da mão, braço ou antebraço.
Logo, significa lançar os dedos a partir das articulações que se mantém firmes,
executando-se o movimento com força e energia.

No entanto, a maioria dos autores usa o termo impulso. Consideram o termo


lançamento inadequado, vez que nenhum dos membros de nosso corpo é passível
de ser lançado.

Para KAEMPER (1968), o impulso é a base de todo movimento pianístico e


apresenta grandes vantagens sobre a queda-livre (massa desvitalizada e imobilizada),
pois não se restringe apenas à direção vertical e ao sentido de cima para baixo.

Com efeito, consoante o magistério de KAEMPER (1968), a impulsão é causa


ativa de um movimento que posteriormente se transforma em passivo, enquanto a
queda-livre não apresenta tantas vantagens por ser tanto meramente passiva quanto
limitada a uma só direção (vertical) e sentido (do alto para baixo).

Nas palavras de SCHUBERT (apud Kaemper, 1968), impulso é descrito


como “uma breve contração, semelhante a uma sacudidela que coloca a massa em
movimento para logo abandoná-la à sua própria trajetória” (Kaemper, 1968, p. 81)
e deixar imediatamente livre o corpo, cujo peso é sustentado pelos dedos sobre o
teclado. Assim, o braço fica suspenso pelos ombros. Conforme aprendemos com os
mestres LUIZ DE MOURA CASTRO (discípulo de Guilherme Fontainha, Arnaldo Estrella
e Lily Kraus) e MARIA GAMBARYAN (discípula de Konstantin Ygumnov e Heinrich
Neuhaus), o peso vem de um único lugar, concentrado a partir dos ombros, para ser
distribuído imediatamente nas duas mãos entre os dedos.

Nessa acepção, é semelhante a um abalo ou agitação breve. Dessa forma,


quer dizer uma contração passageira, pois antes e após a qual deve prevalecer o
estado de inércia, passividade, relaxamento e descontração muscular. Logo, o apoio
do peso representa um estado ao qual o braço deve retornar entre cada movimento
(toque apoiado). Assim, o executante perfaz uma autêntica transferência de peso,
na qual o peso do braço é transmitido às teclas avançando de um dedo para outro
seguindo os influxos e flutuações do trecho musical.

Consoante TOMY BANDMAN (ibidem), élan ou lançamento corresponde a


um conjunto de procedimentos realizados a partir do ombro visando o arremesso
do braço sobre as telas por meio de um impulso vigoroso e rápido. Portanto, é a
“condução do braço, mãos e dedos a partir da articulação do ombro de maneira breve

32
e vigorosa” (Kaemper, 1968, p. 80).

Conforme ELISABETH CALAND (apud Leimer-Gieseking, 1951), não existe


propriamente uma “queda-livre” do braço (meramente sustentada pelos músculos do
braço), mas existem dois tipos de queda, nas quais uma outra força (para além da
gravitacional) atua conjuntamente sobre o corpo, quais sejam: 1) “queda controlada”
- produzida pela contenção do peso do braço pelos músculos, de modo a retardar
sua queda tornando seu repouso incompleto; 2) “queda favorecida” - acelerada por
um impulso proveniente da atividade muscular movimentando alavancas ósseas,
reforçando a queda por meio de uma pressão e “arremessando” o peso da mão e do
braço sobre o teclado. A queda favorecida é sinônimo de lançamento, no qual a massa
é impulsionada por uma força extra.

Para LEIMER-GIESEKING (1951), a queda-livre (sem agregação de esforço)


consiste em um tipo de movimento meramente teórico, pois os diversos graus de
força necessários à execução pianística exigem alguma retenção ou aceleração da
massa.

No mesmo trilho segue a aclarada observação de WANDA FLEURY AMORIM


(1977), para quem:
Cientificamente, a queda livre pressupõe um corpo independente-
mente livre, que não se encontre ligado a nada. Assim, tratando-se
de execução pianística, a queda não é exatamente livre, pois o corpo
que vai cair – o braço – move-se em torno de um ponto fixo, o ombro,
e por esta razão não chega a descrever uma linha reta como na que-
da livre verdadeira, mas um movimento circular (segmento de círcu-
lo). A queda não é totalmente livre, pois se tal fosse, o peso do braço
faria a mão deslizar para fora do teclado; é necessário que os dedos
se mantenham firmes para sustentar o peso. Na prática, a queda livre
tem emprego limitado. Entretanto, a maioria dos pedagogos aceita a
queda livre por levar em si a essência, o germe da técnica moderna;
é o primeiro passo para a compreensão fisiológica mais avançada da
técnica pianística. Em outras palavras, o papel da queda livre na téc-
nica é, principalmente, o de intensificar a sensação de relaxamento
(Amorim, 1977, p. 22).

Outro questionamento à pretensa queda-livre provém de MATTHAY (1932).


A propósito, esse autor declara a impossibilidade de obter qualquer certeza musical
a partir da queda-livre, a não ser controlando-se a quantidade de força necessária
para a produção de um som desejado bem como o grau de aceleração para fazer
descer a tecla até o fundo. O pianista deverá dar azo, então, a um movimento do tipo
voluntário a fim de alcançar a exatidão do toque.

Com efeito, o movimento é provocado pela ação da gravidade a partir

33
da liberação total do peso do braço. No caso de a queda ser retardada (controlada)
ou acelerada (quando os dedos já se encontrarem ao nível do teclado próximos à
sua superfície), a ação muscular será a força motriz que colocará em movimento as
alavancas ósseas, porém sempre favorecida pela colaboração do peso do braço.

Por sua vez, OTTO ORTMANN (1929) acrescenta que na queda controlada,
há uma contração parcial dos músculos que levantam o braço contra a ação da lei
da gravidade retardando a queda do braço. Tal contração não significa rigidez sendo
apenas um estado de relaxamento parcial. Já na queda favorecida, os músculos se
contraem a fim de acelerar a descida do braço e lançam o braço, reforçados pela lei da
gravidade. Essa aceleração proveniente da contração parcial dos músculos do braço
faz o braço descer mais rapidamente do que apenas com a ação da lei da gravidade
na queda-livre. Porém, mais uma vez, não significam crispação senão um relaxamento
parcial.

A queda favorecida é também denominada lançamento ou impulso.

Harmonicamente, STEINHAUSEN (apud Kaemper, 1968), adverte que a


contração muscular deve ser passageira na produção do impulso. Quer dizer, o
executante deve atentar para o estado de relaxamento e descontração que deve
prevalecer antes e após a impulsão. Em outras palavras, é necessária atenção à
sensação tátil e nervosa proveniente da elasticidade total do braço. Por isso, segundo
o autor, não pode existir na impulsão qualquer tipo de interrupção ou imobilização
no ar. Qualquer retenção ou desaceleração, por menor e mais passageira que seja,
pode anular o movimento gerado pelo impulso.

Vale ressaltar, a esse respeito, o destaque feito por NEUHAUS (1973) sobre
a importante função do dedilhado em ajudar na geração da impulsão lançando a
mão sobre as teclas a fim de produzir o som imaginado pelo pianista. Na verdade, o
impulso conduzido pelo bom dedilhado faz com que a mão funcione como uma mola
elástica2.

Assim:

2 Contudo, queremos advertir que não estamos afirmando que ao tocar deve-se “jogar a
mão” de qualquer maneira, até porque semelhante ato poderia ocasionar um toque violentamente
ruidoso e brutalmente estrepitoso. Pelo contrário, deve-se lançá-la com critério e parcimônia,
sempre com vistas a produzir fielmente o tipo de sonoridade demandada pelo compositor em sua
obra. Portanto, aqui é necessário agir com sobriedade, consciência e cuidado focando sempre a
expressividade característica adotada pela peça musical. Significa que não deve haver qualquer
brutalidade (a menos que a obra de arte exija do intérprete um caráter ou estilo mais “selvagem”).

34
Gravidade + Aceleração (Relaxamento Parcial) = Impulso (Lançamento ou
Élan)

Portanto, o gesto lançado (impulso) não pode ser efetuado sem algum
grau mínimo de contração muscular, que deve ser conservado, frise-se, realmente ao
mínimo indispensável para colocar a massa corporal em movimento e dar vida à mão
(diferentemente da queda-livre, na qual a mão cai ou tomba naturalmente em estado
de inércia agindo tão somente sob a ação da lei física da gravidade).

Em KAEMPER (1968) e FONTAINHA (1956) encontramos definida a chamada


queda-livre como liberação do peso, ou seja, resultado da ação livre da força da
gravidade sobre a massa do braço fazendo-o tombar e cair.

Conforme LEIMER-GIESEKING (1951), para realizar a queda-livre, é preciso


levantar o braço e deixá-lo cair solto desde a articulação do ombro. Os dedos que vão
tocar devem ser mantidos firmes.

Todavia, vale lembrar que, para KAEMPER (1968), a queda-livre não precisa
ser necessariamente do alto num amplo movimento de alto a baixo (modo de ataque
percussivo), mas também próximo ao teclado, sem impacto (ataque “de perto” 3).

Dessa maneira, uma vez atingido o funda das teclas, o movimento


transforma-se em toque apoiado (toque de peso).

Para LOYONNET (1985), na queda-livre os dedos têm a função de suportar


o peso do braço servindo como pilares de sustentação. Na verdade, os dedos servem
como ponto de apoio, pois o braço se equilibra sobre eles.

Nesse mesmo sentido é a opinião de NEUHAUS (1973), para quem:


Isto que as pessoas costumeiramente abusivamente chamam “força
dos dedos” é na realidade a estabilidade dos dedos e da mão, capazes
de suportar não importa qual carga. Todo fisiologista vos dirá que a
força dos dedos, no seu sentido próprio, é ínfima em comparação
daquela que se necessita quando se precisa de um pianista. (…) os
dedos deixam de ser entidades independentes para se transformar
em sólidos apoios capazes de suportar não importa qual peso. Eles
são as colunas, ou melhor, os arcos debaixo da arcada da mão. Em
princípio, a arcada pode suportar o peso de todo o nosso corpo. E este
peso, esta enorme carga, a coluna dos dedos deve poder suportar e
reter! Esta é a vocação principal dos dedos! Infelizmente existem hoje
ainda alguns pianistas (mulheres sobretudo) que ignoram isto que
chamamos de peso, pressão, impulso, e tocam “em todo os casos”

3 Novamente um termo muito utilizado pelos principais professores de piano, daí a referên-
cia ter sido feita com uso das aspas.

35
a partir da ponta dos dedos. A construção de nossa mão, do ponto
de vista de sua utilização ao piano, é a ideal. De fato, isto é inútil
de discutir. Todos sabem o que é a mão e o que ela significa para o
ser humano. Eu não falo nada mais do que questionar o porquê de
alguns pianistas não tirarem partido de suas mãos4 (Neuhaus, 1973,
pp. 98 e 99, tradução nossa, grifo nosso).

Segundo GÁT (1980), a função dos dedos consiste não apenas no toque
ativo (percussivo ou articulado), mas também na transmissão da força do braço às
teclas. O peso avança a partir do ombro na direção das teclas passando pelos dedos.

Extrapolando esse raciocínio, podemos concluir que os dedos seriam,


assim, a estação final do canal condutor que é o braço ligando a fonte do peso
desde o ombro até as teclas em fluxo. Dessa maneira, o braço funciona como um fio
condutor da energia nervosa ligando a origem (ombro) aos repositórios finais (dedos).
Assim, os dedos funcionam como receptáculos do peso, estacas, pilares, colunas de
sustentação, ponto de apoio, ponto de contato com o teclado. Sobre os dedos recai a
atuação do peso do braço (e em alguns momentos, também do tronco ou do corpo
inteiro).

Portanto, uma vez firmados os dedos, a impulso colocará em ação todo


o conjunto pianístico de forma a atingir fins interpretativos garantindo a exata
proporção da utilização de cada músculo, graduado e calibrado na medida exata das
necessidades sensório-motoras vis-à-vis com o cálculo das potencialidades expressivas
da obra musical. A aceleração do impulso, supra apontada, é resultado diretamente
proporcional à energia musical capaz de colocar a massa em movimento. Ou seja,
à movimentação do conteúdo musical, emocional e humano da obra corresponde
um movimento de reação na mesma intensidade por parte do aparelho corporal do
intérprete.

Neste sentido, trata-se de um autêntico processo de Movimento Criativo5,

4 Ce que l’on a coutume d’appeler abusivement “force des doigts” est en realité stabilité des
doigts et de la main, capables de supporter n’importe quelle charge. Tout pysiologue vous dira que
la force des doigts, au sense propre, est infime em comparaison de celle que déploie quand il le faut
un pianiste (…) les doigts cessent d’être des entités indépendants pour se transformer em solides
appuits capables de suporter n’importe quel poids. Ils sont des colonnes, ou plutôt des arcs sous
la voûte de la main. Em principle, la voûte peut supporter le poids de tout notre corps. Et tout ce
poids, cet énorme fardeau, la colonnade des doigts doit pouvoir les supporter et les contenir! C’est
là la vocation principale des doigts! Malheureusement il existe aujoud’hui encore des pianistes (des
dames surtout) qui ignorent ce que son poids, pression, élan, et jouent “dans tous les cas de figure”
du bout des doigts. La construction de notre main, du point de vue de son utilisation au piano, est
idéale. A vrai dire, il est même vain d’en discuter. Chacun sait ce que’est la main et ce que’elle signifie
pour l’homme. Je n’en parle que parce que certains joueurs de piano ne s’en accommodent pas).
5 Concorde o ensinamento de FRITZ (1998), constitui uma pedagogia pianística surgida na

36
conforme depreendemos da ensinança de JÓZSEF GÁT (1980) segunda a qual
“como deve haver uma interrelação muito próxima entre imaginação musical e ação
muscular, é um pré-requisito para a boa técnica que a variação dos movimentos
siga exatamente as mudanças do conteúdo musical” 6 (Gát, 1980, p. 79). Como dizia,
conforme frisa a tradição, o antigo e legendário mestre russo KONSTANTIN IGUMNOV
(um dos patriarcas da Escola Russa de Piano): “É da ideia musical que nascem os
movimentos necessários à sua execução”.

Estamos, com efeito, falando dos denominados gestos musicais. Esta,


aliás, a lição que recebemos dos pianistas brasileiros NELSON FREIRE (discípulo de
Guilherme Fontainha, Lúcia Branco, Nise Obino, Bruno Seidlhofer, Hans Graf, Guiomar
Novaes, Arthur Rubinstein e Nikita Magaloff ) e CRISTINA ORTIZ (discípula de Magda
Tagliaferro e Rudof Serkin). Ambos preconizam, além do trabalho refinado de Som
(relevos, texturas, fraseado, nuances, timbres, vozes, pedalização, etc.), a posição das
mãos e os gestos conectados ao conteúdo musical (na verdade, extraídos dele).

Por isso, acreditamos na compreensão tanto intelectual quanto cinestésico-


motora dos gestos. Ou seja, gestos conscientes, bem construídos e intencionais
(resultantes de um ato de vontade) devem ser levados a efeito pelo intérprete para
a concretização da ideia musical bem como para a sua própria facilidade técnica.
Assim, as sensações táteis geradas pelos movimentos e as impressões nervosas deles
oriundas são de extrema valia para o pianista. O mesmo podemos dizer com relação à
sensibilidade motora, ao instinto físico-mecânico, à consciência corporal, ao domínio
do aparelho psicomotor, ao controle muscular e à intuição perceptiva (propriocepção
ou cinestesia). A sensação de equilíbrio e o gerenciamento corpóreo-energético
devem ser constantes (e ininterruptos) durante toda a execução.

Visando a realização perfeita do que acima expusemos, é de suma


importância dar forma orgânica (ou seja: visceral, com fisicalidade, encaixar no
corpo) e musicalmente coerente aos gestos. Em outras palavras, dissecar e decupar
racionalmente os gestos. Como corolário disso, também destacamos o entendimento
detalhado da forma dos gestos; isto é: de onde vêm e para onde vão, onde começam
e terminam, sua direção, notas musicais estratégicas de ida e volta na partitura
que funcionam como pontos elípticos (vale dizer, ao mesmo tempo de chegada e
década de 1920 e denominada Movimento Criativo. Sua precursora, Martha Russell, acreditava que
se a energia corporal fosse alinhada com o movimento inerente da música, a musicalidade seria
favorecida e a performance ganharia em liberdade e relaxamento.
6 As there must be a close interrelation between musical imagination and physical motion,
it is a prerequisite of good technique that the variants of the movements should exactly follow the
modifications of the musical concept.

37
de partida), se perfazem semicírculos por cima da mão (ascendentes) ou por baixo
da mão (descendentes), se completam um círculo inteiro, se são elipses, pontos de
apoio, etc. Recomendamos que os gestos sejam “sentidos” (sensação neuromuscular)
a partir dos ombros e conduzidos (guiados, liderados, direcionados) pelo cotovelo.

A esse respeito, bastante elucidativa a lição de DANIELA ANDRÉA TORRES


CABEZAS (2006), para quem:
Sentir os pontos harmônicos estruturais também é importante
porque a relação destes com os acentos métricos e hiper métricos
é uma das pistas de localização das grandes pulsações da energia. A
partir da localização destas pulsações grandes da energia se pode ter
uma ideia dos direcionamentos gerais da música. A “energia musical”
se concentra em pontos de convergência, nos quais incide e coincide
o maior número de eventos. A percepção destes pontos só acontece
em relação à sua circunvizinhança. Podem ser contabilizados eventos
como pulso, mudanças de pontos harmônicos estruturais, mudança
de textura, notas longas, baixo, melodia e saltos melódicos, colocação
das alturas em relação à métrica, e tudo o que puder ser considerado
como “relevo” no contexto. Numa situação esquemática, um ponto
onde coincida o tempo forte do compasso com o baixo em posição
fundamental convergiria mais energia de que um ponto onde, ainda
em tempo forte, o baixo estivesse em posição invertida; um baixo
que forme uma melodia é mais forte do que um que serve como
base harmônica, e assim por diante. Ou seja, é o destaque relativo
dos pontos que lhe confere o “peso”. Para exemplificar esta proposta
de processo interpretativo a partir da identificação dos pontos de
convergência, escolhemos os 16 primeiros compassos da Sonata
n° 3, Op. 5 de Johannes Brahms. Neste trecho, pode-se considerar
que a grande concentração de eventos (pulso, acordes, baixo, saltos,
etc) converge pontos de energia em quase todos os tempos dos
compassos... (Cabezas, 2006, pp. 134 e 135)7.

Outrossim, graças ao impulso, gerado pela centelha de energia musical,


o intérprete dará azo à realização concreta da atividade pianística de maneira
completamente coordenada e ajustada entre parte muscular e espiritual constituindo
um todo indissociável. Um impulso elétrico e nervoso colocará todo o aparelho
pianístico à serviço da Expressividade Musical contida na obra artística (em perfeita,
absoluta e completa sintonia de concentração)8.

7 É importante frisar que neste trabalho não temos a pretensão de analisar os aspectos
interpretativos que conduzem à formação do impulso como energia musical (quais sejam: harmonia,
melodia, ritmo, fraseologia, acentos métricos, pulsação, alturas, texturas, tessituras, timbres, toques,
atmosferas, conteúdo narrativo, clareza, padrões típicos de desenhos, estrutura musical e forma,
agógica, dinâmica, etc.), posto que não constituem o núcleo temático de nossa tese. Restringiremos
o debate à importância da análise de tais fatores para a execução pianística, bem como à sua
influência na formatação da Imaginação Musical. A abordagem de tais assuntos exigiria por si só
uma dissertação inteiramente nova e completa.
8 Daí dizerem alguns professores que uma interpretação possui nervo ou temperamento
(qualidade resultante da velocidade do ataque em sua energia). Com efeito, tal qualidade advém do

38
Portanto, daí nascem e brotam (ou melhor, são gerados e construídos) os
gestos musicais.

Neste ponto, trazemos à colação a importante assertiva de HEINRICH


NEUHAUS (1973), segundo quem:
Parafraseando este pensamento, poderíamos dizer: “Ele é pianista
porque possui uma boa técnica? Não exatamente, ele possui a
técnica porque é pianista, porque ele sabe exprimir por meio do
som o conteúdo poético, o sentido profundo, a harmonia e as leis da
música”. Essa é a razão pela qual a técnica é indispensável, tão quanto
a concepção espiritual9 (Neuhaus, 1973, pp. 69 e 70, tradução nossa).

Dessa forma, o impulso musical gerador da atividade pianística dará


ensejo à criação das mais variadas atmosferas demandadas pelo instinto criador do
intérprete, fruto do trabalho de sua Imaginação Musical ativada pela expectativa do
Som antecipadamente desejado.

Para tanto, é de suma importância a existência de um interesse ou vontade


que indique a existência de uma necessidade de adequação musical a ser preenchida
pelo escopo artístico proposto pelo compositor no Texto Musical (partitura). Tal
modalidade de interesse musical propiciará a imperiosa e exata carga motivacional
que colocará em ação todo o conjunto pianístico.

Portanto, o interesse será o foco ejetor da ação musical coincidindo e


identificando-se precisamente com o impulso musical.

Dessa forma:

Necessidade Musical – Interesse – Impulso Musical/Energia Musical – Ação


Musical

Assim, podemos afirmar que interesse e impulso musical correspondem à


mesma realidade psicofísica comandada pela mente (vontade/intenção).

Porque uma vez gerada a vontade (ou interesse/intenção) por uma


necessidade musical (fruto da observação e análise da adequação ao Texto Musical,
captação/observação da vontade/essência do compositor e concepção artística
do intérprete/bom gosto/senso estético), é detonada de uma só vez toda a carga

senso rítmico do intérprete.


9 En paraphrasant cette pensée, on pourrait dire: “Est-il pianiste parce qu’il possède une
bonne technique? Non bien sûr, il possède la technique parce qu’il est pianiste, parce qu’il sait
exprimer par le son le contenu poétique, le sens profond, l’harmonie et les lois de la musique”. Voilà
pourquoi la technique est indispensable, au même degré que la conception spirituelle.

39
energética condizente com o denominado impulso musica; o qual, viabilizado pela
motivação resultante do impulso criativo, acarretará a realização de uma Ação Musical
consentânea com os fins expressivos plasmados no Texto Musical pelo compositor da
obra musical.

Portanto, o impulso expressivo detonado pela Imaginação Artística serve à


música ao piano, visto que reforça seu conteúdo estético por meio da valorização das
características espirituais e do caráter dramático da obra composta a ser interpretada.

Referências

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Livre Docência). Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 1977.

CABEZAS, Daniela Andréa Torres. Uma técnica pianística e seu método de


ensino. (Dissertação de Mestrado). Campinas: [s.n.], 2006.

FONTAINHA, Guilherme Halfeld. O ensino do piano: seus problemas técnicos e


estéticos. Rio de Janeiro: Carlos Wehrs & Cia. Lida., 1956

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KAEMPER, Gerd. Techniques pianistiques: l’evolution de la technologie


pianistique. Paris: Alphonse Leduc, 1968.

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Courteau Éditrice Inc., 1985.

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University Press, 1932.

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Co., 1919.

NEUHAUS, Heinrich. L’art du piano. France: Editions Van de Velde, 1973.

ORTMANN, Otto. The physiological mechanics of piano technique. London:


Kegan Paul, 1929.

40
SCHICK, Robert D. The Vengerova System of piano playing. University Park:
The Pennsylvania State University Press, 1982.

SCHUBERT, Kurt. Die Technik des Klavierpiels aus dem Gerste des musikalischen
Kunstwerkes. Berlin-Leipzig: Goeschen, 1931.

41
CORALITO: EXPERIÊNCIAS
COM O CANTO CORAL
INFANTIL NA FACULDADE DE
MÚSICA DO ESPÍRITO SANTO

Anna Claudia Perin Vidigal1


Sandra Bernabé Moreira Berto2
FAMES - anna.vidigal@hotmail.com
1

FAMES - sandrabberto@hotmail.com
2

Resumo Abstract
Esse trabalho tem como objetivo This paper aims to share experiences
compartilhar experiências vivenciadas of the children’s choir-including
nas aulas de canto coral infantil - Coralito children from level I, II and III enrolled
da Faculdade de Música do Espírito in music course for children, at Espírito
Santo, com as crianças dos níveis I, II e Santo Conservatory of Music. A
III do Curso de Musicalização Infantil. phenomenological character survey was
Realizou-se uma pesquisa com caráter conducted and the participants were
fenomenológico e como método de observed as a data-collect method. The
coleta de dados adotou-se a observação paper presents some aspects not only
participante. O texto apresenta o trabalho of music learning but also the stages
realizado com os grupos, destacando of human development based on the
alguns aspectos da aprendizagem studies of Wallon, Vygotsky and Piaget.
musical ao mesmo tempo em que Besides that, a brief summary of activities
ocorre o desenvolvimento humano and methods adopted in the singing
na perspectiva de Wallon, Vygotsky e classes and the teaching-learning process
Piaget, e um breve relato de atividades e are presented.
ações adotadas durante os processos de
ensino-aprendizagem do canto coletivo
infantil. Keywords: Children’s Choir. Musical
Awareness. Socialization.
Palavras-chave: Canto Coral Infantil.
Sensibilização Musical. Socialização.
Introdução

A instituição de ensino FAMES foi “criada pela lei nº 661 de 12 de novembro


de 1952 com a denominação de Instituto de Música do Espírito Santo - IMES” (MARTINS,
2006, p.8). No entanto, só começou funcionar efetivamente em 1954, a então, Escola
de Música do Espírito Santo - EMES, com os cursos de piano, violino e canto.

O curso de Musicalização Infantil foi criado no ano de 1985, porém, há


registro da “instalação do Curso de Iniciação Musical, destinado às crianças de 5
a 8 anos” (EMES, 1955), sendo regente da cadeira a professora Maria do Carmo de
Oliveira Braga, formada pela Escola Nacional de Música, que proferiu a palestra da
aula inaugural.

A característica do curso era o “emprego do ensino intuitivo, aliado à


atividade, tendo por base a experiência sensorial ligada à motricidade” se opondo
ao antigo ensino que “era feito por abstrações” (EMES, 1955). Observamos que suas
propostas traziam a influência das experiências musicais de Émile Jacques-Dalcroze,
educador musical suíço que elaborou a base de sua pedagogia num momento em
que a Europa estava convivendo com grandes transformações sociais (MATEIRO;
ILARI, 2012, p.29), buscando um pensamento musical mais democrático, incluindo
um maior número de alunos no aprendizado da música e não somente aqueles que
se destacavam em suas habilidades musicais. De acordo com pesquisas no arquivo da
FAMES, não foram encontrados registros do funcionamento do curso.

Os dados encontrados referentes ao funcionamento efetivo do Curso de


Musicalização Infantil (CMI) para crianças, na FAMES, datam a partir de 1986. De acordo
com Rosângela Fernandes, primeira coordenadora do curso e alguns documentos
da época, “a preocupação primordial do CMI é de desenvolver a potencialidade e
criatividade da criança no seu aspecto global, físico, afetivo e sensorial, para que ela
possa realizar com alegria a prática musical, vocal e instrumental” (CMI, 1987)10.

Os alunos participavam em aulas de Iniciação Musical (teoria e percepção)


durante todos os níveis. O canto coral e prática instrumental se encontravam
divididos em dois grupos. Para as crianças entre 7 a 9 anos, Coralito (canto coral
infantil) e Bandinha Rítmica, e, entre 10 a 12 anos, Curumins (canto coral juvenil) e
Orquestra Juvenil. As crianças desse segundo grupo escolhiam um instrumento:
piano, flauta doce, violão ou violino e estudavam o instrumento em aulas individuais
10 Parte do texto elaborado pela coordenação do CMI, encontrado no programa do recital
das classes do curso distribuído aos pais e demais familiares durante a apresentação dos alunos no
ano de 1987.

44
ou em pequenos grupos. Aos poucos novos instrumentos foram incluídos: clarinete,
saxofone, trompete e flauta transversa.

O curso em 2002 passou por reformulações, iniciando um trabalho de


educação musical direcionado a crianças com 4 e 5 anos.

Fig. 1 - EMES/Coordenação de Educação Musical Infantil. Plano de Curso 2002/2003.

Em 2004, a antiga EMES torna-se Faculdade de Música do Espírito Santo -


FAMES. Nesse momento, no curso de Musicalização, a classe destinada aos alunos de
4 e 5 anos fica fora do currículo, passando o curso, a ser, até o final do ano de 2007,
dividido em apenas seis níveis, sendo organizado da seguinte forma:

45
Nível Disciplinas
Iniciação Musical
I Flauta Doce
Coralito/Percussão
Iniciação Musical
II Flauta Doce
Coralito/Percussão
Iniciação Musical
III Flauta Doce
Coralito/Percussão
Iniciação Musical
IV Instrumento Individual
Canto Coral
Iniciação Musical
V
Instrumento individual
Canto Coral
VI Prática de conjunto: instrumentos
Variados

Fig. 2 - FAMES/Curso de Musicalização Infantil/Manual do Aluno, 2008.

Em 2008 “A Musicalização Infantil abriu vagas para seu novo projeto,


Caixinha de Música, voltado para crianças de 04 e 05 anos” (Informe FAMES, 2008),
estrutura que permanece até os dias atuais. Alguns alunos iniciam na turma Caixinha
de Música e prosseguem para os demais níveis, curso de oito anos. Outros iniciam no
nível I, curso de seis anos.

Neste ano, 2016, o curso de Musicalização Infantil completa 30 anos. As


crianças ingressam no curso, que tem duração de seis ou oito anos, por meio de
sorteio realizado a cada início de ano letivo. Para concorrerem às vagas, elas devem
estar matriculadas no 2º ou 3º ano do Ensino Fundamental na escola regular para
ingressarem no nível I. E cinco anos completos para a Caixinha de Música.

Musicalização Infantil – Níveis I, II e III

Durantes os níveis I, II e III as crianças participam de três aulas semanais.


As aulas de Sensibilização Musical possibilitam aos alunos vivenciarem os aspectos
do som: altura, duração, intensidade e timbre de maneira prática e lúdica. Tais
experiências, além de favorecem a compreensão desses conteúdos, se constituem
uma base para a educação musical ao longo de sua formação. Nas aulas de Flauta
Doce, os alunos têm a oportunidade de terem contato com o instrumento, cujo

46
programa aborda a técnica e canções com o intuito de oferecer meios para que as
crianças toquem um repertório interessante e adequado à sua idade. Para essas duas
disciplinas as aulas são realizadas em salas com uma média de 15 alunos.

As aulas de canto coral, tema deste trabalho, oferecem às crianças suas


primeiras experiências com o canto em grupo. Encerramos o ano de 2015 com um
coro de 161 alunos, sendo 70 crianças matriculadas no turno matutino e 91 crianças
no turno vespertino. Para atender adequadamente, o espaço utilizado é a Sala de
Concertos Alceu Camargo, cujo auditório conta com 100 cadeiras e um palco para as
vivências e apresentações musicais.

Nossa experiência com esta disciplina desde 2007, atuando como regente,
preparadora vocal e pianista acompanhadora, possibilitou a implementação de
algumas práticas com o referido grupo, assunto que será apresentado no decorrer
deste trabalho.

Conhecendo o processo de ensino-aprendizagem

O ingresso para o CMI se faz por meio de sorteio, contemplando crianças


de grupos socioculturais diversos, alunos da rede pública e privada. Elegeu-se essa
forma de ingresso por entender ser mais justo, e constatou-se que, no cotidiano, as
diferenças socioculturais não influenciam, pois as crianças, independente de classe
social, estão prontas para o início dos estudos musicais e, em outra vertente, gera os
processos de inclusão e integração social. “As oportunidades de participação em todo
e qualquer tipo de manifestação artística e cultural devem constituir-se em um direito
irrefutável do homem, independente de suas origens, raça ou classe social” (FUCCI
AMATO, 2007, p.79).

Nessa prática os processos de socialização são constantes e contínuos.


Posso fazer música sozinho, mas referindo-se ao canto em conjunto é fundamental o
outro, sendo indispensável exercitar constantemente a cooperação para a realização
dos resultados musicais, como por exemplo: um canto expressivo onde explora-se
a dinâmica ou durante a execução de movimentos corporais; e, ao mesmo tempo,
desenvolve-se a autonomia individual de cada aluno possibilitando a aquisição de
novas competências.

Partindo dessa reflexão, as crianças iniciam os estudos por volta dos sete
anos - Nível I, permanecendo com o grupo durante três anos, seguindo para os níveis,

47
II e III do CMI. Esta pesquisa pretende apresentar o trabalho realizado com o grupo,
destacando alguns aspectos da aprendizagem musical, ao mesmo tempo em que
ocorre o desenvolvimento humano na perspectiva de Wallon11, Vygotsky e Piaget
em suas teorias psicogenéticas.

Wallon (1879-1962) dedicou seus estudos ao desenvolvimento da criança,


verificando que as aprendizagens se dariam por meio de sua inserção sociocultural.
Apresenta a construção do conhecimento como um fator psíquico e biológico
do indivíduo em uma ação recíproca, ativada por quatro campos que denominou
de funcionais: 1) afetividade, como a primeira forma de interação; 2) movimento,
fundamental na estruturação do pensamento; 3) inteligência, raciocínio simbólico
e linguagem; 4) pessoa, consciência e identidade. “É contrário a natureza tratar a
criança fragmentariamente. Em cada idade, ela é um todo indissociável e original.
Na sucessão de suas idades, é um só e mesmo ser sujeito a metamorfoses” (WALLON,
2007, p.198).

Para Wallon é no estágio “categorial”, entre 6 e 11 anos, fase que estão os


alunos, que iniciam a autodisciplina. “É por volta dos 6 anos que aparece a capacidade
de resistir à distração” (WALLON, 2007, XXXV), sendo “possível retirar a criança de suas
ocupações espontâneas para fazê-la dedicar-se a outras” (WALLON, 2007, p.71), um
aspecto essencial, “dedicar-se” a uma ação. A criança está envolvida em um processo
de socialização com a finalidade de fazer música.

Nesse estágio “a criança passa a pensar conceitualmente, avançando para o


pensamento abstrato e raciocínio simbólico, favorecendo funções como a memória
voluntária, a atenção e o raciocínio associativo” (GRANDINO, 2010, p.35). Assim
ocorre nas aulas, uma construção de saberes, envolvendo experiências práticas com
a produção sonora, incorporando novos conceitos e habilidades, ressignificando e
ampliando condições anteriores. A criança, com o outro, vivencia novas descobertas
corporais e vocais, ampliando a sua compreensão sensorial, pois é perceptível e
fundamental a participação dos órgãos dos sentidos em ação no ato de cantar e

11 Henri Wallon (1879-1962), educador que propôs mudanças no sistema


educacional francês, apresentando o desenvolvimento infantil em estágios. Está-
gio 1. Impulsivo/emocional de 3 meses a 1 ano; Estágio 2. Sensório-motor/proje-
tivo de 1 ano a 18 meses (3 anos); Estágio 3. Personalismo de 3 a 6 anos; Estágio
4. Categorial de 6 a 11 anos; Estágio 5. Adolescência a partir de 11 anos. Levi Se-
minovitch Vygotsky (1896-1934), bielorrusso, pensou o ensino como um processo
dependente das relações sociais e Jean Piaget (1896-1980), cientista suíço, por
meio da observação, constatou que a construção do conhecimento ocorre a partir
da interação da criança com o meio.

48
interpretar, desenvolvendo a comunicação e a inteligência cognitiva.

Wallon (2007) aponta que é “[...] inevitável que as influências afetivas que
rodeiam a criança desde o berço tenham sobre sua evolução mental uma ação
determinante” (WALLON, 2007, p.122). Observa-se que a afetividade, um dos temas
centrais em seus estudos, se faz presente no decorrer das aulas, estabelecendo
ligações com os demais ambientes que a criança convive, ou com momentos que
foram vivenciados anteriormente e armazenados em sua memória. Durante o estudo
da música, a criança expressa suas emoções e evoca cenas do seu cotidiano ao ouvir
e vivenciar novos ritmos e melodias. Nesse encontro dinâmico, passa a controlar suas
emoções e, ao mesmo tempo, entra em contato com novas percepções e sensações,
modificando a pessoa, surgindo gradativamente um novo eu.

Vygotsky (1896-1934) estudou o desenvolvimento da aprendizagem


na infância, procurando “identificar as mudanças qualitativas do comportamento
que ocorrem ao longo do desenvolvimento humano e sua relação com o contexto
social” (REGO, 2007, p.25). Para ele, o ser humano é resultado de um “processo em
desenvolvimento profundamente enraizado entre história individual e social” (REGO,
2007, p.26). Concordando com o pensamento de Rego (2007), Davis e Oliveira,
defendem a ideia de que a interação social “com adultos e colegas mais velhos
desempenha um papel importante na formação e organização do pensamento”
(DAVIS; OLIVEIRA, 1994, p. 49), sendo o ambiente, em contínua interação, um
desencadeador de novas aprendizagens e desenvolvimento da linguagem.

No decorrer das aulas esses aspectos são perceptíveis, ocorrendo,


constantemente, as relações e as trocas de experiências entre adultos e crianças e
entre as crianças. Os alunos cantam em conjunto com a direção de um professor/
regente e músicos instrumentistas, com a finalidade de direcionar o estudo musical e
os diálogos reflexivos. Outro ponto a destacar é que, a cada ano, ingressa um grupo
novo e “os veteranos” auxiliam os novatos. Deste modo, esse espaço, dinâmico e
cíclico, torna-se gerador de novas aprendizagens e experiências mediadas pela
linguagem musical. As crianças, aos poucos, vão ampliando sua capacidade de
aprender, compreendendo novos conceitos referentes aos conteúdos musicais, e
tendo seu pensamento “despertado pela vida social e pela constante comunicação
que se estabelece entre crianças e adultos” (DAVIS; OLIVEIRA, 1994, p.52).

Assim como Wallon e Vygotsky, Piaget (1896-1980) realizou estudos sobre


o desenvolvimento infantil, concluindo que, ao longo de períodos, as crianças
apresentam “estruturas cognitivas e qualitativas diferentes” (GOULART, 1983, p. 21) e,

49
a cada período, definiu e denominou esses processos em etapas.

Na fase Operatório-concreta (7 a 11 ou 12 anos), a criança convive com


o mundo intensamente, desenvolve sua capacidade lógica, amplia suas imagens
mentais, formando constantemente novos conceitos e habilidades.

Segundo Piaget, é nesse estágio que a personalidade passa a se evidenciar


e o diálogo ocorre com mais frequência, fazendo-se presente nos ambientes onde
as crianças estão inseridas. Deixa de lado o individualismo e passa a construir o
pensamento baseado mais no “raciocínio do que na percepção” (DAVIS; OLIVEIRA,
1994, p.44). É necessário lembrar que “o pensamento operatório é denominado
concreto porque a criança só consegue pensar corretamente nesta etapa se os
exemplos ou materiais que ela utiliza para apoiar seu pensamento existem mesmo e
podem ser observados” (DAVIS; OLIVEIRA, 1994, p.44).

Esse aspecto é notado, principalmente, quando novas canções são


apresentadas ao grupo. Os textos poéticos das canções apresentam muitas palavras
desconhecidas. Basta as crianças ouvirem uma vez e logo questionam, buscando
compreender seu significado, tentando solucionar o problema. Geralmente, vídeos,
figuras e objetos são incluídos para ajudar a compreensão do grupo, ou é por meio do
diálogo, levando a conclusões interessantes.

Observa-se que nessa fase “o real e o fantástico não mais se misturarão em sua
percepção” (DAVIS; OLIVEIRA, 1994, p.43). No entanto, as crianças ainda continuam se
encantando com as histórias dos contos de fada, de fantasmas, de amor, da natureza,
amam ouví-las. Os temas das histórias ampliam suas possibilidades musicais, verbais
e culturais.

É muito importante que o professor/regente entenda o que é música, e que


esta não ocorre “separada do resto da vida” (SWANWICK, 2003, p.22), assim como todos
os processos de aprendizagem onde as crianças estão inseridas. De fato “podemos ver
que a música não somente possui um papel na reprodução cultural e afirmação social,
mas também potencial para promover o desenvolvimento individual, a renovação
cultural, a evolução social, a mudança” (SWANWICK, 2003, p.40).

Durante a aprendizagem Wallon, Piaget e Vygotsky destacam a necessidade


da interação entre o sujeito e o mundo e que estes processos ocorrem em estágios
ou fases durante o desenvolvimento infantil. São divergentes em alguns aspectos de
suas pesquisas, mas suas ideias instigam os educadores, promovendo uma postura
reflexiva sobre as práticas desenvolvidas com os alunos.

50
As aulas de canto coral

A didática e a metodologia direcionadas à infância, assim como, a adoção


de um planejamento sistemático estabelecem uma rotina de atividades que facilitam
o aprendizado e a organização do grupo. Para tanto, a aula foi dividida em três
momentos.

O primeiro, voltado ao aquecimento corporal e controle respiratório. É


essencial que as crianças tomem consciência de seu próprio corpo, suas facilidades
e aprendam a conviver e, ao mesmo tempo, superar suas dificuldades. Todo corpo
está envolvido no ato de cantar. Os objetivos desses exercícios são aquisição do
conhecimento e desenvolvimento corporal. Essas atividades são acompanhadas
pelo piano, com melodias que relaxam, acrescentam ritmo e expressividade aos
movimentos, pois o desenvolvimento musical é “[...] um caminho de conhecimento,
de pensamento, de sentimento” (SWANWICK, 2003, p.23).

O livro “Divertimento de Corpo e Voz” (CHAN, 2001), tornou-se um


importante material, utilizado nas aulas de canto coral. Dividido em duas partes,
a primeira dedicada ao corpo, com 20 exercícios, integrando: postura, estímulos,
atenção, coordenação, concentração, alongamentos, por meio do movimento
corporal, pois “quanto mais e melhor você preparar o corpo, mais rápido será o
processo de aprendizagem e melhor a produção vocal (CHAN, 2001, p.9). A segunda,
com 23 exercícios para a produção vocal, destacando os aspectos: consciência vocal,
vogais e consoantes, articulação, ressonância e criatividade.

No segundo momento são trabalhados os exercícios que integram a


respiração e o aquecimento vocal. Para Fucci Amato (2007, p.84) “a educação vocal se
realiza, basicamente, em três níveis: controle de fluxo aéreo (exercícios respiratórios),
vocalizações (exercícios específicos com vogais) e a técnica vocal propriamente dita –
canto (impostação e articulação)”.

É importante que as crianças recebam informações de como funcionam


os processos de produção sonora, o percurso que o ar passa e os órgãos que estão
envolvidos. Os alunos são orientados a não utilizarem a respiração clavicular ou
superior, elevando os ombros, prática constante encontrada entre os alunos que ainda
estão no início das atividades com o canto coral, sendo necessário a compreensão

51
da respiração costo-diafragmático-abdominal12. Nesses momentos, para melhor
compreensão, associamos a respiração a movimentos com os braços e mãos, assim,
a atenção dos alunos se direciona ao gesto e a respiração acontece de forma natural
não preocupando-se exclusivamente como ato de respirar.

Alguns exercícios envolvem o ato de inspirar, reter e soltar o ar. Outros, de


expelir o ar com consoantes fricativas: CH, F, X, Z, e ainda com vibrações de lábios e
língua; este, além de auxiliar a consciência respiratória, favorece a limpeza, liberando
o muco acumulado na laringe, aquecendo a voz.

Com a finalidade de preparar a voz para o canto e ainda compreender que


esse hábito é fundamental na formação de cantores conscientes, foram elaborados
e aplicados exercícios vocais durante as aulas, cujos objetivos são: desenvolver a
afinação, a dicção, a articulação, a impostação vocal.

Para beneficiar a afinação, são trabalhadas variações intervalares e


movimentos sonoros variados, ascendentes e descendentes. Quanto à dicção e
articulação, as parlendas e os textos rítmicos com rima, enriquecem esse trabalho,
pois vão além do trabalho articulatório, adicionando alegria, tornando os exercícios
prazerosos e imersos no universo infantil. A seguir, um exemplo, utilizando o arpejo,

com o texto da parlenda “BANANINHA, PINTADINHA”.


Fig. 3 - Exercício vocal elaborado pelas professoras para o grupo.

Outro exemplo, com a palavra bom. Traz o som para frente, auxiliando a
compreensão da ressonância do som vocal.

12 Costo-diafragmático-abdominal, abertura das costelas e abaixamento


do diafragma. Padrão ideal para comunicação vocal, esse permite maior controle
sobre a saída de ar durante as diversas demandas vocais. Grande aproveitamen-
to pulmonar com expansão harmônica da caixa torácica.

52
Fig. 4 - Exercício vocal elaborado pelas professoras para o grupo.

Ao escolher ou elaborar um exercício, são considerados alguns critérios:


as fases de desenvolvimento das crianças do grupo, a tessitura, na oitava do Dó3,
podendo chegar ao Lá2 e Mi4 e se os textos são sugestivos.

Outro aspecto trabalhado é a expressividade, presente em todos os


momentos da aula, pois de acordo com Swanwick, “expressão musical não é colocada
depois, como uma reflexão posterior” (SWANWICK, 2003, p.62), deve ocorrer durante
todos os momentos da aula, inclusive no aquecimento vocal.

O tempo dedicado aos exercícios não pode ser muito longo para não cansar.
É melhor investir na qualidade do que na quantidade. As atividades citadas duram
aproximadamente 20 minutos, o que gera interesse e não causa cansaço nas crianças.

No decorrer desses anos, constatou-se que, ao cantar, a criança reflete suas


emoções e sentimentos, compartilhando com o outro o que o repertório representou
para si. Sendo assim, esse é o terceiro momento das aulas, dedicado à apreciação
e aprendizagem de novas canções, ou revisão e amadurecimento do repertório
selecionado para o período.

A escolha do repertório é um aspecto muito importante, requer


responsabilidade e deve ter como alvo o público infantil. Discutir sobre as letras das
canções ou sobre os desenhos melódicos e padrões rítmicos são essenciais nesse
aprendizado entre os pares. Oportunidade única que o regente precisa estar atento
para não desperdiçá-la, trazendo sempre “a consciência musical do último para o
primeiro plano” (SWANWICK, 2003, p.57).

Assim, durante as aulas são colocados em prática os materiais sonoros


por meio de vivências, empregando caráter expressivo. “A criança parte do sentir,
do perceber, para o refletir, o questionar, até chegar a entender o sentido do texto
musical. Os conceitos devem ser compreendidos e assimilados a partir da própria
vivência” (CHEVITARESE, 1996, p.3).

O movimento corporal e os gestos sonoros enriquecem o trabalho. “A


criança interessa-se com alegria por todos os movimentos nos quais pode participar
com seu corpo. Excitemos esse interesse e façamo-lo servir aos nossos propósitos de
educação infantil”. (DALCROZE apud MIGNONE, 1961, p.23).

Toda aula de canto coral é um momento de aprendizagem e de comunicação

53
entre os participantes. O regente precisa ter amplo domínio do repertório, desenvolver
a comunicação por meio dos gestos das mãos e da face, acrescentar musicalidade aos
exercícios e às canções, estabelecendo um elo de liderança com o grupo.
O gesto é construtor e criador. Sua tarefa é a mesma das mãos do
instrumentista: descongela a partitura, traduz sonoridades e revela a
música concebida pelo compositor, intermediada pela interpretação
do regente. Sendo assim, o gesto tem o poder de transmutação, ao
transformar o grupo instrumental ou coral em mensageiro da Arte
(FONTERRADA, 1997, p.18).

Ao pianista acompanhador cabe ter conhecimento do instrumento que


executa, saber ouvir a si próprio e ao coro respectivamente, dispensar atenção
durante todo o tempo de ensaio, dedicar-se no preparo das peças do repertório,
realizar improvisos, quando necessário, colaborando e enriquecendo o trabalho.

As apresentações musicais

Ao final de cada ano as crianças têm a oportunidade de se apresentarem,


normalmente, com um musical. Vários foram os temas organizados e desenvolvidos
pelas autoras deste trabalho, entre eles; “Casa de Brinquedos” de Toquinho; as
histórias do “Sítio do Picapau Amarelo” de Monteiro Lobato; “Era uma Vez...” baseado
nas histórias dos clássicos infantis; a divertida história de Ana Maria Machado, “A
Velhinha Maluquete”; o tema “Músicas, Poemas e Historias”, uma seleção de músicas
e poemas de diversos compositores e escritores, que foram elaborados para o público
infantil; e o tema “Como é bom aprender e se divertir com a natureza”, uma coletânea
de canções que trouxe para as aulas a natureza em sua forma delicada.

Nem sempre o material disponível está pronto para ser trabalhado, na


maioria das vezes, o envolvimento, a criatividade pessoal e de todo o grupo são
fundamentais na elaboração de roteiros, repertórios, arranjos, etc., para alcançar o
resultado desejado.

A interação com o outro, vivenciando o cantar em conjunto em busca de


um bom desempenho musical; o exercício da comunicação e da dramatização vocal
e corporal através dessa linguagem; a interpretação de repertório variado, com
diversidade de estilos específicos para coro infantil, tem sido os nossos objetivos
nesses últimos anos. Os resultados mostram que essas experiências têm gerado o
prazer e o envolvimento, enriquecido a vida musical e proporcionando um grande
aprendizado a todos que estão envolvidos no processo.

54
Referências

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CULTURA, 2001.

CHEVITARESE, Maria José. A Questão da Afinação no Coro Infantil Discutida


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Jalley; tradução de Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

56
A prevenção de lesões
em músicos e a formação
musical: Proximidades e
distanciamentos

Bráulio Bosi1
Marina Medici Loureiro Subtil2
University of Missouri-Kansas City - brbosi@hotmail.com
1

UFES - marina.fisio@hotmail.com
2

Resumo Abstract

A pesquisa em saúde do músico vem tomando Research regarding health in the performing
frentes nacionais e internacionais no que se arts is growing nationally and internationally
refere às principais lesões físicas e alterações targeting physical injuries and psychological
psicológicas que acometem músicos de alterations that affect musicians with
diferentes formações instrumentais. O different instrumental backgrounds. Studies
estudo dos problemas ocupacionais que of occupational problems affecting musicians
acometem músicos desde à formação from early stages through their immersion
profissional ao ingresso no mercado de into the music business focus on detailed
trabalho tem como foco a análise detalhada analysis of the injuries, treatment methods,
dos acometimentos, as formas de tratamento and resources for prevention. The integration
e os recursos preventivos. A inserção de of disciplines that approach such issues have
disciplinas que tratem das temáticas acerca been acknowledged as enriching college
da saúde do músico tem sido consideradas music curricula by offering support to
como agregadoras nas grades disciplinares teachers and performers, as well as students in
do ensino superior em música, oferecendo an interdisciplinary perspective. The objective
suporte tanto a professores de instrumentos, of this article is to describe and analyze the
como também a alunos em uma perspectiva main injuries affecting the physical and
interdisciplinar. Sendo assim, o objetivo psychological health of musicians, and its
desse artigo é descrever e analisar com base relationships to the musical learning and
em estudos, os principais acometimentos da musical performance based on the data
saúde física e psicológica de músicos e suas published in the field of occupational health
relações com o aprendizado e o fazer musical, of this professional class.
baseando-se nos principais achados em
pesquisa da área de saúde ocupacional dessa
classe profissional. Keywords: Health. Musician. Higher
Education. Interdisciplinary.
Palavras-chave: Saúde. Músico. Ensino
Superior. Interdisciplinaridade.
Introdução

Durante o estudo musical, o músico se depara constantemente com


perguntas do tipo: Quantas horas ininterruptas pode-se praticar? Qual é a técnica
correta? Qual deve ser o tamanho ideal do instrumento? Qual deve ser altura certa da
cadeira? Qual é a postura mais natural? Qual o volume de som máximo que ouvidos
humanos podem suportar? Para cada uma dessas perguntas que não é respondida
ou respondida incorretamente, abre-se uma janela para lesões, que, dependendo da
gravidade, podem encurtar significativamente ou mesmo encerrar repentinamente a
carreira de um músico.

Tais lesões são identificadas frequentemente em músicos na forma de


tendinite, síndrome do túnel do carpo, bursite, dores nas costas, fadiga vocal e lesão
por esforço repetitivo (ROEHMANN, 1991, p. 22), e geralmente afetam músculos,
tendões, articulações e nervos da embocadura, mãos, braços, pescoço e costas
(BRANDFONBRENER, 1991, p. 38). A essa lista podem ainda ser adicionadas as lesões
auditivas e as afecções psicológicos que músicos enfrentam de maneira constante.

Uma vez que o abandono mesmo que momentâneo de uma profissão não
é algo viável, devemos considerar o problema de que certos tratamentos podem
requerer longos meses de repouso, sendo em alguns casos até mesmo irreversíveis.
Desta maneira, o mais recomendado ainda é antecipar-se ao problema através de
uma medicina preventiva, que na grande maioria das vezes começa com o professor
de música, já que estudos mostraram que professores de música que estudaram
sobre prevenções de lesões tendem a repassar esse conhecimento para seus alunos
(REDMOND; TLERNAN, 2001, p. 37). Entretanto, apesar de artigos científicos discutirem
a importância da interdisciplinaridade entre música e saúde há mais de duas décadas,
a maioria dos conservatórios e faculdades de música no Brasil ainda não oferecem
esse conhecimento em seus currículos, o que reflete no fato de nossos professores
ainda possuírem muitas deficiências no que diz respeito a evitar que seus alunos
desenvolvam tais tipos de problemas (SUBTIL & BONOMO, 2012).

Para entender a importância de disciplinas que abordem a saúde do músico


no currículo do ensino de música, especialmente no ensino superior, e entender o
tipo de conhecimento que um aluno e professor em potencial precisa adquirir,
deve-se primeiro entender a rotina de um músico e como esses problemas de saúde
geralmente se desenvolvem e afetam suas vidas. Dessa forma, o presente artigo tem
como objetivo descrever e analisar criticamente com base na literatura científica
às principais questões relacionadas ao adoecimento ocupacional de músicos e sua

58
formação no fazer musical. Nos tópicos seguintes deste artigo, esses problemas que
os músicos enfrentam serão analisados e relacionados à carreira do estudante e do
músico profissional, sendo divididos em três seções: as lesões músculo-esqueléticas;
as lesões auditivas; e as afecções de ordem psicológica.

As Lesões Músculo-esqueléticas

Em relação ao uso dos músculos por músicos, muitos gostam de compará-los


a atletas pelas suas rotinas diárias de várias horas praticando um determinado número
de movimentos na busca de um resultado ideal. Tal comparação foi confirmada em
estudo sobre o papel das repetições nas atividades práticas de músicos realizado na
James Madison Univeristy nos Estados Unidos, quando foi mostrado que a prática de
repetições é muito mais frequente do que se imagina entre músicos de alto nível, e
que em certos casos os músicos repetem mais de 50 vezes o mesmo trecho em suas
sessões de estudo (MAYNARD, 2006, p. 67-70).

A autora Valerie Trollinger (2005, p. 43) vai além nessa discussão, e em seu
artigo faz uma comparação entre o professor de educação física com o professor de
música, alegando que o professor de música nada mais é do que um professor de
educação física para pequenos músculos. Trollinger levanta também a questão de
que jamais aceitaríamos professores de educação física que não entendam e não
levem em consideração o desenvolvimento e a anatomia de seus alunos, no entanto,
quando o assunto é educação musical, as pessoas não requerem o mesmo nível de
conhecimento dos instrutores.

A rotina de repetições aliada ao desconhecimento de professores de música


sobre os limites do corpo e o desenvolvimento anatômico vai resultar diretamente
em inúmeros problemas de ordem músculo-esqueléticas em músicos jovens ou
mesmo profissionais. Segundo estudo realizado com músicos de nível universitário na
Alemanha, cerca de 25% demonstram ou já demonstraram algum tipo de sintoma de
problemas de saúde relacionados à prática musical, enquanto 15,7% dos estudantes
apresentaram sintomas de natureza física (SPAHN; TRUKELY; LEHMANN, 2004, p. 28).
Neste último caso, tais sintomas podem ser adquiridos de maneiras mais simples do
que imaginamos. Para Wynn Parry (1989, p. 55), uma simples mudança no braço de
um alaúde ou uma leve mudança de técnica num instrumento de teclas pode destruir
anos de habilidades adquiridas em troca de dores nos dedos e pulso, pois, nos casos
de lesões por repetições, por exemplo, essas pequenas alterações são levadas além

59
do limite da tolerância biológica, tornando-se um grande problema para o músico
(FRY, 1986, p. 47).

Situações de lesões por esforço repetitivo se tornaram uma grande


preocupação há algumas décadas em escolas de música na Austrália. Em pesquisa
realizada em sete escolas do país, dos 1249 alunos que fizeram parte do estudo,
distribuídos entre instrumentos de teclas, cordas, madeiras, metais e percussão,
9,3% apresentaram algum tipo de lesão, sendo 63 alunos com lesões na mão e no
pulso, 40 com lesões em outras partes do braço e 23 na coluna. O mesmo estudo
ainda apontou que os estudantes que apresentavam essas lesões não respeitavam o
período de descanso necessário para a recuperação e tentavam estender o tempo de
prática ao máximo devido às pressões das instituições e pessoais (FRY, 1987, p. 36-8).

Casos extremos como este na Austrália podem ser contrastados com um


diferente cenário onde existe o acompanhamento de um profissional da saúde no
dia a dia dos músicos. Segundo James, músicos britânicos não sofreram tais tipos de
problema nas proporções dos músicos australianos, e atribuiu a questão de serem
mais saudáveis ao fato de que davam grande valor para a interdisciplinaridade
entre música e medicina somado às iniciativas de utilizarem médicos especializados
nas áreas das artes performáticas para acompanhar os músicos nas principais
orquestras do Reino Unido (JAMES; WYNN PARRY, 1994, p. 270). Exemplos como esses
suportam as opiniões de Mann (1994, p. 270) e Dickson (1989, p. 1517), que dizem
que uma significante parcela das lesões causadas por repetições não são causadas
pelas repetições em si, mas pela repetição de movimentos errados geralmente
acompanhados de contrações musculares ininterruptas.

Defendendo a ideia de que educadores musicais devem ter amplo


conhecimento anatômico para a prevenção de lesões, Trollinger (2005, p. 42-46)
aponta que o comportamento errado de muitos cantores adultos é desenvolvido
ainda quando jovens e exemplifica que professores de canto ensinam recursos que
crianças não possuem. Por exemplo, crianças de aproximadamente 10 anos ainda não
podem desenvolver uma “voz de peito”, então por meio de compensações feita pela
criança o professor é levado a acreditar que ela existe, e tais compensações são o que
vão contribuir para o aparecimento de problemas no futuro. Outro exemplo citado
pela autora, que ilustra uma realidade para quase toda a classe instrumentista, é o
de um fagotista adulto com lesão músculo-esquelética nas mãos que possivelmente
teve tal afecção desenvolvida quando mais jovem, quando, por instruções incorretas,
aprendeu a tocar um instrumento desproporcional ao tamanho de suas mãos.

60
Casos como esses mostram que o conhecimento de um profissional
especializado na saúde do músico ainda não chegou ao conhecimento de educadores
musicais, que é aquele que vai ensinar toda a técnica para o estudante de música,
inviabilizando assim a prevenção de lesões musculares que em grande parte
poderiam ser facilmente evitadas e que acabam encurtando muitas vezes a carreira
de músicos que poderiam estar em atividade até além dos sessenta anos (SUBTIL &
BONOMO, 2012).

As Lesões Auditivas

Com menos responsabilidade direta do instrutor sobre o aluno, a perda de


audição é outro grande problema que em diferentes níveis afeta entre 30 a 50% dos
músicos (CHESKY, 2005, p. 39) e pode ser causada por inúmeros motivos e práticas em
um processo gradual que pode não ser percebido por muitos anos (CHASIN, 2008).

Um estudo publicado pela University of California Press mostrou que uma


parcela significativa de músicos de orquestras possui alguma deficiência auditiva
perceptiva, mesmo que muitas vezes ainda performem de maneira satisfatória.
O mesmo estudo revela que as causas da perda auditiva podem acontecer de
maneiras diversas e incluem como os principais motivos as doenças, lesões, drogas
e medicamentos, mas principalmente a exposição a algum tipo de ruído, podendo
ser este provindo de um tiro de arma de fogo, por exemplo, ou até da própria música,
mesmo que no último caso seja de menor ocorrência (WOOLFORD; CARTERETTE;
MORGAN, 1988, p. 262).

Os fatores extramusicais para a perda auditiva chamam a atenção pela falta


de percepção que músicos têm de identificar aquilo que pode ser prejudicial para um
dos seus principais instrumentos de trabalho, a audição. De maneira geral, durante
sua formação o estudante de música não recebe informações a respeito de como
proteger sua audição dos ruídos do dia a dia, ou para estar atento a outros fatores
que de alguma forma possam causar danos ao seu ouvido (CHESKY, 2008, p. 36-7).
A reflexão sobre este tópico nos faz levantar questões sobre até que ponto a própria
percepção do músico desinformado do que é nocivo pode prevenir lesões auditivas, e
mostra que a interdisciplinaridade neste caso faz-se fundamental para a educação do
músico para que possa lhe assegurar uma maior longevidade em sua carreira.

Em relação aos danos causados pela intensidade da música no ambiente


de trabalho do músico, os estudos mostram que no ambiente orquestral essa é uma

61
causa inferior, porém real. Os valores de decibéis produzidos por uma orquestra
frequentemente ultrapassam os níveis seguros de ruído, e em testes realizados
com músicos, os violinistas e violistas apresentaram, por exemplo, uma tendência a
ter uma perda auditiva maior no ouvido esquerdo do que no direito (WOOLFORD;
CARTERETTE; MORGAN, 1988, p. 272-4).

Tendo consciência desses resultados, o músico começa a especular o


quanto seu instrumento praticado diversas horas por dia pode causar dano ao seu
aparelho auditivo, e o cenário se mostra ainda mais preocupante quando se incluem
no raciocínio outros grupos musicais que podem atingir uma intensidade de volume
muito maior do que a de uma orquestra sinfônica, como, por exemplo, as orquestras
de percussão, bandas marciais, e as tradicionais bandas de garagem (com baterias,
amplificadores e geralmente numa sala imprópria e não preparada acusticamente), e
músicos que têm uma rotina de shows com amplificações para centenas de pessoas
diversas vezes por semana.

Para exemplificar essas situações, podemos observar um relatório de 2005,


realizado por Chung, Des Roches, Meunier e Easvey (2005), citado por Chesky (2008,
p. 36), baseado numa pesquisa com jovens de idade média de 19,2 anos, onde foi
concluído que 61% dos mesmos apresentaram alguma perda auditiva ou zumbidos
como resultado de presença em shows musicais, além de outro dado alarmante a
respeito da exposição sonora que músicos têm em bandas marciais, já que, de acordo
com dados de 2005, segundo Miller, Stewart, e Lehman (2007), citado por Chesky
(2008, p. 36), alunos universitários presentes nas bandas marciais pesquisadas eram
expostos a até 17000% do valor da exposição diária segura para um dia.

Observando tais dados, Chesky (2008, p. 36-7) conclui que o campo da


educação musical, particularmente em nível universitário, precisa abraçar este urgente
desafio, afinal, tais valores e situações expõem não só o desconhecimento do músico
a respeito de uma possível hostilidade sonora em seu ambiente de trabalho, mas
também a falta de acesso a informações sobre níveis seguros de intensidade sonora,
e mostram que mais uma vez um professor de música com o nível de conhecimento
básico no assunto poderia ser o catalisador para difundir informações preventivas tão
essenciais para o músico.

As Afecções de Ordem Psicológica

O terceiro grupo de problemas que músicos comumente enfrentam está

62
ligado a fatores psicológicos e ao estresse da profissão. Como Fry (1987, p. 38), Cahn
(1954, p. 25) e Sternbach (2008, p. 42-4) mencionam, a pressão e o estresse que músicos
sofrem no ambiente de trabalho, nas instituições, e muitas vezes deles mesmos
pela perfeição é um fato. No que diz respeito ao ambiente de trabalho, músicos de
orquestras e estudantes demonstraram em pesquisa que os fatores de instabilidade
da profissão, horários irregulares, competições e traições entre colegas de trabalho,
baixa remuneração, distância da família, pressões para serem sociáveis, monotonia de
ensaios e viagens, lhes causam uma significativa preocupação e estresse (STEPTOE,
1989, p. 7-8).

As instituições de ensino de música e muitos de seus professores por suas


vezes contribuem com o estresse criando expectativas muito grandes sobre seus
alunos, que podem ser por resultados em exames ou mesmo por uma evolução
e amadurecimento musical muito rápido, podendo fazer alunos se sentirem
pressionados a corresponder tais expectativas e aumentarem suas rotinas de estudo
para algo que ainda não estão aptos (FRY, 1987, p. 38) (CAHN, 1954, p. 25). Vale lembrar
ainda que a relação de um aluno de música com seu instrutor é de maneira geral muito
pessoal. O fato de as aulas de instrumento serem individuais e de o aluno manter o
mesmo professor durante vários anos pode não ser saudável quando estes possuem
ideias divergentes ou quando o professor tem um método de ensino agressivo, o que
é comumente relatado por estudantes de música e mesmo por músicos aclamados,
como o violonista John Williams (ALBERGE, 2012) e os pianistas Lang Lang e Gary
Graffman (TSIOULCAS, 2013), que consideram o estilo de lecionar de seus antigos
mentores ofensivo e inadequado.

O terceiro fator que contribui para uma desestabilidade psicológica do


músico é sua autocrítica. De maneira geral, as aulas de instrumento para alunos
de curso superior em performance tendem a ser baseadas em comentários do
professor em resposta ao que o aluno acabou de tocar. Mesmo que sejam apenas
críticas construtivas, o aluno pode ficar condicionado a apenas observar o que está
errado em sua maneira de tocar, virando um grande crítico de si mesmo até em casos
onde a situação está além do seu controle e resultando muitas vezes em ansiedade
(STERNBACH, 2008, p. 44).

Esses três fatores mencionados combinados de diversas maneiras se


tornam um problema muito claro nos ambientes de conservatórios e faculdades de
música. É raro que algum aluno dessas instituições não tenha vivenciado ou pelo
menos presenciado em algum momento um de seus colegas perdendo o controle da

63
situação no palco e não conseguindo tocar sequer os primeiros compassos de uma
peça, mesmo após centenas de horas de preparação.

Alguns dos efeitos mais comuns resultantes dessa ansiedade na hora ou


antes da performance são mãos trêmulas, náuseas, tonturas, além de pensamentos
de preocupação a respeito da performance (STEPTOE, 1982, p. 537-41 apud STEPTOE,
1989, p. 3-6), e muitas vezes são combatidos com diferentes medicamentos,
principalmente ansiolíticos. Uma pesquisa realizada pela International Conference of
Symphony and Opera Musicians (ICSOM) em 1987 indicou que 27% dos membros
entrevistados utilizavam betabloqueadores (ansiolíticos) para conter a ansiedade
relacionada à performance (SLOMKA, 1992, p. 14), enquanto em questionários mais
recentes, mais da metade dos músicos profissionais e professores de música alegaram
a utilização dos mesmos (MILLER, 2013).

Não haveria problema em solucionar os efeitos colaterais da ansiedade


na performance com medicamentos se estes fossem receitados por profissionais
qualificados. Infelizmente, como o primeiro trompista da St. Louis Symphony
Orchestra, Roger Kaza, deixa implícito em entrevista, o uso de medicamentos contra
a ansiedade é de certa maneira malvisto dentro da comunidade dos músicos e muitos
ficam envergonhados em utilizá-los (MILLER 2013), o que pode ser um dos motivos
pelos quais os músicos se automedicam em silêncio sem saber as dosagens corretas
ou se aquilo poderá eventualmente lhes causar algum dano à saúde, já que a mesma
pesquisa da ICSOM mostrou que 70% dos músicos que alegaram a utilização de
ansiolíticos, os utilizam ocasionalmente sem prescrições médicas (SLOMKA, 1992, p.
14).

Num cenário ideal, o professor de música teria a informação necessária


para identificar o problema, conversar sobre a situação com o aluno e indicá-lo ao
profissional adequado para o tratamento de casos onde a ansiedade e o estresse da
carreira afetam o progresso do músico. Mas além dessa capacidade, ele também teria
consciência da sua possível parcela de responsabilidade nos problemas de ansiedade
de seus alunos para tentar evitar que a situação se agrave.

Como uma alternativa à abordagem tradicional que muitos professores de


instrumento têm em suas aulas, Sternbach (2008, p. 45) propõe um método diferente
para controlar a autocrítica prejudicial em estudantes. Segundo ele, o professor deve
começar a perguntar nas aulas sobre o que deu certo, o que foi bom, que passagens
fizeram o aluno se sentir orgulhoso, entre outras coisas, que num primeiro momento
podem surpreender o aluno, mas que com a insistência o aluno começará a pensar

64
nas coisas positivas que ele fez, especialmente se o professor pedir para que ele traga
para as aulas anotações das coisas que ocorreram bem durante suas horas de prática.

Preparando os Futuros Professores com a Interdisciplinaridade

Como muitos dos autores até aqui mencionados sugerem, para colocar
uma saúde preventiva em prática a fim de preservar a saúde de músicos e estudantes,
o professor, por estar em contato direto e ser a maior fonte de referência do músico,
deve estar o mais preparado possível para treinar seu aluno de maneira saudável,
estar apto a antecipar possíveis problemas e a orientar o estudante na busca pelo
profissional correto em caso de lesões. Porém, apesar da importância da presença de
uma disciplina que aborde a saúde do músico ser clara pelo grande cenário de lesões
ocorrentes em músicos, as instituições que oferecem essa interdisciplinaridade entre
música e medicina ainda são exceção.

Mesmo nos Estados Unidos, onde em 2001 a National Association of Schools


of Music (NASM) recomendou que as escolas de música oferecessem informações de
saúde aos estudantes com o objetivo de evitar lesões (DAWSON, 2006, p. 36), já se
passaram mais de dez anos e ainda é comum encontrar escolas que não ofereçam
disciplinas que abordem a saúde do músico em seus currículos. No Brasil, as principais
universidades que oferecem cursos de música também não ofertam essas disciplinas,
e, no entanto, deveriam se preparar o quanto antes, já que com a recente inclusão de
aulas de música no currículo de ensino médio é possível que se tenha um crescente
número de professores de música ingressando no mercado.

A disciplina sobre a saúde do músico, para que seja efetiva e cubra todas as
necessidades dos futuros performers e professores, deve contemplar os três grupos de
lesões abordados neste artigo: músculo-esqueléticas, auditivas e psicológicas, o que
pode sugerir uma dificuldade para a implantação no currículo dos cursos de música
no Brasil, já que muitas vezes não será viável encontrar um profissional com múltiplas
especialidades. Na formulação dessa disciplina, também deve ser considerado que,
apesar da igual importância de entendimento dos três grupos, o número de tópicos
a se cobrir são diferentes.

Como em aulas de música a parte técnica é uma das mais abordadas, e as


variações de lesões músculo-esqueléticas aparecem em grande número manifestadas
de maneiras diferentes e em lugares diferentes, faz sentido que o instrutor dessa
disciplina tenha uma formação voltada principalmente para a anatomia e o

65
funcionamento dos músculos e articulações, que seria o caso de um fisioterapeuta,
por exemplo. Para a cobertura dos grupos de ordens auditivas e psicológicas, uma
solução viável seria adotar o modelo de estudantes assistentes que os Estados Unidos
utilizam, onde utilizam alunos bolsistas como professores assistentes, mantendo o
custo do programa baixo e oferecendo as diversidades e especialidades que os
cursos precisam. No caso, estudantes bolsistas das áreas de otorrinolaringologia e
psicologia, por exemplo, trabalhariam em parceria com o instrutor da disciplina e
seriam utilizados quando necessários para dar aulas, ministrar palestras e apresentar
trabalhos, permitindo assim um alcance praticamente completo das necessidades do
músico nessa área.

Obviamente, esta é apenas uma sugestão de organização do conteúdo,


outras ideias são bem-vindas e muita discussão ainda é necessária, mas em conclusão,
a vontade pela interdisciplinaridade entre música e saúde deve ser grande e séria. Os
problemas de saúde dos músicos existem em todos os níveis e de forma relevante,
portanto, esse tipo de informação não pode ser excluída do meio acadêmico. O
esforço para colocar uma disciplina tão complexa nos cursos superiores de música do
Brasil é de fato grande, mas é possível, e necessário.

Conclusão

O presente artigo considerou e analisou um conjunto de disfunções


funcionais e emocionais que acometem músicos de diferentes formações e práticas
instrumentais. Foram discutidas desde causas a possibilidades de soluções frente
a uma temática ainda negligenciada quando se fala em saúde do profissional da
música. O entendimento das principais causas e consequências das lesões, desta
classe profissional, permitirão a ampliação da visão para a necessidade de inclusão da
saúde do músico como tema essencial na formação superior. A inserção de disciplinas
que foquem a saúde como componente estruturante da formação em música não
pode mais ser vista como coadjuvante ou sem prioridade no processo educacional
do fazer musical.

Referências

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68
Análise harmônica na
música popular

Fausto lessa Fernandes Pizzol


Fames - fst_lessa@hotmail.com

Resumo Abstract

Estudo comentado de diferentes formas Commented study about different forms


de sistematização da análise harmônica of harmonic analysis in popular music,
no âmbito da música popular, citação citation and explanation of used symbols
e explicação da simbologia utilizada and definition of the harmonic elements
junto à conceituação dos elementos that composing the analysis. Exposition
harmônicos que a compoem. Exposição of the elements considered essentials
dos elementos considerados aqui, and accessories.
como elementos essenciais e elementos
acessórios.
Keywords: Harmonic analysis . Popular
music. Systemization .
Palavras-chave: Análise harmônica.
Música popular. Sistematização.
Introdução

O estudo da harmonia, no idioma da música popular, possui uma história


muito recente quando comparado ao estudo da harmonia tradicional, além de uma
abordagem um tanto diferenciada. Dentro deste estudo, que possui características
bem peculiares, se destaca a atenção dada a análise harmônica, como meio
pragmático de aquisição de consciência musical e aprimoramento da performance,
tanto na habilidade de lidar com acordes, harmonizações e reharmonizações, quanto
na abordagem intelectual dos conteúdos relacionados a improvisação.

Quando pesquisamos a bibliografia referente ao estudo da análise harmônica


da música popular, identificamos a existência de variações na forma de estruturar e
grafar a simbologia da análise, além é claro, de interpretações diversas acerca das
funções harmônicas dos acordes pertencentes às músicas analisadas. Em outras
palavras, podemos afirmar que diferentes teóricos possuem diferentes abordagens
e sistematizações, com as quais devemos nos familiarizar, adquirindo assim maior
autonomia e mais recursos para a compreensão dos caminhos harmônicos.

Diante do exposto, a intenção deste artigo é a apresentação comentada


de algumas das diferentes formas de análise harmônica em uso, desenvolvidas por
autores de referência na área da música popular em seus livros. O objetivo principal,
além de publicação de artigo científico, é usa-lo também para fins didáticos, como
material de apoio a ser utilizado pelos alunos do curso de música popular da FAMES,
durante as aulas de harmonia da música popular e improvisação.

Elementos essenciais

Cifra

A padronização da cifragem é uma busca constante, porém, é fácil observar


nos livros de coletânea de partituras do tipo melodia e cifra, variações na forma de
registrar os acordes usando a simbologia de letras e números que a compõe. O mesmo
acontece com a interpretação quanto ao tipo de acorde e a melhor forma de cifrá-lo.

Também é oportuno afirmar que estes “símbolos diferentes com o mesmo


significado”, são de uso corrente e aceitos como forma correta, além de serem
interpretados pelos músicos com a mesma naturalidade.

70
Tonalidade

Além da armadura de clave, é igualmente importante identificar o acorde


de função tônica, que, no caso de harmonia modal, pode não refletir precisamente o
que insinua a armadura.

Algarismos romanos

Na análise harmônica, as tônicas dos acordes são representadas através de


algarismos romanos, identificando assim a que grau (posição) ocupam em relação à
tonalidade em questão. É parte da denominada cifragem analítica.

Dominante Primário

É o acorde do tipo maior com sétima menor, construído sobre o quinto grau
da escala. Prepara o acorde do primeiro grau. Seu símbolo é: V7.

Segundo grau cadencial

É o acorde de função subdominante usado para completar a cadência


subdominante-dominante-tônica, criando um passo harmônico em quintas
descendentes. Seu símbolo é: IIcad.

Dominante secundário

Podemos “preparar”, através de acorde dominante, os acordes de uma


determinada cadência ou tonalidade, que não o acorde do primeiro grau. Este acorde
de preparação é denominado dominante secundário, e é amplamente encontrado
nas harmonias das músicas populares brasileiras entre outras. São acordes que não se
encontram presentes no campo harmônico, sendo utilizados como recurso cadêncial,
ou seja, para expandir a cadência ou proporcionar maior movimento harmônico.

O símbolo associado ao dominante secundário, para análise é: V7/

Definição:

Acorde do tipo dominante localizado à um intervalo de quinta justa acima


(ou quarta justa abaixo) de cada acorde de uma determinada tonalidade, que não o
primeiro grau.

Comentários:

A importância de se identificar este acorde em uma harmonia, habilita o

71
músico a fazer uso de outras tensões disponíveis para o mesmo e condizentes com o
acorde de resolução, criando uma harmonia personalizada, se desejado.

Na improvisação, é útil estudar os caminhos de transição entre as escalas de


acorde dominantes e as escalas modais dos diferentes acorde de resolução.

Dominante Substituto

Como o próprio nome sugere, é um acorde do tipo dominante que substiui


um outro acorde, também de função dominante e divide com ele o mesmo tritono.
A principal função deste acorde é criar um novo caminho melódico para a linha do
baixo. A tensão mais utilizada para este acorde maior com sétima menor é a décima
primeira aumentada. Podemos utilizar o simbolo subV7 para designá-lo.

Definição:

É o acorde do tipo dominante que substitui um outro acorde tambem


dominante. Divide com ele o mesmo trítono (por enarmonia) e localiza-se à um
intervalo de quinta diminuta em relação ao acorde original.

Comentários:

Cria um caminho melódico cromático entre a fudamental do acorde subV7


e a fundamental do acorde de resolução, que fica situado meio tom abaixo.

Costuma-se encontrar definições do tipo: äcorde do tipo dominante


localizado meio tom acima do acorde de resolução”. Apesar de classifica-lo e situá-
lo, esta definição pode comprometer a sua compreensão, uma vez que, a relação
principal do acorde subV7 é, como o próprio nome diz, de substituição do acorde V7,
sendo a relação com acorde de resolução – inquestionávelmente importantíssima –
secundaria na elaboração de sua definição.

Podemos usar os dois acordes em sequência, dividindo rítmicamente o


tempo do acorde original entre os dois.

Dominantes Estendidos ou Cadência de Dominantes

A compreensão do uso da cadência de dominantes e da justificativa


teórica para sua existência, passa pelo domínio dos tópicos anteriores: dominantes
secundários e subV7.

O seu uso cria uma espécie de harmonia simétrica que pode ser também

72
paralela, já que os acordes caminham em intervalos simétricos e as vozes podem
caminhar paralelamente nas transições entre os mesmos.

Definição:

Sequência de acordes dominates distanciados individualmente por um


intervalo de quinta justa ascendente (ou quarta justa descendente) do acorde que o
precede.

Comentários:

Harmônicamente falando, podemos justificar a sua existência como sendo


uma sequência criada através do uso dos dominantes secundários da tonalidade em
questão.

Também pode ser considerado como dominante estendido as sequências


que fazem uso conjunto do subV7,do dominante primário, do dominante secundário,
ou ainda do IIcad como acorde interpolado.

Podemos aproveitar a estrutura constante gerada pela cadência de acordes


dominantes para criar estruturas melódicas tambem constantes no improviso, assim
como motivos simétricos e/ou paralelos no fraseado.

Retorno harmônico

É uma sequência de acordes (progressão harmônica) localizada no final


da música que forma cadência harmônica delineando um retorno ao início da
composição.

Acordes de empréstimo

Advindos das denominadas tonalidades paralelas, estes acordes são usados


como versões diferenciadas dos acordes pertencentes a tonalidade original de uma
progressão harmônica, podendo substituí-los, observando a permissão dada pela
melodia, se houver.

Observação: Tonalidades paralelas são todas as escalas ou modos


construídos a partir de uma mesma tônica. Os acordes gerados por estas escalas ou
modos são então denominados de acordes de empréstimo (substitutos possíveis
para os graus equivalentes de qualquer outro campo harmônico paralelo).

73
Elementos acessórios

Forma

Indicada através de letras maiúsculas ou minúsculas, identifica as diferentes


partes de uma composição, suas subdivisões, e suas repetições.

Análise melódica

podemos destacar os motivos melódicos e identificar notas de tensão,


dentre outros procedimentos.

Motivos rítmicos

A observação dos motivos rítmicos presentes numa composição podem,


dentre muitas utilidades, serem levados em conta no momento da improvisação,
criando assim um vínculo entre a composição e o solo, mantendo a unidade e dando
sentido estrural sobre o discurso musical.

Indicação de possibilidades de escalas de acordes

A prática de escrever acima dos acordes de uma determinada harmonia


os nomes das escalas modais relacionadas aos mesmos é muito comum. É um dos
sistemas usados no estudo da improvisação.

Exemplos de análise harmônica

John Mehegan

Pianista educador musical, publicou à partir do ano de 1959, uma série de


livros denominada “Jazz Improvisation”. Em quatro volumes, o musico sistematiza a
análise harmônica de uma forma muito peculiar, criando uma simbologia que, dentre
inúmeras características positivas, destaca-se a abordagem dos temas musicais
exclusivamente na forma analítica, aprimorando o raciocínio modulatório, ou seja,
condicionando o instrumentista a interpretar uma determinada musica em qualquer
tonalidade. Mehegan apresenta também novas formas de representar barras de
compasso, tonalidade e acordes dominantes, além de simbologia de cifragem. Essas
formas explicitam a visão do autor, que é o direcionamento à prática musical.

74
Fig.1- Tradução livre: M – acorde maior; X – acorde dominante; m – acorde menor; acorde meio-
diminuto; o – acorde diminuto.

A harmonia jazzística é extremamente cromática, e é possível a construção


de qualquer qualidade de acorde em qualquer ponto da escala. E de uma qualidade
para outra.

Fig.2- Exemplo de análise harmonica.

75
Fig.3- Tradução livre: suspensão. Os acordes dominantes e os menores são ocasionalmente suspensos
para propósitos de ajustamento melódico ou suspense harmônico. As suspensões são facilmente
feitas e afetam os acordes dominantes e os menores como se segue: acorde= X, suspensão= terça
aumentada, símbolo= V#3 (fig.3); acorde= m, suspensão= sétima aumentada, símbolo= II##7 (fig.4);
acorde= m, suspensão= sétima maior, símbolo= II#7 (fig.5).

Fig.4- Análise melódica indicando a que grau da escala pertence cada nota da melodia.
(MEHEGAN, John. Jazz Improvisation, vol.1. Pgs. 18; 45; 24; 27)

Mark Levine

Em seus dois livros denominados “Jazz Piano Book” e “Jazz Theory”, o


pianista aborda com uma metodologia impressionantemente simples e claramente
direcionada ao músico instrumentista, conceitos harmônicos atuais e novas
interpretações sobre construção de campos harmônicos, passos harmônicos,

76
paralelismo, simetria e improvisação. Também trata de forma muito inteligente a
análise melódica do improviso, com riqueza de exemplos e comentários.

Fig.5- Exemplo de análise harmônica.

Tradução livre: “Beatrice” possui apenas 16 compassos, porém, é uma


composição altamente organizada e estruturada. A maioria das músicas de 16
compassos possuem a forma AB, mas cada grupo de quatro compassos de “Beatrice”
possui uma idéia melódica desenvolvida separadamente: Uma forma ABCD em
miniatura. A ponte, ou parte C, é onde está a grande variação, mas a maior surpresa
está na parte D.

Nos primeiros dez compassos, as tônicas de todos os acordes, com exceção


de um, movem-se de forma ascendente e descendente por intervalo de semitom ou

77
tom, estruturando um efeito de vai e vem.(...)

(LEVINE, Mark. Jazz Theory Book. Pg. 399)

Wilson Curia

Curia escreveu na década de 80 o livro “Harmonia Moderna e Improvisação”,


onde as funções dos acordes estão bem apresentadas e conceituadas, além de tópicos
interessantes como harmonia quartal e aberturas de acordes. Outra vantagem desta
referência é ser escrita no idioma Português, podendo então ser adotado como
bibliografia nas escolas de musica à nível técnico como referência bibliográfica.

Nelson Faria

A análise harmônica e melódica em forma de comentários utilizada por


Nelson Faria no seu livro “Acordes, escalas e arpejos”, possui grande influência no
desenvolvimento deste texto. A análise de motivos melódicos e células rítmicas
contidas em seu método mostram-se muito práticas e valiosas.

Fig.6- Exemplo de análise melódica de fraseado.

78
(FARIA, Nelson. Acordes, arpejos e escalas. Pg. 82)

É igualmente importante citar neste texto os nomes de Almir Chediak


(CHEDIAK,1987) e Ian Guest (GUEST,1996) como importantes estudiosos e criadores de
sistemas de análise harmônica da música popular. Sendo seus livros as mais famosas
referências sobre o assunto no nosso país, pesquisá-los torna-se fundamental, em
vista de sua larga utilização nas instituições de ensino brasileiras.

Conclusão

Uma das funções da análise harmônica, é buscar elucidar e evidenciar


a presença dos elementos que uma determinada composição musical, ou trecho
musical possuem, dando conta de citar o maior número possível deles, ou seja,
quanto maior o número de elementos observados, mais completa será a análise.

Como a forma é analítica, podemos observar, possivelmente, diferentes


interpretações sobre, por exemplo, a função de um determinado acorde numa
cadência, quando observamos a mesma analisada sob o ponto de vista de diferentes
músicos. Este fato é muito comum, visto que um mesmo acorde pode realmente,
dependendo da interpretação, exercer diferentes funções numa harmonia.

A adoção dos referenciais teóricos apresentados, é uma escolha consciente


de alinhamento ideológico com métodos de sistematização que objetivam como fim,
a performance musical, visualizando o conhecimento teórico musical como meio
imprescindível para alcançar uma prática instrumental equilibrada.

Referências

CHEDIAK, Almir. Harmonia e improvisação, vol.1,2. RJ: Lumiar, 1987.

CURIA,Wilson. Harmonia Moderna e Improvisação. São Paulo: Fermata, 1990.

CURIA, Wilson. Manual de Improvisação. São Paulo: MPO,1994.

FARIA, Nelson. Acordes arpejos e escalas. RJ: Lumiar, 1999.

GUEST, Ian. Arranjo, vol.1,2.RJ: Lumiar, 1986.

LEVINE, Mark. The Jazz Theory Book. Ca, USA: Sher Music, 1995.

79
LEVINE, Mark. The jazz piano book. Ca, USA: She Music,

MEHEGAN, John. Jazz Improvisation series, Vol.1, 2, 3, 4. NY, USA: Amsco,


1959.

80
BLOQUEIOS NA
PERFORMANCE MUSICAL

Karla da Silva Ferreira Corrêa Souza


FAMES - Karla.kr1000@gmail.com

Resumo Abstract

A falta de controle sobre o comumente The lack of control over the so called
chamado nervosismo, pode ocasionar nervousness may cause difficulties
dificuldades na performance musical. in the musical performance. Studies
Os estudiosos nessa área têm about this subject have considered
considerado que aspectos psicológicos that psychological aspects and specific
e técnicas específicas também devam techniques may also be worked by
ser trabalhadas por nós professores us, teachers, with them (students), so
com eles, para que atendamos mais that we might be able to attend our
eficientemente nossos performeres. performers with efficency.We wish them
Desejamos que os mesmos possam to achieve some mastery and posture
alcançar um considerável domínio when facing the audience. Some of our
e estética ao se depararem com seu students do a great job in the classroom,
público. Alguns de nossos alunos but as they face the audience, are at
chegam a fazer ótimo trabalho em sala auditions and tests, they show insecurity.
de aula, mas ao se depararem com provas When difficulty comes up, it is up to the
e apresentações públicas apresentam teacher to be attentive enough, so it may
dúvidas e insegurança. Quando a disappear or at least diminishes. But this
dificuldade aparece, cabe ao professor will only be possible if we, educators,
dar a devida atenção a ela para que a have experience and if we are sure of
mesma desapareça ou diminua. Mas, what we intend to teach. Music is also a
isso só será possível, evidentemente, se means of communication.
nós, educadores, tivermos segurança e
experiência do que estamos dispostos
a ensinar. A música também é uma Keywords: mastery, efficiently; public
linguagem. presentations; have proof; language;

Palavras-chave: domínio; eficientemen-


te; apresentações públicas; provas; lin-
guagem;
1. INTRODUÇÃO

1.1. CONTRIBUINDO NA PERFORMANCE DO ALUNO

Acompanhamos em nossa própria era os diversos avanços em todas as


áreas profissionais. É na Medicina aonde tratamentos novos são desenvolvidos e
passam a ser utilizados depois das devidas experiências; é na área tecnológica com
novos aparelhos eletrônicos que surgem; na área pedagógica com as revisões e
alterações em livros didáticos, enfim. De uma forma geral, atualmente presenciamos e
participamos de todo um desenvolvimento neste processo mundial de globalização.
Estudando para este trabalho, tornou-se mais clara a questão da preocupação de
muitos profissionais da música, que também questionam a falta de evolução na
questão do ensino de música. O sistema do minucioso programa pedagógico do
conservatório nasceu das idéias políticas geradas em seguida à Revolução Francesa
(HARNONCOURT, 1984). Anteriormente a esse famoso movimento da história,
a formação dos músicos acontecia através da relação entre aprendiz e mestre,
semelhante àquela que, durante séculos, houve entre os artesãos; um determinado
mestre ensinava o “ofício” à sua maneira (id., 1984).
Oponho-me ao especialista [...] Para merecer o nome de músico,
deve-se possuir não somente o conhecimento específico em uma
área, mas ter o conhecimento de todos os campos de sua arte. [...]
Schoemberg nos relata [...] a tragédia da divisão dos professores de
música em guetos de especialistas que, no seu provincialismo ou
soberba, não se dão conta de seu isolamento. Não se trata de uma
apologia do ‘especialista em generalidades’[...] É nossa, dos docentes
da performance musical, a responsabilidade na resolução dos
conflitos gerados pelos valores herdados do modelo de conservatório
(BORÉM, 2007,grifo nosso).

Vivemos numa época aonde se valoriza bem a quantidade. Acreditamos


não ser totalmente negativa tal questão. Porém quando a quantidade prejudica
a qualidade pelos excessos é hora de reavaliar prioridades. O repertório é ponto
importantíssimo para contribuir positivamente na performance de nossos alunos.
Estamos no Brasil e sempre há o questionamento tanto de alunos quanto de
professores sobre a super valorização de conteúdo estrangeiro. Será que estamos
ainda muito longe da “repaginação” da grade curricular de estudo?Por que continuar
com uma quantidade de músicas BRASILEIRAS muito, muito, muito menor nas mãos e
vozes de nossos alunos? Nossa música é elogiada e reconhecida em TODO O MUNDO,
tanto erudita quanto popular. Nossos alunos muitas vezes abandonam o instrumento,
o curso de música por não gostarem de um repertório com o qual não se identificam.
O aluno quer também viver a cultura de sua terra, de suas raízes.

82
Estou plenamente convencido de que é de importância decisiva, para
a sobrevivência do espírito europeu, saber viver com a nossa cultura.
Para tal, no que concerne à música, coloco duas condições: * Primeira:
os músicos precisam ser formados através de novos métodos que
correspondam àqueles de duzentos anos atrás. A música em nossas
escolas não é ensinada como uma língua, mas somente como uma
técnica de prática musical; o esqueleto tecnocrático, sem vida. *
Segunda: a formação geral deveria ser repensada e receber o lugar
que merece. Assim, iremos perceber as grandes obras do passado
por um novo prisma: aquele da diversidade que nos mobiliza e
nos transformam e que também nos prepara para absorver o novo
(HARNONCOURT, 1984, p. 16).

A modernização é necessária também na área musical, pois o aluno que


estuda canto, piano ou violino tem questionado e solicitado maior desenvoltura nas
suas expectativas pessoais. Ele não quer só imitar, reproduzir ou decorar; quer se sentir
um músico mais seguro e completo, de uma forma geral. Criar caminhos para que o
aluno sinta motivação legítima pelo que está estudando é nossa responsabilidade
como professores.
Os estudantes de música no Brasil, em geral, não criam hábitos de
leitura e pesquisa (espontânea) [...] Prevalece, muitas vezes a idéia
“romântica” de que o músico deve tocar apenas com a “sensibilidade”
e o “sentimento” (o “coração”) [...] O nosso músico sofre de
desatualização crônica. (id., 1984, p. 7).

Nosso estudante e performer têm apresentado problemas devido à falta


de uma pedagogia musical mais eficiente e que corresponda às suas necessidades
de uma forma mais ampla. Se apenas a música européia, que é ensinada em todo o
mundo, não está sendo suficiente é preciso incluir o que está faltando. Fica mais uma
vez a pergunta: Por que não incluir a música brasileira, a americana, a latina, enfim,
a música OCIDENTAL mais intensamente em nosso contexto diário de ensino? Afinal
de contas estamos na América! Nada contra a Europa. Na verdade a sugestão é de
valorizarmos mais nossa própria arte sem desprezar evidentemente grandes artistas
que existiram e que ainda existem em muitos lugares do mundo. As variedades
podem andar lado a lado. Mas muitos de nossos profissionais gostam da idéia de que
uma hora teremos reais contextos culturais mais próximos de nós, frutos de nossa
própria história.
Você pode inventar a música mais intelectualizada imaginável, mas
há momentos em que não resiste ao desejo de cantar uma seresta.
Isso pode ser interpretado como uma advertência à nossa gente: ‘Sim
vamos progredir, mas sem matar nossa veia lírica, nosso passado,
nossas profundas raízes sentimentais [...] Pois, em suma, com sua
música você [Villa-Lobos] insinua que a despeito de todo o progresso
material e mecânico, devemos preservar nossas qualidades
humanas, usando máquinas em nosso beneficio e jamais tornando-

83
nos escravos delas!’ [Palavras do escritor da época Érico Veríssimo]
(SILVA, 2001, p. 178).

Segundo Harnoncourt (1984, p. 15) [...] “ainda hoje, músicos são educados
para a música européia, no mundo inteiro...” Ainda ressaltando, a questão é que
acompanhamos as evoluções tecnológicas, o progresso nas áreas médicas bem como
nas questões educacionais, dentre outras, como já citado inicialmente. Inclusive
a cultura, bem como saúde e educação, dentre outros aspectos, está incluída nas
políticas públicas de caráter social (SHIROMA ET AL, 2004).
Todos nós sabemos como se aprende uma língua estrangeira; [...]
Precisamos então, tal como se aprende os vocábulos, a gramática e
a pronúncia de uma língua estrangeira, na música, aprender a sua
articulação, a harmonia e os princípios que regem as cesuras e os
acentos. Mesmo que nos utilizemos destes princípios na execução
musical, isto não quer dizer que já estamos fazendo música de fato;
é antes como se soletrássemos os sons em vez de tocá-los. Talvez se
soletre bem e até com graça, mas música, só a estaremos realmente
produzindo a partir do momento em que não pensarmos mais na
gramática e nos vocábulos, quando não mais necessitarmos, mas
pudermos simplesmente falar. É preciso que ela se torne a nossa
língua própria e natural. É este o objetivo (HARNONCOURT, 1984, p.
50 grifo nosso).

A familiarização com a língua portuguesa, pelos brasileiros e portugueses,


se deu, se dá e se dará pelo convívio. Com a música também é e será assim. Essas
vivências podem crescer com o passar do tempo, unidas à experiência do aluno e seu
interesse. Vejamos um exemplo de questão específica a ser solucionada, na música.
Há [...] muitos casos, onde literalmente é impossível a sustentação
exata do som, estipulada na partitura, seja por motivos técnicos ou
por razões musicais; estes casos mostram, pelo menos, que a escrita
e a prática musical freqüentemente diferem neste ponto. Como
exemplo claríssimo, temos a execução de acorde em instrumentos
de cordas (nos quais é tecnicamente impossível sustentar todas
as notas) ou, então, em instrumentos cujas notas não podem ser
sustentadas por toda a sua duração (como no piano, o cravo e outros
instrumentos de cordas dedilhadas). (id., 1984, p. 38, grifo nosso).

A aparente complexidade que abordamos, poderá ser assim considerada


pela falta ou pouco contato com a vivência aqui apresentada. No entanto ela poderá
ser bem entendida no contato prático com os instrumentos citados ao lado do músico
ou professor específico do mesmo.
As críticas de que o ensino da performance musical carece de bases
fundamentadas podem ter origem no modelo essencialmente
prático dos conservatórios, ou ainda, na arrogância que às vezes
ronda o academicismo. A supervalorização da elaboração intelectual
e teórica em detrimento da prática já mostrou sua inconveniência

84
na música, em exemplos que vão desde o princípio da “secunda
practica” elaborados por Monteverdi para escapar de regras de
condição melódica e harmonia, cristalizadas no conservadorismo
vocalizado por Artusi, ao erro musicológico de François Fétis ao
corrigir e publicar a introdução do Quarteto Dissonante de Mozart
sem suas harmonias ásperas. [...] (BORÉM, 2007, grifo nosso).

Na Bíblia Sagrada, no livro de Provérbios 15:33 temos também o importante


texto: ”[...] a humildade precede a honra”. Muitos concordam com o princípio da
humildade diante do conhecimento. Ninguém sabe tudo! Sempre há alguma coisa a
aprender e aprimorar. Professores também aprendem até com seus alunos.

1.2. POR QUE ALGUNS ALUNOS DE MÚSICA NÃO POSSUEM UMA


PERFORMANCE CONVINCENTE?

O fato é que provavelmente, devido às informações recebidas ou estudadas


superficialmente, limitações desenvolveram-se. É como estudar verbo na gramática
portuguesa. Existem vários tempos verbais como presente, pretérito imperfeito,
pretérito mais que perfeito, futuro do presente, futuro do pretérito, etc. Sem falar
dos modos diferentes: modo indicativo, modo subjuntivo e modo imperativo. Se o
brasileiro ou o estudante da língua portuguesa souber apenas conjugar o presente
do modo indicativo certamente terá problemas e constrangimentos, sobretudo se
for uma pessoa que precisa falar bem em público. Vale o mesmo para a língua inglesa
com relação aos verbos auxiliares, por exemplo. Apenas o verbo to be não dará conta
da comunicação. Precisa-se ter o conhecimento dos outros auxiliares bem como
da combinação dos verbos regulares e irregulares entre si, enfim, nos respectivos
contextos. Harnoncourt (1984, p. 43) cita que “[...] nossa concepção está muito
ligada à música do século XIX, onde a liberdade criativa do intérprete era limitada
radicalmente pelo estilo autobiográfico da composição”. O que se observa em
alguns músicos é que enfrentam alguns embaraços ou desconforto diante de certas
partituras. O estudo apenas das linhas melódicas limitam o performer. Estudando
mais os contextos harmônicos os caminhos para a criatividade serão mais amplos e
darão conseqüentemente mais segurança ao músico, ao artista.
Apesar do talento e dedicação de alguns professores, o processo de
formação do músico no Brasil é muito mais de adestramento que
de enriquecimento (o que, aliás, não é apanágio nosso...). É dada
primazia absoluta à técnica, enquanto a interpretação e compreensão
de diversos estilos (sua relação com as outras artes) são colocadas em
segundo plano ou inteiramente esquecidas. (HARNONCOURT, 1984,
p.7).

85
Infelizmente a abordagem de elementos básicos na gramática musical,
algumas vezes não são devidamente trabalhados e estudados. Naturalmente na
concepção do estudo inicial e básico tais questões correrão o risco de não serem
aprendidas e sim decoradas. Isso significa que quando aparecer um “tempo verbal
sem ser o presente do indicativo”, parafraseando, não se saberá para onde ir se foi
estudado apenas este.
Há partituras italianas cujas linhas para as vozes instrumentais
são deixadas vazias; o executante tem, nestas, a possibilidade de
completar a partitura orquestral nas passagens em questão. Isto
não era feito normalmente pelo compositor, mas considerado como
parte da própria execução. Obra e execução eram consideradas duas
coisas claramente separadas. (id.,1984, p. 47).

Não foram incríveis as apresentações de nossas ginastas brasileiras nos jogos


Pan-Americanos de 2007? Certamente o fruto de um trabalho eficiente e evolutivo.
Com boas referências, pianistas, violonistas, bem como outros instrumentistas,
alcançarão as devidas expectativas diante da necessidade musical de cada um. Música
tem vida, movimento em si mesma. Precisa ser apresentada de maneira proporcional
ao seu significado!

1.3. OBJETIVOS

IDENTIFICANDO OS PRINICIPAIS BLOQUEIOS

(A1). * Ser observado e julgado por terceiros

A interpretação sempre é muito relevante.Quando alguém não usa


nenhuma ou pouca dinâmica, não está fazendo música alguma, mas apenas tocando
“nota por nota”. Uma música não deve apenas apresentar notas certas, mas transmitir
outras características. As nuances (forte, piano, mezzo forte, mezzo piano, enfim),
também chamadas de dinâmica, podem enriquecer consideravelmente a obra
proporcionando uma interpretação interessante. As brincadeiras com o andamento
também, ora rápido ou mais calmo em certos momentos, compõem bem a variedade
de idéias e seguem no curso da valorização da mesma.
Num contexto musical contemporâneo, comprometido por
uma trajetória histórica das práticas musicais influenciadas pelo
tecnicismo das gravações digitais e pela herança romântica do
performer como gênio talentoso e mítico, o músico performer,
estudante ou profissional, está consciente dos altos padrões de
qualidade que são esperados em relação às suas apresentações
musicais. O número crescente de professores de todas as áreas

86
de conhecimento e práticas musicais tem contribuído para uma
melhoria do nível do ensino musical e instrumental, mas não tão
fartamente que demandas complexas e específicas como aquelas
relacionadas às dinâmicas psicológicas presentes na performance
musical estejam sendo devidamente atendidas. [...] O trabalho
didático das Oficinas de Performance [...] busca o conhecimento da
interação dos processos psicológicos motores envolvidos na prática
da performance musical, além de pesquisar técnicas e recursos
aplicáveis em contextos pedagógicos para prevenir ou amenizar
problemas, em melhorar a qualidade das performances musicais de
alunos e músicos profissionais. (MORAES, 2007, grifo nosso).

A interpretação é de grande importância mesmo. Consideremos o


exemplo da sílaba tônica. Esta dá certa movimentação para as palavras que uma
hora são oxítonas, paroxítonas ou proparoxítonas. Sem a entonação mais forte em
determinada sílaba, as palavras ficarão com som estático e “sem graça”; se uma
pessoa falar casualmente ou numa ocasião mais formal sem as devidas sílabas
tônicas em seus respectivos lugares, certamente será difícil ouvi-la prazerosamente
ou com boa atenção. Sem falar da pontuação que é sumamente importante! Assim
também acontece na música. Harnoncourt (1984, p.42) expõe que [...] “de acordo com
o princípio da acentuação na linguagem falada, com sílabas fortes e fracas, a algo de
pesado sempre sucede algo de leve, o que na música também acontece e é expresso
através da interpretação”. É um princípio básico tratarmos desse tipo de questão no
estudo de música, tanto os cantores, como os instrumentistas. Sem essas nuances
de fraco e forte, bem como sua organização de, em que hora vai ser de uma maneira
ou de outra, a música não será expressa de uma forma a que se propõe. Afinal de
contas, o seu principal objetivo deve ser emocionar o ouvinte, perturbá-lo, enfim;
ele precisa sentir algo. É coisa de compositores ou de criadores diversos, a grande
vontade de apresentar algo diferente ou inédito, chegando muitas vezes a “assustar”
alguns dos espectadores. Ainda segundo o autor anteriormente citado (1984, p. 32)
[...] “nossa música é justamente constituída destes efeitos: conduzir o ouvinte à idéia
da obra, ao seu conteúdo, através de surpresas e choques”. Não é então de se admirar,
que muitos ouvintes considerem estranhas certas músicas devido às mesmas serem
bem diferentes da forma a que estão acostumados. As músicas folclóricas são um
bom exemplo de uma música mais simples que foi passando de pai para filho, de
professor para aluno, enfim. Quando aparece a tal música “séria”, que seria mais
do ramo digamos que, “filosófico musical”, evidentemente essa música com temas
mais complexos e variados será repulsiva a alguns. Harnoncourt (1984, p.24) ainda
filosofa: [...] “Caso o compositor queira provocar o estado de tensão no ouvinte, ele
o fará, frustrando a sua expectativa, levando-o a melodias alhures, para só em outro
momento satisfazê-lo com a seqüência melódica esperada.” Um artista sempre causa

87
surpresas; ele quer surpreender e chocar.
Esta ‘autenticidade’, muitas vezes citada, me parece o maior inimigo
de uma interpretação honesta, pois ela, em vez de procurar reviver
o que está por trás da partitura, faz soar apenas o que está escrito.
A escrita musical não pode, como tal, reviver uma obra musical,
mas unicamente fornecer alguns pontos de referência para que
isto aconteça. Autêntico, no puro sentido da palavra, é aquele
que reconhece nas notas o pensamento do compositor e assim as
reproduz. (id., 1984, p. 62 e 63,grifo nosso).

Achar o andamento correto em que uma peça deve ser tocada, a


relação dos vários tempi entre si numa obra [...] é certamente um dos
principais problemas na música (HARNONCOURT, 1984, p. 64, grifo
nosso).

(A2).*Estar ainda sem o devido preparo, autonomia, segurança e


domínio do conteúdo que a música que será exposta, exige ou propõe.

Uma música, para atingir o seu objetivo principal, deve “mexer” com o
ouvinte, seja num momento de calma ou de euforia, independentemente dele ser
um músico ou não.
No método francês, tratava-se de integrar a música ao processo
político feral, através de uma minuciosa uniformização dos estilos
musicais. O princípio teórico era o seguinte: a música deve ser
suficientemente simples, para que possa ser por todos compreendida
(contudo, a palavra “compreender” perde aqui o seu sentido próprio);
ela deve tocar, excitar, adormecer[...] Seja a pessoa culta ou não; ela
deve ser uma “língua” que todos entendam sem precisar aprendê-la.
(HARNONCOURT, 1984, p. 29, grifo nosso).

Com a Revolução Francesa, como já citamos neste artigo, muitas coisas


mudaram em alguns aspectos musicais, tanto na forma de ensinar quanto na forma
de criar música. O fato de anteriormente a essa fase terem existido estilos diferentes
aos da pós – revolução referida, não quer dizer que essa “simplicidade” já não existisse.
Essa “música simples” pode ser considerada a do tipo que “fica na boca do povo”, ou
seja, em sua memória; a que é mais “abraçada”, conhecida, enfim.
A educação musical no Ocidente sempre foi parte integrante e
essencial da educação [...] A partir do momento em que a música deve
ser dirigida a todos, que o ouvinte não precisa mais compreender
nada de música, torna-se necessário eliminar qualquer discurso
que exija compreensão; o compositor precisa escrever uma música
que, da forma mais fácil e acessível possível, se dirija diretamente à
sensibilidade do público. [...] id., 1984, p. 30).

88
A questão em curso é que nem toda pessoa tem uma concentração ou
paciência para ficar filosofando em cima de determinada área do conhecimento. Há
um pensamento geral da classe de Filósofos que inevitavelmente vive explorando e
comentando sobre matérias diversas. De acordo com Alpheu Tersariol no Pequeno
Dicionário Brasileiro, filosofar é “discorrer sobre filosofia ou qualquer matéria cientifica;
argumentar ou discutir com sutileza”. E Filosofia é a “ciência geral dos princípios
e causas, ou sistemas de noções gerais sobre o conjunto das coisas; esforço para
generalizar, aprofundar, refletir e explicar; força moral e elevação de espírito com que
o homem se coloca acima dos preconceitos; sabedoria”. É claro que a arte está por aí
para sair da mesmice, do estático, do tédio. Se for complexa ou não, isso não é o mais
importante, mas sim o aspecto da renovação do instante ou do espaço.
Gostaria [...] De alertar os músicos dizendo-lhes que não
superestimassem a sua compreensão da música histórica. Somente
enxergando o sentido que se encontra por trás dos antigos
escritos e tratados, é que poderemos concluir alguma coisa sobre a
interpretação musical. (id., 1984, p. 40, grifo nosso).

Ainda presenciamos o conflito do repertório que em certas situações não


é apreciado nem por alunos nem pelos ouvintes. Acreditamos que examinando aqui
e ali podemos crescer e chegar a algum lugar e até mesmo à autenticidade. Quem
sabe? Os alunos performeres por vezes ignoram este processo de amadurecimento
e crescimento. Alguns ficam no meio do caminho, no meio do processo. Valem as
frases bíblicas de I Tessalonicenses 5:21:”Julgai todas as coisas, retende o que é bom”
e de Provérbios 14:23:”Em todo o trabalho há proveito; meras palavras, porém, só
encaminham à penúria”.

2. METODOLOGIA

Procuramos material de professores em artigos e livros que também vêm


se preocupando com os métodos que podem ser usados para melhorarmos nossas
aulas e nossas formas de passar o conhecimento. Francisco Pereira da Silva foi
responsável pelo texto de ‘A vida dos Grandes Brasileiros- Villa-Lobos’. Já em ‘Políticas
Educacionais’ pudemos estudar um pouco com as Profas. Eneida Oto Shiroma, Maria
Célia M. de Moraes e Olinda Evangelista. Foi muito rica também a pesquisa com
Nikolaus Harnoncourt em ‘ O Discurso dos Sons’, material existente já com várias
edições. Pudemos também obter na internet comentários sobre o assunto com os
Profs.Abel Moraes, Fausto Borém, Silvio Ferraz e Fernando Iazzetta. Nosso objetivo
comum é estarmos aptos e continuarmos com nosso objetivo de progredirmos no

89
processo de enriquecimento da performance de nossos alunos e colegas de profissão.

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1. INTRODUÇÃO

Há algumas décadas atrás, a maioria das pessoas tinha que esperar eventos
específicos, como concertos e festas, para ouvirem música.
Da Idade Média à Revolução Francesa, a música sempre foi um dos
pilares de nossa cultura, de nossa vida. Compreendê-la, fazia parte da
cultura geral. Hoje, no entanto, ela se tornou um simples fundamento
que permite preencher noites vazias com idas a concertos ou óperas,
organizar festividades públicas ou, quando ficamos em casa, com a
ajuda dos aparelhos de som, espantar ou enriquecer o silêncio criado
pela solidão [...] Ouvimos atualmente muito mais música do que
antes – quase ininterruptamente – mas esta, na prática representa
bem pouco possuindo não mais que uma mera função decorativa [...]
Rejeitamos a intensidade da vida em troca da sedução enganadora
do conforto. (HARNONCOURT, 1984, p.13, grifo nosso).

Toda a arte tem as características de seu tempo e com a música também


é assim. A literatura, a pintura, por exemplo, sempre influenciaram a música
naturalmente nos respectivos períodos da História. Em nossos dias não é diferente.
Nós nos afastamos da arte atual por ser perturbadora talvez pelo
próprio fato de que a arte tenha que perturbar. Não estávamos,
entretanto buscando nenhum tipo de confrontação, só queríamos
uma beleza que pudesse nos distrair do tédio do dia-a-dia. Assim, a
arte – e a música em particular – se tornou um simples ornamento e
nós nos voltamos para a música histórica, para a música antiga uma
vez que, nesta encontramos a beleza e a harmonia tão almejadas
(id,.p.14).

Os tempos atuais possuem certas características. São desigualdades sociais


e econômicas, lares desunidos, guerras civis, estranhos e mortais fenômenos da
natureza, crescente poluição do meio ambiente, barulho de carros, buzinas, enfim.
Conseqüentemente as nossas artes serão frutos dessas influências.
Obviamente música não é intemporal, ao contrário, está ligada
ao seu tempo, e como toda a expressão cultural do homem, é
de importância primordial para a sua vida [...] Na música atual,
observamos de imediato, que ela está dividida em: “música folclórica”,
“música popular” e “música séria” (está última expressão, para mim
inexistente). (id,. p.24).

A música folclórica é a música “do povo”, ou seja, passou de geração em

90
geração, de pai para filho, sem registro dos compositores como já citado; aprendemos
a cantá-las na rodinha de amigos da escola. Exemplos: “Ciranda, Cirandinha”, “Marcha
Soldado”. Já a música popular é mais presente na televisão nos canais mais assistidos
pela massa da população, na mídia. Exemplos: “Detalhes,” cantada por Roberto Carlos,
“É o amor”, cantada pelos irmãos Zezé di Camargo e Luciano. Essa música chamada
“séria”, citada na referência acima, é considerada a tal música européia ensinada em
todo o mundo, também chamada música erudita. Embora tenhamos a mesma em
nosso país, raramente ou poucas vezes é apresentada ao público em contrapartida com
a música popular. Toca-se e estuda-se músicas de compositores como Bach, Mozart e
Beethoven, dentre outros. Exemplos de músicas desses compositores: Jesus, Alegria
dos Homens, Pequena Serenata e a Nona Sinfonia, respectivamente compostas pelos
autores citados acima. Compositores brasileiros como Villa-Lobos e Carlos Gomes não
ficam atrás em comparação com aqueles estrangeiros. Suas obras como “O Trenzinho
Caipira” e “ O Guarani” estão em grande destaque e reconhecimento na tal ramificação
da “música séria”.
Dizia: “Empreguei a música folclórica para formar a minha
personalidade musical, mas não tenho a pretensão de trabalhar com
o folclore como um especialista no gênero. Sou demasiadamente
individualista para fazê-lo. Assimilei simplesmente a música folclórica
forjando para mim o estilo próprio e espero que assim, essa música
constitua a melhor parte de minha obra”. (SILVA, 2001, p.67, grifo
nosso).

Os concertos ou recitais tradicionalmente apresentados têm um público


que costuma apreciar e freqüentar esses eventos, comparecendo para se deleitarem
e prestigiarem.
Para Rubinstein [...] Em entrevista concedida A Notícia, em 1920,
declara: “É justo, porém já que me apresenta a oportunidade,
declarar, ainda, que me surpreendeu o Sr. Villa – Lobos. Um grupo
de amigos desse compositor brasileiro proporcionou-me o ensejo
de ouvir trabalhos seus e dessa audição ficou-me a convicção de
que seu país tem nesse compositor um artista eminente, e nada
inferior aos maiores compositores modernos da Europa. Tem todas
as características de um gênio musical [...] Em 1941, Rubinstein, por
pedido de Nelson Rockfeller, realizou um concerto com obras de
Villa – Lobos no Museu de Arte Moderna de Nova York, quando ali
Portinari inaugurava a sua exposição. (SILVA, 2001, p. 78 e 79).

É muito bom quando um artista de nosso país é reconhecido mundialmente


como foi o caso de Villa-Lobos. Ainda mais o recebendo de outro compositor como
pudemos averiguar na citação acima. Mas nem sempre foi assim. É comum para um
artista receber terríveis críticas ao querer usar elementos novos. Sempre foi assim
no meio artístico. Em cada fase de transição da arte, sempre muita controvérsia e

91
polêmica.

3.2. DESENVOLVIMENTO

Vivemos numa fase aonde a música que se gosta de ouvir é muito pessoal.
Uma mesma música pode ser maravilhosa para alguns e horrorosa para outros. Como
diz o ditado popular: “gosto não se discute”.
Explica-se aos ouvintes que não é preciso saber música para
compreendê-la – basta que a julguem bela. Desse modo, cada um
sente-se com o direito e capaz de opinar sobre o valor e a execução
de música – um ponto de vista que possivelmente se aplica à
música pós – revolução, mas que de forma alguma vale para aquela
composta nos períodos anteriores. (HARNONCOURT, 1984, p. 15).

Daremos um exemplo de algumas situações em que a música supostamente


“bela”, não é apresentada segundo o gosto tradicional do grupo:
Sobre o que foi este acontecimento, Villa escreve ao amigo Iberê
Lemos. Eis um trecho de sua carta: “Quando chegou a vez da
música as piadas das galerias foram tão interessantes, que quase
tive a certeza de a minha obra atingir um ideal, tais foram as vaias
que me cobriram de louros. No segundo [concerto], a mesma coisa
na parte musical, e na parte literária a vaia aumentou.Chegamos
ao terceiro concerto, que era em minha homenagem.Que susto
passaram os meus intérpretes, vais ver[...]Nos outros números,
novas manifestações de desagrado, até ao último número, que foi
o quarteto simbólico, onde consegui uma execução perfeita, com
projeção de luzes e cenários apropriados a fornecerem ambientes
estranhos, de bosques místicos, sombras fantásticas, simbolizando
a minha obra como a imaginei. Na segunda parte desse quarteto,
lembras-te? O conjunto esclarece um ambiente elevado, cheio de
sensações novas. Pois bem. Um gaiato qualquer,no mais profundo
silêncio, canta de galo com muita perícia.Bumba[...]Pôs abaixo toda
a comoção que o auditório possuía, provocando hilaridade tal que
a polícia ( finalmente) interveio prendendo os graçolas e mais duas
latas grandes de manteiga cheia de ovos podres e batatas.Esses
moços ao serem interrogados, declararam que aqueles presentes
estavam destinados a coroarem os promotores da Semana de Arte
Moderna em São Paulo, como se fossem flores e palmas, mas que
não fizeram porque respeitavam os intérpretes que na maioria eram
paulistas.Uf!...Chega!”.(SILVA , 2001,p.82 e 83).

Vejamos outro exemplo:


Mas em Paris, como no Rio ou São Paulo, havia o grande público
de gosto musical conservador que não aceitava, absolutamente, os
“futuristas” da música. Como aconteceu na Semana de Arte Moderna
de São Paulo, Villa-Lobos teve também a sua vaia parisiense, aliás, uma
estrondosa vaia na sala Gaveau quando Edgard Varèse apresentava o

92
seu trabalho Américas e ele, o bailado Amazonas. [...] Mas a música
de Villa-Lobos, como a dos demais vanguardistas, nem sempre era
aceita. Em cada audição o imprevisto era a nota. Em 1930, Villa,
apesar de famoso nos meios artísticos, sua música era sempre um
desafio àquelas platéias conservadoras. Certa vez, num concerto em
que o violinista Raskin tocava com Villa-Lobos a Sonata Fantástica,
o Cisne Negro e a Lenda do Caboclo, a sala veio abaixo! Mais que um
sucesso, um verdadeiro triunfo! O público de pé, não cessava de
aplaudir o talentoso compositor. O reverso foi um bom quarto de
hora de vaias e tremendos assobios provocados pela execução de
um de seus maravilhosos Choros. (id., p. 98 e 99).

Como pudemos perceber através desses exemplos, o ouvinte não


musicalizado, pode só querer aceita músicas que são de seu gosto e que correspondam
às suas tradições com respeito ao que seja realmente uma “boa música”. Mas “estar
fora de moda” com respeito à música incomodava e incomoda alguns. Analisemos a
situação abaixo ainda no contexto Villa-Lobos:
A reação inicial à obra de Villa-Lobos não ficava só no público ou
crítica conservadora de Guanabarino e seus seguidores. A rebelião
acontecia às vezes na própria orquestra que tinha que executar as
suas peças. Certa vez,em 1918, havendo Villa recebido do diretor do
Instituto Nacional de Música, o honroso convite para apresentar um
concerto com peças suas, programou então a 1ª Sinfonia e o poema
bailado Amazonas. Pois durante os ensaios os músicos se rebelaram
dizendo que aquelas peças não faziam sentido. (id., 2001, p. 73).

Sobre essa questão houve, em momentos de transição na arte em todos


os tempos em que ela passou a existir, artistas que se escandalizavam e não queriam
aceitar as novas tendências. Fato é que a junção entre estilo de música e o ensiná-la
de forma que interesse nossos alunos, dentre outros aspectos, sempre é desafiante.
O mito da “musicalidade nata” tem impedido muitos professores
de instrumento e canto de buscarem uma metodologia objetiva
no ensino da música [...] Essa acomodação do professor à pouca
musicalidade apresentada pelos alunos iniciantes acontece com
freqüência. (BORÉM, 2007, grifo nosso).

De acordo com Harnoncourt (1984, p. 23) “[...] é interessante saber que em


várias línguas “poesia” e “canto” se exprimem pela mesma palavra. Ou seja, a partir
do momento em que a língua transcende a sua função de informação, poderá ser
expressa com maior clareza.
Na Idade Média, havia uma separação definida entre teóricos, práticos
e músicos “completos”. O teórico era aquele que compreendia a
construção da música, mas não a executava. Ele não tocava, nem
compunha, mas entendia a montagem e a construção teórica da
música e gozava de alta estima por parte de seus contemporâneos,
pois a teoria da música era vista como uma ciência autônoma, para

93
a qual a música tocada na verdade não possuía importância alguma.
(Ocasionalmente encontramos certos reflexos desta concepção nos
musicólogos atuais). O prático, ao contrário, não possuía qualquer
conhecimento teórico a respeito de música, mas sabia tocá-la. Sua
compreensão musical era instintiva; mesmo que ele nada pudesse
explicar teoricamente, mesmo que não conhecesse as relações
históricas, estava preparado para fazer a música que fosse necessária.
Como ilustração, tomemos um exemplo de linguagem: o lingüista
conhece e compreende a construção e a história da língua. O homem
de rua, o contemporâneo, não tem idéia deste tipo de coisa, e mesmo
assim fala bem esta língua e a domina convincentemente, já que
é a linguagem de sua época. Tal é a situação dos instrumentistas e
cantores durante mil anos de história ocidental; eles não sabem, mas
podem e compreendem sem saber. Havia ainda o “músico completo”,o
que era tanto teórico quanto prático. Este conhecia e entendia a
teoria, mas não a considerava como uma coisa isolada e dissociada
de uma prática auto-suficiente; ele podia compor e executar música,
no sentido de que conhecia e compreendia todas as relações. Era
mais conceituado do que o teórico e o prático, pois dominava todas
as formas dos conhecimentos e saber. Mas quem seria essa figura,
atualmente? O compositor de hoje é certamente um músico nesse
último sentido que descrevemos. Ele possui o saber teórico, conhece
as possibilidades práticas; mas falta-lhe o contato vivo com o ouvinte,
com as pessoas que têm uma imperiosa necessidade de sua música.
Sem dúvida alguma, ele carece daquele desejo vivo de uma música
nova, daquela que é precisamente feita para satisfazer esse reclamo.
Já o prático, o instrumentista, é em principio tão ignorante como
o era há vários séculos. A ele, interessa principalmente a execução,
a perfeição técnica, a ovação num concerto ou o sucesso. Não cria
música, simplesmente a toca. Como não há mais uma unidade entre
sua época e a música que toca, falta-lhe o conhecimento natural
sobre esta música, ao contrário dos músicos das épocas anteriores
que só tocavam obras de seus contemporâneos. (HARNONCOURT,
1984, p.26 e 27, grifo nosso).

Cada profissão tem suas bifurcações. Na música também é assim. Imagine


se todos os médicos resolvessem se especializar apenas como anestesistas? Onde
estariam os ortopedistas, hematologistas e oncologistas quando fossem solicitados?
É claro que esse é um exemplo simples, mas que clareia bem a idéia proposta com
relação à profissão de um músico. Fica a pergunta: o que seria dos compositores e suas
maravilhosas idéias inspiradoras, sem os especialistas em violino, viola violoncelo,
flauta transversa, trompete, percussão?Enfim, uns compõem, outros tocam; alguns
fazem as duas coisas. Evidentemente é desafiador sempre a questão da CRIAÇÃO!
Sem falar do enorme bem que traz e causa a quem participa tocando bem como ao
ouvinte.
No capítulo 34 do volume I, “O que é o músico”, ele [Bothius] reforça a
opinião da classe musical dominante, que tinha o conhecimento da
língua latina [...] fazendo a classificação sistemática dos músicos em
três categorias: I) Teóricos: classe superior dotada de inteligência; II)
Compositores: classe média com algum discernimento e inteligência;

94
III) Instrumentistas e cantores: classe inferior, ignorante; (BORÉM,
2007).

Muitas vezes o artista foi desprezado e em alguns lugares e momentos


ainda o é.A teoria muitas vezes é extremamente exaltada. Por que não unir uma à
outra? Ambas são importantes.
Quanto à formação dos músicos esta se dava da seguinte maneira
em épocas anteriores: o músico formava aprendizes de acordo com
a sua especialidade; quer dizer, havia uma relação entre aprendiz e
mestre na música, similar àquela que durantes séculos, houve entre
os artesãos. Ia-se a um determinado mestre para aprender com ele o
“ofício”, sua maneira de fazer música. Tratava-se, antes de mais nada
da técnica musical: composição e instrumento; a esta acrescentava-
se a retórica, a fim de tornar a música mais eloqüente. [...] Há em todo
este desenvolvimento algumas interessantes rupturas que passaram
a questionar e modificar a relação mestre-aprendiz. Uma dessas
rupturas é a Revolução Francesa. Dentre as transformações que a
Revolução promoveu, se distingue a função fundamentalmente
nova que passaram a ter a formação e a vida musical de modo geral.
A relação mestre-aprendiz foi então substituída por um sistema, por
uma instituição: o conservatório. Poder-se-ia qualificar o sistema
deste conservatório de educação político-musical. A Revolução
Francesa tinha quase todos os músicos do seu lado, e logo se
percebeu que, com a ajuda da arte, em especial, a música - já que
esta não trabalha com palavras, mas sim com “venenos” de efeito
secreto - se poderia influenciar as pessoas. Naturalmente que o
aproveitamento político da arte para clara ou imperceptivelmente
doutrinar o “cidadão” ou súdito já vem de longa data; apenas isto
ainda não tinha sido aplicado à música de forma tão sistemática.
(HARNONCOURT, 1984, p.29, grifo nosso).

O fato é que o contato pessoal é de riqueza incalculável! E se um professor


/ mestre “adota” um aluno / discípulo não apenas para lhe ensinar uma matéria, mas
para ser amigo também e torcedor do sucesso do mesmo, dificilmente ou raramente
este poderá contar com o regresso desse estudante. Sobre a política, nada contra,
afinal de contas ela é muito importante e imprescindível. Infelizmente nem sempre
dotada de ética, mas não é por isso que deixaremos de sonhar e de acreditar. Muitas
vezes após conflitos vêm as soluções, o crescimento, o amadurecimento, as evoluções.
Do mesmo modo que a Revolução Francesa conseguiu, com o seu
programa de conservatório, uma mudança radical na vida musical,
a época atual também poderia consegui-lo desde, é claro, que
estejamos convencidos das necessidades dessas mudanças. (id.,
1984, p.33).

É o que acontece sempre quando alguém ou um grupo começa a querer


revolucionar alguma situação. Silva enfatizou em aula: “Muitos realizaram feitos que
anteriormente foram considerados como utopias. Muitos de vocês aqui derrubarão

95
esse tipo de paradigma”.(informação verbal em aula dada por DE OLIVEIRA MARLENE.,
A Construção do Conhecimento,ES: 2005).Muitos desafiaram os métodos tradicionais.

3.3. CONCLUSÃO

A criação, o desenvolvimento em cima da música e “enfeites” nela, podem


corresponder respectivamente à composição, arranjo e improvisação. De acordo com
Harnoncourt (1984, p. 8) “[...] a necessidade de uma interpretação viva e criativa, que
associe o conhecimento à sensibilidade musical, é uma das preocupações constantes
do autor”. Já exploramos um pouco o aspecto da interpretação, que é muito
importante, mas o aspecto da criatividade também o é.O mesmo autor (id., p.22)
ainda reforça que “onde é possível atingir um alto grau de autenticidade de estilo,
somos recompensados por riquezas insuspeitáveis.”

Não há nada de errado em tocar ou cantar obras de autores antigos. Porém,


não podemos ficar só nisso. A própria Bíblia instrui em Salmo 33: 3: “Cantai-Lhe um
cântico novo; cantai bem e com jubilo.” (Bíblia Sagrada – Tradução João Ferreira de
Almeida). “Cantem a Deus uma nova canção [...]” Bíblia Sagrada – Nova Tradução na
Linguagem de Hoje / Sociedade Bíblica do Brasil. A renovação, nos diferentes aspectos
da vida, é de grande valor, pois esse processo comunica novos conhecimentos e
aprendizados. Quem não gosta de inovação?
A chamada autêntica execução tem sido cada vez mais exigida,
e importantes intérpretes pretendem fazer disso um ideal. Tenta-
se fazer justiça à música antiga, recriando-a segundo o espírito do
tempo em que foi concebida. Esta concepção com relação à música
histórica – não trazê-la ao presente, mas recolocá-la no passado – é
sintonia da ausência de uma música contemporânea realmente viva.
A música de hoje não satisfaz nem o músico nem o público, que, em
sua maioria, a rejeita. (HARNONCOURT, 1984, p. 18, grifo nosso).

Esse aspecto citado acima está mais próximo ao contexto da música


chamada “erudita” ou “culta.”
Que teria pensado Einstein, que teria achado se não tivesse tocado
violino? Não são as hipóteses audaciosas e inventivas frutos
exclusivos do espírito de imaginação até que possam posteriormente
ser demonstradas pelo pensamento lógico? (id., p. 15).

A composição é a obra musical em si que pode ser menor ou maior, sendo


que a sua duração pode ser bem variada, podendo ser apresentada de forma mais
rápida ou mais demorada. Depende da música. Se for uma ópera, por exemplo, poderá

96
ter mais de uma hora de duração, pois contará uma história com a participação de
solistas cantores num plano especial, orquestra e até côro. Há peças para diferentes
formações bem como para instrumentos específicos ou determinadas vozes.
Villa-Lobos aproveitou muito da convivência com os “chorões”.
Aquelas músicas que iriam se refletir, mais tarde, em suas
composições, em criações mais elaboradas, com um sabor todo
novo e bem brasileiro. As músicas que começa a compor partem do
coração de seu povo, afastando-se dos padrões rançosos dos modelos
europeus [...] Em 1906 matriculou-se na cadeira de harmonia, de
Frederico Nascimento, no Instituto Nacional de Música. Não gostou
da rigidez e nem do convencionalismo do ensino e abandonou as
aulas do instituto. Procurou o maestro Francisco Braga, por quem
tinha grande admiração, mas também não se adaptou ao ensino
do maestro. Teve aulas com Breno Niendemberg, iniciando-se nos
segredos da composição. Tempos depois o Dr. Leão Veloso lhe trazia,
da Europa um curso de composição de Vincent D’Indy. Estava feito o
seu aprendizado (SILVA, 2001, p.58, grifo nosso).

Geralmente mentes criativas são contestadoras; concordam com algumas


regras tradicionais, tomam a liberdade de inventarem outras e até criam um estilo
próprio.
Depois que a música deixou de ser o centro de nossa vida tudo
mudou de figura; como ornamento, ela tem que ser antes de tudo
“bela”. Não deve de forma alguma perturbar ou assustar. Só que a
música em nossos dias não pode satisfazer tal exigência, porque,
como qualquer arte, ela é o reflexo da vida espiritual de seu tempo,
portanto do presente. (HARNONCOURT, 1984, p. 14).

Em todos os ramos podemos sentir que o aspecto da “novidade” tem sido


bem valorizado e contribuído até para promoções de funcionários bem como de sua
permanência em seus devidos empregos.
Há dois pontos de vista básicos com relação à música histórica [...]
Dois tipos de execução [...] Um a transporta ao presente o outro tenta
vê-la com os olhos da época em que foi concebida. A primeira é a mais
natural e comum às épocas em que há uma música contemporânea
realmente viva [...] A linguagem da música sempre foi considerada
como sendo absolutamente ligada a seu tempo[...] É sempre motivo
de surpresa ver o entusiasmo com que os antigos apreciavam suas
composições contemporâneas; era como se estas fossem sempre
descobertas inéditas. (id.,1984, p. 17).

Essa modificação radical da significação da música processou-


se nesses últimos dois séculos com uma rapidez crescente. E ela
fez-se acompanhar de uma mudança de atitude face à música
contemporânea, aliás, face à arte em geral, porque, como a
música era parte essencial da vida, ela tinha forçosamente que
nascer do presente. Ela era a língua viva do indizível e só os seus
contemporâneos podiam compreendê-la. A música transformava o
homem – tanto o ouvinte quanto o músico. Devia sempre criada com

97
o novo. (id., 1984, p. 13,grifo nosso).

Um “arranjo” musical, certa “bifurcação” de novas idéias que serão


acrescentadas à música original já existente, é como se fosse uma espécie de redação
musical. Talvez essa relação ajude a explicar melhor. Uma redação de vestibular, por
exemplo, tem um número máximo de linhas que poderão ser usadas e temas a serem
escolhidos. Daí temos também as monografias e artigos científicos; estes já serão
escritos com mais regras a serem obedecidas quanto à quantidade de folhas e às
citações de autores que também abordaram o tema escolhido para a descrição,enfim.A
grande questão é “inovar” uma música que já existe. Na composição bem como num
“arranjo” da mesma, o autor quer chamar a atenção ora agradando, ora chocando.
É justamente esta perturbação que é interessante; da mesma
forma que uma perturbação provoca na ostra o nascimento de
uma pérola, no ouvinte, ela suscita uma atenção permanente [...]
O ouvinte é transformado pela música [...]. Exatamente com estes
elementos corporais - movimento, contração, descontração – é que
o compositor trabalha (id.,1984, p. 57, grifo nosso).

A música antiga era considerada como uma etapa preparatória, no


melhor dos casos como material de estudo; ou ainda mais raramente,
usada para alguma execução especial, quando seria rearranjada (id.,
p.17, grifo nosso).

4. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Segundo Ferraz e Iazzetta (2007) “construção de sistemas de composição


e performance musical que exploram as potencialidades trazidas pelos novos meios
tecnológicos” devem ter espaço no “script” dos professores ao ensinar.
O projeto tem permitido ao CLM – PUC um maior contato com
compositores e pesquisadores brasileiros e estrangeiros (através da
organização de cursos e palestras, e da participação em congressos
significativos para a área), constituindo assim um núcleo de pesquisa
referencial para músicos e compositores empenhados na exploração
das possibilidades trazidas para a música realizada com o auxílio de
novas tecnologias. (FERRAZ E IAZZETTA, 2007).

É estratégica a importância das políticas públicas de caráter social


– saúde, educação, cultura, previdência, seguridade, informação,
habitação, defesa do consumidor - para o Estado capitalista. Por
um lado revelam as características próprias da intervenção de um
Estado submetido aos interesses gerais do capital na organização
e na administração [...] para assegurar e ampliar os mecanismos de
controle social. Por outro, como o Estado não se define por estar à
disposição de uma ou outra classe para seu uso alternativo não pode
se desobrigar dos comprometimentos com as distintas forças sociais

98
em confronto. (SHIROMA ET AL, 2004, p. 8 e 9, grifo nosso)

Essa situação social é algo complexo, pois sempre há aquele grupo que leva
a sério esse tipo de atividade fazendo de tudo para que ela realmente exista, e outro
grupo que apenas aproveita a posição que ocupa para desviar os recursos impedindo
que reais necessidades sejam supridas. Com relação a esse tipo de atividade no
Brasil não basta apenas criticar esse ou aquele partido, esse ou aquele presidente,
dizer que “as coisas são assim mesmo” e assim por diante. Braços cruzados e infinitas
reclamações e críticas não mudarão a vida de crianças e cidadãos que precisam
receber os frutos das políticas públicas de caráter social! Se há apoio de governos de
acordo com o que mandam as leis, então que se trabalhe seriamente para atender
a população. Mas se não há, “mãos à obra”; há empresas privadas que investem em
projetos apresentados e patrocinam atividades que são organizadas em prol de ajudar
os menos favorecidos. Há também políticos que fazem jus a suas responsabilidades,
mesmo que em certos momentos seja necessário procurá-los. Encontrando-os,
devemos levar até os mesmos as “questões” ou projetos, idéias apresentando tudo de
forma educada, respeitosa e otimista. As mudanças só acontecem mediante a ação.
Eu confesso que não me deixo dominar pela meticulosidade. Quando
estou trabalhando não me importo que as crianças entrem pela
casa, liguem o rádio, cantem ou dancem[...] Eu tenho uma grande
fé nas crianças. Acho que delas tudo se pode esperar. Por isso é tão
essencial educá-las. É preciso dar-lhes uma educação primária com
senso estético, como iniciação para uma futura vida artística. Temos
mais necessidade de professores de senso estético do que de escolas
ou cursos de humanidades. A minha receita é o canto orfeônico. Mas
o meu canto orfeônico deveria na realidade chamar-se ‘educação
social pela música’ (SILVA, 2001, p. 123).

Esse tipo de interesse em “ação social” evidentemente vinha de um espírito


otimista que acreditava na vida e em mudanças para melhor. Em todo o tempo e
em toda a área do conhecimento sempre há o que acrescentar. De forma construtiva
e crescente aspectos que precisem de maior ”nutrição” nos variados segmentos
do ensino, poderão ser alimentados. Com uma “boa dieta”, ou seja, no caso citado,
com uma didática adequada, haverá “boa saúde” nos ramos da educação. Assim,
pontuando o problema (dificuldade específica), com aulas direcionadas e objetivas,
as chances das resoluções das questões acontecerem, crescerão. Tais atitudes nos
fazem acreditar que há possibilidades de resoluções com relação a tudo isso, bem
como do seu progresso gradativo.
Uma concepção francamente salvacionista convencia-se de que
a reforma da sociedade pressuporia, como uma de suas condições
fundamentais, a reforma da educação e do ensino. Nos anos de

99
1930, esse espírito salvacionista, adaptado às condições postas
pelo primeiro governo Vargas, enfatiza a importância da ‘criação’de
cidadãos e de reprodução / modernização das ‘elites’, acrescida da
consciência cada vez mais explícita da função da escola no trato da
‘questão social’ (SHIROMA ET AL, 2004, p.17, grifo nosso).

Podemos constatar, em algumas situações, um sistema arcaico e atrasado em


pleno século XXI, aonde as diferentes áreas de ensino vêm sofrendo transformações
para um maior progresso. É a modernidade que, se bem aplicada à tecnologia, por
exemplo, dará bom suporte ao estudante. Sabemos que novas idéias para aulas vêm
surgindo e têm permitido melhor desenvoltura para nossos performeres.
As Oficinas de Performances Musicais são indicadas para músicos
profissionais, estudantes e professores de instrumento e de canto,
além de regentes de orquestra e de coros que trabalham diretamente
com o incremento da qualidade técnica, musical e artística das
performances coletivas de seus instrumentistas e cantores (MORAES,
2007).

[...] A metodologia se desenvolve a partir [...] [de algumas] das


seguintes etapas: 1. Apresentação de uma peça musical curta por um
performer, aluno ou profissional. [...] 4. Confrontação das impressões
pessoais do performer sobre a performance realizada; [...] 7. Aplicação
de técnica ou exercícios adequados para a resolução ou atenuação
de algum aspecto problemático emergente; 8. Nova realização da
performance, ou trecho dela, com aplicação das resignificações ou
técnicas aplicadas; [...]id., 2007)

Para a sua época, Villa-Lobos era um inovador também.Perceberemos abaixo


o elogio ao nosso conterrâneo de pátria_ o Sr.Heitor Villa-Lobos_ pelas composições
que fizera de alguém que chegou a verificar sua obra em seus dias. Já comentamos
anteriormente como este compositor ora era aplaudido, ora vaiado, enfim. A questão
é que ele mandou também o seu recado para a humanidade: a sua obra, fruto de uma
admirável ousadia e amor à música bem como de suas aspirações quanto às questões
educacionais e sociais.
Fala o escritor Erico Veríssimo: _ “Você, talvez sem querer, deu em
muitas de suas obras, principalmente nas Bachianas, nos Choros e
nos Quartetos, uma espécie de ‘receita de vida’, uma programação
para nosso Brasil [...] Você inventa sons e instrumentos, não tem
medo ‘de experimentar’, de ser diferente, de tomar um rumo todo seu
pessoalíssimo. Isso equivale a dizer ao Brasil: não tenha medo de ser
você mesmo, de fazer coisas novas, criar uma civilização ‘diferente’,
encarar o futuro com otimismo”. (SILVA, 2001, p.178)

Complementando essa questão do compartilhamento de informações,


conhecimento e experiências por parte de professores, não poderíamos deixar
de comentar sobre o ensino que sucede à medida que o nosso performer vai

100
avançando nos estudos de música. É necessário que nas universidades, os estudos
ali apresentados, sejam afins com esta era de atualização e globalização; que não
sejam apenas “status” para quando uma pessoa receber um diploma, mas que sejam
bem empregados com propriedade e atendendo às expectativas dos que estão nas
escolas para receberem informações de qualidade.
A arte da música na universidade é a arte do diálogo entre o ensino,
pesquisa e extensão, diálogo nas esquinas onde a performance,
composição, história e educação musical se encontram. Diálogo
onde criaturas tornam-se criadores. Diálogo entre pares. (BORÉM,
2007, grifo nosso).

A escola tradicional, a educação formal, os antigos parâmetros


educacionais, os modelos prevalecentes de universidade, são
considerados obsoletos. Demanda-se, agora, uma nova pedagogia,
um projeto educativo de outra natureza, um novo modelo de ensino
em todos os níveis. O discurso é claro: não basta apenas educar, é
preciso aprender a empregar convenientemente os conhecimentos
adquiridos. A reestruturação produtiva, afirma o discurso, exige
que se desenvolvam capacidades de comunicação, de raciocínio
lógico – formal, de criatividade, de articulação de conhecimentos
múltiplos e diferenciados de modo a capacitar o educando a
enfrentar sempre novos e desafiantes problemas. Mais ainda,
diante da velocidade das mudanças, as requalificações tornam-se
imperativas. O desenvolvimento dessas “competências” exige níveis
sempre superiores de escolaridade, posto que repousam no domínio
teórico – metodológico que a mera experiência é incapaz de garantir.
(SHIROMA et al, 2004, p.12, grifo nosso).

Constatamos que ainda existem muitos aspectos a serem considerados.


Mas fechamos comparando nossos performeres aos dançarinos e esportistas que
participam das competições de dança, de ginástica rítmica bem como dos duetos
de nado sincronizado. Treinam bastante, se apropriam das experiências de seus
técnicos, gastam tempo naquele ginásio. Quando chega a hora da apresentação, da
competição é o momento de mostrarem ao público o fruto de seus trabalhos. São
vários momentos que serão expostos em apenas alguns minutos preciosos e especiais
levando o expectador a valorizar consideravelmente aquele instante.
Tão logo começamos a fazer música, esqueçamos tudo o que
lemos. O ouvinte não deve ter a impressão que tocamos aquilo que
aprendemos. A música precisa estar dentro do nosso ser, tornar-
se parte de nossa personalidade. Acabamos por nem saber mais
onde aprendemos tal regra, onde a lemos. Talvez, ainda estejamos
cometendo uma quantidade de erros, pecando contra o rigor e a
precisão. Contudo, um ‘erro’ que provém da própria convicção,
do próprio gosto e sentimento é bem mais convincente do que
pensamentos traduzidos em sons. (HARNONCOURT, 1984, p. 63,
grifo nosso).

101
REFERÊNCIAS

Bíblia,Português.Bíblia Sagrada.Nova Tradução na Linguagem de


Hoje.s.n.Curitiba:Editora Luz e Vida,2006.

Bíblia,Português.A Bíblia Sagrada.Tradução João Ferreira de Almeida.


2.ed.São Paulo:Sociedade Bíblica do Brasil,1993.

SILVA, Francisco Pereira da.Villa-Lobos.In:


FRANCO,Afonso;LACOMBE,Américo; exclusiva ed. São Paulo:Três,2001.

HARNONCOURT, Nikolaus. O Discurso dos Sons. 4. ed.4.ed.Rio de


Janeiro:Jorge Zahar Editor LTDA,1998.

SHIROMA,Eneida;MORAES, Maria;EVANGELISTA, Olinda.Política


Educacional.3.ed.Rio de Janeiro: DP&A editora,2004.

MORAES,Abel.Oficina da Performance Musical.s.n.[s.d.]

BORÉM,Fausto.O Ensino da Performance Musical na Universidade


Brasileira.s.n.[s.d.]

FERRAZ,Silvio;IAZZETTA,Fernando.Ambiente de Composição Musical e


Performance Musical com Suporte Tecnológico.s.n.[s.d.]

102
Educação musical
coletiva com
instrumentos de banda -
EMUCIB

Kleverson Delgado da Silva1


Marcelo Trevisan Gonçalves2
1
Faculdade de Música do Espírito Santo - klevin.d@gmail.com

Faculdade de Música do Espírito Santo - marcelo.trevisan@fames.es.gov.br


2

Resumo Abstract
O trabalho inicia-se com uma breve The work begins with a brief discussion
discussão sobre o ensino coletivo de of the collective teaching music and the
música e o surgimento dos métodos appearance of “Da Capo” and “Da Capo
“Da Capo” e “Da Capo Criatividade” e os Criatividade” methods and the reasons
motivos pelos quais foram desenvolvidos. for which they were developed. Then
Em seguida, descreve a primeira parte describes the first part of the course
do curso “Educação Musical Coletiva “Musical Collective Education with Band
com Instrumentos de Banda”, onde Instruments”, where the initial processes
foram discutidos os processos iniciais for the formation of a group of wind and
para formação de um grupo de sopros e percussion were discussed.
percussão.

Keywords: Da capo criatividade. Collec-


Palavras-chave: Da capo criatividade. tive education. Wind band. Musical initia-
Ensino coletivo. Banda de música. Inicia- tion.
ção musical.
Introdução

Os educadores musicais em exercício no Brasil, em grande parte, são


procedentes do modelo tutorial de ensino, e a educação musical no Brasil, na sua
maioria, segue ainda essa metodologia. Nesse modelo valoriza-se o contato individual
entre professor e aluno para se obter o resultado desejado. Segundo Tourinho (2007,
pg. 01), este método “privilegia poucos, escolhidos muitas vezes através de severo
teste de seleção, e quase sempre exclui iniciantes”. Oposto a essa realidade, alguns
profissionais da educação musical seguiram outra alternativa, utilizando o ensino
coletivo como metodologia na iniciação musical: Alberto Jaffé (cordas), Joel Barbosa
(sopros), Cristina Tourinho (violão), entre outros.

Se contrapondo ao modelo tutorial, no ensino coletivo “o aprendizado


acontece pela observação e interação com outras pessoas, a exemplo de como se
aprende a falar” (TOURINHO, 2007, p. 2). O professor se torna a principal referência, mas
não a única. Por observação e imitação cada aluno aprende com o outro, já que suas
dificuldades são condizentes. Em se tratando de bandas, a técnica tem possibilidade
de ser abordada com mais ênfase quando as aulas são de forma homogênea (por
naipe) devido à semelhança entre os instrumentos. Nas aulas de forma heterogênea
(banda completa ou instrumentos diferentes), “o aprendizado do instrumento está
diretamente associado a um objetivo muito bem definido que é tocar na banda e não
receber um diploma” (BENEDITO, 2008 apud ALMENDRA JÚNIOR, 2014, p. 19).

Com o intuito de aprimorar a metodologia de ensino aplicada no Projeto


Bandas nas Escolas do Estado do Espírito Santo foi oferecido, aos regentes atuantes, o
curso “Educação Musical Coletiva com Instrumentos de Banda (EMUCIB)”, ministrado
pelo professor doutor Joel Luís da Silva Barbosa entre os dias 6 e 10 de julho de 2015.

No presente trabalho serão descritos os pontos abordados no curso


tangentes às sugestões e orientações preliminares aos regentes, à escolha dos
instrumentos pelos alunos, às considerações iniciais para o entendimento do método
Da Capo Criatividade, aos procedimentos para emissão do som, ao repertório, à
avaliação e às práticas que podem contribuir para o desenvolvimento do processo
intuitivo de improvisação e composição.

O curso “Educação Musical Coletiva com Instrumentos de Banda” (EMUCIB):

O curso foi introduzido com uma palestra sobre suas pesquisas e análises

104
na área da educação musical, sobretudo a ECIM (Educação coletiva com instrumentos
musicais) e EMuCIM (Educação musical coletiva com instrumentos musicais),
pesquisas que levaram o palestrante a desenvolver os métodos de ensino coletivo Da
Capo e Da Capo Criatividade, ambos baseados nos conceitos filosóficos atuais para
educação musical coletiva. Em seguida foram abordados aspectos didáticos inerentes
ao processo de formação inicial de um grupo de sopros e percussão e, posteriormente,
formou-se um grupo musical com os participantes do curso o qual serviu de base
para a aplicação da metodologia proposta no método Da Capo Criatividade.

Sugestões ao regente

Segundo o palestrante, os métodos da coleção Da Capo podem ser


utilizados tanto para o ensino individual quanto para o ensino coletivo. No entanto,
caso a formação do grupo seja de instrumentos diferentes, ou até mesmo de uma
banda completa, o professor regente deve conhecer os fundamentos básicos de
execução de cada instrumento envolvido, visto que no início da formação a principal
referência para os alunos é o professor.

Durante o curso foi discutido que a demonstração dos exercícios pelo


professor aumenta a capacidade de assimilação por parte dos alunos. Manter-
se atualizado quanto a materiais e equipamentos de cada instrumento também
é importante para saber o quê comprar ou indicar para os alunos iniciantes,
principalmente o que diz respeito à formação da embocadura: bocais, boquilhas
e palhetas. Quanto ao repertório, é importante estudar a obra ou exercício a ser
trabalhado com o grupo antes de cada ensaio ou aula para que possa estar livre
para observar seus alunos durante a execução e corrigir possíveis erros, seguindo os
princípios básicos de cada instrumento: postura e posição do instrumento, respiração,
embocadura, emissão e digitação.

Nas primeiras páginas do método, antes de iniciar a primeira lição,


encontram-se algumas dicas de como iniciar o trabalho e dicas sobre as atividades e
utilização do método. Essa leitura é importante para o desenvolvimento do trabalho
e dos exercícios. Sobre a atividade de “decorar” as melodias, por exemplo, é citado no
início do método, mas não é enfatizado em todos os exercícios.

105
Definição dos instrumentos para cada aluno

Durante o curso o Prof. Dr. Joel Barbosa sugeriu alguns passos de como
definir o instrumento de cada aluno:

1. Fazer uma ficha de inscrição que contenha os campos de escolha


do instrumento. Preferencialmente, sugerir mais de uma escolha.
Eventualmente, alguns candidatos esquecem o nome dos instrumentos,
desta forma, recomenda-se citar o nome de cada instrumento para que
os candidatos apenas marquem um “x” na escolha.

2. Ainda na ficha de inscrição, procure saber a disponibilidade de cada


candidato em se envolver com o projeto. Depois de selecionados, faça
entrevistas com os candidatos, e se possível, com os pais também, para
saber a disponibilidade e o grau de interesse em participar do projeto.
Este pode ser um dos critérios utilizados caso o número de candidatos
exceda as vagas oferecidas.

3. Após a seleção, possibilite que os candidatos toquem o maior número


de instrumentos possíveis. Nesta fase, crie uma ficha de avaliação
individual para analisar alguns pontos: ritmo, afinação, embocadura,
sonoridade, entre outros.

4. Deve-se dar atenção à definição dos percussionistas. Para isso, trabalhe


exercícios de percepção rítmica coletivamente utilizando palmas
por exemplo. Outra possibilidade é cantar uma música e criar células
rítmicas para que os alunos acompanhem. Peça para repetirem um por
um ou em grupos pequenos, de modo que consiga avaliar a todos.

5. Analisando as anotações e comparando-as à ordem de escolha dos


instrumentos na ficha de inscrição procure definir o instrumento que
cada um iniciará o aprendizado.

6. O aluno pode trocar de instrumento após este processo ou depois da fase


de adaptação, e, com a entrada de novos alunos ou com instrumentos
remanescentes, pode-se fazer todo o processo novamente.

106
Iniciando os estudos

Após definido os instrumentos de cada aluno, sugere-se dividir a classe por


naipes e manter o mínimo de três aulas semanais com duração de uma hora cada.

Dentre as primeiras atividades, é necessário que se ensine a como


montar e desmontar os instrumentos bem como fazer sua higienização básica. Este
procedimento é de fundamental importância, pois é muito comum, principalmente
nas flautas e clarinetas, os instrumentos serem danificados pelo mau uso.

O primeiro som emitido por um aluno pode não coincidir com as primeiras
notas utilizadas no método, pois ele emitirá a nota que se sentir mais confortável,
sendo isto mais frequente nos instrumentos do naipe de metais. Contudo, como a
continuidade dos exercícios e com o estímulo do professor, é natural emitir a primeira
nota a ser estudada no método.

Em seguida, é essencial que se aprenda a utilizar os quadros de conteúdo


pedagógico, descrito no livro do regente (v.1, p. 14), e como reconhecer, na figura, a
digitação da nota a ser executada. Cada quadro contém o mínimo de teoria necessária
para os exercícios subsequentes, entretanto o professor pode elucidar as dúvidas que
surgirem.

Durante as primeiras semanas é de fundamental importância estimular o


aluno a executar notas longas, orientando-o a iniciar o som e mantê-lo uniforme do
inicio ao fim, com o intuito de aprimorar o domínio da coluna de ar. Além disso, o livro
do regente (v. 1) traz orientações que também devem ser observadas: “Nessa fase,
trabalhe respiração, embocadura, postura e posição de braços e mãos, e pratique até
a lição de número seis do Método” (BARBOSA, 2010: 5).

Finalizada esta etapa, “junte todos os grupos em uma classe e comece


as aulas coletivas desde o primeiro exercício do Método” (BARBOSA, 2010: 5). No
decorrer das aulas é mister observar e lapidar as propriedades do som em cada nota
a ser executada pelos alunos:

1. Duração - O primeiro passo é fazer com que os alunos respirem juntos,


comecem e terminem as notas juntos, ainda que a sustentação do som
não esteja bem definida. Posteriormente é importante aprimorar a
sustentação da nota, demonstrando com um instrumento, com a voz
e com gestos manuais, trabalhando assim o controle da emissão do ar,
técnica fundamental para a execução de instrumentos de sopro.

107
2. Altura - É necessário que o professor confira a digitação observando
se a nota executada corresponde à esperada e é de suma importância
que o professor cante a nota em conjunto com os alunos antes de
cada exercício. Para que os trompistas tenham um referencial sonoro,
aconselha-se posicioná-los próximo ao naipe de saxofones alto, pois
as primeiras lições do método são similares para ambos. Geralmente
os alunos apresentam dificuldades em manter a afinação devido à
embocadura que ainda está em formação.

3. Timbre - Nesta etapa é interessante atentar-se ao aprimoramento da


embocadura e da respiração com o intuito de refinar a qualidade sonora
do grupo. A audição tanto de gravações quanto de performances ao
vivo contribui significativamente para que eles tenham uma referência
do som que devem produzir.

4. Intensidade - Outro ponto importante para se observar desde as


primeiras aulas é a intensidade sonora ou dinâmica. Uma prática
sugerida é utilizar o naipe das madeiras como referência para os
metais, fazendo uso do processo de imitação (primeiro toca o naipe das
madeiras e, posteriormente, o naipe dos metais procura imitá-los). Caso
o processo seja realizado de maneira inversa a tendência será o naipe
das madeiras com mais intensidade, influenciados pelos metais. Com
o desenvolvimento do grupo pode-se buscar um equilíbrio sonoro
dentro do naipe de metais partindo do princípio de que os instrumentos
agudos naturalmente têm uma maior projeção, propiciando que os
metais graves procurem um maior volume sonoro.

5. Emissão - Há diversas formas de emissão do som. Nos instrumentos


de sopro, em estágios iniciais de aprendizagem, utiliza-se a língua para
iniciar a produção do som pronunciando a silaba “Tu”. Eventualmente,
nas madeiras, alguns alunos poderão fazer uso da garganta tanto para
emitir quanto para articular o som. Como sugestão para evitar ou corrigir
esta atitude, Rondinelly13 cita o exemplo de assoprar com um canudo
num copo d’água para fazer bolhas e interromper alternadamente o
fluxo do ar obstruindo o canudo com a língua.

Quanto à percussão, os ritmos descritos nos exercícios do método são


relativamente simples, de modo que, mesmo no período inicial de aprendizagem,
13 Rondinelly dos Santos Mendes – aluno de saxofone da FAMES, participante do EMUCIB

108
os alunos poderão realizá-los tão somente através da leitura. Entretanto, conforme
elucidado pelo palestrante, a capacidade de execução dos alunos vai muito além do
que eles aprenderam sobre notação musical. Por conseguinte, é possível diversificar
os ritmos da percussão, alternando entre a leitura e a execução intuitiva. Para auxiliar
esta prática, ao final do livro do regente (vol.1, p. 119 a 122), e de percussão (vol.1, p.
50 a 53), há exemplos de células básicas de diferentes ritmos brasileiros. Joel ressalta
que, se possível, disponha-se dessas células rítmicas para fazer exercícios com todos
os alunos da banda, usando as mãos ou revezando-os na percussão. Conhecer as
acentuações de cada ritmo contribui no processo de interpretação musical (BARBOSA,
2015).

Algumas práticas podem contribuir para o desenvolvimento do processo


intuitivo dos alunos, tais como a utilização de solfejos, a apreciação de áudios diversos,
explorar a capacidade dos alunos de criar e improvisar com diferentes ritmos e sons
e de descobrir timbres diferentes no mesmo instrumento. No improviso todo aluno
está mais avançado que sua capacidade de leitura. Durante o EMUCIB, o palestrante
discorre a respeito:
O improviso vem pela intuição, que nos leva a um campo mental
onde a criatividade é mais fértil que a razão. Pela razão, a criatividade
do aluno fica limitada ao pouco que ele aprendeu sobre notação
musical. Pela intuição, o aluno busca todo referencial que ele já viveu
musicalmente: sonoridade, ritmos, entre outros (BARBOSA, 2015).

Quanto mais se explora a criatividade, maior será a capacidade do aluno


nas suas improvisações e composições. Cada vez que ele faz ou escuta outros alunos
fazerem, suas “opções” aumentam. Quanto à imitação, os exercícios têm como objetivo
desenvolver a percepção e a prática de tocar intuitivamente. Sobre este ponto o autor
comenta:
Se conseguirmos formar alunos que consigam tocar uma partitura,
com boa sonoridade em qualquer estilo, e, além disso, tenha a
desenvoltura de saber tocar “de ouvido”, estaremos formando uma
geração superior a nossa, diferente da formação tradicional, de
conservatório, que eu também tive (BARBOSA, 2015).

No que diz respeito ao repertório, o palestrante destaca a importância de


priorizar a música brasileira, não excluindo a possibilidade de tocar obras ou explorar
ritmos estrangeiros. Também é pertinente valorizar o trabalho dos alunos executando
suas próprias criações seja nas aulas ou nas apresentações, desde um pequeno trecho
a frases inteiras, e até composições ou idéias de ritmos e arranjos. Vale ressaltar que o
regente procure repassar aos alunos as questões históricas e culturais do repertório

109
escolhido. Após as apresentações, principalmente a primeira, é oportuno e relevante
que se realize uma avaliação junto aos alunos: o que eles acharam da apresentação,
como se sentiram e o que pode melhorar.

Conclusão

A grande maioria dos participantes do curso já possuía uma vasta


experiência prática com o ensino coletivo de instrumentos de sopro e percussão,
entretanto o curso veio elucidar os conceitos didáticos e metodológicos inerentes
a esta atividade e enfatizar procedimentos indispensáveis para construção de uma
base técnica e musical sólida na iniciação musical por meio da banda.

Durante o curso o palestrante levantou pontos muitas vezes negligenciados


pelos educadores como a importância da constante preparação prévia do regente
antes das aulas e a organização do trabalho desde as primeiras aulas até as
apresentações públicas. Destacamos também as abordagens sobre as propriedades
do som como duração, altura, timbre, intensidade, emissão e articulação, conceitos
fundamentais a serem observados desde as primeiras aulas.

Dentre os conceitos abordados, os mais enfatizados durante o curso foram


tangentes ao desenvolvimento do processo criativo e da percepção musical dos
alunos por meio da improvisação e da composição, destacando que a capacidade de
execução destes vai muito além do que já aprenderam sobre notação musical.

Nesta etapa do curso foram discutidos aspectos didáticos inerentes ao


processo de formação inicial de um grupo de sopros e percussão, sendo estes de
suma importância para o projeto Bandas nas Escolas do Espírito Santo, pois reinicia
suas atividades a cada ano com uma renovação significativa de alunos, visto a que as
atividades são destinadas exclusivamente a alunos regularmente matriculados.

Referências

ALMENDRA JÚNIOR, Wilson Pereira. A banda de música na formação do


músico instrumentista profissional de São Luís/MA. Monografia – Universidade
Federal do Maranhão, 2014.

BARBOSA, Joel Luis S. Da Capo Criatividade - Método elementar para

110
o ensino individual e/ou coletivo de instrumentos de banda: Regência, Vol. 1,
Keyboard Editora, 2010.

__________. Da Capo Criatividade - Método elementar para o ensino


individual e/ou coletivo de instrumentos de banda: Clarinete, Vol. 1, Keyboard
Editora, 2010.

__________. Da Capo Criatividade - Método elementar para o ensino


individual e/ou coletivo de instrumentos de banda: Percussão, Vol. 1, Keyboard
Editora, 2010.

“Educação musical coletiva com instrumentos de banda (EMUCIB)”


Joel Luis da Silva Barbosa. Arquivos pessoais em vídeos sobre o curso realizado na
Faculdade de Música do Espírito Santo (FAMES) entre os dias 06 e 10 de julho de 2015.

TOURINHO, Ana Cristina Gama dos Santos. Ensino Coletivo de


Instrumentos Musicais: crenças, mitos e um pouco de história. Anais do XVI
Encontro da ABEM, Cuiabá, 2007.

111
DIÁLOGO ARTÍSTICO:
Influências temáticas
entre som e imagem na
indissociável relação
de saberes no campo das
artes

Marcelo Rodrigues de Oliveira1


Michele de Almeida Rosa Rodrigues2
1
FAMES - orquestramusic@yahoo.com.br

FAMES - michele.musica@gmail.com
2

Resumo Abstract

Este artigo apresenta um estudo qualitativo, This article presents a qualitative study,
averiguando diferentes manifestações artísticas, investigating different artistic expressions, relations
relações e influências que envolvem artistas que and influences which involve artists who use
se utilizaram do som e da imagem no processo sound and image in the creative process. In a short
criativo. Num breve percurso histórico, foi possível historical path, it was possible to observe different
averiguar as experiências heterogêneas que experiences that were used as references to this
serviram de parâmetros na pesquisa, levando em research, considering the practices that standardize
consideração as condicionantes que padronizam and come from traditional practice of teaching
e emergem do tradicional ensino e aprendizagem music. In the music function, we can explore its
de música. Na função da música, podemos explorar essence in the inseparable relationship with other
sua essência na indissociável relação com outros artists and its works. On one side we have Jose
artistas e suas obras. De um lado temos Kandinsky, de Alencar, Marc Chagall, Viktor Hartmann; on the
José de Alencar, Marc Chagall, Viktor Hartmann; other side, Schoenberg, Carlos Gomes, Mozart and
por outro Schoenberg, Carlos Gomes, Mozart e Mussovisky. Besides, the literary research in the
Mussovisky. Ademais, a pesquisa literária na área field of Education, Arts and Music contributed to
de educação, arte e música contribuíram para um a meaningful dialogue between sound and image.
diálogo significativo entre som e imagem. Com This way, we see the importance of proposing
isso, percebemos a importância de propormos themes which makes Music talk with other kinds of
temáticas dialogando a música com outros knowledge, contributing in the process of teaching
saberes, contribuindo no processo de ensino e the contentes that entirely form the field of arts.
aprendizagem dos conteúdos que integralmente
compõem o campo das artes.
Keywords: Arts and music. Sound and Image. Tea-
Palavras-chave: Arte e música. Som e imagem. ching Process.
Processo de ensino.
Introdução

O atual ensino de música nas universidades tem promovido diversos


debates em virtude da lacuna existente na estrutura curricular que regem os cursos de
música. Entre várias abordagens, Fischer (apud FREIRE, 2011), por meio das categorias
identificadas por Merriam, cita a função social da arte e adverte que tais conteúdos
encontram-se descontextualizados, alienantes e restritos. Sendo assim, propomos
nesta pesquisa investigar os aspectos ‘som e imagem’ que, certamente, promovem
reflexões no diálogo da música com os outros saberes que compõem o campo das
artes.

Nosso estudo parte da indissociável relação das manifestações artísticas,


cujas pesquisas apontam para uma base comum que deu origem ao processo
criativo. Na busca desse entendimento, elegemos uma abordagem que tem por
base a proporção numérica. Tal pressuposto fez vigorar a hegemonia estética das
diferentes modalidades artísticas em diferentes momentos. É o caso ocorrido desde a
Grécia, na qual Pitágoras utilizou-se do monocórdio no experimento das proporções
intervalares da escala musical; o mesmo critério matemático também serviu de
orientação, em outro momento histórico no Renascimento. Como exemplo, podemos
citar a escultura de Michelangelo, cujas medidas representavam o símbolo máximo
da perfeição14.

Ao longo da história da música, é possível encontrar composições oriundas


de diversas matrizes culturais numa articulação híbrida que foram elaboradas a
partir de experiências heterogêneas (TAGG, 1997). Tal pressuposto corrobora que o
compositor musical, ao ser tomado por uma determinada influência, tem a favor uma
diversidade de elementos inerentes15 ao processo criativo, visto que:
A música tem muitas dimensões porque são muitas as formas de
ser e as maneiras de pensar [...]. Por isso, seria certamente errado
sustentar que estes outros pensamentos não podem de modo algum
penetrar no interior da peça musical, contribuindo para determinar o
seu sentido (PIANA, 2001, p. 334-335).

De modo geral, alguns conceitos da linguagem musical como tonalidade,


altura, duração, dinâmica, intervalos, timbres, intrinsecamente se entrelaçam aos
elementos de uma obra de arte como imagem, ação, texto, gesto, etc. Neste sentido,

14 É possível encontrar autores que consideram que na realidade não existiu um


Renascimento na música como na literatura, escultura ou arquitectura (COELHO, 2009, p.48).
15 Dois significados integram paralelamente, uma análise, sendo os Inerentes - elementos da
linguagem musical – e os Delineares – aspectos em torno da música (GREEN, 1997).

114
Gomes (2003), adverte que:
Analogamente pode pressentir-se a presença das sinestesias16
internas através do ouvido: o timbre do trompete é semelhante
a um desenho melodicamente activo, à sua tonalidade maior; o
timbre do violoncelo é semelhante a um ritmo lento, a uma melodia
melancólica, etc (GOMES, 2003, p.60).

Portanto, devemos atentar para a relação entre o que se ouve e o


que se vê. Essa combinação, quando notada, amplia a concepção da natureza de
uma composição, pois outras estruturas passam a ser simultaneamente observadas
(LEPPERT, 1993, p. xx-xxi apud IAZETTA, 1997, p. 29). Em alguns casos é possível criar
paralelismos pela máxima da relação entre autores e o grau de influência que suas
obras detiveram. Para isso, cada vez mais se comprova que a capacidade do artista não
dispõe apenas de técnicas específicas, mas, sobretudo, das referências artísticas com
as quais dialogam no processo criativo (SCHROEDER, SCHROEDER, 2011, p.142-143).
Afinal, esse jogo de enunciados e respostas é uma característica muito presente, em
geral, no campo das artes e não restrito somente a música (SCHROEDER, SCHROEDER,
2011, p. 134).

Autores e obras: um diálogo influente no processo criativo

Aqui se faz presente alguns elementos que problematizam o evento sonoro


e provoca implicações ‘paramusicais’ que inclui as cenas, as imagens e os sentimentos.
Subentende-se que somente a estrutura autônoma (específica) da música não é
capaz de oferecer elementos para uma compreensão significativa pela negligência de
outros aspectos vitais que, além do histórico, inclui o afetivo, o emotivo e o expressivo
(KERMAN, 1987). Segundo Tagg (1982), ao ouvirmos uma música, naturalmente
fazemos associações que pertencem à memória musical e afetiva, cujos elementos
envolvem os aspectos sensoriais, tais como ‘ visual e auditivo’.

Nesta relação, citamos o renomado artista russo Wassily Kandinsky17,


professor da Escola de Bauhaus e artista plástico abstracionista no campo das artes
visuais. Sua influência pela música deu-se pela correspondência que havia mantido
com o músico austríaco Arnold Franz Walter Schoenberg, compositor e criador do

16 Fenômeno psicológico e como produto cultural, a sinestesia é intermodal,


fundamentalmente constituída por associações intersensoriais (GOMES, 2003, p. 59).
17 Wassily Kandinsky nasceu em Moscovo a 4 de Dezembro de 1866. Ele tocava piano e
violoncelo. Tornou-se um pintor amador; posteriormente veio o impulso para a abstração.

115
dodecafonismo18. Sem a pretensão de elevar as artes visuais em detrimento aos feitos
da música, o artista plástico acreditava que as cores, as formas e as linhas, poderiam
evocar sons (GOMES, 2003, p.57). Apresentamos a seguir, algumas associações que,
de certa forma, trazem sinestesia entre o audiovisual e auditivo baseado nos aspectos
indissociáveis no universo das artes.

SOM IMAGEM
Dinâmica do som Dinâmica do gesto (profundidade do movimento e à
alteração do brilho)
Desenvolvimento Dinâmica da plástica, do quadro
melódico
Ritmo musical Velocidade de movimento e de transformação das
imagens visuais
Desenvolvimento do Desenvolvimento da cor nas artes plásticas
timbre
Mudança de tonalidade Desenvolvimento cromático da globalidade do quadro
ou dos planos de cor (durante a politonalidade)
Mudança de modos Mudança da luminosidade do quadro por (maior,
menor) inteiro
Fig. 1 (GOMES, 2003, p.59-60).

Aqui ressaltamos dois fatores imbricados numa mesma obra, ‘o som e a


imagem’ sob a ótica estética que tendem a definir determinada estrutura musical.
Como exemplo, podemos citar a Suíte, uma série de movimentos musicais e o
Poema sinfônico, obra musical que narra uma história através da música. Várias obras
exemplificam estas estruturas como é o caso dos Quadros de uma Exposição (Suíte) e
Uma noite no Monte Calvo (Poema sinfônico), ambos de Mussorgsky (BENNETT, 1986,
p. 61).

A mesma obra em diferentes contextos

Obra Na Música Na Imagem


Quadros de uma Exposição Mussorgsky1; Ravel Viktor Hartmann
A Flauta Mágica Mozart2 Marc Chagall

18 Técnica de composição no emprego de doze sons com o principio da não repetição das
notas musicais entre si (Schoenberg, 2004).

116
Obra Na Música No Romance
O Guarani Carlos Gomes José de Alencar
Fig. 2: Informações no anexo.

De acordo com Téo (2005, p. 586) “a música ocupou posição de destaque no


ideário modernista, funcionando como matéria-prima a ser trabalhada com o intuito
de consolidar algumas das características culturais”. Para tanto, a recorrência dos
vínculos sonoros às manifestações artísticas como pintura, literatura, cinema, teatro,
escultura pôde ser constatada em algumas temáticas musicais, conforme veremos a
seguir.

Artistas x temáticas musicais

Artista Área de atuação Temática Musical


Cândido Portinari Pintor O flautista

Carybé3 Pintor Berimbaus


Di Cavalcanti Pintor Samba
Edgar Degas Pintor/Desenhista/ As bailarinas e Dançarina com
tamborim
Escultor e Fotógrafo
Heitor dos Prazeres Pintor Roda de Samba
Henri Matisse Pintor A dança
Marc Chagall Pintor e Gravurista A flauta mágica
Pierre Auguste Renoir Pintor Mulher que toca um violão
Fig. 3: Biografia dos autores no anexo.

O quadro exposto inviabiliza dissociar e reforçar a música à outras


modalidades artísticas. Pode-se ocorrer com os compositores musicais sendo
influenciados por diferentes temáticas artísticas. É sabido que:
A própria área artística algumas vezes se utiliza de conhecimentos
gerados em outros campos, como é o caso do uso frequente da
física acústica pela música, da fisiologia pela dança, ou da ótica e da
geometria pela pintura, para tentar aprofundar os conhecimentos
sobre as próprias produções (SCHROEDER, SCHROEDER, 2011, p.
129).

117
São múltiplas e factíveis as possibilidades, tanto para o compositor
musical quanto para os artistas em geral, que tem a disposição os recursos viáveis à
contextualização de suas criações. Consideremos “Área de Influência” (grifo nosso),
um fator inspirador para temáticas substanciais como o ‘cinema’. Nesse ambiente, a
função “coadjuvante” da música foi analisada por Miranda (2001), ao observar que:
Se na maior parte da produção cinematográfica o espectador nem
sempre dirige a sua atenção para a música, isto parece ter uma razão:
a história narrada de prevalecer. A música, dentro do ponto de vista,
geralmente é usada como um elemento que reforça o conteúdo da
imagem [...] lá está cumprindo o seu papel, sem jamais perturbar o
fluxo da narrativa (MIRANDA, 2001, p. 554).

Por conseguinte, o autor contrapõe com a “diegese19” na qual a música pode


estar presente no centro da história narrada e obviamente percebida pelo espectador
no decorrer da cena. Ademais, a função da música, em sua diversidade e variações,
pode ser notada quando está intercalada nas produções artísticas conforme os
exemplos que veremos adiante.

Compositores musicais e influência (Contexto Artístico)

Compositores Musicais Obras Contexto Artístico


Richard Wagner4 Os Mestres de Nuremberg Teatro/Ópera
Rismky Korsakov5 Mil e Uma Noites Poema
Ígor Stravinsky6 A Sagração da Primavera Dança

Fig. 4: Informações complementares na nota de rodapé.

Em menção ao período romântico, que inclui os autores citados, destaca-


se o músico, compositor, diretor de teatro e ensaísta alemão Richard Wagner (1813-
1883), defensor do sugestivo conceito de ‘arte total’. Para ele, a música e o teatro
constituem uma indissociável relação, percebidos como uma teia, resultante de várias
partituras concomitantes, de texto, de ator, de encenador, de elementos cenográficos
e musicais (OLIVEIRA, 2008, p.2). Ativamente ele participava das montagens de suas
obras, escrevia textos dramatúrgicos, explorava peças como: balés, musicais, cantatas,
oratórios, chegando até a inventar um instrumento musical, a Trompa Wagneriana
(AMALFI, 2011, p.106).

19 Termo usado na Teoria do Cinema para se referir a todos os elementos que compõe o
universo ficcional proposto por um filme (MIRANDA, 2001, p. 554).

118
Conclusão

Por meio desse estudo foi possível averiguar a necessidade de


empreendermos um ensino de música de forma mais integral. A literatura específica na
área de artes pôde contribuir para despertar uma reflexão sobre o processo interativo
que aproxima diferentes discursos. Esse pressuposto vai ao encontro dos debates que
discutem distintas lacunas na estrutura curricular das universidades que oferecem
cursos de música. Logo, é provável que tenhamos que ultrapassar as condicionantes
que emerge o tradicional ensino e aprendizagem de música na indissociável relação
com outros saberes no campo das artes.

Referências

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e o encenador contemporâneo à luz de uma macro-harmonia. Revista AspaS – Anais
do Primeiro Seminário de Pesquisas em andamento do Programa de Pós-graduação
em Artes Cênicas da Universidade de São Paulo – PPGA, nº 1, p. 102-112, 2011.
Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/aspas/article/view/62854>. Acesso em:
30 mar. 2016.

BENNETT, Roy. Uma breve história da música. Cadernos de Música da


Universidade de Cambridge. Tradução, Maria Teresa Resende Costa. - Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1986.

CARPEAUX, Otto Maria. O livro de ouro da História da Música: da Idade Média


ao século XX. Rio de Janeiro, Ed. Quorum, p. 297;298;300;301;326;437-438, 1968.

COELHO, Paulo Alexandre Cardeal. Arquitectura e Música: Analogias


Estruturais. Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura, Mestrado Integrado em
Arquitectura. Universidade da Beira Interior - UBI, Covilhã, Portugal, 2009. Disponível
em: <http://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/2187/1/Paulo%20Coelho%20
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FREIRE, Vanda Lima Bellard. Música e sociedade: uma perspectiva histórica e


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da produção artística, 2003. Disponível em: <http://www.arte.com.pt/text/filipag/
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IAZZETTA, Fernando. A música, o corpo e as máquinas. Opus – Revista da


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JÚNIOR, Luís Vitor Castro. A Arte-Capoiera nas Imagens do “Capeta Carybé”.


Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do
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V Congresso Brasileiro de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas. Belo Horizonte:
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PIANA, Giovanni. Filosofia della musica. Trad. Antonio Angonese. Bauru:


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discurso: uma perspectiva a partir da filosofia do círculo de Bakhtin. Música em
Perspectiva: Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da UFPR – v. 4, n. 2,

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TAGG, Philip. Analysing Popular Music: theory, method and practice. Popular
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TÉO, Marcelo. O tocador pelo pincel: imagens da música popular na obra


de Cândido Portinari. Revisão Historiográfica: O Estado da Questão. In: I Encontro de
História da Arte – IFCH/UNICAMP, São Paulo, v. 2, p. 580-587, 2005. Disponível em:
<http://www.unicamp.br/chaa/eha/atas/2004/TEO,%20Marcelo%20-%20IEHA.pdf>.
Acesso em 12 de abr. 2016.

Anexo

Biografia dos Artistas x Obras


Cândido Portinari20 foi um dos pintores brasileiros mais famosos. Suas obras incluem a pintura
expressionista, arte expressionista, artista plástico do século XX. Este grande artista nasceu na cidade
de Brodowski (interior do estado de São Paulo), em 29 de dezembro de 1903. Destacou-se também
nas áreas de poesia e política. Flautista - obra executada em 1942 para decorar a sede da Rádio Tupi
do Rio de Janeiro/RJ, Série Os Músicos. Um painel a têmpera/tela de 300x200 cm (estimadas). A cena
representa um homem tocando flauta em ambiente de rua vendo duas mulheres e uma menina
como se estivessem dançando. Obra que foi destruída em 12 de março de 1949 em um incêndio na
sede da Rádio Tupi do Rio de Janeiro/RJ.

Edgar Hilaire Germain de Gas21, popularmente conhecido apenas por Edgar Degas, foi um
importante pintor, escultor e gravurista francês. Nasceu em 19 de julho de 1834 em Paris e faleceu,
na mesma cidade, em 27 de setembro de 1917. Fez parte do movimento artístico conhecido como
impressionismo, Realismo e do Renascimento italiano. Bailarinas - possuía uma verdadeira fixação
por bailarinas: “As pessoas me chamam de pintor das bailarinas”. Das suas 2000 obras, mais da
metade de seus óleos, pastéis e esculturas retratam as jovens bailarinas do corpo de ballet da Ópera
de Paris.

Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo22 , mais conhecido como Di Cavalcanti, foi
um importante pintor, caricaturista e ilustrador brasileiro da arte moderna. Nasceu na cidade do
Rio de Janeiro, em 6 de setembro 1897. Samba - Abordou temas tipicamente brasileiros como, por
exemplo, o samba. O cenário geográfico brasileiro também foi muito retratado em suas obras como,

20 Disponível em: <http://www.portinari.org.br/#/acervo/obra/4163/detalhes>. Acesso em:


12 abr. 2016.
21 Disponível em: < http://www.biografiasyvidas.com/biografia/d/degas.htm>. Acesso em:
13 abr. 2016.
22 Disponível em: <https://www.escritoriodearte.com/artista/emiliano-di-
cavalcanti/?tag=obra-de-emiliano-di-cavalcanti#ftn8>. Acesso em: 11 abr. 2016.

121
por exemplo, as praias. Desde as cores que utilizava às formas, tudo é expressão da cultura brasileira
que se aflora na sua época.

Hector Julio Páride Bernabó23, conhecido popularmente e artisticamente como Carybé, foi um
importante artista plástico (pintor, gravador, escultor, ceramista, ilustrador e desenhista) argentino,
naturalizado brasileiro. Nasceu na cidade argentina de Lanús em 7 de fevereiro de 1911 e faleceu
em Salvador (Bahia) em 2 de outubro de 1997. Berimbaus – Carybé foi tocador de pandeiro e de
berimbau, mergulhou na arte de fazer a cultura baiana singular. Reconhecia as diferenças entre os
centros de capoeira e percebia as diferenças estéticas entre os estilos de capoeira Angola e Regional.

Heitor dos Prazeres24 (1898-1966) foi um dos principais pintores do Brasil a retratar o universo do
samba e todo o ambiente do carnaval, com as mulatas e passistas. Sua obra pode ser conceituada
como arte naif, ou ingênua, caracterizada pela produção de autodidatas sem educação formal
no campo das artes. Roda de Samba - Em suas telas aparecem cenas do cotidiano carioca: as
favelas, as brigas de malandros, a roda de samba, as mulatas e outras trivialidades que, juntas, dão
autenticidade e expressão à cidade do Rio de Janeiro.

Henri Émile Benoît Matisse 25 foi um importante desenhista, escultor e pintor francês. Nasceu em
31 de dezembro de 1869 na cidade francesa de Le Cateau-Cambrésis e faleceu em 3 de novembro
de 1954 na cidade de Nice (sul da França). Foi um dos principais representantes do movimento
artístico conhecido como Fauvismo. La Danza (A Dança) - É uma pintura a óleo sobre tela, que
mede 260 cm de altura por 389 cm de largura, criada em 1910. Está exposta no Museu Hermitage
de São Petersburgo, na Rússia. É reconhecida como um ponto-chave da carreira de Matisse e
no desenvolvimento da pintura moderna, refletindo a incipiente fascinação do pintor pela arte
primitiva.

José de Alencar26 nasceu no Ceará, região nordeste do Brasil, no ano de 1829. Antes de iniciar sua
vida literária, atuou como advogado, jornalista, deputado e ministro da justiça. O Guarani - Seu
romance “O Guarani” serviu de inspiração ao músico Carlos Gomes, que compôs a ópera O Guarani.
Foi escolhido por Machado de Assis, para patrono da Cadeira nº 23, da Academia Brasileira de Letras.

Marc Chagall27 - foi pintor, ceramista e gravurista surrealista judeu russo-francês. Nasceu em
1887 e faleceu no ano de 1985. Influenciado tanto pelo Fauvismo quanto pelo Cubismo, Chagall
desenvolveu um estilo pessoal em que a imaginação dá autonomia aos objetos e personagens da
realidade, libertos da lei da gravidade e do tempo-passado. Suas telas são evocações de lembranças
de sua terra natal, personagens familiares. A Flauta Mágica – no âmbito visual, foi elaborada como
pano de cena com 23 metros, pintado por Marc Chagall para o espetáculo “A Flauta Mágica” da
versão original do compositor musical Mozart.

Pierre Auguste Renoir28 foi um importante artista plástico francês. Fez parte do impressionismo
e destacou-se por suas lindas pinturas. Nasceu em 25 de fevereiro de 1841, na cidade francesa de
Limoges. Morreu em 3 de dezembro de 1919 em Cagnes-sur-Mer (cidade no sudoeste da França).

23 Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/viewFile/7775/9818>.


Acesso em: 12 abr. 2016.
24 Disponível em: <http://pintores.folha.com.br/heitor_dos_prazeres-volume_28.html>.
Acesso em: 14 abr. 2016.
25 Disponível em: <http://www.tuitearte.es/henri-matisse-la-danza/>. Acesso em : 23 abr.
2016.
26 Disponível em: <http://www.e-biografias.net/jose_alencar/>. Acesso em: 21 abr. 2016.
27 Disponível em: <http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo1/
expressionismo/surrealismo/chagall/index.html>. Acesso em: 24 abr. 2016.
28 Disponível em: <http://artenarede.com.br/blog/index.php/tag/renoir/>. Acesso em: 20
abr. 2016.

122
Mulher que toca um violão – estilo impressionista, realizada no ano de 1896-1897. Sua dimensão
é 54,6 x 65,8 cm, feita a óleo e lona.

Viktor Hartmann29 – era um arquiteto, artista e cenógrafo que conheceu Mussorgsky através do
crítico de Vladimir Stasov em 1870. Na idade de 39 em 1873, Hartmann morreu de um aneurisma,
e Stasov ajudou a organizar uma exposição de mais de 400 obras de Hartmann no Academia de
Belas Artes em São Petersburgo, Rússia, em fevereiro e Março de 1874. Infelizmente a maioria das
fotos da exposição Hartmann hoje estão perdidas. Quadros de uma Exposição30 - obra musical
em 10 movimentos por compositor russo Modest Mussorgsky , que foi inspirado por uma visita a
uma exposição de arte. Cada um dos movimentos representa um dos desenhos ou obras de arte em
exposição. Embora originalmente composta em 1874 para o solo de piano , Pictures tornou-se mais
conhecido em forma de orquestra, nomeadamente no que providenciado pelo compositor francês
Maurice Ravel em 1922.

Pesquisa Complementar31

• Período Gótico - Época em que os vitrais das catedrais ganhavam aspectos muito mais
exuberantes (século XII) era acompanhado pela polifonia típica da música ocidental com
Léonin (1150-1210) e de Pérotin (1160-1230).
• Período Barroco - Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610) pinta em 1600 uma série
de murais para a Igreja de São Luís dos Franceses em Roma, entre espaços claros e espaços
escuros. Este dramatismo é pensado também pelo contemporâneo Claudio Monteverdi (1567-
1563), com a ópera Orfeo de 1607.
• Período Clássico – Jacques-Louis David (1748-1825) que nos mesmos anos de suas pinturas
mais geométricas, Mozart (1756-1791) escrevia, na mesma cidade de Paris, as suas sonatas para
piano de cunho mais simétrico. A comparação entre a Sonata em dó maior IK 330 de Mozart e
a tela “O juramento dos Horácios” de David.
• Período Romântico - Géricault (1791- 1824) e Delacroix (1798-1863) encontram um
paralelo evidente nas obras grandes e eloquentes de Héctor Berlioz (1803-1869). Temos o
impressionismo de Claude Monet (1840-1926) que encontra uma ressonância na arte do
compositor Claude Debussy (18621918).
• Século XX as colagens musicais de Stravinsky (1882-1971) em seu Ballet Petruschka (1911) são
contemporâneas pelos pintores Picasso (1881-1973) e Braque (1882-1963), e no final do século
é o minimalismo musical com a pintura hiperrealista. Heitor Villa Lobos (1887-1959) dedicou
seu Choro Nº 3 “Pica pau” de 1925 para a pintora Tarsila do Amaral (1886-1973). A melodia
indígena da obra com provável relação ao quadro Abaporu. A obra musical “Descobrimento
do Brasil” de Villa Lobos ser contemporâneos dos murais de Portinari (19031962) pintou na
Biblioteca do Congresso em Washington em 1941.

29 Disponível em: <http://www.ocms-yso.org/2014/04/pictures-from-exhibition-remem-


brance-of.html>. Acesso em: 19 abr. 2016.
30 Disponível em: < http://global.britannica.com/topic/Pictures-at-an-
Exhibition#ref1175481>. Acesso em: 18 abr. 2016.
31 Disponível em: < http://www.musica.ufmg.br/permusi/port/numeros/14/num14_cap_02.
pdf>. Acesso em: 25 abr. 2016. Disponível em: <http://www.phs.poteau.k12.ok.us/williame/APAH/
readings/Caravaggio,%20The%20Artist%20as%20Outlaw,%20Lambert.pdf>. Acesso em: 25 abr.
2016. Disponível em:
<http://operaeballet.blogspot.com.br/2014/01/pintura-e-musica-paralelos-brasileiros.html>.
Acesso em: 25 abr. 2016.

123
RESENHA DE LIVRO:
BREGMAN, Albert
Stanley. Auditory scene
analysis: the perceptual
organization of sound.
Cambridge: The MIT Press,
1990

Patrick do Val
FAMES - patrick_do_val@yahoo.com.br

Resumo Abstract

Esta resenha pretende mostrar um panorama This review aims to show an outlook of the
do livro Auditory scene analysis: the book “Auditory scene analysis: the perceptual
perceptual organization of sound, de Albert organization of sound”, by Albert Stanley
Stanley Bregman, uma obra de grande Bregman, a work of great importance
relevância na área de cognição musical. Entre in the music cognition area. Among the
os temas abordados, compondo o campo da topics covered, which make up the field
análise de cena auditiva, são apresentados: o of auditory scene analysis, are presented
conceito de fluxos auditivos, uma teoria da the concept of audio streams; a theory of
dissonância, preceitos de organização dos dissonance; organizational precepts of the
sons no âmbito da ecologia da percepção, sounds within the perception of ecology;
a noção de imagem auditiva, o princípio da the concept of auditory image; the principle
alocação exclusiva como um paralelo sonoro of exclusive allocation as a sound parallel
das descobertas da Gestalt no campo das of Gestalt discoveries in the visual images
imagens visuais, uma concepção de textura field; a conception of musical texture; and
musical e a apresentação da ideia de quimera presentation of auditory chimera idea. It
auditiva. Concluiu-se que a obra, enquanto concludes that the work, as a single and
um quadro teórico único e visionário das visionary theoretical framework of hearing
ciências da audição em seu tempo, faz-se uma sciences of his time, is a very important
leitura de grande relevância para interessados piece of reading for those interested in
em compreender a percepção do som com understanding the perception of sound with
aplicações na área musical. applications in music.
   
Palavras-chave: análise de cena auditiva,
fluxos auditivos, ecologia da percepção, Keywords: auditory scene analysis, audio
alocação exclusiva, textura musical, quimera streams, ecology of perception, exclusive
auditiva. allocation, musical texture, auditory chimera.
Albert Stanley Bregman, conhecido como Al Bregman, é um professor
e pesquisador canadense dedicado à psicologia experimental, ciência cognitiva
e psicologia Gestalt, principalmente na relação entre a organização do som e a
percepção auditiva. Ele é considerado o pai da Análise de Cena Auditiva.

Em seu livro de 1990, cujo título pode ser traduzido como “Análise de cena
auditiva: a organização da percepção sonora”, o autor debruça-se sobre os princípios
de organização dos sons no âmbito da ecologia da percepção. Ele diferencia os
conceitos de som e de fluxos auditivos, faz um paralelo entre análise da cena nos
campos visual e auditivo, expõe diversas experiências de escuta, descreve sua noção
de imagem auditiva, propõe os conceitos de alocação exclusiva, textura musical e
quimera auditiva, entre outros. Em seu quinto capítulo, ele discute as implicações
musicais de sua teoria. Sua escrita é bastante clara, embora densa, e com farta
quantidade de ilustrações e descrições de experimentos de laboratório.

O autor afirma que a principal tarefa do sistema auditivo é organizar os sons


em aglomerados significativos que correspondem às diversas atividades do mundo.
Bregman diferencia o conceito de som e o conceito de fluxos auditivos (“auditory
streaming”). O fluxo auditivo é um agrupamento de sons que é percebido como uma
unidade independente dos demais acontecimentos acústicos simultâneos. Em suma,
ele é uma linha de som, uma unidade auditiva homóloga ao que um objeto é para a
percepção visual. O fluxo desempenha o mesmo papel na experiência mental auditiva
que o objeto faz no que diz respeito à visão. O projeto de Bregman se assemelha
ao que a psicologia Gestalt significou para a ampliação do conhecimento sobre a
percepção visual.

Esse pesquisador discerne as noções de som e fluxo em seu trabalho. Em


seu livro, a palavra som diz respeito a um acontecimento físico-acústico que pode
incorporar mais de um fluxo. Além disso, som refere-se, indistintamente, a um
acontecimento físico sonoro no mundo e à nossa experiência mental dele. É útil
reservar a palavra fluxo (“stream”) para uma representação perceptual e a expressão
“evento acústico” ou a palavra “som” para a causa física.

O objetivo da análise da cena é a recuperação de descrições de cada coisa


separada no meio ambiente. O que são essas coisas? Na visão, estamos focados em
objetos. Na audição, o ouvido recebe os diversos sons simultâneos integrados e a
mente os separa em fluxos auditivos.

Na análise de cena auditiva, três aspectos-chave são levantados pelo

126
autor: a segmentação, a integração e a segregação. Falando do primeiro tópico,
segmentação, pode-se dizer que um segmento é uma das partes que compõem um
fluxo auditivo. Vamos a alguns exemplos: na linguagem, o significado se dá através
de palavras, mas as crianças pequenas não são capazes de entender e separar os
consecutivos segmentos de sons de uma expressão, a menos que se insira um silêncio
entre cada palavra. Esse é um problema de segmentação que, ao longo do processo
de aprendizagem, em geral, resolve-se naturalmente. Além disso, ao longo da
aquisição da linguagem, faz-se necessário aprender a encadear em uma certa ordem
cada uma das palavras que compõem o discurso, o que equivale a dispor em uma
determinada sucessão de segmentos linguísticos. Ao longo de sua obra, Bregman
descreve diversos experimentos sonoros, que se valem da segmentação de fluxos
para demonstrar diferentes problemas de percepção auditiva. O autor demonstra
que o aumento da velocidade de apresentação de diversos segmentos sonoros
tende a piorar a integração do fluxo de destino pela percepção sonora, dado que o
reconhecimento de um padrão conhecido ou previsto pode ser perdido. Isso leva a
agrupamentos equivocados, o que pode causar no ouvinte a sensação de ouvir sons
que de fato não existem, mas que são somente o resultado de combinações erradas
dos componentes originais.

Quanto ao segundo tópico, integração, o autor mostra que há uma


tendência de os sons formarem um sentido de continuação, propiciando a fusão
dos segmentos ligados no tempo em um fluxo auditivo único. A isso ele denomina
integração. Sons individuais tendem a se aglutinar em uma unidade perceptiva de
acordo com as correlações físicas que compartilham, tais como: timbre, proximidade
de frequência, proximidade temporal, disposição harmônica, intensidade e origem
espacial. É o que a psicologia Gestalt nomeia princípio do fator comum. Esse princípio
é de grande importância na formação do fluxo auditivo.

Por fim, segregação diz respeito a quando as atividades sonoras simultâneas


mantêm suas identidades independentes. É quando os sons são interpretados pelo
sistema auditivo como dois ou mais fluxos simultâneos de som. Um exemplo é a
capacidade de se distinguir uma voz em meio a uma multidão de outras vozes. Um
outro é o caso do contraponto, no âmbito da música, com suas linhas melódicas
simultâneas e distinguíveis separadamente. Nossa audição é, de fato, uma miscelânea
de diversos eventos sonoros simultâneos e nosso sistema auditivo os distingue de
duas formas: processos primitivos de agrupamento auditivo e por meio de esquemas
cognitivos que remetem a vivências auditivas anteriores. Bregman diferencia a
segregação primitiva e segregação baseada em esquema.

127
A segregação primitiva é automática, inata e fruto da evolução das
espécies. Nesse processo, os animais adquirem uma capacidade geral, involuntária,
para segregar sons. Os fluxos são espontaneamente analisados de acordo com suas
correlações e as frequências são atribuídas a um ou outro fluxo auditivo.

Por outro lado, a segregação baseada em esquema surge de fatores


experienciais e cognitivos, portanto, é resultado de aprendizagem. Advém de uma
escuta intencional, ativa, de um determinado padrão. Na segregação baseada em
esquema, a fusão dos elementos em primeiro plano não resulta automaticamente na
fusão dos elementos de fundo.

O pesquisador salienta que a trajetória da frequência não contribui para a


segregação baseada em esquema. Exemplo disso é o fato de que não há predisposição
de que uma frequência que subiu continue a subir. A tendência natural é, sim, para
que os tons se mantenham em uma tessitura estável, podendo, inclusive, descer ou
se manter. Bregman observa que isso difere do que acontece no sentido da visão, que
costuma seguir a primeira lei de Newton, dessa forma, o sistema perceptivo visual
tende a pressupor que um determinado corpo preservará seu estado natural, quer
repouso, quer movimento retilíneo e uniforme, a menos alguma força seja exercida
sobre eles.

Um dos conceitos trabalhados por Bregman é o da alocação exclusiva, de


modo semelhante ao que a Gestalt denominou princípio do pertencimento – em
que, como no clássico exemplo da taça que pode ser vista como duas faces frente
a frente –, há sempre uma das duas possibilidades de percepção em foco que são
mutualmente excludentes, não sendo possível, portanto, que sejam simultâneas. Em
música também há, analogamente, um primeiro plano e um segundo plano – é o caso
da melodia acompanhada.

Bregman admite que, quando começou suas pesquisas, era parco o


conhecimento sobre percepção auditiva no campo musical. De forma geral, havia um
atraso quanto ao universo que hoje envolve a análise de cena auditiva como um todo,
justamente por não haver, pouco antes do início de seus estudos, meios para realizar
diversos tipos de experimentos científicos na área. Só com o desenvolvimento da
tecnologia de áudio foi possível realizar certas experiências.

O autor explica que música não é som, enquanto experiência perceptiva do


sinal sonoro, mas sim é o que o indivíduo percebe do objeto sonoro. Essa percepção
está ligada à sua vivência, sua apreensão de padrões dados pela cultura, tais como

128
escalas, modos, tonalidades e outros dispositivos desenvolvidos sócio-historicamente
no campo da música.

O livro aqui abordado trabalha também a noção de textura musical, que,


tal como um tecido, une diversas linhas em uma trama, a música é unida por suas
linhas horizontais e verticais. A horizontalidade está, metaforicamente expressa, no
roteiro de aparição das notas e suas respectivas durações no movimento do fluxo
musical. Por sua vez, a verticalidade está na simultaneidade de sons, ou mesmo de
harmônicos. As linhas horizontais e verticais da música exigem ênfases da memória
em agrupamentos sucessivos ou agrupamentos simultâneos, ora um, ora outro. Há
que se destacar que a textura musical pode tornar-se estanque em relação a outros
eventos que permeiam a cena auditiva.

Contrastando com outras experiências de escuta, a música pode não


corresponder a fontes reais no mundo, dado que, em muitas ocasiões, vale-se de
uma combinação de instrumentos simultâneos para formar um novo timbre. A essa
imagem auditiva derivada da composição de outras imagens auditivas, Bregman
denominou percepções quiméricas. A audição natural tenta evitá-las, mas a música,
diversas vezes, tenta criá-las. Assim, a análise de cena auditiva pode ser usada em
música, com a ressalva de que, no âmbito dela, podem haver fontes ficcionais de som,
a quimera auditiva.

Notas musicais podem constituir entidades quiméricas chamadas acordes.


Eles podem ser percebidos como entidades individuais. As sequências de acordes
podem formar um único fluxo. Tanto cadências quanto outras progressões de
acordes geram expectativas. As regras de composição que as criam são específicas
dos diversos estilos musicais e baseadas em esquemas cognitivos não primitivos de
organização da percepção.

Um fluxo pode ser considerado como um objeto de atenção em qualquer


nível: harmônicos, timbre, nota musical, tom, acorde etc. O foco da atenção é que
determina a percepção dos citados diferentes níveis. Ao se perceber um acorde, as
notas que o formam, em princípio, não constituem um fluxo, fazem-no apenas ao
focarmos a atenção nos blocos de notas simultâneas. Trata-se aqui de segregação
baseada em esquema, e não segregação primitiva.

Bregman formula, também, uma teoria da dissonância. Para ele, quando


duas notas simultâneas são capturadas por fluxos independentes bem definidos, o
seu potencial de dissonância é suprimido ou neutralizado. O quanto um intervalo de

129
sétima maior é percebido dissonante depende de quão integradas estão, cada uma
das duas notas, às suas respectivas vozes horizontais. A dissonância potencial de notas
não cordais é controlável ao propiciar um bom fluxo para ambas, ou seja, de uma boa
condução das vozes. Na prática, isso significa que a maioria das notas não cordais (as
antecedentes e as consequentes) mantêm uma estreita proximidade com as notas
do acorde. Notas de passagem, tons vizinhos, suspensões e antecipações estão em
conformidade com essas condições de fluxo, já apojaturas e escapadas estão menos,
segundo o raciocínio do autor. Historicamente, o aumento da dissonância musical se
dá muito mais pelo enfraquecimento da fluidez horizontal do que pelo aumento de
dissonâncias verticais.

O livro aqui abordado revela-se uma vultosa investigação sobre imagens


auditivas, um quadro teórico único e visionário, uma contribuição ímpar para as
ciências da audição. As questões concernentes à análise de cena auditiva, com toda
sua complexidade, se cruzam de forma significativa com os interesses musicais, de
tal modo que propiciam muitas reflexões sobre os processos de aprendizagem e
fruição da música. A todos os pesquisadores e diletantes interessados nesses campos
e desejosos de uma compreensão aprofundada dos princípios da análise de cena
auditiva, recomendo a leitura.

130
A Banda de música: uma
reflexão sobre sua
história e princípios
educacionais

Ricardo Ferreira Lepre


FAMES - ricardotrompa@hotmail.com

Resumo Abstract

Neste trabalho, buscaremos apresentar a In this work, we will seek to present the
importância das bandas de música para importance of music bands to society and
a sociedade e para o meio acadêmico. Ao academy. Tracing its historical context
traçarmos seu contexto histórico a partir da from the Brazil’s colonization, we seek to
colonização do Brasil, procuraremos entender understand the diverse uses of the bands
as variadas utilizações das bandas e sua and their importance in the student’s music
importância na aprendizagem musical dos learning through the band masters. And
alunos através dos mestres de banda. E por finally, a reflection on the methodology of
fim, uma reflexão sobre a metodologia do collective teaching in a band.
ensino coletivo em banda.

Keywords: Music Band. Teaching.


Palavras-chave: Banda de musica. Ensino. Methodology.
Metodologia.
Introdução

Neste trabalho, buscamos descrever através de um levantamento histórico


a partir da colonização, a origem das bandas no Brasil. Procuramos delinear sobre
seus mestres - grandes professores e educadores - responsáveis pelo ensino musical
de seus integrantes.

Muitos desses professores criam suas próprias didáticas, com um único


intuito: formar músicos para tocar em sua corporação. Seus componentes a
consideram sua “segunda casa”. Desenvolvem disciplina, responsabilidade, respeito
um com o outro e sua auto-estima.

Estas corporações estão presentes no cotidiano de todos nós. Sejam


em desfiles cívicos, festas religiosas ou em retretas nos coretos de nossas cidades.
Assim apontamos a necessidade de sua preservação e manutenção, bem como sua
importância no meio social na qual esta inserida.

Nestas agremiações, a diversidade de instrumentos é notória, cada


instrumento possui sua particularidade no ato do aprendizado. Dessa forma,
discorreremos sobre o ensino coletivo, uma proposta que auxilia o mestre na
preparação de seus músicos.

Dessa maneira, esperamos que com este trabalho, possamos, a partir da


história das bandas, colaborar para uma melhor compreensão destas corporações.
Destacaremos a importância do mestre, bem como a importância deste segmento
musical para sociedade, tanto no aspecto social como no educacional, oportunizando
para crianças, jovens e adultos a liberdade de criação e socialização através da música.

As bandas de música no Brasil.

Registros históricos mostram que grupos musicais começaram a surgir


desde a descoberta do Brasil com a vinda dos jesuítas que buscavam através da
educação musical catequizar os índios.

A chegada de negros que vinham da África para trabalhos nos engenhos


contribuiu para a criação de diversos grupos musicais patrocinados pelos senhores
das fazendas. Os músicos escravos tinham um tratamento diferenciado equiparado
ao dado aos criados de raça branca. A educação musical ficava por conta dos mestres
de capela. Manter um grupo composto por escravos gerava para os fazendeiros perda

132
da mão de obra nos engenhos, mas evitava o gasto com músicos profissionais, como
descreve Binder
Entre os gastos inevitáveis estavam a compra e a manutenção de
instrumentos, fardamento e acessórios musicais - palhetas e bocais
- além do pagamento de um mestre para ensinar, arranjar e ensaiar
a música. Por um lado, o uso de escravos dispensava gastos com
a contratação de músicos profissionais, porém gerava perdas na
produtividade das fazendas, na medida em que desviava braços das
tarefas agrícolas (BINDER, 2006, p.67).

Música em Minas Gerais

Minas Gerais por conta da riqueza extraída do ouro e do diamante atraiu


diversos músicos que vieram de grande parte do nordeste da Bahia e Pernambuco.
(MARIZ, 2000).

Os músicos estavam organizados em irmandades, que forneciam música


para as igrejas ou prefeituras mediantes contratos. O ensino de música acontecia
nas casas destes diretores ou compositores “Eram verdadeiros conservatórios, onde
viviam, os alunos se alimentavam e recebiam aulas de música, latim e outras matérias
essenciais” (MARIZ, 2000, p.40). Os instrumentos utilizados eram: baixo, violino,
violoncelo, viola, clarim, fagote, oboé, trompa e clarinete.
(...) além de instrumentistas de sopro e percussão, estes conjuntos
também contavam com cantores e instrumentistas de corda. Isso
permitia a tais grupos se apresentarem em teatros, igrejas e nas ruas,
com o instrumental adequado a cada um destes ambientes. (BINDER,
2006, p. 43)

O declínio da exploração do ouro em Minas Gerais por volta de 1790 fez


com que os músicos procurassem novos centros, chegando ao Rio de Janeiro, que
apresentava uma vida modesta “musicalmente falando”, e que só iria se fortalecer
com a chegada e D. João VI em 1808.

Chegada de D. João VI

Com a vinda de D. João VI o cenário musical mudou. O decreto de 27 de


março de 1810 instituiu que cada regimento militar da corte poderia contar com 12
a 16 músicos de sopros32. Em 1813 uma portaria garantiu aos músicos militares uma

32 Um flautim, uma requinta, três clarinetes (dois primeiros e um segundo), duas trompas, um

133
vida profissional, com remuneração e sem gastos com suas fardas
Pela primeira vez, os músicos militares eram remunerados pela sua
carreira de músicos. “(...) foi determinado aos músicos, que tivessem
praça assente nos regimentos, que vencessem 200 réis e o mestre 300
réis diários, com direito a pão, etapa e fardamento, (...) e quanto aos
instrumentos, tinham de os entregar quando findassem os contratos
(Russo apud Lapa, 1941:8-9).

Pereira (1999) em seu trabalho comenta que muitos mestres de capela


assumiram o cargo de maestro de banda militar. Pode-se dizer que isto ocorreu pelo
fato dos músicos e mestres encontrarem neste meio uma fonte de renda.
As bandas militares contribuíram para a valorização da profissão de
músico – e tocar significava deixar de pagar a contribuição - porque,
enquanto nos regimentos de 1a. linha a “sustentação” da música
ficava a cargo dos oficiais, na Banda da Guarda Nacional, as despesas
com a banda eram cobertas pelas contribuições dos componentes
da corporação ( PEREIRA, 1999, p.46).

Assim, estes grupos musicais começam a interagir com a sociedade


participando de solenidades e outros eventos. Paralelo aos decretos e atividades
musicais pelos militares persistiam as bandas de escravos nas fazendas de engenho,
que também tinham grandes repercussões e perduraram até final do século XIX com
a abolição e decadência das fazendas por conta do desenvolvimento das cidades.
No decorrer do século XIX ocorreram a abolição da escravatura e o fim
das bandas de fazenda, levando fazendeiros a se aliar a comerciantes
e pessoas da sociedade com o intuito de formarem sociedades civis
para manter as bandas de música. Muitas das bandas que nasceram
naquele período são hoje centenárias e merecem ser destacadas.
(ALVES, 2010, p.25)

Surgindo assim diversas mantenedoras destes grupos variando sua


denominação: Sociedade Musical; Clube Recreativo; Grêmio; Lira; Euterpe; Corporação;
Operária entre outras.

Estes grupos musicais muito atuantes até os dias de hoje instigaram o


surgimento de tantos outros e acabam sendo os responsáveis em muitas cidades pela
formação musical de muitos jovens, que, em muitos casos, acabam sendo também a
única fonte de entretenimento.
Nas cidades do interior, onde não existem conservatórios ou
escolas de música, as bandas funcionam como centros formadores
de músicos, sendo ainda responsáveis pela formação da maioria
dos músicos das Bandas Militares e Orquestras Sinfônicas do país.
(COSTA, 2009, p.23)

clarim, um trombone ou serpente, um fagote, uma caixa de rufo e um bumbo, com 12 integrantes
ao total (BINDER, 2006).

134
O mestre educador

Nas bandas de música, a educação musical muitas vezes fica a cargo do


regente, que, sozinho, precisa desenvolver o hábito mesmo que “superficial” de tocar
e conhecer todos os instrumentos. Dessa forma, acaba organizando suas próprias
metodologias e assim atendendo individualmente as necessidades de cada aluno.
Estas corporações não realizam um padrão de ensino como se vêem em escolas
profissionais, seus condutores priorizam a educação na individualidade de cada
aluno, buscando um método no qual o aprendiz possa ser inserido o mais rápido
possível na banda. Muitos aplicam a prática juntamente com a teoria e a convivência
com os alunos mais velhos os estimulam no aprendizado.

Nas corporações o papel de regente vai além dos ensinamentos musicais.


O mestre acaba se tornando referência de pessoa para os mais jovens. Em muitos
casos esta convivência acaba tornando a banda sua segunda casa, e seu mestre um
segundo pai, além de conselheiro, psicólogo e amigo33.

Estes mestres tão respeitados em suas corporações geralmente não


possuem uma formação acadêmica. Seus conhecimentos muitas vezes são adquiridos
de forma autodidata. Para Alves
Normalmente reconhecido como o regente ou maestro da banda,
a principal função do mestre de banda escolar, a nosso ver, deve
ser a de educar musicalmente. E a atividade de educar merece
uma atenção individualizada, uma vez que parte destes mestres
não teve em sua preparação, geralmente “hereditária,” acesso a um
embasamento teórico que possibilitasse um trabalho consciente de
desenvolvimento musical (ALVES, 2010, p.5).

Costa descreve a importância do professor “regente” enquanto detentor


da informação e a responsabilidade de saber transmiti-la. Tornar o aluno pensante é
outra função que exerce o mestre em seus ensinamentos
Ao desenvolver um estudo onde o aluno passa a ser meramente
pensante, acredita-se não haver condições de assimilar a matéria
se o professor não relatar todas as explicações necessárias para o
desenvolvimento da mesma. É importante entender e aceitar o
professor como aquele que coordena e indica a busca de soluções
para as questões e dúvidas. O professor é, assim, o transmissor dos
conteúdos inerentes ao processo ensino/aprendizagem. (COSTA,
2009, p. 31).

33 O mestre é um modelo (tem que ser) de músico e amigo, animador cultural e cidadão
engajado. Sua vida é um exemplo para os mais jovens. E o exemplo é sua principal ferramenta como
educador. (HIGINO apud BENEDITO, 2009, P. 45).

135
Preservação e contribuição

Aspecto fundamental também se encontra na preservação e manutenção


destes grupos que muitas vezes são solicitados por diversos segmentos para os
mais variados eventos, mas não recebem apoio nos quesitos mais básicos para sua
existência. Quando se tem a oportunidade de conversar com os responsáveis que
estão a frente destas corporações percebe-se a dificuldade que passam para colocá-
la em funcionamento. Estas corporações geralmente possuem três famílias de
instrumentos – Metais34, madeiras35 e percussão36. Cada família de instrumentos
possui suas particularidades e manutenções específicas. Nos metais, necessitam de
óleos e graxas. Madeiras palhetas, calços e sapatilhas. Percussão, baquetas, peles
e correias. Estes materiais conhecidos como bens não duráveis, geram um custo
elevado que em muitas corporações não dispunham destes recursos financeiros.
Algumas bandas conseguem adquirir este material utilizando das tradicionais rifas,
ou de doações de admiradores.

Estas questões são reforçadas com Alves quando aponta como a banda é
vista pela sociedade “é importante salientar que a banda de música sempre foi vista
no Brasil como uma atividade musical de entretenimento do povo” (LÉLIO, 2010 p.
15). Assim ficando a cargo de seus integrantes o investimento para sua sobrevivência.
As bandas de música civis são consideradas, pela maioria de seus
integrantes, como uma extensão familiar. Estes demonstram
verdadeira paixão, dedicando-se arduamente à manutenção destas
instituições, que são exemplos de luta e amor à música.(BENEDITO,
2009, p. 43)

Sobre a manutenção destas corporações, referentes à capacitação,


renovação instrumental e parcerias entre escolas publicas e as filarmônicas Benedito
afirma:
Capacitar estas instituições de ensino, muitas delas declaradas
como de utilidade pública, com possíveis sugestões de ensino-
aprendizagem no conceito de formação pedagógica, além de isenção
de impostos na aquisição de instrumentos novos junto às indústrias
nacionais, seria de vital importância para uma longevidade saudável
da música e educação em nosso país. Uma proposta de trabalho
conjunto entre a escola pública e as filarmônicas contribuiria para
uma expansão bilateral. Promoveria uma colaboração “vida e escola”
onde educação, cidadania e promoção social caminhariam juntas.
(BENEDITO, 2005, p. 7)

34 Trompetes, Trombones, Trompas, Bombardinos e Tubas.


35 Saxofones, Clarinetas, Flautas, Oboés e Fagotes.
36 Bumbos, Pratos, Caixas e Teclados.

136
Assim acreditamos que parcerias entre estados e municípios poderiam
colaborar para a preservação destes grupos. Relevante observar que estes
instrumentos passam por desgaste natural com o passar dos tempos. Dessa forma,
distribuições de quites de manutenções, cursos de capacitação para mestres e alunos,
auxiliariam incontestavelmente no cotidiano das corporações.

Relevância das corporações nas escolas

Em muitas cidades as bandas estão ligadas às escolas e na maioria dos


casos nas de ensino médio. Nestes casos acaba se tornando um apoio ao aprendizado
intelectual do aluno. Muitos que nelas participam melhoram suas atuações em sala
de aula bem como seus comportamentos. Benedito distingue em seu trabalho como
estas corporações são essenciais ao meio em que se insere
As bandas de música civis desempenham, em suas sedes, a função
de centros de formação e integração sócio musical; apesar disso,
sempre foram deixadas à margem de qualquer menção nos projetos
de Educação Musical instituídos no país. A faixa etária da maioria dos
estudantes que ingressam nas filarmônicas corresponde a do ensino
fundamental. (BENEDITO, 2011, p. 3)

Acreditamos que a aprovação da lei 11.769 de 2008, que institui a partir de


2011 o ensino da música nas escolas, a banda de música possa ser uma aliada nestas
escolas. Unir a educação musical nas escolas com estas corporações pode auxiliar no
desenvolvimento de seus alunos bem como no trabalho de seus professores.

Barbosa (1996) traz algumas reflexões sobre a educação instrumental na


escola primária e aponta algumas ações para a formação do professor, ciente de
tentativas já apresentada como o ensino da música vocal por Villa-Lobos
Apesar dos esforços de vários educadores, incluindo o de Villa-Lobos
através da musica vocal, a educação musical não tem recebido o
seu devido valor na educação geral dos alunos brasileiros ate o dia
de hoje. Se esta negligencia está presente em relação à educação
musical através da musica vocal, quanta maior será a dificuldade
em relação à Educação Musical através da musica instrumental;
considerando que o custo da ultima e mais elevado e sua viabilização
exige pessoas com qualificações mais raras (BARBOSA, 1996, p. 39).

Ensino coletivo

Barbosa, (1996) descreve meios que possa viabilizar o aprendizado e

137
despertar o interesse dos alunos através do ensino coletivo dividindo em três fases,
onde um professor pode lecionar uma classe com trinta alunos.
De um modo geral, na primeira fase o aluno exercita os princípios
básicos de produção de som,... trabalha um repertório fácil e aprende
divisões musicais simples. Na segunda fase ele aprende notas dos
outros registros, trabalha um repertório mais difícil,... E na terceira fase
há uma complementação do trabalho das fases anteriores, porem
concentrando-se em um repert6rio de formas, estilos e gêneros
mais variados, ritmicamente mais complexos, e mais exigentes das
habilidades de se tocar em conjunto (BARBOSA, 1996, p. 40).

O ensino coletivo faz com que o aluno se sinta parte de um grupo, no qual,
os que apresentam dificuldade de aprendizagem não se sintam excluídos e gerando
uma competição saudável para o desenvolvimento (BARBOSA, 1996).

Dessa forma afirma que deveria se criar formações de professores a nível


de terceiro grau, com habilitação em música através de matérias optativas que
preparariam os alunos para trabalharem no ensino coletivo
Para receber a habilitação e especialização seria necessária
apenas que a aluno interessado completasse seu currículo com
as disciplinas que ele não tenha cursado na sua área principal de
estudo. As habilitações e especializações poderiam ser para ensinar
instrumentos de banda (sopro e percussão) ou de orquestra de cordas.
Considerando a proposta acima, a habilitação e especialização em
orquestra de cordas não incluiria as disciplinas de sopro e percussão
e em instrumentos de banda, as disciplinas de cordas. ( BARBOSA,
1996, p. 46).

Conclusão

Este breve estudo nos faz refletir como as bandas de música, sejam elas civis
ou militares, são importantes e fazem parte da história da sociedade. Estes grupos
que tanto fazem pelo ensino da música merecem e devem ser tratados como um
patrimônio. Em muito contribuem as bandas na formação social dos jovens que nela
participam ou participaram. Muitos, que nela produziram suas primeiras notas, se
tornaram profissionais e guardam com carinho e boas recordações a convivência
vivida. Sabemos das dificuldades que muitas bandas sofrem por conta do descaso
e desrespeito. Acreditamos que com a lei federal nº 11.769, de 18 de agosto de
2008, que passou a ser aplicada a partir de 2011, esta realidade possa mudar. Isso
também se confirma através de trabalhos acadêmicos e propostas de ensino que vem
sendo produzido nos últimos anos. Dessa forma esperamos que este breve estudo
possa auxiliar e instigar não só pesquisador, mas também os amantes desta arte

138
musical a compreender sua origem e ações que vêem sendo tomadas para o não
desaparecimento destes grupos.

Bibliografia

BARBOSA, Joel Luiz da Silva. Considerando a Viabilidade de Inserir


Musica Instrumental no Ensino de Primeiro Grau. Revista da Associação Brasileira
de Educação Musical, Salvador, n. 3 p. 39-49, 1996.

BENEDITO, Celso José Rodrigues. O mestre de Filarmônica da Bahia: um


educador musical. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Música da
Escola de Música da Universidade Federal da Bahia. Salvador. 2011.

BENEDITO, Celso. História e didática nas Filarmônicas. Salvador. 2009.

BENEDITO, Celso José Rodrigues. Tem gato na tuba, com trato do mestre.
Educação de fato e com tato nas bandas de música. A prática musical como fator
de mobilidade e inclusão social. Salvador. 2005

BINDER, Fernando Pereira. Bandas Militares no Brasil: difusão e


organização entre 1808-1889. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-
Graduação UNESP. São Paulo, 2006.

COSTA, Mauricio Paulo Soares da. Metodologias de Ensino e Repertório


das Filármonicas de Valpaços. Dissertação de Mestrado. Departamento de
comunicação e Artes da Universidade de Aveiro. Aveiro, 2009.

GONÇALVES, Marcelo Trevisan. Projeto Bandas nas Escolas do Espírito


Santo. Vitória, 2011.

MARIZ, Vasco. História da Música no Brasil. 5ª Edição. Rio de Janeiro.


Editora Nova Fronteira. 2000.

PEREIRA, José Antonio. A Banda de Música: retratos sonoros brasileiros.


Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação, Instituto de Artes Universidade
Paulista. São Paulo. 1999.

RUSSO, Susana Bilou. As Bandas Filarmónicas Enquanto Património: um


estudo de caso no concelho de Évora. Dissertação de Mestrado. Instituto Superior
de Ciências do Trabalho e da empresa ISCTE. Évora – Portugal, 2007.

139
SILVA, Lélio Eduardo Alves. Musicalização através da Banda de Música
Escolar: uma proposta de metodologia de ensaio fundamentada na análise do
desenvolvimento musical dos seus integrantes e na observação da atuação dos
“mestres de banda”. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação Centro de
Letras e Artes da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO. Rio de
Janeiro. 2010.

140
Errata da Revista A Tempo nº7 – 2015/2

Na página 76, primeiro parágrafo, onde está escrito “xxxxx”, leia-se “alunos da FAMES”.

Na página 78, primeiro parágrafo da conclusão em que ocorreu um espaçamento de


parágrafo, onde está escrito “isto faz é” leia-se “Isto é parte integrante...”.

Na página 83, abaixo do nome da autora do artigo, onde está escrito “Universidade
estadual paulista”, leia-se “UFSCar”.

O artigo “A saúde do músico e a graduação em música: analisando as proximidades


e os distanciamentos no fazer musical” compreendido entre as páginas 27 a 40 foi
publicado com problemas e está sendo republicado nesta edição com correções.

Pedimos desculpas aos envolvidos pelos transtornos apresentados.

141
Informações para publicação

O periódico semestral a tempo – Revista de Pesquisa em Música da


Faculdade de Música do Espírito Santo (Fames) tem o objetivo de divulgar produções
científicas de pesquisadores que tenham a música como área de conhecimento. Serão
aceitos para publicação artigos, ensaios e resenhas inéditas. O material enviado será
apreciado por membros do Conselho Editorial que se responsabilizarão pela seleção
dos textos a serem publicados. Serão aceitas colaborações do Brasil e do exterior
com textos escritos em português e espanhol. Há a possibilidade, de acordo com o
interesse da publicação, de encomendar artigos a pesquisadores experientes visando
enfatizar determinado tema.

Desde 2014 estamos aceitando trabalhos em regime de fluxo contínuo, ou


seja, podem ser enviados a qualquer momento.

Normas Técnicas e de Submissão:

1 - Os artigos e ensaios devem ter uma extensão entre 3.000 e 6.000 palavras
e as resenhas entre 2.000 a 4.000 palavras.

2 - Serão aceitos artigos, ensaios e resenhas escritos em português e


espanhol.

3 - Os procedimentos de envio são os seguintes:


3.1 - Os trabalhos devem ser enviados por e-mail, a qualquer momento,
como anexo em formato “doc” ou “docx” para o endereço eletrônico: atempo@fames.
es.gov.br

3.2 - O trabalho para submissão não deve conter nenhuma referência a sua
autoria, estas devem vir sinalizadas como XXXXX e, em caso de aprovação, o trabalho
retornará ao autor para que sejam inseridas tais informações.

3.3 - Em outro arquivo diferente (doc ou docx) deve vir a identificação


do(s) autor(es) com nome completo, vínculo institucional, cargo, endereço para
correspondência, fone, fax e e-mail, além do Curriculum Lattes resumido em que conste
a titulação, as principais atividades na área e o título das principais publicações do(s)
autore(s).

4 - O conselho editorial, após apreciação dos trabalhos, poderá sugerir


modificações de estrutura ou conteúdo ao autor. Os trabalhos poderão ser devolvidos
para correções e modificações a serem realizadas pelo autor que será o responsável

142
por qualquer alteração sugerida. O conteúdo do material enviado é de inteira
responsabilidade do autor.

5 - Os trabalhos deverão seguir a seguinte estrutura:


5.1 - Elementos pré-textuais:

a) Título e subtítulo: na primeira linha, centralizados, negrito. Fonte: Times


New Roman, fonte 12, apenas a primeira letra será maiúscula em ambos.

b) O nome do autor: duas linhas abaixo do título, alinhado à direita, com


letras maiúsculas apenas nas letras iniciais dos nomes. Para submissão, este espaço será
preenchido com XXXXX, como informado anteriormente, para posterior substituição,
bem como todas as referências feitas à autoria do trabalho.

c) RESUMO: três linhas abaixo do nome do autor; em português, independente


da língua em que o texto tiver sido escrito. Colocar a palavra RESUMO em caixa alta,
corpo 10, seguida de ponto. Texto em parágrafo único, espaço simples, justificado, com
no máximo 150 palavras. Fonte: Times New Roman, corpo 10, para todo o resumo.

d) Palavras-chave: em número de 03 a 05, duas linhas abaixo do resumo, em


português, independente da língua em que o texto tiver sido escrito. Colocar o termo
Palavras-chave, em caixa baixa, primeira letra em maiúscula. Fonte: Times New Roman,
corpo 10. Cada palavra-chave em caixa-baixa com apenas a primeira letra maiúscula. As
palavras-chave devem estar separadas por ponto.

e) ABSTRACT: duas linhas abaixo das palavras-chave, colocar a palavra


ABSTRACT em caixa alta, corpo 10, seguida de ponto. Redigir o texto em inglês, em
parágrafo único, espaço simples, justificado com o máximo de 150 palavras. Fonte:
Times New Roman, corpo 10, para todo abstract.

f ) Keywords: em número de 03 a 05, duas linhas abaixo do abstract. Fonte:


Times New Roman, corpo 10. Cada Keyword em caixa-baixa com apenas a primeira letra
maiúscula. As keywords devem estar separadas por ponto.

5.2 – Elementos textuais:

a) Fonte: Times New Roman, corpo 12, alinhamento justificado ao longo de


todo o texto.

b) Espaçamento: simples entre linhas e parágrafos, duplo entre partes do


texto (tabelas, ilustrações, citações em destaque, etc).

c) Citações: no corpo do texto, serão de até 03 linhas, entre aspas duplas. Fonte:
Times New Roman corpo 12. Quando as citações forem maiores do que 03 linhas, devem
ser destacadas fora do corpo do texto. Fonte: Times New Roman, corpo 10, em espaço
simples, com recuo de 4cm à esquerda. Todas as referências das citações ou menções a
outros textos (tanto nas incluídas no corpo do texto, como as que devem aparecer em
destaque) deverão ser indicadas, após a citação, com as seguintes informações, entre
parênteses: sobrenome do autor em caixa alta, vírgula, ano da publicação, abreviatura
de página e o número desta.

Exemplo: (SWANWICK, 1999, p. 15-16). Evitar a utilização de idem ou


ibidem e Cf. Quando for utilizado o apud, colocar as mesmas informações solicitadas
anteriormente para o autor do texto de onde a citação foi retirada. Exemplo: (DELEUZE,
1987, apud KASTRUP, 2001, p. 217). Incluir todos os dados de ambos os autores e colocar

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interesse da publicação, de encomendar artigos a pesquisadores experientes visando
enfatizar determinado tema.

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1 - Os artigos e ensaios devem ter uma extensão entre 3.000 e 6.000 palavras
e as resenhas entre 2.000 a 4.000 palavras.

2 - Serão aceitos artigos, ensaios e resenhas escritos em português e


espanhol.

3 - Os procedimentos de envio são os seguintes:


3.1 - Os trabalhos devem ser enviados por e-mail, a qualquer momento,
como anexo em formato “doc” ou “docx” para o endereço eletrônico: atempo@fames.
es.gov.br

3.2 - O trabalho para submissão não deve conter nenhuma referência a sua
autoria, estas devem vir sinalizadas como XXXXX e, em caso de aprovação, o trabalho
retornará ao autor para que sejam inseridas tais informações.

3.3 - Em outro arquivo diferente (doc ou docx) deve vir a identificação


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correspondência, fone, fax e e-mail, além do Curriculum Lattes resumido em que conste
a titulação, as principais atividades na área e o título das principais publicações do(s)
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por qualquer alteração sugerida. O conteúdo do material enviado é de inteira
responsabilidade do autor.

5 - Os trabalhos deverão seguir a seguinte estrutura:


5.1 - Elementos pré-textuais:

a) Título e subtítulo: na primeira linha, centralizados, negrito. Fonte: Times


New Roman, fonte 12, apenas a primeira letra será maiúscula em ambos.

b) O nome do autor: duas linhas abaixo do título, alinhado à direita, com


letras maiúsculas apenas nas letras iniciais dos nomes. Para submissão, este espaço será
preenchido com XXXXX, como informado anteriormente, para posterior substituição,
bem como todas as referências feitas à autoria do trabalho.

c) RESUMO: três linhas abaixo do nome do autor; em português, independente


da língua em que o texto tiver sido escrito. Colocar a palavra RESUMO em caixa alta,
corpo 10, seguida de ponto. Texto em parágrafo único, espaço simples, justificado, com
no máximo 150 palavras. Fonte: Times New Roman, corpo 10, para todo o resumo.

d) Palavras-chave: em número de 03 a 05, duas linhas abaixo do resumo, em


português, independente da língua em que o texto tiver sido escrito. Colocar o termo
Palavras-chave, em caixa baixa, primeira letra em maiúscula. Fonte: Times New Roman,
corpo 10. Cada palavra-chave em caixa-baixa com apenas a primeira letra maiúscula. As
palavras-chave devem estar separadas por ponto.

e) ABSTRACT: duas linhas abaixo das palavras-chave, colocar a palavra


ABSTRACT em caixa alta, corpo 10, seguida de ponto. Redigir o texto em inglês, em
parágrafo único, espaço simples, justificado com o máximo de 150 palavras. Fonte:
Times New Roman, corpo 10, para todo abstract.

f ) Keywords: em número de 03 a 05, duas linhas abaixo do abstract. Fonte:


Times New Roman, corpo 10. Cada Keyword em caixa-baixa com apenas a primeira letra
maiúscula. As keywords devem estar separadas por ponto.

5.2 – Elementos textuais:

a) Fonte: Times New Roman, corpo 12, alinhamento justificado ao longo de


todo o texto.

b) Espaçamento: simples entre linhas e parágrafos, duplo entre partes do


texto (tabelas, ilustrações, citações em destaque, etc).

c) Citações: no corpo do texto, serão de até 03 linhas, entre aspas duplas. Fonte:
Times New Roman corpo 12. Quando as citações forem maiores do que 03 linhas, devem
ser destacadas fora do corpo do texto. Fonte: Times New Roman, corpo 10, em espaço
simples, com recuo de 4cm à esquerda. Todas as referências das citações ou menções a
outros textos (tanto nas incluídas no corpo do texto, como as que devem aparecer em
destaque) deverão ser indicadas, após a citação, com as seguintes informações, entre
parênteses: sobrenome do autor em caixa alta, vírgula, ano da publicação, abreviatura
de página e o número desta.

Exemplo: (SWANWICK, 1999, p. 15-16). Evitar a utilização de idem ou


ibidem e Cf. Quando for utilizado o apud, colocar as mesmas informações solicitadas
anteriormente para o autor do texto de onde a citação foi retirada. Exemplo: (DELEUZE,
1987, apud KASTRUP, 2001, p. 217). Incluir todos os dados de ambos os autores e colocar

145
somente as obras consultadas diretamente nas Referências.

d) Notas de rodapé: devem ser utilizadas, se necessárias, para contribuir com


a clareza do texto. Fonte: Times New Roman, corpo 10.

e) Títulos e subtítulos das seções: ao serem constituídos por palavras, não


utilizar numeração arábica, inclusive Introdução, Conclusão, Referências e elementos
pós-textuais, sem recuo de parágrafo, em negrito, com maiúscula somente para a
primeira palavra da seção. Ao serem constituídos apenas por números, colocar o número
seguindo as mesmas regras anteriores e sem pontuação.

f ) Elementos ilustrativos: tabelas, figuras, fotos, etc., devem ser inseridas no


texto, logo após serem citadas, contendo a devida explicação na parte inferior da mesma,
numeradas sequencialmente. Serão referidas, no corpo do texto, de forma abreviada.
Exemplo: Fig. 1. Fig. 2, etc. Os elementos ilustrativos deverão ter boa resolução.

5.3 - Elementos pós-textuais:

Referências: seguir normas da ABNT em uso (NRB-6023/02). Usar


espaçamento 1 entre as linhas das referências e espaco 1,5 entre uma referência e outra,
alinhamento à esquerda. Incluir a data de envio do artigo para publicação.

Exemplos de referências:

Artigo de periódico:

FERNANDES, José Nunes. Pesquisa em educação musical: situação do campo


nas dissertações e teses dos cursos de pós-graduação strictu senso brasileiros. Revista da
ABEM, Porto Alegre, v.15, p. 11-26, set. 2006.

Livros:

GREEN, Barry. The inner game of music. New York: Doubleday, 1986.

Capítulos de livros:

SANTOS, Regina Márcia S; REQUIÃO, Luciana. A educação musical no estado


do Rio de Janeiro. In: OLIVEIRA, A; CAJAZEIRA, R. (Orgs.) A Educação Musical no Brasil.
Salvador, Sonare, p. 129-144, 2007.

Monografias, dissertações e teses:

ALFONSO, Neila R. Prática coral como plano de composição em Marcos Leite


e em dois coros infantis. 2004. 154 f. Dissertação (Mestrado em Música). Programa de
Pós-Graduação em Música, UNIRIO, Rio de Janeiro, 2004.

PAIVA, S.R. Aspectos da biologia celular e molecular de espécies de


Plumbaginácea. 1999. 120 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia) – Museu Nacional,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.

DUARTE, Mônica de Almeida. Por uma análise retórica dos sentidos da música
na escola. 2004. 265 f. Tese (Doutorado em Educação Escolar) – Faculdade de Educação
Escolar) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004.

Congresso, Conferências, Encontros e outros eventos:

146
BORÉM, Fausto. Afinação integrada no contrabaixo: desenvolvimento de
um sistema sensório-motor baseado na audição, tato e visão. In: ENCONTRO ANUAL DA
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM MÚSICA, 10. Anais do ...
Goiânia, agosto, 1997, p. 53-58.

Citação de citação:

MARINHO, Pedro. A pesquisa em ciências humanas. Petrópolis: Vozes, 1980


apud MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Técnica de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1982.

Documentos eletrônicos:

CARPEGGIANI, Schneider. Pernambuco num concerto de muitos ritmos.


NordesteWeb, 9 de abr. 2001. Disponível em: www.nordesteweb.com/not04/ne_
not_20010409a.htm Acesso em: 19 fev. 2007.

CD-ROM:

KOOGAN, A.; HOUASSIS, A (Ed.) Enciclopédia e dicionário digital 98. Direção


geral de André Koogan Breikman. São Paulo: Delta: Estadão, 1998. 5 CD-ROM. Produzida
por Videolar Multimídia.

147

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