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O sertão vai virar mar – V

Babel é aqui!

Avancemos um bocadinho mais. Semana passada eu dizia que em geral a gente fala
demais, que no mais das vezes o ser humano perde a oportunidade de ficar calado, e que
temos quase que uma mania de abrir a boca, que seja para bocejar ou para falar asneiras. O ser
humano fala, e isso é um dom magnífico, sem dúvida, embora quando mal empregado possa
vir a ser desastroso. Por outro lado, vimos isso também, ser impedido de falar nos tolhe de
uma liberdade fundamental, à qual somos ligados e com justa razão, em certa medida.
Onde estaria o problema nisso tudo? Bem, ocorreu-me que nosso estado é babelônico
ao extremo, não por que tenhamos muitas línguas – condenação de um deus desconfiado do
engenho humano (pois dizem as boas e as màs línguas que deus ficou com uma pulga atrás da
orelha quando viu os homens construindo a torre de Babel e por isso dispersou a galera
criando línguas incompreensíveis umas às outras); mas pelo fato de que nossa democracia é a
tal ponto enganosa que nos é difícil saber, dentro da própria língua, em quem acreditar.
Por um lado demos a volta na condenação divina e sabemos nos comunicar entre as
diferentes línguas (o engenho humano é de fato engenhoso!). Apesar da confusão que a
vontade divina quis implantar em solo terreno, nós os terráqueos mostramos que um passe de
mágica não pode nos impedir totalmente de construir juntos. Traduzimos a Pedra de Roseta,
inventamos dicionários bilíngues e até mesmo linguagem de sinais. Evidentemente que há um
limite nisso tudo às vezes duas línguas não se traduzem uma na outra, por maior que seja a
boa intenção (estou para dizer que os últimos versos de Mário Quintana no Poeminha do
contra são intraduzíveis: “e aqueles que aì estão/ atravancando meu caminho/ eles passarão/
eu passarinho). Mas voltemos ao assunto...
Mas a incomunicabilidade por vezes está para além da fronteira das línguas; ela se
instala muitas, inúmeras vezes no coração mesmo da nossa língua materna. Se deus fez isso
mesmo de embrulhar as coisas criando muitas línguas, ele esqueceu de pôr um acessório para
evitar um efeito colateral bastante desagradável: ocorre que as pessoas não se entendem, e
quando se entendem se entendem mal, ou fazem semblante de não entender. No fim das
contas, o que era para ser um embrulho entre línguas acabou virando uma embrulhada dentro
da mesma casa, literalmente.
Por outro lado, e aqui entramos no núcleo da questão, as línguas são tão amplamente
plásticas que às vezes elas servem mais para enganar do que para comunicar. Nesse sentido,
nosso hábito deselegante de falar pelos cotovelos acaba se tornando uma faca de dois gumes,
pois no meio de tanta palavra lançada ao vento, não sabemos mais o que de fato importa.
Ouso dizer aqui que os tiranos do mundo ocidental sabem manipular essa brecha da
linguagem com maestria, tanto quanto os tiranos do mundo oriental utilizam armas. Se no
Oriente Médio vemos povos inteiros sob a tutela de dirigentes que não hesitam em atirar no
seu próprio povo, pras bandas de cá, onde acreditamos que existe um mundo maravilhoso de
democracia e direitos humanos e liberdade de expressão, somos metralhados por informações
em grande parte inúteis, por notícias em grande parte mentirosas, por um circo onde todo
mundo fala o que quer e ninguém presta atenção no que ouve.
Ora, não haveria nisso também uma forma sutil de controle, de dominação
ideológica? A tal ponto nossas instituições são duvidosas que não sabemos mais se uma
informação vinda do governo é válida, ou se a contrainformação vinda da oposição é que é a
mais verdadeira. Ambos se desmentem, ambos mostram dados, ambos afirmam que o outro é
que está querendo enganar. Esse é um pequeno exemplo de uma situação que é bastante mais
grave.
Passemos a um âmbito internacional: os jogos diplomáticos na ONU e UNESCO e
afins, quantas vezes não são fachadas para outras tantas politicagens que nem mesmo nos
damos conta? O Jogo de foças do estado Unidos, impedindo a criação de um Estado palestino
me parece um exemplo evidente. Joga-se a moeda da paz, mas se impede o acesso a ela com
propaganda mentirosa, com lobbies, com trocas de favores que depois nos chegam, na grande
máquina da mídia, como verdades, como fatos.
Não, não há glamour algum nas democracias ocidentais! E se não há também
glamour nas tiranias orientais, cabe deduzir que o mundo anda meio estropiado, sem ter muito
para onde se voltar, assolado por mesquinharias.

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