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Prefeitura de Santo André-SP

Professor de Educação Infantil e Ensino Fundamental

ARÊAS, Celina Alves. A função social da escola. Conferência Nacional da Educação Básica.
................................................................................................................................................. 1
AUAD, Daniela. Educar meninas e meninos – relações de gênero na escola. São Paulo:
Editora Contexto, 2016. ............................................................................................................ 2
CASTRO, Jane Margareth; REGATTIERI, Marilza. Relações Contemporâneas Escola-
Família. p. 28-32. In: CASTRO, Jane Margareth; REGATTIERI, Marilza. Interação escola-
família: subsídios para práticas escolares. Brasília: UNESCO, MEC, 2009. ............................. 4
COLL, César. O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Editora Ática, 1999. (Capítulos
4 e 5). ....................................................................................................................................... 7
DELIZOICOV. Demétrio; ANGOTTI, José André. Metodologia do ensino de Ciências. São
Paulo: Cortez, 1994. (Capítulo II: unidades 2 e 3; Capítulo III: unidades 4 e 5). ..................... 10
DOWBOR, Ladislau. Educação e apropriação da realidade local. Estud. av. [online].2007,
vol.21, nº 60, pp. 75-90........................................................................................................... 13
FERREIRA, Gláucia de Melo (org.). Palavra de professor(a): tateios e reflexões na prática
Freinet. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2003................................................................. 23
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 2010. .................. 29
FONSECA, Lúcia Lima da. O universo na sala de aula: uma experiência em pedagogia de
projetos. Porto Alegre: Mediação, 2009. ................................................................................. 34
FONSECA, Vitor da. Desenvolvimento Psicomotor e Aprendizagem. Porto Alegre: Artmed,
2008. ...................................................................................................................................... 34
FORMOSINHO, Julia Oliveira. Pedagogia da infância: dialogando com o passado:
construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007. .................................................................. 38
GALVÃO, Izabel. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. São
Paulo, Vozes, 1986. ............................................................................................................... 41
HOFFMAN, Jussara. Avaliação mediadora: uma relação dialógica na construção do
conhecimento In: SE/SP/FDE. Revista IDEIAS nº 22, pág. 51 a 59. ....................................... 45
LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. 1ª Edição –
Porto Alegre, Artmed, 2002. ................................................................................................... 50
LIBÂNEO, J.C.; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M. S. Educação Escolar: políticas, estrutura e
organização. São Paulo: Cortez, 2003, capítulo III, da 4ª Parte.............................................. 56
MACHADO, Rosângela. Educação Especial na Escola Inclusiva: Políticas, Paradigmas e
Práticas. 1 ed. São Paulo: Cortez, 2009. ................................................................................ 64
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Abrindo as escolas às diferenças, capítulo 5, in: MANTOAN,
Maria Teresa Eglér (org.) Pensando e Fazendo Educação de Qualidade. São Paulo: Moderna,
2001. ...................................................................................................................................... 66
MARTINS, Mirian Celeste Ferreira Dias. Didática do ensino de arte: a língua do mundo:
poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998. ........................................................... 68
MEC – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Referencial curricular nacional para a educação
infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. v.1. .................................................................................... 69
MEC – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Referencial curricular nacional para a educação
infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. v.2. .................................................................................... 97
MEC – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Referencial curricular nacional para a educação
infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. v.3. .................................................................................. 121

1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA


MOYLES, Jane R. Só Brincar? O papel do brincar na educação infantil. Porto Alegre Artmed
Editora, 2002. ....................................................................................................................... 192
OLIVEIRA, Zilma Ramos. Educação Infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez,
2002.(capítulos: I, e do V ao XIX). ........................................................................................ 197
PANIZZA, Mabel e Colaboradores. Ensinar matemática na educação infantil e nas séries
iniciais: análise e propostas. Porto Alegre: Artmed, 2006. .................................................... 200
PENTEADO, Heloísa Dupas. Metodologia de História e Geografia. São Paulo: Cortez, 2011.
(Capítulos 1, 2 e 3). .............................................................................................................. 203
PIAGET, Jean. Desenvolvimento e aprendizagem. Trad. Paulo Francisco Slomp. UFRGS-
PEAD 2009/1........................................................................................................................ 211
PIMENTA, Selma, G.A. A Construção do Projeto Pedagógico na Escola de 1º Grau. Ideias
nº 8. 1.990, p 17-24. ............................................................................................................. 218
ROPOLI, Edilene Aparecida. A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar: a
escola comum inclusiva. Brasília: Ministério da Educação. SEESP. Universidade Federal do
Ceará. 2010. ........................................................................................................................ 224
SMOLE, Kátia Stocco; DINIZ, Maria Ignez; CÂNDIDO, Patrícia. Resolução de problemas:
matemática de 0 a 6. Porto Alegre: Artmed, 2003. ............................................................... 238
VINHA, Telma Pileggi. O educador e a moralidade infantil numa perspectiva construtivista.
Revista do Cogeime, nº 14, julho/99, pág. 15-38. ................................................................. 239
WEIZ, T. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática. ......................... 253

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ARÊAS, Celina Alves. A função social da escola. Conferência Nacional da
Educação Básica.

A referente bibliografia1 exigida diz respeito sobre apresentação intitulada “A função social da escola”
da autora Celina Alves Arêas na Conferência Nacional da Educação Básica, explicando aos ouvintes da
Conferência o que é a CONTEE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimento de
Ensino, delimitando os princípios e os objetivos a serem perseguidos.

Os Princípios abordados foram:


1) Defesa da escola pública, gratuita e laica em todos os níveis;
2) Educação como direito de todos e dever do Estado;
3) Regulamentação do ensino privado sob o controle do Estado;
4) Não inclusão do setor na Educação na OMC;
5) Não intromissão dos organismos internacionais nos rumos da educação nacional;
6) Defesa de um Sistema Nacional de Educação (rede pública e setor privado).

Dando prosseguimento, a autora destaca que:

a) Educação é o processo e pratica social constituída e constituinte das relações sociais mais amplas;
processo contínuo de formação e direito inalienável do cidadão.

b) A prática social da Educação deve ocorrer em espaços e tempos pedagógicos diferentes,


objetivando atender as diferentes demandas do ambiente escolar;

c) Como prática social, a educação tem como lócus privilegiado a escola, entendida como espaço de
garantia de direitos;

d) Devemos trabalhar em defesa da educação pública, gratuita, democrática, inclusiva e de qualidade


social para todos;

e) É fundamental a universalização do acesso, a ampliação da jornada escolar e a garantia da


permanência bem-sucedida para crianças, jovens e adultos, em todas as etapas e modalidades de
educação básica.

Diante deste contexto, a autora considera indispensável à escola:


- Socializar o saber sistematizado;
- Fazer com que o saber seja criticamente apropriado pelos alunos;
- Aliar o saber científico ao saber prévio dos alunos (saber popular);
- Adotar uma gestão participativa no seu interior;
- Contribuir na construção de um Brasil como um país de todos, com igualdade, humanidade e justiça
social.

Do ponto de vista jurídico e legislativo, a apresentação da autora na Conferência destes marcos


importantes para a educação previstos no Artigo 205 da Constituição Federal, que assim determina:

“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/1996) assegura em seu artigo inaugural:

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na


convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

1http://portal.mec.gov.br/arquivos/conferencia/documentos/celina_areas.pdf

1
1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
O texto normativo em comento ainda estabelece em seu artigo 2º os princípios e fins da Educação:

Art. 2ºA educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de
solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Desenvolve sua apresentação abordando algumas concepções de renomados autores e estudiosos


do campo educacional como:

Paulo Freire:
a) A formação do sujeito deve contemplar o desenvolvimento do seu papel dirigente na definição do
seu destino, dos destinos de sua educação e da sua sociedade;
b) Formar o cidadão, construir conhecimentos, atitudes e valores que tornem o estudante solidário,
crítico, ético e participativo;

José Geraldo Bueno (PUC SP)


a) construção de um sistema de ensino que possa se constituir em fator de mudança social
b) responsável pela formação das novas gerações em termos de acesso à cultura, de formação do
cidadão e de constituição do sujeito social.
c) distinção entre a função da escola em relação à origem social dos alunos trouxe importantes
contribuições para uma melhor compreensão da complexidade dessa instituição, por outro, parece ter
desembocado, novamente, numa concepção abstrata de escola, em particular em relação à escola
pública, como sendo aquela que, voltada fundamentalmente para a educação das crianças das camadas
populares, cumpre o papel de reprodutora das relações sociais e de apoio à manutenção do status quo.

Pablo Gentili
a) Visão neoliberal da função social da escola: “Na perspectiva dos homens de negócios, nesse novo
modelo de sociedade, a escola deve ter por função a transmissão de certas competências e habilidades
necessárias para que as pessoas atuem competitivamente num mercado de trabalho altamente seletivo
e cada vez mais restrito.
b) A educação escolar deve garantir as funções de classificação e hierarquização dos postulantes aos
futuros empregos (ou aos empregos do futuro). Para os neoliberais, nisso reside a ‘função social da
escola’. Semelhante ‘desafio’ só pode ter êxito num mercado educacional que seja, ele próprio, uma
instância de seleção meritocrática, em suma, um espaço altamente competitivo”.

E assim conclui a Autora: Função Social da Escola - Compromisso com a formação do cidadão e da
cidadã com fortalecimento dos valores de solidariedade, compromisso com a transformação dessa
sociedade.

AUAD, Daniela. Educar meninas e meninos – relações de gênero na escola. São


Paulo: Editora Contexto, 2016.

Texto adaptado: Aline Galvão Lima


2
Em Educar meninas e meninos: relações de gênero na escola, Daniela Auad discute a questão da
escola mista relacionando-a com a ideia de coeducação com base na análise de práticas escolares e no
debate contemporâneo sobre o tema, dialogando com estudiosas feministas que teorizam sobre a
questão.
Seu argumento central é o de que a escola mista pressupõe a coeducação, mas não é suficiente para
a efetivação da mesma. Ao longo da obra, a militante feminista Daniela Auad defende a igualdade com
respeito às diferenças e mostra como isso pode ocorrer na prática escolar, numa linguagem acessível a
qualquer pessoa que se interesse pela questão.
O livro é dividido em dez capítulos, sendo que no primeiro destes a autora faz uma apresentação dos
temas trabalhados nos capítulos subsequentes, destacando que o objetivo do livro é revelar que a escola,
através das práticas escolares, pode se constituir como um espaço privilegiado para o “aprendizado da

2 LIMA, A. G. Educar meninas e meninos: relações de gênero na escola

2
1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
separação” que discrimina a crianças (meninos e meninas) de forma a justificar desigualdades ou pode,
ao contrário, promover transformações no sentido da igualdade a partir do respeito às diferenças.
Dessa maneira a autora se propõe a discutir a relação entre igualdade e desigualdade entre meninas
e meninos, homens e mulheres no espaço escolar, com destaque para a função privilegiada que a escola
possui no que diz respeito à aprendizagem de papéis sociais e sexuais por parte dos alunos.
No segundo capítulo, temos uma breve síntese da história que perpassa a construção da categoria
gênero enquanto instrumento de análise. A autora demonstra como a apropriação do conceito de gênero
na área de ciências humanas foi importantíssima para o questionamento das supostas desigualdades
“naturais” entre os sexos, tão veiculadas pelos discursos positivistas.
Destaca que a categoria gênero ao revelar que muitas diferenças entre homens e mulheres são
socialmente construídas pode ser utilizada para desvendar relações de poder desiguais dentro da escola.
O texto chama a atenção para o aspecto relacional, constitutivo das masculinidades ou feminilidades,
num determinado contexto social e cultural, expressando-se nos discursos e práticas sociais.
A obra conduz assim ao questionamento de compreensões generalizadas de relações pretensamente
naturais sobre o masculino e o feminino para se pensar o gênero como dispositivo privilegiado na análise
das significações das relações de gênero e de poder que constituem processos políticos e se constroem
reciprocamente.
Na sequência, os quatro capítulos seguintes tratam dos resultados encontrados por Daniela Auad em
sua pesquisa de doutorado, por meio de trabalho de campo, que objetivou o estudo das relações de
gênero nas práticas escolares. As observações nos pátios e salas de aula das séries ou ciclos iniciais de
uma escola pública de Ensino Fundamental da cidade de São Paulo, realizadas durante quatro anos,
juntamente com o trabalho de revisão bibliográfica, evidenciaram certos modos em que as relações de
gênero são elementos significativos nas vivências de meninas e meninos.
Ao longo dos referidos capítulos, a autora demonstra como uma análise do dia a dia escolar pode
demonstrar a existência de diferenças, polaridades e assimetrias de gênero, presentes em atividades que
definem para as crianças o que é masculino e o que é feminino, gerando assim o “aprendizado da
separação”.
A temática que envolve escola mista e coeducação é focalizada nos próximos capítulos, onde fica
demonstrado que embora as escolas brasileiras sejam mistas, e isso seja uma das premissas da
existência da coeducação, a mistura dos sexos não determina a ocorrência de práticas e políticas públicas
coeducativas.
Ao longo de sua argumentação, a autora aponta questões que geram reflexões acerca da escola mista
e sua relação com uma proposta de coeducação. Analisando a história da implantação da escola mista
no Brasil, Daniela Auad verifica que conteúdos de ensino, normas, uso do espaço físico, técnicas e modos
permitidos de pensar, sentir e agir se constituíram como mecanismos que perpetuam a separação e a
hierarquização entre homens e mulheres.
Conforme a autora, as supostas diferenças sexuais naturais entre meninos e meninas são utilizadas
pelo professor para conduzir a classe e manter a disciplina, o que pode ser exemplificado com as
diferentes maneiras de se distribuírem meninos e meninas no espaço da sala de aula.
Confrontando suas próprias pesquisas no Brasil com estudos que descrevem a realidades escolares
em outros países da América Latina e da Europa, demonstra que os meninos, diferentemente das
meninas, tendem a ocupar grandes espaços e se envolvem mais do que elas em atividades dinâmicas
que requerem uma expressão corporal mais ampla.
Desta forma, as relações de gênero influenciam o modo como meninos e meninas se expressam
corporalmente e aproveitam diferentemente as possibilidades de movimentos, jogos e brincadeiras e
demais dinâmicas escolares. A autora constata que alunas, alunos, professoras, agentes escolares,
diretoras, coordenadoras e pesquisadoras podem estar na fronteira entre, de um lado, as práticas
escolares nas quais as relações de gênero ainda são desiguais e, de outro, a possibilidade de construção
de um projeto de coeducação. Para a efetiva concretização desse projeto de política educacional, Daniela
Auad propõe uma transformação de diversos níveis da educação, englobando não apenas a legislação,
o sistema educativo, as unidades escolares e os currículos, como também a capacitação e formação do
profissional, a paridade do professorado, os livros didáticos e a interação entre professoras, professores,
alunos e alunas. Delineia assim um possível caminho para uma política pública de igualdade de gênero
a partir da escola.
Diante do que foi dito, pode-se dizer que Educar meninas e meninos: relações de gênero na escola
nos adverte para a importância de uma ampla reflexão sobre as relações de gênero na escola.

3
1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
CASTRO, Jane Margareth; REGATTIERI, Marilza. Relações Contemporâneas
Escola-Família. p. 28-32. In: CASTRO, Jane Margareth; REGATTIERI, Marilza.
Interação escola-família: subsídios para práticas escolares. Brasília: UNESCO,
MEC, 2009.

3
Marcos Legais

Ao longo das últimas décadas, a criança foi sendo deslocada da periferia para o centro da família. Do
mesmo modo, ela passou a ser o foco principal do sistema educativo. O deslocamento é fruto de uma
longa história de emancipação, na qual as propostas educacionais têm peso importante. Esse movimento
alinha-se ao dos direitos humanos e consolida-se na Carta Internacional dos Direitos da Criança, de 1987,
que registra o acesso da criança ao estatuto de sujeito de direitos e à dignidade da pessoa. Tais
conquistas invertem a concepção de aluno como página em branco, encerrada no projeto inicial da escola
de massa e que organizava a hierarquia das posições no sistema escolar. Estas mudanças incidem
diretamente nas transformações das relações entre as gerações, tanto de pais e filhos quanto entre
professores e alunos. Com relações mais horizontais, o exercício da autoridade na família e na escola
como estava configurado até então - adultos mandavam e crianças/adolescentes obedeciam - tende a
entrar em crise.
Na consolidação dos direitos das crianças, as responsabilidades específicas dos adultos que as
cercam vão sendo modificadas e a relação escola-família passa a ser regida por novas normas e leis. No
Brasil, em termos legais, os direitos infanto-juvenis estão amparados pela Constituição e desdobrados no
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069, de 1990, e na nova Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB), promulgada em 19964.
Segundo a LDB, os profissionais da educação devem ser os responsáveis pelos processos de
aprendizagem, mas não estão sozinhos nesta tarefa. A lei prevê a ação integrada das escolas com as
famílias:

“Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de


ensino, terão a incumbência de:
(...) VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade
com a escola; (...)
Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:
(...) VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.
Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na
educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
(...) II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes”.
Ação integral das
Como a educação básica é dirigida, em princípio, a alunos de zero a 17 anos, o ECA se aplica às
escolas e diz explicitamente:

Capítulo IV
Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer

“Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua
pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - direito de ser respeitado por seus educadores;
III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;
IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;
V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como
participar da definição das propostas educacionais.
(...)
Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular
de ensino.

3http://unesdoc.unesco.org/images/0018/001877/187729POR.pdf
4 Com relação à rede de escolas privadas, o Código de Defesa do Consumidor é também referência para balizar as relações entre escolas e famílias.
INTERAÇÃO ESCOLA-FAMÍLIA • Subsídios para práticas escolares

4
1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar
os casos de:
I - maus-tratos envolvendo seus alunos;
II - reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares;
III - elevados níveis de repetência”.

Tanto no ECA quanto na LDB, a efetividade do direito à educação das crianças e dos adolescentes
deve contar com a ação integrada dos agentes escolares e pais ou responsáveis. Esse novo ambiente
jurídico-institucional inaugura um período sem precedentes de consolidação de direitos sociais e
individuais dos alunos e suas famílias.
De todos os equipamentos do Estado, a escola é o que tem o mais amplo contato contínuo e frequente
com os sujeitos destes direitos, daí sua responsabilidade de atuar junto a outros atores da rede de
proteção social. Isso não significa mudar o papel da escola e transformá-la em instituição assistencialista,
mas sim dar relevo a seu papel de ator fundamental - embora não exclusivo - na realização do direito da
criança e do adolescente à educação.
É comum se ouvir discussões acaloradas entre professores sobre o ECA, principalmente quando
ocorre alguma infração envolvendo adolescentes que recebem a proteção indicada pelo Estatuto. De fato,
o respeito deve ser exercido em “mão dupla”, ou seja, não apenas crianças e adolescentes têm direitos
a serem respeitados, mas também seus educadores e demais profissionais. As discussões em torno do
tema devem ocorrer a partir de uma compreensão acurada da doutrina da proteção integral, que precisa
estar incorporada à formação inicial e continuada de professores, gestores escolares e educacionais.
Com o envolvimento consciente desses profissionais, a realização do direito à educação da criança e do
adolescente certamente será mais facilmente alcançada.
Outra questão é que, para a efetivação do Estatuto, novos atores, como o Conselho Tutelar5 - órgão
permanente e autônomo, não jurisdicional - e o Ministério Público, passam a ser interlocutores dos
agentes educacionais e das famílias. Essas mediações afetam o equilíbrio das relações de poder dentro
das escolas, das famílias e entre escolas e famílias.
Conflitos antes tratados na esfera privada ganham os holofotes e os rigores da esfera pública.
Atualizando os marcos existentes, o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, do Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE), formalizado pelo Decreto nº 6.094, de 24/4/2007, reforça a
importância da participação das famílias e da comunidade na busca da melhoria da qualidade da
educação básica. O Plano de Metas estabelece as seguintes diretrizes para gestores e profissionais da
Educação:
“XIX - divulgar na escola e na comunidade os dados relativos à área da educação, com ênfase no
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - Ideb, referido no art. 3º;
XX - acompanhar e avaliar, com participação da comunidade e do Conselho de Educação, as políticas
públicas na área de educação e garantir condições, sobretudo institucionais, de continuidade das ações
efetivas, preservando a memória daquelas realizadas;
XXI - zelar pela transparência da gestão pública na área da educação, garantindo o funcionamento
efetivo, autônomo e articulado dos conselhos de controle social; (...)
XXIV - integrar os programas da área da educação com os de outras áreas como saúde, esporte,
assistência social, cultura, dentre outras, com vista ao fortalecimento da identidade do educando com sua
escola;
XXV - fomentar e apoiar os conselhos escolares, envolvendo as famílias dos educandos, com as
atribuições, dentre outras, de zelar pela manutenção da escola e pelo monitoramento das ações e
consecução das metas do compromisso;
XXVI - transformar a escola num espaço comunitário e manter ou recuperar aqueles espaços e
equipamentos públicos da cidade que possam ser utilizados pela comunidade escolar”.

Novas Fronteiras Escola-Família

No movimento histórico apresentado anteriormente, vimos que houve transferência de parte das
funções educativas da esfera familiar para a estatal. Nesse deslocamento, ao mesmo tempo em que o
saber familiar, sobretudo das famílias pobres, foi desqualificado, ocorreu a profissionalização das funções
educativas, reorganizando a interseção de funções e responsabilidades entre as famílias e as escolas.

5 O Conselho Tutelar não possui capacidade legal de interferência em assuntos internos da escola. No entanto, ele pode verificar, por exemplo, frequência e o
aproveitamento escolar de determinada criança ou adolescente. Não para interferir na escola, mas para determinar aos pais ou ao responsável as medidas para a
correção das insuficiências (artigo 129, inciso V). O que se percebe na prática é que em muitas ocasiões basta que os pais sejam orientados com relação às suas
obrigações para reverter a ausência dos alunos.

5
1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
É importante ressaltar que ainda hoje mães, pais e os demais agentes escolares se encontram em
condições bastante distintas dentro do processo educativo. Como instituição do Estado encarregada
legalmente de conduzir a educação formal, a escola, por meio de seus profissionais, tem a prerrogativa
de distribuir os diplomas que certificam o domínio de conteúdos considerados socialmente relevantes.
Esses certificados são pré-requisitos para estudos futuros e credenciais importantes no acesso das
pessoas às diferentes posições de trabalho na sociedade.
Essas duas instituições, que deveriam manter um espaço de interseção por estarem incumbidas da
formação de um mesmo sujeito, podem, dependendo das circunstâncias, se distanciar até chegar a uma
cisão. Normalmente, quando o aluno aprende, tira boas notas e se comporta adequadamente, mães, pais
e professores se sentem como agentes complementares, corresponsáveis pelo sucesso. Todos
compartilham os louros daquela vitória. Mas, quando os alunos ficam indisciplinados ou têm baixo
rendimento escolar, começam as disputas em torno da divisão de responsabilidades pelo insucesso. O
insucesso escolar deveria suscitar a análise de causas dos problemas que interferiram na aprendizagem,
avaliando o peso das condições escolares, familiares e individuais do aluno. O que se constata é que, em
vez disso, o comportamento mais comum diante do fracasso escolar é a atribuição de culpas, que
geralmente provoca o afastamento mútuo.
Para ilustrar essa questão, colocamos lado a lado duas falas recorrentes nas entrevistas realizadas
para este estudo:
- Dos professores, ouvíamos: “os pais dos alunos que mais precisam de ajuda são sempre os mais
difíceis de trazer até a escola”.
- Dos pais desses alunos que mais precisam, ouvíamos: “nós, que mais precisamos de ajuda, somos
os mais cobrados pelas escolas”.
E uns não escutam os outros.
Neste jogo de busca de culpados, a assimetria de poder entre profissionais da educação e familiares
costuma pesar a favor dos educadores, principalmente quando temos, de um lado, os detentores de um
saber técnico e, de outro, sujeitos de uma cultura iletrada.
Novamente, se essas diferenças são convertidas em desigualdade, a distância entre alguns tipos de
famílias e as escolas que seus filhos frequentam se amplia. Podemos dizer que usar a assimetria de
poder para transferir da escola para o aluno e sua família o peso do fracasso transforma pais, mães,
professores, diretores e alunos em antagonistas, afastando estes últimos da garantia de seus direitos
educacionais. É uma armadilha completa.
Mas seria possível, ou desejável, anular a assimetria entre os familiares dos alunos e os profissionais
da educação? Entendemos que por trás da assimetria há diferenças reais. Os educadores escolares são
profissionais especializados que têm autorização formal para ensinar e, conforme já mencionado, para
emitir certificações escolares. Eles formam um coletivo com interesses profissionais e institucionais a
zelar, enquanto os familiares, geralmente pouco organizados, são movidos por interesses individuais
centrados na defesa do próprio filho.
Mais recentemente, além de representantes dos filhos, os familiares têm sido estimulados - inclusive
pela legislação educacional - a interagir com os profissionais da educação também como cidadãos que
compõem a esfera pública da instituição escolar. A participação em conselhos escolares (ou associações
de pais e mestres), em conselhos do Fundeb, conselhos de merenda etc. é parte desta tarefa de
representação da sociedade civil e de controle social. Essa dupla função - representante do filho e
representante da comunidade - torna mais complexa a delimitação dos lugares reservados aos pais e
mães na escola, mas abre possibilidades importantes de exercício democrático de participação que
podem beneficiar todos.
Quando falamos em interação, pensamos em atores distintos que têm algum grau de reciprocidade e
de abertura para o diálogo. Nessa perspectiva, é importante identificar e negociar, em cada contexto, os
papéis que vão ser desempenhados e as responsabilidades específicas entre escolas e famílias. Por
exemplo, considera-se que o ensino é uma atribuição prioritariamente da escola. Esta, porém, divide essa
responsabilidade com as famílias, quando prescreve tarefas para casa e espera que os pais as
acompanhem. Em um contexto de pais pouco escolarizados, com jornadas de trabalho extensas e com
pouco tempo para acompanhar a vida escolar dos filhos, essa divisão pode mostrar-se ineficaz. Por isso,
da mesma forma como procura diagnosticar as dificuldades pedagógicas dos alunos para atendê-los de
acordo com suas necessidades individuais, a escola deve identificar as condições de cada família, para
então negociar, de acordo com seus limites e possibilidades, a melhor forma de ação conjunta. Assim
como não é produtivo exigir que um aluno com dificuldades de aprendizagem cumpra o mesmo plano de
trabalho escolar dos que não têm dificuldades, não se deve exigir das famílias mais vulneráveis aquilo
que elas não têm para dar.

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
COLL, César. O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Editora Ática, 1999.
(Capítulos 4 e 5).

Os professores e a concepção construtivista6

O construtivismo não é uma teoria, e sim uma referência explicativa, composta por diversas
contribuições teóricas, que auxilia os professores nas tomadas de decisões durante o planejamento,
aplicação e a avaliação do ensino. Ou seja, o construtivismo não é uma receita, um manual que deve ser
seguido à risca sem se levar em conta as necessidades de cada situação particular. Ao contrário, os
profissionais da educação devem utilizá-lo como auxílio na reflexão sobre a prática pedagógica; sobre o
como se aprende e se ensina, considerando-se o contexto em que os agentes educativos estão inseridos.
Essas afirmações demonstram a necessidade de se compreender os conteúdos da aprendizagem como
produtos sociais e culturais, o professor como agente mediador entre indivíduo e sociedade, e o aluno
como aprendiz social.
Tendo em vista uma educação de qualidade, entendida como aquela que atende a diversidade, o
processo educativo não é responsabilidade do professor somente. Desse modo, o trabalho coletivo dos
professores, normas e finalidades compartilhadas, uma direção que tome decisões de forma colegiada,
materiais didáticos preparados em conjunto, a formação continuada e a participação dos pais são pontos
essenciais para a construção da escola de qualidade.
A instituição escolar é identificada pelo seu caráter social e socializador. É por meio da escola que os
seres humanos entram em contato com uma cultura determinada. Nesse sentido, a concepção
construtivista compreende um espaço importante à construção do conhecimento individual e interação
social, não contrapondo aprendizagem e desenvolvimento. Aprender não é copiar ou reproduzir, mas
elaborar uma representação pessoal da realidade a partir de experimentações e conhecimentos prévios.
É preciso aprender significativamente, ou seja, não apenas acumular conhecimentos, mas construir
significados próprios a partir do relacionamento entre a experiência pessoal e a realidade. A pré-existência
de conteúdos confere certa peculiaridade à construção do conhecimento, que deve ser entendida como
a atribuição de significado pessoal aos conteúdos concretos, produzidos culturalmente.
Pensando especificamente o trabalho do professor, o construtivismo é uma concepção útil à tomada de
decisões compartilhadas, que pressupõe o trabalho em equipe na construção de projetos didáticos e
rotinas de trabalho. Por fim, é importante ressaltar que o construtivismo não é um referencial acabado,
fechado a novas contribuições; sua construção acontece no âmbito da situação de ensino/aprendizagem
e a ela deve servir.

Disponibilidade para a aprendizagem e sentido da aprendizagem

A aprendizagem é motivada por um interesse, uma necessidade de saber. Mas o que determina esse
interesse, essa necessidade? Não é possível elaborar uma única resposta a essa questão. No entanto,
um bom caminho a seguir é compreender que além dos aspectos cognitivos, a aprendizagem envolve
aspectos afetivo-relacionais. Ao construir os significados pessoais sobre a realidade, constrói-se também
o conceito que se tem de você mesmo (autoconceito) e a estima que se professa (autoestima),
características relacionadas ao equilíbrio pessoal. O autoconceito e a autoestima influenciam a forma
como o aluno constrói sua relação com os outros e com o conhecimento; reconhecer essa dimensão
afetivo-relacional é imprescindível ao processo educativo.
Em relação à motivação para conhecer, é necessário compreender a maneira como alunos encaram
a tarefa de estudar, que pode ser dividida em dois enfoques: o enfoque profundo e o enfoque superficial.
No enfoque profundo, o aluno se interessa por compreender o significado do que estuda e relaciona os
conteúdos aos conhecimentos prévios e experiências. Já no enfoque superficial, a intenção do aluno
limita-se a realizar atarefas de forma satisfatória, limitando-se ao que o professor considera como
relevante, uma resposta desejável e não a real compreensão do conteúdo. Importante ressaltar que o
enfoque com que o aluno aborda a tarefa pode variar; dessa forma, o enfoque profundo pode ser a
abordagem de uma relação a uma tarefa e o enforque superficial em relação a outras pelo mesmo aluno.
A inclinação dos alunos para um enfoque ou outro vai depender, dentre outros fatores, da situação de
ensino da qual esse aluno participa.
Entretanto, o enfoque profundo pode ser trabalhado com os alunos de maneira intencional. Para isso,
é preciso conhecer as características da tarefa trabalhada, o que se pretende com determinado conteúdo

6 COLL, César. O construtivismo na sala de aula. São Paulo. Editora Ática, 1999

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
e a sua necessidade. Tudo isso demanda tempo, esforço e envolvimento pessoal. Outro ponto importante
a ser ressaltado é que o professor, ao entrar numa sala de aula, carrega consigo certa visão de mundo e
imagem de si mesmo, que influenciam seu trabalho e sua relação com os alunos. Da mesma forma, os
alunos constroem representações sobre seus professores. Reconhecer esses aspectos afetivos e
relacionais é fundamental para motivação e interesse pela construção de conhecimento, tendo em vista
que o autoconceito e a autoestima, ligados às representações e expectativas sobre o processo educativo,
possuem um papel mediador na aprendizagem escolar.
As interações, no processo de construção de conhecimento, devem ser caracterizadas pelo respeito
mútuo e o sentimento de confiança. É a partir dessas interações, das relações que se estabelecem no
contexto escolar, que as pessoas se educam. Levar isto em consideração é compreender o papel
essencial dos aspectos afetivo-relacionais no processo de construção pessoal do conhecimento sobre a
realidade.

Um ponto de partida para a aprendizagem de novos conteúdos: os conhecimentos prévios

Quando se inicia um processo educativo, as mentes dos alunos não estão vazias de conteúdo como
lousas em branco. Ao contrário, quando chegam à sala de aula os alunos já possuem conhecimentos
prévios advindos da experiência pessoal. Na concepção construtivista é a partir desses conhecimentos
que o aluno constrói e reconstrói novos significados. Identificam-se alguns aspectos globais como
elementos básicos que auxiliam na determinação do estado inicial dos alunos: a disposição do aluno para
realizar a tarefa proposta, que conta com elementos pessoais e interpessoais com sua autoimagem,
autoestima, a representação e expectativas em relação à tarefa a ser realizada, seus professores e
colegas; capacidades, instrumentos, estratégias e habilidades compreendidas em certos níveis de
inteligência, raciocínio e memória que possibilitam a realização da tarefa.
Os conhecimentos prévios podem ser compreendidos como esquemas de conhecimento, ou seja, a
representação que cada pessoa possui sobre a realidade. É importante ressaltar que esses esquemas
de conhecimento são sempre visões parciais e particulares da realidade, determinadas pelo contexto e
experiências de cada pessoa. Os esquemas de conhecimento contêm, ainda, diferentes tipos de
conhecimentos, que podem ser, por exemplo, de ordem conceitual (saber que o coletivo de lobos é
alcateia), normativa (saber que não se deve roubar), procedimental (saber como se planta uma árvore).
Esses conhecimentos são diferentes, porém não devem ser considerados melhores ou piores que outros.
Para o ensino coerente, é preciso considerar o estado inicial dos alunos, seus conhecimentos prévios e
esquemas de conhecimentos construídos. Esse deve ser o início do processo educativo: conhecer o que
se tem para que se possa, sobre essa base, construir o novo.

O que faz com que o aluno e a aluna aprendam os conteúdos escolares? A natureza ativa e
construtiva do conhecimento

Entre as concepções de ensino e aprendizagem sustentadas pelos professores, destacam-se três,


cada uma considerando que aprender é:
1) Conhecer as respostas corretas: Nessa concepção entende-se que aprender significa responder
satisfatoriamente as perguntas formuladas pelos professores. Reforçam-se positivamente as respostas
corretas, sancionando-as. Os alunos são considerados receptores passivos dos reforços dispensados
pelos professores.
2) Adquirir os conhecimentos relevantes: Nessa concepção, entende-se que o aluno aprende quando
apreende informações necessárias. A principal atividade do professor é possuir essas informações e
oferecer múltiplas situações (explicações, leituras, vídeos, conferências, visitas a museus) nas quais os
alunos possam processar essas informações. O conhecimento é produto da cópia e não processo de
significação pessoal.
3) Construir conhecimentos: Os conteúdos escolares são aprendidos a partir do processo de
construção pessoal do mesmo. O centro do processo educativo é o aluno, considerado como ser ativo
que aprende a aprender. Auxiliar a construção dessa competência é o papel do professor.
A primeira concepção está ligada às concepções tradicionais, diferenciada em relação às duas
restantes por enfatizar o papel supremo do professor na elaboração das perguntas. As outras duas
concepções, pelo contrário, ocupam-se de como os alunos adquirem conhecimentos; no entanto,
entendem de formas diferentes esse processo. Compreendendo-se que aprender é construir
conhecimentos, identifica-se a natureza ativa dessa construção e a necessidade de conteúdos ligados ao
ato de aprender conceitos, procedimentos e atitudes.

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
Nesse sentido, é preciso organizar e planejar intencionalmente as atividades didáticas tendo em vista
os conteúdos das diferentes dimensões do saber: procedimental (como a observação de plantas);
conceitual (tipos e parte das plantas); e atitudinal (de curiosidade, rigor, formalidade, entre outras). O
trabalho com esses conteúdos demonstra a atividade complexa que caracteriza o processo educativo,
trabalho que demanda o envolvimento coletivo na escola.

Ensinar: criar zonas de desenvolvimento proximal e nelas intervir

O ensino na concepção construtivista deve ser entendido como uma ajuda ao processo de ensino-
aprendizagem, sem a qual o aluno não poderá compreender a realidade e atuar nela. Porém, deve ser
apenas ajuda porque não pode substituir a atividade construtiva do conhecimento pelo aluno. A análise
aprofundada do ensino enquanto ajuda leva ao conceito de “ajuda ajustada” e de zona de
desenvolvimento proximal (ZDP). No conceito de “ajuda ajustada” observa-se que o ensino, enquanto
ajuda o processo de construção do conhecimento, deve ajustar-se a esse processo de construção. Para
tanto, conjuga duas grandes características:
1) a de levar em conta os esquemas de conhecimento dos alunos, seus conhecimentos prévios em
relação aos conteúdos a serem trabalhados;
2) e, ao mesmo tempo, propor desafios que levem os alunos a questionarem esses conhecimentos
prévios. Ou seja, não se ignora aquilo que os alunos já sabem, porém aponta-se para aquilo que eles não
conhecem, não realizam ou não dominam suficientemente, incrementando a capacidade de compreensão
e atuação autônoma dos alunos.
O conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP) foi proposto pelo psicólogo soviético L. S.
Vygotsky, partindo do entendimento de que as interações e relações com outras pessoas são a origem
dos processos de aprendizagem e desenvolvimento humano. Nesse sentido, a ZDP pode ser identificada
como o espaço no qual, com a ajuda dos outros, uma pessoa realiza tarefas que não seria capaz de
realizar individualmente. A contribuição do conceito de ZDP está relacionada à possibilidade de se
especificar as formas em aula, ajudando os alunos no processo de significação pessoal e social da
realidade.

Para o trabalho com os conceitos acima arrolados, indicam-se os seguintes pontos:


1) Inserir atividades significativas na aula;
2) Possibilitar a participação de todos os alunos nas diferentes atividades, mesmo que os níveis de
competência, conhecimento e interesses forem diferenciados;
3) Trabalhar com as relações afetivas e emocionais;
4) Introduzir modificações e ajustes ao logo da realização das atividades;
5) Promover a utilização e o aprofundamento autônomo dos conhecimentos que os alunos estão
aprendendo;
6) Estabelecer relações entre os novos conteúdos e os conhecimentos prévios dos alunos;
7) Utilizar linguagem clara e objetiva evitando mal-entendidos ou incompreensões;
8) Recontextualizar e reconceitualizar a experiência.

Trabalhar a partir dessas concepções caracteriza desafios à prática educativa que não está isenta de
problemas e limitações. No entanto, entende-se que esse esforço, mesmo que acompanhado de lentos
avanços, é decisivo para a aprendizagem e o desenvolvimento das escolas e das aulas.

Os enfoques didáticos

A concepção construtivista considera a complexidade e as distintas variáveis que intervêm nos


processos de ensino na escola. Por isso, não receita formas determinadas de ensino, mas oferece
elementos para a análise e reflexão sobre a prática educativa, possibilitando a compreensão de seus
processos, seu planejamento e avaliação. Um método educacional sustenta-se a partir da função social
que atribui ao ensino e em determinadas ideias sobre como as aprendizagens se produzem. Nesse
sentido, a análise das tarefas que propõem e conteúdos trabalhados, explícita ou implicitamente (currículo
oculto), requer a compreensão do determinante ideológico que embasam as práticas dos professores. A
discriminação tipológica dos conteúdos, ou seja, a análise dos conteúdos trabalhados segundo a natureza
conceitual, procedimental ou atitudinal, mostra-se como importante instrumento de entendimento do que
acontece na sala de aula.
Outro instrumento importante para a compreensão do processo educativo é a concepção construtivista
da aprendizagem, que estabelece a aprendizagem como uma construção pessoal que o aluno realiza

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
com a ajuda de outras pessoas; processo que necessita da contribuição da pessoa que aprende,
implicando o interesse, disponibilidade, conhecimentos prévios e experiência; implica também a figura do
outro que auxilia na resolução do conflito entre os novos saberes e o que já se sabia, tendo em vista a
realização autônoma da atividade de aprender a aprender.
O problema metodológico para o fazer educativo não se encontra no âmbito do “como fazemos”, mas
antes na compreensão do “que fazemos” e “por que”. Na elaboração das sequências didáticas que devem
auxiliar a prática educativa deve-se levar em consideração os objetivos e os meios que se tem para
facilitar o alcance desses objetivos.

A avaliação da aprendizagem no currículo escola: uma perspectiva construtivista

A questão da avaliação do processo educativo tem sido muito discutida. Com o desenvolvimento de
propostas teóricas, metodológicas e instrumentais, expressões e conceitos como o de avaliação inicial,
formativa e somatória povoam o vocabulário educacional. Junto a isso, construiu-se o consenso de que
não se deve avaliar somente o aluno, mas também a atuação do professor, o planejamento de atividades
e também sua aplicação. No entanto, muitas questões ainda se encontram sem respostas e se configuram
como desafios aos envolvidos com o tema.
Uma primeira questão a ser levantada é a relação entre a avaliação e uma série de decisões
relacionadas a ela, como promoção, atribuição de crédito e formatura de alunos. Essas decisões não
fazem parte, em sentido estrito, do processo de avaliação, porém essas decisões devem ser coerentes
com as avaliações realizadas. O desafio é alcançar a máxima coerência entre os processos avaliativos e
as decisões a serem tomadas. Todo processo avaliativo deve levar em conta os elementos afetivos e
relacionais da avaliação. Desse modo, o planejamento das atividades avaliativas parte do entendimento
de que o aluno atribui certo sentido a essa atividade, sentido que depende da forma como a avaliação lhe
é apresentada e também de suas experiências e significações pessoais e sociais da realidade. É preciso
levar em conta também o caráter sempre parcial dos resultados obtidos por meio das avaliações, devido
à complexidade e diversificação das situações de aprendizagem vivenciadas pelos alunos. Assim, as
práticas avaliativas privilegiadas devem ser aquelas que consideram a dinâmica dos processos de
construção de conhecimentos.
Ao contrário das concepções que buscam neutralizar as influências do contexto nos resultados das
avaliações, a concepção construtivista ressalta a necessidade de considerar as variáveis proporcionadas
pelos diversos contextos particulares. Para isso, recomenda-se a utilização de uma gama maior possível
de atividades de avaliação ao longo do processo educativo.
Partindo da consideração que é na prática que se utiliza o que se aprende, um dos critérios, que devem
ser levantados nas atividades avaliativas, é o menor ou maior valor instrumental das aprendizagens
realizadas, ou seja, em que grau pode-se utilizar o que se aprendeu, o que se construiu na significação
dos saberes. Na medida em que aprender a aprender significa a capacidade para adquirir, de forma
autônoma, novos conhecimentos, avaliar os aspectos instrumentais, é de suma importância a qualidade
da educação. Por fim, ressalta-se a necessidade da abordagem da avaliação em estreita ligação com o
planejamento didático e o currículo escolar. Dessa forma, “o quê”, “como” e “quando” ensinar e avaliar se
unem configurando uma prática educativa global, na qual as atividades avaliativas não estão separadas
das demais atividades de construção de conhecimento pelos alunos.

DELIZOICOV. Demétrio; ANGOTTI, José André. Metodologia do ensino de


Ciências. São Paulo: Cortez, 1994. (Capítulo II: unidades 2 e 3; Capítulo III:
unidades 4 e 5).

Este livro destina-se aos docentes que atuam nos cursos de formação de professores de Ciências da
Natureza - Física, Química, Biologia e afins - e aos que lecionam a disciplina de Ciências na educação
fundamental. Contempla aspectos que auxiliam no desenvolvimento de um ensino de Ciências que
contribua para a formação cultural dos estudantes, de tal modo que a estrutura do conhecimento científico
- básico e aplicado - assim como seu potencial explicativo e transformador possam ser apropriados e
compreendidos. Pressupõe que os conhecimentos da ciência e da tecnologia devem ser concebidos
como parte da cultura a ser acessada por todos os estudantes. Destaca, ao longo de suas partes, as
várias dimensões envolvidas na produção do conhecimento cientifico, a fim de caracterizar a ciência e a
tecnologia como atividades humanas sócio historicamente determinadas. Defende o uso e a interpretação
de situações significativas para os alunos - as quais constituem temas relevantes para estudo - como
pontos de partida que, articulados à conceituação científica, devem estruturar a programação de ensino.

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
Ao fundamentar esta perspectiva, correlacionando-a com pesquisas da área de ensino/aprendizagem de
Ciências, o livro apresenta exemplos tanto de programação quanto de atividades de sala de aula, para
subsidiar o trabalho docente."
Existem diversas teorias expressas em forma de receita para uma prática no ensino de ciências
naturais. Essas prometem salvação ao sistema educacional defasado que não consegue formar seu
alunato para compreender e desenvolver seu papel de cidadão crítico. Ao olharmos os jornais, nos
deparamos com o Brasil, entre os piores índices de educação e o mais elevado índice de violência e
corrupção. Isso é prova viva de que algo na nossa “clássica” educação está indo mal, de que algo precisa
ser mudado. O especialista em educação alerta que precisamos mudar nossa maneira de pensar à
educação e oferecem inúmeras contribuições teóricas, algumas das quais não são eficazes como
afirmam. Mas, existem excelentes teorias que oferecem uma reflexão de um possível método de
aprendizagem, que podem ter êxito no tão complexo processo de ensino de ciências. Nessas bases
guiamos o nosso pensamento acerca dos principais desafios a serem enfrentados pelos professores na
construção do ensino de ciências, não só no campo teórico, mas, sobretudo na prática do ensino, que é
onde se dar à ação transformadora. Segundo Amorim, é na pratica que o professor se realiza, “ela é algo
que transcende; ela deixa de ser localizada, deixa de ser reconhecida como um caso, um episódio, como
experiência, e busca ser reconhecida como universalidade. ”

Este artigo pretende dialogar com algumas das mais recentes construções teóricas da atualidade, para
assim tentar responder ou de algum modo contribuir para o desenrolamento da problematização dos
desafios cotidianos enfrentados pelos professores de ciências. Ressaltando a grande importância que o
conhecimento científico vem adquirindo no mundo moderno, onde a formação, em qualquer que seja a
área do conhecimento, é o grande diferencial. Tendo em vista que o trabalho de produção “braçal” vem
cada vez mais sendo substituída pelo uso da máquina, aqui entendida como as diversas produções
tecnológicas; restando para o homem tão somente o uso da intelectualidade, ou seja, da razão, para
construção do seu conhecimento e da sua prática crítico-reflexiva, o que é inerente a sua própria
natureza. Antes de tratarmos dos principais desafios do ensino da ciência, questão que temos em vista
discutir com maior enfoque, fizemos algumas considerações acerca da importância do ensino de ciências
e por fim, sobre suas bases epistêmicas e metodológicas.

Conhecimento científico e ensino da ciência sua importância para sociedade moderna


Estamos vivendo novos tempos, uma era planetária, em que o conhecimento científico, a tecnologia e
a globalização dos meios de comunicação e de produção estão cada vez mais presentes no nosso
cotidiano, tornando se algo quase que essencial para nossa sobrevivência. Segundo Bunge, o
desenvolvimento de uma nação moderna está estritamente ligado ao desenvolvimento de sua ciência.
“Primeiro, porque a economia do país dele necessita se aspirar a ser múltipla, dinâmica e
independente. Segundo, porque não há cultura moderna sem uma ciência vigorosa em dia: a ciência
ocupa hoje o centro da cultura e tanto seu método quanto seus resultados se irradiam a outros campos
da cultura, bem como ao domínio da ação. Terceiro, porque a ciência pode contribuir para enfornar uma
ideologia adequada ao desenvolvimento: uma ideologia dinâmica, em vez de estática, critica em vez de
dogmática, iluminista em vez de obscurantista, e realista em vez de utópica. ”
A ciência foi e continua sendo a responsável pelo desenvolvimento das sociedades. E como causa
prioritária para se ter desenvolvimento científico estar o conhecimento, como disse Oliva, na luta humana
na busca do conhecimento, só a explicação científica foi capaz de mudar o mundo, sendo a partir dela
que o homem começou a produzir os saberes aplicados, que tantos benefícios têm proporcionado aos
indivíduos e as comunidades. Ou seja, é a educação a porta da frente para o desenvolvimento de um
país. E isso exige o esforço das autoridades políticas, ao instituir leis que defendam esse direito e cumprir
seu papal como gesto do poder; dos pais, que devem priorizar a educação dos seus filhos; dos alunos e
professores, que são os construtores de uma educação de qualidade, e de toda a sociedade em geral.

Desafios do ensino de ciências


O principal desafio da educação é formar cidadãos capazes de enfrentar os problemas do seu tempo,
e para atingir esse fim teremos que fazer uma reforma no ensino, que para Edgar Morin só é possível
concebida como reforma do pensamento. Ao abordar uma Pedagogia Histórico-Crítica, Santos incorpora
dialeticamente aluno e professor, em contraponto as pedagogias tradicionalistas que só o professor falava
e no outro extremo que só o aluno tinha significado, deve-se ouvir o aluno, mas o professor é quem
participa e conduz o processo.
“O professor é aquele que organiza o processo de ensino, que constrói síntese e aceita os desafios
propostos pela prática social. Ele não ensina conteúdo por si mesmo, não vê a escola como separada da

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
sociedade. Ele sabe que o conhecimento se torna objetivo quando permite entender o mundo e suas
conexões e trabalha para que esse saber seja transferido, pois trata de um direito básico do homem. Ele
busca os meios mais eficientes para transmitir o saber ou indica onde ele pode ser buscado. Sua tarefa
é desvela o real usando o conhecimento clássico. ”
Para Delizoicov, dentre os desafios para o ensino das ciências podemos destacar, a necessidade de
os educadores superarem o senso comum pedagógico, dificuldade esta que se dá não somente no ensino
da ciência, mas em diversas áreas. Esta dificuldade está relacionada à metodologia de ensino aplicada
pelos professores que não conseguem desapegarem-se das metodologias tradicionais, e utilizar-se de
novas formas de ensinar, ao fazer isso, não atende ao objetivo do ensino da ciência, desmistificando
assim a ideia que se tem do mesmo, contribuindo com a prática da “ciência morta”, que se caracteriza
como um produto acabado e inquestionável.
“Em oposição consciente à prática da ciência morta, a ação docente buscará construir o entendimento
de que o processo de produção do conhecimento que caracteriza a ciência e a tecnologia constitui uma
atividade humana, sócio historicamente determinada, submetida a pressões internas e externas, como
processos e resultado ainda pouco acessíveis a maioria das pessoas escolarizadas, e por isso passiveis
de uso e compreensão acríticos ou ingênuos; ou seja, é um processo e produção que precisa, por essa
maioria, ser apropriada e entendida.” (Delizoicov)
Não é novidade para ninguém que a qualidade do ensino no Brasil é muito baixa, e isso não se restringe
somente aos discentes. A formação do professor é uma das causas desse ensino que temos, e que para
termos uma melhor formação nos lançamos ao modismo das especializações. “Infelizmente grande parte
da formação do professor parece mais destinada a eliminar a criatividade do que a encoraja - lá; e a
formação continua é normalmente dirigida para tarefas especificas.” Assim, temos como resultado,
profissionais (professores) não conscientes do seu papel, cada vez mais acomodados pelo sistema. Isso
porque ao interferir em sua prática, oferecem manuais a serem seguidos e objetivos, tais como a
aprovação de número x % de alunos, a serem cumpridos. Procedimento que ao invés de ajudar desmotiva
o profissional, que perde sua autonomia. O que vai de encontro às propostas recentes de ensino de
ciência, do conceito de professor como prático reflexivo e de agente ativo no processo de aprendizagem,
“segundo Schõn (1992) as novas tendências investigativas sobre capacitação de professores, introduz a
concepção do professor reflexivo, o processo de conhecimento profissional esta na ação”.
Outro desafio é como transmitir conteúdos da disciplina aos alunos e quais dos conhecimentos
científicos deverão abordar, “mudar, por um lado, e manter, por outro, são tarefas precípuas da instituição
escola e, consequentemente, dos trabalhos do professor”. (DELIZOICOV). Vemos que somente o uso do
livro didático é insuficiente, e que apesar das tentativas para aperfeiçoá-lo, precisamos nos utilizar de
outros recursos didáticos. Diferente do que se pensa o ideal é que o professor trabalhe com materiais
alternativos para despertar o interesse do aluno e ter uma melhor apropriação dos conceitos científicos.
“O desafio a ser enfrentado, então, na elaboração de programas das várias disciplinas e das práticas
educativas desenvolvidas no interior da escola ou por ela organizadas, compondo o currículo escolar, é
a articulação estruturada entre temas e conceituação cientifica, além do conhecimento prévio do aluno, o
qual precisa ser obtido, problematizado e superado.” (DELIZOICOV)
Esta é uma visão defendida pela educação dialógica, que tem como seus principais expoentes o
pensamento de Paulo Freire e de George Snyders, que vê na interação entre aluno e professor a
construção do conhecimento de ambos. Tendo como ponto de partida os temas e as situações
significativas que originam, de um lado, a seleção e organização de conteúdos a serem articulados com
a estrutura do conhecimento científico e do outro, a prática do processo dialógico e problematizador, e
como ponto de chegada os conceitos científicos, que vão servir de base para estruturação do conteúdo
pragmático da aprendizagem do aluno.

Bases epistêmicas e metodológicas no ensino da ciência


Atualmente o ensino de ciências, vem sofrendo várias transformações metodológicas e epistêmicas
para se enquadrar às inovações desse século. No cenário de produção científica da educação
encontramos diversas metodologias que tem como gênese o método construtivista. Quanto à
epistemologia, as mais atuais e relevantes têm tratado da interação não neutra do sujeito e do objeto, em
vez de uma ascensão de um ou de outro – como é o caso das teorias do conhecimento que pressupõe a
supremacia do sujeito (idealista) ou a supremacia do objeto (empirista). Como exemplo dessas teorias
tem: a Epistemologia Fenomenológica (Husserl); a Construtivista e Estruturalista (Piaget); a Histórica
(Bachelard); a “Arqueológica” (Foucault) e a “Racionalista-Crítica” (Popper). Visão esta também defendida
por Paulo Freire ao desenvolver sua pedagogia. “Educador e educandos (liderança e massa), co-
intencionados à realidade, se encontram numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de
desvelá-la e, assim, criticamente conhecê-la, mas também no recriar este conhecimento”.

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
O entendimento desse atual paradigma científico, no ensino de ciência vem ressaltar a relevância tanto
do papel do professor, como agente que transmite e controla o processo de construção do conhecimento
como do aluno, sujeito cognitivo, que estabelece relações entre seu meio físico e social. “Articuladamente,
faz-se necessário que a base epistêmica para uma compreensão das relações dos alunos e do professor
com o conhecimento tenha também como referência às teorias cuja premissa dispõe que o conhecimento
ocorra na interação não neutra entre sujeito-objeto” (DELIZOICOV).
Quanto à forma de se ensinar ciência assim como muitos cientistas produzem, sem preocupar-se com
questões básicas acerca da validade das suas próprias investigações, também os Conhecimentos
Científicos são transmitidos muitas vezes como algo fechado e acabado, contrariando assim, a definição
de ciência que “visa proporcionar conhecimento cuja veracidade e objetividade são suscetíveis de teste,
confirmação e corroboração”. É essa visão de ciência que deve ser passada para os nossos alunos, para
que eles também se sintam aptos a construir e investigar o conhecimento.
“A metodologia que defendemos exige, por isto mesmo, que, no fluxo da investigação, se façam ambos
sujeitos da mesma – os investigadores e os homens do povo que, aparentemente, seriam objetos.
Quando mais assumem os homens uma postura ativa de investigação de sua temática, tanto mais
aprofundam a sua tomada de consciência em torno da realidade e, explicitando sua temática significativa,
se apropriam dela”.
Freire ao propor sua metodologia, inicia seu processo de ensino com o uso de temas referentes à
realidade da comunidade, instigando os alunos a se questionarem, problematizando assim as
informações que já dispõem, para depois chegar aos conhecimentos científicos, dessa forma imitar a
ciências em seu método de sempre partir de problemas.
Tendo em vista a necessidade de melhorar a qualidade de ensino do país, a fim de se alcançar o
desenvolvimento socioeconômico. Devemos nos atentar para uma nova forma de ensinar e aprender;
para que com isso possamos formar cidadãos capacitados ao mercado de trabalho e conscientes do seu
papel na sociedade. Partindo do pressuposto que a educação muda o homem e que o conhecimento
científico é um dos principais responsáveis por essa transformação, podemos perceber a importância
dada à metodologia aplicada para o ensino de ciências.
Apesar dos vários desafios e problemas a serem enfrentados nesse universo de ensino como os já
citados, têm as políticas educacionais, a dificuldade de encontrar entre as teorias uma que se enquadre
ao seu contexto que solucione seus anseios; além da falta de recursos materiais disponíveis para inovar
no ensino. Mudanças podem ser feitas afim de que os alunos compreendam o verdadeiro sentido do
estudo da ciência. E com isso, promovendo a superação do senso-comum, que é o entrave maior
enfrentado pelos docentes. Estas devem partir dos professores que ao voltarem seus esforços para a
ação, tornam suas aulas mais interativas e conectadas a realidade incentivando a curiosidade de seus
alunos pelo estudo e que o façam com prazer. No ensino de ciência a função do professor “é aquela que
permite ao aluno se apropriar da estrutura do conhecimento científico e de seu potencial explicativo e
transformador” (Delizoicov).

DOWBOR, Ladislau. Educação e apropriação da realidade local. Estud. av.


[online].2007, vol.21, nº 60, pp. 75-90.

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É essencial uma criança sentir que a sucessão de anos que passa na escola lhe permite efetivamente
entender o contexto onde vive, apropriar-se da realidade que a cerca. A criança, mais que o adulto que
tem oportunidades de conhecer diversas regiões, interpreta o mundo pela cidade ou pelo bairro onde
mora. O seu espaço de referência é o espaço local. Proibir-lhe que brinque no córrego vizinho da sua
casa é prudente, mas gera apenas medo. Entender os fluxos dos riachos e as fontes concretas de
poluição lhe assegura desde já ancorar o conhecimento abstrato em vivências concretas, e lhe permitirá
mais tarde entender a gestão de bacias hidrográficas. Aprender a representação em escala do seu próprio
bairro, das ruas que conhece, evitará mais tarde a quantidade de adultos que sabem decorar uma aula
de geografia, mas que são incapazes de interpretar um mapa para se orientar. Trata-se de um
investimento poderoso, tanto para tornar o ensino mais produtivo, capitalizando a motivação da criança
por entender as coisas que a cercam, como por permitir que mais tarde seja um adulto que conhece a
origem ou as tradições culturais que constituíram a sua cidade, os seus potenciais econômicos, os
desafios ambientais, o acerto ou irracionalidade da sua organização territorial, os seus desequilíbrios
sociais. Pessoas desinformadas não participam, e sem participação não há desenvolvimento. Trata-se de
fechar desde cedo a imensa brecha entre o conhecimento formal curricular e o mundo onde cada pessoa

7http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142007000200006&lng=en&nrm=iso&tlng=pt

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se desenvolve. Estas linhas são escritas por um economista, que na era da economia do conhecimento
se convenceu de que a economia não se basta a si mesma, de que uma articulação com o mundo que
ensina e difunde o conhecimento é essencial.

No município de Pintadas, na Bahia, pequeno município distante da modernidade do asfalto, todo ano
quase a metade dos homens viajava para o Sudeste para o corte de cana. A parceria de uma prefeita
dinâmica, de alguns produtores e de pessoas com visão das necessidades locais permitiu que os que
buscavam emprego em lugares distantes se voltassem para a construção do próprio município.
Começaram com uma parceria da Secretaria da Educação local com uma universidade de Salvador, para
elaborar um plano de saneamento básico da cidade, o que reduziu os custos de saúde, liberou terras e
verbas para a produção, e assim por diante. A geração de conhecimentos sobre a realidade local e a
promoção de uma atitude proativa para o desenvolvimento fazem parte evidente de uma educação que
pode se tornar no instrumento científico e pedagógico da transformação local.
A iniciativa partiu de uma prefeita eleita por uma rede de organizações sociais, portanto diretamente
vinculada às necessidades das comunidades. Em retribuição, o governador mandou fechar a única
agência bancária da cidade. A resposta da comunidade foi reativar uma cooperativa de crédito local,
passando a financiar localmente grande parte das iniciativas. E a educação nisso? Os promotores dessas
iniciativas deram-se conta de que Pintadas fica no semiárido, e que as crianças nunca tinham tido uma
aula sobre o semiárido, sobre as limitações e potencialidades da sua própria realidade. Hoje se ensina o
semiárido nas escolas de Pintadas. É natural que esse ensino, que permite às crianças a compreensão
da sua região, das dificuldades dos seus próprios pais nas diversas esferas profissionais, estimule as
crianças e prepare cidadãos que verão a educação como instrumento de transformação da própria
realidade.
Em Santa Catarina, sob orientação do falecido Jacó Anderle, foi desenvolvido o programa "Minha
Escola, Meu Lugar". Trata-se de uma orientação sistemática de inclusão da realidade local nos currículos
escolares, envolvendo a formação de professores - que, em geral, pela própria formação, também
desconhecem as suas regiões -, a elaboração de material didático, articulação dos currículos de diversas
disciplinas, e assim por diante.
A região de São Joaquim, no sul do Estado de Santa Catarina, era um local pobre, de pequenos
produtores sem perspectiva, e com os indicadores de desenvolvimento humano mais baixos do Estado.
Como outras regiões do país, São Joaquim e os municípios vizinhos esperavam que o desenvolvimento
"chegasse" de fora, sob forma de investimento de uma grande empresa, ou de um projeto do governo.
Há poucos anos, vários residentes da região decidiram que não iriam mais esperar, e optaram por uma
outra visão de solução dos seus problemas: enfrentá-los eles mesmos. Identificaram características
diferenciadas do clima local, que constataram ser excepcionalmente favorável à fruticultura.
Organizaram-se, e com os meios de que dispunham fizeram parcerias com instituições de pesquisa,
formaram cooperativas, abriram canais conjuntos de comercialização para não depender de
atravessadores, e hoje constituem uma das regiões que mais rapidamente se desenvolvem no país.
E não estão dependendo de uma grande corporação que de um dia para outro pode mudar de região:
dependem de si mesmos.
É importante pensar a dimensão educativa desses processos. Há tempos, com a recomendação do
Banco Mundial, promoveu-se o que se chamava na época de "educação para o desenvolvimento". A visão
restringia os currículos, centrando-os na formação de pessoas úteis para as empresas, em
conhecimentos tidos como mais "práticos". Hoje essa tendência se manifesta em grandes instituições
privadas, como a Phoenix, nos Estados Unidos, universidade de fins lucrativos, cotada em bolsa, que
eliminou visões humanistas e ensina o que caracteriza como marketable skills, ou seja, habilidades
comercializáveis. É ir contra a corrente, na linha da velha dicotomia entre teoria e prática.
Essa visão de que podemos ser donos da nossa própria transformação econômica e social, de que o
desenvolvimento não se espera, mas se faz, constitui uma das mudanças mais profundas que estão
ocorrendo no país. Tira-nos da atitude de espectadores críticos de um governo sempre insuficiente, ou
do pessimismo passivo. Devolve ao cidadão a compreensão de que pode tomar o seu destino em suas
mãos, conquanto haja uma dinâmica social local que facilite o processo, gerando sinergia entre diversos
esforços.
A ideia da educação para o desenvolvimento local está diretamente vinculada a essa compreensão e
à necessidade de se formarem pessoas que amanhã possam participar de forma ativa das iniciativas
capazes de transformar o seu entorno, de gerar dinâmicas construtivas. Hoje, quando se tenta promover
iniciativas desse tipo, constata-se que não só as crianças, mas mesmo os adultos desconhecem desde a
origem do nome da sua própria rua até os potenciais do subsolo da região onde se criaram. Para termos
cidadania ativa, temos de ter uma cidadania informada, e isso começa cedo. A educação não deve servir

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apenas como trampolim para uma pessoa escapar da sua região: deve dar-lhe os conhecimentos
necessários para ajudar a transformá-la.
Numa região da Itália, visitamos uma cidade onde o chão da praça central era um grande baixo-relevo
da própria cidade e das regiões vizinhas, permitindo às pessoas visualizar os prédios, as grandes vias de
comunicação, o desenho da bacia hidrográfica, e assim por diante. Entre outros usos, a praça é utilizada
pelos professores para discutir com as crianças a distribuição territorial das principais áreas econômicas,
mostrar-lhes como a poluição num ponto se espalha para o conjunto da cidade, e assim por diante. Há
cidades que elaboraram um Atlas local para que as crianças pudessem entender o seu espaço, outras
estão dinamizando a produção de indicadores para que os problemas locais se tornem mais
compreensíveis, e mais fáceis de ser incorporados ao currículo escolar. Os meios são numerosos e
variados, e os detalharemos no presente texto, mas o essencial é essa atitude de considerar que as
crianças podem e devem se apropriar, por meio de conhecimento organizado, do território onde são
chamadas a viver, e que a educação tem um papel central a desempenhar nesse plano.
Há uma dimensão pedagógica importante nesse enfoque. Ao estudarem de forma científica e
organizada a realidade que conhecem por vivência, mas de forma fragmentada, as crianças tendem a
assimilar melhor os próprios conceitos científicos, pois é a realidade delas que passa a adquirir sentido.
Ao estudarem, por exemplo, as dinâmicas migratórias que constituíram a própria cidade onde vivem, as
crianças tendem a encontrar cada uma a sua origem, segmentos de sua identidade, e passam a ver a
ciência como instrumento de compreensão da sua própria vida, da vida da sua família. A ciência passa a
ser apropriada, e não mais apenas uma obrigação escolar.

Globalização e Desenvolvimento Local

Quando consultamos a imprensa, ou até revistas técnicas, parece-nos que tudo está globalizado, só
se fala em globalização, no cassino financeiro mundial, nas corporações transnacionais. A globalização
é um fato indiscutível, diretamente ligado a transformações tecnológicas da atualidade e à concentração
mundial do poder econômico. Mas nem tudo foi globalizado. Quando olhamos dinâmicas simples, mas
essenciais para a nossa vida, encontramos o espaço local. Assim, a qualidade de vida no nosso bairro é
um problema local, envolvendo o asfaltamento, o sistema de drenagem, as infraestruturas do bairro.
Esse raciocínio pode ser estendido a inúmeras iniciativas, como a de São Joaquim aqui citada, mas
também a soluções práticas, como a decisão de Belo Horizonte de tirar os contratos da merenda escolar
da mão de grandes intermediários, contratando grupos locais de agricultura familiar para abastecer as
escolas, o que dinamizou o emprego e o fluxo econômico da cidade, além de melhorar sensivelmente a
qualidade da comida - foram incluídas cláusulas sobre agrotóxicos - e de promover a construção da capital
social. Dependem essencialmente da iniciativa local a qualidade da água, da saúde, do transporte
coletivo, bem como a riqueza ou pobreza da vida cultural. Enfim, grande parte do que constitui o que hoje
chamamos de qualidade de vida não depende muito - ainda que possa sofrer os seus impactos - da
globalização: depende da iniciativa local.
A importância crescente do desenvolvimento local encontra-se hoje em inúmeros estudos, do Banco
Mundial, das Nações Unidas, de pesquisadores universitários. Iniciativas como a que mencionamos antes
vêm sendo estudadas regularmente. O Programa Gestão Pública e Cidadania, por exemplo, desenvolvido
pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo, tem cerca de 7.500 experiências desse tipo cadastradas e
estudadas. O Cepam, que estuda a administração local no Estado de São Paulo, acompanha centenas
de experiências. O Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam) do Rio de Janeiro acompanha
experiências no Brasil inteiro, como é o caso de Instituto Pólis, da Fundação Banco do Brasil, que
promoveu a Rede de Tecnologias Sociais, e assim por diante.
É interessante constatar que quanto mais se desenvolve a globalização, mais as pessoas estão
resgatando o espaço local e buscando melhorar as condições de vida no seu entorno imediato. Naisbitt,
um pesquisador americano, chegou a chamar esse processo de duas vias, de globalização e de
localização, de "paradoxo global". Na realidade, a nossa cidadania se exerce em diversos níveis, mas é
no plano local que a participação pode se expressar de forma mais concreta.
A grande diferença, para municípios que tomaram as rédeas do próprio desenvolvimento, é que, em
vez de serem objetos passivos do processo de globalização, passaram a direcionar a sua inserção
segundo os seus interesses. Promover o desenvolvimento local não significa voltar as costas para os
processos mais amplos, incluindo os planetários: significa utilizar as diversas dimensões territoriais
segundo os interesses da comunidade.
Há municípios turísticos, por exemplo, onde um gigante do turismo industrial ocupa uma imensa parte
da orla marítima, joga a população ribeirinha para o interior e obtém lucros a partir da beleza natural da
região, na mesma proporção em que dela priva os seus habitantes. Outros municípios desenvolveram o

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turismo sustentável e aproveitam a tendência crescente da busca de lugares mais sossegados, com
pousadas simples mas em ambiente agradável, ajudando, e não desarticulando, as atividades
preexistentes, como a pesca artesanal, que aliás se torna um atrativo. Tanto o turismo de resorts como o
turismo sustentável participam do processo de globalização, mas na segunda opção há um
enriquecimento das comunidades, que continuam a ser donas do seu desenvolvimento.
Com o peso crescente das iniciativas locais, é natural que da educação se esperem não só
conhecimentos gerais, mas a compreensão de como os conhecimentos gerais se materializam em
possibilidades de ação no plano local.

Urbanização e Iniciativas Sociais

Boa parte da atitude passiva de "espera" do desenvolvimento se deve ao fato de a nossa urbanização
ainda ser muito recente. Nos anos 1950, éramos, como ordem de grandeza, dois terços de população
rural; hoje somos 82% de população urbana. A urbanização muda profundamente a forma de organização
da sociedade em torno às suas necessidades. Uma família no campo resolve individualmente os seus
próprios problemas de abastecimento de água, de lixo, de produção de hortifrutigranjeiros, de transporte.
Na cidade, não é viável cada um ter o seu poço, mesmo porque o adensamento da população provoca
a poluição dos lençóis freáticos pelas águas negras. O transporte é em grande parte coletivo, o
abastecimento depende de uma rua comercial, as casas têm de estar interligadas com redes de água,
esgotos, telefonia, eletricidade, frequentemente com cabos de fibras ópticas, sem falar da rede de ruas e
calçadas, de serviços coletivos de limpeza pública e de remoção de lixo, e assim por diante. A cidade é
um espaço no qual predomina o sistema de consumo coletivo em rede.
No espaço adensado urbano, as dinâmicas de colaboração passam a predominar. Não adianta uma
residência combater o mosquito da dengue se o vizinho não colabora. A poluição de um córrego vai afetar
toda a população que vive rio abaixo. Assim, enquanto a qualidade de vida da era rural dependia em
grande parte da iniciativa individual, na cidade passa a ser essencial a iniciativa social, que envolve muitas
pessoas e a participação informada de todos.
O próprio entorno rural passa cada vez mais a se articular com a área urbana, tanto por meio do
movimento de chácaras e lazer rural da população urbana como pelas atividades rurais que se
complementam com a cidade, como é o caso do abastecimento alimentar, das famílias rurais que
complementam a renda com trabalho urbano, ou da necessidade de serviços descentralizados de
educação e saúde. Gera-se assim um espaço articulado de complementaridades entre o campo e a
cidade. Onde antes havia a divisão nítida entre o "rural" e o "urbano" aparece o que tem sido chamado
de "urbano".
No território assim constituído, as pessoas passam a se identificar como comunidade, a administrar
conjuntamente problemas que são comuns. Esse "aprender a colaborar" se tornou suficientemente
importante para ser classificado como um capital, uma riqueza de cada comunidade, sob forma de capital
social. Em outros termos, se antigamente o enriquecimento e a qualidade de vida dependiam diretamente,
por exemplo, numa propriedade rural, do esforço da família, na cidade a qualidade de vida e o
desenvolvimento vão depender cada vez mais da capacidade inteligente de organização das
complementaridades, das sinergias no interesse comum.
É nesse plano que desponta a imensa riqueza da iniciativa local: como cada localidade é diferenciada,
segundo o seu grau de desenvolvimento, a região onde se situa, a cultura herdada, as atividades
predominantes na região, a disponibilidade de determinados recursos naturais, as soluções terão de ser
diferentes para cada uma. E só as pessoas que vivem na localidade, que a conhecem efetivamente, é
que sabem realmente quais são as necessidades mais prementes, os principais recursos subutilizados,
e assim por diante. Se elas não tomarem iniciativas, dificilmente alguém o fará para elas.
O Brasil possui quase 5.600 municípios. Não é viável o governo federal, ou mesmo o governo estadual,
conhecer todos os problemas de tantos lugares diferentes. E tampouco está na mão de algumas grandes
corporações resolver tantos assuntos, ainda que tivessem interesse. De certa forma, os municípios
formam os "blocos" com os quais se constrói o país, e cada bloco ou componente tem de se organizar de
forma adequada segundo as suas necessidades, para que o conjunto - o país - funcione.
Assim passamos de uma visão tradicional dicotômica, na qual ficava de um lado a iniciativa individual
e de outro a grande organização, estatal ou privada, para uma visão de iniciativas colaborativas no
território. As inúmeras organizações da sociedade civil organizada, as ONG, as organizações
comunitárias, os grupos de interesse, fazem parte dessa construção de uma sociedade que gradualmente
aprende a articular interesses que são diferenciados, mas nem por isso deixam de ter dimensões
complementares.

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A educação não pode se limitar a constituir para cada aluno um tipo de estoque básico de
conhecimentos. As pessoas que convivem num território têm de passar a conhecer os problemas comuns,
as alternativas, os potenciais. A escola passa, assim, a ser uma articuladora entre as necessidades do
desenvolvimento local e os conhecimentos correspondentes. Não se trata de uma diferenciação
discriminadora, do tipo "escola pobre para pobres": trata-se de uma educação mais emancipadora na
medida em que assegura à nova geração os instrumentos de intervenção sobre a realidade que é a sua.

Informação, Educação e Cidadania

A pesquisadora americana Hazel Henderson traz uma imagem interessante. Imaginemos um trânsito
atravancado numa região da cidade. Uma das soluções é deixar cada um se virar como pode, um tipo de
liberalismo exacerbado. O resultado será, provavelmente, que todos buscarão maximizar as suas
vantagens individuais, gerando um engarrafamento-monstro, pois a tendência é ocupar todos os espaços
vazios, e a maioria vai ter um comportamento semelhante. Outra solução é colocar guardas que irão
direcionar todo o fluxo de trânsito, de forma imperativa, a fim de desobstruir a região. A solução pode ser
mais interessante, mas não respeita as diferenças de opção ou mesmo de destino dos diversos
motoristas.
Uma terceira saída é deixar a opção ao cidadão, mas assegurar, por meio de rádio ou de painéis,
ampla informação sobre o local onde ocorre o engarrafamento, os tempos previstos de demora e as
opções. Esse tipo de decisão, democrática mas informada, permite o comportamento inteligente de cada
indivíduo, segundo os seus interesses e situação particular, e ao mesmo tempo o interesse comum.
Sempre haverá, naturalmente, um pouco de cada opção nas diversas formas de organizar o
desenvolvimento, mas o que nos interessa particularmente é a terceira opção, pois mostra que além do
"vale tudo" individual, ou da disciplina da "ordem", pode haver formas organizadas e inteligentes de ação
sem que seja preciso mandar nas pessoas, respeitando a sua liberdade. Em outros termos, um bom
conhecimento da realidade, sólidos sistemas de informação, transparência na sua divulgação podem
permitir iniciativas inteligentes por parte de todos.
Há algum tempo, a cidade de Porto Alegre colocou em mapas digitalizados todas as informações sobre
unidades econômicas da cidade, que estão registradas na Secretaria da Fazenda para obter o alvará de
funcionamento. Quando, por exemplo, um comerciante quer abrir uma farmácia, mostram-lhe o mapa de
distribuição das farmácias na cidade. Com isso, o comerciante localiza as áreas onde já há várias
farmácias, e onde há falta delas. Assim, com boa informação, o comerciante irá localizar a sua farmácia
onde há clientela que esteja precisando, servindo melhor os seus próprios interesses e prestando um
serviço socialmente mais útil.
Em outros termos, a coerência sistêmica de numerosas iniciativas de uma cidade, de um território
depende fortemente de uma cidadania informada. A tendência que temos hoje é que só alguns políticos
ou chefes econômicos locais dispõem da informação, e ditam o seu programa à cidade. Assim, a
democratização do conhecimento do território, das suas dinâmicas mais variadas é uma condição central
do desenvolvimento. E onde o cidadão vai colher conhecimento sobre a sua região se discussões sobre
a cidade só aparecem uma vez a cada quatro anos nos discursos eleitorais?
Um relatório recente do Instituto de Estudos Sócio-Econômicos (Inesc), uma ONG que trabalha sobre
o controle do dinheiro público, é nesse sentido interessante:
O fato de termos uma sociedade com baixo nível de escolaridade, constitui um desafio a mais, não só
para melhorar a escolaridade, mas para educar para a cidadania, para que os cidadãos saibam suas
responsabilidades e saibam cobrar dos seus legisladores e do poder público em geral, a transparência, a
decomposição dos números que não entendem. Apesar disso, e embora não haja uma cultura
disseminada do controle social na população, muitos cidadãos exercem o controle social com extrema
eficácia porque têm noção de prioridade e fazem comparações, em termos de resultados das políticas,
mesmo sem saber ler, e mesmo quando o próprio poder público tenta desqualificá-los, principalmente
quando se apontam irregularidades nos Conselhos. Quanto mais as informações são monopólio, ou
herméticas e confusas, menor é a capacidade de a sociedade participar e de influenciar o Estado, o que
acaba enfraquecendo a noção de democracia, que pode ser medida pelo fluxo, pela qualidade e
quantidade das informações que circulam na sociedade. O grande desafio é a transparência no sentido
do empoderamento, que significa encontrar instrumentos para que a população entenda o orçamento e
fiscalize o poder público.
O objetivo da educação não é desenvolver conceitos tradicionais de "educação cívica" com moralismos
que cheiram a mofo, mas permitir que os jovens tenham acesso aos dados básicos do contexto que
regerá as suas vidas. Entender o que acontece com o dinheiro público, quais são os indicadores de
mortalidade infantil, quem são os maiores poluidores da sua região, quais são os maiores potenciais de

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desenvolvimento - tudo isso é uma questão de elementar transparência social. Não se trata de privilegiar
o "prático" relativamente ao teórico, trata-se de dar um embasamento concreto à própria teoria.

Os Parceiros do Desenvolvimento Local

Uma educação que insira nas suas formas de educar uma maior compreensão da realidade local terá
de organizar parcerias com os diversos atores sociais que constroem a dinâmica local. Em particular, as
escolas, ou o sistema educacional local de forma geral, terão de articular-se com universidades locais ou
regionais para elaborar o material correspondente, organizar parcerias com ONG que trabalham com
dados locais, conhecer as diferentes organizações comunitárias, interagir com diversos setores de
atividades públicas, buscar o apoio de instituições do sistema S como Sebrae ou Senac, e assim por
diante.
O processo é de duplo sentido, pois, por um lado, leva a escola a formar pessoas com maior
compreensão das dinâmicas realmente existentes para os futuros profissionais, e, por outro, leva a que
essas dinâmicas penetrem o próprio sistema educacional, enriquecendo-o. Assim, os professores terão
maior contato com as diversas esferas de atividades, tornar-se-ão de certa maneira mediadores
científicos e pedagógicos de um território, de uma comunidade. A requalificação dos professores que isso
implica poderá ser muito rica, pois esses serão naturalmente levados a confrontar o que ensinam com as
realidades vividas, sendo de certa maneira colocados na mesma situação que os alunos, que escutam
as aulas e enfrentam a dificuldade em fazer a ponte entre o que é ensinado e a realidade concreta do seu
cotidiano.
O impacto em relação à motivação, para uns e outros, poderá ser grande, sobretudo para os alunos a
quem sempre se explica que "um dia" entenderão por que o que estudam é importante. O aluno que tiver
aprendido em termos históricos e geográficos como se desenvolveu a sua cidade, o seu bairro, terá maior
capacidade e interesse em contrastar esse desenvolvimento com o processo de urbanização de outras
regiões, de outros países, e compreenderá melhor os conceitos teóricos das dinâmicas demográficas em
geral.
Envolve ainda mudanças dos procedimentos pedagógicos, pois é diferente fazer os alunos anotarem
o que o professor diz sobre D. Carlota Joaquina, e organizar de maneira científica o conhecimento prático
mas fragmentado que existe na cabeça dos alunos. Em particular, seria natural organizar de forma regular
e não esporádica discussões que envolvam alunos, professores e profissionais de diversas áreas de
atividades, desde líderes comunitários a gerentes de banco, de sindicalistas a empresários, de
profissionais liberais e desempregados, apoiando esses contatos sistemáticos com material científico de
apoio.
Na sociedade do conhecimento para a qual evoluímos rapidamente, todos - e não só as instituições
de ensino - se defrontam com as dificuldades de se lidar com muito mais conhecimento e informação. As
empresas realizam regularmente programas de requalificação dos trabalhadores, e hoje trabalham com
o conceito de knowledge organization, ou de learning organizations, na linha da aprendizagem
permanente.
Acabou o tempo em que as pessoas primeiro estudam, depois trabalham, e depois se aposentam. A
relação com a informação e o conhecimento acompanha cada vez mais as pessoas durante toda a sua
vida. É um deslocamento profundo entre a cronologia da educação formal e a cronologia da vida
profissional.
Nesse sentido, todas as organizações, e não só as escolas, se tornaram instituições onde se aprende,
reconsideram-se os dados da realidade. A escola precisa estar articulada com esses diversos espaços
de aprendizagem para ser uma parceira das transformações necessárias.
Um exemplo interessante nos vem de Jacksonville, nos Estados Unidos. A cidade produz anualmente
um balanço de evolução da sua qualidade de vida, avaliando a saúde, a educação, a segurança, o
emprego, as atividades econômicas, e assim por diante. Esse relatório anual é produzido com a
participação dos mais variados parceiros e permite inserir o conhecimento científico da realidade no
cotidiano dos cidadãos. O mundo da educação tem por vocação ensinar a trabalhar de forma organizada
o conhecimento. Pode ficar fora de esforços desse tipo?
Aparecem como parceiros necessários as universidades regionais, as empresas, o sistema S, diversos
órgãos da prefeitura, as ONG ambientais, as organizações comunitárias, a mídia local, as representações
locais do IBGE, da Embrapa e de outros organismos de pesquisa e desenvolvimento. Enfim, há um mundo
de conhecimentos dispersos e subutilizados, que podem se tornar matéria-prima de um ensino
diferenciado.

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O que visamos é uma escola um pouco menos lecionadora, e um pouco mais articuladora dos diversos
espaços do conhecimento que existem em cada localidade, em cada região; e educar os alunos de forma
a que se sintam familiarizados e inseridos nessa realidade.

O Impacto das Tecnologias

É impressionante a solidão do professor ante a sua turma, com os seus cinquenta minutos e uma fatia
de conhecimento predefinida a transmitir. Alguns serão melhores, outros piores, para enfrentar esse
processo, mas no conjunto esse universo fatiado corresponde pouco à motivação dos alunos, e tornou-
se muito difícil para o professor, individualmente, modificar os procedimentos. Isso levou a uma situação
interessante, de um grande número de pessoas na área educacional querendo introduzir modificações,
ao mesmo tempo que pouco muda.
É um tipo de impotência institucional, em que uma engrenagem tem dificuldade de alterar algo, na
medida em que depende de outras engrenagens. A mudança sistêmica é sempre difícil. E sobretudo, as
soluções individuais não bastam.
Um dos paradoxos que enfrentamos é o contraste entre a profundidade das mudanças das tecnologias
do conhecimento e o pouco que mudaram os procedimentos pedagógicos. A maleabilidade dos
conhecimentos foi e está sendo profundamente revolucionada. Pondo de lado os diversos tipos de
exageros sobre a "inteligência artificial", ou as desconfianças naturais dos desinformados, a realidade é
que a informática, associada às telecomunicações, permite:
- Estocar de forma prática, em disquetes, em discos rígidos e em discos laser, ou simplesmente em
algum endereço da rede, gigantescos volumes de informação. Estamos falando de centenas de milhões
de unidades de informação que cabem no bolso, e do acesso universal a qualquer informação digitalizada;
- Trabalhar essa informação de forma inteligente, permitindo a formação de bancos de dados sociais
e individuais de uso simples e prático, e eliminando as rotinas burocráticas que tanto paralisam o trabalho
científico. Pesquisar dezenas de obras para saber quem disse o quê sobre um assunto particular,
"navegando" entre as mais diversas opiniões, torna-se uma tarefa extremamente simples;
- Transmitir de forma muito flexível a informação por meio da internet, de forma barata e precisa,
inaugurando uma nova era de comunicação de conhecimentos. Isso implica que, de qualquer sala de aula
ou residência, podem ser acessados dados de qualquer biblioteca do mundo, ou ainda, que um conjunto
de escolas pode transmitir informações científicas de uma para outra, ou de um conjunto de instituições
regionais em redes educacionais articuladas;
- Integrar a imagem fixa ou animada, o som e o texto de maneira muito simples, ultrapassando a
tradicional divisão entre a mensagem lida no livro, ouvida no rádio ou vista numa tela, envolvendo aliás a
possibilidade hoje de qualquer escola ter uma rádio comunitária, tornando-se um articulador local
poderoso no plano do conhecimento;
- Manejar os sistemas sem ser especialista: acabou-se o tempo em que o usuário tinha de aprender
uma "linguagem", ou simplesmente tinha que parar de pensar no problema do seu interesse científico
para pensar no como manejar o computador. A geração dos programas user-friendly, ou seja "amigos"
do usuário, torna o processo pouco mais complicado que o da aprendizagem do uso da máquina de
escrever, mas exige também uma mudança de atitudes ante o conhecimento de forma geral, mudança
cultural que, essa sim, é frequentemente complexa.
Trata-se aqui de dados muito conhecidos, e o que queremos notar, ao lembrá-los brevemente, é que
estamos perante um universo que se descortina com rapidez vertiginosa, e que será o universo do
cotidiano das pessoas que hoje formamos.
Somente agora, contudo, as pessoas começam a se dar conta de que o custo total de um equipamento
de primeira linha, com enorme capacidade de estocagem de dados, impressora, modem, escâner para
transporte direto de textos ou imagens do papel para a forma magnética, continua caindo regularmente.4
Há um potencial de democratização radical do apoio aos professores, e de nivelamento por cima do
conjunto do mundo educacional no país, que as tecnologias hoje permitem, e a luta por essa
democratização tornou-se essencial na mudança sistêmica, que ultrapassa o nível de iniciativa do
educador individual ou da escola isoladamente. Não há dúvida de que o educador frequentemente ainda
se debate com os problemas mais dramáticos e elementares. Mas a implicação prática que vemos, ante
a existência paralela desse atraso e da modernização, é que temos que trabalhar em "dois tempos",
fazendo o melhor possível no universo preterido que constitui a nossa educação, mas criando
rapidamente as condições para uma utilização "nossa" dos novos potenciais que surgem.
No plano da implantação local de tecnologias a serviço da educação, o exemplo de Piraí, pequena
cidade do Estado do Rio, é importante. O projeto, de iniciativa municipal, envolveu convênios com as
empresas que administram torres de retransmissão de sinal de TV e de telefonia celular, para instalação

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de equipamento de retransmissão de sinal de internet por rádio. Assim se assegura a cobertura de todo
o território municipal. A partir de alguns pontos de recepção, fez-se uma distribuição do sinal banda larga
por cabo, dando acesso a todas as escolas, instituições públicas, empresas.
Como a gestão do sistema é pública, utilizou-se a diferenciação de tarifas para que o lucro maior das
empresas cobrisse uma subvenção ao acesso domiciliar, e hoje qualquer família humilde pode ter acesso
banda larga em casa por R$ 35 por mês. Convênios de crédito com bancos oficiais permitem a compra
de equipamentos particulares com juros baixos. O resultado prático é que o conjunto do município "banha"
no espaço da internet, gerando uma produtividade sistêmica maior do esforço de todos, além de mudança
de atitudes de jovens, de maior facilidade de trabalho dos professores que têm possibilidade de acesso
em casa, e assim por diante.
O que temos hoje é uma rápida penetração das tecnologias, e uma lenta assimilação das implicações
que essas tecnologias trazem para a educação. Convivem, assim, dois sistemas pouco articulados, e
frequentemente vemos escolas que trancam computadores numa sala, o "laboratório", em vez de inserir
o seu uso em dinâmicas pedagógicas repensadas.

Educação e Gestão do Conhecimento

Com o risco de dizer o óbvio, mas visando à sistematização, podemos considerar que, em relação à
gestão do conhecimento, os novos pontos de referência, ou transformações mais significativas, seriam
os seguintes:
- É necessário repensar de forma mais dinâmica e com novos enfoques a questão do universo de
conhecimentos a trabalhar: ninguém mais pode aprender tudo, mesmo de uma área especializada; a
opção entre "cabeça bem cheia" ou "cabeça bem-feita" nos deixa poucas opções;
- Nesse universo de conhecimentos, assumem maior importância relativa as metodologias, o aprender
a "navegar", reduzindo-se ainda mais a concepção de "estoque" de conhecimentos a transmitir;
- Torna-se cada vez mais fluida a noção de área especializada de conhecimentos, ou de "carreira",
quando do engenheiro se exige cada vez mais uma compreensão da administração, quando qualquer
cientista social precisa de uma visão dos problemas econômicos, e assim por diante, devendo-se, aliás,
colocar em questão os corporativismos científicos;
- Aprofunda-se a transformação da cronologia do conhecimento: a visão do homem que primeiro
estuda, depois trabalha, e depois se aposenta torna-se cada vez mais anacrônica, e a complexidade das
diversas cronologias aumenta;
- Modifica-se profundamente a função do educando, em particular do adulto, que deve se tornar sujeito
da própria formação, ante a diferenciação e riqueza dos espaços de conhecimento nos quais deverá
participar;
- A luta pelo acesso aos espaços de conhecimento vincula-se ainda mais profundamente ao resgate
da cidadania, em particular para a maioria pobre da população, como parte integrante das condições de
vida e de trabalho;
- Finalmente, longe de tentar ignorar as transformações, ou de atuar de forma defensiva ante as novas
tecnologias, precisamos penetrar as dinâmicas para entender sob que forma os seus efeitos podem ser
invertidos, levando a um processo reequilibrador da sociedade, quando hoje tendem a reforçar as
polarizações e a desigualdade.
De forma geral, todas essas transformações tendem a nos atropelar, gerando frequentemente
resistências fortes, sentimentos de impotência, reações pouco articuladas. No conjunto, no entanto, há o
fato essencial de as novas tecnologias representarem uma oportunidade radical de democratização do
acesso ao conhecimento.
A palavra-chave é a conectividade. Uma vez feito o investimento inicial de acesso banda larga de uma
escola, ou de uma família, é a totalidade do conhecimento digitalizado do planeta que se torna acessível,
representando uma mudança radical, particularmente para pequenos municípios, para regiões isoladas,
e na realidade qualquer segmento relativamente pouco equipado, mesmo das metrópoles. Quando se
olha o que existe em geral nas bibliotecas escolares, e a pobreza das livrarias - centradas em livros de
autoajuda, volumes traduzidos sobre como ganhar dinheiro e fazer amigos, além de algumas bobagens
mais -, compreende-se a que ponto o aproveitamento adequado da conectividade pode tornar-se uma
forma radical de democratização do acesso ao conhecimento mais significativo.
Ao mesmo tempo, essa conectividade permite que mesmo pequenas organizações comunitárias,
ONG, pequenas empresas, núcleos de pesquisa relativamente isolados, podem articular-se em rede. O
problema de "ser grande" já está deixando de ser essencial, quando se é bem conectado, quando se
pertence a uma rede interativa.

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Em outros termos, a era do conhecimento exige muito mais conhecimento atualizado e inserido nos
significados locais e regionais, e ao mesmo tempo as tecnologias da informação e comunicação tornam
o acesso a esse conhecimento muito mais viável. A educação precisa, de certa forma, organizar essa
transição, e preparar as crianças para o mundo realmente existente.

O Desafio Educacional Local e os Conselhos Municipais

Um diretor de escola anda em geral assoberbado por problemas do cotidiano, com muita visão do
imediato, e pouco tempo para a visão mais ampla. O professor enfrenta a gestão da sala de aula, e
frequentemente está muito centrado na disciplina que ministra. Nesse sentido, o Conselho Municipal de
Educação, reunindo pessoas que ao mesmo tempo conhecem o seu município, o seu bairro e os
problemas mais amplos do desenvolvimento local, e a rede escolar da região, pode se tornar o núcleo
irradiador da construção do enriquecimento científico mais amplo do local e da região.
Essas visões implicam, sem dúvida, uma atitude criativa por parte dos conselheiros de educação. Um
documento endereçado ao Pró-Conselho ressalta o respaldo formal que essas iniciativas podem
encontrar:
Importa dizer que o Conselho desempenha importante papel na busca de uma inovação pedagógica
que valorize a profissão docente e incentive a criatividade. Por outro lado, ele pode ser um polo de
audiências, análises e estudos de políticas educacionais do seu sistema de ensino. Finalmente, importa
não se esquecer da fundamentação ética, legal de suas atribuições para se ganhar em legitimidade
perante a sociedade e os poderes públicos... Sob esses aspectos, o conselheiro será visto como um
gestor cuja natureza remete ao verbo gerar e gerar é produzir o novo: um novo desenho para a educação
municipal consoante os mais lídimos princípios democráticos e republicanos.
Outro documento, de Eliete Santiago, insiste no papel dos Conselhos Municipais de Educação como
"forma de participação da sociedade no controle social do Estado. Configura-se como um espaço para a
discussão efetiva da política educacional e consequentemente seu controle e avaliação propositiva.
Nesse caso, espera-se a afirmação do seu caráter deliberativo de modo a avançar cada vez mais em
relação à sua função consultiva". Isso envolve "a organização do espaço e do tempo escolar e do tempo
curricular com ênfase na sua distribuição, organização e uso, e os resultados de aprendizagens com
ênfase no conhecimento de experiências inovadoras".
No quadro do Ministério do Meio Ambiente, junto com o Ministério das Cidades, gerou-se o programa
"Municípios Educadores Sustentáveis", que também permite inserir nas escolas uma nova visão tanto do
estudo da problemática local como da responsabilização e do protagonismo infantil e juvenil relativamente
ao seu meio. Assim, por exemplo, as escolas podem contribuir para elaborar indicadores regionais e
sistemas de avaliação para o monitoramento e a avaliação da situação ambiental.
O Programa Municípios Educadores Sustentáveis propõe promover o diálogo entre os diversos setores
organizados, colegiados, com os projetos e ações desenvolvidos nos municípios, bacias hidrográficas e
regiões administrativas. Ao mesmo tempo, propõe dar-lhes um enfoque educativo, no qual cidadãs e
cidadãos passam a ser editores/educadores de conhecimento socioambiental, formando outros
editores/educadores, e multiplicando-se sucessivamente, de modo que o município se transforme em
educador para a sustentabilidade.
A responsabilidade escolar nesse processo é essencial, pois precisamos construir uma geração de
pessoas que entendam efetivamente o meio onde estão inseridas: o mesmo documento ressalta que
todos somos responsáveis pela construção de sociedades sustentáveis. Isso significa promover a
valorização do território e dos recursos locais (naturais, econômicos, humanos, institucionais e culturais),
que constituem o potencial local de melhoria da qualidade de vida para todos. É preciso conhecer melhor
este potencial, para chegar à modalidade de desenvolvimento sustentável adequada à situação local,
regional e planetária.
No município de Vicência, em Pernambuco, encontramos o seguinte relato: "Educação é a principal
condição para o desenvolvimento local sustentável. Nessa dimensão, a Secretaria de Educação do
Município implantou o projeto Escolas rurais, construindo o desenvolvimento local, com a perspectiva de
melhoria da qualidade do ensino e, consequentemente, a melhoria da qualidade de vida das comunidades
rurais".
O projeto permitiu "uma metodologia diferenciada que leva a uma contribuição para uma melhor
compreensão de um verdadeiro exercício de cidadania. O projeto tem como objetivo tornar a escola o
centro de produção de conhecimento, contribuindo para o desenvolvimento local".
São visões que vão se concretizando gradualmente, com experiências que buscam de forma
diferenciada, segundo as realidades locais e regionais, caminhos práticos que permitam dar à educação

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um papel mais amplo de irradiador de conhecimentos para o desenvolvimento local, formando uma nova
geração de pessoas conhecedoras dos desafios que terão de enfrentar.
Não há "cartilha" para esse tipo de procedimentos. Em alguns municípios, o problema central é de
água; em outros, é de infraestruturas; em outros, ainda, é de segurança ou de desemprego. Alguns podem
se apoiar numa empresa de visão aberta, outras se ligarão com universidades regionais. Há cidades com
prefeitos dispostos a ajudar no desenvolvimento integrado e sustentável; há outras em que a
compreensão do valor do conhecimento ainda é incipiente, e onde as autoridades acham que desenvolver
um município consiste em inaugurar obras. Cada realidade é diferente, e não há como escapar ao trabalho
criativo que cada conselho municipal deverá desenvolver.
Isso dito, apresentamos a seguir algumas sugestões, para servir de pontos de referência, baseadas
que estão no conhecimento de coisas que deram certo, e de outras que deram errado, visando não servir
de cartilha, mas de inspiração. Em termos bem práticos, a sugestão é que um Conselho Municipal de
Educação organize essas atividades em quatro linhas:
- Montar um núcleo de apoio e desenvolvimento da iniciativa de inserção da realidade local nas
atividades escolares.
- Organizar parcerias com os diversos atores locais passíveis de contribuir com o processo.
- Organizar ou desenvolver o conhecimento da realidade local, aproveitando a contribuição dos atores
sociais do local e da região.
- Organizar a inserção desse conhecimento no currículo e nas diversas atividades da escola e da
comunidade.
Montar um núcleo de apoio é essencial, pois, sem um grupo de pessoas dispostas a assegurar que a
iniciativa chegue aos resultados práticos, dificilmente haverá progresso. O Conselho poderá nomear um
grupo de conselheiros mais interessados, traçar uma primeira proposta, ou visão, e associar à iniciativa
alguns professores ou diretores de escola que queiram colocá-la em prática. É importante que haja um
coordenador e um cronograma mínimo.
Quanto aos atores locais, a visão a se trabalhar é de uma rede permanente de apoio. Muitas
instituições hoje têm na produção de conhecimento uma dimensão importante das suas atividades. Trata-
se, evidentemente, das faculdades ou universidades locais ou regionais, das empresas, das repartições
regionais do IBGE, de instituições como Embrapa, Emater e outras, de ONG que trabalham com
dimensões particulares da realidade, de organizações comunitárias.
O objetivo da rede não é de simplesmente recolher informação, na visão de um grande banco de
dados, mas de assegurar que seja disponibilizada, que circule entre os diversos atores sociais da região,
e sobretudo que permeie o ambiente escolar. Na cidade de Santos, por exemplo, foi criado um centro de
documentação da cidade, com dotação da prefeitura, mas dirigido por um colegiado que envolveu quatro
reitores, quatro representantes de organizações da sociedade civil e quatro representantes da prefeitura.
O objetivo era evitar que as informações sobre o município fossem "apropriadas" e transformadas em
informação "chapa branca", e garantir acesso e circulação.
A diversidade de soluções aqui é imensa, pois temos desde poderosos centros metropolitanos até
pequenos municípios rurais. O essencial é ter em conta que todos os atores sociais locais produzem
informação de alguma forma, e que essa informação organizada e disponibilizada torna-se valiosa para
todos. E para o sistema educacional local, em particular, torna-se fonte de estudo e aprendizagem.
Os municípios particularmente desprovidos de infraestruturas adequadas poderão fazer parcerias com
instituições científicas regionais e apresentar projetos de apoio a instâncias de nível mais elevado. Há
municípios que recorrem também a articulações intermunicipais, como é o caso dos consórcios, podendo
assim racionalizar os seus esforços.
Organizar o conhecimento local normalmente não envolve produzir informações novas. As diversas
secretarias produzem informação, bem como as empresas e outras entidades mencionadas.
Temos hoje também informação básica organizada por municípios no IBGE, no projeto correspondente
do Ipea/Pnud e outras instituições, com diversas metodologias, e pouco articuladas, mas que podem
servir de base. Essas informações hoje dispersas e fragmentadas deverão ser organizadas, e servir de
ponto de partida para uma série de estudos do município ou da região.
Há igualmente, mesmo para as regiões pouco estudadas, relatórios antigos de consultoria,
monografias nas universidades da região, relatos de viagem, estudos antropológicos e outros documentos
acumulados, hoje subaproveitados, mas que podem se tornar preciosos na visão de se gerar uma
compreensão, por parte da nova geração, da realidade em que vivem.
Sem recorrer a consultorias caras, é hoje bastante viável contratar o apoio metodológico para a
organização e sistematização dessas informações, a elaboração de material de ensino, de textos de apoio
para leitura, e assim por diante.

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A inserção do conhecimento local no currículo e nas atividades escolares implica uma inflexão
significativa relativamente à rotina escolar, mais afeita a cartilhas gerais rodadas no tempo. A dificuldade
central é de inserir na escola um conhecimento local que os professores ainda não têm. Nesse sentido,
parece razoável, enquanto se organiza a produção de material de apoio para os professores e alunos -
as diversas informações e estudos sobre a realidade local e regional -, ir gradualmente inserindo o estudo
da realidade local mediante um contato maior com a comunidade profissional local.
Há escolas hoje que realizam "trabalhos de campo" em que alunos de prancheta vão visitar uma cidade
ou um bairro. São atividades úteis, mas formais e pouco produtivas, quando não são acompanhadas da
construção sistemática do conhecimento da realidade regional. Qualquer cidade tem hoje líderes
comunitários que podem trazer a história oral do seu bairro ou da sua região de origem, empresários ou
técnicos de diversas áreas, gerentes de saúde ou mesmo de escolas que podem explicitar como se dão
na realidade as dificuldades de administrar as áreas sociais, agricultores ou agrônomos que conhecem
muito do solo local e das suas potencialidades, e assim por diante, artesãos que podem até atrair os
jovens para a aprendizagem, e assim por diante.
Uma dimensão importante da proposta é a possibilidade de mobilizar os alunos e professores nas
pesquisas do local e da região. Esse tipo de atividade assegura tanto a assimilação de conceitos como o
cruzamento de conhecimentos entre as diversas áreas, rearticulando informações que nas escolas são
segmentadas em disciplinas.
Em outros termos, é preciso "redescobrir" o manancial de conhecimentos que existe em cada região,
valorizá-lo e transmiti-lo de forma organizada para as gerações futuras. Conhecimentos técnicos são
importantes, mas têm de ser ancorados na realidade que as pessoas vivem, de maneira a serem
apreendidos na sua dimensão mais ampla.

FERREIRA, Gláucia de Melo (org.). Palavra de professor(a): tateios e reflexões na


prática Freinet. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2003.

A proposta desse livro é trazer ao leitor e à leitora as situações de dia-a-dia de uma escola, fazendo
isso a partir dos pontos de vista e das palavras das professoras e professores. Nosso desejo é dialogar,
contar "causos" do nosso cotidiano e compartilhar algumas de nossas reflexões, um pouco dos tateios
que fazemos ao praticar a Pedagogia Freinet. Para esse diálogo escolhemos um fio condutor, um eixo
central: relatar nossas vivências com as crianças e os adolescentes, enfocando os instrumentos da
Pedagogia Freinet. A escolha desse fio condutor aumenta a responsabilidade de explicitar nossa
compreensão de que a Pedagogia Freinet não é um conjunto de técnicas, um receituário a ser seguido.
Ao adotarmos esses instrumentos, as concepções de educação que os criaram se revelam, remetendo-
nos a novas reflexões. Por outro lado, ao falarmos desses instrumentos, a prática se desvela com mais
clareza, favorecendo um diálogo mais vivo com aqueles que nos lerão. Uma outra proposta da obra é a
de dar visibilidade à palavra de professoras e professores, que na sua prática cotidiana produzem
saberes. Acreditamos que este seja um passo na direção de realizar uma tarefa essencial: resgatar o
valor da nossa profissão diante da sociedade. Ao assumirmos a responsabilidade pelo ato de educar,
sem nos perdermos em sentimentos de culpa pelos males da educação, construímos respostas possíveis.
Sem ficarmos somente esperando as respostas e prescrições de outros especialistas, queremos propor
o diálogo, mostrando nossos tateios e reflexões. Com esse passo esperamos mostrar o que há, talvez,
de mais bonito na educação: seu estado constante de vir a ser, sua incompletude, como nos diria o
querido mestre Paulo Freire.

Pedagogia Freinetiana

Um Pouco sobre O Autor


Celèstin Freinet nasceu em outubro de 1896 na pequena vila de Gars, nos Alpes Franceses. Teve uma
infância e juventude rural, em meio às paisagens, modo de produção artesanal, comportamentos e valores
dos homens do campo do início do século. Suas próprias condições de vida vieram mais tarde a
influenciar sua pedagogia. A escola frequentada por Freinet não era equipada com materiais didáticos
nem possuía livros e manuais escolares. Bom aluno, Freinet foi enviado para uma cidade um pouco maior,
Grasse, para complementar seus estudos e preparar-se para o concurso de ingresso na Escola Normal
de Nice. Seu curso sofreu interrupção com o início da 1ª guerra mundial em 1914. Tão marcante foi esta
experiência que Freinet afirma: “Minha formação como professor não se fez só na Escola Normal, mas
também na guerra”.

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Neste período sofreu muito com o uso dos gases tóxicos, prejudicando para sempre a saúde de seus
pulmões, teve que dar baixa no exército, pois ficou muito doente e até sem esperança de cura, assim
encontrou o tempo e a ocasião para repensar em profundidade a sua obra pedagógica. Dedicou o melhor
do seu tempo nas atividades quotidianas, como por exemplo nas suas reflexões críticas. Foi nomeado
em 1920, professor adjunto numa escola rural dos Alpes Marítimos (Ban – sur – lamp). Não se limita a
ser um mero professor. Participa de estudos e pesquisas, viaja, debate, escreve artigos, sempre em busca
de práticas pedagógicas alternativas. Animado por Ferrière e pelos teóricos que já debatiam uma nova
concepção de infância, de escola e de educação e com as ideias da Escola Nova, Freinet constrói com
seus alunos não um corpo pedagógico teórico, mas práticas pedagógicas vivas em sua classe. Freinet
achava que a escola devia ser aberta à vida, ao meio humano, meio social e acabar com as antigas
relações entre mestre e aluno. Para ele a pedagogia só era válida se apoiasse as necessidades do aluno,
nos seus sentimentos, nas suas aspirações. Em 1927, as ideias e práticas de Freinet já haviam
extrapolado os limites de sua escola e de sua aldeia.
Freinet participa de um Congresso Internacional de Educação em Tours, publica o primeiro número da
Biblioteca de Trabalho, composto por brochuras escritas por seus alunos, publica também o Fichário
escolar cooperativo. Fica conhecendo Elise, uma artista plástica que começa a trabalhar como sua
ajudante. Depois, de algum tempo Célestin Freinet casa-se com Elise e escreve o livro “A Imprensa na
Escola”, cria também a revista “La Gerbe” (O Ramalhete) com vários poemas infantis. Funda também a
Cooperativa de Ensino Leigo e os dois vão trabalhar na cidade de Saint Paul. Começam a receber muitas
correspondências por causa das atividades desenvolvidas na Escola e na Cooperativa. Em 1932 o
movimento educacional iniciado por Freinet já se espalha pela Bélgica e Espanha. Suas ideias passam a
incomodar os conservadores franceses e Freinet é afastado da Escola de Saint Paul. Após esta ruptura
Freinet cria uma escola privada, a célebre Escola de Vence, construída a partir de 1934 com ajuda de
doações.
Aberta aos alunos em 1935, o Ministério da Educação recusa-se a reconhecê-la. Apesar disto, Freinet
trabalha arduamente criando o Conselho Cooperativo (gestão participativa), os jornais murais, a imprensa
escolar, as fichas autocorretivas, a correspondência escolar, os ateliers de arte, continuando suas aulas-
passeio, o Livro da Vida. Durante a segunda guerra mundial a escola é devastada, Célestin Freinet vai
preso e encaminhado ao campo de concentração de Var, lá ele fica seriamente doente, mas enquanto é
mantido preso dá aula para os seus companheiros. Sua esposa Elise Freinet luta pela sua libertação e
consegue. Logo após a sua liberdade Célestin Freinet se alia ao Movimento da Resistência Francesa.
Célestin Freinet cria o ICEM, na qual a cooperativa já reunia mais de 20 mil participantes. Depois da 2ª
Guerra Mundial, Freinet é acusado de espionagem, mas não é isso que lhe tira a confiança na pedagogia.
Apesar de ter tantos problemas, Freinet luta até à morte pelas suas ideias de pedagogia, morrendo a 8
de outubro de 1966 em Vence na França.

Filosofia Da Educação Freinetiana


Célestin Freinet (1896-1966), crítico da escola tradicional e das escolas novas, foi criador, na França,
do movimento da escola moderna. Seu objetivo básico era desenvolver uma escola popular. Na sua
concepção, a sociedade é plena de contradições que refletem os interesses antagônicos das classes
sociais que nela existem, sendo que tais contradições penetram em todos os aspectos da vida social,
inclusive na escola. Para ele, a relação direta do homem com o mundo físico e social é feita através do
trabalho (atividade coletiva) e liberdade é aquilo que decidimos em conjunto. Em suas concepções
educacionais dirige pesadas críticas à escola tradicional, que considera inimiga do “tatear experimental”,
fechada, contrária à descoberta, ao interesse e ao prazer da criança. Analisou de forma crítica o
autoritarismo da escola tradicional, expresso nas regras rígidas da organização do trabalho, no conteúdo
determinado de forma arbitrária, compartimentados e defasados em relação à realidade social e ao
progresso das ciências.
Mas, critica também as propostas da Escola Nova, particularmente Decroly e Montessori, questionando
seus métodos, pela definição de materiais, locais e condições especiais para a realização do trabalho
pedagógico. Para Freinet as mudanças necessárias e profundas na educação deveriam ser feitas pela
base, ou seja, pelos próprios professores. O movimento pedagógico fundado por ele caracteriza-se por
sua dimensão social, evidenciada pela defesa de uma escola centrada na criança, que é vista não como
um indivíduo isolado, mas, fazendo parte de uma comunidade. Atribui grande ênfase ao trabalho: a
atividade manual tem tanta importância quanto as intelectuais, a disciplina e a autoridade resultam do
trabalho organizado. Questiona as tarefas escolares (repetitivas e enfadonhas) opostas aos jogos
(atividades lúdicas, recreio), apontando como essa dualidade presente na escola, reproduz a dicotomia
trabalho/prazer, gerada pela sociedade capitalista industrial. A escola por ele concebida, é vista como

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elemento ativo de mudança social e é também popular por não marginalizar as crianças das classes
menos favorecidas.
Propõe o trabalho/jogo como atividade fundamental. Freinet elabora toda uma pedagogia, com
técnicas construídas com base na experimentação e documentação, que dão à criança instrumentos para
aprofundar seu conhecimento e desenvolver sua ação. “O desejo de conhecer mais e melhor nasceria de
uma situação de trabalho concreta e problematizadora. O trabalho de que trata aí não se limita ao manual,
pois o trabalho é um todo, como o homem é um todo. Embora adaptado à criança, o trabalho deve ser
uma atividade verdadeira e não um trabalho para brincar, assim como a organização escolar não deve
ser uma caricatura da sociedade” O trabalho de que trata aí não se limita ao manual, pois o trabalho é
um todo, como o homem é um todo. Embora adaptado à criança, o trabalho deve ser uma atividade
verdadeira e não um trabalho para brincar, assim como a organização escolar não deve ser uma
caricatura da sociedade”. Dá grande importância à participação e integração entre famílias/comunidade
e escola, defendendo o ponto de vista de que “se se respeita a palavra da criança, necessariamente há
mudanças”.

Técnicas Empregadas Na Pedagogia De Freinet


Freinet construiu com seus alunos diversas práticas pedagógicas que tinham como objetivo aproximar
a escola da vida.
As aulas-passeio atendiam a esta finalidade. Em vez de discutir temas desvinculados da vida da
comunidade, Freinet saía com seus alunos passeando pelas proximidades, fazendo observações e
descobertas sobre aspectos da natureza, da vida social, econômica e cultural da região.
Debates eram realizados e registrados no Livro da Vida. Não só os alunos tinham a oportunidade de
realizar observações sobre fatos relevantes, como conceitos e conteúdos se organizavam. Isto requeria
uma série de habilidades que iam sendo desenvolvidas: atenção, observação, análise, síntese,
capacidade de organização de ideias, poder de argumentação, habilidades de expressão oral e escrita.
Gradativamente Freinet criou a imprensa escolar. Esta criação possibilitou a construção de textos mais
próximos dos interesses dos alunos.
Através da imprensa escolar, os alunos elaboravam jornais cuja leitura era compartilhada por amigos
e familiares. A correspondência interescolar abriu ainda mais estas fronteiras. Os alunos enviavam fotos,
desenhos, cartas, jornais para colegas distantes. Foi assim que as crianças da montanha passaram a
conhecer o mar, a pesca e os costumes de comunidades que viviam em aldeias marítimas. E estes,
ficavam sabendo das colheitas, da vida dos pastores, dos tecelões, das histórias das comunidades do
interior.
Freinet desenvolveu a educação pelo trabalho. Seus alunos lidavam com impressoras, tipos de
impressão, com teares, ateliers de artes, com a horta e até com a organização de encanamentos que
levavam água da aldeia até a escola.
A livre expressão é muito valorizada na Pedagogia Freinet. Nos ateliers de arte os alunos tinham
oportunidade de exercitar a criatividade exprimindo seus sentimentos, suas emoções, suas impressões,
suas reflexões.
Os suportes para a livre expressão eram variados: a palavra oral e escrita, a música, a pintura, o teatro.
Freinet se utilizava de diferentes recursos: máquinas fotográficas, projetor de diapositivos, câmeras, toca-
discos.
Outra técnica criada por Freinet foram as fichas autocorretivas para trabalho individual. Seus alunos,
também, faziam trabalhos agrícolas, de marcenaria, de jardinagem e horta.
No centro da Pedagogia Freinet estavam os princípios da cooperação, solidariedade e autonomia.

São criações de Freinet:


- Aula-Passeio
- Biblioteca
- Cantos de Atividades
- Complexos de Interesse
- Correspondência Inter escolar
- Estudo do Meio
- Fichário Autocorretivo
- Fichário Escolar Cooperativo
- Imprensa na Escola
- Jornal Escolar
- Jornal Mural
- Livro da Vida

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- Planos de Trabalho
- Texto Livre

A Escola Centralizada Na Criança


A escola tradicional estava baseada na matéria a ensinar e nos programas que definiam esta matéria
hierarquizando-a. A escola do futuro girará à volta da criança, membro da comunidade.
“A própria criança constrói a sua personalidade com a nossa ajuda”. Trata-se de uma verdadeira
correção pedagógica racional, eficiente e humana, que deve permitir à criança enfrentar com o máximo
de realização, o seu destino de homem.
A criança deve ter a possibilidade de escolher o seu caminho consoante as suas aptidões, gostos e
necessidades.
A escola do futuro deverá preparar os jovens para uma vida profissional, enfim para a realidade que
as espera “lá fora”.

A Educação Pelo Trabalho


A educação pelo trabalho é mais do que uma vulgar educação pelo trabalho manual, mais do que uma
pré-aprendizagem prematura.
Ela é assente na tradição, mas prudentemente impregnada pela ciência e a mecânica contemporânea,
o ponto de partida de uma cultura cujo centro será o trabalho.
Essa ideia de educação pelo trabalho não significa que tenhamos que andar na escola, a tratar de
plantas, animais, a trabalhar de pedreiro e ferreiro.
Para muitos, essa concepção de trabalho é menosprezante, pois reservamos para os outros as tarefas
de pensamento.
O trabalho é um todo, pode haver um bom senso, inteligência. O homem através da especulação
filosófica constrói um muro.
O objetivo da educação pelo trabalho é essencialmente a integração do mesmo, evitar o mecanismo
que é embrutecedor, tentar restabelecer uma interdependência entre as diversas funções.
Por um lado, a atividade física, por outro a afetividade e o pensamento.

Objetivos Gerais
Impõe-se, portanto, uma readaptação da nossa escola pública a fim de oferecer às crianças do séc.
XX uma educação que responda às necessidades individuais, sociais, intelectuais, técnicas e morais da
vida do povo no tempo da eletricidade, da aviação, do cinema, da rádio…
A escola do povo não poderá existir sem a sociedade popular.
A escola nunca está na vanguarda do progresso social. Pode estar em teoria, o que nunca é suficiente,
mas na prática o seu desenvolvimento está demasiadamente condicionado pelo meio familiar, social e
político para que se possa conceber para ela uma hipotética libertação autônoma.
A escola, pelo contrário, acompanha, sempre com um atraso mais ou menos lamentável as conquistas
sociais.

Primeira Etapa Educativa


Trabalhar eficazmente graças a utensílios e a uma técnica apropriada para se instruir, se enriquecer,
se aperfeiçoar, subir e crescer.

Grandes Etapas Educativas


Consideramos:
1º O período de Pré-ensino, do nascimento até por volta dos dois anos.
2º As reservas de infância e os jardins de infância, dos dois aos quatro anos.
3º A escola maternal e infantil, dos quatro aos sete anos.
4º A escola primária, dos sete aos catorze anos.

Seus Prós e Contras


Vemos que Freinet considera a aquisição do conhecimento como fundamental, mas, essa aquisição
deve ser garantida de forma significativa.
Podemos afirmar que Freinet é um dos pedagogos contemporâneos que mais contribuições oferece
àqueles que atualmente estão preocupados com a construção de uma escola ativa, dinâmica,
historicamente inserida em um contexto social e cultural.
Logicamente em termos de nossa realidade atual, podemos levantar questionamentos a algumas de
suas concepções, tais como: uma visão otimista demais do poder de transformação exercido pela escola,

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a identificação da dimensão social aos fatores de classe, deixando de fora os aspectos discriminativos
relativos a questões de cor e sexo, da proposta do professor ser o “escriba” dos alunos, quando as
investigações mais atuais da psicolinguística nos levam para outra direção.

Turmas numerosas
Embora seja, desejável que o número de alunos das turmas não ultrapasse a média de 30 ou 35, não
é impossível trabalhar a Pedagogia Freinet em turmas com número mais elevado de alunos.
No seu tempo, Freinet também lidava com turmas numerosas e heterogêneas. Havia na mesma classe
alunos que sabiam ler, outros que ainda não sabiam, enfim, o tom daquela época eram turmas
multisseriadas, nas escolas rurais. Isto não impediu o bom trabalho desenvolvido por Freinet.
O pedagogo francês sabia como organizar seus alunos em grupos de acordo com seus interesses.
Havia momentos em que todos participavam das mesmas atividades e, em outros momentos, Freinet
dedicava atenção especial a pequenos grupos atendendo-os em sua especificidade.
O trabalho diversificado, o apoio dos colegas mais experientes aos outros com menos experiência, é
a tônica da Pedagogia Freinet.

A Avaliação
“Professores e pais, no entanto, apoiam essa prática porque nas atuais condições da escola, com
crianças que não tem desejo de trabalhar, as notas e as classificações são ainda o meio mais eficaz de
sancionar e estimular. Se bem que este meio tenha uma contrapartida sumamente perigosa: como se
trata de dar notas com um mínimo de erro, recorre-se, em Pedagogia, a tudo o que é mensurável. Um
exercício, um cálculo, um problema, a repetição de um curso, tudo isso pode supor, efetivamente, uma
nota aceitável. Mas a compreensão, as funções da inteligência, a criação, a invenção, o sentido artístico,
científico, histórico, não se podem mensurar. Ficam então reduzidos ao mínimo, na escola, e são abolidos
da competição”. (Célestin Freinet)
Célestin Freinet acreditava que a avaliação deveria ser contínua e significativa, ou seja, não deveria
existir apenas aquela semana de provas, como é a realidade (infelizmente) de muitas escolas. Os alunos
que frequentavam a escola de Freinet, assim como outros alunos da França, eram avaliados de tempos
em tempos por inspetores escolares. Na época, essa inspeção era muito rígida, porém, o resultado dos
seus alunos não poderia ser diferente. Como eram avaliados o tempo todo, eles não apresentavam
dificuldade alguma nos resultados que obtiam.
Para Célestin Freinet facilitar essa avaliação contínua e significativa, ele desenvolveu as fichas de
autocorreção. Cada aluno usando dessas fichas tem a chance de fazer sua própria correção, percebendo
exatamente onde errou e porque errou, no final desse processo o aluno estará se auto-avaliando. Essa
autocorreção deve ser complementada e concluída nos encontros semanais dirigidos pelo educador da
sala, é aberto espaço para discussão sobre as dificuldades e os avanços de cada um sobre cada tema
abordado durante as aulas.
Esse tipo de avaliação contínua e significativa, deve ser participativa e transparente, não sendo apenas
de responsabilidade do educador, mas de cada aluno, tornando-se assim responsável pelo se próprio
progresso.

Ser Humanista Segundo Freinet


Ser humanista na visão de Célestin Freinet, é a capacidade que todo educador tem de desenvolver
plenamente todas as capacidades da criança. Ele procurou aprimorar todas as suas atividades, tento
como concepção o bem-estar e a dignidade da criança como ser humano. Ele, foi muito além do que se
refere a valores ideológicos e até mesmo religiosos, levou em conta a “ética humana”. Muitas das palavras
ditas por Célestin Freinet ao longo da sua vida vem de encontro com a Declaração Universal dos Direitos
das Crianças da ONU.
Quem estuda a Pedagogia Freinet e trabalha com ela diariamente, percebe que se trata muito mais do
que uma simples “Proposta Pedagógica”, diria que é uma “Filosofia de Vida”. A criança é vista como um
ser autônomo, para qual é capacitada a escolher sobre orientação, quais as atividades a ser desenvolvida
segundo o seu próprio interesse. É vista também, como um ser racional, capaz de desde muito cedo a
opinar e criticar diante de fatos ou assuntos que lhe são expostos, é dado o direito e a oportunidade de
raciocinar sobre tudo aquilo que lhe é proposto, tudo passa a ser mais significativo. O livre arbítrio também
é respeitado entre as crianças, sendo respeitada nas suas escolhas e recusas, sempre analisando o
motivo de tal decisão.
Assim como no adulto, toda criança já possui dentro de si mesma uma consciência moral, cabe ao
educador ajudar a desenvolver e a aprimorar essa moral primitiva. Quem conhece o trabalho da
Pedagogia Freinet na prática, pode presenciar um dos direitos do ser humano ser respeitado e valorizado,

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que nada mais é, do que o direito de desenvolver a capacidade criativa e imaginativa que cada um de
nós temos dentro de si como seres humanos, geralmente as crianças que crescem sobre essa pedagogia
são mais criativas e ousadas do que outras, que são educadas sem terem os seus direitos humanos
respeitados.
Todo indivíduo é sócio-político, ou seja, tem a sua parte de responsabilidade na sociedade na qual
está inserida e consequentemente é envolvido politicamente mesmo não querendo. Célestin Freinet tinha
tanta consciência disso, que se envolveu em vários movimentos políticos e foi perseguido por isso, ele
como todo humanista lutava por uma igualdade universal, sempre voltada para a área da educação que
era o que realmente lhe interessava e preocupava mais. Em suas atividades, ele tentava ensinar aos seus
alunos a serem mais solidários através de cooperativas que criava dentro das escolas, ele também lutava
por uma educação democrática, onde todos tinham voz para opinar, tentava passar o significado de justiça
e acima de tudo, tentava ensinar aos seus alunos ser mais humanos.
Célestin Freinet tinha compromisso em ajudar a todos os indivíduos que necessitasse, quer estando
envolvidos dentro da escola ou não, ele se preocupava em aperfeiçoar e a desenvolver as potencialidades
de cada um, como ser humano. Sua proposta pedagógica é humanista e liberal, busca educar a criança
para ser um homem livre e crítico, apropriando-se da sua vida humana por completo, assimilando a cultura
em que vive e a cidadania, primordial para qualquer ser humano.
Um dos objetivos da educação na visão de Célestin Freinet, é o alcance da vida humana plena e
dignamente, apropriando-se da cultura e da cidadania. A educação humanista é democrática, pluralista,
aberta e crítica, acima de tudo é sensível e atenta às diferenças e necessidades culturais e até mesmo
individuais, e é nessa visão que todas as crianças são educadas na pedagogia freinetiana. Ele foi um
educador humanista contemporâneo, que tinha como uma de suas metas, humanizar seus alunos e seus
seguidores, Freinet tinha um espírito libertador intelectual, era autônomo moralmente e pluralista em seus
pensamentos, tentou em sua pedagogia libertar seus alunos da ignorância, do preconceito, do capricho,
da alienação e da falsa consciências, buscando assim, desenvolver as potencialidades humanas de cada
um.
De forma clássica e humanista, a perfeição humana deveria servir de modelo para regularizar a
educação e servir de ideal para todos os seres humanos, em especial os educadores. A educação
humanista é formadora de pessoas livres, construtores de um juízo sólido e de nobre caráter em seus
alunos, para Célestin Freinet nenhum homem pode ser considerado educador se não for fiel as suas
tradições, sendo crítico e liberal. Na sua pedagogia é necessário se praticar as virtudes enobrecendo o
homem e a sabedoria humana, o exercício das faculdades naturais, a espontaneidade, o interesse pelas
coisas naturais, fazem parte da filosofia embutida na pedagogia de Célestin Freinet, a autenticidade
pessoal, a auto-realização e o ambiente democrático que é construído, também fazem parte da sua
filosofia.
Isso tudo, faz parte do processo de crescimento do jovem-humano como ser realizador e conquistador,
é o lado romântico intrínseco na forma de educação humanista. Célestin Freinet foi atento, como todo
humanista e educador, a natureza interior de cada um de seus alunos, e criou meios para que tal natureza
desabrocha-se de forma saudável e plena. E é assim que seus seguidores pensam e tentam agir com
seus educandos.
Célestin Freinet respeitava a essência do homem como ser livre e pensante, cabe a seus seguidores
definirem e a criarem situações para tal desenvolvimento de cada ser humano, tentando criar verdadeiros
autores, e portanto, assim responsáveis. Os alunos, nessa visão na qual são educados não são obrigados
a aceitar as verdades alheias, mas cabe sim a eles a opção de escolha, dando lhes oportunidades de
criarem suas próprias identidades e traçarem os seus projetos de vida.
Muitos fatos da vida cotidiana afetam direta e indiretamente o desenvolvimento emocional, intelectual,
moral e até mesmo físico das crianças, portanto, não se pode negar a relação existente entre a política e
a educação. Para que ambas caminhem juntas e bem, seria necessário que a pedagogia se tornasse
mais política e que a política se tornasse mais pedagógica, Célestin Freinet tinha esse pensamento
também. Assim sendo, todos os educadores deveriam passar a ter uma visão emancipada sobre todos
os problemas socioculturais, transmitindo e criando oportunidades para que seus alunos estejam
capacitados criticamente, tento consciência e autocontrole de suas próprias vidas.
Todos os educadores devem lutar coletivamente, assim como Freinet fez na sua época, agindo como
sujeitos transformadores, fazendo das escolas um local democrático, com objetivo de ensinar suas
crianças a respeito do que é viver em uma sociedade justa como ser humano, independente de sua raça,
classe, sexo ou idade. Há apenas uma preocupação para a educação humanista de Célestin Freinet, e
esta preocupação é a de viver a vida em todas as suas manifestações. Um dos primordes do educador
humanista Freinet, nada mais é do que orientar e capacitar seus alunos como indivíduos capazes de
levarem uma vida completa e intensa, tendo envolvimentos políticos e uma boa conduta moral, com

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sensibilidade para apreciar o que é belo tanto na natureza quanto na arte, além de se preocupar em
formar pessoas íntegras e com conhecimento geral, ele também achava necessário se transmitir como
se deve utilizar desses conhecimentos.
As crianças educadas na Pedagogia de Célestin Freinet, não tem problemas de integração, quer seja
em pequenos grupos ou em grandes comunidades; apesar disso tudo elas possuem um senso de
individualidade bastante apurado, de autonomia e são bastante autênticas, os educadores humanistas
são vistos pelos seus alunos como um exemplo de vida. Deve-se criar um clima na escola de confiança,
diálogo, respeito, tolerância, zelo, liberdade, compromisso e responsabilidade, se algum desses
ingredientes vier a faltar, de nada adiantará os ensinamentos deixados pelo nosso saudoso Célestin
Freinet.

Jean Piaget Fala De Célestin Freinet


(Texto de Jean Piaget, retirado do livro “Psicologia e Pedagogia”, Rio de Janeiro, Editora Forense,
1985).
Quanto às iniciativas individuais de mestres de escola particularmente inventivos ou devotados à
infância e que encontram por meio da inteligência do coração os processos mais adaptados à inteligência
propriamente dita (como outrora Pestalozzi), poder-se-ia citar um grande número nos países mais
diversos de língua francesa, alemã (um esforço considerável foi realizado na Alemanha e na Áustria
depois da queda do nazismo), italiana, inglesa etc. Entretanto, limitar-nos-emos, como exemplo do que
pode ser feito com os modestos meios e sem nenhum incentivo particular por parte dos ministérios
responsáveis, a lembrar a notável obra realizada por Freinet, que se espalhou às mais diversas regiões
francófonas, entre as quais inclui o Canadá francês.
Sem cuidar muito da psicologia da criança e movido sobretudo pelas preocupações sociais (mas
guardando a devida distância frente às doutrinas que põem mais em evidência a transmissão pelo mestre,
de que falamos acima), Freinet interessou-se mais em fazer da escola um centro de atividades
permanecendo em comunicação com as da coletividade ambiente.
Sua célebre ideia da imprensa escolar constitui a esse respeito uma ilustração particular entre outras,
mas especialmente instrutiva, porque é evidente que uma criança que imprime pequenos textos chegará
a ler, a escrever e a ortografar de uma maneira bem diferente do que se não possuísse qualquer ideia
sobre a fabricação dos documentos impressos de que se serviu. Sem querer visar explicitamente o
objetivo de uma educação da inteligência e de uma aquisição dos conhecimentos gerais pela ação,
Freinet atingiu, portanto, esses objetivos constantes da escola ativa ao pensar principalmente no
desenvolvimento dos interesses e na formação social da criança.
E sem ostentar teorias, ele conseguiu juntar as duas verdades mais centrais, sem qualquer dúvida, da
psicologia das funções cognitivas: que o desenvolvimento das operações intelectuais provém da ação
efetiva no sentido mais completo (isto é, inclusive dos interesses, o que não quer dizer, de modo algum,
que sejam exclusivamente utilitários), porque a lógica é, antes de tudo, e expressão da coordenação geral
das ações; e que esta coordenação geral das ações; e que esta coordenação interindividual dos atos e
sua coordenação intra-individual constituem um único e mesmo processo, sendo as operações do
indivíduo socializadas todas elas, e consistindo a cooperação no sentido mais estrito em tornar comuns
as operações de cada um.

FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 2010.

Telma Weisz, ao escrever o prefácio do livro de Emília Ferreiro, afirma que o mesmo não traz para o
leitor nenhum novo método, nem novos testes, nada que se pareça com uma solução pronta. Porém, a
autora (Ferreiro) oferece ideias a partir das quais é possível repensar a prática escolar da alfabetização,
por meio dos resultados obtidos em suas pesquisas científicas.
Emília Ferreiro, Doutora pela universidade de Genebra, teve o privilégio de ter sido orientanda e
colaboradora de Jean Piaget. Ferreiro realizou suas pesquisas sobre alfabetização, principalmente, na
Argentina, país onde nasceu e também no México. Anteriormente às pesquisas de Ferreiro, a crença
implícita quanto à questão de alfabetização era de que tal processo começava e acabava na sala de aula
e que a aplicação do método correto garantia ao professor o controle do processo de alfabetização dos
alunos. Na medida em que um número maior de alunos passou a ter acesso a educação, ampliou-se
também o número do fracasso escolar. Na ausência de instrumentos para repensar a prática falida e os
fracassos escolares, passou-se a buscar os culpados: os alunos, a escola e os professores. Tal momento

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promoveu uma revolução conceitual, principalmente no que se refere à alfabetização. As pesquisas de
Ferreiro e de seus colaboradores romperam o imobilismo lamuriento e acusatório, impulsionando um
esforço coletivo na busca novos caminhos para que o educador rompa o círculo vicioso da reprodução
do analfabetismo.

Apresentação (Por Emília Ferreiro)


Ferreiro afirma que o livro apresenta quatro trabalhos produzidos em momentos diferentes, porém
dentro da mesma linha de preocupação que é o de contribuir para uma reflexão sobre a intervenção
educativa alfabetizadora, a partir de novos dados oriundos das investigações sobre a psicogênese da
escrita na criança. Suas investigações evidenciam que o processo de alfabetização nada tem de
mecânico, do ponto de vista da criança que aprende. Destaca que a criança desempenha um papel ativo
na busca da compreensão desse objeto social, complexo, que é a escrita.

Capítulo 1 - A representação da linguagem e o processo de alfabetização


Ferreiro destaca que, tradicionalmente, a alfabetização é considerada em função da relação entre o
método utilizado e o estado de 'maturidade' ou de 'prontidão' da criança. Os dois polos do processo de
aprendizagem - quem ensina e quem aprende - têm sido considerados sem levar em consideração o
terceiro elemento da relação que é a natureza do objeto de conhecimento envolvendo esta aprendizagem.
A partir desta constatação, a autora aborda de que maneira este objeto de conhecimento intervém no
processo utilizando uma relação tríade: de um lado, o sistema de representação alfabética da linguagem
com suas características específicas: por outro lado as concepções de quem aprende (crianças) e as
concepções dos que ensinam (professores), sobre este objeto de conhecimento.

1. A Escrita como Sistema de Representação. A escrita pode ser considerada como uma
representação da linguagem ou como um código de transcrição gráfica das unidades sonoras. A autora
destaca que a invenção da escrita foi um processo histórico de construção de um sistema de
representação e não um sistema de codificação. Dessa forma, se considerarmos o sistema de
representação do número e o sistema de representação da linguagem, no início da escolarização, as
dificuldades que as crianças enfrentam são dificuldades conceituais semelhantes às da construção do
sistema e por isso pode-se afirmar que, em ambos os casos, a criança reinventa esses sistemas, ou seja,
para poderem se servir desses elementos como elementos de um sistema, as crianças devem
compreender seu processo de construção e suas regras de produção, o que coloca o problema
epistemológico fundamental: qual é a natureza da relação entre o real e a sua representação. A partir dos
trabalhos de Saussure já concebemos o signo linguístico como a união indissolúvel de um significante
com um significado. É o caráter bifásico do signo linguístico, a natureza complexa que ele tem e a relação
de referência o que está em jogo. As escritas do tipo alfabético, e mesmo as silábicas, poderiam ser
caracterizadas como sistemas de representação cujo intuito é representar as diferenças entre os
significantes; enquanto que as escritas do tipo ideográfico poderiam representar diferenças nos
significados. Se concebermos a escrita como um código de transcrição do sonoro para o gráfico
privilegiando-se o significante (grafia) dissociado do significado, destruímos o signo linguístico por
privilegiamos a técnica e a mecanização. Se concebermos aprendera língua escrita como a compreensão
da construção de um sistema de representação em que a grafia das palavras e seu significado estão
associados, (apropriação de um novo objeto de conhecimento) estaremos realizando uma aprendizagem
conceitual.

2 - As concepções das crianças a respeito do sistema de escrita. A criança realiza explorações para
compreender a natureza da escrita e isto pode ser observado através das suas produções espontâneas,
que são valiosos documentos que precisam ser interpretados para poder ser avaliados. As escritas
infantis têm sido consideradas como garatujas e 'puro jogo'. Aprender a lê-las, ou seja, interpretá-las é
um aprendizado que requer uma atitude teórica definida. Nas práticas escolares tradicionais, há uma
concepção de que a criança só aprende quando submetida a um ensino repetitivo. No entanto, elas
ignoram que devem pedir permissão para começar a aprender. Saber algo a respeito de certo objeto não
significa saber algo socialmente aceito como 'conhecimento'. 'Saber' significa ter construído alguma
concepção que explica certo conjunto de fenômenos ou de objetos da realidade. Ferreiro, analisando as
produções espontâneas das crianças, através de suas pesquisas confirmou que as mesmas possuem
hipótese / ideias / teorias sobre a escrita, apresentando uma evolução psicogenética. As primeiras escritas
infantis aparecem, do ponto de vista gráfico, como linhas onduladas ou quebradas, contínuas ou
fragmentadas, ou como uma série de elementos discretos repetidos. A aparência gráfica não é garantia
de escrita, a menos que se conheçam as condições de produção. No referencial tradicional, as

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professoras prestam atenção nos aspectos gráficos das produções das crianças, ignorando os aspectos
construtivos. Do ponto de vista construtivo, a escrita infantil segue uma linha de evolução
surpreendentemente regular e podem ser distinguidos três grandes períodos no interior dos quais cabem
múltiplas subdivisões. Para executar suas ideias (em seus escritos) a criança:
a) Faz distinção entre a modo de representação icônico (figurativo) e não icônico (não-figurativo).
b) Constrói formas de diferenciação; faz diferenciação intrafigural que consistem no estabelecimento
de propriedades que um texto deve possuir para poder ser interpretável. Os critérios intrafigurais se
expressam sobre o eixo quantitativo (mínimo de três letras) e sobre o eixo qualitativo (variação de
caracteres); faz a diferenciação interfigurais que é a criação de modos sistemáticos de diferenciação entre
uma escrita e a seguinte, para garantir a diferença de interpretação que será atribuída,
c) Desvela a fonetização da escrita (descobre a relação som / grafia), começa com o período silábico
e culmina no período alfabético. Ferreiro, analisando a evolução da escrita infantil reconhece quatro
períodos, que denomina como: período pré-silábico, período silábico, período silábico-alfabético e período
alfabético.

Período Pré-Silábico: As crianças escrevem sem estabelecer qualquer correspondência entre a pauta
sonora da palavra e a representação escrita. Escreve coisas diferentes apesar da identidade objetiva das
escritas e relaciona a escrita com o objetivo referente (Ex. coloca mais letras na palavra "elefante” do que
na palavra borboleta - Realismo Nominal).

Capítulo 2 - As concepções sobre a língua subjacente à prática docente


As discussões sobre a prática alfabetizadora têm se centrado sobre os métodos utilizados: analíticos
versus sintéticos; fonético versus global, etc. Nenhuma dessas discussões levou em conta as concepções
das crianças sobre o sistema de escrita. A nossa compreensão dos problemas, tal como as crianças os
colocam e da sequência de soluções que elas consideram aceitáveis, é, sem dúvida, essencial para um
tipo de intervenção adequada á natureza do processo real da aprendizagem. Reduzir esta intervenção ao
método utilizado é limitar nossa indagação. É útil se perguntar por meio de que tipos de práticas a criança
é introduzida na linguagem escrita e como se apresenta este objetivo no contexto escolar?
Há práticas que levam as crianças a supor que o conhecimento é algo que os outros possuem e que
só pode obter da boca dos outros, sem participar dessa construção; há práticas que levam a pensar que
"o que existe para se conhecer" é um conjunto, estabelecido de coisas, fechado, sagrado, imutável e não
modificável. Há práticas que levam a criança a ficar de "fora" do conhecimento, como espectador ou
receptor mecânico, sem nunca encontrar respostas aos porquês. Nenhuma prática pedagógica é neutra
e estão apoiadas nas concepções do processo ensino e aprendizagem, bem como o objeto dessa
aprendizagem. São essas práticas e não os métodos, que têm efeitos no domínio da língua escrita ou em
outros conhecimentos.
A reflexão psicopedagógica necessita se apoiar em uma reflexão epistemológica. A autora destaca
que das suas diferentes experiências com profissionais de ensino aparecem três dificuldades conceituais
iniciais que necessitam ser esclarecidas:
a) A visão adultocêntrica (adulto já alfabetizado);
b) Confusão entre escrever e desenhar letras;
c) E a redução do conhecimento do leitor ao conhecimento das letras e seu valor convencional.

Esclarecendo essas dificuldades iniciais, é possível realizar a análise das concepções sobre a língua
escrita subjacentes a algumas dessas práticas:
a) As polêmicas sobre a ordem em que devam ser introduzidas as atividades de leitura e as de escrita.
b) Decisões metodológicas: a forma de se apresentar as letras individuais bem como a ordem de
apresentação de letras e de palavras, o que implica uma sequência do “fácil" ou "difícil".

A autora descreve as experiências pedagógicas realizadas por Ana Teberosky, em Barcelona,


baseada em três ideias simples, porém fundamentais:
a) Deixar entrar e sair para buscar informação extraescolar disponível, com todas as consequências
disso;
b) O professor não é mais o único que sabe ler e escrever na sala de aula; todos podem ler e escrever,
cada um ao seu nível;
c) As crianças não alfabetizadas contribuem na própria alfabetização e na dos companheiros quando
a discussão a respeito da representação escrita de linguagem se torna prática escolar.

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Conclusão
É importante ter claro que as mudanças necessárias para enfrentar sobre bases novas a alfabetização
integral não se resolvem com um novo método de ensino; nem com novos testes de prontidão; nem com
novos materiais didáticos. Segundo Ferreiro, é preciso mudar os pontos por onde nós fazemos passar o
eixo central das nossas discussões. Para ela, temos uma imagem empobrecida da língua escrita e uma
imagem empobrecida de criança que aprende, um novo método não resolve os problemas. É preciso
reanalisar as práticas de introdução da língua escrita. Ferreiro acredita ter chegado a momento de se
fazer uma revolução conceitual a respeito da alfabetização.

Capítulo 3 - A compreensão do sistema de escrita: construções originais da criança e


informação específica dos adultos

Escrito por Emília Ferreiro e Ana Teberosky. A leitura e a escrita, há muito são consideradas como
objeto de uma instrução sistemática e cuja aprendizagem, suporia o exercício de uma série de habilidades
específicas. Muitos trabalhos de psicólogos e educadores têm se orientado neste sentido. As autoras
realizaram pesquisas sobre os processos de compreensão da linguagem escrita e abandonaram estas
ideias, pois, para elas, as atividades de interpretação e de produção da escrita começam antes da
escolarização como parte da atividade da idade pré-escolar. Essa aprendizagem se insere em um sistema
de concepções previamente elaboradas e não pode ser reduzida a um conjunto de técnicas perceptivo-
motoras. A escrita não é um produto escolar, mas sim um objeto cultural que cumpre diversas funções e
tem meios concretos de existência especialmente nas concentrações urbanas.

1. Construções Originais das Crianças. Por meio de diferentes situações experimentais, as autoras
obtiveram dentre os resultados o seguinte:
- aproximadamente aos quatro anos, as crianças possuem sólidos critérios para admitir que uma marca
gráfica possa ou não ser lida;
- o primeiro critério é a de fazer uma dicotomia entre o "figurativo", por um lado, e o "não-figurativo",
pelo outro (icônico e não-icônico). Surge o critério de "quantidade" mínima de caracteres: ambos são
construções próprias das crianças.

2. Informações Específicas. No desenvolvimento da linguagem existe uma série de concepções que


não podem ser atribuídas a uma influência direta do meio, (a escrita em sua existência material). São
concepções acerca das propriedades estruturais e do modo de funcionamento de certo objeto. Ao
contrário, existem conhecimentos específicos sobre a linguagem escrita que só podem ser adquiridos por
meio de outros (leitores adultos ou crianças maiores). A criança que cresce em meio "letrado" está
exposta a interações, se vê continuamente envolvida, como agente e observador no mundo "letrado". Os
adultos lhes dão a possibilidade de comportar-se como leitor, antes de sê-lo, aprendendo precocemente
o essencial das práticas sociais ligadas à escrita.

3. Algumas Implicações Pedagógicas. A dimensão das questões pode suscitar de imediato uma
pergunta: se a compreensão da escrita começa a se desenvolver antes de ser ensinada, qual é o papel,
principalmente dos professores no que tange à aprendizagem? E a escola? A transformação desta prática
é difícil, mas a Escola pode cumprir um papel importante e insubstituível, ajudando as crianças,
especialmente as filhas de pais analfabetos ou semianalfabetos. O professor é quem pode minorar esta
carência, adaptando o seu ponto de vista ao da criança. Alguns aspectos sobre os quais os professores
deveriam estar atentos:
a) Se a escrita remete de maneira óbvia e natural à linguagem, estaremos supervalorizando as
capacidades da criança que pode estar longe de ter descoberta sua natureza fonética.
b) Em contrapartida, poderíamos menosprezar seus conhecimentos ao trabalhar exclusivamente com
base na escrita, como cópia e sonorização dos grafemas.
c) Não desvalorizar seus esforços para compreender as leis do sistema tratando suas produções como
rabiscos.
d) Avaliar tendo em vista os processos e intenções e não apenas como certo ou errado, do ponto de
vista ortográfico.
e) Ênfase na produção de traçado reduz a escrita a um objeto 'em si', de natureza exclusivamente
gráfica.
f) Os problemas que a criança enfrenta em sua evolução não estão sujeitos á qualificativos em termos
de "simples" ou "complexos". São os problemas que ela pode resolver de forma coerente e não aleatória.

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g) Finalmente, se só nos dirigirmos às crianças que compartilhem alguns de nossos conhecimentos
deixaremos dei lado uma grande parte da população infantil estacionada em níveis anteriores a esta
evolução condenando-a ao fracasso.

5. Processos de Aquisição da Língua Escrita no Contexto Escolar.


Estamos acostumados a considerar a aprendizagem da leitura e da escrita como um processo de
aprendizagem escolar (controle sistemático), que há grande dificuldade em considerar que o
desenvolvimento da leitura / escrita acontece antes da escolarização. As crianças ignoram este controle
e desde que nascem estão construindo objetos complexos de conhecimento e o sistema de escrita é um
deles. A construção de um objeto de conhecimento é muito mais que uma coleção de informações. Implica
a construção de um esquema conceitual, que permite interpretar dados prévios e novos dados, isto é,
que possa receber informação e transformá-la em conhecimentos; um esquema conceitual que permita
processos de interferência acerca das propriedades não-observáveis de um determinado objeto e a
construção de novos observáveis, na base do que se antecipou e do que foi verificado. O propósito de
controlar o processo de aprendizagem supõe que os procedimentos de ensino determinam os passos na
progressão da aprendizagem. Ferreiro adverte que os estudos de Piaget nos obrigaram a reconhecer a
importância de considerar os processos da criança no desenvolvimento cognitivo, obrigando-nos a
abandonar o ponto de vista do adultocentrismo. A pesquisa de Ferreiro, além da análise qualitativa,
apresenta dados quantitativos procurando evidenciar que não se está referindo a uma minoria de
crianças.

Projeto de Pesquisa na Diretoria Geral de Educação Espacial-Ministério de Educação do México


- 1980-1982.

Objetivo Principal Prático - conhecer e descrever o processo de aprendizagem que ocorre nas
crianças antes de serem rotuladas como "crianças que fracassam".
Objetivo Teórico - saber se as crianças que ingressam no 1°. Grau em níveis pré-alfabéticos de
concepção leitura/escrita, seguirão com a mesma progressão evidenciada por outras crianças antes de
entrarem para a escola, a despeito do fato dos métodos e procedimentos de ensino procurarem conduzi-
los diretamente ao sistema alfabético da escrita.
População Alvo - (crianças repetentes ou evadidas) de três cidades (México - centro, Monterrey –
norte e Mérida - sul) - 71 escolas - índice maior de "fracassos" e 159 classes de 1ª série que entravam
pela primeira vez na escola.
Amostra - 959 crianças, entrevistadas a cada dois meses e meio; finalizou-se o trabalho com 886
dessas mesmas crianças.
Testagem - foram propostas quatro palavras dentro de um dado campo semântico (nome de animais
ou de alimentos) com variação sistemática no número de sílabas (de 1 a 4 sílabas).
Eventos - 80% de crianças começaram o ano pré-silábicas; 13 crianças nível alfabético e 11 crianças
não terminaram a testagem.

Os totais finais - de 862 crianças e 3.448 entrevistas.

Padrões Evolutivos - Ao longo do ano escolar:


- 33% passam de um nível de conceitualização sem omitir passo.
- 38% seguiram passos semelhantes, porém omitindo o nível silábico-alfabético.
- 13% não mostraram qualquer progressão de um nível ao seguinte e nenhuma permaneceu no
silábico-alfabético.
- (25) crianças que entraram no nível silábico-alfabético não tiveram problemas.
- 16% passaram do pré-silábico ao alfabético (cumprem as expectativas da escola).
- 71% passaram por outros tipos de escrita.
- 52% passaram pelo silábico (451 crianças).
- 87% ingressaram ao nível silábico e chegaram ao alfabético.

De outra parte, as crianças que ingressaram no pré-silábico (708) não chegaram ao alfabético na
mesma proporção.
- 55,5% (das 393) chegaram ao alfabético.
- 14,5% (103) chegaram ao silábico-alfabético.
- 15% (107) chegaram ao nível silábico.

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- 14,8% (105) permaneceram ao longo do processo sem compreender a relação escrita na pauta
sonora das emissões.

Conclusão: A partir dos dados, observa-se que só as crianças de nível silábico ou silábico-alfabético
apresentam-se "maduras" para ingressar no 1° grau. Isto significaria deixar 80% das crianças fora da
escola sendo que são as que mais necessitam de escolarização.

Capítulo 4 - Deve-se ou não se deve ensinar a ler e escrever na pré-escola? Um problema mal
colocado.
A polêmica sobre a idade ótima para o acesso à língua escrita ocupou milhares de páginas escritas
por vários pesquisadores. O problema sempre foi colocado tendo por pressuposto serem os adultos que
decidem quando essa aprendizagem deverá ou não ser iniciada. Para Ferreiro, a função da pré-escola
deveria ser de permitir às crianças que não tiveram convivência com a escrita, informações básicas sobre
ela, em situações de uso social (não meramente escolar). Para tanto é necessária imaginação pedagógica
para dar às crianças oportunidades ricas e variadas de interagir com a linguagem escrita:
- Formação psicológica para compreender as respostas e as perguntas das crianças.
- Entender que a aprendizagem da linguagem escrita é muito mais que a aprendizagem de um código
de transcrição e sim a construção de sistema de representação.

FONSECA, Lúcia Lima da. O universo na sala de aula: uma experiência em


pedagogia de projetos. Porto Alegre: Mediação, 2009.

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Relatando em detalhes o dia a dia de uma sala de aula com uma turma de crianças de quatro a seis
anos, a autora mostra como podem se articular vários projetos pedagógicos, ao longo de um semestre,
apresentando também suas reflexões teóricas. Sua proposta pedagógica parte do Projeto Universo, cuja
continuidade articula-se a partir dos interesses ou necessidades das crianças e da professora, envolvendo
novas descobertas, conflitos afetivos e cognitivos. Indicado a estudantes e professores que se interessam
pela escrita de diários de classe, relatórios de avaliação, relatórios de estágio e outros.

FONSECA, Vitor da. Desenvolvimento Psicomotor e Aprendizagem. Porto


Alegre: Artmed, 2008.

Ao abordar a temática “Desenvolvimento Psicomotor e Aprendizagem”, numa perspectiva


intercultural, uma vez que vamos servir de contributos de pioneiros europeus, norte-americanos e russos,
temos que prioritariamente reformular, ou refundar, epistemologicamente o que entendemos por
Psicomotricidade.
Serve, portanto, este trabalho para explicar as nossas fontes de estudo e de inspiração e as nossas
raízes reflexivas, pretéritas e prospectivas, sobre um tema tão interessante e abrangente. Abordaremos
preferencialmente as relações entre o desenvolvimento psicomotor e a aprendizagem, mais a
psicomotricidade do que efetivamente a aprendizagem, e mais a aprendizagem não simbólica e não
verbal, do que a aprendizagem simbólica e verbal.
A Psicomotricidade pode ser definida, em termos necessariamente reduzidos, como o campo
transdisciplinar que estuda e investiga as relações e as influências, recíprocas e sistémicas, entre o
psiquismo e a motricidade.
O psiquismo nesta perspectiva é entendido como sendo constituído pelo conjunto do funcionamento
mental, ou seja, integra as sensações, as percepções, as imagens, as emoções, os afetos, os fantasmas,
os medos, as projeções, as aspirações, as representações, as simbolizações, as conceptualizações, as
ideias, as construções mentais, etc., assim como a complexidade dos processos relacionais e sociais.
O psiquismo, nesta dimensão integra a totalidade dos processos cognitivos, compreendendo as
funções de atenção, de processamento e integração multissensorial (inteiro, próprio e exteroceptiva), de
planificação, regulação, controlo e de execução motora.
A ativação de tais funções psíquicas corresponde a vários substratos neurológicos de origem
filogenética e emergidos num contexto sociogenético, subentendendo uma plasticidade neuronal, uma
hierarquização funcional e uma auto-atualização internalizada que se desenvolvem ao longo da

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FONSECA, Lúcia Lima da. O universo na sala de aula: uma experiência em pedagogia de projetos. Porto Alegre: Mediação, 2009.

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ontogénese, mas que tendem a delapidar-se no processo inevitável da retro gênese.
A motricidade nesta dimensão é entendida como o conjunto de expressões mentais e corporais,
envolvendo funções tónicas, posturais, somatognósicas e práxicas que suportam e sustentam as funções
psíquicas. Com base neste pressuposto, a motricidade não pode ser compreendida apenas nos seus
efeitos extrassomáticos, aliás como a linguagem, uma vez que ela depende de motivações, significações
internas e fins que a justificam, não sendo possível portanto, separá-la dos processos psicológicos que a
integram, representam, elaboram e executam, na medida em que ela se encontra sempre em coesão e
coibição com a fenomenologia das necessidades, com a contextualização das situações e com a
diversidade das circunstâncias, a partir das quais é desencadeada como ato significativo e intencional
único entre os seres vivos.
Ao longo da evolução da espécie (filogênese e sociogênese) e do desenvolvimento da criança e do
jovem (ontogénese), a motricidade permitiu, permite e permitirá, a sobrevivência e afiliação, a
manutenção de estilos de vida (caça, recolecção, etc.) e a fabricação de utensílios e tecnologias, a
domesticação de animais e a produção de obras de arte, a invenção e expressão da fala e da escrita, ou
seja, foi, é e será a plataforma a partir da qual o pensamento reflexivo, a cultura e a civilização se
perpetuaram, se conservam e se co-construirão.
Neste pressuposto, a psicomotricidade tem como finalidade principal o estudo da unidade e da
complexidade humanas através das relações funcionais, ou disfuncionais, entre o psiquismo e a
motricidade, nas suas múltiplas manifestações biopsicossociais e nas suas mais diversificadas
expressões, envolvendo concomitantemente, a investigação, a observação e a intervenção ao nível das
suas dissociações, desconexões, perturbações ou transtornos ao longo do processo do desenvolvimento.
Partindo duma matriz teórica original, multi e transdisciplinar, a psicomotricidade estuda e pesquisa
as complexas relações recíprocas e sistémicas da motricidade com o todo da personalidade que
caracteriza o indivíduo, especificamente nas suas expressões afetivo-emocionais e psico-sócio-
cognitivas.
O objetivo principal da psicomotricidade visa, consequentemente, aprofundar a influência das
interações recíprocas entre a motricidade e o psiquismo humanos, assumindo a unidade, a
diversidade e a complexidade transcendente da condição humana como componentes estruturantes
do seu conhecimento.
Neste parâmetro de enquadramento conceptual, a motricidade é entendida como o conjunto de
expressões corporais não verbais e verbais (a linguagem não deixa de ser uma oromotricidade onde
participam cerca de cem músculos), que sustentam e suportam as manifestações do psiquismo, sendo
este entendido como sendo composto pelo funcionamento mental total.
Cabem nesta concepção dinâmica, holística, sistémica e atuante do psiquismo, todos os processos
cognitivos que integram, planificam, regulam, controlam, monitorizam e executam a motricidade, como
uma resposta adaptativa intencional, auto-engendrada e inteligível que ilustra a evolução da espécie e
a evolução da criança, sendo este preferencialmente, o objeto nuclear da conferência.
A motricidade humana, a única que se pode designar como psicomotricidade, estudada em
pressupostos claramente diferenciados da sensoriomotricidade animal, é, portanto, compreendida como
suporte das funções mentais próprias e exclusivas do ser humano, donde emana a sua identidade
singular e plural em muitos aspectos do seu desenvolvimento, da sua adaptabilidade, da sua
aprendizagem e da sua socialização.
A concepção triárquica da psicomotricidade que tem sido estudada e investigada, ao longo de mais
de cem anos pode apontar na nossa óptica, tendo por analogia a concepção de sistemas complexos de
conhecimento, para três vectores paradigmáticos a saber: o multicomponencial, o multiexperiencial e
o multicontextual.

- Multicomponencial, porque procura integrar de forma coerente e sistémica os contributos não só


das ciências biológicas, mas também das ciências humanas e doutros domínios que abrangem secâncias
transdisciplinares que integram outros paradigmas nomeadamente: da filosofia, da fenomenologia, da
biosemiótica, da antropologia, da epistemologia genética, da psicologia evolutiva e diferencial, da
psicossomática, da psicofisiologia, da neuropsiquiatria, da psicanálise, da psiquiatria, da neuropsicologia,
da defectologia, da patologia, da psicopedagogia, da ecologia humana, da sociologia, etc. A construção
do saber em psicomotricidade estabelece inevitavelmente relações com outros domínios conexos e
apropria-se doutros fundamentos conceptuais exteriores a ela própria, sendo esta estratégia uma
virtualidade da sua orientação epistemológica.
- Multiexperiencial, dado que procura estudar e pesquisar a implicação da psicomotricidade no
processo do desenvolvimento e des-desenvolvimento humano consubstanciando a diversidade da
experiência e da vivência, desde o recém- nascido ao idoso (sénior), desde o indivíduo inexperiente ou

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imaturo ao experiente ou sobredotado, desde o indivíduo normal ao indivíduo com deficiências,
dificuldades e ou desvantagens (ou com necessidades especiais), em qualquer atividade ou manifestação
da sua conduta e cultura, etc.
- Multicontextual, na medida em que visa projetar o nível de aplicação do seu conhecimento e
intervenção nos vários contextos onde se integra e observa a atividade humana nos seus múltiplos
envolvimentos, desde a família, aos centros materno-infantis, desde o hospital aos centros de saúde,
desde a educação pré- escolar à escola primária, da escola secundária à universidade, desde os centros
de lazer e recreação aos clubes desportivos, desde os centros de emprego à total inclusão do indivíduo
na sociedade em geral, isto é, envolvendo todos os ecossistemas (micro, meso, exo e macrosistemas) e
contextos onde o ser humano se desenvolve, interage e integra como ser sócio-histórico.

A sua matriz científica e prática clínica encerra uma concepção de educação, de reabilitação e de
terapia psicomotora, em cujo campo se integra a psicomotricidade como um subsistema de
conhecimento e de intervenção específica, para além doutros, que tem a finalidade de estudar as
condições predisponentes à maximização, optimização e modificabilidade máximas do potencial de
adaptabilidade e de aprendizibilidade, do indivíduo normal ou excepcional, tendo em vista a sua
acessibilidade eficaz aos vários ecossistemas, quer sejam naturais, culturais, quer arquitetônicos ou
tecnológicos.
A visão de uma educação ou terapia ancorada à noção de psicomotricidade, toma em consideração,
não só o indivíduo normal, como o indivíduo portador de deficiências, de dificuldades e de desvantagens
de vária ordem, como uma subjetividade transcendente como um todo único, original e evolutivo, onde
as funções da motricidade e da corporeidade são consideradas indissociáveis das funções afetivas,
relacionais, linguísticas e cognitivas.
O corpo e a motricidade, são concebidos em psicomotricidade como uma imanência absoluta onde
habita a subjetividade e a autoconsciência, donde emana um ser vivo e original situado no mundo e em
perfeita interação com ele. Como entidades vivas, o corpo humano e a motricidade humana não se
reduzem a uma pura realidade biológica, na medida em que agregam uma dimensão metafísica. Como
organismo complexo que é, o ser humano é portador de uma experiência interna transcendente,
ascende a uma dimensão ontológica onde emerge o sentimento íntimo e o conhecimento interno imediato
do Outro e do seu Eu, da sua consciência, atributos inseparáveis da sua natureza.
A psicomotricidade considera ainda preponderante em termos ontológicos, o contexto sócio-
histórico e cultural, onde o ser humano está inserido, com a finalidade de gerar novos processos de
facilitação e de interação com os ecossistemas, no sentido dele se poder adaptar a uma sociedade em
mudança acelerada. Desta concepção de educação, de reabilitação e de terapia psicomotora, decorrerá
obviamente a relevância da sua inovação e da sua investigação.
A psicomotricidade tal e qual a concebemos hoje, tem uma história de cerca de 100 anos, mas
apresenta uma estrutura de conhecimento já enraizada num longo passado de mais de 5 milhões de
anos, onde decorreu a maravilhosa história da Hominização. Como concepção dinâmica e evolutiva do
ser humano, ela é extremamente atual.
A psicomotricidade, com base em vários autores e várias escolas de pensamento, onde a
compatibilidade e coibição das suas disciplinas estruturantes, ainda peca por falta de fecundidade e de
alguma fragmentação teórica, porque emergida duma matriz biológica, não conseguiu, todavia,
envolver, e integrar dialeticamente, uma matriz cultural mais complexa, específica, coerente e
abrangente da evolução da espécie humana, e consequentemente, do desenvolvimento da criança e do
jovem.
A psicomotricidade parte de uma evidência ontológica inquestionável: somos seres vivos, antes de
sermos seres humanos e seres culturais, por essa imanência transcendente, só a podemos formular numa
vocação epistemológica biopsicossocial.
Os seus paradigmas de desenvolvimento, de aprendizagem e de adaptação, não sendo ainda cabal e
sistemicamente entendidos como uma relação transcendente entre a situação externa e a ação
internamente elaborada, caminham no futuro, à luz das novas disciplinas emergentes, para uma reflexão
epistemológica mais integrada, alargada e atualizada. Com a presente conferência, tentamos lançar, de
forma introdutória, alguns dos seus novos fundamentos.
Como qualquer conhecimento, o conceito da psicomotricidade, a sua função, o seu papel e a sua
importância, não escapam ao risco do erro em qualquer pioneiro ou novo messias que a conceba e
perspective.
A articulação da psicomotricidade com os outros saberes tem sido proveitosa e positiva ao longo dos
tempos, independentemente da atitude de co-construção de conhecimento, da superação das
contradições, da redução da incerteza e da ampliação da comunicação entre os vários conhecimentos e

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as várias culturas, ser ainda diminuta e episódica.
O saber acumulado em inúmeras obras de psicomotricidade, a experiência clínica positiva e a memória
viva dos vários pesquisadores oriundos de várias culturas (europeias, norte-americanas e russas), que
vamos tratar nesta conferência, não encontrou ainda no seio das ciências humanas uma plataforma de
debate e de reflexão prospectiva, construtiva e não defensiva, que valorize a interdependência das suas
várias disciplinas estruturantes e das suas várias sub-matrizes. A psicomotricidade como disciplina
emergente, decorre efetivamente duma interdisciplinaridade e duma transdisciplinaridade originais.
Os incentivos para uma discussão mediatizada e para uma transferência de conhecimento entre os
vários saberes não tem sido tentada de forma sistemática, apesar dalgumas tentativas dispersas.
O pensamento estratégico e a engenharia do saber da psicomotricidade no seu todo, peca ainda
por não adoptar modalidades de inovação, de flexibilização e de qualidade, que no seu conjunto impedem
que o seu desenvolvimento conceptual assuma dimensões mais criativas, reflexivas, sustentadas, críticas
e úteis para todos os saberes.
No ponto de reflexão em que nos encontramos, não é possível hoje conceber a semiologia
psicomotora sem os contributos da fenomenologia, da psicanálise, da psicossomática, da psicofisiologia,
das neurociências, da psicopedagogia, etc.
Com a presente palestra, pretendemos fazer um levantamento das principais linhas de elaboração
conceptual do desenvolvimento psicomotor, criando um paradigma consensual de pressupostos para o
seu futuro estudo, algo que não é fácil, na medida em que unificar concepções de várias disciplinas
distintas e de vários autores oriundos de diferentes culturas, para compreender melhor o modo como
funciona a psicomotricidade enquanto sistema complexo, é um tremendo desafio.
Em resumo, a psicomotricidade, apesar de não ter atingido ainda um estágio completo e formal de
conhecimento, ela subentende um conjunto de definições, axiomas, postulados, constructos hipotéticos,
princípios, etc., ela possui potencial suficiente para se afirmar, em pelo menos, quatro campos
profissionais: o da saúde, o da segurança social, o da justiça e o da educação, para além de apresentar
um percurso histórico com coerência e com representatividade profissional em muitos países.
Na Saúde, na Segurança Social e na Justiça, as referências à Reeducação e Terapia Psicomotora
têm a sua base nas obras de grandes pioneiros como Dupré, Wallon, Ajuriaguerra, Michaux, Duché,
Cruickshank, J. Ayres, etc., advindas das contribuições mais globalizantes de Freud, Schultz, Piaget,
Winnicott, Vygotsky, Luria, etc. Ela poderia intervir assim, em: Hospitais, Centros de Saúde, Centros
Materno-Infantis, Instituições de Solidariedade Social e Centros Especializados de Reinserção Social, e
igualmente no contexto das profissões liberais, com modalidades de intervenção profilácticas e
terapêuticas.
Na Educação, ela tem a sua base nas obras de Guilmain, Picq, Vayer, Lapierre, Aucouturier, Soubiran,
Kephart, Cratty, Frostig, Barsch, Zaporozhets, Elkonin, etc., advindas de contribuições mais distantes,
como as de Demeny, Hebert, Tissié, etc. Ela poderia perspectivar modalidades de intervenção para: a
Educação Infantil, a Educação Básica, a Educação Especial, a Educação Inclusiva, os Centros Médico-
Psicopedagógicos, os
Centros Pedagógicos Especializados, as Escolas e Centros Especiais, os Serviços de Apoio
Pedagógico, etc., abrangendo por especificidade própria as modalidades de intervenção preventiva e
reeducativa.
Como vimos, a identidade forjada pela psicomotricidade ao longo de cerca de cem anos, enraizou-se
quer nos paradigmas da educação e da reeducação, quer nos paradigmas da terapia propriamente dita.
É dentro deste quadro conceptual, que podemos delimitar o seu campo de intervenção e afirmar a sua
especificidade própria.
Perspectivada num complexo cruzamento e interação de saberes, a psicomotricidade revela-nos que
o corpo e a motricidade são meios de expressão privilegiados na relação com o outro e meios
extraordinários de apreensão dos ecossistemas, do espaço, do tempo, do mundo dos objetos e da cultura.
A modulação tónica, o controlo postural estático e dinâmico, a auto e eco organização espacial, a
sequencialização temporal, a coordenação e a dissociação das praxias, constituem os componentes do
sistema psicomotor do ser humano (SPMH) que testemunham o seu autoconhecimento, a sua
plasticidade psíquica, a sua adaptabilidade e a sua capacidade de aprender a aprender.
Com tais fatores psicomotores integrados que ilustram a disponibilidade do sujeito (da criança, do
jovem, do adulto, etc.), é possível mobilizar as suas funções de atenção, de processamento, de
memorização, de planificação, de expressão, de mentalização, de simbolização, de inibição, de regulação
e passar do registo do real ao registo do imaginário.
Nesta ordem de ideias, a psicomotricidade assume o papel duma psicoterapia mediada pelo corpo
e pela motricidade do indivíduo, com base nela, procura reduzir os sintomas de perturbação da sua
personalidade evolutiva, reforça os seus poderes relacionais e interacionais e promove a sua

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modificabilidade instrumental e operativa no sentido da maximização do seu potencial psicomotor, isto é,
motor, afetivo e cognitivo.
Em síntese, a psicomotricidade tem por objeto de estudo a globalidade do ser humano, no plano teórico
e prático, a ela combate a dicotomia da soma e do psíquico, ensaiando pelo contrário a sua fusão e
unificação complexa e dialética.
Tendo por finalidade abordar nesta palestra as implicações recíprocas entre o desenvolvimento
psicomotor e a aprendizagem na criança e no jovem, com base no contributo de vários autores oriundos
de várias culturas, não quisemos deixar de colocar nesta introdução abrangente, os paradigmas que hoje,
na nossa perspectiva, desenham a matriz teórica da psicomotricidade.
Pensamos que desta forma os leitores podem apreciar de forma mais contextualizada as diferentes
abordagens sobre o desenvolvimento psicomotor e a aprendizagem, propostas por especialistas
europeus, norte-americanos e russos.
Apesar da origem da psicomotricidade ter sido em França e dela se ter expandido preferencialmente
para os países mediterrânicos e latino-americanos, na nossa linha de pensamento os contributos dos
autores norte-americanos e dos autores russos, apresentam contribuições muito relevantes para o
desenvolvimento conceptual da psicomotricidade.
Pretendemos com este livro, contribuir para uma perspectiva intercultural mais alargada da
psicomotricidade, mesmo tendo consciência do muito que há a explorar noutras culturas para que ela se
liberte de amarras conceptuais que a limitam na sua universalidade.

FORMOSINHO, Julia Oliveira. Pedagogia da infância: dialogando com o passado:


construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007.

Dialogando com o passado, construindo o futuro9

Pedagogia(s) da Infância: dialogando com o passado: construindo o futuro, obra organizada por Júlia
Oliveira-Formosinho, Tizuko Morchida Kishimoto e Mônica Appezzato Pinazza, traz contribuições
relevantes e significativas para a história da educação e da educação infantil.
Em tempos de reprodução de modelos e modismos assumidos acriticamente por muitos educadores
e de busca por uma perspectiva de educação da infância, a obra se reveste de fundamental importância
ao revisitar teorias e pensadores do passado, que estão presentes em muitas propostas e experiências
pedagógicas para a infância no mundo e no Brasil, anunciando caminhos férteis para perspectivas futuras
de Pedagogia(s) da Infância.
O projeto de elaboração da obra surgiu do princípio de que a Pedagogia, sendo um produto de
construção sócio-histórica, está em um contínuo processo de (re)construção. Sendo assim, para que essa
(re)construção ocorra, é necessário fazermos uso da rica memória pedagógica para recriar e construir
novas pedagogias para o presente e para o futuro. Partindo dessa ideia, o livro efetua um diálogo com
grandes autores da primeira metade do século XIX e do século XX, procurando demonstrar “o movimento
próprio da Pedagogia: desconstrução- reconstrução”.
Os autores com os quais o livro dialoga são: Fröebel, Dewey, Montessori, Freinèt, Piaget, Vygotsky,
Bruner e Malaguzzi. Esses autores trazem ideias e imagens novas de criança, de adulto, de professor,
de desenvolvimento infantil e de ensino aprendizagem. Suas ideias tornam-se, portanto, um campo fértil
para a elaboração de uma Pedagogia ou de Pedagogias diferenciadas para o século XXI.
Trata-se de uma coletânea de textos cujos autores brasileiros e portugueses dialogam com o passado
e apresentam a vida, as principais ideias e as contribuições desses pensadores para a sinalização de
novas Pedagogias da Infância. Para que o leitor possa ter uma maior visibilidade dessa importante obra,
apresentamos as principais questões abordadas nos diferentes textos.
O livro inicia com o capítulo: “Pedagogia(s) da Infância: reconstruindo uma práxis de participação”.
Neste, Júlia Oliveira-Formosinho procura contribuir para a construção de uma Pedagogia baseada em
uma práxis alicerçada em crenças, teorias e ações na forma de um movimento triangular que conduz a
processos reflexivos contínuos. Para a autora “ser profissional reflexivo é fecundar antes, durante e depois
a ação, as práticas nas teorias e nos valores, interrogar para ressignificar o já feito em nome da reflexão
que constantemente o reconstitui” (p. 14).
Além disso, a autora apresenta e compara dois modos de fazer Pedagogia: a Pedagogia da
Participação que é valorizada pelo fato de estar fundamentada nessa práxis e em constante processo
interativo de diálogo com a sociedade, com as crianças e suas famílias; e a Pedagogia da Transmissão

9GOMES, M. O; PASCHOIM, A. S. - http://www.scielo.br/pdf/paideia/v17n37/a11v17n37.pdf

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baseada no modo tradicional de fazer Pedagogia e centrada no conhecimento que se deseja transmitir,
ignorando os contextos e os sujeitos envolvidos no processo de veiculação de saberes.
No texto é apresentado também um confronto entre esses dois modos de fazer Pedagogia a partir de
John Dewey, com o objetivo de afastar qualquer incompreensão acerca do que é uma educação não-
tradicional.
É importante ressaltar que a autora expõe algumas tarefas para os envolvidos com a educação da
infância, que segundo ela, são centrais na Pedagogia de Participação, entre essas tarefas está a escolha
de gramáticas pedagógicas, um modo de saber-fazer para fundamentar a práxis que pode
ampliar/potencializar conhecimentos (janelas) ou limitá-los (muros). No decorrer do texto Oliveira-
Formosinho argumenta sobre a importância dos contextos e, no caso da escola, um contexto social de
atores que partilham metas e memórias e que constroem intencionalidades educativas. No decorrer do
texto discorre sobre cada uma dessas tarefas e finaliza afirmando a importância dos educadores adotarem
algum modelo pedagógico e a necessidade de pertencerem a um coletivo de educadores, como garantias
para sustentação da sua autonomia docente, constituídos em comunidade de aprendizagem, uma
maneira de entender processos de formação continuada que permita recriar uma cultura profissional e
uma epistemologia da prática congruentes.
A Pedagogia da Infância insere-se, segundo Oliveira-Formosinho, num mundo de interações
orientadas para projetos colaborativos em um contexto promotor da participação, entendendo que sujeito
e contexto unificam-se no âmbito da cultura. Salienta que os processos principais de uma Pedagogia da
Participação são: a observação, a escuta e a negociação, que conduzem à diferenciação pedagógica:
“uma base para desenvolver um fazer e um pensar pedagógico que fogem à fatalidade” (pg.29).
Em: “Fröebel uma Pedagogia do brincar para a infância”, Tizuko Morchida Kishimoto e Mônica
Appezzato Pinazza apresentam ao leitor um significativo panorama da vida e da obra do filósofo e
educador alemão Friederich Fröebel, o fundador do primeiro jardim-de-infância na Alemanha e também
o primeiro educador a enfatizar o brinquedo e a atividade lúdica como instrumentos essenciais no
desenvolvimento da criança pequena e da linguagem.
As autoras analisam a Pedagogia de Fröebel que está fundamentada em sua Lei de Desenvolvimento
Humano: a lei das conexões internas (unidade entre Deus, Homem e natureza). A essência dessa
Pedagogia é a ideia de auto- atividade e liberdade, a educação deve basear-se na evolução natural das
atividades da criança e estar, necessariamente, relacionada à vida. Kishimoto e Pinazza destacam
também a educação e o cuidado para crianças menores de três anos de idade e a formação do professor
que Fröebel propõe com ênfase nas linguagens do brincar, além da consideração da palavra e do
desenho como formas de representação. Alertam ainda para a importância da relação adulto-criança, e
a necessária crítica por parte dos educadores a respeito de práticas e de interpretações, por vezes,
equivocadas da Teoria Froebeliana.
Em: “John Dewey: inspirações para uma Pedagogia da Infância”, de Mônica Appezzato Pinazza,
realiza um encontro com a obra do filósofo americano Dewey e apresenta o conceito de experiência no
qual a Pedagogia Deweyana está assentada, o conceito de pensamento reflexivo, no qual o filósofo
propõe a formação reflexiva tanto da criança como do professor e o conceito de educação como processo
social e democrático. A autora demonstra que, o filósofo defende uma educação progressiva assentada
na conexão entre a experiência primária e a experiência mais elaborada e defende uma educação
baseada na investigação protagonizada pela própria criança, tornando-a sujeito de seu próprio
conhecimento (o aprender-fazendo). Finaliza o texto afirmando que é necessário reconhecermos as
“fontes inspiradoras” do passado para que realmente venhamos construir novas Pedagogias da Infância
com as grandes contribuições deixadas por Dewey. Nesse aspecto as concepções sobre reflexão e
investigação na formação do professor têm nesse autor uma fonte inspiradora.
Em: “Maria Montessori: uma mulher que ousou viver transgressões”, por Maristela Angotti, apresenta
a vida e as sofridas conquistas alcançadas pela primeira mulher da Itália a obter o diploma de médica e
que, com muita ousadia enfrentou o fascismo e lutou a favor dos direitos das mulheres e das crianças.
A autora apresenta também alguns conceitos da Pedagogia Científica de Montessori. O princípio
básico que sustenta essa Pedagogia está na organização de um ambiente adequado e motivador, que
possibilita à criança educar os sentidos, a despertar para a vida intelectual e se preparar para a vida
prática. O desenvolvimento dos sentidos é visto como sendo a base para toda educação. Angotti conclui
afirmando que é inegável a riqueza e a contribuição educacional deixada por Montessori, pois ela
estabelece elementos, principalmente a respeito da criança, que devem ser utilizados para a elaboração
de uma nova educação para as crianças pequenas.
Em: “Maria Montessori: infância, educação e paz”, Joaquim Machado de Araújo e Alberto Filipe Araújo
analisam, de maneira específica, as principais ideias da perspectiva educacional de Montessori, os
princípios que as sustentam como a individualidade, o conceito de autoeducação, fundamentado na

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liberdade e no conceito de normalização e a contradição que ela estabelece entre o mundo do adulto e
da criança. Além disso, fazem uma análise da natureza mitológica do discurso educativo e da concepção
de criança da Pedagogia de Montessori, afirmando que ela é marcada pela visão cristã de infância.
Em: “Freinèt e a Pedagogia - uma velha história muito atual”, Marisa Del Cioppo Elias e Emília Cipriano
Sanches, apontam o contexto político, cultural e social em que viveu o educador francês Celéstin Freinèt
e sua formação e engajamento políticos. Apresentam a proposta inovadora da Pedagogia de Freinèt: uma
nova organização de escola e um novo modelo de gestão, de espaço e de tempo, com a abolição da
seriação, das divisões das disciplinas e de um programa anual. Analisam ainda a questão do trabalho na
Pedagogia Freinetiana, que é apresentado como uma atividade séria que se distingue do jogo e das
brincadeiras. São elencados também os princípios da filosofia educacional de Freinet sintetizados no
“Código de Educação”. Elias e Sanches reconhecem que a reflexão sobre a Pedagogia Freinetiana da
infância promoveu uma desconstrução crítica acerca da dimensão social da educação, lançando luzes
sobre os processos de aprendizagem pela criança, sobretudo devido à importância do trabalho criativo.
Em: “Celéstin Freinèt: trabalho, cooperação e aprendizagem” novamente os autores Joaquim Machado
de Araújo e Alberto Filipe Araújo analisam, por outro ângulo, a obra de Freinèt, no contexto educacional
da época, apresentando o movimento de renovação pedagógica desenvolvido por sua proposta
educacional na valorização das técnicas educativas e na proposição de uma nova escola para o povo
trabalhador: a Escola-Oficina. Relevam nessa teoria a importância do trabalho escolar como práxis
docente, da expressão livre e a imprensa escolar. Para os autores, a grande contribuição de Freinèt para
a educação “está na sua proposta de metodologia da escola e das aulas e no compromisso do professor
com o contexto social” (p.188).
Em: “As contribuições da teoria de Piaget para a Pedagogia da Infância”, de Fátima Vieira e Dalila
Lino, analisa a obra do biólogo e psicólogo suíço Jean Piaget, destacando os seus principais conceitos
de epistemologia genética, os processos de construção do conhecimento e a teoria do desenvolvimento
da moral na criança. Vieira e Lino enfatizam que o autor nunca foi e nem pretendeu ser pedagogo, mas
reconhecem que sua teoria apresenta importantes conceitos para a Pedagogia da Infância como, por
exemplo, a noção de construção de conhecimento e o papel ativo da criança nessa construção.
Em: “Vygotsky: uma abordagem histórico- cultural da educação infantil”, Alessandra Pimentel faz uma
análise da teoria histórico-cultural desenvolvida por este autor e seus companheiros Luria e Leontiev.
Vygotsky buscava por meio dessa teoria a compreensão do desenvolvimento do psiquismo humano e
tentava articular informações dos diferentes componentes que integram os processos mentais:
neurológico, psicológico, linguístico e cultural. No decorrer do texto, Pimentel apresenta algumas
implicações do jogo no desenvolvimento cognitivo da criança, focando a sua análise nas relações
existentes entre aprendizagem e desenvolvimento, procurando demonstrar a importância da brincadeira
lúdica no desenvolvimento da linguagem, na criação de Zonas de Desenvolvimento Proximal e,
principalmente, na relação ensino-aprendizagem.
Em: “Brincadeiras e narrativas infantis: contribuições de J. Bruner para a Pedagogia da Infância”,
Tizuko Morchida Kishimoto, além de traçar algumas concepções principais da teoria do autor, apresenta
uma das grandes contribuições de Bruner para a educação infantil que é o desenvolvimento da
representação da mente narrativa pela brincadeira, apresentando o valor que Bruner atribui às histórias
de contos de fadas que auxiliam a criança na organização do pensamento por meio da “categorização” e
a sua proposta de educação para a equidade. Conclui afirmando que Bruner é um dos gigantes do século
XX que, ao desenvolver uma Pedagogia sócio- construtivista, propôs mudança nos conceitos
educacionais, em especial, pela importância que atribuiu à escuta das múltiplas vozes da criança.
Em: “Loris Malaguzzi e os direitos das crianças pequenas”, Ana Lúcia Goulart de Faria analisa a
Pedagogia da Infância do italiano Malaguzzi, levada a efeito na região da Reggio Emilia (situada ao norte
da Itália). Segundo a autora, a Pedagogia de Malaguzzi é uma Pedagogia inovadora, criativa que valoriza
as múltiplas relações e as diferentes linguagens da criança e que tem na arte, o seu fundamento e na
equidade, sua finalidade. Para Faria: “o trabalho coletivo na rede pública, com professores especializados
“em normalidade”, garante para as crianças, parafraseando Marx, as “condições dadas” para elas fazerem
história.” (p. 286). A autora reproduz também “Uma carta dos três direitos”, redigida por Malaguzzi, que
apresenta direitos diversos, mas complementares, da criança, dos pais e dos educadores e que
fundamentam a gestão social, participativa e ativa em instituições de educação infantil daquela região,
acentuando que os direitos das crianças não estão dissociados dos direitos da família e da efetiva
cidadania.
Em: “Anônimo do século XXI: a construção da Pedagogia Burocrática”, João Formosinho e Joaquim
Machado Araújo apresentam a “Pedagogia Burocrática” pensada como “Pedagogia Ótima”
fundamentando-se no caráter legal das normas e regulamentos oficiais que serviram e servem para
despersonalizar as atividades dos professores e o trabalho pedagógico desenvolvidos na instituição

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escolar. Segundo os autores não é possível identificar um autor como personagem individual para essa
Pedagogia, mas afirmam que o “autor anônimo” está presente nos níveis centrais de administração da
educação e nas diferentes formas de controle do trabalho pedagógico. Além desses aspectos, eles
apresentam a burocracia inspirada em Max Weber, a decisão do sistema de ação burocrática e a imagem
de criança, professor e de escola que a “Pedagogia Burocrática” apresenta, lançando às margens as
propostas e práticas pedagógicas alternativas.
A obra sinaliza perspectivas e orienta educadores e pesquisadores interessados em revisitar as
inspirações teóricas dos autores analisados. Parafraseando Horckeimer (1978) “não se trata de conservar
o passado, mas de resgatar as esperanças do passado”. Tempos e esperanças históricos que se
entrecruzam nos princípios e concepções que têm em comum o respeito e a valorização dos direitos das
crianças como produtoras de cultura e sujeitos capazes, desde o nascimento. Consideramos que mais
do que o “dom”, condições preexistentes que a concepção inatista apregoou para o desenvolvimento
infantil, trata-se hoje de criar o “dão” (o dar, o criar, o construir condições) para a efetiva possibilidade de
fruição e recriação dos direitos da infância e dos educadores que se dedicam a esse segmento etário,
condições essas fundamentais para a emergência de novas Pedagogias.

GALVÃO, Izabel. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento


infantil. São Paulo, Vozes, 1986.

Introdução10

Decorridos mais de trinta anos da morte de Henri Wallon, vemos surgir, no cenário da educação, um
grande interesse por sua psicologia. Trata-se de um "resgate teórico" muito importante, com potencial de
trazer significativas contribuições para a reflexão pedagógica.
Buscando compreender o psiquismo humano, Wallon volta sua atenção para a criança, pois através
dela é possível ter acesso à gênese dos processos psíquicos.
De uma perspectiva abrangente e global, investiga a criança nos vários campos de sua atividade e nos
vários momentos de sua evolução psíquica. Enfoca o desenvolvimento em seus domínios afetivo,
cognitivo e motor, procurando mostrar quais são, nas diferentes etapas, os vínculos entre cada campo e
suas implicações com o todo representado pela personalidade.
Considerando que o sujeito constrói-se nas suas interações com o meio, Wallon propõe o estudo
contextualizado das condutas infantis, buscando compreender, em cada fase do desenvolvimento, o
sistema de relações estabelecidas entre a criança e seu ambiente.
Para Wallon, o estudo da criança não é um mero instrumento para a compreensão do psiquismo
humano, mas também uma maneira de contribuir para a educação. Mais do que um estado provisório,
considerava a infância como uma idade única e fecunda, cujo atendimento é tarefa da educação. A
preocupação pedagógica é presença forte na psicologia de Wallon, tanto nos escritos em que trata de
questões mais propriamente psicológicas - que constituem a maioria - como naqueles em que discute
assuntos específicos da pedagogia.
A fecundidade das contribuições da psicologia genética de Wallon para a educação deve-se à
perspectiva global pela qual enfoca o desenvolvimento infantil, mas também à atitude teórica que adota.
Utilizando o materialismo dialético como fundamento filosófico e como método de análise, as ideias de
Wallon refletem uma incrível mobilidade de pensamento, capaz de resolver muitos impasses e
contradições a que levam teorias baseadas numa lógica rígida e mecânica. Contrário a qualquer
simplificação, enfrenta a complexidade do real, procurando compreendê-la e explicá-la por uma
perspectiva dinâmica, multifacetada e extremamente original.
É um projeto ambicioso, que resulta numa teoria complexa e difícil, pouco sedutora para o leitor
apressado. Para seu desconforto, Wallon não propõe um sistema no qual se dispõem, de forma bem
arrumada, etapas e processos da evolução psíquica. Ao contrário, para tratar do processo de
desenvolvimento de uma perspectiva abrangente, realiza um verdadeiro vaivém de um campo a outro da
atividade infantil e entre as várias etapas que compõem o desenvolvimento.
À complexidade da teoria soma-se a aridez dos seus textos, repletos de termos médicos e
neurológicos. Em seus escritos não se percebe nenhuma preocupação com a clareza de exposição, o
que, em alguns casos, chega a ser desestimulante. No entanto, a leitura torna-se mais fluente a partir do

10. Disponível em:


http://www.cedei.unir.br/submenu_arquivos/761_1.1_u4_isabel_galvao_henri_wallon__uma_concepo_dialtica_do_desenvolvimento_infantil_._www.livrosgratis.
net_._.pdf.

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
momento em que o leitor consegue captar a dinâmica do raciocínio walloniano, podendo então
acompanhar os meandros de suas exposições.
Uma visão de conjunto da teoria e noções preliminares de seus principais temas são fatores que podem
facilitar, em muito, a leitura direta dos textos de Wallon. Com o objetivo de propiciar a aquisição desses
recursos selecionamos os temas que compõem este livro. Para tornar a teoria mais acessível, procuramos
dar uma certa ordem às ideias sem descaracterizar o raciocínio peculiar ao autor.
Os capítulos são divididos por temas e estão organizados de forma encadeada, isto é, os temas
tratados num capítulo tomam por ponto de partida os temas abordados nos anteriores, assim, é
recomendável lê-los em sequência.
No primeiro capítulo, apresentamos traços biográficos de Wallon, mostrando episódios de sua vida
como intelectual e homem engajado nos problemas de sua época.
No segundo, traçamos os alicerces sobre os quais sustenta-se a psicologia walloniana: seus
fundamentos filosóficos e sua concepção metodológica.
O terceiro capitulo propõe-se a dar elementos para a compreensão da complexa dinâmica que a teoria
assinala ao desenvolvimento infantil, apresentando os princípios que lhe imprimem o ritmo.
Do quarto ao sétimo capítulo, propomo-nos a tratar do que Wallon chama de campos funcionais, isto
é, os domínios entre os quais se distribui a atividade da criança. Cada capítulo é dedicado a um campo:
a pessoa, as emoções, o movimento e a inteligência, respectivamente.
O oitavo capítulo dá início à discussão acerca das implicações educacionais da teoria, sintetizando
algumas ideias de Wallon sobre as dimensões sócio-políticas da educação.
O nono capítulo aponta uma das consequências de utilização da psicogenética walloniana como
instrumento para a reflexão pedagógica, a saber, a necessidade de uma educação da pessoa completa.
No décimo, realizamos uma leitura mais livre das implicações educacionais da psicogenética
walloniana, utilizando alguns de seus conceitos para refletir acerca de situações de conflito vividas no
cotidiano escolar.

Texto Selecionado

Nada melhor do que ler algo escrito diretamente pelo autor que estudamos para termos uma ideia mais
precisa das peculiaridades de seu raciocínio e do estilo de seus textos. Pensando nisto, selecionamos o
artigo "As etapas da evolução psicológica da criança", que Wallon escreveu com base em seu livro A
evolução psicológica da criança, em 1947. Transcrevemos duas partes do texto original - "as grandes
etapas do desenvolvimento da criança" e "conclusão" - que representam quase a sua totalidade.
Do ponto de vista do raciocínio, o artigo selecionado é exemplar. Deixa patente o enfoque globalizante
que Wallon dirige para a criança e faz transparecer a mobilidade de seu pensamento. Contudo, do ponto
de vista do estilo, o artigo selecionado não é muito representativo da peculiaridade do autor.
Texto claro como poucos, traz uma apresentação sistemática e organizada dos estágios, num
procedimento igualmente raro.

As Grandes Etapas Do Desenvolvimento Da Criança

1. As primeiras semanas da vida são inteiramente dominadas por funções de ordem fisiológica,
vegetativa; além da respiração, contemporânea do nascimento, são o sono, a fome e um sentimento
confuso do próprio corpo (sensibilidade proprioceptiva).
O ato de nutrição é que reúne e orienta os primeiros movimentos ordenados da criança. Mas suas
gesticulações difusas não se restringem a esse campo. Do ponto de vista motor, a evolução consiste na
análise e na resolução progressivas dessas contorções, dessas contrações globais, desses sistemas
"sincinésicos" em movimentos mais bem diferenciados e mais bem adaptados.
2. A partir de três meses, a criança começa a estabelecer ligações entre seus desejos e as
circunstâncias exteriores; o reflexo condicionado se torna possível.
Desde então, e mesmo anteriormente, aparece o sorriso, manifestação notável, aliás interpretada
diferentemente por diferentes observadores (Ch. Bühler, Valentine).
Deve-se ver nele o indicio do despertar da criança a seu meio humano. Enquanto o pequeno animal
fica muito cedo em contato direto com a natureza, o filhote do homem fica muito tempo sob a dependência
imediata do meio humano.
3. A idade de seis meses, a gama de que a criança dispõe para traduzir suas emoções é bastante rica
para dar-lhe uma vasta superfície de troca com o meio humano: período emocional, de participação
humana: intuicionismo fecundo.

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Foi possível dizer, a propósito do adulto, que a emoção era um distúrbio, um acidente, uma espécie
de degradação da atividade. Mas isso não é verdadeiro para a criança que está num estágio do
desenvolvimento humano em que a emoção é uma manifestação plenamente normal. Conhece-se toda
a importância dos movimentos emocionais entre os primitivos, e a ação deles é metodicamente reforçada
pelas práticas da dança, das cerimônias, dos ritos. Nesse estágio, a emoção estabelece um vínculo muito
forte entre os indivíduos do grupo, cuja coesão garante. Sem estabelecer um paralelismo muito acentuado
entre a história da espécie e o desenvolvimento do indivíduo, cumpre admitir que a criança, nessa idade,
está num estágio emocional inteiramente análogo. Mais tarde, ela terá de distinguir sua pessoa do grupo,
terá de delimitá-la por meios mais intelectuais: por ora, trata-se de uma participação total, de uma
absorção no outro, profundamente fecunda.
4. Depois dos nove meses, aparece uma nova etapa por um movimento de inversão ou de oscilação
de que veremos outros exemplos: Etapa sensório-motora (e não mais emocional) que cobrirá o segundo
ano.
Estabelecem-se, entre as sensações e os movimentos, as ligações necessárias.
Nessa época, a voz apura o ouvido, e o ouvido modula a voz; a mão que a criança desloca e segue
com os olhos distribui os primeiros pontos de referência no campo visual.
Após um período em que a criança leva os objetos à boca para explorá-los, porque apenas as
sensações de sua boca são bastante diferenciadas para informá-la sobre a forma e a matéria dos objetos
(período do "espaço bucal" de Stern), a criança fica capaz de apalpar utilmente com a mão; período do
"espaço próximo" ao qual sucederá, uma vez adquirida a marcha, o "espaço locomotor".
O segundo ano é a época da marcha e da aquisição da linguagem.
Aprendendo a andar, a criança vai libertar-se da sujeição, em que estava até então, ao seu meio
familiar; isso aparece de uma maneira concreta quando a criança se diverte em fugir dos braços que lhe
são estendidos.
É extrema a importância desse progresso: até aí, a criança, levada no colo ou no carrinho, conhecia
diversos espaços parciais justapostos, não coordenados.
Deslocando-se de um lugar para outro, ela pode construir, com sua atividade, um espaço único no
qual pode alcançar ou ultrapassar cada objeto, ir e vir, meio contínuo e homogêneo, e não mais somente
ambiente fortuito do momento.
A linguagem é de início subjetiva, optativa; mas é também realista, pois a palavra pela qual a criança
se interessa vivamente é para ela algo muito diferente que um símbolo ou um rótulo posto no objeto, é
um equivalente do objeto, o próprio objeto sob um de seus aspectos essenciais.
Com a linguagem aparece a possibilidade de objetivação dos desejos. A permanência e a objetividade
da palavra permitem à criança apartar-se de suas motivações momentâneas, prolongar na lembrança
uma experiência, antecipar, combinar, calcular, imaginar, sonhar. A linguagem, com a marcha, abre à
criança um mundo novo, mas de outra natureza: o mundo dos símbolos.
5. A crise de personalidade por volta dos três anos, marcada por um novo movimento de alternância,
por um ensimesmamento da criança, para um novo esforço de libertação. Esforço voluntarista, idade
negativista do NÃO, do EU, do MEU.
Aos dois anos ainda, a criança era incapaz de diferenciar-se do outro; num jogo, por exemplo, ela
desempenha dois papéis ao mesmo tempo, assumindo sozinha todo o diálogo; ela parece confundir-se
com as pessoas de seu meio e, se ameaçam sua mãe, ela se refugia em seus braços, como se ela própria
estivesse ameaçada.
Aos três anos, ao contrário, emerge a necessidade de auto-afirmação, de impor seu ponto de vista
pessoal, às vezes com intemperança sistemática. A criança se entrega, como respeito aos adultos, a uma
espécie de esgrima, jogo destinado a fazer triunfar seu capricho ou sua oposição.
Se essa crise ocorre de modo precoce demais ou exclusivo demais, traduz certa dureza, a
insensibilidade da criança às repercussões que tem no outro o desenvolvimento de sua atividade; mas
se suas manifestações são minguadas demais, isso traduz uma grande maleabilidade mental, uma
inconsistência de conduta, uma impotência de experimentar, adotar ou prosseguir algo, a não ser sob a
influência de outrem.
Nessa idade, a criança fica mais ciosa da propriedade. Faz com que ponham seu nome no objeto
possuído, quer guardar para si seus brinquedos, enfim, sente o matiz particular expresso pela palavra
emprestar (distinção entre propriedade e uso ou posse).
6. A idade da graça (Homburger). Por volta dos quatro anos, a criança torna se atenta às suas atitudes,
ao seu comportamento. Desenvolve o gesto compassadamente para si mesma, conferindo-lhe uma
espécie de valor estético.
Então surge a timidez; a criança fica atenta ao efeito que pode produzir no outro, à imponência de seu
porte, por uma espécie de narcisismo motor.

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Seu nome, sua idade, seu domicílio se lhe tornam uma imagem de sua pequena personagem, da qual
faz, aliás, como que uma testemunha de seus próprios pensamentos.
Já apta para observar, ele se dispersa menos e prossegue com mais calma e perseverança uma
ocupação empreendida.
Pela mesma época, aparece a necessidade de imitação. A criança tenta imitar para tomar o lugar do
outro, para proporcionar-se o espetáculo de seu eu enriquecido pelo outro, assim, a imitação tem o caráter
de uma rivalidade com o adulto que a criança gostaria de excluir.
Observemos, de passagem, que os psicanalistas consideram esse período particularmente decisivo
na formação da personalidade. As relações afetivas entre a criança e seu meio familiar adquirem uma
forma precisa. O ciúme pode aparecer, notadamente em relação ao pai, sentido a um só tempo como um
rival e como um modelo e, de um modo mais geral, símbolo do Outro.
Nessa idade, a criança ainda tem grandes exigências afetivas, tem sede de solicitude e deve ser
cercada de uma atmosfera de ternura: a disciplina da escola maternal não pode apresentar a frieza
objetiva que assumirá na escola primária. Do ponto de vista intelectual, a criança tornou-se capaz de
classificar e distribuir os objetos conforme certas categorias genéricas: cores, formas, dimensões, etc.
Mas sua personalidade não está inteiramente diferenciada. Em sua família, ela se pensa sempre
dentro de uma constelação de pessoas na qual não sabe distinguir muito bem sua própria pessoa do
lugar que ela ocupa entre os outros.
Assinalaram com acerto a importância, para a formação da personalidade, da forma da constelação
familiar (número de filhos) e do lugar aí ocupado por tal criança (que, por exemplo, se conduzirá como
"primogênito" a vida inteira).
7. A idade escolar. Depois dos 6 anos, com uma nova reviravolta, o interesse da criança vai voltar-se
sobretudo para as coisas. A idade da entrada na escola primária marca uma etapa importante: assim
como a atmosfera de ternura é natural à escola maternal, assim também se mostra superada na escola
primária. A criança mais lenta e delicada, a "queridinha", é caçoada e até duramente maltratada pelos
colegas, espécie de iniciação a um clima mais viril. Os colegas o põem na linha, por uma exigência da
sociedade escolar, que traduz uma grande maturidade das crianças dessa idade.
Por outro lado, as vicissitudes da vida escolar vão possibilitar a diferenciação da personalidade da
criança. Até então engastado na constelação familiar, ela vai, daí em diante, continuamente, passar de
uma situação para outra: ora mocinho e ora bandido, primeiro na corrida, mas último em história..., ela
distingue a noção de uma personalidade constante através dessas permutas perpétuas. É por isso que
os jogos que acarretam mudanças de papel têm a preferência das crianças dessa idade; e essa
instabilidade transposta para o plano intelectual prepara o caminho para um pensamento ou um
desenvolvimento menos subjetivos.
Na escola maternal, a monotonia das ocupações é a regra; a criança persevera em seu esforço até
esgotar o interesse; na escola primária, a criança é capaz de mudar de ocupação e de interesse em hora
fixa e por imposição.
No plano intelectual, o período de 7 a 12 anos é aquele em que o sincretismo recua ante a análise e a
síntese: as categorias intelectuais dissolvem e pulverizam aos poucos o global primitivo. A criança se
aproxima da objetividade da percepção e do pensamento dos adultos.
Do ponto de vista social, a criança se liberta das constelações puramente afetivas, é com vistas a
tarefas determinadas que se agrupa com colegas, escolhendo, por exemplo, uns colegas para tal jogo,
outros para o trabalho.
Entre companheiros, as conversas se reduzem a discussões sobre as aventuras comuns.
Daí resulta uma diversidade e uma reversibilidade de relações de cada um com cada um, da qual cada
um tira a noção de sua própria diversidade conforme as circunstâncias, mas também de sua unidade
fundamental através da diversidade das situações.
8. A época da puberdade parece pôr em xeque essa objetividade conquistada.
Sem estendermo-nos longamente sobre essa crise essencial, podemos dizer que, no plano afetivo, o
Eu volta a adquirir uma importância considerável; e, no plano intelectual, a criança supera o mundo das
coisas, para atingir o mundo das leis.

Conclusão

Nenhuma dessas etapas jamais é completamente superada e, em certas afeições, assiste-se à


ressurgência de estágios mais antigos.
De etapas em etapas, o desenvolvimento psíquico da criança mostra, através das diversidades e das
oposições das crises que o pontuam, uma espécie de unidade solidária, tanto no interior de cada fase
como entre todas elas.

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É contra a natureza tratar a criança fragmentariamente. Em cada idade ela constitui um conjunto
indissociável e original. Na sucessão de suas idades, ela é um único e mesmo ser em metamorfose. Por
ser feita de contraste e de conflitos, sua unidade será ainda mais suscetível de ampliamento e de
enriquecimento.

HOFFMAN, Jussara. Avaliação mediadora: uma relação dialógica na construção


do conhecimento In: SE/SP/FDE. Revista IDEIAS nº 22, pág. 51 a 59.

11
O paradigma de avaliação que se opõe ao paradigma sentencioso, classificatório é o que denomino
de "avaliação mediadora".

“O que pretendo introduzir neste texto é a perspectiva da ação avaliativa como uma das mediações
pela qual se encorajaria a reorganização do saber. Ação, movimento, provocação, na tentativa de
reciprocidade intelectual entre os elementos da ação educativa. Professor e aluno buscando coordenar
seus pontos de vista, trocando ideias, reorganizando-as.”

Tal paradigma pretende opor-se ao modelo do "transmitir-verificar-registrar" e evoluir no sentido de


uma ação avaliativa reflexiva e desafiadora do educador em termos de contribuir, elucidar, favorecer a
troca de ideias entre e com seus alunos, num movimento de superação do saber transmitido a uma
produção de saber enriquecido, construído a partir da compreensão dos fenômenos estudados.
E, de fato, o que se observa na investigação da prática avaliativa dos três graus de ensino é, ao
contrário de uma evolução, um fortalecimento da prática de julgamento de resultados alcançados pelo
aluno e definidos como ideais pelo professor.
Alguns fatores parecem contribuir para a manutenção de tal concepção: a autonomia didática dos
professores, decorrente de suas especializações em determinadas disciplinas e/ou áreas de pesquisa,
que dificulta a articulação necessária entre os docentes, a ponto de suscitar uma reflexão conjunta sobre
essa questão; a estrutura curricular, por exemplo, do 39 Grau, com o regimento de matrícula por
disciplinas que, desobrigando à seriação conjunta dos alunos, impede os professores de avaliarem a
trajetória do estudante em seu curso superior, em termos do acompanhamento efetivo de seus avanços
e de suas dificuldades; além desses, a natureza da formação didática dos professores, que se revela, na
maioria das vezes, por um quadro de ausência absoluta de aprofundamento teórico em avaliação
educacional.
Tomando ainda mais grave a postura conservadora dos professores, observamos que a avaliação é
um fenômeno com características seriamente reprodutivistas, ou seja, a prática que se instala nos cursos
de Magistério e Licenciatura é o modelo que vem a ser seguido no 1° e 2° Graus. Muito mais forte do que
qualquer influência teórica que o aluno desses cursos possa sofrer, a prática vivida por ele enquanto
estudante passa a ser modelo seguido quando professor. O que tal fenômeno provoca é, muitas vazes,
a reprodução de práticas avaliativas ora permissivas (a partir de cursos de formação que raramente
reprovam os estudantes), ora reprovativas (a partir de cursos, como os de Matemática, que apresentam
abusivos índices de reprovação nas disciplinas).
Muitos professores nem mesmo são conscientes da reprodução de um modelo, agindo sem
questionamento, sem reflexão, a respeito do significado da avaliação na Escola.
Aponto, então, algumas perguntas relacionadas à complexidade dessa questão:
• Como superar o descrédito de muitos professores relativo a sua perspectiva de avaliação enquanto
ação mediadora?
• Quais serão as questões emergências na discussão dessa perspectiva, levando-se em conta a
superficialidade da formação dos professores nessa área?
• Em que medida prevalece uma visão de conhecimento positivista fortalecedora da concepção
classificatória da avaliação?
O que se pretende é refletir sobre as origens desse descrédito e sobre o impacto que tal postura pode
causar nas relações que se estabelecem entre professor e aluno e em todas as estruturas do ensino.

"Uma vez estabelecidos os procedimentos de avaliação, os instrumentos e as medidas, a atribuição


de conceitos e sua aplicação, ou seja, as classificações segundo determinados padrões, passam (esses

11HOFFMAN, Jussara. Avaliação mediadora: uma relação dialógica na construção do conhecimento. In: SE/SP/FDE. Revista Ideias, nº 22, pág. 51 a 59.
<http://www.dn.senai.br/competencia/src/contextualizacao/celia-avaliacaomediadoraJussaraHoffmam.pdf>

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procedimentos) a ser vistos como atividades técnicas e neutras ao invés de formas interpretativas e
expressivas das relações sociais que estão incorporadas dentro da própria ideia de avaliação."

Considero reveladoras de tal postura de resistência dos professores algumas perguntas formuladas
por eles em seminários e encontros para discussão do tema Avaliação.
Algumas questões, repetidamente formuladas, serão ponto de partida dessa análise:
• Não estaremos nós, professores, sendo responsabilizados pelo fracasso de alunos desinteressados
e desatentos?
• Como é possível alterar nossa prática, considerando o número de alunos com que trabalhamos e o
reduzido tempo em que permanecemos com as turmas?
• Não é necessário, nessa proposta, uma enorme disponibilidade do professor para atendimento aos
alunos?
• Em que medida formaremos um profissional competente sem uma prática avaliativa exigente e
classificatória (competitiva)?
• Será possível alterar o paradigma da avaliação diante das exigências burocráticas do sistema? Não
se deveria começar por alterá-las?

Pretendo, inicialmente, analisar o conteúdo das perguntas que vêm sendo formuladas pelos
professores e refletir sobre suas concepções. É preciso dizer que serão apontadas algumas hipóteses
sobre concepções implícitas às perguntas formuladas como tentativa preliminar de análise do seu
significado. Outras hipóteses, sem dúvida, poderão ser sugeridas, ampliando-se essa discussão.

PERGUNTAS DOS PROFESSORES HIPÓTESES DE CONCEPÇÕES


Não estaremos nós, professores, sendo
Os alunos não aprendem porque não estudam a
responsabilizados pelo fracasso de alunos
matéria e não presta, atenção à aula.
desinteressados e desatentos?
Como é possível altera nossa prática,
Um paradigma de avaliação mediadora exige do
considerando o número de alunos com que
professor maior tempo de permanência em sala de
trabalhamos e o reduzido tempo em que
aula com os alunos.
permanecemos com as turmas?
Não é necessário, para tanto, uma enorme
Um paradigma de avaliação mediadora exige
disponibilidade do professor para atendimento
atendimento direto e individualizado ao aluno.
aos alunos?
Em que medida formaremos um profissional
A avaliação comparativa e classificatória garante
competente sem uma prática avaliativa
a qualidade de ensino.
exigente e classificatória?
Será possível alterar o paradigma de avaliação
diante das exigências burocráticas do A avaliação classificatória não é opção do
sistema? Não se deveria começar por alterá- professor, mas exigência do sistema.
las?

A primeira pergunta e a hipótese apontada poderiam introduzir a análise da relação entre a concepção
de avaliação e a visão de conhecimento do professor. Ou seja: em que medida o repensar sobre a
avaliação exigiria investigar como o professor concebe a relação sujeito-objeto na produção de
conhecimento?
Se concebe a aprendizagem do ponto de vista comportamentalista, o professor defines como uma
modificação de comportamento produzida por alguém que ensina em alguém que aprende. O
conhecimento do aluno vem dos objetos e cabe ao professor organizar os estímulos com os quais o aluno
entrará em contato para aprender. A prática pedagógica consistirá, então, na transmissão clara e explícita
dos conteúdos pelo professor, apresentando exemplos preferentemente concretos (organização de
estímulos). Essa situação, por si só, promoverá a aprendizagem, desde que o aluno entre em contato
com tais estímulos, esteja atento às situações. Assim, se o professor oferecer explicações claras, textos
explicativos consistentes e organizar o ambiente pedagógico, o aluno aprenderá, exceto se não estiver
presente, ou não estiver atento às explicações, ou não memorizar os dados transmitidos pelo professor,
ou não cumprir as tarefas de leitura solicitadas.
A hipótese que anuncio é que uma tal visão de conhecimento positivista vincula-se a uma prática
avaliativa de observação e registro de dados.

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
Assim como supervaloriza as informações que transmite ao aluno e exige que ele permaneça alerta a
tais informações, o professor também o toma como seu objeto de conhecimento, ou seja, permanece
atento aos "fatos objetivos": o aluno passa a ser um objeto de estudo do professor, que o capta apenas
em seus atributos palpáveis, mensuráveis, observáveis. Sua prática avaliativa revela intenções de coleta
de dados em relação ao aluno, dele registrando dados precisos e fidedignos.
Dessa forma, o professor não assume absolutamente a responsabilidade em relação ao fracasso do
aluno. Em primeiro lugar, porque representaria assumir sua incompetência na organização do trabalho
pedagógico, uma apresentação inadequada de estímulos à aprendizagem. Em segundo lugar, porque
aquilo que faz geralmente se traduz em resultados positivos. Ou seja, alguns alunos, ou a maioria,
aprendem. Se a ação produz modificação de comportamentos em alguns alunos, então o problema está
nos alunos e não na ação do professor. Sem ultrapassar a visão comportamentalista de conhecimento,
nenhuma outra hipótese é levantada pelo professor sobre as dificuldades que os alunos apresentam,
senão a sua desatenção e desinteresse. Em terceiro lugar, porque, coerente com tal visão de
conhecimento, o avaliar reduz-se, para ele, à observação e ao registro dos resultados alcançados pelos
alunos ao final de um período. Tal visão não absorve uma perspectiva reflexiva e mediadora da avaliação.
O que pretendo argumentar é que a visão comportamentalista dos professores parece manifestar-se
de forma radical em sua prática avaliativa, e é muito grave a sua resistência em perceber o autoritarismo
inerente a tal concepção. Sem considerarem possíveis outras explicações para o fracasso dos estudantes
que não o comprometimento deles (o que também é importante, mas não razão absoluta), não podem
evoluir no sentido de dois princípios presentes a uma avaliação enquanto mediação: o do
acompanhamento reflexivo e o do diálogo.
Introduzindo esses princípios, estaríamos, assim, analisando as concepções implícitas às seguintes
perguntas dos professores:
• Como é possível alterar nossa prática, considerando o número de alunos com que trabalhamos e o
reduzido tempo em que permanecemos com as turmas?
• Não é necessário, nessa proposta, uma enorme disponibilidade do professor para atendimento aos
alunos?

As hipóteses que aponto dizem respeito a uma percepção de que os professores estariam
considerando a perspectiva de avaliação mediadora uma prática impossível, ou difícil, porque tal
perspectiva exigiria deles uma relação intensa em tempo com seus alunos e direta, a partir de um
atendimento que se processaria individualmente e através de uma comunicação verbal por meio de
explicações, orientações e encaminhamentos. Tal prática seria dificultada, assim, pelo panorama da
Escola atual: número de alunos por turma, carga horária das disciplinas, tempo disponível do professor
para atendimento individual aos alunos etc.
É preciso investigar, então, a compreensão pelos professores dos termos acompanhamento e diálogo.
Entendo que ambos podem receber definições diferenciadas, conforme estiverem atrelados a uma ou a
outra matriz epistemológica.
O termo diálogo, por exemplo, pode significar simplesmente conversa, não querendo, contudo, dizer
que haja entendimento entre as pessoas que conversam. Ora, se compreendido dessa forma, o princípio
do diálogo como linha norteadora de uma avaliação mediadora pode provocar um sentimento de
impossibilidade nos professores, principalmente nos de 2º. e 3º. graus. Isto porque é impossível haver
tempo para conversar com todos os alunos de todas as turmas, sobre todas as questões que levantam.
Suspeito daí que alguns professores considerariam possível tal prática apenas no 1° Grau, nas séries
iniciais por exemplo, pelo contato permanente dos professores com suas crianças.
Da mesma forma, o significado do termo acompanhar também pode ser o de estar junto a, caminhar
junto de. E isto exigiria igualmente do professor maior tempo com seus alunos.
Estes dois termos, atrelados a uma visão de conhecimento positivista, podem estar sendo utilizados
de forma reducionista. Através do diálogo, entendido como momento de conversa com os alunos, o
professor despertaria o interesse e a atenção pelo conteúdo a ser transmitido. O acompanhamento
significaria estar junto aos alunos, em todos os momentos possíveis, para observar passo a passo seus
resultados individuais.
O que significa que tanto o acompanhamento quanto o diálogo, assim concebidos, não conduziriam o
professor, obrigatoriamente, a uma prática avaliativa mediadora.
Em uma investigação sobre o significado do termo acompanhar, 29 professores de 1º. Grau, dentre 32
respondentes, disseram que acompanhavam os alunos todos os dias, continuamente, em todas as
situações de sala de aula. Entretanto, todos os 32 professores definiram avaliação por verificação de
resultados alcançados (através de enunciados diversos). Quero dizer que se os professores disseram

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acompanhar os alunos, o sentido do seu acompanhar pode ter sido o de observar e registrar todo o tempo
o que o aluno é capaz de demonstrar.
Meus estudos buscam contrapor-se a essa perceptível resistência de muitos professores,
hipoteticamente justificada por uma compreensão reducionista e positivista de alguns princípios
essenciais da avaliação mediadora.
A avaliação, enquanto relação dialógica, vai conceber o conhecimento como apropriação do saber
pelo aluno e também pelo professor, como ação-reflexão-ação que se passa na sala de aula em direção
a um saber aprimorado, enriquecido, carregado de significados, de compreensão. Dessa forma, a
avaliação passa a exigir do professor uma relação epistemológica com o aluno - uma conexão entendida
como reflexão aprofundada a respeito das formas como se dá a compreensão do educando sobre o objeto
do conhecimento.
"O confronto que se passa na sala de aula não se passa entre alguém que sabe um conteúdo (o
professor) e alguém que não sabe (o aluno) mas entre pessoas e o próprio conteúdo, na busca de sua
apropriação."

O diálogo, entendido a partir dessa relação epistemológica, não se processa obrigatoriamente através
de conversa enquanto comunicação verbal com o estudante.
É mais amplo e complexo e, até mesmo, dispensa a conversa.

“Antes de mais nada, Ire, penso que deveríamos entender o diálogo' não como uma técnica apenas
que podemos usar pare conseguir bons resultados.
Também não podemos, não devemos entender o diálogo como uma tática que usamos pare fazer dos
alunos nossos amigos. Isso faria do diálogo uma técnica pare a manipulação, em vez de iluminação.
Ao contrário, o diálogo deve ser entendido como algo que faz parte da própria natureza histórica dos
seres humanos. É parte de nosso progresso histórico, do caminho pare nos tomarmos seres humanos.
(...) o diálogo é o momento em que os humanos se encontrem pare refletir sobre sua realidade tal como
a fazem e re-fazem".

Em que medida o professor reflete sobre as tarefas dos seus alunos? Como se dá tal reflexão?
Percebe-se que as tarefas produzidas pelos alunos são solicitadas apenas ao final dos períodos letivos.
Qual o significado desse procedimento? É possível encaminhar o aluno a uma reflexão crítica sobre seus
posicionamentos, após concluídos os períodos? Justificam-se trabalhos, provas e relatórios que jamais
serão discutidos ou analisados em conjunto pelo educador e educando?

"Como bem o expressa P. Meirieu, a aprendizagem supõe duas exigências complementares: é preciso
que o mestre se adapte ao aluno, se faça epistemólogo de sua inteligência, estando atento ás
eventualidades de sua história pessoal, e é precisamente porque o mestra terá gasto tempo para isso
que ele estará á altura de confrontar o aluno com a alteridade, de ajudá-lo á se superar."

Se o aluno é considerado um receptor passivo dos conteúdos que o docente sistematiza, suas falhas,
seus argumentos incompletos e inconsistentes não são considerados senão algo indesejável e digno de
um dado de reprovação. Contrariamente, se introduzimos a problemática do erro numa perspectiva
dialógica e construtivista, então o erro é fecundo e positivo, um elemento fundamental à produção de
conhecimento pelo ser humano. A opção epistemológica está em corrigir ou refletir sobre a tarefa do
aluno. Corrigir para ver se aprendeu reflete o paradigma positivista da avaliação. Refletir a respeito da
produção de conhecimento do aluno para encaminha-lo à superação, ao enriquecimento do saber
significa desenvolver uma ação avaliativa mediadora.
O termo acompanhamento, conforme o entendermos, complementa ou não esse significado.
Acompanhar pode ser definido por favorecer, e não simplesmente por estar junto a. Ou seja, o
acompanhamento do processo de construção de conhecimento implica favorecer o
desenvolvimento do aluno, orientá-lo nas tarefas, oferecer-lhe novas leituras ou explicações,
sugerir-lhe investigações, proporcionar-lhe vivências enriquecedoras e favorecedoras à sua
ampliação do saber. Não significa acompanhar todas as suas ações e tarefas para dizer que está ou
não apto em determinada matéria. Significa, sim, responsabilizar-se pelo seu aprimoramento, pelo seu "ir
além".
De forma alguma é uma relação puramente afetiva ou emotiva; significa uma reflexão teórica sobre as
possibilidades de abertura do aluno a novas condutas, de elaboração de esquemas de argumentação,
contra argumentação, para o enfrentamento de novas tarefas.

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
O esquema a seguir delineie as possíveis relações de investigação entre as diferentes concepções
sobre o aprender e o avaliar, bem como o entendimento dos termos acompanhamento e diálogo a partir
dessas concepções.

APRENDER AVALIAR
Avaliação significa o controle permanentemente
exercido sobre o aluno no intuito de ele chegar a
Aprendizagem significa modificação de demonstrar comportamentos definidos pelo
comportamento que alguém que ensina professor.
produz em alguém que aprende. Dialogar é perguntar e ouvir respostas.
Acompanhar significa estar sempre junto para
observar e registrar resultados.
Avaliação significa ação provocativa do professor,
desafiando o educando a refletir sobre as
situações vividas, a formular e reformular
hipóteses, encaminhando-se a um saber
Aprendizagem significa descobri a razão das enriquecido.
coisas e pressupõe a organização das Dialogar é refletir em conjunto (professor e aluno)
experiências vividas pelos sujeitos numa sobre o objeto de conhecimento. Exige
compreensão progressiva das nações. aprofundamento em teorias de conhecimento e
nas diferentes áreas do saber.
Acompanhar é favorecer o “vir a ser”,
desenvolvendo ações educativas que possibilitem
novas descobertas.

Complementando a análise das falas dos professores, restam-nos duas últimas perguntas apontadas
no início deste estudo:
• Em que medida formaremos um profissional competente sem uma prática avaliativa exigente e
classificatória?
• Será possível alterar a prática avaliativa diante das exigências burocráticas do sistema? Não se
deveria começar por alterá-las?

Parece-me que a concepção positivista de Educação, aliada a uma função capitalista e liberal da
sociedade, reforça a prática avaliativa em sua feição de "competência", através das armas da
classificação e da competição.
Os professores dizem perseguir uma "Escola de qualidade", sendo exigentes na avaliação; no entanto,
contribuem sobremaneira para o afastamento de milhares de crianças e jovens da Escola e da
Universidade através do fator de reprovação continuada. Escolas públicas de 1ª. grau iniciam seu ano
letivo com dez turmas de 1ª série e, concomitantemente, com turmas únicas de 8ª. série (com poucos
alunos). Há uma discrepância enorme entre o número de escolas públicas de 1ª. grau e a oferta de vagas
no 2°- Grau. A reprovação no vestibular, por sua vez, é maciça, além de ocorrer um alto índice de evasão
nos cursos universitários. Esse panorama é representativo de um "ensino de qualidade"? As exigências
avaliativas, desprovidas muitas vezes de significado quanto ao desenvolvimento efetivo das crianças e
dos jovens, favorecem a manutenção de uma Escola elitista e autoritária. Os pronunciamentos dos
professores formam um todo vinculado e consistente em torno de um mesmo significado liberal.
No aprofundamento desse fenômeno, proponho a tomada de consciência dós educadores quanto ao
sentido da avaliação na Escola. Hoje é difícil até mesmo iniciar essa discussão.
Muitos professores nem chegam a participar dessas discussões, porque não se sentem sequer
incomodados diante desse panorama.
As questões e considerações deste estudo pretendem, justamente, delinear uma investigação que
julgo necessária. Ou seja, sobre a força da relação entre concepções do aprender e do avaliar nos três
graus de ensino; uma relação que ainda não percebo em sua total complexidade, mas que se refere
essencialmente ao descrédito que se estabelece quanto a uma perspectiva de avaliação mediadora
devido à postura comportamentalista e conservadora dos educadores.
O que busco enunciar é uma necessária investigação no que diz respeito ao significado da avaliação
enquanto relação dialógica na construção do conhecimento, privilegiando a feição de mediação sobre a
de informação na avaliação do aluno e buscando a compreensão da prática avaliativa dos professores.

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. 1ª
Edição – Porto Alegre, Artmed, 2002.

Cap. 1 – Ler e Escrever na escola: o real, o possível e o necessário.

Ensinar12 a ler e escrever é um desafio que transcende amplamente a alfabetização em sentido estrito.
Participar na cultura escrita supõe apropriar-se de uma tradição de leitura e escrita e isso requer que
a escola funcione como uma micro comunidade de leitores e escritores.
O necessário é fazer da escola uma comunidade de escritores que produzem seus próprios textos
para mostrar suas ideias, para informar sobre fatos que os destinatários necessitam ou deve conhecer,
para iniciar seus leitores a empreender ações que consideram valiosas, para convencê-los da validade
dos pontos de vista ou das propostas que tentam promover, para reclamar, para compartilhar com os
demais uma bela frase ou um belo escrito, para intrigar ou fazer rir...
Fazer da escola um âmbito onde leitura e escrita sejam práticas vivas e vitais, onde ler e escrever
sejam instrumentos poderosos que permitem repensar o mundo e reorganizar o próprio pensamento,
onde interpretar e produzir textos sejam direitos legítimos a exercer e responsabilidades que é necessário
assumir. O necessário é preservar o sentido do objeto de ensino para o sujeito da aprendizagem.

O real é que levar à prática o necessário é uma tarefa difícil para a escola porque:

1- a escolarização das práticas de leitura e de escrita apresenta problemas árduos;


2- os propósitos que se perseguem na escola ao ler e escrever são diferentes dos que orientam a
leitura e a escrita fora dela;
3- a inevitável distribuição dos conteúdos no tempo pode levar a parcelar o objeto de ensino;
4- a necessidade institucional de controlar a aprendizagem leva a pôr em primeiro plano somente os
aspectos mais acessíveis à avaliação;
5- a maneira como se distribuem os direitos e obrigações entre o professor e os alunos determina quais
são os conhecimentos e estratégias que as crianças têm ou não têm oportunidade de exercer e, portanto,
quais poderão ou não poderão aprender.

Tensões entre os propósitos escolares e extraescolares da leitura e da escrita

Na escola, não são “naturais” os propósitos que nós, leitores e escritores, perseguimos habitualmente
fora dela: como estão em primeiro plano os propósitos didáticos que são mediatos do ponto de vista dos
alunos, porque estão vinculados aos conhecimentos que eles necessitam aprender para utilizá-los em
sua vida futura, os propósitos comunicativos – tais como escrever para estabelecer ou manter contato
com alguém distante, ou ler para conhecer outro mundo possível e pensar sobre o próprio desde uma
nova perspectiva – costumam ser relegados ou excluídos.

Relação saber-duração versus preservação do sentido

No caso da língua escrita, tradicionalmente a distribuição de conteúdos no tempo tem acontecido de


forma que, no primeiro ano de escolaridade, exige-se dominar o “código” e, somente no segundo,
“compreender e produzir textos breves e simples”; propor, no começo, certas sílabas ou palavras e
introduzir outras nas semanas consecutivas, graduando as dificuldades. O ensino se estrutura assim,
conforme um eixo temporal único, segundo uma lógica linear, acumulativa e irreversível.

Tal organização do tempo do ensino entra em contradição com o tempo de aprendizagem e com a
natureza das práticas de leitura e escrita.

Tensão entre duas necessidades institucionais: ensinar e controlar a aprendizagem

A responsabilidade social assumida pela escola gera uma forte necessidade de controle: a instituição
necessita conhecer os resultados de seu funcionamento, necessita avaliar as aprendizagens. Essa
necessidade – indubitavelmente legítima – costuma ter consequências indesejadas: como se tenta

12 http://meucantoeduc.blogspot.com.br/2010/01/delia-lerner-ler-e-escrever-na-escola-o.html

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
exercer um controle exaustivo sobre a aprendizagem da leitura, se lê somente no marco de situações que
permitem ao professor avaliar a compreensão ou a fluência da leitura em voz alta.

O que fazer para preservar na escola o sentido que a leitura e a escrita têm fora dela?

Pode-se formular como conteúdos do ensino não só os saberes linguísticos como também as tarefas
do leitor e do escritor: fazer antecipações sobre o sentido do texto que se está lendo e tentar verifica-las
recorrendo à informação visual, discutir diversas interpretações acerca de um mesmo material, comentar
o que se leu e compará-lo com outras obras do mesmo ou de outros autores, recomendar livros, contrastar
informações provenientes de diversas fontes sobre um tema de interesse, acompanhar um autor
preferido, compartilhar a leitura com outros, atrever-se a ler textos difíceis, tomar notas para registrar
informações...

É preciso também articular os propósitos didáticos – cujo cumprimento é mais mediato – com
propósitos comunicativos que tenham um sentido “atual” para o aluno e tenham correspondência com os
que habitualmente orientam a leitura fora da escola.

Cap. 2 – Para transformar o Ensino da Leitura e da Escrita

É importante distinguir as propostas de mudança que são produto da busca rigorosa de soluções para
os graves problemas educativos que enfrentamos daquelas que pertencem ao domínio da moda.

A capacitação: condição necessária, mas não suficiente para a mudança na proposta didática.

A capacitação está longe de ser a panaceia universal que tanto gostaríamos de descobrir. Não bastará
capacitar os docentes, será imprescindível também estudar quais as condições institucionais para a
mudança, quais são os aspectos de nossa proposta que têm mais possibilidade de ser acolhidos pela
escola e quais requerem a construção de esquemas prévios para serem assimilados.

Acerca da transposição didática: a leitura e a escrita como objetos de ensino

O primeiro aspecto que deve ser analisado é o abismo que separa a prática escolar da prática social
da leitura e da escrita. (...) Na sala de aula, espera-se que as crianças produzam textos num só tempo
muito breve e escrevam diretamente a versão final, enquanto que fora dela produzir um texto é um longo
processo que requer muitos rascunhos e reiteradas revisões. Ler é uma tarefa orientada por propósitos
na nossa vida social. No âmbito escolar, se lê somente para aprender a ler e se escreve somente para
aprender a escrever...

O fenômeno da transposição didática afeta todos aqueles saberes que ingressam na escola para
serem ensinados e aprendidos.
Não é a mesma coisa aprender algo – a ler e escrever, por exemplo – na instituição escola ou a
instituição família. Todo saber e toda competência estão modelados pelo aqui e agora da situação
institucional em que se produzem. Ao se transformar em objeto de ensino, o saber ou a prática a ensinar
se modifica: é necessário selecionar-se algumas questões em vez de outras.

Tanto a língua escrita como a prática da leitura e da escrita se tornam fragmentárias, são detalhadas
de tal modo que perde sua identidade.

Fragmentar assim os objetos a ensinar permite alimentar duas ilusões muito arraigadas na tradição
escolar: contornar a complexidade dos objetos de conhecimento reduzindo-os a seus elementos mais
simples e exercer um controle estrito sobre a aprendizagem lamentavelmente a simplificação faz
desaparecer o objeto que se pretende ensinar.

A transposição didática é inevitável, mas deve ser rigorosamente controlada

Acerca do “contrato didático”

O “contrato didático” compromete não apenas o professor e os alunos como também o saber, já que
este último sofre modificações ao ser comunicado, ao ingressar na relação didática. A distribuição de

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
direitos e responsabilidades entre o professor e os alunos adquire características específicas em relação
a cada conteúdo.

Se, por outro lado, o aluno tem a obrigação de escrever diretamente a versão final dos poucos textos
que elabora, se não tem direito a apagar, nem a riscar, nem a fazer rascunhos sucessivos; se também
não tem direito a revisar e corrigir o que escreveu, porque a função de correção é desempenhada
exclusivamente pelo professor, então como poderá ser um praticante autônomo e competente da escrita?

Ferramentas para transformar o ensino

Devem ser levadas em conta – as seguintes questões:


1 – A necessidade de estabelecer objetivos por ciclo – ao atenuar a tirania do tempo didático, torna-se
possível evitar – ou pelo menos reduzir ao mínimo – a fragmentação do conhecimento e abordar então o
objeto de conhecimento em toda a sua complexidade.
2 – A importância de atribuir aos objetivos gerais, prioridade absoluta sobre os objetivos específicos –
a ação educativa deve estar permanentemente orientada pelos propósitos essenciais que lhe dão sentido,
é necessário evitar que estes fiquem ocultos atrás de uma longa lista de objetivos específicos, que, em
muitos casos, estão desconectados tanto entre si como dos objetivos gerais dos quais deveriam
depender.
3 – A necessidade de evitar o estabelecimento de uma correspondência termo a termo entre objetivos
e atividades, correspondência que leva certamente ao parcelamento da língua escrita e à fragmentação
indevida de atos tão complexos como a leitura e a escrita.
4 – A necessidade de superar a tradicional separação entre “alfabetização em sentido estrito” e
“alfabetização em sentido amplo” ou entre “apropriação do sistema de escrita” e “desenvolvimento da
leitura e da escrita”. Essa separação é um dos fatores responsáveis pelo fato da educação no ensino
fundamental centrar-se na sonorização desvinculada do significado, e da compreensão do texto ser
exigida nos níveis posteriores de ensino. Sabemos que o significado não é um subproduto da oralização,
mas o guia que orienta a seleção da informação visual; sabemos que as crianças reelaboram
simultaneamente o sistema de escrita e a “linguagem que se escreve”.
- reformular a concepção do objeto de ensino em função das contribuições linguísticas e a concepção
do sujeito que aprende a ler e a escrever, de acordo com as contribuições psicolinguísticas desde uma
perspectiva construtivista;
- promover o trabalho em equipe, superando o isolamento no qual costumam trabalhar os professores;

-elaborar projetos institucionais –apelo à participação dos pais;

- definir modificações que desterrem o mito da homogeneidade e o substituam pela aceitação da


diversidade cultural e individual dos alunos – evitar a formação de “grupos homogêneos” ou “grupos de
recuperação”, que só servem para incrementar a discriminação escolar.

Cap. 3 – Apontamentos a partir da Perspectiva Curricular

Algumas ideias essenciais à Perspectiva curricular:

1 – Todos os problemas que se enfrentam na produção curricular são problemas didáticos. Os saberes
das outras disciplinas – em particular os da lingüística, que estuda o objeto, e os da psicolinguística, que
estuda a elaboração do conhecimento lingüístico por parte do sujeito – estão indubitavelmente presentes,
mas intervêm apenas articulando-se para compreender melhor os problemas didáticos.
2 – Quando se propõe uma transformação didática, é necessário levar em conta a natureza da
instituição que a realizará e as pressões e restrições que lhe são inerentes, derivadas da função social
que lhe foi atribuída.
3 – O problema didático fundamental que devemos enfrentar é o da preservação do sentido do saber
ou das práticas que se estão ensinando. Em relação ao projeto curricular, preservar o sentido do objeto
do ensino – da leitura e da escrita, neste caso.

Construir o objeto de ensino


Decidir quais serão os conteúdos que devem ser ensinados implica em se fazer uma verdadeira
reconstrução do objeto. Trata-se de um primeiro nível de transposição didática: a passagem dos saberes

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cientificamente produzidos ou das práticas socialmente realizadas para os objetos ou práticas a ensinar.
Vejamos em que sentido essa passagem supõe uma construção:
1 – selecionar é imprescindível, porque é impossível ensinar tudo; mas, ao selecionar determinados
conteúdos, nós os separamos do contexto da ciência ou da realidade em que estão imersos e, nessa
medida, eles são transformados e reelaborados.
2 – por outro lado, toda seleção supõe ao mesmo tempo uma hierarquização.
Em que se basear para fazer as escolhas dos conteúdos? Pode-se afirmar que o grande propósito
educativo do ensino da leitura e da escrita no curso da educação obrigatória é o de incorporar as crianças
à comunidade de leitores e escritores. O objeto de ensino deve-se então se definir tomando como
referência fundamental as práticas sociais de leitura e de escrita. Sustentar isso é muito diferente de
sustentar que o objeto de ensino é a língua escrita: ao pôr em primeiro plano as práticas, o objeto de
ensino inclui a língua, mas não se reduz a ela.
O modelo “ensinar a ler para ensinar a língua” se expressava fundamentalmente na utilização de
“textos escolhidos”, que eram utilizados como ponto de partida para exercícios gramaticais ou
ortográficos.
Ainda hoje em dia é frequente que se selecionem os aspectos descritivos e normativos como eixo do
ensino da língua. Está sendo dada uma grande ênfase aos textos como tais ou, melhor dizendo, nas
superestruturas textuais como tais, e está se correndo o risco de que esses conteúdos se desvinculem
da leitura e da escrita, separem-se das ações e situações em cujo contexto tem sentido.
A definição dos formatos textuais – características superestruturais - ocupa um lugar de importância
na maioria dos livros-texto recentes. Um dos motivos é a tendência da instituição escolar ter grande
inclinação para as classificações. O risco que se corre ao dar tanta importância a essa questão é o
seguinte: embora manejar as características superestruturais ajude, por exemplo, a fazer antecipações
ajustadas ao gênero, isso não é suficiente para resolver a multiplicidade de problemas envolvidos na
construção ou na compreensão de cada texto.
Definir como objeto de ensino as práticas sociais de leitura e de escrita supõe dar ênfase aos
propósitos da leitura e da escrita em distintas situações – razões que levam as pessoas a ler e escrever.
Sustentar que o objeto de ensino se constrói tomando como referência fundamental a prática social da
leitura e da escrita supõe, então, incluir os textos, mas não reduzir o objeto de ensino a eles.
Como o mostrou a teoria crítica de currículo – decidir quais aspectos do objeto são mostrados supõe
também decidir quais são ocultados; decidir o que é que se ensina significa, ao mesmo tempo e
necessariamente, decidir o que é que não se ensina.

Caracterizar o objeto de referência: as práticas de leitura e escrita

As análises históricas revelaram que as práticas de leitura parecem ter sido em primeiro lugar,
intensivas, para depois se transformarem, pouco a pouco, em extensivas.
Isto quer dizer que originalmente se liam uns poucos textos de maneira muito intensa, profunda e
reiterada, e depois houve uma mudança para outra maneira de ler, que abarca uma enorme quantidade
de textos e opera de maneira mais rápida e superficial. As duas modalidades costumam existir em uma
mesma sociedade.

Uma pode predominar sobre a outra e podem distribuir-se de maneira diferente em função dos grupos
sociais. Nos setores mais abastados, as práticas tendem a ser mais extensivas, enquanto que as práticas
intensivas perduraram por muito tempo nos grupos populares.
Com relação à dimensão público-privado, embora na atualidade a leitura tenda a ser mais privada,
persistem, no entanto, muitas situações de leitura pública: políticos leem seus discursos, nos grupos de
estudo há a leitura compartilhada, etc.

Explicitar conteúdos envolvidos nas práticas

A que se deve essa distância entre o que se tenta fazer e o que efetivamente se faz? Entre as razões
que a explicam, há uma que é fundamental considerar ao planejar um currículo: não é suficiente – da
perspectiva do papel docente – reconhecer que se aprende a ler, lendo e que se aprende a escrever,
escrevendo. É imprescindível, além disso, esclarecer o que é que se aprende quando se lê ou se escreve
em aula, quais são os conteúdos que se estão ensinando e aprendendo ao ler ou ao escrever.
Determinar um lugar importante para o que os leitores fazem, supõe conceber como conteúdos
fundamentais do ensino os comportamentos do leitor, os comportamentos do escritor.

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Consideram-se assim duas dimensões: por um lado, a dimensão social – interpessoal, pública, e, por
outro lado, uma dimensão psicológica – pessoal, privada.
Entre os comportamentos do leitor, que implicam interações com outras pessoas acerca dos textos,
encontram-se, por exemplo, as seguintes: comentar ou recomendar o que leu, compartilhar a leitura,
confrontar com outros leitores as interpretações geradas por um livro ou notícia, discutir sobre as
intenções implícitas nas manchetes de certo jornal.
Entre os mais privados, por outro lado, encontram-se comportamentos como antecipar o que segue no
texto, reler um fragmento anterior para verificar o que se compreendeu, quando se detecta uma
incongruência, saltar o que não se entende ou não interessa e avançar para compreender melhor,
identificar-se com o autor ou distanciar-se dela assumindo uma posição crítica, adequar a modalidade de
leitura – exploratória, exaustiva, pausada ou rápida, cuidadosa ou descompromissada... – aos propósitos
que se perseguem e ao texto que se está lendo...
Planejar, textualizar, revisar mais de uma vez... são os grandes comportamentos do escritor, que não
são observáveis exteriormente e que acontecem, em geral em particular. É necessário ainda que o
escritor considere os prováveis conhecimentos dos destinatários.

Podemos estabelecer que:

1 – Os comportamentos do leitor e do escritor são conteúdos – e não tarefas, como se poderia


acreditar;
2 – O conceito de “comportamentos do leitor e do escritor” não coincide com o de “conteúdos
procedimentais”. Enquanto estes últimos se definem por contraposição com os conteúdos “conceituais” e
“atitudinais”, pensar em “comportamentos” como instâncias constituintes de práticas de leitura e escrita.

Preservar o sentido dos conteúdos

Um primeiro risco é o de cair na tentação de transmitir verbalmente às crianças os conteúdos de


comportamento leitor e escritor. É útil distinguir conteúdos em ação e conteúdos objeto de reflexão. Um
conteúdo está em ação cada vez que é posto em jogo pelo professor ou pelos alunos ao lerem ou ao
escreverem, e é objeto de ensino e de aprendizagem mesmo quando não seja objeto de nenhuma
explicação verbal.
Exemplo: ler notícias com frequência permitirá às crianças tanto se familiarizarem com esse tipo de
texto como adequar cada vez mais a modalidade de leitura a suas características e, nessas situações.
A necessidade de refletir sobre ele pode apresentar-se quando algum membro do grupo necessite
ajuda para progredir em sua maneira de ler notícias.
O segundo risco que se corre ao explicitar os comportamentos do leitor e do escritor é o de produzir
um novo parcelamento do objeto de ensino. A leitura e a escrita são atos globais e indivisíveis e que
somente é possível se apropriar dos comportamentos que as constituem no quadro de situações
semelhantes às que têm lugar fora da escola, orientadas em direção a propósitos para cuja realização é
relevante ler e escrever.

O terceiro risco: acreditar que é suficiente abrir as portas da escola para que a leitura e a escrita entrem
nela e funcionem tal como fazem em outros ambientes sociais. Na escola a leitura e a escrita existem
enquanto objetos de ensino.

Cap. 4 – É possível ler na escola?

Há discrepâncias entre a versão social e a versão escolar da leitura: por que a leitura – tão útil na vida
real para cumprir diversos propósitos – aparece na escola como uma atividade gratuita, cujo único objetivo
é aprender a ler? Por que se ensina uma única maneira de ler – linearmente, palavra por palavra, desde
a primeira até a última que se encontra no texto; por que se enfatiza tanto a leitura oral – que não é muito
frequente em outros contextos – e tão pouca a leitura para si mesmo?
Por que se usam textos específicos para ensinar, diferentes dos que se leem fora da escola? Por que
se espera que a leitura reproduza com exatidão o que literalmente está escrito, se os leitores que se
concentram na construção de um significado para o texto evitam perder tempo em identificar cada uma
das palavras que nele figuram e costumam substituí-las por expressões sinônimas?
Por que se supõe na escola que existe uma só interpretação correta de cada texto (e
consequentemente se avalia), quando a experiência de todo leitor mostra tantas discussões originadas
nas diversas interpretações possíveis de um artigo ou de um romance?

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
A leitura aparece desgarrada dos propósitos que lhe dão sentido no uso social, porque a construção
do sentido não é considerada como uma condição necessária para a aprendizagem.
Por que se ensina uma única maneira de ler? Esta é, em primeiro lugar, uma consequência imediata
da ausência de propósitos que orientem a leitura.
O predomínio da leitura em voz alta deriva indubitavelmente de uma concepção da aprendizagem que
põe em primeiro plano as manifestações externas da atividade intelectual, deixando de lado os processos
subjacentes que as tornam possíveis.
O uso de textos especialmente projetados para o ensino da leitura é apenas uma das manifestações
de um postulado básico da concepção vigente na escola: o processo de aprendizagem evolui do “simples”
para o “complexo”.
Finalmente, o reconhecimento de uma única interpretação válida para cada texto é consistente com
uma postura segundo a qual o significado está no texto.
Gestão do tempo, apresentação dos conteúdos e organização das atividades.
O tempo é – todos nós, professores, sabemos muito bem – um fator de peso na instituição escola:
sempre é escasso em relação à quantidade de conteúdos fixados no programa, nunca é suficiente para
comunicar às crianças tudo o que desejaríamos ensinar em cada ano escolar. Não se trata somente de
produzir uma mudança qualitativa na utilização do tempo didático.

Duas condições são necessárias: manejar com flexibilidade a duração das situações didáticas e tornar
possível a retomada dos próprios conteúdos em diferentes oportunidades e a partir de perspectivas
diversas. Criar essas condições requer pôr em ação diferentes modalidades organizativas:

1 - Os projetos – permitem uma organização muito flexível do tempo: segundo o objetivo que se persiga,
pode ocupar somente uns dias, ou se desenvolver ao longo de vários meses. Os projetos de longa
duração proporcionam a oportunidade de compartilhar com os alunos o planejamento da tarefa e sua
distribuição no tempo: uma vez fixada a data em que o produto final de vê estar elaborado.
2- As atividades habituais – se reiteram de forma sistemática e previsível uma vez por semana ou por
quinzena, durante vários meses ou ao longo de todo ano escolar, oferecem a oportunidade de interagir
intensamente com um gênero determinado em cada ano da escolaridade e são particularmente
apropriadas para comunicar certos aspectos do comportamento leitor.
3 – As sequências de atividades – ao contrário dos projetos, que se orientam para a elaboração de um
produto tangível, as sequências didáticas incluem situações de leitura cujo único propósito explícito –
compartilhado com as crianças é ler. Ao contrário das atividades habituais, essas sequências têm uma
duração limitada a algumas semanas de aula, o que permite realizar várias delas no curso de um ano
letivo e se tem, assim, acesso a diferentes gêneros.
4 – As situações independentes podem classificar-se em dois subgrupos:
a) Situações ocasionais – Por exemplo - em algumas oportunidades, a professora encontra uma texto
que considera valioso compartilhar com as crianças, embora pertença a um gênero, ou trate de um tema
que não tem correspondência com as atividades que estão realizando nesse momento;
b) Situações de sistematização – Guardam sempre uma relação direta com os propósitos didáticos
que estão sendo trabalhados, porque permitem justamente sistematizar os conhecimentos linguísticos
construídos através das outras modalidades organizativas.

Acerca do controle: avaliar a leitura e ensinar a ler

A prioridade da avaliação deve determinar onde começa a prioridade do ensino. Quando a


necessidade de avaliar predomina sobre os objetivos didáticos, quando – como acontece no ensino usual
da leitura – a exigência de controlar a aprendizagem se erige em critério de seleção e hierarquização dos
conteúdos, produz-se uma redução no objeto de ensino.
Saber que o conhecimento é provisório, que os erros não se “fixam” e que tudo o que se aprende é
objeto de sucessivas reorganizações permite aceitar, com maior serenidade, a impossibilidade de
controlar tudo.
É necessário que a avaliação deixe de ser uma função privativa do professor, porque formar leitores
autônomos significa, entre outras coisas, capacitar os alunos para decidir quando sua interpretação é
correta e quando não o é, para estar atentos à coerência do sentido que vão construindo.
Para comunicar às crianças os comportamentos que são típicos do leitor, é necessário que o professor
os encarne na sala de aula, que proporcione a oportunidade a seus alunos de participar em atos de leitura
que ele está realizando, que trave com eles uma relação de “leitor para leitor”.

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Cap. 5 – O papel do conhecimento didático na formação do professor

O conhecimento didático como eixo do processo de capacitação

Coordenar as perspectivas dos participantes de uma situação decapacitação está longe de ser
simples. Os professores insistentemente nos faziam perguntas ou pedidos como estes: “Explique-nos
melhor como é a atividade que tem que ser feita para que as crianças aprendam este conteúdo
específico”, “qual destas atividades tem que ser feita primeiro e qual depois? ”, “qual é a intervenção mais
adequada, se as crianças cometem determinado erro? ... quando muitos professores apresentam os
mesmos problemas, o mínimo que tem que fazer o capacitador é se perguntar por que os apresentam e
tentar entender quais são e em que consistem os problemas que estão enfrentando.

As situações de “dupla conceitualização”

Possuem particular interesse as atividades que perseguem um duplo objetivo: conseguir, por um lado,
que os professores construam conhecimentos sobre um objeto de ensino e, por outro lado, que elaborem
conhecimentos referentes às condições didáticas necessárias para que seus alunos possam apropriar-
se desse objeto.

A atividade na aula como objeto de análise

Centrar-se no conhecimento didático supõe necessariamente incluir a aula no processo de


capacitação, pôr em primeiro plano o que ocorre realmente na classe, estudar o funcionamento do ensino
e da aprendizagem escolar da leitura e da escrita. Para cumprir esse requisito, um instrumento é
essencial: o registro de classe.

Sobre o registro de classe podemos apontar:

3 – Levar em conta as possibilidades e limitações dos registros de classe permite ampliar seu papel
no processo de capacitação. Os registros não são transparentes, nem são autossuficientes para pôr em
evidência os conteúdos que se quer comunicar através da sua análise. É necessário pôr em relevo aquilo
que será reproduzível, que pode ser válido para outras aplicações. É preciso levar em conta que alguns
aspectos fundamentais da situação são invisíveis – por exemplo, as conceitualizações do professor
acerca do conteúdo que está ensinando, nem as ideias que sustentam as decisões que toma no
transcurso da aula, nem as hipóteses que estão por trás do que as crianças dizem.

Por último, é importante levar em conta que o registro de classe é realizado em geral por uma pessoa
alheia ao grupo e que é comum aparecerem indícios da influência que essa presença tem no
desenvolvimento da situação

LIBÂNEO, J.C.; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M. S. Educação Escolar: políticas,


estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2003, capítulo III, da 4ª Parte.

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A história da estrutura e da organização do ensino no Brasil reflete as condições socioeconômicas
do país, mas revela, sobretudo, o panorama político de deter- minados períodos históricos.
A partir da década de 1980, por exemplo, o pano- rama socioeconômico brasileiro indicava uma
tendência neoconservadora para a minimização do Estado, que se afastava de seu papel de provedor
dos serviços públicos, como saúde e educação. Na década de 1990, esse modelo instalou-se e, no
primeiro decênio do século XXI, ainda não foi superado. Paradoxalmente, as alterações da organização
do trabalho, resultantes, em grande parte, dos avanços tecnológicos, solicitam da escola um trabalhador
mais qualificado para as novas funções no processo de produção e de serviços. Ausentando-se o Estado
de suas responsabilidades com educação pública, como e onde formar, então, o trabalhador? As
constantes críticas ao desempenho do poder público remetem ao setor privado, apontado como o mais
competente para essa tarefa. Apresenta- -se uma questão crucial para o entendimento do papel social da
escola: é sua função formar especificamente para o trabalho ou ela constitui espaço de formação do

13LIBÂNEO, José Carlos, OLIVEIRA, João Ferreira e TOSCHI, Mirza Seabra. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. 10ª. Ed., São Paulo: Cortez,
2012.

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
cidadão participe da vida social?
O teórico Hayek (1990), considerado o pai do neoliberalismo, contrapõe-se à ingerência estatal na
educação. Sua referência, porém, são os países em que a educação básica já foi universalizada e as
condições sociais são mais favoráveis, em razão de anterior consolidação do Estado de bem-estar social.
Mas como pensar a atuação do Estado no Brasil, país considerado periférico, com grandes desigualdades
sociais, perversa concentração de renda, baixo índice de escolaridade, escola básica não universalizada?
Certamente, para países com estas condições socioeconômicas, a receita deveria ser outra.
Organismos financiadores dos países terceiro-mundistas, como o Banco Internacional de
Reconstrução e Desenvolvimento, também chamado Banco Mundial (BM), sugerem a garantia de
educação básica mantida pelo Estado, isto é, gratuita, o que não significa, todavia, que ela seja ministrada
em escolas públicas. Os neoliberais criticam o fato de a escola pública manter o monopólio do ensino
gratuito. Sugerem que o Esta- do dê aos pais vales-escolas ou cheques com o valor necessário para
manter o estudo dos filhos, cabendo ao mercado de escolas públicas e particulares disputar esses
subsídios. Assim, as escolas públicas não recebe- riam recursos do Estado, mas manter-se-iam com o
recebimento desses valores em condições iguais às das particulares, alterando-se, assim, o conceito de
instituição "pública". Trata-se da implementação da política de livre escolha, uma das propostas mais
caras ao ideário neoliberal.
Os defensores de posições neoconservadoras alegam que países mais pobres, como o Brasil, devem
dar primazia à educação básica (leia-se ensino fundamental), o que significa menor aporte de recursos
para a educação infantil e para o ensino médio e superior. Também, no caso do ensino superior, o Estado
financiaria o aluno que não pudesse pagar seus estudos, e este devolveria os valores do empréstimo
depois de formado.
O estudo Primary Education, de 1996, patrocinado pelo BM, diz que a educação escolar básica "é o
pilar do crescimento econômico e do desenvolvimento social e o principal meio de promover o bem-estar
das pessoas" (Nerz, 1996, p. 41-2). A média de escolaridade dos trabalhadores no Brasil é de
aproximadamente 4 anos, contra 7,5 anos no Chile, 8,7 anos na Argentina e 11 anos na França. Há a
preocupação dos empresários brasileiros em ampliar essa média, não só para "promover o bem-estar
das pessoas", como diz o documento do BM, mas também para oferecer ao mercado uma mão de obra
mais qualificada. Um fabricante de armas gaúcho declarou que "os processos de produção estão cada
vez mais sofisticados. (...) Não podemos deixar equipamentos de 500 mil, 1 milhão de dólares, nas mãos
de operários sem qualificação" (Netz, 1996, p. 44).
Como se pode observar, não é possível discutir educação e ensino sem fazer referência a questões
econômicas, políticas e sociais. Daí a escolha da década de 1930, começo do processo de
industrialização do país, para iniciarmos o estudo sobre o processo de organização do ensino no Brasil.
Os acontecimentos políticos, econômicos e sociais da década de 1930 imprimiram novo perfil à
sociedade brasileira. A quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, mergulhou o Brasil na crise do café, mas
em contrapartida encaminhou o país para o desenvolvi- mento industrial, por meio da adoção do modelo
econômico de substituição das importações, alterando assim o comando da nação, que passou da elite
agrária aos novos industriais.
De 1930 a 1937, motivada pela industrialização emergente e pelo fortalecimento do Estado-nação, a
educação ganhou importância e foram efetuadas ações governamentais com a perspectiva de organizar,
em plano nacional, a educação escolar. A intensificação do capitalismo industrial alterou as aspirações
sociais em relação à educação, uma vez que nele eram exigidas condições mínimas para concorrer no
mercado, diferentemente da estrutura oligárquica rural, na qual a necessidade de instrução não era
sentida nem pela população nem pelos poderes constituídos (Romanelli, 1987).
A complexidade do período histórico que abrange desde a década de 1930 até o momento atual e sua
repercussão na evolução da educação escolar no país requerem, para apropriada compreensão, a
utilização de outras categorias além das econômicas e políticas. Vamos, pois, a partir de agora, analisar
a história da estrutura e da organização da educação brasileira com base em pares conceituais que
acompanharam historicamente o debate da democratização do ensino no Brasil, permeando os diferentes
períodos e alternando-se em importância, de acordo com o momento histórico.

Centralização/descentralização na organização da educação brasileira


A Revolução de 1930 representou a consolidação do capitalismo industrial no Brasil e foi determinante
para o consequente aparecimento de novas exigências educacionais. Nos dez primeiros anos que se
seguiram, houve um desenvolvimento do ensino jamais registrado no país. Em vinte anos, o número de
escolas primárias dobrou e o de secundárias quase quadruplicou.
As escolas técnicas multiplicaram-se de 1933 a 1945, passaram de 133 para l.368, e o número de
matrículas, de 15 mil para 65 mil (Aranha, 1989).

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Em 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública (Mesp). A reforma elaborada por Fran-
cisco Campos, ministro da Educação, atingiu a estrutura do ensino, levando o Estado nacional a exercer
ação mais objetiva sobre a educação mediante o oferecimento de uma estrutura mais orgânica aos
ensinos secundário, comercial e superior.
De 1937 a 1945 vigorou o Estado Novo, período da ditadura de Getúlio Vargas, em que a questão do
poder se tornou central. Aliás, o poder é categoria essencial para compreender o processo de
centralização ou descentralização na problemática da organização do ensino. O chileno Juan Casassus,
ao escrever sobre o processo de descentralização em países da América Latina (incluindo o Brasil),
observa que a base de todos os enfoques da descentralização ou da centralização se encontra na questão
do poder na sociedade. Diz ele: “(IA centralização ou descentralização tratam da forma pela qual se
encontra organizada a sociedade, como se assegura a coesão social e como se dá o fluxo de poder na
sociedade civil, na sociedade militar e no Estado, explorando aspectos como os partidos políticos e a
administração". Por tratar-se de um processo de distribuição, redistribuição ou reordenamento do poder
na sociedade, no qual uns diminuem o poder em benefício de outros, a questão reflete o tipo de diálogo
social que prevalece e o tipo de negociação que se faz para assegurar a estabilidade e a coesão social -
daí sua relação com o processo conflituoso de democratização da educação nacional.
Os anos 1930 a 1945 no Brasil são identificados como um período centralizador da organização da
educação. Com a Reforma Francisco Campos, iniciada em 1931, o Estado organizou a educação escolar
no plano nacional, especialmente nos níveis secundário e universitário e na modalidade do ensino
comercial, deixando em segundo plano o ensino primário e a formação dos professores. Esta atitude, à
primeira vista voltada para a descentralização - como definia a Constituição de 1891, ao instituir a União
como responsável pela educação superior e secundária e repassar aos estados a responsabilidade da
educação elementar e profissional-, na realidade revelava o desapreço pela educação elementar.
Nesse período, educadores católicos e liberais passaram a envolver-se na elaboração da proposta
educacional da primeira fase do governo Vargas, sob a alegação de que o governo não possuía uma
proposta educacional. Tão logo, porém, Francisco Campos tomou posse no recém-criado Ministério da
Educação e Saúde Pública, impôs a todo o país as diretrizes traçadas pelo Mesp.
Já na Constituição Federal de 1934, em meio a disputas ideológicas entre católicos e liberais, foi incluí-
da boa parte da proposta educacional destes inscrita no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
(1932) por uma escola pública única, laica, obrigatória e gratuita, fortalecendo a mobilização e as
iniciativas da sociedade civil em torno da questão da educação. Com a Constituição de 1937, que
consolidou a ditadura de Getúlio Vargas, o debate sobre pedagogia e política educacional passou a ser
restrito à sociedade política, em clara demonstração de que a questão do poder estava mesmo presente
no processo de centralização ou descentralização.
O escolanovista Anísio Teixeira foi ardoroso defensor da descentralização por meio do mecanismo de
municipalização. A seu ver, a descentralização educacional contribuiria para a democracia e para a
sociedade industrial, moderna e plenamente desenvolvida. Assim, a municipalização do ensino primário
constituiria uma reforma política, e não mera reforma administrativa ou pedagógica. Enquanto os liberais,
grupo em que se incluíam as escola novistas, desejavam mudanças qualitativas e quantitativas na rede
pública de ensino, católicos e integralistas desaprovavam alterações qualitativas modernizantes e
democráticas. Essa situação conferia um caráter contraditório à educação escolar. Tinha início, então,
um sistema que - embora sofresse pressão social por um ensino mais democrático numérica e
qualitativamente falando - estava sob o controle das elites no poder, as quais buscavam deter a pressão
popular e manter a educação escolar em seu formato elitista e conservador. O resultado foi um sistema
de ensino que se expandia, mas controlado pelas elites, com o Estado agindo mais pelas pressões do
momento e de maneira improvisada do que buscando delinear uma política nacional de educação, em
que o objetivo fosse tornar uni- versal e gratuita a escola elementar (Romanelli, 1987).
Os católicos conservadores opunham-se à política de laicização da escola pública, conseguindo
acrescentar à Constituição Federal de 1934 o ensino religioso. Por força dessa mesma Constituição, o
Estado passou a fiscalizar e regulamentar as instituições de ensino público e particular.
As leis orgânicas editadas entre 1942 e 1946 - a chamada Reforma Capanema, que recebeu o nome
do então ministro da Educação - reafirmaram a centralização da década de 1930, com o Estado
desobrigando-se de manter e expandir o ensino público, ao mesmo tempo, porém, que decretava as
reformas de ensino industrial, comercial e secundário e criava, em 1942, o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (Senai).
A lei orgânica do ensino primário e as do ensino normal e agrícola foram promulgadas em 1946, assim
como a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). A partir de então, as esquerdas
e os partidos progressistas retomaram o debate pedagógico a fim de democratizar e melhorar o ensino,
apesar da centralização federal do sistema educacional não só na administração, mas também no aspecto

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pedagógico, ao fixar currículos, programas e metodologias de ensino (Lardim, 1988).
O debate realizado durante a votação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), exigência da Constituição Federal de 1946, envolveu a sociedade civil, e a lei resultante, nº 4.024,
de 20 de dezembro de 1961, instituiu a descentralização, ao determinar que cada estado organizasse seu
sistema de ensino. Porém, o momento democrático que o país vivia não combinava com o centralismo
das ditaduras e durou pouco. Em 1964, o golpe dos militares provocou novamente o fortalecimento do
Executivo e a centralização das decisões no âmbito das políticas educacionais.
Embora a Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971 (Brasil, 1971), prescrevesse a transferência gradativa
do ensino de 1º grau (ensino fundamental) para os municípios, a concentração dos recursos no âmbito
federal assim como as medidas administrativas centralizadoras tornaram estados e municípios
extremamente dependentes das decisões da União. A fragilidade do Legislativo, nesse período, impedia
mais ainda a participação da sociedade, uma vez que esse poder era o mais próximo da sociedade civil
Conforme Casassus (995), o processo de descentralização coincidiu com a universalização da
cobertura escolar, isto é, iniciou-se quando se passou da preocupação quantitativa para a busca da
qualidade na educação. Paradoxalmente, a descentralização adveio quando o Estado se esquivou
de sua responsabilidade com o ensino, fato que, segundo esse autor, foi perceptível na América
Latina a partir do fim dos anos 1970. Há ainda, na atualidade, um discurso corrente nos meios oficiais
de que a questão quantitativa está resolvida, escondendo o fato de que os dados estatísticos são
frequentemente maquiados, as salas de aula estão superlotadas e a qualidade das aprendizagens deixa
a desejar. Em contrapartida, a centralização mantém-se no que o autor chama de alma do processo
educativo - quer dizer, a centralização, especialmente a dos currículos, tem lógica diferente da
administrativa. Com aquela se pretende garantir a integridade social almejada, o que facilitará a
mobilidade dos indivíduos, tanto no território nacional como na escala social.
No fim da década de 1970 e início da de 1980, esgotava-se a ditadura militar e iniciava-se um processo
de retomada da democracia e reconquista dos espaços políticos que a sociedade civil brasileira havia
perdido. A reorganização e o fortalecimento da sociedade civil, aliados à proposta dos partidos políticos
progressistas de pedagogias e políticas educacionais cada vez mais sistematizadas e claras, fizeram com
que o Estado brasileiro reconhecesse a falência da política educacional, especialmente a
profissionalizante, como evidencia a promulgação da Lei nº 7.044/1982, que acabou com a
profissionalização compulsória em nível de 2º grau (ensino médio).
O debate acerca da qualidade, no Brasil, iniciou-se após a ampliação da cobertura do atendimento
escolar. Reconhece-se que, durante o período militar, particularmente com o prolongamento da duração
da escolaridade obrigatória, se estendeu o atendimento ao ensino de 1º grau (ensino fundamental),
embora muito da qualidade do ensino ministrado tenha sido perdido.
Segundo Cunha (1995), a contenção do setor educacional público constituiu condição de sucesso do
setor privado. Apesar disso, foi possível a criação de uma rede de escolas públicas que atendia, com
qualidade variável, parte da sociedade, o que levou as famílias de classe média a optar pela escola
particular, mesmo com sacrifícios financeiros, como forma de garantir educação de melhor qualidade aos
filhos.
O descontentamento com a deterioração da gestão das redes públicas, o rebaixamento salarial dos
professores, a elevação das despesas escolares pela ampliação da escolaridade sem aumento dos
recursos, os inúmeros casos de desvio de recursos, além de abrirem portas à iniciativa privada, levaram
a sociedade civil a propor soluções que se tornaram ações políticas concretas por ocasião das eleições
de 1982. Foi nesse contexto que intelectuais de esquerda passaram a ocupar cargos na administração
pública, em vários estados brasileiros, em virtude da vitória do Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB), o principal partido de oposição aos militares. Embora a transição democrática tenha
tido início nos municípios em 1977, neles não se observaram as mudanças ocorridas nos estados. Esse
fato leva Cunha a afirmar que a precedência política da democratização da educação se localiza nos
níveis mais elevados do Estado. Assim, as mudanças democráticas, para serem efetivas, devem ocorrer
dos níveis federal e estadual para o municipal.
As principais alterações realizadas pelos novos administradores oposicionistas tiveram como meta a
descentralização da administração, com formas de gestão democrática da escola, com participação de
professores, funcionários, alunos e seus pais e também com eleição direta de diretores. Outro ponto foi
a suspensão de taxas escolares, a criação de escolas de tempo integral, a organização sindical dos
professores.
A retomada da discussão sobre a municipalização do ensino com o apoio dos privatistas, aliada à
busca da escola privada por pais (em boa parte, para evitar as greves nas escolas públicas), reforçou a
tese da privatização do ensino e diminuiu o suporte popular à escola pública.
A modernização educativa e a qualidade do ensino, nos anos 1990, assumiram conotação distinta ao

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se vincularem à proposta neoconservadora que inclui a qualidade da formação do trabalhador como
exigência do mercado competitivo em época de globalização econômica. O novo discurso da
modernização e da qualidade, de certa forma, impõe limites ao discurso da universalização, da ampliação
quantitativa do ensino, pois traz ao debate o tema da eficiência, excluindo os ineficientes, e adota o critério
da competência.
A política educacional adotada com a eleição de Fernando Henrique Cardoso para a Presidência da
República, concebida de acordo com a proposta do neoliberalismo, assumiu dimensões tanto
centralizadoras como descentralizadoras. A descentralização, nesse caso, não apareceu como resultado
de maior participação da sociedade, uma vez que as ações realizadas não foram fruto de consultas aos
diversos setores sociais, tais como pesquisadores, professores de ensino superior e da educação básica,
sindicatos, associações e outros, mas surgiram das propostas preparadas para campanha eleitoral.
No primeiro ano de governo (1995), assumiu-se o ensino fundamental como prioridade e foram defini-
dos cinco pontos para as ações: currículo nacional, livros didáticos melhores e distribuídos mais cedo,
aparte de kits eletrônicos para as escolas, avaliação externa, recursos financeiros enviados diretamente
às instituições escolares. Em 1996, considerado o Ano da Educação, a política incluiu a instauração da
TV Escola, cursos para os professores de Ciências, formação para os trabalhadores, reformas no ensino
profissionalizante e a convocação da sociedade para contribuir com a educação no país. Dessas ações,
a única orientada para a descentralização foi a destinação dos recursos financeiros diretamente para as
escolas - ressaltando-se que, no primeiro ano, a merenda escolar foi garantida com eles e, em seguida,
os reparos nas instalações físicas das instituições, com recursos do Fundo Nacional do Desenvolvimento
da Educação (FNDE), advindos do salário-educação. As demais ações caracterizaram-se por certo tipo
de centralismo entendido até como antidemocrático, uma vez que não ocorreram discussões com a
sociedade - como as relativas à avaliação da educação básica e da superior, à instauração da TV Escola
e aos kits eletrônicos nas escolas - e se procurou estabelecer mecanismos de controle do trabalho do
professor. A política de escolha e de distribuição do livro didático poderia ter recebido preciosa
colaboração de professores, especialistas e pesquisadores da área.
O centralismo apresentou-se mais nitidamente na formação dos parâmetros curriculares nacionais
(PCN), os quais, embora tenham contado com a participação da sociedade civil em um dos momentos de
sua discussão, pecaram por ignorar a universidade e as pesquisas sobre currículo e não contemplaram,
desde o início de sua elaboração, o debate com a sociedade educacional. A ampla utilização da mídia no
processo de adoção dos PCN trouxe aprovação para o governo, apesar da manutenção de uma política
mais centralizadora, especialmente na alma do processo educativo.
Paiva (1986) observa que a questão centralização/ descentralização deve ser remetida à história da
própria formação social brasileira e às tendências econômico-sociais presentes em cada período
histórico. Assim, descentralização e democratização da educação escolar no Brasil não podem ser
discutidas independentemente do modo pelo qual é concebido o exercício do poder político no país.
Uma das formas de descentralização política é a municipalização, que consiste em atribuir aos
municípios a responsabilidade de oferecimento da educação elementar. Conforme já mencionado, a
municipalização foi proposta por Anísio Teixeira, na década de 1930, para o estabelecimento do ensino
primário de quatro anos de duração, não como reforma administrativa, mas com o caráter de reforma
política, uma vez que isso significaria reconhecer a maioridade dos municípios e discutir a necessidade
de democratização e de descentralização do exercício do poder político no país.
A Lei nº 5.692/1971, editada durante a ditadura militar, repassou arbitrariamente a tarefa da gestão do
ensino de 1 º grau (ensino fundamental) aos governos municipais, sem oferecer ao menos as condições
financeiras e técnicas para tal e em uma situação constitucional que nem sequer reconhecia a existência
administrativa dos municípios. Somente com a Constituição Federal de 1988 o município se legitimou
como instância administrativa e a responsabilidade do ensino fundamental lhe foi repassada
prioritariamente. A Constituição ou uma lei, porém, não conseguem sozinhas e rapidamente
descentralizar o ensino e fortalecer o município. Essa é tarefa política de longo prazo, associada às formas
de fazer política no país e às questões de concepção do poder. Descentralização faz-se com espírito de
colaboração, e a tradição política brasileira é de competição, de medição de forças. As categorias
centralização/descentralização estão vinculadas à questão do exercício do poder político, mesmo porque,
desde o final do século XX, a descentralização vem atrelada aos interesses neoliberais de diminuir gastos
sociais do Estado. Isso ficou evidente após a promulgação da Lei nº 9.394/1996 - Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB) -, que centraliza no âmbito federal as decisões sobre currículo e
avaliação e atribui à sociedade responsabilidades que deveriam ser do Estado, tal como ocorreu, por
exemplo, com o trabalho voluntário na escola. Os Projetos Família na Escola e Amigos da Escola e a
descentralização de responsabilidades do ensino fundamental em direção aos municípios são outros
exemplos concretos de uma política que centraliza o poder e descentraliza as responsabilidades.

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O debate qualidade/quantidade na educação brasileira
O debate qualidade/quantidade na educação brasileira começou muito cedo. Ainda no século XIX, na
transição do Império para a República, apareceram dois movimentos sociais os quais Nagle (1974)
denominou Entusiasmo pela Educação e Otimismo Pedagógico. O movimento Entusiasmo pela Educação
revelava preocupação de caráter quantitativo, ao propor a expansão da rede escolar e a alfabetização da
população que vivia um processo de urbanização decorrente do crescimento econômico. A adoção do
trabalho assalariado, aliada a outras questões de modernização do país, fez com que a escolarização
aparecesse como fator promotor da ascensão social. Já o Otimismo Pedagógico caracterizou-se pela
ênfase nos aspectos qualitativos da educação nacional, pregando a melhoria das condições didáticas e
pedagógicas das escolas. Este movimento surgiu nos anos 1920 e alcançou o apogeu nos anos 30 do
século XX.

Entre 1930 e 1937, o debate político incorporava diferentes projetos educacionais. Os liberais, que
preconizavam o desenvolvimento urbano-industrial em bases democráticas, desejavam mudanças
qualitativas e quantitativas na rede de ensino público, ao pro- porem a escola única fundamentada nos
princípios de laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação. Alegando que os liberais destruíam os
princípios da liberdade de ensino e retiravam das famílias a educação dos filhos, os católicos
aproximaram-se das teses dos integralistas, defensores do nazismo e do fascismo europeus, e com estes
desaprovavam as alterações qualitativas modernizantes e democráticas objetivadas pelos primeiros, além
de acusá-los de defender propostas comunistas
Durante o Estado Novo, regime ditatorial de Vargas que durou de 1937 a 1945, oficializou-se o
dualismo educacional: ensino secundário para as elites e ensino profissionalizante para as classes
populares. As leis orgânicas ditadas nesse período, por meio de exames rígidos e seletivos, tornavam o
ensino antidemocrático, ao dificultarem ou impedirem o acesso das classes populares não só ao ensino
propedêutico, de nível médio, como também ao ensino superior. O processo de democratização do país
foi retomado com a deposição de Vargas em 1945. A industrialização crescente, especialmente nos anos
1950 e 1960, levou à adoção da política de educação para o desenvolvimento, com claro incentivo ao
ensino técnico-profissional. O golpe de 1964 atrelou a educação ao mercado de trabalho, incentivando a
profissionalização na escola média a fim de conter as aspirações ao ensino superior. A Lei n- 5.692, de
11 de agosto de 1971, ampliou a escolaridade mínima para oito anos (ensino de 1º grau) e tornou
profissionalizante, obrigatoriamente, o ensino de 2º grau. A evolução quantitativa do 1º grau - 100 na
primeira fase do 1º grau (1ª a 4ª séries) e 700 em suas últimas séries em apenas dez anos - não foi
acompanhada de melhora qualitativa. Ao contrário, a expansão da oferta de vagas, nos diversos níveis
de ensino, teve como consequência o comprometimento da qualidade dos serviços prestados, em razão
da crescente degradação das condições de exercício do magistério e da desvalorização do professor.
A expansão das oportunidades, nos vinte anos de dita- dura militar, foi feita através de um padrão
perverso", sublinha Azevedo 0994, p. 461). A ampliação das vagas deu-se pela redução da jornada
escolar, pelo aumento do número de turnos, pela multiplicação de classes multisseriadas e uni docentes,
pelo achatamento dos salários dos professores e pela absorção de professores leigos. O trabalho precoce
e o empobrecimento da população, aliados às condições precárias de ofereci- mento do ensino, levaram
à baixa qualidade do processo, com altos índices de reprovação.
Atualmente, o país está sendo vítima dessa política. O atraso técnico-científico e cultural brasileiro
impede sua inserção no novo reordenamento mundial. A escolaridade básica e a qualidade do ensino são
necessidades da produção flexível, e a educação básica falha constitui fator que tolhe a competitividade
internacional do Brasil.
Para Azevedo (1994), o problema é que as propostas neoliberais e os conteúdos da ideia de qualidade
esvaziam-se de condicionamentos políticos e tornam-se questão técnica, restringindo o conceito de
qualidade à eternização do desempenho do sistema e às parcerias com o setor privado no que tange às
estratégias da política educacional. A qualidade do ensino consiste em desenvolver o espírito de iniciativa,
a autonomia para tomar decisões, a capacidade de resolver problemas com criatividade e competência
crítica - visando, porém, atender aos interesses dos grandes blocos econômicos internacionais. A questão
é, antes, ético-política, uma vez que se processa na discussão dos direitos de cidadania para os
excluídos. Por isso, ensino de qualidade para todos constitui, mais do que nunca, dever do Estado em
uma sociedade que se quer mais justa e democrática.
Na reflexão e no debate sobre a qualidade da educação e do ensino, os educadores têm caracterizado
o termo "qualidade" com os adjetivos social e cidadã - isto é, qualidade social, qualidade cidadã -, para
diferenciar o sentido que as políticas oficiais dão ao termo. Qualidade social da educação significa não
apenas diminuição da evasão e da repetência, como entendem os neoliberais, mas refere-se à condição
de exercício da cidadania que a escola deve promover. Ser cidadão significa ser partícipe da vida social

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
e política do país, e a escola constitui espaço privilegiado para esse aprendizado, e não apenas para
ensinar a ler, escrever e contar, habilidades importantes, mas insuficientes para a promoção da cidadania.
Além disso, a qualidade social da educação precisa considerar tanto os fatores externos (sociais,
econômicos, culturais, institucionais, legais) quanto os fatores interescolares, que afetam o processo de
ensino-aprendizagem, articulados em função da universalização de uma educação básica de qualidade
para todos.

O embate entre defensores da escola pública e privatistas na educação brasileira


Compreender a educação pública no Brasil supõe conhecer como se deram, historicamente, os
embates entre os defensores da escola pública e as forças privatistas, presentes ao longo da história
educacional brasileira.
A gênese da educação brasileira ocorreu com a vinda dos jesuítas, que iniciaram a instauração, no
ideário educacional, dos princípios da doutrina religiosa católica, a educação diferenciada pelos sexos e
a responsabilidade da família com a educação. Esses princípios, a partir da década de 1920, chocavam-
se com os princípios liberais dos escola novistas que publicaram, em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova, propondo novas bases pedagógicas e a reformulação da política educacional.
A Constituição de 1934 absorveu apenas parte dessas propostas, atribuindo papel relevante ao Estado
no controle e na promoção da educação pública. Essa Constituição instituiu o ensino primário obrigatório
e gratuito, criou o concurso público para o magistério, conferiu ao Estado o poder fiscalizador e regulador
de instituições de ensino públicas e particulares e fixou percentuais mínimos para a educação.
Os católicos, porém, não foram totalmente tirados de cena. A educação religiosa tornou-se obrigatória
na escola pública, contrariando o princípio liberal da laicidade, os estabelecimentos privados foram
reconheci- dos e legitimou-se o papel educativo da família e a liberdade de os pais escolherem a melhor
escola para seus filhos, o que mais tarde foi usado como argumento a favor da destinação de recursos
financeiros públicos também para as escolas privadas.
Imposta pelo Estado Novo, a Carta Constitucional de 1937 atenuou o dever do Estado como educador,
instituindo-o como subsidiário, para preencher lacunas ou deficiências da educação particular. Em vez de
consolidar o ensino público e gratuito como tarefa do Estado, a Carta de 1937 reforçou o dualismo
educacional que provê os ricos com escolas particulares e públicas de ensino propedêutico e confere aos
pobres a condição de usufruir da escola pública mediante a opção pelo ensino profissionalizante.
Com a promulgação das leis orgânicas - a chamada Reforma Capanema - entre 1942 e 1946, foram
desenvolvidos empreendimentos particulares no ensino profissionalizante, com o objetivo de preparar
melhor a mão de obra em uma fase de expansão da indústria, por causa das restrições às importações
no período da Segunda Guerra Mundial. O Senai foi organizado e dirigido pelos industriais, e o Senac,
pelos comerciantes. Atualmente, essas duas instituições têm peso significativo no ensino profissional
oferecido no país, embora em ritmo decrescente a partir do final dos anos 1980, diante do crescimento
do atendimento público gratuito. Nos primeiros anos do século XXI passaram a atuar, também, em cursos
tecnológicos de nível superior e em programas de educação a distância.
Quando o anteprojeto da primeira LDB iniciou sua tramitação em 1948, a maioria das escolas
particulares de nível secundário estava nas mãos dos católicos, atendendo à classe privilegiada.
Alegando que o projeto determinava o monopólio estatal da educação, os católicos defendiam a liberdade
do ensino e o direito da família de escolher o tipo de educação a ser oferecida aos filhos. Na verdade,
essa questão impedia a democratização da educação pública, ao incorporar no texto legal a cooperação
financeira para as escolas privadas em uma sociedade em que mais da metade da população não tinha
acesso à escolarização.
Opondo-se a essa postura elitista, os liberais, apoiados por intelectuais, estudantes e sindicalistas,
iniciaram campanha em defesa da escola pública que culminou, em 1959, com o Manifesto dos
Educadores. Este propunha o uso dos recursos públicos unicamente nas escolas públicas e a fiscalização
estatal para as escolas privadas.
A expansão da escola privada foi mais intensa após o golpe militar de 1964, que instaurou a ditadura
militar e beneficiou grandemente a iniciativa privada, especialmente no ensino superior.
Durante o processo de elaboração da Constituição de 1988, verificou-se novamente o confronto entre
publicitas e privatistas. No entanto, os privatistas apresentavam novas feições, uma vez que passaram a
ser compostos não apenas de grupos religiosos católicos, mas também de protestantes e empresários
do ensino. Ideologicamente, atacavam o ensino público, caracterizado como ineficiente e fracassado,
contrastando-o com a suposta excelência da iniciativa privada, mas ocultando os mecanismos de apoio
governamental à rede privada, tais como imunidade fiscal sobre bens, serviços e rendas, garantia de
pagamento das mensalidades escolares e bolsas de estudo. Esses mecanismos mantiveram-se mesmo
após a promulgação da Constituição Federal de 1988.

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
Como que reforçando as disparidades entre uma e outra rede, o descompromisso estatal com a
educação pública deteriorou os salários dos professores e as condições de trabalho, o que gerou greves
e mobilizações. A preferência pela escola particular ampliou-se por sua aparência de melhor organização
e eficácia. Muitas famílias fizeram sacrifícios em muitos gastos para propiciar um ensino supostamente
de melhor qualidade em uma escola particular.
A análise de que a escola privada é superior à pública não se sustenta, em geral, por não haver
homogeneidade em nenhuma das redes - há boas e más escolas em ambas -, como demonstram as
análises do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Além disso, é nas escolas públicas que
se encontram os segmentos economicamente menos favorecidos da sociedade. Conforme o Censo
Escolar da Educação Básica de 2010:
Nos 194.939 estabelecimentos-de educação básica do país estão matriculados 51.549.889 alunos,
sendo que 43.989.507 (85,4) estão em escolas públicas e 7.560.382 (14,6) em escolas da rede privada.
As redes municipais são responsáveis por quase metade das matrículas - 46,0 -, o equivalente a
23.722.411 alunos, seguida pela rede estadual, que atende a 38,9 do total, o equivalente a 20.031.988.
A rede federal, com 235.108 matrículas, participa com 0,5 do total (Brasil. MEC/lnep, 2010, p. 3-4).
Por esses dados, fica clara a importância da educação pública no país e para a democratização da
sociedade, uma vez que ela desempenha papel significativo no processo de inclusão social.
Tabela 1- Número de matrículas na Educação Básica por Dependência Administrativa - Brasil 2002-2010

Fonte: MEC/Inep/DEED
Notas:
1) Não inclui matrículas em turmas de atendimento complementar.
2) O mesmo aluno pode ter mais de uma matrícula.

A partir de meados da década de 1980, com a crise econômica internacional e o desemprego estrutural
que levaram ao arrocho salarial, a classe média, pressionada pelo custo de vida, buscou retirar do
orçamento familiar o gasto com mensalidades escolares e foi à procura da escola pública. A inadimplência
cresceu nas escolas particulares e nova ofensiva apresentou-se: a ideia do público não estatal. Público
passou a ser entendido como tudo o que se faz na sociedade e nela interfere. Nessa perspectiva, haveria
o público estatal e o público privado, definindo a gratuidade do ensino apenas em estabelecimentos
oficiais, como assegura o art. 206 da Constituição Federal de 1988.
Essa concepção deve-se à política neoliberal, que prega o Estado mínimo, incluindo até mesmo a
privatização ou a minimização da oferta de serviços sociais. Na educação básica, orientado até mesmo
por organismos internacionais como o Banco Mundial, o Estado deveria atender o ensino público, uma
vez que esse nível de educação é considerado imprescindível na organização do trabalho. Tal
atendimento, no entanto, deveria ser conduzido por parâmetros de gestão da iniciativa privada e do
mercado, tais como diversificação, competitividade, seletividade, eficiência e qualidade. Essa orientação
aponta, mais uma vez, o beneficiamento das forças privatistas na educação.
Verifica-se, no entanto, considerável esforço de segmentos sociais no âmbito oficial e em associações
e movimentos de educadores, sobretudo a partir da segunda metade da década de 2000, em favor da
retomada do protagonizo-o do Estado na área educacional. Nesse sentido, cumpre destacar a criação do
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação (Fundeb), em 2007; a Emenda Constitucional nº 59, que torna obrigatório o ensino de 4 a 17
anos; as iniciativas que visam ao aumento dos investimentos públicos na educação; a expansão da oferta
de educação superior por meio das universidades federais; a ampliação da educação profissional e
tecnológica mediante a criação de institutos federais de educação, ciência e tecnologia.

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
MACHADO, Rosângela. Educação Especial na Escola Inclusiva: Políticas,
Paradigmas e Práticas. 1 ed. São Paulo: Cortez, 2009.

Educação Especial na escola inclusiva Políticas, paradigmas e práticas

O livro narra a desconstrução/reconstrução dos serviços de educação especial da rede municipal de


ensino de Florianópolis, tendo por base os fundamentos e princípios da inclusão escolar. É uma prova de
que é possível inovar as práticas de educação especial e dar novos rumos para a inclusão de alunos com
deficiência no ensino regular. Apresenta o desafio, a necessidade de se abrir a novas idéias, á
reorganização dos serviços de educação especial de forma que seja complementar ao ensino regular e
não um substitutivo.
14
A inclusão rompe com os paradigmas que sustentam o conservadorismo das escolas, contestando
os sistemas educacionais em seus fundamentos. Ela questiona a fixação de modelos ideais, a
normalização de perfis específicos de alunos e a seleção dos eleitos para frequentar as escolas,
produzindo, com isso, identidades e diferenças, inserção e/ou exclusão.
O poder institucional que preside a produção das identidades e das diferenças define como normais e
especiais não apenas os alunos, como também as suas escolas. Os alunos das escolas comuns são
normais e positivamente valorados. Os alunos das escolas especiais são os negativamente concebidos
e diferenciados.
Os sistemas educacionais constituídos a partir da oposição - alunos normais e alunos especiais -
sentem-se abalados com a proposta inclusiva de educação, pois não só criaram espaços educacionais
distintos para seus alunos, a partir de uma identidade específica, como também esses espaços estão
organizados pedagogicamente para manter tal separação, definindo as atribuições de seus professores,
currículos, programas, avaliações e promoções dos que fazem parte de cada um desses espaços.
Os que têm o poder de dividir são os que classificam, formam conjuntos, escolhem os atributos que
definem os alunos e demarcam os espaços, decidem quem fica e quem sai destes, quem é incluído ou
excluído dos agrupamentos escolares.
Ambientes escolares inclusivos são fundamentados em uma concepção de identidade e diferenças,
em que as relações entre ambas não se ordenam em torno de oposições binárias (normal/especial,
branco/negro, masculino/feminino, pobre/rico). Neles não se elege uma identidade como norma
privilegiada em relação às demais.
Em ambientes escolares excludentes, a identidade normal é tida sempre como natural, generalizada
e positiva em relação às demais, e sua definição provém do processo pelo qual o poder se manifesta na
escola, elegendo uma identidade específica através da qual as outras identidades são avaliadas e
hierarquizadas.
Esse poder que define a identidade normal, detido por professores e gestores mais próximos ou mais
distantes das escolas, perde a sua força diante dos princípios educacionais inclusivos, nos quais a
identidade não é entendida como natural, estável, permanente, acabada, homogênea, generalizada,
universal. Na perspectiva da inclusão escolar, as identidades são transitórias, instáveis, inacabadas e,
portanto, os alunos não são categorizáveis, não podem ser reunidos e fixados em categorias, grupos,
conjuntos, que se definem por certas características arbitrariamente escolhidas.
É incorreto, portanto, atribuir a certos alunos identidades que os mantêm nos grupos de excluídos, ou
seja, nos grupos dos alunos especiais, com necessidades educacionais especiais, portadores de
deficiências, com problemas de aprendizagem e outros tais. É incabível fixar no outro uma identidade
normal, que não só justifica a exclusão dos demais, como igualmente determina alguns privilegiados.
A educação inclusiva questiona a artificialidade das identidades normais e entende as diferenças como
resultantes da multiplicidade, e não da diversidade, como comumente se proclama. Trata-se de uma
educação que garante o direito à diferença e não à diversidade, pois assegurar o direito à diversidade é
continuar na mesma, ou seja, é seguir reafirmando o idêntico.
A diferença (vem) do múltiplo e não do diverso. Tal como ocorre na aritmética, o múltiplo é sempre um
processo, uma operação, uma ação. A diversidade é estática, é um estado, é estéril. A multiplicidade é
ativa, é fluxo, é produtiva. A multiplicidade é uma máquina de produzir diferenças - diferenças que são
irredutíveis à identidade. A diversidade limita-se ao existente. A multiplicidade estende e multiplica,
prolifera, dissemina. A diversidade é um dado - da natureza ou da cultura. A multiplicidade é um
movimento. A diversidade reafirma o idêntico. A multiplicidade estimula a diferença que se recusa a se
fundir com o idêntico (SILVA, 2000, p.100-101).

14 MACHADO, R. Educação especial na escola inclusiva: políticas, paradigmas e práticas. São Paulo: Cortez, 2009.

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
De fato, a diversidade na escola comporta a criação de grupos de idênticos, formados por alunos que
têm uma mesma característica, selecionada para reuni-los e separá-los. Ao nos referirmos a uma escola
inclusiva como aberta à diversidade, ratificamos o que queremos extinguir com a inclusão escolar, ou
seja, eliminamos a possibilidade de agrupar alunos e de identificá-los por uma de suas características
(por exemplo, a deficiência), valorizando alguns em detrimento de outros e mantendo escolas comuns e
especiais.
Atenção, pois ao denominarmos as propostas, programas e iniciativas de toda ordem direcionadas à
inclusão, insistimos nesse aspecto, dado que somos nós mesmos quem atribuímos significado, pela
escolha das palavras que utilizamos para expressá-lo. É por meio da representação que a diferença e a
identidade passam a existir e temos, dessa forma, ao representar o poder de definir identidades, currículos
e práticas escolares.
A educação inclusiva concebe a escola como um espaço de todos, no qual os alunos constroem o
conhecimento segundo suas capacidades, expressam suas idéias livremente, participam ativamente das
tarefas de ensino e se desenvolvem como cidadãos, nas suas diferenças.
Nas escolas inclusivas, ninguém se conforma a padrões que identificam os alunos como especiais e
normais, comuns. Todos se igualam pelas suas diferenças!
A inclusão escolar impõe uma escola em que todos os alunos estão inseridos sem quaisquer condições
pelas quais possam ser limitados em seu direito de participar ativamente do processo escolar, segundo
suas capacidades, e sem que nenhuma delas possa ser motivo para uma diferenciação que os excluirá
das suas turmas.
Como garantir o direito à diferença nas escolas que ainda entendem que as diferenças estão apenas
em alguns alunos, naqueles que são negativamente compreendidos e diagnosticados como problemas,
doentes, indesejáveis e a maioria sem volta?
O questionamento constante dos processos de diferenciação entre escolas e alunos, que decorre da
oposição entre a identidade normal de alguns e especial de outros, é uma das garantias permanentes do
direito à diferença. Os alvos desse questionamento devem recair diretamente sobre as práticas de ensino
que as escolas adotam e que servem para excluir.
Os encaminhamentos dos alunos às classes e escolas especiais, os currículos adaptados, o ensino
diferenciado, a terminalidade específica dos níveis de ensino e outras soluções precisam ser indagados
em suas razões de adoção, interrogados em seus benefícios, discutidos em seus fins, e eliminados por
completo e com urgência. São essas medidas excludentes que criam a necessidade de existirem escolas
para atender aos alunos que se igualam por uma falsa normalidade - as escolas comuns - e que instituem
as escolas para os alunos que não cabem nesse grupo - as escolas especiais. Ambas são escolas dos
diferentes, que não se alinham aos propósitos de uma escola para todos.
Quando entendemos esses processos de diferenciação pela deficiência ou por outras características
que elegemos para excluir, percebemos as discrepâncias que nos faziam defender as escolas dos
diferentes como solução privilegiada para atender às necessidades dos alunos. Acordamos, então, para
o sentido includente das escolas das diferenças. Essas escolas reúnem, em seus espaços educacionais,
os alunos tais quais eles são: únicos, singulares, mutantes, compreendendo-os como pessoas que
diferem umas das outras, que não conseguimos conter em conjuntos definidos por um único atributo, o
qual elegemos para diferenciá-las.
A escola das diferenças é a escola na perspectiva inclusiva, e sua pedagogia tem como mote
questionar, colocar em dúvida, contrapor- se, discutir e reconstruir as práticas que, até então, têm mantido
a exclusão por instituírem uma organização dos processos de ensino e de aprendizagem incontestáveis,
impostos e firmados sobre a possibilidade de exclusão dos diferentes, à medida que estes são
direcionados para ambientes educacionais à parte.
A escola comum se torna inclusiva quando reconhece as diferenças dos alunos diante do processo
educativo e busca a participação e o progresso de todos, adotando novas práticas pedagógicas. Não é
fácil e imediata a adoção dessas novas práticas, pois ela depende de mudanças que vão além da escola
e da sala de aula. Para que essa escola possa se concretizar, é patente a necessidade de atualização e
desenvolvimento de novos conceitos, assim como a redefinição e a aplicação de alternativas e práticas
pedagógicas e educacionais compatíveis com a inclusão.
Um ensino para todos os alunos há que se distinguir pela sua qualidade. O desafio de fazê-lo acontecer
nas salas de aulas é uma tarefa a ser assumida por todos os que compõem um sistema educacional. Um
ensino de qualidade provém de iniciativas que envolvem professores, gestores, especialistas, pais e
alunos e outros profissionais que compõem uma rede educacional em torno de uma proposta que é
comum a todas as escolas e que, ao mesmo tempo, é construída por cada uma delas, segundo as suas
peculiaridades.

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
O Projeto Político Pedagógico é o instrumento por excelência para melhor desenvolver o plano de
trabalho eleito e definido por um coletivo escolar; ele reflete a singularidade do grupo que o produziu,
suas escolhas e especificidades.
Nas escolas inclusivas, a qualidade do ensino não se confunde com o que é ministrado nas escolas-
padrão, consideradas como as que melhor conseguem expressar um ideal pedagógico inquestionável,
medido e definido objetivamente e que se apresentam como modelo a ser seguido e aplicado em qualquer
contexto escolar. As escolas-padrão cabem na mesma lógica que define as escolas dos diferentes, em
que as iniciativas para melhorar o ensino continuam elegendo algumas escolas e valorando-as
positivamente, em detrimento de outras. Cada escola é única e precisa ser, como os seus alunos,
reconhecida e valorizada nas suas diferenças.
Para atender a todos e atender melhor, a escola atual tem de mudar, e a tarefa de mudar a escola
exige trabalho em muitas frentes. Cada escola, ao abraçar esse trabalho, terá de encontrar soluções
próprias para os seus problemas. As mudanças necessárias não acontecem por acaso e nem por Decreto,
mas fazem parte da vontade política do coletivo da escola, explicitadas no seu Projeto Político Pedagógico
- PPP e vividas a partir de uma gestão escolar democrática.
É ingenuidade pensar que situações isoladas são suficientes para definir a inclusão como opção de
todos os membros da escola e configurar o perfil da instituição. Não se desconsideram aqui os esforços
de pessoas bem intencionadas, mas é preciso ficar claro que os desafios das mudanças devem ser
assumidos e decididos pelo coletivo escolar.
A organização de uma sala de aula é atravessada por decisões da escola que afetam os processos
de ensino e de aprendizagem. Os horários e rotinas escolares não dependem apenas de uma única sala
de aula; o uso dos espaços da escola para atividades a serem realizadas fora da classe precisa ser
combinado e sistematizado para o bom aproveitamento de todos; as horas de estudo dos professores
devem coincidir para que a formação continuada seja uma aprendizagem colaborativa; a organização do
Atendimento Educacional Especializado - AEE não pode ser um mero apêndice na vida escolar ou da
competência do professor que nele atua.
Um conjunto de normas, regras, atividades, rituais, funções, diretrizes, orientações curriculares e
metodológicas, oriundo das diversas instâncias burocrático-legais do sistema educacional, constitui o
arcabouço pedagógico e administrativo das escolas de uma rede de ensino. Trata-se do que está
INSTITUÍDO e do que Libâneo e outros autores (2003) analisaram pormenorizadamente.
Nesse INSTITUÍDO, estão os parâmetros e diretrizes curriculares, as leis, os documentos das políticas,
os regimentos e demais normas do sistema.
Em contrapartida, existe um espaço e um tempo a serem construídos por todas as pessoas que fazem
parte de uma instituição escolar, porque a escola não é uma estrutura pronta e acabada a ser perpetuada
e reproduzida de geração em geração. Trata-se do INSTITUINTE.
A escola cria, nas possibilidades abertas pelo INSTITUINTE, um espaço de realização pessoal e
profissional que confere à equipe escolar a possibilidade de definir o seu horário escolar, organizar
projetos, módulos de estudo e outros, conforme decisão colegiada. Assim, confere autonomia a toda
equipe escolar, acreditando no poder criativo e inovador dos que fazem e pensam a educação.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Abrindo as escolas às diferenças, capítulo 5, in:


MANTOAN, Maria Teresa Eglér (org.) Pensando e Fazendo Educação de
Qualidade. São Paulo: Moderna, 2001.

A Declaração Mundial Sobre Educação Para Todos, elaborada após um encontro ocorrido na Tailândia
em 1990 onde diversos países analisaram a situação da educação básica oferecida em seus territórios e
traçaram diretrizes para o enfrentamento dos problemas, aponta claramente para a necessidade da
implementação de ações que proporcionem o acesso e a permanência, com sucesso, de todos os alunos
na escola. Assim, há alguns anos, na área educacional, questões importantes têm sido discutidas: como
trabalhar com a diversidade, como acabar com a prática da exclusão nas escolas, como proporcionar aos
alunos uma educação de qualidade, como mudar a escola? O livro Pensando e fazendo educação de
qualidade aborda estas e outras questões e sem tentar responder a todas, nos convida a pensar o fazer
pedagógico, suas dificuldades e, principalmente, suas possibilidades de mudanças fundamentadas nos
mais variados cenários sociais em que as escolas estão inseridas.
A organização do livro é da professora da Unicamp, Maria Teresa Eglér Mantoan, doutora em
Psicologia da Educação que há muitos anos vem trabalhando o tema da inclusão social e escolar dos
chamados alunos com necessidades especiais, que as escolas insistem em separar do sistema

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
educacional comum. O livro é dividido em apresentação e cinco capítulos sendo alguns de cunho teórico
e outros com relatos de experiências e sugestões de intervenções nas comunidades escolares.
Na apresentação, Mantoan ressalta o momento de crise vivida atualmente pela escola e a necessidade
dos educadores encontrarem alternativas para renovar a "escola velha", sustentada por valores
econômicos e empresariais de produtividade e que sempre anulou e marginalizou as diferenças. Ela
defende uma nova escola baseada nos principias sociais e democráticos, de justiça e de igualdade
precisa ser criada para enfrentar as mudanças que já fazem parte do cotidiano das escolas.
O primeiro capítulo "Qualidade na Educação: as armadilhas do óbvio" escrito pelo professor Nilson
José Machado discute o significado da expressão qualidade na educação. O que vem acontecendo é
uma transferência de concepções econômicas a respeito da qualidade nas empresas para o universo
educacional relacionando a qualidade com a satisfação do cliente. Esta relação é analisada no texto em
seus aspectos positivos e negativos, enfatizando as diferenças existentes entre a empresa e a escola.
Dentre as diferenças apontadas entre educação e o mundo do trabalho pode-se destacar as dicotomias
qualidade e quantidade, aluno e cliente, trabalho e projetos, empresa e escola, valor e preço. É importante
atentar para as armadilhas desta transposição de conceitos pois a escola não deveria ser uma empresa
e o conhecimento não é um produto industrial. A escola enquanto espaço político é lugar de negociações
sociais, da educação para a cidadania e enquanto tal sua "qualidade" deve ser construída com base em
valores humanos con1o a solidariedade, a tolerância, o respeito pela diversidade.
No título do segundo capítulo "Por uma escola (de qualidade) para todos" Maria Teresa Mantoan já
expressa o tema que tem perpassado suas publicações nos últimos anos: a luta por uma escola inclusiva,
aberta às diferenças e preocupada com uma educação de qualidade incondicionalmente para textos. Para
que esta proposta se efetive a autora indica a necessidade de um redimensionamento de diversos
aspectos como a organização escolar, os programas de ensino, os processos de ensino e aprendizagem,
os serviços de suporte, a formação inicial e continuada de professores e a mudança de atitudes e valores
da comunidade. Os maiores obstáculos à implementação de uma nova escola são os de natureza
subjetiva porque vi vemos em uma sociedade que não está habituada a reconhecer e valorizar as
diferenças. A inclusão tem denunciado o abismo entre o velho e o novo na instituição escolar e o texto
caracteriza a escola tradicional e traça o perfil da escola de qualidade para todos.
Elisabeth Dias de Sá e Mônica Farid Rahme são as autoras do terceiro capítulo que relata experiências
de implementação do Programa Escola Plural da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte. Relatos
de duas escolas comprovam a possibilidade de uma ação pedagógica transformadora, sintonizada com
a vida comunitária e com os movimentos sociais. A escola surge como lugar de convívio e legitimação de
diversos saberes e fazeres podendo ser plural, isto é, para todos.
O capítulo quatro dá continuidade à ideia do "fazer" educação de qualidade expresso no título do livro.
A professora Aricélia Ribeiro do Nascimento descreve o projeto de inovação da educação básica do
Distrito Federal: a Escola Candanga. Voltada para o resgate e a valorização cultural da população
candanga, a proposta sugere um processo ensino- aprendizagem contextualizado, interdisciplinaridade,
democratização do acesso escolar e da gestão das escolas, formação continuada dos professores e
organização do tempo escolar em ciclos. A ênfase, como na Escola Plural, é no planejamento e execução
de atividades coletivas. As duas propostas têm pontos em comum e apontam para as possibilidades de
um fazer pedagógico inovador.
No último capítulo "Abrindo as escolas às diferenças" Mantoan faz uma articulação de suas propostas
teóricas com as experiências de apoio a redes de ensino particulares e públicas que têm desenvolvido
ações visando a escola inclusiva. Destaca pontos positivos e negativos mostrando os entraves e as
práticas facilitadoras para que este ideal se transforme em realidade. O primeiro passo nesta direção é a
elaboração do projeto político-pedagógico da escola para o conhecimento da situação atual da escola
(alunos, profissionais, comunidade) e o traçar de metas voltadas para o atendimento das demandas.
Outro ponto importante é o investimento na formação continuada dos professores.
O interesse do livro está na articulação, indicada no título e efetivada ao longo do texto, entre o pensar
e o fazer educação de qualidade. Ao se depararem com perguntas pertinentes ao tema da educação
inclusiva, os educadores já podem se sentir mais seguros, pois a obra é uma bússola para os que se
aventurarem neste caminho em construção. (Texto adaptado RODRIGUES, S. M.).

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
MARTINS, Mirian Celeste Ferreira Dias. Didática do ensino de arte: a língua do
mundo: poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998.

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O livro Didática do Ensino da Arte - A Língua do Mundo. Peotizar, fruir e conhecer arte, das autoras
Mirian Celeste Martins, Gisa Picosque e M. Terezinha Telles Guerra, Coleção Conteúdo e Metodologia,
da Editora FTD, é uma obra que se destina a alunos de Magistério e Licenciatura, e serve também como
um referencial importante para atender aos anseios dos professores de arte atuando nas escolas.
As autoras são de há muito conhecidas por suas valiosas contribuições para o ensino na área da arte.
Elas são artistas em seu métier de ensinar, como o são na vida do cotidiano de sua produção em arte,
aliando a sensibilidade do artista ao amor do educador, transformando o ensino em arte e a arte em
ensino de viver, de conviver e de desvendar o mundo.
A obra versa sobre conteúdo e metodologia voltados para a formação do professor de arte em curso
superior ou magistério e enfoca as linguagens específicas das artes visuais, música, teatro e dança, no
contexto mais amplo da arte. O problema de “o quê e como ensinar arte” é abordado de maneira muito
clara e original. A apresentação dos conhecimentos se dá de forma poética, construindo uma estrutura
de aprendizagem que vai se organizando, possibilitando a elaboração individual e coletiva do
conhecimento.
O livro apresenta uma visão contemporânea do ensino da arte como área do conhecimento, sem no
entanto descuidar de tudo aquilo que faz a verdadeira essência do fazer artístico, do que a arte tem de
mais essencial, qual seja seu potencial expressivo e simbólico. Desta forma, o conhecimento é sempre
tratado como “conhecimento expressivo”. Buscando exemplos nas diferentes linguagens artísticas, tanto
na arte erudita quanto na arte oriunda da cultura popular, as autoras discorrem sobre o fazer artístico, a
fruição estética, a apreciação e a leitura da obra e sua contextualização através da história e da cultura.
O trabalho está organizado em uma sequência muito lógica, que inicia com uma discussão sobre a
linguagem da arte através do homem ser-no-mundo, de seu repertório cultural-artístico, até a sua
presença como ser simbólico, ser-de-linguagem.
Desde a pintura das cavernas até os artistas mais contemporâneos, este livro busca levar os
professores a analisar as obras de arte, de seu próprio ponto de vista. É essa compreensão pessoal, essa
imersão na arte, que as autoras perseguem ao longo de toda a obra, e que, por essa razão, vem a se
constituir em um marco no ensino da arte no Brasil.
O livro nos conduz, passo a passo, pelos caminhos da fruição e da leitura da arte, alicerçados em
textos teóricos básicos da maior importância e pertinência, e onde autores consagrados que trabalharam
sobre o conteúdo da arte são introduzidos de foram didática. Leituras são então sugeridas, como
complementação para o entendimento, oferecendo múltiplos caminhos de abordagem para a arte. As
autoras vão, desta forma, abrindo janelas para o mundo teórico da arte e de seu ensino, ampliando uma
compreensão só possível neste mergulhar sensível realizado através do fruir e do pensar.
Na busca de compreender a trajetória expressiva da criança, são traçados paralelos entre os principais
autores que estudaram o desenvolvimento expressivo. Esse desenvolvimento é apresentado sob a forma
de movimentos em espiral crescente, indo do modo mais intuitivo em direção ao conhecimento simbólico
e à poética pessoal. Apresentando a origem etmológica das palavras-chave, as autoras buscam uma
compreensão mais profunda de uma série de conceitos que estamos acostumados a interpretar de
maneira superficial. Da mesma forma, após cada capítulo são sugeridos exercícios teóricos e práticos,
que visam reforçar o conhecimento expressivo do leitor. São exercícios “para você pensar, para você
fazer, para você ler na obra de arte, diário de bordo, para saber mais...” onde são propostas diferentes
situações de aprendizagem.
Alguns dos títulos são muito sugestivos e expressam exatamente esse sentimento de deslumbramento
e de emoção que se apodera de nós frente a uma obra de arte, ou ainda o sentimento de plenitude só
possível no momento da criação.
Consideramos que esta obra pode se constituir em um importante auxílio aos professores na
compreensão dos Parâmetros Curriculares Nacionais pelos professores, pois aborda e esclarece
questões relevantes presentes nos PCNs, bem como introduz o leitor aos autores mais influentes nos
referenciais teóricos dos Parâmetros.
É um livro de estudos mas é também um livro de cabeceira, daqueles que se gosta de manusear e
consultar seguidamente, onde vamos encontrar sempre alguma coisa nova, de que não nos havíamos
apercebido antes, seja um texto, seja um conceito, seja uma metáfora. Certamente, é o livro que todos
nós precisamos, para nós mesmos, para nossos alunos, futuros professores, para os pais...

15 Resenha elaborada por Ivone Mendes Richter.

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
MEC – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Referencial curricular nacional para a
educação infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. v.1.

REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL


INTRODUÇÃO
VOLUME 1
16
Introdução

A expansão da educação infantil no Brasil e no mundo tem ocorrido de forma crescente nas últimas
décadas, acompanhando a intensificação da urbanização, a participação da mulher no mercado de
trabalho e as mudanças na organização e estrutura das famílias. Por outro lado, a sociedade está mais
consciente da importância das experiências na primeira infância, o que motiva demandas por uma
educação institucional para crianças de zero a seis anos.
A conjunção desses fatores ensejou um movimento da sociedade civil e de órgãos governamentais
para que o atendimento às crianças de zero a seis anos fosse reconhecido na Constituição Federal de
1988. A partir de então, a educação infantil em creches e pré-escolas passou a ser, ao menos do ponto
de vista legal, um dever do Estado e um direito da criança (artigo 208, inciso IV). O Estatuto da Criança
e do Adolescente, de 1990, destaca também o direito da criança a este atendimento.
Reafirmando essas mudanças, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei no 9.394,
promulgada em dezembro de 1996, estabelece de forma incisiva o vínculo entre o atendimento às
crianças de zero a seis anos e a educação. Aparecem, ao longo do texto, diversas referências específicas
à educação infantil.
No título III, Do Direito à Educação e do Dever de Educar, art. 4°, IV, se afirma que: “O dever do Estado
com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de (...) atendimento gratuito em creches
e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade”. Tanto as creches para as crianças de zero a três
anos como as pré-escolas, para as de quatro a seis anos, são consideradas como instituições de
educação infantil. A distinção entre ambas é feita apenas pelo critério de faixa etária.
A educação infantil é considerada a primeira etapa da educação básica (título V, capítulo II, seção II,
art. 29), tendo como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.
Outras questões importantes para este nível de educação são tratadas na LDB, como as que se
referem à formação dos profissionais, as relativas à educação especial e à avaliação.
Considerando a grande distância entre o que diz o texto legal e a realidade da educação infantil, a LDB
dispõe no título IX, Das Disposições Transitórias, art. 89, que: “As creches e pré-escolas existentes ou
que venham a ser criadas deverão, no prazo de três anos, a contar da publicação desta Lei, integrar-se
ao respectivo sistema de ensino”. No título IV, que trata da organização da Educação Nacional, art. 11,
V, considera-se que: “Os Municípios incumbir-se-ão de: (...) oferecer a educação infantil em creches e
pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino
somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com
recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e
desenvolvimento do ensino. Porém, reafirma, no art. 9º, IV, que: “A União incumbir-se-á de (...)
estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e
diretrizes para a educação infantil (...) que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a
assegurar formação básica comum”.
De acordo com a LDB e considerando seu papel e sua responsabilidade na indução, proposição e
avaliação das políticas públicas relativas à educação nacional, o Ministério da Educação e do Desporto
propõe, por meio deste documento, um Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.

Características do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

Este documento constitui-se em um conjunto de referências e orientações pedagógicas que visam a


contribuir com a implantação ou implementação de práticas educativas de qualidade que possam
promover e ampliar as condições necessárias para o exercício da cidadania das crianças brasileiras.

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Brasil. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil / Ministério da
Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/rcnei_vol1.pdf

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Sua função é contribuir com as políticas e programas de educação infantil, socializando informações,
discussões e pesquisas, subsidiando o trabalho educativo de técnicos, professores e demais profissionais
da educação infantil e apoiando os sistemas de ensino estaduais e municipais.
Considerando-se as especificidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas das crianças de zero a
seis anos, a qualidade das experiências oferecidas que podem contribuir para o exercício da cidadania
devem estar embasadas nos seguintes princípios:
- o respeito à dignidade e aos direitos das crianças, consideradas nas suas diferenças individuais,
sociais, econômicas, culturais, étnicas, religiosas etc.;
- o direito das crianças a brincar, como forma particular de expressão, pensamento, interação e
comunicação infantil;
- o acesso das crianças aos bens socioculturais disponíveis, ampliando o desenvolvimento das
capacidades relativas à expressão, à comunicação, à interação social, ao pensamento, à ética e à
estética;
- a socialização das crianças por meio de sua participação e inserção nas mais diversificadas práticas
sociais, sem discriminação de espécie alguma;
- o atendimento aos cuidados essenciais associados à sobrevivência e ao desenvolvimento de sua
identidade.

A estes princípios cabe acrescentar que as crianças têm direito, antes de tudo, de viver experiências
prazerosas nas instituições. O conjunto de propostas aqui expressas responde às necessidades de
referências nacionais, como ficou explicitado em um estudo recente elaborado pelo Ministério da
Educação e do Desporto, que resultou na publicação do documento “Proposta pedagógica e currículo em
educação infantil: um diagnóstico e a construção de uma metodologia de análise. Nesse documento,
constatou-se que são inúmeras e diversas as propostas de currículo para a educação infantil que têm
sido elaboradas, nas últimas décadas, em várias partes do Brasil. Essas propostas, tão diversas e
heterogêneas quanto o é a sociedade brasileira, refletem o nível de articulação de três instâncias
determinantes na construção de um projeto educativo para a educação infantil. São elas: a das práticas
sociais, a das políticas públicas e a da sistematização dos conhecimentos pertinentes a essa etapa
educacional. Porém, se essa vasta produção revela a riqueza de soluções encontradas nas diferentes
regiões brasileiras, ela revela, também, as desigualdades de condições institucionais para a garantia da
qualidade nessa etapa educacional.
Considerando e respeitando a pluralidade e diversidade da sociedade brasileira e das diversas
propostas curriculares de educação infantil existentes, este Referencial é uma proposta aberta, flexível e
não obrigatória, que poderá subsidiar os sistemas educacionais, que assim o desejarem, na elaboração
ou implementação de programas e currículos condizentes com suas realidades e singularidades. Seu
caráter não obrigatório visa a favorecer o diálogo com propostas e currículos que se constroem no
cotidiano das instituições, sejam creches, pré-escolas ou nos diversos grupos de formação existentes nos
diferentes sistemas.
Nessa perspectiva, o uso deste Referencial só tem sentido se traduzir a vontade dos sujeitos
envolvidos com a educação das crianças, sejam pais, professores, técnicos e funcionários de incorporá-
lo no projeto educativo da instituição ao qual estão ligados.
Se por um lado, o Referencial pode funcionar como elemento orientador de ações na busca da melhoria
de qualidade da educação infantil brasileira, por outro, não tem a pretensão de resolver os complexos
problemas dessa etapa educacional. A busca da qualidade do atendimento envolve questões amplas
ligadas às políticas públicas, às decisões de ordem orçamentária, à implantação de políticas de recursos
humanos, ao estabelecimento de padrões de atendimento que garantam espaço físico adequado,
materiais em quantidade e qualidade suficientes e à adoção de propostas educacionais compatíveis com
a faixa etária nas diferentes modalidades de atendimento, para as quais este Referencial pretende dar
sua contribuição.

Algumas considerações sobre creches e pré-escolas

O atendimento institucional à criança pequena, no Brasil e no mundo, apresenta ao longo de sua


história concepções bastante divergentes sobre sua finalidade social. Grande parte dessas instituições
nasceram com o objetivo de atender exclusivamente às crianças de baixa renda. O uso de creches e de
programas pré-escolares como estratégia para combater a pobreza e resolver problemas ligados à
sobrevivência das crianças foi, durante muitos anos, justificativa para a existência de atendimentos de
baixo custo, com aplicações orçamentárias insuficientes, escassez de recursos materiais; precariedade
de instalações; formação insuficiente de seus profissionais e alta proporção de crianças por adultos.

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Constituir-se em um equipamento só para pobres, principalmente no caso das instituições de educação
infantil, financiadas ou mantidas pelo poder público, significou em muitas situações atuar de forma
compensatória para sanar as supostas faltas e carências das crianças e de suas famílias. A tônica do
trabalho institucional foi pautada por uma visão que estigmatizava a população de baixa renda. Nessa
perspectiva, o atendimento era entendido como um favor oferecido para poucos, selecionados por
critérios excludentes. A concepção educacional era marcada por características assistencialistas, sem
considerar as questões de cidadania ligadas aos ideais de liberdade e igualdade.
Modificar essa concepção de educação assistencialista significa atentar para várias questões que vão
muito além dos aspectos legais. Envolve, principalmente, assumir as especificidades da educação infantil
e rever concepções sobre a infância, as relações entre classes sociais, as responsabilidades da
sociedade e o papel do Estado diante das crianças pequenas.
Embora haja um consenso sobre a necessidade de que a educação para as crianças pequenas deva
promover a integração entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivos e sociais da criança,
considerando que esta é um ser completo e indivisível, as divergências estão exatamente no que se
entende sobre o que seja trabalhar com cada um desses aspectos.
Há práticas que privilegiam os cuidados físicos, partindo de concepções que compreendem a criança
pequena como carente, frágil, dependente e passiva, e que levam à construção de procedimentos e
rotinas rígidas, dependentes todo o tempo da ação direta do adulto. Isso resulta em períodos longos de
espera entre um cuidado e outro, sem que a singularidade e individualidade de cada criança seja
respeitada. Essas práticas tolhem a possibilidade de independência e as oportunidades das crianças de
aprenderem sobre o cuidado de si, do outro e do ambiente. Em concepções mais abrangentes os
cuidados são compreendidos como aqueles referentes à proteção, saúde e alimentação, incluindo as
necessidades de afeto, interação, estimulação, segurança e brincadeiras que possibilitem a exploração e
a descoberta.
Outras práticas têm privilegiado as necessidades emocionais apresentando os mais diversos enfoques
ao longo da história do atendimento infantil. A preocupação com o desenvolvimento emocional da criança
pequena resultou em propostas nas quais, principalmente nas creches, os profissionais deveriam atuar
como substitutos maternos.
Outra tendência foi usar o espaço de educação infantil para o desenvolvimento de uma pedagogia
relacional, baseada exclusivamente no estabelecimento de relações pessoais intensas entre adultos e
crianças. Desenvolvimento cognitivo é outro assunto polêmico presente em algumas práticas.
O termo “cognitivo” aparece ora especificamente ligado ao desenvolvimento das estruturas do
pensamento, ou seja, da capacidade de generalizar, recordar, formar conceitos e raciocinar logicamente,
ora se referindo a aprendizagens de conteúdos específicos. A polêmica entre a concepção que entende
que a educação deve principalmente promover a construção das estruturas cognitivas e aquela que
enfatiza a construção de conhecimentos como meta da educação, pouco contribui porque o
desenvolvimento das capacidades cognitivas do pensamento humano mantém uma relação estreita com
o processo das aprendizagens específicas que as experiências educacionais podem proporcionar.
Polêmicas sobre cuidar e educar, sobre o papel do afeto na relação pedagógica e sobre educar para o
desenvolvimento ou para o conhecimento tem constituído, portanto, o panorama de fundo sobre o qual
se constroem as propostas em educação infantil.
A elaboração de propostas educacionais veicula necessariamente concepções sobre criança, educar,
cuidar e aprendizagem, cujos fundamentos devem ser considerados de maneira explícita.

A Criança

A concepção de criança é uma noção historicamente construída e consequentemente vem mudando


ao longo dos tempos, não se apresentando de forma homogênea nem mesmo no interior de uma mesma
sociedade e época. Assim é possível que, por exemplo, em uma mesma cidade existam diferentes
maneiras de se considerar as crianças pequenas dependendo da classe social a qual pertencem do grupo
étnico do qual fazem parte. Boa parte das crianças pequenas brasileiras enfrenta um cotidiano bastante
adverso que as conduz desde muito cedo a precárias condições de vida e ao trabalho infantil, ao abuso
e exploração por parte de adultos. Outras crianças são protegidas de todas as maneiras, recebendo de
suas famílias e da sociedade em geral todos os cuidados necessários ao seu desenvolvimento. Essa
dualidade revela a contradição e conflito de uma sociedade que não resolveu ainda as grandes
desigualdades sociais presentes no cotidiano.
A criança como todo ser humano, é um sujeito social e histórico e faz parte de uma organização familiar
que está inserida em uma sociedade, com uma determinada cultura, em um determinado momento
histórico. É profundamente marcada pelo meio social em que se desenvolvem, mas também o marca. A

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criança tem na família, biológica ou não, um ponto de referência fundamental, apesar da multiplicidade
de interações sociais que estabelece com outras instituições sociais.
As crianças possuem uma natureza singular, que as caracteriza como seres que sentem e pensam o
mundo de um jeito muito próprio. Nas interações que estabelecem desde cedo com as pessoas que lhe
são próximas e com o meio que as circunda, as crianças revelam seu esforço para compreender o mundo
em que vivem, as relações contraditórias que presenciam e, por meio das brincadeiras, explicitam as
condições de vida a que estão submetidas e seus anseios e desejos. No processo de construção do
conhecimento, as crianças se utilizam das mais diferentes linguagens e exercem a capacidade que
possuem de terem ideias e hipóteses originais sobre aquilo que buscam desvendar. Nessa perspectiva
as crianças constroem o conhecimento a partir das interações que estabelecem com as outras pessoas
e com o meio em que vivem. O conhecimento não se constitui em cópia da realidade, mas sim, fruto de
um intenso trabalho de criação, significação e ressignificação.
Compreender, conhecer e reconhecer o jeito particular das crianças serem e estarem no mundo é o
grande desafio da educação infantil e de seus profissionais. Embora os conhecimentos derivados da
psicologia, antropologia, sociologia, medicina etc. possam ser de grande valia para desvelar o universo
infantil apontando algumas características comuns de ser das crianças, elas permanecem únicas em suas
individualidades e diferenças.

Educar

Nas últimas décadas, os debates em nível nacional e internacional apontam para a necessidade de
que as instituições de educação infantil incorporem de maneira integrada as funções de educar e cuidar,
não mais diferenciando nem hierarquizando os profissionais e instituições que atuam com as crianças
pequenas e/ou aqueles que trabalham com as maiores. As novas funções para a educação infantil devem
estar associadas a padrões de qualidade. Essa qualidade advém de concepções de desenvolvimento que
consideram as crianças nos seus contextos sociais, ambientais, culturais e, mais concretamente, nas
interações e práticas sociais que lhes fornecem elementos relacionados às mais diversas linguagens e
ao contato com os mais variados conhecimentos para a construção de uma identidade autônoma.
A instituição de educação infantil deve tornar acessível a todas as crianças que a frequentam,
indiscriminadamente, elementos da cultura que enriquecem o seu desenvolvimento e inserção social.
Cumpre um papel socializador, propiciando o desenvolvimento da identidade das crianças, por meio de
aprendizagens diversificadas, realizadas em situações de interação.
Na instituição de educação infantil, pode-se oferecer às crianças condições para as aprendizagens
que ocorrem nas brincadeiras e aquelas advindas de situações pedagógicas intencionais ou
aprendizagens orientadas pelos adultos. É importante ressaltar, porém, que essas aprendizagens, de
natureza diversa, ocorrem de maneira integrada no processo de desenvolvimento infantil.
Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas
de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação
interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o
acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo,
a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das
potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a
formação de crianças felizes e saudáveis.

Cuidar
Contemplar o cuidado na esfera da instituição da educação infantil significa compreendê-lo como parte
integrante da educação, embora possa exigir conhecimentos, habilidades e instrumentos que extrapolam
a dimensão pedagógica. Ou seja, cuidar de uma criança em um contexto educativo demanda a integração
de vários campos de conhecimentos e a cooperação de profissionais de diferentes áreas.
A base do cuidado humano é compreender como ajudar o outro a se desenvolver como ser humano.
Cuidar significa valorizar e ajudar a desenvolver capacidades. O cuidado é um ato em relação ao outro e
a si próprio que possui uma dimensão expressiva e implica em procedimentos específicos.
O desenvolvimento integral depende tanto dos cuidados relacionais, que envolvem a dimensão afetiva
e dos cuidados com os aspectos biológicos do corpo, como a qualidade da alimentação e dos cuidados
com a saúde, quanto da forma como esses cuidados são oferecidos e das oportunidades de acesso a
conhecimentos variados.
As atitudes e procedimentos de cuidado são influenciados por crenças e valores em torno da saúde,
da educação e do desenvolvimento infantil. Embora as necessidades humanas básicas sejam comuns,
como alimentar-se, proteger-se etc. as formas de identifica-las, valorizá-las e atendê-las são construídas

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socialmente. As necessidades básicas podem ser modificadas e acrescidas de outras de acordo com o
contexto sociocultural. Pode-se dizer que além daquelas que preservam a vida orgânica, as necessidades
afetivas são também base para o desenvolvimento infantil.
A identificação dessas necessidades sentidas e expressas pelas crianças, depende também da
compreensão que o adulto tem das várias formas de comunicação que elas, em cada faixa etária possuem
e desenvolvem. Prestar atenção e valorizar o choro de um bebê e responder a ele com um cuidado ou
outro depende de como é interpretada a expressão de choro, e dos recursos existentes para responder
a ele. É possível que alguns adultos conversem com o bebê tentando acalmá-lo, ou que peguem-no
imediatamente no colo, embalando-o. Em determinados contextos socioculturais, é possível que o adulto
que cuida da criança, tendo como base concepções de desenvolvimento e aprendizagem infantis, de
educação e saúde, acredite que os bebês devem aprender a permanecer no berço, após serem
alimentados e higienizados, e, portanto, não considerem o embalo como um cuidado, mas como uma
ação que pode “acostumar mal” a criança. Em outras culturas, o embalo tem uma grande importância no
cuidado de bebês, tanto que existem berços próprios para embalar.
O cuidado precisa considerar, principalmente, as necessidades das crianças, que quando observadas,
ouvidas e respeitadas, podem dar pistas importantes sobre a qualidade do que estão recebendo. Os
procedimentos de cuidado também precisam seguir os princípios de promoção à saúde. Para se atingir
os objetivos dos cuidados com a preservação da vida e com o desenvolvimento das capacidades
humanas, é necessário que as atitudes e procedimentos estejam baseados em conhecimentos
específicos sobre o desenvolvimento biológico, emocional, e intelectual das crianças, levando em
consideração as diferentes realidades socioculturais.
Para cuidar é preciso antes de tudo estar comprometido com o outro, com sua singularidade, ser
solidário com suas necessidades, confiando em suas capacidades. Disso depende a construção de um
vínculo entre quem cuida e quem é cuidado.
Além da dimensão afetiva e relacional do cuidado, é preciso que o professor possa ajudar a criança a
identificar suas necessidades e priorizá-las, assim como atendê-las de forma adequada. Assim, cuidar da
criança é sobretudo dar atenção a ela como pessoa que está num contínuo crescimento e
desenvolvimento, compreendendo sua singularidade, identificando e respondendo às suas necessidades.
Isto inclui interessar-se sobre o que a criança sente, pensa, o que ela sabe sobre si e sobre o mundo,
visando à ampliação deste conhecimento e de suas habilidades, que aos poucos a tornarão mais
independente e mais autônoma.

Brincar
Para que as crianças possam exercer sua capacidade de criar é imprescindível que haja riqueza e
diversidade nas experiências que lhes são oferecidas nas instituições, sejam elas mais voltadas às
brincadeiras ou às aprendizagens que ocorrem por meio de uma intervenção direta.
A brincadeira é uma linguagem infantil que mantém um vínculo essencial com aquilo que é o “não-
brincar”. Se a brincadeira é uma ação que ocorre no plano da imaginação isto implica que aquele que
brinca tenha o domínio da linguagem simbólica. Isto quer dizer que é preciso haver consciência da
diferença existente entre a brincadeira e a realidade imediata que lhe forneceu conteúdo para realizar-se.
Nesse sentido, para brincar é preciso apropriar-se de elementos da realidade imediata de tal forma a
atribuir-lhes novos significados. Essa peculiaridade da brincadeira ocorre por meio da articulação entre a
imaginação e a imitação da realidade. Toda brincadeira é uma imitação transformada, no plano das
emoções e das ideias, de uma realidade anteriormente vivenciada.
Isso significa que uma criança que, por exemplo, bate ritmicamente com os pés no chão e imagina-se
cavalgando um cavalo, está orientando sua ação pelo significado da situação e por uma atitude mental e
não somente pela percepção imediata dos objetos e situações.
No ato de brincar, os sinais, os gestos, os objetos e os espaços valem e significam outra coisa daquilo
que aparentam ser. Ao brincar as crianças recriam e repensam os acontecimentos que lhes deram origem,
sabendo que estão brincando.
O principal indicador da brincadeira, entre as crianças, é o papel que assumem enquanto brincam. Ao
adotar outros papéis na brincadeira, as crianças agem frente à realidade de maneira não-literal,
transferindo e substituindo suas ações cotidianas pelas ações e características do papel assumido,
utilizando-se de objetos substitutos.
A brincadeira favorece a autoestima das crianças, auxiliando-as a superar progressivamente suas
aquisições de forma criativa. Brincar contribui, assim, para a interiorização de determinados modelos de
adulto, no âmbito de grupos sociais diversos.
Essas significações atribuídas ao brincar transformam-no em um espaço singular de constituição
infantil.

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Nas brincadeiras, as crianças transformam os conhecimentos que já possuíam anteriormente em
conceitos gerais com os quais brinca. Por exemplo, para assumir um determinado papel numa
brincadeira, a criança deve conhecer alguma de suas características.
Seus conhecimentos provêm da imitação de alguém ou de algo conhecido, de uma experiência vivida
na família ou em outros ambientes, do relato de um colega ou de um adulto, de cenas assistidas na
televisão, no cinema ou narradas em livros etc. A fonte de seus conhecimentos é múltipla, mas estes
encontram-se, ainda, fragmentados. É no ato de brincar que a criança estabelece os diferentes vínculos
entre as características do papel assumido, suas competências e as relações que possuem com outros
papéis, tomando consciência disto e generalizando para outras situações.
Para brincar é preciso que as crianças tenham certa independência para escolher seus companheiros
e os papéis que irão assumir no interior de um determinado tema e enredo, cujos desenvolvimentos
dependem unicamente da vontade de quem brinca.
Pela oportunidade de vivenciar brincadeiras imaginativas e criadas por elas mesmas, as crianças
podem acionar seus pensamentos para a resolução de problemas que lhe são importantes e significativos.
Propiciando a brincadeira, portanto, cria-se um espaço no qual as crianças podem experimentar o mundo
e internalizar uma compreensão particular sobre as pessoas, os sentimentos e os diversos
conhecimentos.
O brincar apresenta-se por meio de várias categorias de experiências que são diferenciadas pelo uso
do material ou dos recursos predominantemente implicados. Essas categorias incluem: o movimento e as
mudanças da percepção resultantes essencialmente da mobilidade física das crianças; a relação com os
objetos e suas propriedades físicas assim como a combinação e associação entre eles; a linguagem oral
e gestual que oferecem vários níveis de organização a serem utilizados para brincar; os conteúdos
sociais, como papéis, situações, valores e atitudes que se referem à forma como o universo social se
constrói; e, finalmente, os limites definidos pelas regras, constituindo-se em um recurso fundamental para
brincar. Estas categorias de experiências podem ser agrupadas em três modalidades básicas, quais
sejam, brincar de faz-de-conta ou com papéis, considerada como atividade fundamental da qual se
originam todas as outras; brincar com materiais de construção e brincar com regras.
As brincadeiras de faz-de-conta, os jogos de construção e aqueles que possuem regras, como os jogos
de sociedade (também chamados de jogos de tabuleiro), jogos tradicionais, didáticos, corporais etc.,
propiciam a ampliação dos conhecimentos infantis por meio da atividade lúdica.
É o adulto, na figura do professor, portanto, que, na instituição infantil, ajuda a estruturar o campo das
brincadeiras na vida das crianças. Consequentemente é ele que organiza sua base estrutural, por meio
da oferta de determinados objetos, fantasias, brinquedos ou jogos, da delimitação e arranjo dos espaços
e do tempo para brincar.
Por meio das brincadeiras os professores podem observar e constituir uma visão dos processos de
desenvolvimento das crianças em conjunto e de cada uma em particular, registrando suas capacidades
de uso das linguagens, assim como de suas capacidades sociais e dos recursos afetivos e emocionais
que dispõem.
A intervenção intencional baseada na observação das brincadeiras das crianças, oferecendo-lhes
material adequado, assim como um espaço estruturado para brincar permite o enriquecimento das
competências imaginativas, criativas e organizacionais infantis. Cabe ao professor organizar situações
para que as brincadeiras ocorram de maneira diversificada para propiciar às crianças a possibilidade de
escolherem os temas, papéis, objetos e companheiros com quem brincar ou os jogos de regras e de
construção, e assim elaborarem de forma pessoal e independente suas emoções, sentimentos,
conhecimentos e regras sociais.
É preciso que o professor tenha consciência que na brincadeira as crianças recriam e estabilizam
aquilo que sabem sobre as mais diversas esferas do conhecimento, em uma atividade espontânea e
imaginativa. Nessa perspectiva não se deve confundir situações nas quais se objetiva determinadas
aprendizagens relativas a conceitos, procedimentos ou atitudes explícitas com aquelas nas quais os
conhecimentos são experimentados de uma maneira espontânea e destituída de objetivos imediatos
pelas crianças. Pode-se, entretanto, utilizar os jogos, especialmente aqueles que possuem regras, como
atividades didáticas. É preciso, porém, que o professor tenha consciência que as crianças não estarão
brincando livremente nestas situações, pois há objetivos didáticos em questão.

Aprender em Situações Orientadas


A organização de situações de aprendizagens orientadas ou que dependem de uma intervenção direta
do professor permite que as crianças trabalhem com diversos conhecimentos. Estas aprendizagens
devem estar baseadas não apenas nas propostas dos professores, mas, essencialmente, na escuta das

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crianças e na compreensão do papel que desempenham a experimentação e o erro na construção do
conhecimento.
A intervenção do professor é necessária para que, na instituição de educação infantil, as crianças
possam, em situações de interação social ou sozinhas, ampliar suas capacidades de apropriação dos
conceitos, dos códigos sociais e das diferentes linguagens, por meio da expressão e comunicação de
sentimentos e ideias, da experimentação, da reflexão, da elaboração de perguntas e respostas, da
construção de objetos e brinquedos etc. Para isso, o professor deve conhecer e considerar as
singularidades das crianças de diferentes idades, assim como a diversidade de hábitos, costumes,
valores, crenças, etnias etc. das crianças com as quais trabalha respeitando suas diferenças e ampliando
suas pautas de socialização.
Nessa perspectiva, o professor é mediador entre as crianças e os objetos de conhecimento,
organizando e propiciando espaços e situações de aprendizagens que articulem os recursos e
capacidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas de cada criança aos seus conhecimentos prévios
e aos conteúdos referentes aos diferentes campos de conhecimento humano. Na instituição de educação
infantil o professor constitui-se, portanto, no parceiro mais experiente, por excelência, cuja função é
propiciar e garantir um ambiente rico, prazeroso, saudável e não discriminatório de experiências
educativas e sociais variadas.
Para que as aprendizagens infantis ocorram com sucesso, é preciso que o professor considere, na
organização do trabalho educativo:
- a interação com crianças da mesma idade e de idades diferentes em situações diversas como fator
de promoção da aprendizagem e do desenvolvimento e da capacidade de relacionar-se;
- os conhecimentos prévios de qualquer natureza, que as crianças já possuem sobre o assunto, já que
elas aprendem por meio de uma construção interna ao relacionar suas ideias com as novas informações
de que dispõem e com as interações que estabelece;
- a individualidade e a diversidade;
- o grau de desafio que as atividades apresentam e o fato de que devam ser significativas e
apresentadas de maneira integrada para as crianças e o mais próximas possíveis das práticas sociais
reais;
- a resolução de problemas como forma de aprendizagem.

Essas considerações podem estruturar-se nas seguintes condições gerais relativas às aprendizagens
infantis a serem seguidas pelo professor em sua prática educativa.

Interação
A interação social em situações diversas é uma das estratégias mais importantes do professor para a
promoção de aprendizagens pelas crianças. Assim, cabe ao professor propiciar situações de conversa,
brincadeiras ou de aprendizagens orientadas que garantam a troca entre as crianças, de forma a que
possam comunicar-se e expressar-se, demonstrando seus modos de agir, de pensar e de sentir, em um
ambiente acolhedor e que propicie a confiança e a autoestima.
A existência de um ambiente acolhedor, porém, não significa eliminar os conflitos, disputas e
divergências presentes nas interações sociais, mas pressupõe que o professor forneça elementos
afetivos e de linguagem para que as crianças aprendam a conviver, buscando as soluções mais
adequadas para as situações com as quais se defrontam diariamente. As capacidades de interação,
porém, são também desenvolvidas quando as crianças podem ficar sozinhas, quando elaboram suas
descobertas e sentimentos e constroem um sentido de propriedade para as ações e pensamentos já
compartilhados com outras crianças e com os adultos, o que vai potencializar novas interações. Nas
situações de troca, podem desenvolver os conhecimentos e recursos de que dispõem, confrontando-os
e reformulando-os.
Nessa perspectiva, o professor deve refletir e discutir com seus pares sobre os critérios utilizados na
organização dos agrupamentos e das situações de interação, mesmo entre bebês, visando, sempre que
possível, a auxiliar as trocas entre as crianças e, ao mesmo tempo, garantir-lhes o espaço da
individualidade. Assim, em determinadas situações, é aconselhável que crianças com níveis de
desenvolvimento diferenciados interajam; em outras, deve-se garantir uma proximidade de crianças com
interesses e níveis de desenvolvimento semelhantes. Propiciar a interação quer dizer, portanto,
considerar que as diferentes formas de sentir, expressar e comunicar a realidade pelas crianças resultam
em respostas diversas que são trocadas entre elas e que garantem parte significativa de suas
aprendizagens. Uma das formas de propiciar essa troca é a socialização de suas descobertas, quando o
professor organiza as situações para que as crianças compartilhem seus percursos individuais na
elaboração dos diferentes trabalhos realizados.

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Portanto, é importante frisar que as crianças se desenvolvem em situações de interação social, nas
quais conflitos e negociação de sentimentos, ideias e soluções são elementos indispensáveis.
O âmbito social oferece, portanto, ocasiões únicas para elaborar estratégias de pensamento e de ação,
possibilitando a ampliação das hipóteses infantis. Pode-se estabelecer, nesse processo, uma rede de
reflexão e construção de conhecimentos na qual tanto os parceiros mais experientes quanto os menos
experientes têm seu papel na interpretação e ensaio de soluções. A interação permite que se crie uma
situação de ajuda na qual as crianças avancem no seu processo de aprendizagem.

Diversidade e Individualidade
Cabe ao professor a tarefa de individualizar as situações de aprendizagens oferecidas às crianças,
considerando suas capacidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas assim como os conhecimentos
que possuem dos mais diferentes assuntos e suas origens socioculturais diversas. Isso significa que o
professor deve planejar e oferecer uma gama variada de experiências que responda, simultaneamente,
às demandas do grupo e às individualidades de cada criança.
Considerar que as crianças são diferentes entre si, implica propiciar uma educação baseada em
condições de aprendizagem que respeitem suas necessidades e ritmos individuais, visando a ampliar e
a enriquecer as capacidades de cada criança, considerando as como pessoas singulares e com
características próprias. Individualizar a educação infantil, ao contrário do que se poderia supor, não é
marcar e estigmatizar as crianças pelo que diferem, mas levar em conta suas singularidades, respeitando-
as e valorizando-as como fator de enriquecimento pessoal e cultural.

Aprendizagem significativa e conhecimentos prévios


Os assuntos trabalhados com as crianças devem guardar relações específicas com os níveis de
desenvolvimento das crianças em cada grupo e faixa etária e, também, respeitar e propiciar a amplitude
das mais diversas experiências em relação aos eixos de trabalho propostos.
O processo que permite a construção de aprendizagens significativas pelas crianças requer uma
intensa atividade interna por parte delas. Nessa atividade, as crianças podem estabelecer relações entre
novos conteúdos e os conhecimentos prévios (conhecimentos que já possuem), usando para isso os
recursos de que dispõem. Esse processo possibilitará a elas modificarem seus conhecimentos prévios,
matizá-los, ampliá-los ou diferenciá-los em função de novas informações, capacitando-as a realizar novas
aprendizagens, tornando-as significativas.
É, portanto, função do professor considerar, como ponto de partida para sua ação educativa, os
conhecimentos que as crianças possuem, advindos das mais variadas experiências sociais, afetivas e
cognitivas a que estão expostas. Detectar os conhecimentos prévios das crianças não é uma tarefa fácil.
Implica que o professor estabeleça estratégias didáticas para fazê-lo. Quanto menores são as crianças,
mais difícil é a explicitação de tais conhecimentos, uma vez que elas não se comunicam verbalmente. A
observação acurada das crianças é um instrumento essencial nesse processo. Os gestos, movimentos
corporais, sons produzidos, expressões faciais, as brincadeiras e toda forma de expressão, representação
e comunicação devem ser consideradas como fonte de conhecimento para o professor sobre o que a
criança já sabe. Com relação às crianças maiores, podem-se também criar situações intencionais nas
quais elas sejam capazes de explicitar seus conhecimentos por meio das diversas linguagens a que têm
acesso.

Resolução de Problemas
Nas situações de aprendizagem o problema adquire um sentido importante quando as crianças
buscam soluções e discutem-nas com as outras crianças. Não se trata de situações que permitam
“aplicar” o que já se sabe, mas sim daquelas que possibilitam produzir novos conhecimentos a partir dos
que já se tem e em interação com novos desafios. Neste processo, o professor deve reconhecer as
diferentes soluções, socializando os resultados encontrados.

Proximidade com as práticas sociais reais


A prática educativa deve buscar situações de aprendizagens que reproduzam contextos cotidianos nos
quais, por exemplo, escrever, contar, ler, desenhar, procurar uma informação etc. tenha uma função real.
Isto é, escreve-se para guardar uma informação, para enviar uma mensagem, contam-se tampinhas para
fazer uma coleção etc.

Educar crianças com necessidades especiais


As pessoas que apresentam necessidades especiais (portadores de deficiência mental, auditiva,
visual, física e deficiência múltipla, e portadores de altas habilidades) representam 10% da população

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brasileira e possuem, em sua grande maioria, uma vasta experiência de exclusão que se traduz em
grandes limitações nas possibilidades de convívio social e usufruto dos equipamentos sociais (menos de
3% têm acesso a algum tipo de atendimento), além de serem submetidas a diversos tipos de
discriminação.
Uma ação educativa comprometida com a cidadania e com a formação de uma sociedade democrática
e não excludente deve, necessariamente, promover o convívio com a diversidade, que é marca da vida
social brasileira. Essa diversidade inclui não somente as diversas culturas, os hábitos, os costumes, mas
também as competências, as particularidades de cada um.
Aprender a conviver e relacionar-se com pessoas que possuem habilidades e competências diferentes,
que possuem expressões culturais e marcas sociais próprias, é condição necessária para o
desenvolvimento de valores éticos, como a dignidade do ser humano, o respeito ao outro, a igualdade e
a equidade e a solidariedade. A criança que conviver com a diversidade nas instituições educativas,
poderá aprender muito com ela. Pelo lado das crianças que apresentam necessidades especiais, o
convívio com as outras crianças se torna benéfico na medida em que representa uma inserção de fato no
universo social e favorece o desenvolvimento e a aprendizagem, permitindo a formação de vínculos
estimuladores, o confronto com a diferença e o trabalho com a própria dificuldade.
Os avanços no pensamento sociológico, filosófico e legal vêm exigindo, por parte do sistema
educacional brasileiro, o abandono de práticas segregacionistas que, ao longo da história, marginalizaram
e estigmatizaram pessoas com diferenças individuais acentuadas. A LDB, no seu capítulo V, Da Educação
Especial, parágrafo 3°, determina que: “A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado,
tem início na faixa etária de zero a cinco anos, durante a educação infantil”.
A Educação Especial, termo cunhado para a educação dirigida aos portadores de deficiência, de
condutas típicas e de altas habilidades, é considerada pela Constituição brasileira, como parte inseparável
do direito à educação. A posição da UNESCO, considera a educação especial como uma forma
enriquecida de educação em geral, que deve contribuir para a integração na sociedade dos portadores
de deficiência, de condutas típicas e de altas habilidades. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em
seu art. 54, III, afirma que: “É dever do estado assegurar à criança e ao adolescente (...) atendimento
educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.
O MEC desenvolve, por intermédio de sua Secretaria de Educação Especial (SEESP) uma política
visando à integração das crianças portadoras de necessidades especiais ao sistema de ensino, propondo
a inclusão destas crianças nas instituições de educação infantil.
No mundo inteiro tem se observado iniciativas no sentido da inclusão cada vez maior das crianças com
necessidades especiais nos mais diversos espaços sociais, o que culmina hoje com a Declaração de
Salamanca, de princípios, política e prática das necessidades educativas especiais. Este documento se
inspira “no princípio de integração e no reconhecimento da necessidade de ação para conseguir escola
para todos, isto é, escolas que incluam todo mundo e conheçam as diferenças, promovam a
aprendizagem e atendam às necessidades de cada um”. A realidade brasileira, de uma forma geral, exige
que se busque alternativas para a integração do portador de deficiência, de maneira a garantir-lhe uma
convivência participativa.
A Escola Inclusiva é uma tendência internacional deste final de século. É considerada Escola Inclusiva
aquela que abre espaço para todas as crianças, abrangendo aquelas com necessidades especiais. O
principal desafio da Escola Inclusiva é desenvolver uma pedagogia centrada na criança, capaz de educar
a todas, sem discriminação, respeitando suas diferenças; uma escola que dê conta da diversidade das
crianças e ofereça respostas adequadas às suas características e necessidades, solicitando apoio de
instituições e especialistas quando isso se fizer necessário. É uma meta a ser perseguida por todos
aqueles comprometidos com o fortalecimento de uma sociedade democrática, justa e solidária. As
alternativas de atendimento educacional às crianças que apresentam necessidades educativas especiais,
no Brasil, vão desde o atendimento em instituições especializadas até a completa integração nas várias
instituições de educação.
A qualidade do processo de integração depende da estrutura organizacional da instituição,
pressupondo propostas que considerem:
- grau de deficiência e as potencialidades de cada criança;
- idade cronológica;
- disponibilidade de recursos humanos e materiais existentes na comunidade;
- condições socioeconômicas e culturais da região;
- estágio de desenvolvimento dos serviços de educação especial já implantado nas unidades
federadas.

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Para que o processo de integração dessas crianças possa acontecer de fato, há que se envolver toda
a comunidade, de forma a que o trabalho desenvolvido tenha sustentação. É preciso considerar este
trabalho como parte do projeto educativo da instituição.

O Professor de Educação Infantil

Embora não existam informações abrangentes sobre os profissionais que atuam diretamente com as
crianças nas creches e pré-escolas do país, vários estudos têm mostrado que muitos destes profissionais
ainda não têm formação adequada, recebem remuneração baixa e trabalham sob condições bastante
precárias. Se na pré-escola, constata-se, ainda hoje, uma pequena parcela de profissionais considerados
leigos, nas creches ainda é significativo o número de profissionais sem formação escolar mínima cuja
denominação é variada: berçarista, auxiliar de desenvolvimento infantil, babá, pajem, monitor,
recreacionista etc.
A constatação dessa realidade nacional diversa e desigual, porém, foi acompanhada, nas últimas
décadas, de debates a respeito das diversas concepções sobre criança, educação, atendimento
institucional e reordenamento legislativo que devem determinar a formação de um novo profissional para
responder às demandas atuais de educação da criança. As funções deste profissional vêm passando,
portanto, por reformulações profundas. O que se esperava dele há algumas décadas não corresponde
mais ao que se espera nos dias atuais. Nessa perspectiva, os debates têm indicado a necessidade de
uma formação mais abrangente e unificadora para profissionais tanto de creches como de pré-escolas e
de uma restruturação dos quadros de carreira que leve em consideração os conhecimentos já acumulados
no exercício profissional, como possibilite a atualização profissional.
Em resposta a esse debate, a LDB dispõe, no título VI, art. 62 que: “A formação de docentes para atuar
na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como formação
mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino
fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal”. Considerando a necessidade de um
período de transição que permita incorporar os profissionais cuja escolaridade ainda não é a exigida e
buscando proporcionar um tempo para adaptação das redes de ensino.
Isto significa que as diferentes redes de ensino deverão colocar-se a tarefa de investir de maneira
sistemática na capacitação e atualização permanente e em serviço de seus professores (sejam das
creches ou pré-escolas), aproveitando as experiências acumuladas daqueles que já vêm trabalhando com
crianças há mais tempo e com qualidade. Ao mesmo tempo, deverão criar condições de formação regular
de seus profissionais, ampliando-lhes chances de acesso à carreira como professores de educação
infantil, função que passa a lhes ser garantida pela LDB, caso cumpridos os pré-requisitos. Nessa
perspectiva, faz-se necessário que estes profissionais, nas instituições de educação infantil, tenham ou
venham a ter uma formação inicial sólida e consistente acompanhada de adequada e permanente
atualização em serviço. Assim, o diálogo no interior da categoria tanto quanto os investimentos na carreira
e formação do profissional pelas redes de ensino é hoje um desafio presente, com vista à
profissionalização do docente de educação infantil.
Em consonância com a LDB, este Referencial utiliza a denominação “professor de educação infantil”
para designar todos os/as profissionais responsáveis pela educação direta das crianças de zero a seis
anos, tenham eles/elas uma formação especializada ou não.

Perfil Profissional
O trabalho direto com crianças pequenas exige que o professor tenha uma competência polivalente.
Ser polivalente significa que ao professor cabe trabalhar com conteúdos de naturezas diversas que
abrangem desde cuidados básicos essenciais até conhecimentos específicos provenientes das diversas
áreas do conhecimento. Este caráter polivalente demanda, por sua vez, uma formação bastante ampla
do profissional que deve tornar-se, ele também, um aprendiz, refletindo constantemente sobre sua prática,
debatendo com seus pares, dialogando com as famílias e a comunidade e buscando informações
necessárias para o trabalho que desenvolve. São instrumentos essenciais para a reflexão sobre a prática
direta com as crianças a observação, o registro, o planejamento e a avaliação.
A implementação e/ou implantação de uma proposta curricular de qualidade depende, principalmente
dos professores que trabalham nas instituições. Por meio de suas ações, que devem ser planejadas e
compartilhadas com seus pares e outros profissionais da instituição, pode-se construir projetos educativos
de qualidade junto aos familiares e às crianças. A ideia que preside a construção de um projeto educativo
é a de que se trata de um processo sempre inacabado, provisório e historicamente contextualizado que
demanda reflexão e debates constantes com todas as pessoas envolvidas e interessadas.

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Para que os projetos educativos das instituições possam, de fato, representar esse diálogo e debate
constante, é preciso ter professores que estejam comprometidos com a prática educacional, capazes de
responder às demandas familiares e das crianças, assim como às questões específicas relativas aos
cuidados e aprendizagens infantis.

Organização do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

A partir do diagnóstico realizado pela COEDI/DPE/SEF/MEC das propostas pedagógicas e dos


currículos de educação infantil de vários estados e municípios brasileiros em 1996, pode-se observar
alguns dados importantes que contribuem para a reflexão sobre a organização curricular e seus
componentes. Essa análise aponta para o fato de que a maioria das propostas concebe a criança como
um ser social, psicológico e histórico, tem no construtivismo sua maior referência teórica, aponta o
universo cultural da criança como ponto de partida para o trabalho e defende uma educação democrática
e transformadora da realidade, que objetiva a formação de cidadãos críticos. Ao mesmo tempo, constata-
se um grande desencontro entre os fundamentos teóricos adotados e as orientações metodológicas. Não
são explicitadas as formas que possibilitam a articulação entre o universo cultural das crianças, o
desenvolvimento infantil e as áreas do conhecimento.
Com o objetivo de tornar visível uma possível forma de articulação, a estrutura do Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil relaciona objetivos gerais e específicos, conteúdos e
orientações didáticas numa perspectiva de operacionalização do processo educativo.
Para tanto estabelece uma integração curricular na qual os objetivos gerais para a educação infantil
norteiam a definição de objetivos específicos para os diferentes eixos de trabalho. Desses objetivos
específicos decorrem os conteúdos que possibilitam concretizar as intenções educativas. O tratamento
didático que busca garantir a coerência entre objetivos e conteúdos se explicita por meio das orientações
didáticas.
Essa estrutura se apoia em uma organização por idades - e se concretiza em dois âmbitos de
experiências - Formação Pessoal e Social e Conhecimento de Mundo - que são constituídos pelos
seguintes eixos de trabalho: Identidade e autonomia, Movimento, Artes visuais, Música, Linguagem oral
e escrita, Natureza e sociedade, e Matemática.
Cada documento de eixo se organiza em torno de uma estrutura comum, na qual estão explicitadas:
as ideias e práticas correntes relacionadas ao eixo e à criança e aos seguintes componentes curriculares:
objetivos; conteúdos e orientações didáticas; orientações gerais para o professor e bibliografia.

Organização por Idade


A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, explicita no art. 30, capítulo II, seção II
que: “A educação infantil será oferecida em: I - creches ou entidades equivalentes para crianças de até
três anos de idade; II - pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade”.
Este Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil adota a mesma divisão por faixas etárias
contemplada nas disposições iniciais da LDB. Embora arbitrária do ponto de vista das diversas teorias de
desenvolvimento, buscou-se apontar possíveis regularidades relacionadas aos aspectos afetivos,
emocionais, cognitivos e sociais das crianças das faixas etárias abrangidas. No entanto, em alguns
documentos fez-se uma diferenciação para os primeiros 12 meses de vida da criança, considerando-se
as especificidades dessa idade.
A opção pela organização dos objetivos, conteúdos e orientações didáticas por faixas etárias e não
pela designação institucional - creche e pré-escola - pretendeu também considerar a variação de faixas
etárias encontradas nos vários programas de atendimento nas diferentes regiões do país, não
identificadas com as determinações da LDB.

Organização em Âmbitos e Eixos


Frente ao mundo sociocultural e natural que se apresenta de maneira diversa e polissêmica optou-se
por um recorte curricular que visa a instrumentalizar a ação do professor, destacando os âmbitos de
experiências essenciais que devem servir de referência para a prática educativa. Considerando-se as
particularidades da faixa etária compreendida e suas formas específicas de aprender criou-se categorias
curriculares para organizar os conteúdos a serem trabalhados nas instituições de educação infantil. Esta
organização visa a abranger diversos e múltiplos espaços de elaboração de conhecimentos e de
diferentes linguagens, a construção da identidade, os processos de socialização e o desenvolvimento da
autonomia das crianças que propiciam, por sua vez, as aprendizagens consideradas essenciais. Os
âmbitos são compreendidos como domínios ou campos de ação que dão visibilidade aos eixos de trabalho

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educativo para que o professor possa organizar sua prática e refletir sobre a abrangência das experiências
que propicia às crianças.
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil define dois âmbitos de experiências:
Formação Pessoal e Social e Conhecimento de Mundo. É preciso ressaltar que esta organização possui
um caráter instrumental e didático, devendo os professores ter consciência, em sua prática educativa,
que a construção de conhecimentos se processa de maneira integrada e global e que há inter-relações
entre os diferentes âmbitos a serem trabalhados com as crianças.
O âmbito de Formação Pessoal e Social refere-se às experiências que favorecem, prioritariamente, a
construção do sujeito. Está organizado de forma a explicitar as complexas questões que envolvem o
desenvolvimento de capacidades de natureza global e afetiva das crianças, seus esquemas simbólicos
de interação com os outros e com o meio, assim como a relação consigo mesmas. O trabalho com este
âmbito pretende que as instituições possam oferecer condições para que as crianças aprendam a
conviver, a ser e a estar com os outros e consigo mesmas em uma atitude básica de aceitação, de respeito
e de confiança.
Este âmbito abarca um eixo de trabalho denominado Identidade e autonomia. O âmbito de
Conhecimento de Mundo se refere à construção das diferentes linguagens pelas crianças e às relações
que estabelecem com os objetos de conhecimento. Este âmbito traz uma ênfase na relação das crianças
com alguns aspectos da cultura.

A cultura é aqui entendida de uma forma ampla e plural, como o conjunto de códigos e produções
simbólicas, científicas e sociais da humanidade construído ao longo das histórias dos diversos grupos,
englobando múltiplos aspectos e em constante processo de reelaboração e ressignificação. Esta ideia de
cultura transcende, mas engloba os interesses momentâneos, as tradições específicas e as convenções
de grupos sociais particulares. O domínio progressivo das diferentes linguagens que favorecem a
expressão e comunicação de sentimentos, emoções e ideias das crianças, propiciam a interação com os
outros e facilitam a mediação com a cultura e os conhecimentos constituídos. Incide sobre aspectos
essenciais do desenvolvimento e da aprendizagem e engloba instrumentos fundamentais para as
crianças continuarem a aprender ao longo da vida.
Destacam-se os seguintes eixos de trabalho: Movimento, Artes visuais, Música, Linguagem oral e
escrita, Natureza e sociedade, Matemática.
Estes eixos foram escolhidos por se constituírem em uma parcela significativa da produção cultural
humana que amplia e enriquece as condições de inserção das crianças na sociedade.

Componentes Curriculares
Objetivos
Os objetivos explicitam intenções educativas e estabelecem capacidades que as crianças poderão
desenvolver como consequência de ações intencionais do professor. Os objetivos auxiliam na seleção de
conteúdos e meios didáticos.
A definição dos objetivos em termos de capacidades - e não de comportamentos - visa a ampliar a
possibilidade de concretização das intenções educativas, uma vez que as capacidades se expressam por
meio de diversos comportamentos e as aprendizagens que convergem para ela podem ser de naturezas
diversas. Ao estabelecer objetivos nesses termos, o professor amplia suas possibilidades de atendimento
à diversidade apresentada pelas crianças, podendo considerar diferentes habilidades, interesses e
maneiras de aprender no desenvolvimento de cada capacidade.
Embora as crianças desenvolvam suas capacidades de maneira heterogênea, a educação tem por
função criar condições para o desenvolvimento integral de todas as crianças, considerando, também, as
possibilidades de aprendizagem que apresentam nas diferentes faixas etárias. Para que isso ocorra, faz-
se necessário uma atuação que propicia o desenvolvimento de capacidades envolvendo aquelas de
ordem física, afetiva, cognitiva, ética, estética, de relação interpessoal e inserção social.
As capacidades de ordem física estão associadas à possibilidade de apropriação e conhecimento das
potencialidades corporais, ao autoconhecimento, ao uso do corpo na expressão das emoções, ao
deslocamento com segurança.
As capacidades de ordem cognitiva estão associadas ao desenvolvimento dos recursos para pensar,
o uso e apropriação de formas de representação e comunicação envolvendo resolução de problemas.
As capacidades de ordem afetiva estão associadas à construção da autoestima, às atitudes no
convívio social, à compreensão de si mesmo e dos outros.
As capacidades de ordem estética estão associadas à possibilidade de produção artística e apreciação
desta produção oriundas de diferentes culturas.

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As capacidades de ordem ética estão associadas à possibilidade de construção de valores que
norteiam a ação das crianças.
As capacidades de relação interpessoal estão associadas à possibilidade de estabelecimento de
condições para o convívio social. Isso implica aprender a conviver com as diferenças de temperamentos,
de intenções, de hábitos e costumes, de cultura etc.
As capacidades de inserção social estão associadas à possibilidade de cada criança perceber-se como
membro participante de um grupo de uma comunidade e de uma sociedade.
Para que se possa atingir os objetivos é necessário selecionar conteúdos que auxiliem o
desenvolvimento destas capacidades.

Conteúdos
As diferentes aprendizagens se dão por meio de sucessivas reorganizações do conhecimento, e este
processo é protagonizado pelas crianças quando podem vivenciar experiências que lhes forneçam
conteúdos apresentados de forma não simplificada e associados a práticas sociais reais. É importante
marcar que não há aprendizagem sem conteúdos.
Pesquisas e produções teóricas realizadas, principalmente durante a última década, apontam a
importância das aprendizagens específicas para os processos de desenvolvimento e socialização do ser
humano, ressignificando o papel dos conteúdos nos processos de aprendizagem.
Muitas das pautas culturais e saberes socialmente constituídos são aprendidos por meio do contato
direto ou indireto com atividades diversas, que ocorrem nas diferentes situações de convívio social das
quais as crianças participam no âmbito familiar e cotidiano.
Outras aprendizagens, no entanto, dependem de situações educativas criadas especialmente para
que ocorram. O planejamento dessas situações envolve a seleção de conteúdos específicos a essas
aprendizagens.
Nessa perspectiva, este Referencial concebe os conteúdos, por um lado, como a concretização dos
propósitos da instituição e, por outro, como um meio para que as crianças desenvolvam suas capacidades
e exercitem sua maneira própria de pensar, sentir e ser, ampliando suas hipóteses acerca do mundo ao
qual pertencem e constituindo-se em um instrumento para a compreensão da realidade. Os conteúdos
abrangem, para além de fatos, conceitos e princípios, também os conhecimentos relacionados a
procedimentos, atitudes, valores e normas como objetos de aprendizagem. A explicitação de conteúdos
de naturezas diversas aponta para a necessidade de se trabalhar de forma intencional e integrada com
conteúdos que, na maioria das vezes, não são tratados de forma explícita e consciente.
Esta abordagem é didática e visa a destacar a importância de se dar um tratamento apropriado aos
diferentes conteúdos, instrumentalizando o planejamento do professor para que possa contemplar as
seguintes categorias: os conteúdos conceituais que dizem respeito ao conhecimento de conceitos, fatos
e princípios; os conteúdos procedimentais referem-se ao “saber fazer” e os conteúdos atitudinais estão
associados a valores, atitudes e normas.
Nos eixos de trabalho, estas categorias de conteúdos estão contempladas embora não estejam
explicitadas de forma discriminada.
A seguir, as categorias de conteúdos serão melhor explicadas de forma a subsidiar a reflexão e o
planejamento do professor.
Os conteúdos conceituais referem-se à construção ativa das capacidades para operar com símbolos,
ideias, imagens e representações que permitem atribuir sentido à realidade.
Desde os conceitos mais simples até os mais complexos, a aprendizagem se dá por meio de um
processo de constantes idas e vindas, avanços e recuos nos quais as crianças constroem ideias
provisórias, ampliam-nas e modificam-nas, aproximando-se gradualmente de conceitualizações cada vez
mais precisas.
O conceito que uma criança faz do que seja um cachorro, por exemplo, depende das experiências que
ela tem que envolvam seu contato com cachorros. Se num primeiro momento, ela pode, por exemplo,
designar como “Au-Au” todo animal, fazendo uma generalização provisória, o acesso a uma nova
informação, por exemplo, o fato de que gatos diferem de cachorros, permite-lhe reorganizar o
conhecimento que possui e modificar a ideia que tem sobre o que é um cachorro. Esta conceitualização,
ainda provisória, será suficiente por algum tempo - até o momento em que ela entrar em contato com um
novo conhecimento.
Assim, deve-se ter claro que alguns conteúdos conceituais são possíveis de serem apropriados pelas
crianças durante o período da educação infantil. Outros não, e estes necessitarão de mais tempo para
que possam ser construídos. Isso significa dizer que muitos conteúdos serão trabalhados com o objetivo
apenas de promover aproximações a um determinado conhecimento, de colaborar para elaboração de
hipóteses e para a manifestação de formas originais de expressão.

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Os conteúdos procedimentais referem-se ao saber fazer. A aprendizagem de procedimentos está
diretamente relacionada à possibilidade de a criança construir instrumentos e estabelecer caminhos que
lhes possibilitem a realização de suas ações. Longe de ser mecânica e destituída de sentido, a
aprendizagem de procedimentos constitui-se em um importante componente para o desenvolvimento das
crianças, pois relaciona-se a um percurso de tomada de decisões. Desenvolver procedimentos significa
apropriar-se de “ferramentas” da cultura humana necessárias para viver. No que se refere à educação
infantil, saber manipular corretamente os objetos de uso cotidiano que existem à sua volta, por exemplo,
é um procedimento fundamental, que responde às necessidades imediatas para inserção no universo
mais próximo. É o caso de vestir-se ou amarrar os sapatos, que constituem-se em ações procedimentais
importantes no processo de conquista da independência. Dispor-se a perguntar é uma atitude
fundamental para o processo de aprendizagem. Da mesma forma, para que as crianças possam exercer
a cooperação, a solidariedade e o respeito, por exemplo, é necessário que aprendam alguns
procedimentos importantes relacionados às formas de colaborar com o grupo, de ajudar e pedir ajuda etc.
Deve-se ter em conta que a aprendizagem de procedimentos será, muitas vezes, trabalhada de forma
articulada com conteúdos conceituais e atitudinais.
Os conteúdos atitudinais tratam dos valores, das normas e das atitudes. Conceber valores, normas e
atitudes como conteúdos implicam torná-los explícitos e compreendê-los como passíveis de serem
aprendidos e planejados.
As instituições educativas têm uma função básica de socialização e, por esse motivo, têm sido sempre
um contexto gerador de atitudes. Isso significa dizer que os valores impregnam toda a prática educativa
e são aprendidos pelas crianças, ainda que não sejam considerados como conteúdos a serem
trabalhados explicitamente, isto é, ainda que não sejam trabalhados de forma consciente e intencional. A
aprendizagem de conteúdos deste tipo implica uma prática coerente, onde os valores, as atitudes e as
normas que se pretende trabalhar estejam presentes desde as relações entre as pessoas até a seleção
dos conteúdos, passando pela própria forma de organização da instituição. A falta de coerência entre o
discurso e a prática é um dos fatores que promove o fracasso do trabalho com os valores.
Nesse sentido, dar o exemplo evidencia que é possível agir de acordo com valores determinados. Do
contrário, os valores tornam-se vazios de sentido e aproximam-se mais de uma utopia não realizável do
que de uma realidade possível.
Para que as crianças possam aprender conteúdos atitudinais, é necessário que o professor e todos os
profissionais que integram a instituição possam refletir sobre os valores que são transmitidos
cotidianamente e sobre os valores que se quer desenvolver. Isso significa um posicionamento claro sobre
o quê e o como se aprende nas instituições de educação infantil.
Deve-se ter em conta que, por mais que se tenha a intenção de trabalhar com atitudes e valores, nunca
a instituição dará conta da totalidade do que há para ensinar. Isso significa dizer que parte do que as
crianças aprendem não é ensinado de forma sistemática e consciente e será aprendida de forma
incidental. Isso amplia a responsabilidade de cada um e de todos com os valores e as atitudes que
cultivam.

Organização dos conteúdos por blocos


Os conteúdos são apresentados nos diversos eixos de trabalho, organizados por blocos. Essa
organização visa a contemplar as dimensões essenciais de cada eixo e situar os diferentes conteúdos
dentro de um contexto organizador que explicita suas especificidades por um lado e aponta para a sua
“origem” por outro. Por exemplo, é importante que o professor saiba, ao ler uma história para as crianças,
que está trabalhando não só a leitura, mas também, a fala, a escuta, e a escrita; ou, quando organiza
uma atividade de percurso, que está trabalhando tanto a percepção do espaço, como o equilíbrio e a
coordenação da criança.
Esses conhecimentos ajudam o professor a dirigir sua ação de forma mais consciente, ampliando as
suas possibilidades de trabalho.
Embora estejam elencados por eixos de trabalho, muitos conteúdos encontram-se contemplados em
mais de um eixo. Essa opção visa a apontar para o tratamento integrado que deve ser dado aos
conteúdos. Cabe ao professor organizar seu planejamento de forma a aproveitar as possibilidades que
cada conteúdo oferece, não restringindo o trabalho a um único eixo, em fragmentando o conhecimento.

Seleção de conteúdos
Os conteúdos aqui elencados pretendem oferecer um repertório que possa auxiliar o desenvolvimento
das capacidades colocadas nos objetivos gerais. No entanto, considerando as características particulares
de cada grupo e suas necessidades, cabe ao professor selecioná-los e adequá-los de forma que sejam
significativos para as crianças.

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Deve se ter em conta que o professor, com vistas a desenvolver determinada capacidade, pode
priorizar determinados conteúdos; trabalhá-los em diferentes momentos do ano; voltar a eles diversas
vezes, aprofundando-os a cada vez etc. Como são múltiplas as possibilidades de escolha de conteúdos,
os critérios para selecioná-los devem se atrelar ao grau de significado que têm para as crianças. É
importante, também, que o professor considere as possibilidades que os conteúdos oferecem para o
avanço do processo de aprendizagem e para a ampliação de conhecimento que possibilita.

Integração dos conteúdos


Os conteúdos são compreendidos, aqui, como instrumentos para analisar a realidade, não se
constituindo um fim em si mesmos. Para que as crianças possam compreender a realidade na sua
complexidade e enriquecer sua percepção sobre ela, os conteúdos devem ser trabalhados de forma
integrada, relacionados entre si. Essa integração possibilita que a realidade seja analisada por diferentes
aspectos, sem fragmentá-la. Um passeio pela rua pode oferecer elementos referentes à análise das
paisagens, à identificação de características de diferentes grupos sociais, à presença de animais,
fenômenos da natureza, ao contato com a escrita e os números presentes nas casas, placas etc.,
contextualizando cada elemento na complexidade do meio.
O mesmo passeio envolve, também, aprendizagens relativas à socialização, mobilizam sentimentos e
emoções constituindo-se em uma atividade que pode contribuir para o desenvolvimento das crianças.

Orientações Didáticas
Os conteúdos estão intrinsecamente relacionados com a forma como são trabalhados com as crianças.
Se, de um lado, é verdade que a concepção de aprendizagem adotada determina o enfoque didático, é
igualmente verdade, de outro lado, que nem sempre esta relação se explicita de forma imediata. A prática
educativa é bastante complexa e são inúmeras as questões que se apresentam no cotidiano e que
transcendem o planejamento didático e a própria proposta curricular. Na perspectiva de explicitar algumas
indicações sobre o enfoque didático e apoiar o trabalho do professor, as orientações didáticas situam-se
no espaço entre as intenções educativas e a prática. As orientações didáticas são subsídios que remetem
ao “como fazer”, à intervenção direta do professor na promoção de atividades e cuidados alinhados com
uma concepção de criança e de educação.
Vale lembrar que estas orientações não representam um modelo fechado que define um padrão único
de intervenção. Pelo contrário, são indicações e sugestões para subsidiar a reflexão e a prática do
professor.
Cada documento de eixo contém orientações didáticas gerais e as específicas aos diversos blocos de
conteúdos. Nas orientações didáticas gerais explicitam-se condições relativas à: princípios gerais do eixo;
organização do tempo, do espaço e dos materiais; observação, registro e avaliação.

Organização do tempo
A rotina representa, também, a estrutura sobre a qual será organizado o tempo didático, ou seja, o
tempo de trabalho educativo realizado com as crianças. A rotina deve envolver os cuidados, as
brincadeiras e as situações de aprendizagens orientadas. A apresentação de novos conteúdos às
crianças requer sempre as mais diferentes estruturas didáticas, desde contar uma nova história, propor
uma técnica diferente de desenho até situações mais elaboradas, como, por exemplo, o desenvolvimento
de um projeto, que requer um planejamento cuidadoso com um encadeamento de ações que visam a
desenvolver aprendizagens específicas. Estas estruturas didáticas contêm múltiplas estratégias que são
organizadas em função das intenções educativas expressas no projeto educativo, constituindo-se em um
instrumento para o planejamento do professor. Podem ser agrupadas em três grandes modalidades de
organização do tempo. São elas: atividades permanentes, sequência de atividades e projetos de trabalho.

Atividades permanentes
São aquelas que respondem às necessidades básicas de cuidados, aprendizagem e de prazer para
as crianças, cujos conteúdos necessitam de uma constância. A escolha dos conteúdos que definem o
tipo de atividades permanentes a serem realizadas com frequência regular, diária ou semanal, em cada
grupo de crianças, depende das prioridades elencadas a partir da proposta curricular. Consideram-se
atividades permanentes, entre outras:
- brincadeiras no espaço interno e externo;
- roda de história;
- roda de conversas;
- ateliês ou oficinas de desenho, pintura, modelagem e música;

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- atividades diversificadas ou ambientes organizados por temas ou materiais à escolha da criança,
incluindo momentos para que as crianças possam ficar sozinhas se assim o desejarem;
- cuidados com o corpo.

Sequência de atividades
São planejadas e orientadas com o objetivo de promover uma aprendizagem específica e definida.
São sequenciadas com intenção de oferecer desafios com graus diferentes de complexidade para que as
crianças possam ir paulatinamente resolvendo problemas a partir de diferentes proposições. Estas
sequências derivam de um conteúdo retirado de um dos eixos a serem trabalhados e estão
necessariamente dentro de um contexto específico. Por exemplo: se o objetivo é fazer com que as
crianças avancem em relação à representação da figura humana por meio do desenho, pode-se planejar
várias etapas de trabalho para ajudá-las a reelaborar e enriquecer seus conhecimentos prévios sobre
esse assunto, como observação de pessoas, de desenhos ou pinturas de artistas e de fotografias;
atividades de representação a partir destas observações; atividades de representação a partir de
interferências previamente planejadas pelo educador etc.

Projetos de trabalho
Os projetos são conjuntos de atividades que trabalham com conhecimentos específicos construídos a
partir de um dos eixos de trabalho que se organizam ao redor de um problema para resolver ou um
produto final que se quer obter. Possui uma duração que pode variar conforme o objetivo, o desenrolar
das várias etapas, o desejo e o interesse das crianças pelo assunto tratado. Comportam uma grande
dose de imprevisibilidade, podendo ser alterado sempre que necessário, tendo inclusive modificações no
produto final. Alguns projetos, como fazer uma horta ou uma coleção, podem durar um ano inteiro, ao
passo que outros, como, por exemplo, elaborar um livro de receitas, podem ter uma duração menor.
Por partirem sempre de questões que necessitam ser respondidas, possibilitam um contato com as
práticas sociais reais. Dependem, em grande parte, dos interesses das crianças, precisam ser
significativos, representar uma questão comum para todas e partir de uma indagação da realidade. É
importante que os desafios apresentados sejam possíveis de serem enfrentados pelo grupo de crianças.
Um dos ganhos de se trabalhar com projetos é possibilitar às crianças que a partir de um assunto
relacionado com um dos eixos de trabalho, possam estabelecer múltiplas relações, ampliando suas ideias
sobre um assunto específico, buscando complementações com conhecimentos pertinentes aos diferentes
eixos. Esse aprendizado serve de referência para outras situações, permitindo generalizações de ordens
diversas.
A realização de um projeto depende de várias etapas de trabalho que devem ser planejadas e
negociadas com as crianças para que elas possam se engajar e acompanhar o percurso até o produto
final. O que se deseja alcançar justifica as etapas de elaboração. O levantamento dos conhecimentos
prévios das crianças sobre o assunto em pauta deve se constituir no primeiro passo. A socialização do
que o grupo já sabe e o levantamento do que desejam saber, isto é, as dúvidas que possuem, pode se
constituir na outra etapa.
Onde procurar as informações pode ser uma decisão compartilhada com crianças, familiares e demais
funcionários da instituição. Várias fontes de informações poderão ser usadas, como livros, enciclopédias,
trechos de filmes, análise de imagens, entrevistas com as mais diferentes pessoas, visitas a recursos da
comunidade etc. O registro dos conhecimentos que vão sendo construídos pelas crianças deve permear
todo o trabalho, podendo incluir relatos escritos, fitas gravadas, fotos, produção das crianças, desenhos
etc. Os projetos contêm sequências de atividades e pode-se utilizar atividades permanentes já em curso.
A característica principal dos projetos é a visibilidade final do produto e a solução do problema
compartilhado com as crianças. Ao final de um projeto, pode-se dizer que a criança aprendeu porque teve
uma intensa participação que envolveu a resolução de problemas de naturezas diversas. Soma-se a todas
essas características mais uma, ligada ao caráter lúdico que os projetos na educação infantil têm. Se o
projeto é sobre castelos, reis, rainhas, as crianças podem incorporar em suas brincadeiras conhecimentos
que foram construindo, e o produto final pode ser um baile medieval. Há muitos projetos que envolvem a
elaboração de bonecos do tamanho de adultos, outros a construção de circos, de maquetes, produtos
que por si só já representam criação e diversão para as crianças, sem contar o prazer que lhes dá de
conhecer o mundo.

Organização do espaço e seleção dos materiais


A organização dos espaços e dos materiais se constitui em um instrumento fundamental para a prática
educativa com crianças pequenas. Isso implica que, para cada trabalho realizado com as crianças, deve-
se planejar a forma mais adequada de organizar o mobiliário dentro da sala, assim como introduzir

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materiais específicos para a montagem de ambientes novos, ligados aos projetos em curso. Além disso,
a aprendizagem transcende o espaço da sala, toma conta da área externa e de outros espaços da
instituição e fora dela. A pracinha, o supermercado, a feira, o circo, o zoológico, a biblioteca, a padaria
etc. são mais do que locais para simples passeio, podendo enriquecer e potencializar as aprendizagens.

Observação, registro e avaliação formativa


A observação e o registro se constituem nos principais instrumentos de que o professor dispõe para
apoiar sua prática. Por meio deles o professor pode registrar contextualmente, os processos de
aprendizagem das crianças; a qualidade das interações estabelecidas com outras crianças, funcionários
e com o professor e acompanhar os processos de desenvolvimento obtendo informações sobre as
experiências das crianças na instituição.
Esta observação e seu registro fornecem aos professores uma visão integral das crianças ao mesmo
tempo em que revelam suas particularidades. São várias as maneiras pelas quais a observação pode ser
registrada pelos professores.
A escrita é, sem dúvida, a mais comum e acessível. O registro diário de suas observações, impressões,
ideias etc. pode compor um rico material de reflexão e ajuda para o planejamento educativo. Outras
formas de registro também podem ser consideradas, como a gravação em áudio e vídeo; produções das
crianças ao longo do tempo; fotografias etc.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, sancionada em dezembro de 1996, estabelece, na Seção II,
referente à educação infantil, artigo 31 que: “... a avaliação far-se-á mediante o acompanhamento e
registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino
fundamental”.
Existem ainda no Brasil práticas na educação infantil que possuem um entendimento equivocado da
avaliação nessa etapa da educação, o que vem gerando sérios problemas, com consequências
preocupantes, sobretudo, para as crianças de determinadas camadas da sociedade. A mais grave é a
existência das chamadas “classes de alfabetização” que conferem à educação infantil o caráter de
terminalidade. As crianças que frequentam essas classes não ingressam na primeira série do ensino
fundamental, até que tenham atingido os padrões desejáveis de aprendizagem da leitura e escrita. A
essas crianças têm sido vedado, assim, o direito constitucional de serem matriculadas na primeira série
do ensino fundamental. Outras práticas de avaliação conferem às produções das crianças: notas,
conceitos, estrelas, carimbos com desenhos de caras tristes ou alegres conforme o julgamento do
professor. A avaliação nessa etapa deve ser processual e destinada a auxiliar o processo de
aprendizagem, fortalecendo a autoestima das crianças.
Neste documento, a avaliação é entendida, prioritariamente, como um conjunto de ações que auxiliam
o professor a refletir sobre as condições de aprendizagem oferecidas e ajustar sua prática às
necessidades colocadas pelas crianças. É um elemento indissociável do processo educativo que
possibilita ao professor definir critérios para planejar as atividades e criar situações que gerem avanços
na aprendizagem das crianças. Tem como função acompanhar, orientar, regular e redirecionar esse
processo como um todo. No que se refere às crianças, a avaliação deve permitir que elas acompanhem
suas conquistas, suas dificuldades e suas possibilidades ao longo de seu processo de aprendizagem.
Para que isso ocorra, o professor deve compartilhar com elas aquelas observações que sinalizam seus
avanços e suas possibilidades de superação das dificuldades.
São várias as situações cotidianas nas quais isso já ocorre, como, por exemplo, quando o professor
diz: “Olhe que bom, você já está conseguindo se servir sozinho”, ou quando torna observável para as
crianças o que elas sabiam fazer quando chegaram na instituição com o que sabem até aquele momento.
Nessas situações, o retorno para as crianças se dá de forma contextualizada, o que fortalece a função
formativa que deve ser atribuída à avaliação. Além dessas, existem outras situações que podem ser
aproveitadas ou criadas com o objetivo de situar a criança frente ao seu processo de aprendizagem. É
importante que o professor tenha consciência disso, para que possa atuar de forma cada vez mais
intencional. Isso significa definir melhor a quem se dirige a avaliação - se ao grupo todo ou às crianças
em particular; qual o melhor momento para explicitá-la e como deve ser feito. Esses momentos de retorno
da avaliação para a criança devem incidir prioritariamente sobre as suas conquistas. Apontar aquilo que
a criança não consegue realizar ou não sabe, só faz sentido numa perspectiva de possível superação,
quando o professor detém conhecimento sobre as reais possibilidades de avanço da criança e sobre as
possibilidades que ele tem para ajudá-la. Do contrário, ao invés de potencializar a ação das crianças e
fortalecer a sua autoestima, a avaliação pode provocar-lhes um sentimento de impotência e fracasso.
Outro ponto importante de se marcar refere-se à representação que a criança constrói sobre a avaliação.
O professor deve ter consciência de que a forma como a avaliação é compreendida, na instituição e por

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ele próprio, será de fundamental importância para que a criança possa construir uma representação
positiva da mesma.
A avaliação também é um excelente instrumento para que a instituição possa estabelecer suas
prioridades para o trabalho educativo, identificar pontos que necessitam de maior atenção e reorientar a
prática, definindo o que avaliar, como e quando em consonância com os princípios educativos que elege.
Para que possa se constituir como um instrumento voltado para reorientar a prática educativa, a
avaliação deve se dar de forma sistemática e contínua, tendo como objetivo principal a melhoria da ação
educativa. O professor, ciente do que pretende que as crianças aprendam, pode selecionar determinadas
produções das crianças ao longo de um período para obter com mais precisão informações sobre sua
aprendizagem. Os pais, também, têm o direito de acompanhar o processo de aprendizagem de suas
crianças, se inteirando dos avanços e conquistas, compreendendo os objetivos e as ações desenvolvidas
pela instituição.

Objetivos Gerais da Educação Infantil

A prática da educação infantil deve se organizar de modo que as crianças desenvolvam as seguintes
capacidades:
- desenvolver uma imagem positiva de si, atuando de forma cada vez mais independente, com
confiança em suas capacidades e percepção de suas limitações;
- descobrir e conhecer progressivamente seu próprio corpo, suas potencialidades e seus limites,
desenvolvendo e valorizando hábitos de cuidado com a própria saúde e bem-estar;
- estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças, fortalecendo sua autoestima e
ampliando gradativamente suas possibilidades de comunicação e interação social;
- estabelecer e ampliar cada vez mais as relações sociais, aprendendo aos poucos a articular seus
interesses e pontos de vista com os demais, respeitando a diversidade e desenvolvendo atitudes de ajuda
e colaboração;
- observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade, percebendo-se cada vez mais como
integrante, dependente e agente transformador do meio ambiente e valorizando atitudes que contribuam
para sua conservação;
- brincar, expressando emoções, sentimentos, pensamentos, desejos e necessidades;
- utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita) ajustadas às diferentes
intenções e situações de comunicação, de forma a compreender e ser compreendido, expressar suas
ideias, sentimentos, necessidades e desejos e avançar no seu processo de construção de significados,
enriquecendo cada vez mais sua capacidade expressiva;
- conhecer algumas manifestações culturais, demonstrando atitudes de interesse, respeito e
participação frente a elas e valorizando a diversidade.

A Instituição e o Projeto Educativo

O Referencial Curricular propõe um diálogo com programas e projetos curriculares de instituições de


educação infantil, nos estados e municípios. Este diálogo supõe atentar para duas dimensões
complementares que possam garantir a efetividade das propostas: uma de natureza externa; outra,
interna às instituições.

Condições Externas
As particularidades de cada proposta curricular devem estar vinculadas principalmente às
características socioculturais da comunidade na qual a instituição de educação infantil está inserida e às
necessidades e expectativas da população atendida. Conhecer bem essa população permite
compreender suas reais condições de vida, possibilitando eleger os temas mais relevantes para o
processo educativo de modo a atender a diversidade existente em cada grupo social.
Nos diferentes municípios, existe um conjunto de conhecimentos, formas de viver e de se divertir, de
se manifestar religiosamente, de trabalhar etc. que se constitui em uma cultura própria. A valorização e
incorporação desta cultura no currículo das instituições é fonte valiosa para a intervenção pedagógica.
Além disso, o conhecimento das questões específicas de cada região, sejam elas de ordem econômica,
social ou ambiental permite a elaboração de propostas curriculares mais significativas.
A problemática social de muitas das comunidades brasileiras faz com que os profissionais e as
instituições de educação infantil tenham que considerar questões bastante complexas que não podem
ser ignoradas, pois afetam diretamente a vida das crianças pequenas. A desnutrição, a violência, os
abusos e maus tratos, os problemas de saúde etc. que algumas crianças sofrem não são questões que

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só a instituição de educação infantil pode resolver isoladamente. Só uma ação conjunta entre os diversos
recursos da comunidade como as associações civis e os conselhos de direitos das crianças, as
organizações governamentais e não-governamentais ligadas à saúde, à assistência, à cultura etc. pode
encaminhar soluções mais factíveis com a realidade de cada situação.

Condições Internas
As creches e pré-escolas existentes no Brasil se constituíram de forma muito diversa ao longo de sua
história, se caracterizando por uma variedade de modalidades de atendimento. Há creches funcionando
em período integral entre 8 e 12 horas por dia, que atendem o ano todo sem interrupção; outras fecham
para férias; há creches de meio período; há creches que atendem 24 horas por dia; há pré-escolas
funcionando de 3 a 4 horas e há inclusive as que atendem em período integral.
Ao se pensar em uma proposta curricular deve-se levar em conta não só o número de horas que a
criança passa na instituição, mas também a idade em que começou a frequentá-la e quantos anos terá
pela frente. Estas questões acabam influindo na seleção dos conteúdos a serem trabalhados com as
crianças, na articulação curricular de maneira a garantir um maior número de experiências diversificadas
a todas as crianças que a frequentam. Muitas instituições de educação infantil têm a tarefa complexa de
receber crianças a qualquer tempo e idade. É possível, por exemplo, que crianças ingressem com seis
meses, com dois anos ou cinco anos. Esta especificidade da educação infantil exige uma flexibilidade em
relação às propostas pedagógicas e em relação aos objetivos educacionais que se pretende alcançar.
O fato de muitas instituições atenderem em horário integral implica uma maior responsabilidade quanto
ao desenvolvimento e aprendizagens infantis, assim como com a oferta de cuidados adequados em
termos de saúde e higiene. Estes horários estendidos devem significar sempre maiores oportunidades de
aprendizagem para as crianças e não apenas a oferta de atividades para passar o tempo ou muito menos
longos períodos de espera.
Em alguns municípios, existe um tipo de prática em que as crianças ficam um período na creche e o
outro na pré-escola. Nestes casos ou ainda naqueles onde há troca de turnos de professores entre os
períodos da manhã e da tarde, é necessário um planejamento em conjunto, evitando repetições de
atividades ou lacunas no trabalho com as crianças. Não é desejável que a creche seja considerada
apenas um espaço de cuidados físicos e recreação e a pré-escola o local onde se legitima o aprendizado.
A elaboração da proposta curricular de cada instituição se constitui em um dos elementos do projeto
educativo e deve ser fruto de um trabalho coletivo que reúna professores, demais profissionais e técnicos.
Outros aspectos são relevantes para o bom desenvolvimento do projeto pedagógico e devem ser
considerados, abrangendo desde o clima institucional, formas de gestão, passando pela organização do
espaço e do tempo, dos agrupamentos, seleção e oferta dos materiais até a parceria com as famílias e
papel do professor.

Ambiente Institucional
O ambiente de cooperação e respeito entre os profissionais e entre esses e as famílias favorece a
busca de uma linha coerente de ação. Respeito às diferenças, explicitação de conflitos, cooperação,
complementação, negociação e procura de soluções e acordos devem ser a base das relações entre os
adultos.
Em se tratando de crianças tão pequenas, a atmosfera criada pelos adultos precisa ter um forte
componente afetivo. As crianças só se desenvolverão bem, caso o clima institucional esteja em condições
de proporcionar-lhes segurança, tranquilidade e alegria. Adultos amigáveis, que escutam as
necessidades das crianças e, com afeto, atendem a elas, constituem-se em um primeiro passo para criar
um bom clima. As crianças precisam ser respeitadas em suas diferenças individuais, ajudadas em seus
conflitos por adultos que sabem sobre seu comportamento, entendem suas frustrações, possibilitando-
lhes limites claros. Os adultos devem respeitar o desenvolvimento das crianças e encorajá-las em sua
curiosidade, valorizando seus esforços.

Formação do coletivo institucional


Elaborar e implantar um projeto educativo requer das equipes de profissionais das instituições um
grande esforço conjunto. A direção da instituição tem um papel chave neste processo quando auxilia a
criação de um clima democrático e pluralista. Deve incentivar e acolher as participações de todos de modo
a possibilitar um projeto que contemple a explicitação das divergências e das expectativas de crianças,
pais, docentes e comunidade.
O coletivo de profissionais da instituição de educação infantil, entendido como organismo vivo e
dinâmico é o responsável pela construção do projeto educacional e do clima institucional. A tematização
da prática, o compartilhar de conhecimentos são ações que conduzidas com intencionalidade, formam o

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coletivo criando condições para que o trabalho desenvolvido seja debatido, compreendido e assumido
por todos. Compartilhar é um processo que contribui para que a instituição se constitua como unidade
educacional no qual são expressas as teorias e os saberes que sustentam a prática pedagógica. Esse
processo tece a unidade do projeto educativo que embora traduzida pelos diferentes indivíduos do
coletivo, parte de princípios comuns. A unidade é, portanto, construída dinamicamente.

Espaço para formação continuada


O coletivo, segundo as características apontadas acima, não pode prescindir da formação continuada
que deve fazer parte da rotina institucional e não pode ocorrer de forma esporádica.
Hora e lugar especialmente destinado à formação devem possibilitar o encontro entre os professores
para a troca de ideias sobre a prática, para supervisão, estudos sobre os mais diversos temas pertinentes
ao trabalho, organização e planejamento da rotina, do tempo e atividades e outras questões relativas ao
projeto educativo.
A instituição deve proporcionar condições para que todos os profissionais participem de momentos de
formação de naturezas diversas como reuniões, palestras, visitas, atualizações por meio de filmes, vídeos
etc.

Espaço físico e recursos materiais


A estruturação do espaço, a forma como os materiais estão organizados, a qualidade e adequação
dos mesmos são elementos essenciais de um projeto educativo. Espaço físico, materiais, brinquedos,
instrumentos sonoros e mobiliários não devem ser vistos como elementos passivos, mas como
componentes ativos do processo educacional que refletem a concepção de educação assumida pela
instituição. Constituem-se em poderosos auxiliares da aprendizagem. Sua presença desponta como um
dos indicadores importantes para a definição de práticas educativas de qualidade em instituição de
educação infantil. No entanto, a melhoria da ação educativa não depende exclusivamente da existência
destes objetos, mas está condicionada ao uso que fazem deles os professores junto às crianças com as
quais trabalham. Os professores preparam o ambiente para que a criança possa aprender de forma ativa
na interação com outras crianças e com os adultos.

Versatilidade do espaço
O espaço na instituição de educação infantil deve propiciar condições para que as crianças possam
usufruí-lo em benefício do seu desenvolvimento e aprendizagem. Para tanto, é preciso que o espaço seja
versátil e permeável à sua ação, sujeito às modificações propostas pelas crianças e pelos professores
em função das ações desenvolvidas.
Deve ser pensado e rearranjado, considerando as diferentes necessidades de cada faixa etária, assim
como os diferentes projetos e atividades que estão sendo desenvolvidos. Particularmente, as crianças de
zero a um ano de idade necessitam de um espaço especialmente preparado onde possam engatinhar
livremente, ensaiar os primeiros passos, brincar, interagir com outras crianças, repousar quando sentirem
necessidade etc. Os vários momentos do dia que demandam mais espaço livre para movimentação
corporal ou ambientes para aconchego e/ou para maior concentração, ou ainda, atividades de cuidados
implicam, também, planejar, organizar e mudar constantemente o espaço. Nas salas, a forma de
organização pode comportar ambientes que permitem o desenvolvimento de atividades diversificadas e
simultâneas, como, por exemplo, ambientes para jogos, artes, faz-de-conta, leitura etc.
Pesquisas indicam que ambientes divididos são mais indicados para estruturar espaços para crianças
pequenas ao invés de grandes áreas livres. Os pequenos interagem melhor em grupos quando estão em
espaços menores e mais aconchegantes de onde podem visualizar o adulto. Os elementos que dividem
o espaço são variados, podendo ser prateleiras baixas, pequenas casinhas, caixas, biombos baixos dos
mais diversos tipos etc.. Esse tipo de organização favorece à criança ficar sozinha, se assim o desejar.
Na área externa, há que se criar espaços lúdicos que sejam alternativos e permitam que as crianças
corram, balancem, subam, desçam e escalem ambientes diferenciados, pendurem-se, escorreguem,
rolem, joguem bola, brinquem com água e areia, escondam se etc.

Os recursos materiais
Recursos materiais entendidos como mobiliário, espelhos, brinquedos, livros, lápis, papéis, tintas,
pincéis, tesouras, cola, massa de modelar, argila, jogos os mais diversos, blocos para construções,
material de sucata, roupas e panos para brincar etc. devem ter presença obrigatória nas instituições de
educação infantil de forma cuidadosamente planejada.
Os materiais constituem um instrumento importante para o desenvolvimento da tarefa educativa, uma
vez que são um meio que auxilia a ação das crianças. Se de um lado, possuem qualidades físicas que

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permitem a construção de um conhecimento mais direto e baseado na experiência imediata, por outro
lado, possuem qualidades outras que serão conhecidas apenas pela intervenção dos adultos ou de
parceiros mais experientes. As crianças exploram os objetos, conhecem suas propriedades e funções e,
além disso, transformam-nos nas suas brincadeiras, atribuindo-lhes novos significados.
Os brinquedos constituem-se, entre outros, em objetos privilegiados da educação das crianças. São
objetos que dão suporte ao brincar e podem ser das mais diversas origens materiais, formas, texturas,
tamanho e cor. Podem ser comprados ou fabricados pelos professores e pelas próprias crianças; podem
também ter vida curta, quando inventados e confeccionados pelas crianças em determinada brincadeira
e durar várias gerações, quando transmitidos de pai para filho. Nessa perspectiva, as instituições devem
integrá-los ao acervo de materiais existentes nas salas, prevendo critérios de escolha, seleção e aquisição
de acordo com a faixa etária atendida e os diferentes projetos desenvolvidos na instituição.

Acessibilidade dos materiais


Outro ponto importante a ser ressaltado diz respeito à disposição e organização dos materiais, uma
vez que isso pode ser decisivo no uso que as crianças venham a fazer deles. Os brinquedos e demais
materiais precisam estar dispostos de forma acessível às crianças, permitindo seu uso autônomo, sua
visibilidade, bem como uma organização que possibilite identificar os critérios de ordenação.
É preciso que, em todas as salas, exista mobiliário adequado ao tamanho das crianças para que estas
disponham permanentemente de materiais para seu uso espontâneo ou em atividades dirigidas. Este uso
frequente ocasiona, inevitavelmente, desgaste em brinquedos, livros, canetas, pincéis, tesouras, jogos
etc. Esta situação comum não deve ser pretexto para que os adultos guardem e tranquem os materiais
em armários, dificultando seu uso pelas crianças. Usar, usufruir, cuidar e manter os materiais são
aprendizagens importantes nessa faixa etária. A manutenção e reposição destes materiais devem fazer
parte da rotina das instituições e não acontecer de forma esporádica.

Segurança do espaço e dos materiais


Para as crianças circularem com independência no espaço, é necessário um bom planejamento que
garanta as condições de segurança necessárias. É imprescindível o uso de materiais resistentes, de boa
qualidade e testados pelo mercado, como vidros e espelhos resistentes, materiais elétricos e hidráulicos
de comprovada eficácia e durabilidade. É necessária, também, proteção adequada em situações onde
exista possibilidade de risco, como escadas, varandas, janelas, acesso ao exterior etc. Os brinquedos
devem ser seguros (seguindo as normas do Inmetro), laváveis e necessitam estar em boas condições.
Os brinquedos de parque devem estar bem fixados em área gramada ou coberta com areia e não sobre
área cimentada.

Critérios para formação de grupos de crianças


As diferenças que caracterizam cada fase de desenvolvimento são bastante grandes, o que leva,
muitas vezes, as instituições a justificar os agrupamentos homogêneos por faixa etária. Esta forma de
agrupamento está relacionada muito mais a uma necessidade do trabalho dos adultos do que às
necessidades da criança. Se, de um lado, isto facilita a organização de algumas atividades e o melhor
aproveitamento do espaço físico disponível, de outro, dificulta a possibilidade de interação que um grupo
heterogêneo oferece.
Não há uma divisão rígida, mas é comum que bebês fiquem em um mesmo grupo até conseguirem
andar. As crianças que já andam bem e estão iniciando o controle dos esfíncteres costumam ser
concentradas em outro agrupamento. Após a retirada das fraldas, as crianças costumam ser agrupadas
por idade, isto é, em turmas de três, quatro e cinco anos de idade. Numa concepção de educação e
aprendizagem que considera a interação como um elemento vital para o desenvolvimento, o contato entre
estas crianças de diferentes faixas etárias e com diferentes capacidades deve ser planejado. Isto quer
dizer que é interessante prever constantes momentos na rotina ou planejar projetos que integrem estes
diferentes agrupamentos.
Tão importante quanto pensar nos agrupamentos por faixa etária é refletir sobre o número de crianças
por grupos e a proporção de adulto por crianças. Quanto menores as crianças, mais desaconselhados
são os grupos muito grandes, pois há uma demanda de atendimento individualizado. Até os 12 meses, é
aconselhável não ter mais de 6 crianças por adulto, sendo necessária uma ajuda nos momentos de maior
demanda, como, por exemplo, em situações de alimentação. Do primeiro ao segundo ano de vida,
aproximadamente, aconselha-se não mais do que 8 crianças para cada adulto, ainda com ajuda em
determinados momentos. A partir do momento no qual as crianças deixam as fraldas até os 3 anos, pode-
se organizar grupos de 12 a 15 crianças por adulto. Quando as crianças adquirem maior autonomia em

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relação aos cuidados e interagem de forma mais independente com seus pares, é possível pensar em
grupos maiores, mas que não ultrapassem 25 crianças por professor.
A razão adulto/criança, porém, não pode ser um critério isolado. Mesmo quando as proporções acima
indicadas são respeitadas, há de se considerar que grupos com muitas crianças e muitos professores
não resolvem as necessidades de um trabalho mais individualizado e cria um ambiente inadequado.

Organização do tempo
A rotina na educação infantil pode ser facilitadora ou cerceadora dos processos de desenvolvimento e
aprendizagem.
Rotinas rígidas e inflexíveis desconsideram a criança, que precisa adaptar-se a ela e não o contrário,
como deveria ser; desconsideram também o adulto, tornando seu trabalho monótono, repetitivo e pouco
participativo.
O número de horas que a criança permanece na instituição, a amplitude dos cuidados físicos
necessários ao atendimento, os ritmos e diferenças individuais e a especificidade do trabalho pedagógico
demandam um planejamento constante da rotina. A organização do tempo deve prever possibilidades
diversas e muitas vezes simultâneas de atividades, como atividades mais ou menos movimentadas,
individuais ou em grupos, com maior ou menor grau de concentração; de repouso, alimentação e higiene;
atividades referentes aos diferentes eixos de trabalho.
Considerada como um instrumento de dinamização da aprendizagem, facilitador das percepções
infantis sobre o tempo e o espaço, uma rotina clara e compreensível para as crianças é fator de
segurança. A rotina pode orientar as ações das crianças, assim como dos professores, possibilitando a
antecipação das situações que irão acontecer.

Ambiente de cuidados
A instituição necessita criar um ambiente de cuidado que considere as necessidades das diferentes
faixas etárias, das famílias e as condições de atendimento da instituição.
Como as crianças pequenas se caracterizam por um ritmo de crescimento e desenvolvimento físico
variado os cuidados devem incluir o acompanhamento deste processo.
É possível, principalmente na creche, que alguns grupos iniciem o ano com determinadas
características e necessidades, que estarão modificadas no final do primeiro trimestre. Algumas crianças
começam a frequentar o primeiro grupo das creches ainda no seu primeiro mês de vida, outras serão
matriculadas próximo ao quarto mês ou no final do primeiro ano. Assim nas instituições que atendem
bebês e crianças pequenas, não se pode prever uma organização do cotidiano de forma homogênea e
que se mantenha o ano todo sem alterações.
A organização dos momentos em que são previstos cuidados com o corpo, banho, lavagem de mãos,
higiene oral, uso dos sanitários, repouso e brincadeiras ao ar livre, podem variar nas instituições de
educação infantil, segundo os grupos etários atendidos, o tempo de permanência diária das crianças na
instituição e os acordos estabelecidos com as famílias.
As atividades de cuidado das crianças se organizam em função de suas necessidades nas 24 horas
do dia. Isto exige uma programação conjunta com as famílias para divisão de responsabilidades, evitando-
se a sobreposição ou a ausência de alguns dos cuidados essenciais.
O planejamento dos cuidados e da vida cotidiana na instituição deve ser iniciado pelo conhecimento
sobre a criança e suas peculiaridades, que se faz pelo levantamento de dados com a família no ato da
matrícula e por meio de um constante intercâmbio entre familiares e professores. Algumas informações
podem ser colhidas previamente à sua entrada na instituição, como os esquemas, preferências e
intolerância alimentar; os hábitos de sono e de eliminação; os controles e cuidados especiais com sua
saúde. Outras serão conhecidas na própria interação com a criança e sua família, ao longo do tempo.

Parceria com as famílias


As características da faixa etária das crianças atendidas, bem como as necessidades atuais de
construção de uma sociedade mais democrática e pluralista apontam para a importância de uma atenção
especial com a relação entre as instituições e as famílias.
Constata-se em muitas instituições que estas relações têm sido conflituosas, baseadas numa
concepção equivocada de que as famílias dificultam o processo de socialização e de aprendizagem das
crianças. No caso das famílias de baixa renda, por serem consideradas como portadoras de carências de
toda ordem. No caso das famílias de maior poder aquisitivo, a crítica incide na relação afetiva estabelecida
com as crianças. Esta concepção traduz um preconceito que gera ações discriminatórias, impedindo o
diálogo. Muitas instituições que agem em função deste tipo de preconceito têm procurado implantar
programas que visam a instruir as famílias, especialmente as mães, sobre como educar e criar seus filhos

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dentro de um padrão preestabelecido e considerado adequado. Essa ação, em geral moralizadora, tem
por base o modelo de família idealizada e tem sido responsável muito mais por um afastamento das duas
instituições do que por um trabalho conjunto em prol da educação das crianças.
Visões mais atualizadas sobre a instituição familiar propõem que se rejeite a ideia de que exista um
único modelo. Enfoques teóricos mais recentes procuram entender a família como uma criação humana
mutável, sujeita a determinações culturais e históricas que se constitui tanto em espaço de solidariedade,
afeto e segurança como em campo de conflitos, lutas e disputa.
A valorização e o conhecimento das características étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais
que compõem a nossa sociedade, e a crítica às relações sociais discriminatórias e excludentes indicam
que, novos caminhos devem ser trilhados na relação entre as instituições de educação infantil e as
famílias.

Respeito aos vários tipos de estruturas familiares


Constate-se que as famílias, independente da classe social a qual pertencem se organizam das mais
diversas maneiras. Além da família nuclear que é constituída pelo pai, mãe e filhos, proliferam hoje as
famílias mono parentais, nas quais apenas a mãe ou o pai está presente. Existem, ainda, as famílias que
se reconstituíram por meio de novos casamentos e possuem filhos advindos dessas relações. Há,
também, as famílias extensas, comuns na história brasileira, nas quais convivem na mesma casa várias
gerações e/ou pessoas ligadas por parentescos diversos. É possível ainda encontrar várias famílias
coabitando em uma mesma casa. Enfim, parece não haver limites para os arranjos familiares na
atualidade.
As crianças têm direito de ser criadas e educadas no seio de suas famílias. O Estatuto da Criança e
do Adolescente reafirma, em seus termos, que a família é a primeira instituição social responsável pela
efetivação dos direitos básicos das crianças. Cabe, portanto, às instituições estabelecerem um diálogo
aberto com as famílias, considerando-as como parceiras e interlocutoras no processo educativo infantil.

Acolhimento das diferentes culturas, valores e crenças sobre educação de crianças


A pluralidade cultural, isto é, a diversidade de etnias, crenças, costumes, valores etc. que caracterizam
a população brasileira marca, também, as instituições de educação infantil.
O trabalho com a diversidade e o convívio com a diferença possibilitam a ampliação de horizontes
tanto para o professor quanto para a criança. Isto porque permite a conscientização de que a realidade
de cada um é apenas parte de um universo maior que oferece múltiplas escolhas. Assumir um trabalho
de acolhimento às diferentes expressões e manifestações das crianças e suas famílias significa valorizar
e respeitar a diversidade, não implicando a adesão incondicional aos valores do outro. Cada família e
suas crianças são portadoras de um vasto repertório que se constitui em material rico e farto para o
exercício do diálogo, aprendizagem com a diferença, a não discriminação e as atitudes não
preconceituosas.
Estas capacidades são necessárias para o desenvolvimento de uma postura ética nas relações
humanas. Nesse sentido, as instituições de educação infantil, por intermédio de seus profissionais, devem
desenvolver a capacidade de ouvir, observar e aprender com as famílias.
Acolher as diferentes culturas não pode se limitar às comemorações festivas, a eventuais
apresentações de danças típicas ou à experimentação de pratos regionais. Estas iniciativas são
interessantes e desejáveis, mas não são suficientes para lidar com a diversidade de valores e crenças.
Compreender o que acontece com as famílias, entender seus valores ligados a procedimentos
disciplinares, a hábitos de higiene, a formas de se relacionar com as pessoas etc. pode auxiliar a
construção conjunta de ações. De maneira geral, as instituições de educação devem servir de apoio real
e efetivo às crianças e suas famílias, respondendo às suas demandas e necessidades. Evitar julgamentos
moralistas, pessoais ou vinculados a preconceitos é condição para o estabelecimento de uma base para
o diálogo.

Estabelecimento de canais de comunicação


Existem oportunidades variadas de incluir as famílias no projeto institucional. Há experiências
interessantes de criação de conselhos e associações de pais que são canais abertos de participação na
gestão das unidades educacionais.
A comunicação mais individualizada entre as famílias e as instituições de educação infantil deve
ocorrer desde o início de forma planejada. Após os primeiros contatos, a comunicação entre as famílias
e os professores pode se tornar uma rotina mais informal, mas bastante ativa. Entrar todos os dias até a
sala onde sua criança está trocar algumas palavras com o professor pode ser um fator de tranquilidade
para muitos pais. Quanto menor a criança, mais importante essa troca de informações. Este contato direto

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
não deve ser substituído por comunicações impessoais, escritas de maneira burocrática. Oportunidades
de encontros periódicos com os pais de um mesmo grupo por meio de reuniões, ou mesmo contatos
individuais fazem parte do cotidiano das instituições de educação infantil.
Em geral a troca de informações é diária com as famílias, principalmente quando há cuidados especiais
que a criança esteja necessitando. Assim, para que o professor não fique sobrecarregado pela
necessidade de dar atenção às famílias e crianças ao mesmo tempo, o planejamento deste momento -
em conjunto com os pais e a ajuda de outros funcionários - é fundamental para o relacionamento de todos
os envolvidos.
É preciso combinar formas de comunicação para trocas específicas de informações, como uso de
medicamentos, que precisam ser dados em doses precisas, de acordo com receita do médico, ou eventos
ligados à saúde e alimentação. Isso evita esquecimentos que podem ser prejudiciais para a saúde da
criança e facilita a vida do professor e da família.
Com as famílias de crianças maiores, a comunicação é de natureza diferente. As informações entre
as famílias e a instituição podem ser mais esporádicas, ocorrendo somente à medida das necessidades.
As reuniões para discussão sobre o andamento dos trabalhos com as crianças são sempre bem-vindas
e se constituem em um direito dos pais.
No entanto, a participação das famílias não deve estar sujeita a uma única possibilidade. As instituições
de educação infantil precisam pensar em formas mais variadas de participação de modo a atender
necessidades e interesses também diversificados.
Os pais, também, devem ter acesso à:
- filosofia e concepção de trabalho da instituição;
- informações relativas ao quadro de pessoal com as qualificações e experiências;
- informações relativas à estrutura e funcionamento da creche ou da pré-escola;
- condutas em caso de emergência e problemas de saúde;
- informações quanto a participação das crianças e famílias em eventos especiais.

As orientações podem ser modificadas caso haja um trabalho coletivo envolvendo as famílias e o
coletivo de profissionais por meio de consultas e negociações permanentes.
As trocas recíprocas e o suporte mútuo devem ser a tônica do relacionamento. Os profissionais da
instituição devem partilhar, com os pais, conhecimentos sobre desenvolvimento infantil e informações
relevantes sobre as crianças utilizando uma sistemática de comunicações regulares.

Inclusão do conhecimento familiar no trabalho educativo


É possível integrar o conhecimento das famílias nos projetos e demais atividades pedagógicas. Não
só as questões culturais e regionais podem ser inseridas nas programações por meio da participação de
pais e demais familiares, mas também as questões afetivas e motivações familiares podem fazer parte
do cotidiano pedagógico. Por exemplo, a história da escolha do nome das crianças, as brincadeiras
preferidas dos pais na infância, as histórias de vida etc. podem tornar-se parte integrante de projetos a
serem trabalhados com as crianças.

Acolhimento das famílias e das crianças na instituição


A entrada na instituição
O ingresso das crianças nas instituições pode criar ansiedade tanto para elas e para seus pais como
para os professores. As reações podem variar muito, tanto em relação às manifestações emocionais
quanto ao tempo necessário para se efetivar o processo.
Algumas crianças podem apresentar comportamentos diferentes daqueles que normalmente revelam
em seu ambiente familiar, como alterações de apetite; retorno às fases anteriores do desenvolvimento
(voltar a urinar ou evacuar na roupa, por exemplo).
Podem, também, adoecer; isolar-se dos demais e criar dependência de um brinquedo, da chupeta ou
de um paninho. As instituições de educação infantil devem ter flexibilidade diante dessas singularidades
ajudando os pais e as crianças nestes momentos.
A entrevista de matrícula pode ser usada para apresentar informações sobre o atendimento oferecido,
os objetivos do trabalho, a concepção de educação adotada. Esta é uma boa oportunidade também para
que se conheça alguns hábitos das crianças e para que o professor estabeleça um primeiro contato com
as famílias.
Quanto mais novo o bebê, maior a ligação entre mãe e filho. Assim, não é apenas a criança que passa
pela adaptação, mas também a mãe. Dependendo da família e da criança, outros membros como o pai,
irmãos, avós poderão estar envolvidos no processo de adaptação à instituição. A maneira como a família
vê a entrada da criança na instituição de educação infantil tem uma influência marcante nas reações e

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
emoções da criança durante o processo inicial. Acolher os pais com suas dúvidas, angústias e
ansiedades, oferecendo apoio e tranquilidade, contribui para que a criança também se sinta menos
insegura nos primeiros dias na instituição. Reconhecer que os pais são as pessoas que mais conhecem
as crianças e que entendem muito sobre como cuidá-las pode facilitar o relacionamento. Antes de tudo,
é preciso estabelecer uma relação de confiança com as famílias, deixando claro que o objetivo é a
parceria de cuidados e educação visando ao bem-estar da criança. Quando há um certo número de
crianças para ingressar na instituição, pode-se fazer uma reunião com todos os pais novos para que se
conheçam e discutam conjuntamente suas dúvidas e preocupações.

Os primeiros dias
No primeiro dia da criança na instituição, a atenção do professor deve estar voltada para ela de maneira
especial. Este dia deve ser muito bem planejado para que a criança possa ser bem acolhida. É
recomendável receber poucas crianças por vez para que se possa atendê-las de forma individualizada.
Com os bebês muito pequenos, o principal cuidado será preparar o seu lugar no ambiente, o seu berço,
identificá-lo com o nome, providenciar os alimentos que irá receber, e principalmente tranquilizar os pais.
A permanência na instituição de alguns objetos de transição, como a chupeta, a fralda que ele usa para
cheirar, um mordedor, ou mesmo o bico da mamadeira a que ele está acostumado, ajudará neste
processo. Pode-se mesmo solicitar que a mãe ou responsável pela criança venha, alguns dias antes,
ajudar a preparar o berço de seu bebê.
Quando o atendimento é de período integral, é recomendável que se estabeleça um processo gradual
de inserção, ampliando o tempo de permanência de maneira que a criança vá se familiarizando aos
poucos com o professor, com o espaço, com a rotina e com as outras crianças com as quais irá conviver.
É importante que se solicite, nos primeiros dias, e até quando se fizer necessário, a presença da mãe
ou do pai ou de alguém conhecido da criança para que ela possa enfrentar o ambiente estranho junto de
alguém com quem se sinta segura. Quando tiver estabelecido um vínculo afetivo com o professor e com
as outras crianças, é que ela poderá enfrentar bem a separação, sendo capaz de se despedir da pessoa
querida, com segurança e desprendimento.
Este período exige muita habilidade, por isso, o professor necessita de apoio e acompanhamento,
especialmente do diretor e membros da equipe técnica uma vez que ele também está sofrendo um
processo de adaptação. Os professores precisam ter claro qual é o papel da mãe (ou de quem estiver
acompanhando a criança) em seus primeiros dias na instituição.
Os pais podem encontrar dificuldades de tempo para viver este processo por não poderem se ausentar
muitos dias no trabalho. Neste caso, seria importante que pudessem estar presentes, ao menos no
primeiro dia, e que depois pudessem ser substituídos por alguém da confiança da criança.
O choro da criança, durante o processo de inserção, parece ser o fator que mais provoca ansiedade
tanto nos pais quanto nos professores. Mas parece haver, também, uma crença de que o choro é
inevitável e que a criança acabará se acostumando, vencida pelo esgotamento físico ou emocional,
parando de chorar. Alguns acreditam que, se derem muita atenção e as pegarem no colo, as crianças se
tornarão manhosas, deixando-as chorar. Essa experiência deve ser evitada. Deve ser dada uma atenção
especial às crianças, nesses momentos de choro, pegando no colo ou sugerindo-lhes atividades
interessantes.
O professor pode planejar a melhor forma de organizar o ambiente nestes primeiros dias, levando em
consideração os gostos e preferências das crianças, repensando a rotina em função de sua chegada e
oferecendo-lhes atividades atrativas. Ambientes organizados com material de pintura, desenho e
modelagem, brinquedos de casinha, baldes, pás, areia e água etc., são boas estratégias.
As orientações acima são válidas também para os primeiros dias do ano ou do semestre, quando todas
as crianças e funcionários estão em período de adaptação. É necessário um período de planejamento da
equipe para organizar a entrada e a rotina das crianças.

Remanejamento entre os grupos de criança


O remanejamento das crianças para outras turmas parece inevitável, principalmente nas creches, em
função da grande demanda por vagas. Havendo realmente necessidade de enfrentar esta situação, todo
cuidado é pouco. As crianças pequenas, em especial as de zero a dois anos, constroem, por meio do
vínculo afetivo com o adulto de referência, a base sobre a qual vão se sentir seguras para explorar o
ambiente e para se relacionar com novas pessoas. A integração à nova turma precisa ser gradativa,
envolvendo o adulto com a qual estão acostumadas.

Substituição de professores

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Considerando-se a importância dos vínculos estabelecidos com os adultos nessa faixa etária, a
substituição dos professores deve ser pensada e planejada com atenção e antecedência, preparando as
crianças para essa situação. Infelizmente, em muitas instituições, a rotatividade de adultos é uma
realidade. Quando isso ocorre, é bom que esta transição seja feita paulatinamente com o professor antigo
cedendo gradativamente o lugar para o novo.

Passagem para a escola


Com a saída das crianças, as famílias enfrentam novamente grandes mudanças. A passagem da
educação infantil para o ensino fundamental representa um marco significativo para a criança podendo
criar ansiedades e inseguranças. O professor de educação infantil deve considerar esse fato desde o
início do ano, estando disponível e atento para as questões e atitudes que as crianças possam manifestar.
Tais preocupações podem ser aproveitadas para a realização de projetos que envolvam visitas a escolas
de ensino fundamental; entrevistas com professores e alunos; programar um dia de permanência em uma
classe de primeira série. É interessante fazer um ritual de despedida, marcando para as crianças este
momento de passagem com um evento significativo. Essas ações ajudam a desenvolver uma disposição
positiva frente às futuras mudanças demonstrando que, apesar das perdas, há também crescimento.

Acolhimento de famílias com necessidades especiais


Algumas famílias enfrentam problemas sérios ligados ao alcoolismo, violência familiar ou problemas
de saúde e desnutrição que comprometem sua atuação junto às crianças.
Apenas quando a sobrevivência física e mental está seriamente comprometida pela conduta familiar,
ou quando a criança sofre agressão sexual, é possível pensar em uma ação mais enérgica para a
interrupção imediata do comportamento agressor, admitindo-se, em casos extremos, o encaminhamento
de crianças para instituições especializadas longe do convívio familiar.
No geral, as famílias que porventura tiverem dificuldades em cumprir qualquer uma de suas funções
para com as crianças deverão receber toda ajuda possível das instituições de educação infantil, da
comunidade, do poder público, das instituições de apoio para que melhorem o desempenho junto às
crianças.

Questões

01. (Prefeitura de São José dos Campos/SP - Professor I - VUNESP) Entre outras concepções
apresentadas no Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil, educar a criança refere-se
(A) aos cuidados relativos às suas necessidades físicas.
(B) ao ensino centrado no desenvolvimento de sua capacidade cognitiva.
(C) ao ensino estruturado a partir das linguagens escrita, científica, artística e matemática.
(D) aos cuidados, brincadeiras e aprendizagens integradas, de modo a contribuir para o seu
desenvolvimento integral.
(E) ao convívio prazeroso entre as crianças, o que torna a escola um espaço de atividades pedagógicas
produtivas.

02. (Prefeitura de Maria Helena/PR - Professor Educação Infantil - FAFIPA) O Ministério da


Educação e do Desporto (MEC) propôs no final da década de 1990, atendendo às determinações da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), um Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil. Sobre este documento é CORRETO afirmar:
(A) Um dos princípios do Referencial é o atendimento aos cuidados básicos, à prevenção de doenças
e à promoção da saúde.
(B) O Referencial é uma proposta aberta, flexível e não obrigatória, pois respeita a pluralidade e a
diversidade da sociedade brasileira.
(C) Um dos princípios do Referencial é fomentar a formação inicial e continuada de profissionais do
magistério para a educação infantil.
(D) O Referencial é uma proposta diretiva e obrigatória, sendo que os sistemas educacionais devem
elaborar e implantar seus currículos conforme as referências e orientações nacionais.

03. (Prefeitura de Piraquara/PR - Professor - CEC) O Referencial Curricular Nacional da Educação


Infantil é um documento que “se constitui em um conjunto de referências e orientações pedagógicas que
visam a contribuir com a implantação ou implementação de práticas educativas de qualidade que possam
promover e ampliar as condições necessárias para o exercício da cidadania das crianças brasileiras”.
Considerando as especificidades cognitivas, afetivas, emocionais e sociais das crianças de zero a cinco

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anos, o RCNEI (p. 13, 1998) descreve 5 (cinco) princípios norteadores para a prática educativa, que visam
promover o exercício da cidadania. De acordo com esses princípios, selecione a alternativa que
contempla de forma correta as expressões que designam essas categorias, na sequência em que estão
colocadas a seguir.
I. O respeito à dignidade e aos ________das crianças, consideradas nas suas diferenças individuais,
sociais, econômicas, culturais, étnicas, religiosas etc.;
II. O direito das crianças a ______, como forma particular de expressão, pensamento, interação e
comunicação infantil;
III. O acesso das crianças aos __________ disponíveis, ampliando o desenvolvimento das
capacidades relativas à expressão, à comunicação, à interação social, ao pensamento, à ética e à
estética;
IV. A socialização das crianças por meio de sua participação e inserção nas mais diversificadas
__________, sem discriminação de espécie alguma;
V. O atendimento aos cuidados essenciais associados à sobrevivência e ao desenvolvimento de sua
__________.
(A) direitos, brincar, bens socioculturais, atividades culturais, cidadania.
(B) deveres, estudar, livros, atividades culturais, identidade.
(C) cuidados, interagir, livros, práticas sociais, cidadania.
(D) direitos, brincar, bens socioculturais, práticas sociais, identidade.
(E) deveres, brincar, livros, atividades culturais, cidadania.

04. (Prefeitura de Parnarama/MA - Professor Educação Infantil - NUCEPE) Assinale as alternativas


que expressam os princípios que embasam o Referencial Curricular Nacional para a Educação infantil.
I. O direito das crianças a brincar, como forma particular de expressão, pensamento, interação e
comunicação infantil.
II. O atendimento aos cuidados essenciais associados à sobrevivência e ao desenvolvimento de sua
identidade.
III. A socialização das crianças por meio de sua participação e inserção nas mais diversificadas práticas
sociais, sem discriminação de espécie alguma.
IV. O acesso das crianças aos bens socioculturais disponíveis, ampliando o desenvolvimento das
capacidades relativas à expressão, à comunicação, à interação social, ao pensamento, à ética e à
estética.
São verdadeiras as alternativas:
(A) apenas I, II e IV.
(B) apenas I, II e III
(C) apenas II, III e IV.
(D) apenas I e III.
(E) I, II, III e IV.

05. (Prefeitura de Congonhas/MG - Professor Língua Portuguesa - CONSULPLAN) De acordo


com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, marque V para as afirmativas verdadeiras
e F para as falsas:
( ) Constitui-se em um conjunto de normas pedagógicas que visam contribuir com a implantação ou
implementação de práticas educativas de qualidade.
( ) Tem a função de contribuir com as políticas e programas de Educação Infantil, socializando
informações, discussões e pesquisas, subsidiando o trabalho educativo de técnicos, professores e demais
profissionais da Educação Infantil e apoiando os sistemas de ensino estaduais e municipais.
( ) Possui um conjunto de propostas, diversas e heterogêneas quanto à sociedade brasileira, refletindo
o nível de articulação de instâncias determinantes na construção de um projeto educativo para a
Educação Infantil.
( ) Este documento foi elaborado pelo Ministério da Educação e do Desporto e está em consonância
com a LDB atual.
A sequência está correta em:
(A) F, V, F, F
(B) V, F, F, F
(C) V, V, V, F
(D) F, F, V, F
(E) F, V, V, V

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06. (Prefeitura de Tibagi/PR - Professor - UNIUV) O trecho abaixo foi retirado do RCNEI:
Assumir um trabalho de acolhimento às diferentes expressões e manifestações das crianças e suas
famílias significa valorizar e respeitar a diversidade, não implicando a adesão incondicional aos valores
do outro. Cada família e suas crianças são portadoras de um vasto repertório que se constitui em material
rico e farto para o exercício do diálogo, aprendizagem com a diferença, a não discriminação e as atitudes
não preconceituosas. Essas capacidades são necessárias para o desenvolvimento de uma postura ética
nas relações humanas. Nesse sentido, as instituições de educação infantil, por intermédio de seus
profissionais, devem desenvolver a capacidade de ouvir, observar e aprender com as famílias.
Acolher as diferentes culturas não pode se limitar às comemorações festivas, a eventuais
apresentações de danças típicas ou à experimentação de pratos regionais. Essas iniciativas são
interessantes e desejáveis, mas não são suficientes para lidar com a diversidade de valores e crenças.”
(Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, 1998, v. 1, p. 77)
Com base no RCNEI, assinale a alternativa que se refere à capacidade presente nas instituições e nos
profissionais de educação infantil quanto ao relacionamento com as famílias:
(A) As famílias e as comunidades devem ser respeitadas como corresponsáveis pelo trabalho
pedagógico nas instituições de educação infantil.
(B) A diversidade cultural que as crianças trazem deve ser assumida pelas instituições de educação
infantil, de maneira incondicional, em adesão aos valores do outro.
(C) A educação das crianças e das famílias precisa de atitudes não-preconceituosas, que garantam
aprendizagens e escuta.
(D) instituições e famílias são corresponsáveis pela educação das crianças; portanto, faz-se necessário
diálogo, escuta, ética e respeito à diversidade.
(E) as famílias e as crianças devem ter preservadas sua identidade cultural, sem que a escola provoque
mudanças em suas práticas culturais.

Gabarito

01.D / 02.B / 03.D / 04.E / 05.E / 06.D

Comentários

01. Resposta: D
Ao se referir à educação infantil deve-se ter em mente o desenvolvimento integral da criança que irá
prepara-la para a educação posterior, assim, o educador deve se utilizar de recursos como as
brincadeiras, e cuidados de higiene que irá contribuir para seu desenvolvimento promovendo situações
de relacionamento interpessoal, estabelecimento de regras e limites entre outros.
De acordo com o RCNEI “Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e
aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das
capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de
aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade
social e cultural”.

02. Resposta: B
Considerando e respeitando a pluralidade e diversidade da sociedade brasileira e das diversas
propostas curriculares de educação infantil existentes, este Referencial é uma proposta aberta, flexível e
não obrigatória, que poderá subsidiar os sistemas educacionais, que assim o desejarem, na elaboração
ou implementação de programas e currículos condizentes com suas realidades e singularidades. Seu
caráter não obrigatório visa a favorecer o diálogo com propostas e currículos que se constroem no
cotidiano das instituições, sejam creches, pré-escolas ou nos diversos grupos de formação existentes nos
diferentes sistemas.
Nessa perspectiva, o uso deste Referencial só tem sentido se traduzir a vontade dos sujeitos
envolvidos com a educação das crianças, sejam pais, professores, técnicos e funcionários de incorporá-
lo no projeto educativo da instituição ao qual estão ligados, assim, ele pode não ser necessariamente
seguido à risca, mas sim ser “adaptado” para o contexto.

03. Resposta: D
De acordo com o RCNEI os direitos da criança sempre devem ser preservados nas instituições de
ensino considerando a pluralidade social em que vivemos, além disse o direto de brincar e expressar seus
pensamentos e comunicar-se através dessas brincadeiras, bem como o acesso dessas crianças aos bens

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socioculturais no contexto em que está inserido e a inserção das crianças às práticas sociais mais
diversas além de promover cuidados de higiene e alimentação e sobrevivência essências para o
desenvolvimento da identidade.

04. Resposta: E
Todas as alternativas estão corretas pois exprimem exatamente a proposta do RCNEI, conforme
publicado no documento.
- o respeito à dignidade e aos direitos das crianças, consideradas nas suas diferenças individuais,
sociais, econômicas, culturais, étnicas, religiosas etc.;
- o direito das crianças a brincar, como forma particular de expressão, pensamento, interação e
comunicação infantil;
- o acesso das crianças aos bens socioculturais disponíveis, ampliando o desenvolvimento das
capacidades relativas à expressão, à comunicação, à interação social, ao pensamento, à ética e à
estética;
- a socialização das crianças por meio de sua participação e inserção nas mais diversificadas práticas
sociais, sem discriminação de espécie alguma;
- o atendimento aos cuidados essenciais associados à sobrevivência e ao desenvolvimento de sua
identidade.

05. Resposta: E
O Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil não é um conjunto de normas pedagógicas,
mas sim, um conjunto de referências e orientações pedagógicas que visam a contribuir com a implantação
ou implementação de práticas educativas de qualidade que possam promover e ampliar as condições
necessárias para o exercício da cidadania das crianças brasileiras uma vez que é um documento aberto
e flexível e não algo pronto que normatiza a educação.

06. Resposta: D
Em educação infantil tanto as instituições de ensino quanto os pais e professores devem agir em
conjunto visando a um objetivo comum que é o desenvolvimento integral da criança. Sendo assim, as
ações de todos os envolvidos no processo devem ser complementares para que o resultado seja obtido,
ou seja, quando a escola ensina a diversidade para a criança os ensinamentos dos pais devem ser
compatíveis com a escola e ensinar a mesma concepção para que não haja um rompimento de ideias
que irá confundir a criança e consequentemente dificultar o seu desenvolvimento.

MEC – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Referencial curricular nacional para a


educação infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. v.2.

REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL


FORMAÇÃO PESSOAL E SOCIAL
VOLUME 2
17
Introdução

Saber o que é estável e o que é circunstancial em sua pessoa, conhecer suas características e
potencialidades e reconhecer seus limites é central para o desenvolvimento da identidade e para a
conquista da autonomia. A capacidade das crianças de terem confiança em si próprias e o fato de
sentirem-se aceitas, ouvidas, cuidadas e amadas oferecem segurança para a formação pessoal e social.
A possibilidade de desde muito cedo efetuarem escolhas e assumirem pequenas responsabilidades
favorece o desenvolvimento da autoestima, essencial para que as crianças se sintam confiantes e felizes.
O desenvolvimento da identidade e da autonomia estão intimamente relacionados com os processos
de socialização. Nas interações sociais se dá a ampliação dos laços afetivos que as crianças podem
estabelecer com as outras crianças e com os adultos, contribuindo para que o reconhecimento do outro
e a constatação das diferenças entre as pessoas sejam valorizadas e aproveitadas para o
enriquecimento de si próprias.
Isso pode ocorrer nas instituições de educação infantil que se constituem, por excelência, em

17
Brasil. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil / Ministério da
Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume2.pdf

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espaços de socialização, pois propiciam o contato e o confronto com adultos e crianças de várias origens
socioculturais, de diferentes religiões, etnias, costumes, hábitos e valores, fazendo dessa diversidade
um campo privilegiado da experiência educativa.
O trabalho educativo pode, assim, criar condições para as crianças conhecerem, descobrirem e
ressignificarem novos sentimentos, valores, ideias, costumes e papéis sociais.
A instituição de educação infantil é um dos espaços de inserção das crianças nas relações éticas e
morais que permeiam a sociedade na qual estão inseridas.

Concepção

A construção da identidade e da autonomia diz respeito ao conhecimento, desenvolvimento e uso


dos recursos pessoais para fazer frente às diferentes situações da vida.
A identidade é um conceito do qual faz parte a ideia de distinção, de uma marca de diferença entre
as pessoas, a começar pelo nome, seguido de todas as características físicas, de modos de agir e de
pensar e da história pessoal. Sua construção é gradativa e se dá por meio de interações sociais
estabelecidas pela criança, nas quais ela, alternadamente, imita e se funde com o outro para diferenciar-
se dele em seguida, muitas vezes utilizando-se da oposição.
A fonte original da identidade está naquele círculo de pessoas com quem a criança interage no início
da vida. Em geral a família é a primeira matriz de socialização. Ali, cada um possui traços que o
distingue dos demais elementos, ligados à posição que ocupa (filho mais velho, caçula etc.), ao papel
que desempenha, às suas características físicas, ao seu temperamento, às relações específicas com
pai, mãe e outros membros etc.
A criança participa, também, de outros universos sociais, como festas populares de sua cidade ou
bairro, igreja, feira ou clube, ou seja, pode ter as mais diversas vivências, das quais resultam um
repertório de valores, crenças e conhecimentos.
Uma das particularidades da sociedade brasileira é a diversidade étnica e cultural. Essa diversidade
apresenta-se com características próprias segundo a região e a localidade; faz-se presente nas
crianças que frequentam as instituições de educação infantil, e também em seus professores.
O ingresso na instituição de educação infantil pode alargar o universo inicial das crianças, em vista
da possibilidade de conviverem com outras crianças e com adultos de origens e hábitos culturais
diversos, de aprender novas brincadeiras, de adquirir conhecimentos sobre realidades distantes.
Dependendo da maneira como é tratada a questão da diversidade, a instituição pode auxiliar as
crianças a valorizarem suas características étnicas e culturais, ou pelo contrário, favorecer a
discriminação quando é conivente com preconceitos.
A maneira como cada um vê a si próprio depende também do modo como é visto pelos outros. Os
modos como os traços particulares de cada criança são recebidos pelo professor, e pelo grupo em que
se insere tem um grande impacto na formação de sua personalidade e de sua autoestima, já que sua
identidade está em construção. Um exemplo particular é o caso das crianças com necessidades
especiais. Quando o grupo a aceita em sua diferença está aceitando-a também em sua semelhança,
pois, embora com recursos diferenciados, possui, como qualquer criança, competências próprias para
interagir com o meio. Vale destacar que, nesse caso, a atitude de aceitação é positiva para todas as
crianças, pois muito estarão aprendendo sobre a diferença e a diversidade que constituem o ser humano
e a sociedade.
As crianças vão, gradualmente, percebendo-se e percebendo os outros como diferentes, permitindo
que possam acionar seus próprios recursos, o que representa uma condição essencial para o
desenvolvimento da autonomia.
A autonomia, definida como a capacidade de se conduzir e tomar decisões por si próprio, levando em
conta regras, valores, sua perspectiva pessoal, bem como a perspectiva do outro, é, nessa faixa etária,
mais do que um objetivo a ser alcançado com as crianças, um princípio das ações educativas. Conceber
uma educação em direção à autonomia significa considerar as crianças como seres com vontade própria,
capazes e competentes para construir conhecimentos, e, dentro de suas possibilidades, interferir no meio
em que vivem. Exercitando o autogoverno em questões situadas no plano das ações concretas, poderão
gradualmente fazê-lo no plano das ideias e dos valores.
Do ponto de vista do juízo moral, nessa faixa etária, a criança encontra-se numa fase denominada de
heteronomia, em que dá legitimidade a regras e valores porque provêm de fora, em geral de um adulto a
quem ela atribui força e prestígio. Na moral autônoma, ao contrário, a maturidade da criança lhe permite
compreender que as regras são passíveis de discussão e reformulação, desde que haja acordo entre os
elementos do grupo. Além disso, vê a igualdade e reciprocidade como componentes necessários da
justiça e torna-se capaz de coordenar seus pontos de vista e ações com os de outros, em interações

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de cooperação.
A passagem da heteronomia para a autonomia supõe recursos internos (afetivos e cognitivos) e
externos (sociais e culturais). Para que as crianças possam aprender a gerenciar suas ações e
julgamentos conforme princípios outros que não o da simples obediência, e para que possam ter noção
da importância da reciprocidade e da cooperação numa sociedade que se propõe a atender o bem
comum, é preciso que exercitem o autogoverno, usufruindo de gradativa independência para agir, tendo
condições de escolher e tomar decisões, participando do estabelecimento de regras e sanções.
Assim, é preciso planejar oportunidades em que as crianças dirijam suas próprias ações, tendo em
vista seus recursos individuais e os limites inerentes ao ambiente.
Um projeto de educação que almeja cidadãos solidários e cooperativos deve cultivar a preocupação
com a dimensão ética, traduzindo-a em elementos concretos do cotidiano na instituição.
O complexo processo de construção da identidade e da autonomia depende tanto das interações
socioculturais como da vivência de algumas experiências consideradas essenciais associadas à fusão
e diferenciação, construção de vínculos e expressão da sexualidade.

Processo de fusão e diferenciação


Ao nascer, o bebê encontra-se em um estado que pode ser denominado como de fusão com a mãe,
não diferenciando o seu próprio corpo e os limites de seus desejos. Pode ficar frustrado e raivoso quando
a mãe, ou o adulto que dele cuida, não age conforme seus desejos - por exemplo, não lhe dando de
mamar na hora em que está com fome. Essas experiências de frustração, quando inseridas num clima
de afeto e atenção, podem constituir- se em fatores importantes de desenvolvimento pessoal, já que
explicitam divergências e desencontros, momentos favoráveis à diferenciação entre eu e o outro.
Aos poucos, o bebê adquire consciência dos limites de seu próprio corpo, bem como das
consequências de seus movimentos. Essas conquistas podem ser exemplificadas pelo encantamento em
que fica quando descobre que pode comandar os movimentos de sua mão, ou pela surpresa com que
reage quando morde o próprio braço e sente dor. A exploração de seu corpo e movimentos, assim como
o contato com o corpo do outro, são fundamentais para um primeiro nível de diferenciação do eu.
É por meio dos primeiros cuidados que a criança percebe seu próprio corpo como separado do corpo
do outro, organiza suas emoções e amplia seus conhecimentos sobre o mundo. O outro é, assim,
elemento fundamental para o conhecimento de si. Quanto menor a criança, mais as atitudes e
procedimentos de cuidados do adulto são de importância fundamental para o trabalho educativo que
realiza com ela. Na faixa de zero a seis anos os cuidados essenciais assumem um caráter prioritário na
educação institucional das crianças.
No ato de alimentar ou trocar uma criança pequena não é só o cuidado com a alimentação e higiene
que estão em jogo, mas a interação afetiva que envolve a situação. Ser carregado ao colo e, ao mesmo
tempo, ter o seio ou mamadeira para mamar é uma experiência fundamental para o ser humano. Na
relação estabelecida, por exemplo, no momento de tomar a mamadeira, seja com a mãe ou com o
professor de educação infantil, o binômio dar e receber possibilita às crianças aprenderem sobre si
mesmas e estabelecerem uma confiança básica no outro e em suas próprias competências. Elas
começam a perceber que sabem lidar com a realidade, que conseguem respostas positivas, fato que lhes
dá segurança e que contribui para a construção de sua identidade.
Os constantes cuidados com o conforto que são efetivados pelas trocas de vestuário, pelos
procedimentos de higiene da pele, pelo contato com a água do banho, pelos toques e massagens, pelos
apoios corporais e mudanças posturais vão propiciando aos bebês novas referências sobre seu próprio
corpo, suas necessidades e sentimentos e sobre sua sexualidade.

Construção de vínculos
Desde o nascimento, as crianças se orientam prioritariamente para o outro, inicialmente para os
adultos próximos, que lhes garantem a sobrevivência, propiciando sua alimentação, higiene, descanso
etc. O bebê nasce e cresce, pois, em íntimo contato com o outro, o que lhe possibilita o acesso ao mundo.
Ele expressa seu estado de bem ou mal-estar pelas vocalizações, gestos e posturas que são percebidas,
interpretadas e respondidas pelo(s) outro(s), conforme aprenderam em suas experiências na cultura à
qual pertencem. O bebê já nasce imerso nessa cultura.
Entre o bebê e as pessoas que cuidam, interagem e brincam com ele se estabelece uma forte relação
afetiva (a qual envolve sentimentos complexos e contraditórios como amor, carinho, encantamento,
frustração, raiva, culpa etc.). Essas pessoas não apenas cuidam da criança, mas também medeiam seus
contatos com o mundo, atuando com ela, organizando e interpretando para ela esse mundo. É nessas
interações, em que ela é significada/ interpretada como menino/menina, como chorão ou tranquilo, como
inteligente ou não, que se constroem suas características. As pessoas com quem construíram vínculos

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afetivos estáveis são seus mediadores principais, sinalizando e criando condições para que as crianças
adotem condutas, valores, atitudes e hábitos necessários à inserção naquele grupo ou cultura específica.
Em seguida, as crianças orientam-se para outras pessoas à medida que expandem seus campos de
ação. Embora bem pequenas, elas também demonstram forte motivação para a interação com outras
crianças. A orientação para o outro, além de lhes garantir acesso a um grande conjunto de informações
que este outro lhes proporciona, evidencia uma característica básica do ser humano que é a capacidade
de estabelecer vínculos.

Expressão da sexualidade
A sexualidade tem grande importância no desenvolvimento e na vida psíquica das pessoas, pois
independentemente da potencialidade reprodutiva, relaciona-se com o prazer, necessidade fundamental
dos seres humanos. Nesse sentido, é entendida como algo inerente, que está presente desde o
momento do nascimento, manifestando-se de formas distintas segundo as fases da vida. Seu
desenvolvimento é fortemente marcado pela cultura e pela história, dado que cada sociedade cria regras
que constituem parâmetros fundamentais para o comportamento sexual dos indivíduos. A marca da
cultura faz-se presente desde cedo no desenvolvimento da sexualidade infantil, por exemplo, na maneira
como os adultos reagem aos primeiros movimentos exploratórios que as crianças fazem em seu corpo.
A relação das crianças com o prazer se manifesta de forma diferente da do adulto. Em momentos
diferentes de sua vida, elas podem se concentrar em determinadas partes do corpo mais do que em
outras. A boca é uma das regiões pela qual as crianças vivenciam de modo privilegiado sensações de
prazer, ao mesmo tempo em que se constitui em recurso de ação sobre o mundo exterior. Para um bebê,
o sugar está presente tanto nos momentos em que mama ou é alimentado, como quando leva à boca
objetos que estão ao seu alcance ou partes de seu corpo. Nesse contexto, a mordida pode ser entendida,
também, como uma ação sobre o meio. Também nessa fase, as crianças descobrem o poder que têm
por meio de suas reações de recusa ou aceitação do alimento que lhe oferecem.
Na fase do controle esfincteriano, tudo o que diz respeito às eliminações ganha uma importância
enorme para as crianças e para os adultos com quem convivem. Logo elas percebem o efeito que suas
eliminações provocam nos adultos, os quais tendem a reagir conforme hábitos e concepções muito
arraigados acerca do que é limpo, sujo, “feio” ou “bonito”, podendo usá-las como recurso para manipular
o adulto, contrapondo o seu próprio desejo às expectativas dele.
Outra consequência que decorre do controle esfincteriano é o favorecimento da exploração dos
órgãos genitais, antes escondidos pelas fraldas. Aumenta a curiosidade por seus próprios órgãos,
podendo entregar-se a manipulações por meio das quais pesquisam as sensações e o prazer que
produzem. Paralelamente, cresce também o interesse pelos órgãos das outras crianças que também
podem se tornar objeto de manipulação e de exploração, em interações sociais dos mais diversos tipos:
na hora do banho, em brincadeiras de médico etc.
A reação dos adultos às explorações da criança de seu próprio corpo e aos jogos sexuais com outras
crianças lhe fornecem parâmetros sobre o modo como é vista a sua busca de prazer. Esse contexto
influencia seus comportamentos atuais e a composição de sua vida psíquica. A recepção dos adultos a
suas explorações ou perguntas ligadas à sexualidade podem suscitar diferentes reações, desde atitudes
de provocação e exibicionismo até atitudes de extremo retraimento e culpa.
Tanto nas famílias como na instituição, as explorações sexuais das crianças mobilizam valores,
crenças e conteúdos dos adultos, num processo que nem sempre é fácil de ser vivido. Sobretudo se virem
na curiosidade e exploração das crianças uma conotação de promiscuidade ou manifestação de algo
“anormal”. A tendência é que, quanto mais tranquila for a experiência do adulto no plano de sua própria
sexualidade, mais natural será sua reação às explorações espontâneas infantis.
No cotidiano, as crianças recebem, com frequência, mensagens contraditórias. Veem o sexo ser
alardeado nas propagandas, ou abertamente representado nas novelas, por exemplo. Esse tema pode
aparecer em suas brincadeiras de faz-de-conta.
Vale lembrar que, do ponto de vista da criança, porém, não é necessário que ela tenha presenciado a
cenas ou a representação de cenas de sexo nos meios de comunicação para que se envolvam em
explorações ou jogos sexuais. A motivação para essas brincadeiras pode vir exclusivamente de
curiosidades e desejos, integrantes de um processo normal de desenvolvimento.
A compreensão da sexualidade como um processo amplo, cultural e inerente ao desenvolvimento das
crianças pode auxiliar o professor diante das ações exploratórias das crianças ou das perguntas que
fazem a respeito do tema.
Dentre as questões relacionadas à sexualidade, as relações de gênero ocupam um lugar central. Há
um vínculo básico entre o gênero de uma pessoa e suas características biológicas, que a definem como
do sexo feminino ou masculino. Perceber-se e ser percebido como homem ou mulher, pertencendo ao

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grupo dos homens ou das mulheres, dos meninos ou das meninas, se dá nas interações estabelecidas,
principalmente nos primeiros anos de vida e durante a adolescência.
Antes mesmo do nascimento, os familiares manifestam curiosidade em saber se o bebê será menino
ou menina. Já nesse momento começam a construir expectativas diferentes quanto ao futuro da criança,
conforme a representação que é feita do papel do homem e da mulher em seu grupo social. Com o
nascimento, as expectativas e os planos tendem a se intensificar e se fazem presentes nas interações
cotidianas com a criança, desde a escolha da cor da roupa, passando pelos brinquedos a serem
oferecidos, até as atividades e brincadeiras permitidas. Assim, ser homem ou mulher varia conforme a
cultura e o momento histórico, pois supõe, mais do que as características biológicas de um ou outro
sexo, o desempenho de papéis atribuídos socialmente.
Ao se perceber como menino ou como menina, as preocupações das crianças não residem mais
unicamente nas diferenças anatômicas, mas nas características associadas ao ser homem ou mulher.
Após uma fase de curiosidade quanto às diferenças entre os sexos, por volta dos cinco e seis anos, a
questão do gênero ocupa papel central no processo de construção da identidade. Isso se reflete nas
ações e interações entre as crianças, que tendem a uma separação espontânea entre meninos e meninas.
A estrutura familiar na qual se insere a criança fornece-lhe importantes referências para sua
representação quanto aos papéis de homem e mulher. Em um mesmo grupo de creche ou pré-escola, as
crianças podem pertencer a estruturas familiares distintas, como uma que é criada pelo pai e pela mãe,
outra que é criada só pela mãe, ou só pelo pai, ou ainda outra criada só por homens ou só por mulheres.
Além do modelo familiar, as crianças podem constatar, por exemplo, que nas novelas ou desenhos
veiculados pela televisão, homem e mulher são representados conforme visões presentes na sociedade.
Essas visões podem influenciar a sua percepção quanto aos papéis desempenhados pelos sujeitos dos
diferentes gêneros.

Aprendizagem

A criança é um ser social que nasce com capacidades afetivas, emocionais e cognitivas. Tem desejo
de estar próxima às pessoas e é capaz de interagir e aprender com elas de forma que possa compreender
e influenciar seu ambiente. Ampliando suas relações sociais, interações e formas de comunicação, as
crianças sentem-se cada vez mais seguras para se expressar, podendo aprender, nas trocas sociais, com
diferentes crianças e adultos cujas percepções e compreensões da realidade também são diversas.
Para se desenvolver, portanto, as crianças precisam aprender com os outros, por meio dos vínculos
que estabelece. Se as aprendizagens acontecem na interação com as outras pessoas, sejam elas adultos
ou crianças, elas também dependem dos recursos de cada criança. Dentre os recursos que as crianças
utilizam, destacam-se a imitação, o faz-de-conta, a oposição, a linguagem e a apropriação da imagem
corporal.

Imitação
A percepção e a compreensão da complementaridade presente nos atos e papéis envolvidos nas
interações sociais é um aspecto importante do processo de diferenciação entre o eu e o outro. O exercício
da complementaridade está presente, por exemplo, nos jogos de imitação típico das crianças.
É visível o esforço das crianças, desde muito pequenas, em reproduzir gestos, expressões faciais e
sons produzidos pelas pessoas com as quais convivem. Imitam também animais domésticos, objetos em
movimento etc. Na fase dos dois aos três anos a imitação entre crianças pode ser uma forma privilegiada
de comunicação e para brincar com outras crianças. A oferta de múltiplos brinquedos do mesmo tipo
facilita essa interação.
A imitação é resultado da capacidade de a criança observar e aprender com os outros e de seu desejo
de se identificar com eles, ser aceita e de diferenciar-se. É entendida aqui como reconstrução interna e
não meramente uma cópia ou repetição mecânica. As crianças tendem a observar, de início, as ações
mais simples e mais próximas à sua compreensão, especialmente aquelas apresentadas por gestos ou
cenas atrativas ou por pessoas de seu círculo afetivo. A observação é uma das capacidades humanas
que auxiliam as crianças a construírem um processo de diferenciação dos outros e consequentemente
sua identidade.

Brincar
Brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identidade e da autonomia. O
fato de a criança, desde muito cedo, poder se comunicar por meio de gestos, sons e mais tarde
representar determinado papel na brincadeira faz com que ela desenvolva sua imaginação. Nas
brincadeiras as crianças podem desenvolver algumas capacidades importantes, tais como a atenção, a

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imitação, a memória, a imaginação. Amadurecem também algumas capacidades de socialização, por
meio da interação e da utilização e experimentação de regras e papéis sociais.
A diferenciação de papéis se faz presente sobretudo no faz-de-conta, quando as crianças brincam
como se fossem o pai, a mãe, o filhinho, o médico, o paciente, heróis e vilões etc., imitando e recriando
personagens observados ou imaginados nas suas vivências. A fantasia e a imaginação são elementos
fundamentais para que a criança aprenda mais sobre a relação entre as pessoas, sobre o eu e sobre o
outro.
No faz-de-conta, as crianças aprendem a agir em função da imagem de uma pessoa, de uma
personagem, de um objeto e de situações que não estão imediatamente presentes e perceptíveis para
elas no momento e que evocam emoções, sentimentos e significados vivenciados em outras
circunstâncias. Brincar funciona como um cenário no qual as crianças tornam-se capazes não só de imitar
a vida como também de transformá-la. Os heróis, por exemplo, lutam contra seus inimigos, mas também
podem ter filhos, cozinhar e ir ao circo.
Ao brincar de faz-de-conta, as crianças buscam imitar, imaginar, representar e comunicar de uma
forma específica que uma coisa pode ser outra, que uma pessoa pode ser uma personagem, que uma
criança pode ser um objeto ou um animal, que um lugar “faz-de-conta” que é outro. Brincar é, assim, um
espaço no qual se pode observar a coordenação das experiências prévias das crianças e aquilo que os
objetos manipulados sugerem ou provocam no momento presente. Pela repetição daquilo que já
conhecem, utilizando a ativação da memória, atualizam seus conhecimentos prévios, ampliando-os e
transformando-os por meio da criação de uma situação imaginária nova. Brincar constitui- se, dessa
forma, em uma atividade interna das crianças, baseada no desenvolvimento da imaginação e na
interpretação da realidade, sem ser ilusão ou mentira. Também se tornam autoras de seus papéis,
escolhendo, elaborando e colocando em prática suas fantasias e conhecimentos, sem a intervenção
direta do adulto, podendo pensar e solucionar problemas de forma livre das pressões situacionais da
realidade imediata.
Quando utilizam a linguagem do faz-de-conta, as crianças enriquecem sua identidade, porque podem
experimentar outras formas de ser e pensar, ampliando suas concepções sobre as coisas e pessoas ao
desempenhar vários papéis sociais ou personagens. Na brincadeira, vivenciam concretamente a
elaboração e negociação de regras de convivência, assim como a elaboração de um sistema de
representação dos diversos sentimentos, das emoções e das construções humanas. Isso ocorre porque
a motivação da brincadeira é sempre individual e depende dos recursos emocionais de cada criança que
são compartilhados em situações de interação social. Por meio da repetição de determinadas ações
imaginadas que se baseiam nas polaridades presença/ausência, bom/mau, prazer/desprazer,
passividade/ atividade, dentro/fora, grande/pequeno, feio/bonito etc., as crianças também podem
internalizar e elaborar suas emoções e sentimentos, desenvolvendo um sentido próprio de moral e de
justiça.

Oposição
Além da imitação e do faz-de-conta, a oposição é outro recurso fundamental no processo de
construção do sujeito. Opor-se, significa, em certo sentido, diferenciar-se do outro, afirmar o seu ponto de
vista, os seus desejos.
Vários são os contextos em que tal conduta pode ocorrer, sua intensidade depende de vários
fatores, tais como características pessoais, grau de liberdade oferecido pelo meio, momento
específico do desenvolvimento pessoal em que se encontra. É comum haver fases em que a oposição é
mais intensa, ocorrendo de forma sistemática e concentrada.
A observação das interações infantis sugere que são diversos os temas de oposição, os quais tendem
a mudar com a idade - por exemplo, disputa por um mesmo brinquedo, briga por causa de um lugar
específico, desentendimento por causa de uma ideia ou sugestão etc. Embora seja de difícil administração
por parte do adulto, é bom ter em vista que esses momentos desempenham um papel importante na
diferenciação e afirmação do eu.

Linguagem
O uso que a criança faz da linguagem fornece vários indícios quanto ao processo de diferenciação
entre o eu e o outro. Por exemplo, a estabilização no uso do pronome “eu” em substituição à forma usada
pelos menores que costumam referir-se a si mesmos pelo próprio nome, conjugando o verbo na terceira
pessoa - “fulano quer isso ou aquilo” - sugere a identificação da sua pessoa como uma perspectiva
particular e única. Por outro lado, a própria linguagem favorece o processo de diferenciação, ao possibilitar
formas mais objetivas e diversas de compreender o real.
Ao mesmo tempo que enriquece as possibilidades de comunicação e expressão, a linguagem

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representa um potente veículo de socialização.
É na interação social que as crianças são inseridas na linguagem, partilhando significados e sendo
significadas pelo outro. Cada língua carrega, em sua estrutura, um jeito próprio de ver e compreender o
mundo, o qual se relaciona a características de culturas e grupos sociais singulares. Ao aprender a língua
materna, a criança toma contato com esses conteúdos e concepções, construindo um sentido de
pertinência social.
Por meio da linguagem, o ser humano pode ter acesso a outras realidades sem passar,
necessariamente, pela experiência concreta. Por exemplo, alguém que more no sul do Brasil pode saber
coisas sobre a floresta ou povos da Amazônia sem que nunca tenha ido ao Amazonas, simplesmente se
baseando em relatos de viajantes, ou em livros. Com esse recurso, a criança tem acesso a mundos
distantes e imaginários. As histórias que compõem o repertório infantil tradicional são inesgotável fonte
de informações culturais, as quais somam-se a sua vivência concreta. O Saci Pererê pode ser, por
exemplo, uma personagem cujas aventuras façam parte da vida da criança sem que exista concretamente
na realidade.

Apropriação da imagem corporal


A aquisição da consciência dos limites do próprio corpo é um aspecto importante do processo de
diferenciação do eu e do outro e da construção da identidade.
Por meio das explorações que faz, do contato físico com outras pessoas, da observação daqueles com
quem convive, a criança aprende sobre o mundo, sobre si mesma e comunica-se pela linguagem corporal.

Objetivos

Crianças de zero a três anos


A instituição deve criar um ambiente de acolhimento que dê segurança e confiança às crianças,
garantindo oportunidades para que sejam capazes de:
- Experimentar e utilizar os recursos de que dispõem para a satisfação de suas necessidades
essenciais, expressando seus desejos, sentimentos, vontades e desagrados, e agindo com progressiva
autonomia;
- Familiarizar-se com a imagem do próprio corpo, conhecendo progressivamente seus limites, sua
unidade e as sensações que ele produz;
- Interessar-se progressivamente pelo cuidado com o próprio corpo, executando ações simples
relacionadas à saúde e higiene;
- Brincar;
- Relacionar-se progressivamente com mais crianças, com seus professores e com demais
profissionais da instituição, demonstrando suas necessidades e interesses.

Crianças de quatro a seis anos


Para esta fase, os objetivos estabelecidos para a faixa etária de zero a três anos deverão ser
aprofundados e ampliados, garantindo-se, ainda, oportunidades para que as crianças sejam capazes de:
- Ter uma imagem positiva de si, ampliando sua autoconfiança, identificando cada vez mais suas
limitações e possibilidades, e agindo de acordo com elas;
- Identificar e enfrentar situações de conflitos, utilizando seus recursos pessoais, respeitando as outras
crianças e adultos e exigindo reciprocidade;
- Valorizar ações de cooperação e solidariedade, desenvolvendo atitudes de ajuda e colaboração e
compartilhando suas vivências;
- Brincar;
- Adotar hábitos de autocuidado, valorizando as atitudes relacionadas com a higiene, alimentação,
conforto, segurança, proteção do corpo e cuidados com a aparência;
- Identificar e compreender a sua pertinência aos diversos grupos dos quais participam, respeitando
suas regras básicas de convívio social e a diversidade que os compõe.

Conteúdos

Crianças de zero a três anos


- Comunicação e expressão de seus desejos, desagrados, necessidades, preferências e vontades
em brincadeiras e nas atividades cotidianas.
- Reconhecimento progressivo do próprio corpo e das diferentes sensações e ritmos que produz.

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- Identificação progressiva de algumas singularidades próprias e das pessoas com as quais convive
no seu cotidiano em situações de interação.
- Iniciativa para pedir ajuda nas situações em que isso se fizer necessário.
- Realização de pequenas ações cotidianas ao seu alcance para que adquira maior independência.
- Interesse pelas brincadeiras e pela exploração de diferentes brinquedos.
- Participação em brincadeiras de “esconder e achar” e em brincadeiras de imitação.
- Escolha de brinquedos, objetos e espaços para brincar.
- Participação e interesse em situações que envolvam a relação com o outro.
- Respeito às regras simples de convívio social.
- Higiene das mãos com ajuda.
- Expressão e manifestação de desconforto relativo à presença de urina e fezes nas fraldas.
- Interesse em desprender-se das fraldas e utilizar o penico e o vaso sanitário.
- Interesse em experimentar novos alimentos e comer sem ajuda.
- Identificação de situações de risco no seu ambiente mais próximo.

Orientações didáticas
Autoestima
A autoestima que a criança aos poucos desenvolve é, em grande parte, interiorização da estima que
se tem por ela e da confiança da qual é alvo. Disso resulta a necessidade de o adulto confiar e acreditar
na capacidade de todas as crianças com as quais trabalha. A postura corporal, somada à linguagem
gestual, verbal etc., do adulto transmite informações às crianças, possibilitando formas particulares e
significativas de estabelecer vínculos com elas. É importante criar situações educativas para que, dentro
dos limites impostos pela vivência em coletividade, cada criança possa ter respeitados os seus hábitos,
ritmos e preferências individuais. Da mesma forma, ouvir as falas das crianças, compreendendo o que
elas estão querendo comunicar, fortalece a sua autoconfiança.
O processo de construção da autoconfiança envolve avanços e retrocessos. As crianças podem fazer
birra diante de frustrações, demonstrar sentimentos como vergonha e medo ou ter pesadelos,
necessitando de apoio e compreensão dos pais e professores. O adulto deve ter em relação a elas uma
atitude continente, apoiando-as e controlando-as de forma flexível, porém segura.
A colaboração entre pais e professores é fundamental no acompanhamento conjunto dos progressos
que a criança realiza na construção de sua identidade e progressiva autonomia pessoal. A preocupação
em demarcar o espaço individual no coletivo é imprescindível para que as crianças tenham noção de que
sua inserção no grupo não anula sua individualidade. Isso pode se fazer presente, por exemplo, na
identificação dos pertences pessoais. O local escolhido e organizado para guardar os pertences de cada
um pode ser identificado por sua fotografia ou a escrita de seu nome de forma que, pelo reconhecimento
dessa marca, as crianças possam saber que ali estão suas coisas. Em contrapartida, trabalhar o
reconhecimento da marca de outros é também um objetivo importante, pois favorece a formação do
sentimento de grupo.
É importante que os adultos se refiram a cada criança pelo nome, bem como assegurem que
conheçam os nomes de todos. Para isso, várias atividades podem ser planejadas, com destaque para
brincadeiras e cantigas em que se podem inserir os nomes dos elementos do grupo, propiciando que
sejam ditos e repetidos num contexto lúdico e afetivo.
O mesmo vale para a referência aos professores e aos pais. É comum que os professores sejam
chamados pela designação “tia” ou “tio”, tendo sua identidade diluída por trás de um título que, a bem da
verdade, nem lhes pertence. A professora e o professor são profissionais e não membros da família das
crianças. Quanto às mães e aos pais, também ocorre de serem designados simplesmente como “mãe”
ou como “pai”, como se todos fossem iguais, reconhecidos apenas por esse papel social que
desempenham.

Escolha
Desde pequenos, os bebês já manifestam suas preferências e são, também, capazes de escolher.
Para isso dependem diretamente da mediação do adulto que interpreta suas expressões faciais ou choro
como indícios de preferência por uma ou outra situação. O choro profundo de um bebê que é retirado de
uma brincadeira e colocado no berço, por exemplo, pode significar desagrado com a nova situação e
preferência pela anterior. Ao buscar compreender o significado desse tipo de manifestação e atendê-la,
quando possível, o adulto está dando, de uma maneira indireta, possibilidade de escolha à criança cuja
relação com o mundo ele medeia.
Escolhas mais diretas logo se tornam possíveis, tais como as que se referem aos objetos com os quais
brincar ou aos companheiros com quem interagir. Mas essas escolhas, também, dependem muito da

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maneira como o adulto organiza a rotina e dispõe o ambiente. Nesse sentido, a organização do espaço
é um procedimento recomendado para que as crianças disponham de várias alternativas de ação e de
parceiros. Pode-se pensar, por exemplo, numa sala onde haja, num canto, instrumentos musicais, no
outro, brinquedos de faz-de-conta e, num terceiro, blocos de encaixe, permitindo que as crianças possam
circular livremente entre um e outro, exercitando seu poder de escolha, tanto em relação às atividades
como em relação aos parceiros.

Faz de conta
Cabe ao professor organizar situações de interação em que panos, fraldas ou anteparos como caixas
e biombos possam ser utilizados para esconder o rosto ou o corpo todo da criança e do parceiro, num
jogo de esconder e aparecer. Outras situações podem ser organizadas da mesma forma, para que as
crianças lancem e resgatem, façam aparecer e desaparecer brinquedos e objetos. Isso as auxilia, pouco
a pouco, a elaborarem a construção mental da imagem de um objeto ou pessoa ausente.
Nessa faixa etária, o faz-de-conta utiliza-se principalmente da imitação para acontecer. O professor
pode propiciar situações para que as crianças imitem ações que representam diferentes pessoas,
personagens ou animais, reproduzindo ambientes como casinha, trem, posto de gasolina, fazenda etc.
Esses ambientes devem favorecer a interação com uma ou mais crianças compartilhando um mesmo
objeto, tal como empurrar o berço como se fosse um meio de transporte, levar bonecas para passear ou
dar de mamar, cuidar de cachorrinhos etc.

Interação
O desenvolvimento da capacidade de se relacionar depende, entre outras coisas, de oportunidades de
interação com crianças da mesma idade ou de idades diferentes em situações diversas. Cabe ao
professor promover atividades individuais ou em grupo, respeitando as diferenças e estimulando a troca
entre as crianças.
Para as crianças que ainda não andam sozinhas, é fundamental que se pense no local onde serão
acomodadas. Se forem mantidas em berços, por exemplo, terão mais dificuldade para comunicar-se do
que se forem acomodadas em colchões ou almofadas espalhadas pelo chão de onde possam se enxergar
mais facilmente, arrastar-se em direção ao parceiro, emitir balbucios ou sorrisos. A estruturação do
espaço em áreas menores, o que possibilita mais intimidade e segurança, tende a ser fator facilitador.
A disposição de objetos atraentes ao alcance das crianças também auxilia o estabelecimento de
interações, uma vez que servem como suporte e estímulo para o encadeamento das ações.
Um aspecto a ser levado em conta é a quantidade de exemplares de brinquedos ou objetos
significativos colocados à disposição. A oferta de múltiplos exemplares pode facilitar a comunicação, na
medida em que propicia ações paralelas, de imitação, bem como ações encadeadas de faz-de-conta.
Além disso, tal procedimento tem chances de reduzir a incidência de conflitos em torno da posse de
objetos. O faz-de-conta é momento privilegiado de interação entre as crianças. Por isso a importância de
ter espaço assegurado na rotina ao longo de toda a educação infantil.
O estabelecimento de condições adequadas para as interações está pautado tanto nas questões
emocionais e afetivas quanto nas cognitivas. As interações de diferentes crianças, incluindo aquelas com
necessidades especiais, assim como com conhecimentos específicos diferenciados, são fatores de
desenvolvimento e aprendizagem quando se criam situações de ajuda mútua e cooperação. As
características de cada criança, seja no âmbito afetivo, seja no emocional, social ou cognitivo, devem ser
levadas em conta quando se organizam situações de trabalho ou jogo em grupo ou em momentos de
brincadeira que ocorrem livremente.

Imagem
O espelho é um importante instrumento para a construção da identidade. Por meio das brincadeiras
que faz em frente a ele, a criança começa a reconhecer sua imagem e as características físicas que
integram a sua pessoa. É aconselhável que se coloque na sala, um espelho grande o suficiente para que
várias crianças possam se ver de corpo inteiro e brincar em frente a ele.

Cuidados
Junto aos bebês, a intervenção educativa deve satisfazer suas necessidades de higiene, alimentação
e descanso. À medida em que vão crescendo, o professor pode incentivá-los a participar ativamente
dessas atividades de atendimento das necessidades. O professor favorece a independência quando
estimula a criança, exigindo dela com afeto e convicção aquilo que ela tem condição de fazer.
A higiene das mãos constitui-se um recurso simples e eficiente entre as atitudes e procedimentos
básicos para a manutenção da saúde e prevenção de doenças. É sempre bom lembrar que os adultos

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servem de modelo para as crianças que observam suas atitudes e por isso é aconselhável que eles
também lavem as mãos, sempre que necessário. É importante que o professor lembre de lavar as mãos
dos bebês, seja após a troca, caso eles tenham tocado as próprias fraldas, seja após engatinharem e
explorarem o ambiente, ou antes de receberem alimentos na própria mão. Assim que eles adquirirem a
marcha, podem observar o adulto e as outras crianças lavarem suas mãos e iniciar o exercício dessa
habilidade.
Às vezes, as crianças se entusiasmam, jogam água umas nas outras, lavam o rosto e respingam água
na roupa. Isso acontece, frequentemente, porque brincar com água é uma atividade prazerosa.
Providenciar tanques ou recipientes especiais e seguros onde as crianças possam brincar durante algum
tempo com água é uma forma de garantir que tenham prazer, independentemente dos momentos em que
precisam lavar as mãos.
A retirada das fraldas e o controle dos esfíncteres pela criança constitui um processo complexo que
integra aspectos biológicos, afetivos, emocionais e sociais. Dependendo do desenvolvimento de cada
criança, ao final do segundo ano de vida, ou seja, entre 18 e 24 meses, aproximadamente, ela passa a
se interessar pelas suas eliminações e experimentar com mais consciência as sensações provocadas
pela contração e relaxamento dos esfíncteres. Passa também a reter o xixi durante mais tempo,
resultado do desenvolvimento da capacidade de sua bexiga em armazenar uma certa quantidade de
urina durante um determinado tempo.
As crianças nesta fase percebem e indicam para o professor que estão molhadas ou que estão com
vontade de “fazer cocô”, seja emitindo sons, contorcendo e apertando as pernas, apontando para o xixi
que escorre, puxando ou apontando suas fraldas, seja falando uma palavra usada em seu meio cultural
e que expresse sua percepção ou desejo. Ao identificar os momentos em que a criança está sentindo
vontade de evacuar ou urinar, o professor pode perguntar-lhe se quer ir ao sanitário, se precisa de ajuda.
É aconselhável levá-las periodicamente ao banheiro.
As fezes e a urina são produções da criança e têm um significado especial para ela. Pela reação do
professor e dos familiares diante do seu cocô e do seu xixi ela percebe como os adultos recebem o que
ela produz. As crianças, em princípio, lidam com suas eliminações com curiosidade e espontaneidade. A
noção de sujo e limpo, de nojo a determinadas substâncias corporais é construída culturalmente, sendo
que em alguns grupos pode-se reagir ao cheiro e aspecto das fezes e urina de uma forma diferente de
outras, assim como pode-se classificá-las de forma diferente em relação ao que se considera puro ou
impuro, sujo ou limpo. Adultos que são mais compreensivos e tolerantes com as necessidades das
crianças proporcionam sentimentos positivos como confiança, autoestima e segurança.
O processo de retirada de fraldas pode ser facilitado pela organização da rotina e do ambiente pelos
professores e pela observação e imitação pela criança das outras crianças que vão ao sanitário ou que
estão começando a utilizar o penico. A primeira condição para que os adultos iniciem esse processo
com a criança é o respeito por sua vontade e a identificação de suas necessidades, tanto pelos
familiares quanto pelo professor.
É aconselhável que a instituição e a família compartilhem das mesmas intenções e cuidados durante
esta fase, mas que evitem iniciar o processo em momentos de crise, como o nascimento de um irmão, a
perda de alguém importante, na fase de adaptação em um novo grupo ou durante a vigência ou
recuperação de uma doença.
Em torno dos três anos, caso tenha tido oportunidade de experimentar, a criança já tem condições
para alimentar-se sozinha, determinar seu próprio ritmo e a quantidade de alimentos que ingere, mas
podem necessitar de ajuda e incentivo do adulto para que experimente novos alimentos ou para servir-
se. Nesta fase pode começar a rejeitar alguns alimentos, selecionando apenas os seus preferidos, e a
repelir a ajuda do adulto para alimentar-se.
A organização dos momentos de oferta de alimentos precisa ser feita em ambientes mais tranquilos,
em pequenos grupos, com acompanhamento mais próximo pelo adulto, que propicia segurança afetiva e
ajuda a construir gradativamente as habilidades para a independência ao alimentar-se. Desaconselha-
se a oferta das refeições em grandes refeitórios com todos os grupos infantis presentes ao mesmo
tempo, o que além de aumentar o tempo de espera das crianças, dispersa a atenção tanto das crianças
quanto do professor, aumenta o nível de ruído e dificulta a ação educativa. Algumas refeições podem ser
feitas nas próprias salas dos grupos infantis, outras em companhia de grupos etários diversos, mas
sempre evitando grandes grupos ao mesmo tempo.

Segurança
É recomendável orientar as crianças a usarem os utensílios, brinquedos e objetos de forma segura.
Por exemplo, crianças de três anos (dependendo do desenvolvimento e do ambiente sociocultural) já
podem usar garfo e faca quando fazem refeições, mas antes precisam ser orientadas sobre os cuidados

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com objetos pontiagudos e cortantes, assim como estes objetos devem ser destinados à sua finalidade,
usados sob supervisão de adultos e adequados ao tamanho da criança.
Atividades pedagógicas que envolvam uso de procedimentos ou produtos que possam colocar em
risco a saúde das crianças, como atividades que utilizam produtos químicos (como água sanitária para
descolorir papel), velas ou eletricidade (para experiências de luz e sombra), ou objetos pequenos que
possam ser engolidos ou colocados em cavidades (grãos, botões), precisam ser planejadas e
supervisionadas cuidadosamente.

Crianças de quatro a seis anos


- Expressão, manifestação e controle progressivo de suas necessidades, desejos e sentimentos
em situações cotidianas.
- Iniciativa para resolver pequenos problemas do cotidiano, pedindo ajuda se necessário.
- Identificação progressiva de algumas singularidades próprias e das pessoas com as quais convive
no seu cotidiano em situações de interação.
- Participação em situações de brincadeira nas quais as crianças escolham os parceiros, os objetos,
os temas, o espaço e as personagens.
- Participação de meninos e meninas igualmente em brincadeiras de futebol, casinha, pular corda.
- Valorização do diálogo como uma forma de lidar com os conflitos.
- Participação na realização de pequenas tarefas do cotidiano que envolvam ações de cooperação,
solidariedade e ajuda na relação com os outros.
- Respeito às características pessoais relacionadas ao gênero, etnia, peso, estatura etc.
- Valorização da limpeza e aparência pessoal.
- Respeito e valorização da cultura de seu grupo de origem e de outros grupos.
- Conhecimento, respeito e utilização de algumas regras elementares de convívio social.
- Participação em situações que envolvam a combinação de algumas regras de convivência em grupo
e aquelas referentes ao uso dos materiais e do espaço, quando isso for pertinente.
- Valorização dos cuidados com os materiais de uso individual e coletivo.
- Procedimentos relacionados à alimentação e à higiene das mãos, cuidado e limpeza pessoal das
várias partes do corpo.
- Utilização adequada dos sanitários.
- Identificação de situações de risco no seu ambiente mais próximo.
- Procedimentos básicos de prevenção a acidentes e autocuidado.

Orientações didáticas
Nome
Nesta faixa etária, mantém-se a importância da identificação pelo nome e acrescenta- se o interesse
por sua representação escrita, a qual se manifesta em idades variadas, conforme as experiências
anteriores com essa linguagem. Uma possibilidade de trabalho é identificar os pertences individuais pelo
nome escrito e fazer do reconhecimento do seu próprio e do nome do outro, conteúdo de trabalho.
Vários são os jogos que podem ser construídos utilizando os nomes próprios, como, por exemplo,
bingo, jogo da memória, dominó, e que podem ser reconstruídos substituindo as letras, as imagens ou
os números, respectivamente, pelo nome dos integrantes do grupo.
Mas o nome traz mais do que uma grafia específica, ele traz também uma história, um significado.
Fazer uma pesquisa para descobrir a história do nome de cada elemento do grupo (por que os familiares
escolheram esse nome) pode ser uma interessante atividade, inclusive com o envolvimento da família.

Imagem
O espelho é um excelente instrumento na construção e na afirmação da imagem corporal recém-
formada: é na frente dele que meninos e meninas poderão se fantasiar, assumir papéis, brincar de ser
pessoas diferentes, e olhar-se, experimentando todas essas possibilidades. Nesse sentido, a maquiagem
(que as crianças podem utilizar sozinhas ou auxiliadas pelo professor), fantasias diversas, roupas,
sapatos e acessórios que os adultos não usam mais, bijuterias, são ótimos materiais para o faz-de-conta
nesta faixa etária. Com eles, e diante do espelho, a criança consegue perceber que sua imagem muda,
sem que modifique a sua pessoa.

Independência e autonomia
Nos atos cotidianos e em atividades sistematizadas, o que se recomenda é a atenção permanente à
questão da independência e autonomia. O exercício da cidadania é um processo que se inicia desde a
infância, quando se oferecem às crianças oportunidades de escolha e de autogoverno.

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A capacidade de realizar escolhas amplia-se conforme o desenvolvimento dos recursos individuais e
mediante a prática de tomada de decisões. Isso vale tanto para os materiais a serem usados como para
as atividades a serem realizadas. Podem-se criar situações em que as crianças fazem suas escolhas
entre várias opções, em locais distintos ou no mesmo espaço. Esta pode representar uma ótima
oportunidade de integração entre crianças de diferentes idades.
No dia-a-dia da instituição pode parecer mais fácil que o adulto centralize todas as decisões, definindo
o que e como fazer, com quem e quando. Essa centralização pode resultar, contudo, num ambiente
autoritário, em que não há espaço para o exercício da ação autônoma. Oferecer condições para que as
crianças, conforme os recursos de que dispõem, dirijam por si mesmas suas ações, propicia o
desenvolvimento de um senso de responsabilidade.
Tradicionalmente, as instituições escolares associam disciplina a silêncio e veem a conversa como
sinônimo de bagunça, indisciplina. Embora mais consolidada no ensino fundamental, essa visão influencia
também a prática na educação infantil, em que não raro o comportamento que se espera da criança é o
da simples obediência, o silêncio, a imobilidade. Essa expectativa é incompatível com um projeto
educativo que valoriza a criança independente, que toma iniciativas e que coordena sua ação com a
de outros.
A progressiva independência na realização das mais diversas ações, embora não garanta a autonomia,
é condição necessária para o seu desenvolvimento. Esse processo valoriza o papel do professor como
aquele que organiza, sistematiza e conduz situações de aprendizagem. A disposição dos materiais
e utensílios pedagógicos é fator que interfere diretamente nas possibilidades do “fazer sozinho”, devendo
ser, também, alvo de reflexão e planejamento do professor e da instituição. Uma sugestão é que os
materiais pedagógicos, brinquedos e outros objetos estejam à disposição, organizados de tal forma que
possam ser encontrados sem a necessidade de interferência do adulto, dispostos em altura ao alcance
das crianças, em caixas ou prateleiras etc. sobretudo em ambientes especialmente organizados para
brincar, como casinhas, garagem, circo, feira etc.
Propiciar a ajuda entre as crianças é também recurso a ser explorado. As crianças possuem
conhecimentos e competências distintas. Criar situações para que prestem ajuda umas às outras - para
calçar o sapato, para alcançar um objeto, para fazer um desenho, para escrever uma palavra etc. -
possibilita trocas muito interessantes, nas quais as crianças vivenciam essa diferença de saberes que é
própria ao ser humano em qualquer idade. A ajuda entre pares pode ser também um interessante recurso
para facilitar a integração de crianças com necessidades especiais.
Pode-se planejar situações em que as crianças sejam solicitadas a colaborar com o bom andamento
das atividades. O professor pode, por exemplo, distribuir tarefas para que transformem o espaço numa
oficina de artes plásticas, ou que arrumem a mesa para o almoço ou lanche. Vale lembrar que as
possibilidades de cooperação oferecidas pelo trabalho em grupo, em que as crianças conversam sobre o
que fazem e se ajudam mutuamente, constitui-se num valioso recurso educativo. Além da troca de ideias,
o confronto de pontos de vista que o trabalho em grupo propicia é um fator fundamental para que as
crianças percebam que sua opinião é uma entre outras possíveis, e para que possam assim integrar suas
ideias às dos demais, numa relação de cooperação.
Outro aspecto que contribui para o desenvolvimento da autonomia é que a criança tenha referências
para situar-se na rotina da instituição. Quando se está num ambiente conhecido e em que se pode
antecipar a sequência dos acontecimentos, tem-se mais segurança para arriscar e ousar agir com
independência.
O conhecimento da sequência da rotina é também fator que favorece o desenvolvimento da
autonomia. Pode-se pensar em organizá-lo por meio de instrumentos que se utilizem das novas
conquistas no plano da representação, ou seja, a crescente familiarização com linguagens gráficas,
como o desenho e a escrita. Assim, a elaboração de quadros e tabelas onde as atividades fixas de cada
dia da semana estejam registradas pode constituir-se numa interessante atividade. Uma vez produzida a
tabela, constitui-se num instrumento a ser consultado pelas crianças para poderem se guiar com mais
independência na sucessão de atividades a serem realizadas.
Para favorecer o desenvolvimento da autonomia é necessário que o professor compreenda os
modos próprios de as crianças se relacionarem, agirem, sentirem, pensarem e construírem
conhecimentos.

Respeito a diversidade
Para que seja incorporada pelas crianças, a atitude de aceitação do outro em suas diferenças e
particularidades precisa estar presente nos atos e atitudes dos adultos com quem convivem na
instituição. Começando pelas diferenças de temperamento, de habilidades e de conhecimentos, até
as diferenças de gênero, de etnia e de credo religioso, o respeito a essa diversidade deve permear as

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relações cotidianas. Uma atenção particular deve ser voltada para as crianças com necessidades
especiais que, devido às suas características peculiares, estão mais sujeitas à discriminação. Ao lado
dessa atitude geral, podem-se criar situações de aprendizagem em que a questão da diversidade seja
tema de conversa ou de trabalho.

Identidade de gênero
No que concerne a identidade de gênero, a atitude básica é transmitir, por meio de ações e
encaminhamentos, valores de igualdade e respeito entre as pessoas de sexos diferentes e permitir que
a criança brinque com as possibilidades relacionadas tanto ao papel de homem como ao da mulher. Isso
exige uma atenção constante por parte do professor, para que não sejam reproduzidos, nas relações
com as crianças, padrões estereotipados quanto aos papéis do homem e da mulher, como, por exemplo,
que à mulher cabe cuidar da casa e dos filhos e que ao homem cabe o sustento da família e a tomada de
decisões, ou que homem não chora e que mulher não briga.
Todavia, mesmo quando o ambiente é flexível quanto às possibilidades de exploração dos papéis
sociais, os estereótipos podem surgir entre as próprias crianças, fruto do meio em que vivem, ou reflexo
da fase em que a divisão entre meninos e meninas torna-se uma forma de se apropriar da identidade
sexual. A observação e sensibilidade do professor são ingredientes fundamentais para identificar as
diferentes situações e ter clareza quanto aos encaminhamentos a serem dados.
O trabalho com a identidade representa mais um importante espaço para a integração entre família e
instituição. Desenvolver atitudes de respeito às particularidades de cada grupo familiar favorece, por
exemplo, que o professor e os outros profissionais de educação infantil compreendam a dificuldade de
uma criança em usar talheres, quando em sua casa o costume é comer com as mãos. Ao lado dessa
atitude permanente de respeito e compreensão, podem-se planejar momentos específicos de
colaboração entre a instituição e as famílias.
A presença dos familiares como elementos integrados ao trabalho pedagógico constitui-se em outro
recurso interessante. O convite aos familiares para irem à instituição pode ser feito sob diversos
pretextos, desde o simples relato ao vivo de um caso já mencionado pela criança, até a participação em
alguma atividade para a qual possa ter uma contribuição especial. Por exemplo, pode-se convidar um pai
cujo filho (a) diz ser um exímio fazedor de pipas para ensinar as crianças a construírem as suas próprias
pipas. Ou então pedir a uma mãe que toca violão para fazer uma seresta junto ao grupo. Ou convidar um
avô, bom contador de casos, para contar histórias. Dessa forma, são aproveitadas as habilidades dos
familiares para enriquecer o conhecimento e a vivência na instituição.

Interação
O domínio da fala diversifica as modalidades de interação, favorecendo o intercâmbio de ideias,
realidades e pontos de vista. A observação das interações espontâneas revela o quanto as crianças
conversam entre si. Não seria possível inventariar os possíveis temas de conversa, pois o repertório é
infinito, refletindo vivências pessoais, desejos, fantasias, projetos, conhecimentos. Por exemplo, ao
conversarem sobre assuntos do universo familiar de cada um, todos os participantes se enriquecem, pela
oportunidade de expressão e de contato com outras vivências. Dada a importância do diálogo na
construção de conhecimento sobre si e sobre o outro, são aconselháveis situações em que a conversa
seja o principal objetivo. Nas brincadeiras e jogos espontâneos a conversa também costuma estar
presente. Ao lado desses momentos, é recomendável que o professor acolha as conversas também
durante as atividades mais sistematizadas, tal como a realização de uma colagem, de um desenho, a
redação de um texto ou leitura de um livro. Compartilhar com o outro suas dúvidas, expressar suas
ansiedades, comunicar suas descobertas, são ações que favorecem a aprendizagem.
A cooperação consolida-se como interação possível nesta faixa etária. Pode ser desenvolvida por
meio de atividades em grupo em que cada criança desempenha um papel ou tarefa para a realização de
um objetivo comum. O adulto pode auxiliar na distribuição das funções, mas o interessante é que as
crianças adquiram progressiva autonomia para fazê-lo. Paralelamente a esse processo de divisão de
tarefas para a integração em torno de um objetivo comum, as crianças desenvolvem o sentimento de
pertencer a um grupo. Cuidar das relações que se criam entre os vários elementos que compõem o grupo
deve ser uma preocupação do professor.
A ação do professor de educação infantil, como mediador das relações entre as crianças e os diversos
universos sociais nos quais elas interagem, possibilita a criação de condições para que elas possam,
gradativamente, desenvolver capacidades ligadas à tomada de decisões, à construção de regras, à
cooperação, à solidariedade, ao diálogo, ao respeito a si mesmas e ao outro, assim como desenvolver
sentimentos de justiça e ações de cuidado para consigo e para com os outros. Em relação às regras,
além de se manter a preocupação quanto à clareza e transparência na sua apresentação e à coerência

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das sanções, é preciso dar oportunidade para que as crianças participem do estabelecimento de regras
que irão afetar-lhes diretamente.
Na instituição coletiva, não são todas as regras que podem ser modificadas em função dos acordos
feitos entre professores e crianças. Os horários das refeições, por exemplo, assim como o uso de espaços
comuns ou mesmo horários de chegada e saída dependem de uma complexa rede que envolve
funcionários, pais e o conjunto das crianças atendidas, dificultando a sua modificação por pequenos
grupos. Esse assunto pode se transformar em interessante tema de conversa com as crianças, podendo
até, conforme o interesse que despertar, justificar a realização de um projeto de pesquisa sobre algumas
leis e regras da vida em grupo.
Todavia, há muitas regras que são passíveis de serem discutidas e reformuladas no âmbito de um
grupo específico, como, por exemplo, as que tratam das atitudes diante dos colegas, do uso de materiais,
da organização do espaço etc. Promover debates em que as crianças possam se pronunciar e exprimir
suas opiniões até que se coordenem os pontos de vista para o estabelecimento de regras comuns é um
procedimento a ser assegurado no planejamento pedagógico. Além das regras, as sanções para o caso
de descumprimento delas devem também ser tema de conversa, no qual a ponderação e mediação do
adulto tem papel fundamental.
Uma noção importante de ser trabalhada, na perspectiva de uma moral autônoma é que as sanções
devem guardar coerência com a regra transgredida, ou seja, que haja reciprocidade entre ambas. Um
exemplo de sanção por reciprocidade é a situação de um grupo de crianças que é impedido de participar
da oficina de artes por ter destruído o material que seria utilizado. Nesse mesmo exemplo, se a sanção
proposta pelo adulto fosse a proibição de ir ao parque, haveria uma relação arbitrária, em que a sanção
não está de acordo com a falta cometida.
Para que a deliberação coletiva sobre regras de convivência seja transformada em conteúdo mais
sistematizado, pode-se pensar no registro delas.

Jogos e brincadeiras
Alguns jogos e brincadeiras de parque ou quintal, envolvendo o reconhecimento do próprio corpo, o
do outro e a imitação, podem se transformar em atividades da rotina. Bons exemplos são “Siga o Mestre”
e “Seu Lobo” porque propõem a percepção e identificação de partes do corpo e a imitação de
movimentos.
Podem ser planejadas articulações com outros eixos de trabalho, como, por exemplo, pedir que as
crianças modelem parte do corpo em massa ou argila, tendo o próprio corpo ou o do outro como modelo.
Essa possibilidade pode ser aprofundada, se forem pesquisadas também obras de arte em que partes do
corpo foram retratadas ou esculpidas. É importante lembrar que neste tipo de trabalho não há
necessidade de se estabelecer uma hierarquia prévia entre as partes do corpo que serão trabalhadas.
Pensar que para a criança “é mais fácil” começar a perceber o próprio corpo pela cabeça, depois pelo
tronco e por fim pelos membros, por exemplo, pode não corresponder à sua experiência real. Nesse
sentido, o professor precisa estar bastante atento aos conhecimentos prévios das crianças acerca de si
mesmas e de sua corporeidade.
Outra orientação de atividades tem a ver com o reconhecimento dos sinais vitais e de sua alteração,
como a respiração, os batimentos cardíacos, como também de sensações de prazer ou desprazer que
qualquer atividade física pode proporcionar. Ouvir esses sinais, refletir, conversar sobre o que
acontece quando se corre, ou se rola, ou se massageia um ao outro; pedir às crianças que registrem
essas ideias utilizando desenhos ou outras linguagens pode garantir que continuem a entender e se
expressar pelo movimento de forma harmoniosa.

Cuidados pessoais
As crianças precisam ser lembradas para lavarem as mãos antes das refeições, após o uso do
banheiro, após a manipulação de terra, areia e tintas, assim como antes do preparo de atividades de
culinária. É fundamental o acesso à água, ao sabonete e à toalha. Embora já consigam lavar as mãos
sozinhas, ainda precisam de um acompanhamento do professor.
As crianças nesta idade, na maioria das vezes, estão mais independentes em relação ao controle de
suas eliminações, mas ainda precisam de ajuda e orientação para desenvolver habilidades e manter
atitudes de higiene consigo mesmas e com o ambiente, durante e após uso do sanitário. Observar o
estado de limpeza dos sanitários antes de sentarem, dar a descarga, se limpar, descartar o papel
higiênico e lavar as mãos, cuidadosamente após limpar- se são exemplos de habilidades e atitudes que
se aconselha desenvolver com as crianças. Quanto menores, mais as crianças precisam de orientação e
de ajuda dos professores e dos funcionários que estiverem próximos no momento.
Os sanitários das instituições precisam estar constantemente limpos, pois as crianças tocam no vaso

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para poderem sentar e descer e nem sempre lembram de lavar as mãos depois. É necessário prever
papel higiênico, cestos de lixo e pias de modelo e tamanho adequados às crianças e ao ambiente coletivo,
assim como prover sabonete e toalhas secas e limpas para que possam construir hábitos de higiene
pessoal.
A maioria das crianças nesta fase pode fazer suas refeições com independência. É aconselhável que
elas possam servir-se sozinhas e utilizar os talheres (garfo, faca e colher) para comer. Para tanto, pode-
se oferecer diferentes oportunidades para as crianças se servirem de acordo com as práticas sociais de
alimentação em cada região, mas sempre ampliando suas experiências. Por exemplo: servir-se em um
bufê; porções colocadas na mesa; piqueniques; pequenos lanches individuais na sala de atividades;
refeições em que são servidas por outros companheiros ou pelos educadores. Também é possível
possibilitar a participação das crianças na elaboração dos cardápios servidos na instituição.
A aprendizagem dos movimentos para uma correta escovação dos dentes e da língua, usar o fio dental,
bochechar e cuspir a água, é construída pela observação e orientação do adulto e pela própria experiência
da criança ao ter oportunidade de manusear esses materiais e a água.
É aconselhável que o educador infantil planeje atividades para que as crianças desenvolvam
habilidades e construam conhecimentos sobre os cuidados com a boca, oferecendo oportunidades
para que elas possam realizar sua própria higiene oral. É importante combinar e pedir a cooperação das
crianças, para organizarem os materiais após o uso, descartar o fio dental, fechar a torneira, conservando
seus objetos de higiene pessoal. Nas instituições de educação infantil é aconselhável estabelecer
parcerias com os familiares, pois a habilidade requerida para execução, pela criança, da técnica correta
de escovação só estará desenvolvida aproximadamente aos cinco anos de idade. Assim, as crianças
precisam que os adultos completem a escovação realizada por elas, principalmente à noite, antes de
dormir.
O medo de um professor diante do fato de que a criança pode se machucar não deve impedir os
impulsos de ação próprios da idade, que a conduzem a descobrir e exercitar suas possibilidades. Por
isso, há a necessidade de planejar o espaço, cuidar da manutenção dos brinquedos e demais materiais.
Estar próximo das crianças, amparando-as, orientando-as e sugerindo formas de lidar com desafios
corporais, tais como subir e descer de árvores e obstáculos, percorrer circuitos com dificuldades diversas,
são atitudes necessárias ao professor. Oferecer oportunidades diárias de se exercitarem ao ar livre e com
os brinquedos como escorregador, gangorra etc. valoriza a crescente capacidade psicomotora das
crianças.
Para que elas desenvolvam a confiança em suas capacidades motoras, a organização do espaço físico
deve se dar de forma a deixar ao alcance das crianças tanto materiais que as desafiem como aqueles
que lhes deem oportunidade de ter sucesso. Criar um ambiente encorajador significa favorecer a
aceitação de novos desafios.
É também função do professor auxiliar as crianças a identificarem situações de risco, tais como subir
em locais muito altos, utilizar bases pouco firmes para escalar, utilizar objetos pontiagudos ou cortantes
sem monitoração, aproximar-se de fontes de calor (fogão, forno, aquecedor, fogueira, velas etc.). Todas
as medidas de segurança recomendadas para as crianças de zero a três anos são indicadas também
para as crianças de quatro a seis anos, embora os riscos potenciais sejam outros. Nesta fase as crianças
já desenvolveram capacidade de reconhecer alguns perigos e podem aprender a se proteger, assim como
aos companheiros, embora ainda necessitem de ajuda do adulto.
Conversar com o grupo infantil sobre os acidentes que ocorrem, onde, quando e por que ocorreram e
o que podem fazer juntos para evitar que aconteçam novamente, são práticas educativas que vão
gradativamente construindo com as crianças atitudes de respeito, cuidado e proteção com sua segurança
e com a dos companheiros.
As crianças também podem aprender alguns procedimentos diante dos acidentes, como lavar com
água e sabão um ferimento e protegê-lo.

Orientações gerais para o professor

O estabelecimento de um clima de segurança, confiança, afetividade, incentivo, elogios e limites


colocados de forma sincera, clara e afetiva dão o tom de qualidade da interação entre adultos e crianças.
O professor, consciente de que o vínculo é, para a criança, fonte contínua de significações, reconhece e
valoriza a relação interpessoal.

Jogos e brincadeiras
Responder como e quando o professor deve intervir nas brincadeiras de faz de conta é,
aparentemente, contraditório com o caráter imaginativo e de linguagem independente que o brincar

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compreende. Porém, há alguns meios a que o professor pode recorrer para promover e enriquecer as
condições oferecidas para as crianças brincarem que podem ser observadas.
Para que o faz-de-conta torne-se, de fato, uma prática cotidiana entre as crianças é preciso que se
organize na sala um espaço para essa atividade, separado por uma cortina, biombo ou outro recurso
qualquer, no qual as crianças poderão se esconder, fantasiar-se, brincar, sozinhas ou em grupos, de
casinha, construir uma nave espacial ou um trem etc. Nesse espaço, pode-se deixar à disposição das
crianças panos coloridos, grandes e pequenos, grossos e finos, opacos e transparentes; cordas; caixas
de papelão para que as crianças modifiquem e atualizem suas brincadeiras em função das necessidades
de cada enredo. Nesse espaço pode ser afixado um espelho de corpo inteiro, de maneira a que as
crianças possam reconhecer-se, imitar-se, olhar-se, admirar-se. Pode-se, ainda, agregar um pequeno
baú de objetos e brinquedos úteis para o faz-de-conta, que pode ser complementado por um cabideiro
contendo roupas velhas de adultos ou fantasias. Fundamentais, também, são os materiais e acessórios
para a casinha, tais como uma pequena cama, um fogão confeccionado com uma velha caixa de
papelão, louças, utensílios variados etc. É importante, porém, que esses materiais estejam organizados
segundo uma lógica; por exemplo, que as maquiagens estejam perto do espelho e não dentro do fogão,
de maneira a facilitar as ações simbólicas das crianças.
No entanto, esse espaço poderá transformar-se em um “elefante branco” na sala, caso não seja
utilizado, arrumado e mantido diariamente por crianças e professores. Não se pode esquecer, porém, que
apesar da existência do espaço, ao brincar, as crianças se espalham e espalham brinquedos e objetos
pela sala, usam mobiliário e o espaço externo. É recomendável que isso ocorra, e, na medida em que
crescem, as crianças poderão organizar de forma mais independente seu espaço de brincar. Sempre
auxiliadas pelo professor e rearrumando o material depois de brincar, as crianças podem transformar a
sala e o significado dos objetos cotidianos enriquecendo sua imaginação.
Nesse sentido, brincar deve se constituir em atividade permanente e sua constância dependerá dos
interesses que as crianças apresentam nas diferentes faixas etárias.
Ainda com relação ao faz-de-conta, o professor poderá organizar situações nas quais as crianças
conversem sobre suas brincadeiras, lembrem-se dos papéis assumidos por si e pelos colegas, dos
materiais e brinquedos usados, assim como do enredo e da sequência de ações. Nesses momentos,
lembrar-se sobre o que, com quem e com o que brincaram poderá ajudar as crianças a organizarem seu
pensamento e emoções, criando condições para o enriquecimento do brincar. Nessas situações, podem-
se explicitar, também, as dificuldades que cada criança tem com relação a brincar, caso desejem, e a
necessidade que tem da ajuda do adulto.

Organizando um ambiente de cuidados essenciais


Uma criança saudável não é apenas aquela que tem o corpo nutrido e limpo, mas aquela que pode
utilizar e desenvolver o seu potencial biológico, emocional e cognitivo, próprio da espécie humana, em
um dado momento histórico e em dada cultura.
A promoção do crescimento e do desenvolvimento saudável das crianças na instituição educativa está
baseada no desenvolvimento de todas as atitudes e procedimentos que atendem as necessidades de
afeto, alimentação, segurança e integridade corporal e psíquica durante o período do dia em que elas
permanecem na instituição.
A saúde da criança que frequenta instituições de educação infantil revela sua singularidade como
sujeito que vive em determinada família, que por sua vez vive em um grupo social, tendo assim uma
história e necessidade de cuidados específicos. Revela, também, a qualidade de sua vida na creche ou
na pré-escola. O ambiente coletivo demanda condições ambientais e cuidados adequados ao contexto
educacional.

Proteção
Oferecer conforto, segurança física e proteger não significa cercear as oportunidades das crianças em
explorar o ambiente e em conquistar novas habilidades. Significa proporcionar ambiente seguro e
confortável, acompanhar e avaliar constantemente as capacidades das crianças, pesar os riscos e
benefícios de cada atitude e procedimento, além do ambiente.
Ao organizar um ambiente e adotar atitudes e procedimentos de cuidado com a segurança, conforto
e proteção da criança na instituição, os professores oferecem oportunidades para que ela desenvolva
atitudes e aprenda procedimentos que valorizem seu bem-estar. Tanto a creche quanto a pré-escola
precisam considerar os cuidados com a ventilação, insolação, segurança, conforto, estética e higiene do
ambiente, objetos, utensílios e brinquedos.
As cadeiras e mesas utilizadas pelas crianças, os berços e os sanitários precisam ser adequados ao
seu tamanho, confortáveis e permitir que sejam usados com independência e segurança. No berçário e

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nas salas é aconselhável prever a redução da iluminação nos locais onde os bebês e crianças pequenas
dormem, assim como prever a luminosidade adequada à exploração do ambiente e objetos, às atividades
de desenho, leitura e escrita etc.
Os tanques de areia precisam ser ensolarados, revolvidos constantemente e protegidos de animais.
Os brinquedos, tintas e lápis precisam ser seguro, tanto do ponto de vista físico quanto químico, evitando-
se aqueles que contenham pinturas ou outros materiais tóxicos.
As superfícies dos objetos e pisos precisam facilitar a manutenção da higiene e ao mesmo tempo
serem acolhedores e confortáveis, oferecendo oportunidades para os bebês e demais crianças
permanecerem livres para explorar o ambiente.
Os procedimentos de limpeza precisam ser executados por equipe treinada e com produtos
adequados4. Produtos de limpeza devem ser diluídos e aplicados de acordo com sua finalidade, sempre
seguindo as recomendações de segurança. Procedimentos de limpeza não devem ocorrer com crianças
presentes no ambiente, para evitar quedas e inalação de produtos como sabão, água sanitária5,
amoníaco e outros.
É recomendável que todos os professores reconheçam e saibam como proceder diante de crianças
com sinais de mal-estar, como febre, vômito, convulsão, sangramento nasal, ou quando ocorre um
acidente.

Alimentação
As atividades do sistema digestivo do bebê recém-nascido, como sensações de fome e saciedade,
soluço, regurgitação e cólica, ocupam boa parte do seu interesse e percepção durante o período em que
ele está acordado. Pode-se observar esse interesse pelas expressões faciais e pelos movimentos
corporais diante do seio ou da mamadeira que lhe são oferecidos. A partir de suas necessidades afetivas
e alimentares o bebê constrói e dirige seus primeiros movimentos no espaço, movimentos que podem ser
vistos em seus lábios e em suas mãos ao tentar pegar o seio ou a mamadeira.
Existem diversas linhas sobre nutrição infantil, mas todas estão de acordo que o aleitamento ao seio
é a forma mais saudável. É aconselhável que a instituição de educação infantil incentive e auxilie as mães
nessa prática, acolhendo-as, dando-lhes informações e propiciando local adequado para que possam
amamentar seu bebê se assim o desejarem e puderem. Bebês amamentados exclusivamente ao peito
têm esquemas de introdução de alimentos (sucos, frutas, papas) diferenciados daqueles que já recebem
leite de outra espécie.
Quando os bebês menores de seis meses frequentam a creche e já foram desmamados ou estão em
processo de desmame, é necessário que um profissional de saúde possa supervisionar a oferta do
substituto do leite materno.
Aconselha-se que as mamadeiras sejam oferecidas com o bebê no colo, bem recostado, o que propicia
contato corporal, troca de olhares e expressões faciais entre o adulto e a criança. Recomenda-se que
seja sempre o mesmo adulto que alimente e cuide dos bebês, pois nesta fase o vínculo é fundamental.
Nessa situação, quando há risco de longo tempo de espera dos demais bebês, é importante que se
planejem situações alternativas.
Quando o bebê demonstra interesse em mamar sozinho e apresenta condições motoras para fazê-
lo, é importante que o professor providencie um local para que ele possa apoiar-se.
Aconselha-se evitar que o bebê tome a mamadeira em posição horizontal, pois isso aumenta o risco
de acidentes por engasgo e de otites (infecções de ouvido). É preciso lembrar, porém, que esse
mesmo bebê que mama regularmente sem ajuda do adulto podem necessitar em outras ocasiões de
ser pego ao colo para mamar. Os professores precisam estar atentos às mudanças de necessidades das
crianças de acordo com seu processo de desenvolvimento e com suas disposições afetivas.
A introdução de alimentos diferentes do leite, líquidos ou pastosos, depende do esquema de
amamentação de cada criança. Aos poucos a dieta vai se modificando, de acordo com os hábitos
regionais e o desenvolvimento da criança.
Compreendendo a criança como ser ativo nesse processo, o adulto pode propiciar experiências que
possibilitem a aquisição de novas competências em relação ao ato de alimentar-se. Aos poucos, a criança
que recebia papa com ajuda do adulto começa a mostrar interesse em segurar a colher, em pegar
alimentos com os dedos e pôr na boca. É muito importante que os professores permitam que a criança
experimente os alimentos com a própria mão, pois a construção da independência é tão importante quanto
os nutrientes que ela precisa ingerir.
Crianças com necessidades educativas especiais podem necessitar de outros procedimentos e,
nesse caso, especialistas em educação especial devem ser consultados para orientarem professores e
familiares responsáveis pelos cuidados com essas crianças.

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A maioria dos bebês, ao final do primeiro ano, já pode ingerir todos os alimentos que são servidos para
as crianças maiores e para os adultos. Junto com as mudanças no cardápio ocorrem as aquisições de
aprender a usar talheres, tomar líquidos na caneca, diminuir o uso da mamadeira, partilhar das refeições
à mesa com os companheiros.
Todas essas mudanças podem acarretar uma ingestão menor do volume de alimentos. O
acompanhamento do estado de saúde da criança, da evolução do seu peso e altura, poderá dar subsídios
para os familiares e educadores se tranquilizarem ou buscarem orientação dos profissionais de saúde.
Crianças que estejam sem apetite, não acompanhando a curva de crescimento e ganho de peso
esperada para sua faixa etária, devem ser observadas de perto, para investigação de causas orgânicas
ou emocionais que podem estar se manifestando pela rejeição dos alimentos. Algumas fases do
desenvolvimento das crianças levam a uma perda de apetite ou a maiores exigências e recusas
alimentares, mas que se resolvem com a ajuda e compreensão dos educadores e com o próprio
processo de desenvolvimento.
Em torno dos dois anos, caso tenha tido oportunidade de experimentar, a criança já poderá alimentar-
se sozinha, determinar seu próprio ritmo e a quantidade de alimentos que ingere. Ela poderá necessitar
de ajuda e incentivo do adulto para que experimente novos alimentos ou para servir-se.
A oferta de alimentos nesta fase precisa ser feita em ambientes mais tranquilos, em pequenos grupos,
com acompanhamento mais próximo do professor, que propicia segurança afetiva e ajuda. Desaconselha-
se a oferta das refeições em grandes refeitórios com todos os grupos infantis presentes ao mesmo tempo.
Isso porque essa forma de organização aumenta o nível de ruído, o tempo de espera das crianças e
dispersa a atenção tanto das crianças quanto dos professores.
As instituições que atendem meio período, nas quais as crianças apenas fazem pequenos lanches
ou merenda, precisam também preocupar-se com as questões nutricionais e sempre que possível
respeitar práticas sociais e culturais de cada criança. Oferecer apenas merendas industrializadas ou
lanches compostos por salgadinhos, bolachas, balas e chocolates não atendem a necessidade do
organismo de ingerir frutas e sucos naturais.
O ato de alimentar tem como objetivo, além de fornecer nutrientes para manutenção da vida e da
saúde, proporcionar conforto ao saciar a fome, prazer ao estimular o paladar e contribui para a
socialização ao revesti-lo de rituais. Além disso é fonte de inúmeras oportunidades de aprendizagem.
Apesar da diversidade dos hábitos alimentares é possível definir uma certa regularidade nos
elementos que compõem o que os nutricionistas chamam de uma dieta adequada, ainda que as
preparações culinárias variem segundo a disponibilidade de determinados alimentos e hábitos
regionais. Do ponto de vista biológico, dieta adequada é aquela que supre as necessidades nutricionais
para manutenção da vida e saúde, e que segue algumas leis propostas pela ciência que estuda a nutrição
humana. As necessidades nutricionais de cada pessoa variam com a idade, o sexo, o peso e estatura
corporal, o metabolismo, o ambiente e o tipo de atividade que desenvolve.
O preparo e oferta de refeições em ambientes coletivos demandam técnicas específicas, incluindo
controle de qualidade permanente, tanto para prevenir contaminações e intoxicações alimentares quanto
para avaliar a qualidade do cardápio oferecido às crianças.
O planejamento, junto com as crianças, de cardápios balanceados, de cuidados com o preparo e oferta
de lanches ou outras refeições, de projetos pedagógicos que envolvam o conhecimento sobre os
alimentos, de preparações culinárias cotidianas ou que façam parte de festividades, permite que elas
aprendam sobre a função social da alimentação e as práticas culturais.
É recomendável que os professores ofereçam uma variedade de alimentos e cuidem para que a
criança experimente de tudo. O respeito às suas preferências e às suas necessidades indica que nunca
devem ser forçadas a comer, embora possam ser ajudadas por meio da oferta de alimentos atraentes,
bem preparados, oferecidos em ambientes afetivos, tranquilos e agradáveis.
Recomenda-se organizar os lanches e/ou demais refeições de forma que as crianças possam vivenciá-
las de acordo com as diversas práticas sociais em torno da alimentação, sempre permeadas pelo prazer
e pela afetividade, permitindo que as crianças conversem entre si.
Seguem algumas recomendações sobre procedimentos na organização das refeições e algumas
sugestões de atividades que visam a integração dos cuidados com a ampliação das experiências das
crianças e que podem ser desenvolvidas nos diversos grupos etários, de acordo com os interesses e
desenvolvimento infantil:
- Arrumar os ambientes onde são servidos pequenos lanches ou demais refeições de forma a permitir
a conversa e a interação entre diferentes grupos, mas, quando o número de grupos infantis forem
grandes (creches e pré-escolas com mais de cinquenta crianças), evitar oferecê-las para todos os grupos
ao mesmo tempo em grandes refeitórios;
- Permitir que as crianças sentem com quem desejarem para comer e possam conversar com seus

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companheiros;
- Servir refeições em ambientes higiênicos, confortáveis, tranquilos, bonitos e prazerosos, de
acordo com as singularidades de cada grupo etário e com as diversas práticas culturais de alimentação;
- Possibilitar às crianças oportunidades que propiciem o acesso e conhecimento sobre os diversos
alimentos, o desenvolvimento de habilidades para escolher sua alimentação, servir-se e alimentar-se
com segurança, prazer e independência.

Assim como os demais cuidados, a alimentação envolve parceria com os familiares. Bebês que estão
sendo desmamados e recebendo novos alimentos ou crianças que não fazem todas as refeições na
instituição, por exemplo, necessitam que haja um planejamento conjunto sobre suas refeições.

Cuidados com os dentes


Considerando que a primeira dentição inicia-se, em geral, no segundo semestre de vida e que estará
completa em torno dos três anos de idade, recomenda-se incluir este cuidado a partir do surgimento dos
primeiros dentes. Os dentistas recomendam a limpeza dos dentes do bebê com uma gaze enrolada no
dedo indicador do adulto responsável pelo cuidado. É importante evitar as práticas de oferecer
mamadeiras para a criança antes de ela dormir, sem a posterior limpeza dos dentes, ou mesmo o uso de
chupetas mergulhadas em mel ou açúcar para acalmar as crianças, pois isso pode provocar cáries muito
precoces.
Como a criança aprende muito pela observação e imitação é importante que ela presencie adultos e
outras crianças fazendo sua higiene bucal, ao mesmo tempo que poderão ampliar seus conhecimentos
sobre esses cuidados.
No período em que a criança está sob os cuidados da instituição educativa é possível prever uma
rotina de escovação dos dentes, visando desenvolver atitudes e construir habilidades para autocuidado
com a boca e com os dentes.

Banho
Os bebês e crianças pequenas que ainda usam fraldas e que permanecem durante muitas horas na
instituição educativa podem precisar de um banho, tanto para maior conforto como para prevenção de
assaduras e brotoejas.
Entretanto é aconselhável que o banho sirva também para relaxar, refrescar, proporcionar conforto e
prazer e preservar a integridade da pele. Os professores não devem tolher as brincadeiras e explorações
dos bebês ou crianças pequenas com medo de que se sujem.
Algumas famílias preferem dar banho em seus bebês em casa e esse desejo deve ser acolhido, desde
que respeitado o direito das crianças ao conforto, à saúde e ao bem-estar durante o período em que estão
na instituição.
No momento em que é incluído na rotina, o banho precisa ser planejado, preparado e realizado como
um procedimento que tanto promove o bem-estar quanto um momento no qual a criança experimenta
sensações, entra em contato com a água e com objetos, interage com o adulto e com as outras
crianças. A organização do banho na creche precisa prever condições materiais, como banheiras seguras
e higiênicas para bebês, água limpa em temperatura confortável, sabonete, toalhas, pentes etc. É
aconselhável que se leve em conta a idade das crianças, os hábitos regionais e as recomendações
sanitárias de prevenção de doenças por uso de objetos pessoais entre as crianças, principalmente em
vigência de infecções comunitárias. Esses objetos de uso pessoal podem ser rotulados com o nome da
criança e cuidados por elas conforme vão adquirindo capacidade para isso.
É necessário organizar o tempo de espera para o banho, oferecendo materiais, jogos e brincadeiras
em um espaço planejado para isso.
As crianças que já andam e que permanecem em pé com segurança e conforto, podem tomar banho
de chuveiro em companhia de outras, respeitando-se a necessidade de privacidade de algumas delas
e de atenção individualizada que cada uma requer. É importante prever tempo para essa atividade,
permitindo que as crianças experimentem o prazer do contato com a água, aprendam a despir-se e a
vestir-se, a ensaboar-se e enxaguar- se.
Para que a criança possa ir gradativamente aprendendo a cuidar de si, é preciso que as condições
ambientais permitam que ela possa alcançar o registro do chuveiro, a saboneteira, a toalha, o espelho
etc. Por outro lado, as condições ambientais e materiais precisam garantir a segurança das crianças e
prever o conforto dos adultos que as ajudam, para evitar quedas, choques elétricos e queimaduras com
água quente ou dores no corpo ocasionadas pelo mal posicionamento do adulto na hora de exercer as
atividades com as crianças.

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Troca de fraldas
A organização do ambiente e o planejamento dos cuidados e das atividades com o grupo de bebês
deve permitir um contato individual mais prolongado com cada criança. Enquanto executa os
procedimentos de troca, é aconselhável que o professor observe e corresponda aos sorrisos, conversas,
gestos e movimentos da criança. Para evitar que esse cuidado individualizado implique num longo tempo
de espera para as demais crianças, ou se torne uma rotina mecanizada, é importante considerar o
número de bebês sob a responsabilidade de cada professor, a localização e as condições do local de
troca e a organização do trabalho.
Os procedimentos com a higiene e proteção da pele, proporcionam bem-estar às crianças e permitem
que elas percebam a sensação de estar seca e molhada. A observação, pelo professor, da frequência
das eliminações, do aspecto do cocô e do xixi e do estado da pele da criança fornece dados sobre a
saúde e o conforto de cada criança e aponta para outros cuidados que forem necessários.
A troca de fraldas demanda ainda alguns procedimentos e condições ambientais adequados para
evitar a disseminação de micróbios entre as crianças e adultos, o que geralmente é causa de surtos de
diarreia e hepatite infecciosa nas creches. Estudos comprovam que o risco aumenta quando se
manipulam as fraldas sujas no ambiente do berçário, ou não se adotam procedimentos corretos de higiene
das mãos após esses cuidados.
O local de troca e armazenamento de fraldas sujas precisa ser bem arejado para evitar que o cheiro
característico do xixi e do cocô incomode a todos. O lixo onde são descartadas as fraldas contendo
dejetos precisa ser tampado e trocado com frequência.

Sono e repouso
O atendimento das necessidades de sono e repouso, nas diferentes etapas da vida da criança, tem
um importante papel na saúde em geral e no sistema nervoso em particular.
As necessidades e o ritmo de sono variam de indivíduo para indivíduo, mas sofrem influências do
clima, da idade, do estado de saúde e se estabelecem também em relação às demandas da vida social.
Em um espaço coletivo, prever momentos para descanso entre períodos de atividades - o que nem
sempre significa dormir - pode ser importante para crianças que necessitam descansar ou de maior
privacidade.
As crianças que chegam à instituição de madrugada muitas vezes estão sonolentas e precisam
ser logo levadas para o berço ou colchonete, e podem sentir-se mais seguras se conservam
consigo seu boneco ou travesseiro preferido, sua chupeta e/ou cobertor etc.
Os horários de sono e repouso não são definidos a priori, mas dependem de cada caso, ou de cada
tipo de atendimento. A frequência em instituições de educação infantil acaba regulando e criando uma
constância. Mas é importante que haja flexibilidade de horários e a existência de ambientes para sono ou
para atividades mais repousantes, pois as necessidades das crianças são diferentes. Desaconselha-
se manter os bebês e crianças que estão dormindo, ou desejando fazê-lo, em ambientes muito claros ou
ruidosos e recomenda-se prever brincadeiras, atividades, materiais e ambiente adequado para aqueles
que não querem dormir no mesmo horário.
Temperatura agradável, boa ventilação e penumbra, oferta de colchonetes plastificados forrados
com lençóis limpos e de uso exclusivo de cada criança (ou esteiras conforme a idade das crianças, o
clima e os hábitos regionais) também são cuidados para um sono e/ou descanso seguro e reparador.
Durante o primeiro ano de vida as crianças vão regulando suas necessidades de sono. Alguns dormem
logo que são colocados no berço, outros ficam balbuciando, outros ainda gostam de ser embalados ou
acalentados com toques e canções de ninar. Esses rituais ajudam a controlar as ansiedades e a agitação
muitas vezes desencadeadas pelo próprio cansaço. Um ambiente tranquilo e seguro, com pessoas
e objetos conhecidos, particularmente aqueles que têm um significado especial para a criança,
como um “paninho”, a chupeta ou qualquer outro objeto que traga de casa, ajudam a dormir melhor.
Embalos e canções de ninar acalmam e induzem ao sono. Alguns cuidados precisam ser providenciados
antes dos bebês e crianças pequenas dormirem, como retirar calçados, verificar se há necessidade de
troca de fraldas sujas ou molhadas, retirar objetos ou roupas que apertam, colocar o bebê de lado para
evitar acidentes no caso de regurgitar ou vomitar durante o sono.
Conforme os bebês vão crescendo e permanecendo mais tempo acordados, com maior segurança
emocional e capacidade de se locomoverem pelo espaço, é desejável que os berços sejam substituídos
por colchonetes individuais para os períodos de sono, preservando-se, entretanto, a necessidade de
privacidade, conforto e segurança física e afetiva. Muitas creches, em especial aquelas que contam com
um espaço reduzido para os bebês, lotam o único espaço que têm com berços e cercados, os quais são
necessários apenas nos períodos de sono. Com frequência, os bebês passam dias inteiros presos nesses
berços, sem oportunidades para explorar mais livremente o ambiente e interagir com as outras crianças,

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o que é desfavorável para seu desenvolvimento.
A organização do berçário, com vários cantos estruturados com colchonetes e almofadas que
promovem a livre movimentação e exploração dos bebês e sua interação com objetos e companheiros,
possibilita maior liberdade de ação e ao mesmo tempo períodos de relaxamento e acolhimento.
Para crianças maiores que frequentam instituições de período integral é aconselhável prever um
momento em que possam relaxar, com atividades mais livres e tranquilas, em que possam repor suas
energias ou terem sua necessidade de privacidade e de isolamento respeitada. Às vezes, algumas
crianças, dependendo do clima e do número de horas de sono à noite, precisam de um breve cochilo na
instituição. Para isso é necessário um local tranquilo e confortável para essas crianças descansarem,
enquanto as demais desenvolvem outras atividades.
Além de oferecer ambiente, cuidados e oportunidade para que as crianças tenham suas necessidades
atendidas, o professor pode desenvolver com os diversos grupos etários, de acordo com seu
desenvolvimento e interesse, atividades relacionadas aos momentos de sono e repouso ou projetos que
abordem a importância do descanso para os seres humanos e outras espécies. Exemplos:
- Cantar para os bebês as mesmas canções de ninar que seus pais ou parentes cantam e
gradativamente introduzir outras;
- Trocar, embalar, massagear, acalentar os bebês que desejem ou que necessitem desse cuidado
para relaxar e/ou dormir;
- Conversar sobre os medos, sonhos e fantasias associadas ao dormir;
- Desenvolver projetos de pesquisa sobre os hábitos, rituais e cuidados utilizados na família e em
outras culturas nos momentos de sono e repouso.

Organização do tempo
Atividades permanentes
Todas as atividades permanentes do grupo contribuem, de forma direta ou indireta, para a construção
da identidade e o desenvolvimento da autonomia, uma vez que são competências que perpassam todas
as vivências das crianças. Algumas delas, como a roda de conversas e o faz-de-conta, porém, constituem-
se em situações privilegiadas para a explicitação das características pessoais, para a expressão dos
sentimentos, emoções, conhecimentos, dúvidas e hipóteses quando as crianças conversam entre si e
assumem diferentes personagens nas brincadeiras.
A oferta permanente de atividades diversificadas em um mesmo tempo e espaço é uma oportunidade
de propiciar a escolha pelas crianças. Organizar, todos os dias, diferentes atividades, tais como cantos
para desenhar, para ouvir música, para pintar, para olhar livros, para modelar, para jogos de regras etc.,
auxilia o desenvolvimento da autonomia.
Uma parte significativa da autoestima advém do êxito conseguido diante de diferentes tipos de
desafios. Nesse sentido, a obtenção de êxito, por parte das crianças, na realização de algumas ações é
um ponto que merece atenção. Para que se possa garantir que as crianças tenham êxito em suas ações,
é preciso conhecer as possibilidades de cada uma e delinear um planejamento que inclua ações ao
mesmo tempo desafiadoras e possíveis de serem realizadas por elas. Dessa forma, propiciar situações
em que as crianças possam fazer algumas coisas sozinhas, ou com pouca ajuda, deixá-las descobrir
formas de resolver os problemas colocados, elogiar suas conquistas, explicitando a elas a avaliação de
como seu crescimento tem trazido novas competências são algumas ações que auxiliam nessa tarefa.
A arrumação da sala após uma atividade, é um exemplo que contém várias ações que elas podem
realizar sozinhas ou com pouca ajuda. Considerar um tempo ao final de cada atividade dedicado para a
arrumação é uma boa oportunidade para que elas possam de um lado, aprender a cooperar e perceber
que a arrumação é algo da responsabilidade de todos. De outro lado, essa atividade pode permitir que
elas percebam que são capazes de realizar ações de forma independente, como guardar materiais,
brinquedos, varrer a sala, jogar restos de papel no lixo, devolver materiais que foram tomados
emprestados de outras salas ou locais da instituição etc. É bastante provável que no início o professor
tenha de apoiar e supervisionar a ação das crianças. A arrumação gasta tempo, por isso deve ser
considerada uma atividade em si e, como tal, ser planejada. Pode ser feito um quadro em que as tarefas
de cada um no momento de arrumação são marcadas, de forma que todas as crianças saibam qual a sua
tarefa daquele dia e possam, além disso, conferir que todos irão experimentar todas as modalidades.
Outras atividades permanentes merecem um destaque pela visibilidade que oferecem às crianças de
suas próprias competências. Permitem às crianças realizar sozinhas algumas das ações para as quais
elas já têm competência e que muitas vezes, por questões de organização, são realizadas pelos adultos,
como servir o prato de comida ou cuidar de sua higiene pessoal.
Na hora da refeição, é importante deixar que as crianças sirvam-se sozinhas. Se, no início, elas terão
necessidade de alguma ajuda, em pouco tempo poderão ter a sua competência ampliada. Isso

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demanda algumas condições, tais como um tempo maior para as refeições, oferta de pratos, talheres,
travessas e jarras adequados para o tamanho e capacidade motora das crianças, arranjo do espaço que
permita mobilidade, entre outras coisas. Não se deve esquecer que a organização da instituição deve
estar a serviço da ação educativa e não o contrário.
O banho, lavar as mãos, escovar os dentes etc. são outras possibilidades de atividades permanentes
que auxiliam a independência das crianças, contribuindo para a sua auto- estima.

Sequências de atividades
A construção da identidade e a conquista da autonomia pelas crianças são processos que demandam
tempo e respeito às suas características individuais. Nessa medida, algumas atividades propostas de
forma sequenciada podem ajudá-las nesse processo. Considerando-as que são muitas as possibilidades
de trabalho que envolvem este eixo, pois estão associadas às diversas características pessoais, culturais
e sociais dos grupos de crianças, pensar nas sequências de atividades implica planejar experiências que
se organizam em etapas diferenciadas e com graus de dificuldades diversos.
Para que as crianças aprendam a comer sozinhas, por exemplo, os professores podem planejar
situações que ampliem gradativamente suas capacidades de segurar os talheres, colocar a comida na
boca etc.

Projetos
Vários projetos relacionados ao faz-de-conta podem ser desenvolvidos, tais como a construção de um
cenário para uma viagem intergaláctica; a confecção de fantasias para brincar de bumba-meu-boi;
construir castelos de reis e rainhas; cenas de histórias e contos de fadas etc. Pode-se planejar um projeto
de realização de um circo, por exemplo, com todas as crianças da instituição, envolvendo cada grupo em
função da idade e das suas capacidades. O grupo dos grandes pode definir as personagens, os meios e
os materiais a serem utilizados, assim como definirem quando e para quem será destinado. Podem,
também, confeccionar fantasias para os pequenos, para que participem de seu circo ou que criem
pequenos circos em sala.
Projetos que visem discutir a identidade cultural brasileira também são interessantes. Dada a
diversidade que constitui as manifestações culturais deste país, um projeto com esse objetivo pode tomar
diferentes rumos. Por exemplo, pode-se enfocar as danças próprias a diferentes regiões, as comidas ou
vestimentas típicas, pode-se fazer um levantamento das diferentes maneiras de se chamar um mesmo
brinquedo. Há uma infinidade de perspectivas que devem ser escolhidas em função do perfil e dos
interesses das crianças que compõem o grupo.
A realização de projetos sobre a diversidade étnica que compõe o povo brasileiro é um recurso
importante para tratar de forma mais objetiva a questão da identidade. Conhecer a história e a cultura dos
vários povos que para cá vieram é de grande valia para resgatar o valor de todas as etnias presentes no
Brasil, o que pode ajudar a diluir as manifestações de preconceito, alargando a visão de mundo dos
elementos do grupo.
Para que se trabalhe de forma mais completa o sentimento de ser brasileiro e a identidade nacional,
pode ser interessante também percorrer realidades mais distantes, de outros países, de outros povos.
Por exemplo, ao se pesquisar os costumes e a geografia de civilizações distantes da moderna, são
oferecidos parâmetros para que as crianças tenham mais consciência desses elementos presentes na
sua cidade ou região.
A diversidade de crença religiosa, traço presente na sociedade brasileira, pode também ser tema de
projetos. Comumente essa diversidade está presente nas famílias que seguem diversas religiões ou
nenhuma.

Observação, registro e avaliação formativa


A observação das formas de expressão das crianças, de suas capacidades de concentração e
envolvimento nas atividades, de satisfação com sua própria produção e com suas pequenas conquistas
é um instrumento de acompanhamento do trabalho que poderá ajudar na avaliação e no replanejamento
da ação educativa.
No que se refere à avaliação formativa, deve-se ter em conta que não se trata de avaliar a criança,
mas sim as situações de aprendizagem que foram oferecidas. Isso significa dizer que a expectativa em
relação à aprendizagem da criança deve estar sempre vinculada às oportunidades e experiências que
foram oferecidas a ela. Assim, pode-se esperar, por exemplo, que a criança identifique seus colegas
pelo nome apenas se foi dado a ela oportunidade para que pudesse conhecer o nome de todos e pudesse
perceber que isso, além de ser algo importante e valorizado, tem uma função real.
No que se refere à formação da identidade e ao desenvolvimento progressivo da independência e

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autonomia, são apontadas aqui aprendizagens prioritárias para crianças até os três anos de idade:
reconhecer o próprio nome, o nome de algumas crianças de seu grupo e dos adultos responsáveis por
ele e valorizar algumas de suas conquistas pessoais.
Para que a criança possa compreender seu próprio nome e o das outras pessoas como uma forma de
identificação, é necessário que os adultos e as outras crianças utilizem o nome próprio de cada um com
esse fim. Assim, chamar as crianças sempre pelo nome e facilitar que elas se chamem, entre si, pelo
nome próprio sempre que isso for desejável, em vez de apelidos depreciativos ou pronomes que diluem
a identidade, como “ele” ou “ela”, bem como utilizar o nome para identificar pertences pessoais, são
algumas das condições necessárias para que essa aprendizagem ocorra. Da mesma forma, é importante
que as crianças saibam o nome do professor.
A valorização das suas conquistas pessoais, sejam elas comer sem ajuda, conhecer o nome de todos,
cantar uma música, fazer um desenho etc. pode ser uma atitude esperada das crianças desde que tenha
havido condições para que elas próprias avaliem de forma positiva suas ações e, da mesma forma,
recebam uma avaliação positiva delas. O professor pode ajudar as crianças a perceberem seu
desenvolvimento e promover situações que favoreçam satisfazer-se com suas ações. Uma expressão de
aprovação diante de novas conquistas é uma das ações que pode ajudar as crianças a valorizarem suas
conquistas. Uma conversa mostrando-lhes como faziam “antes” e como já conseguem fazer “agora” se
configura num momento importante de avaliação para as crianças.
A partir dos três e até os seis anos, pode-se esperar que as crianças manifestem suas preferências,
seus desejos e desagrados, que demonstrem o desejo de independência em relação aos adultos no que
se refere às ações cotidianas.
Para que as crianças possam manifestar suas preferências, seus desejos e desagrados é necessário
que elas percebam que tais manifestações são recebidas e levadas em consideração. Uma criança
que percebe que suas colocações, sejam elas expressas verbalmente ou de outra forma, são
desconsideradas, tende a desistir de fazê-lo e acreditar que suas tentativas são inócuas. Isso não significa
dizer que todas as queixas e desejos das crianças devam ser satisfeitos, mas sim que devem ser ouvidos
e sempre respondidos. Se não há possibilidade de atendê-los, é uma boa atitude deixar isso claro para a
criança e explicitar a razão da negativa.
Para que as crianças possam se tornar cada vez mais independentes do adulto, é necessário que elas
tenham tido a chance de comprovar que são capazes. Isso pode ser facilitado tanto por meio de
experiências concretas, em que elas experimentam agir sem ajuda, como também por meio de estímulos
diante das tentativas feitas. Algumas constatações que parecem óbvias aos adultos - como dizer “você já
está conseguindo amarrar os cadarços do seu sapato sozinho” - para as crianças muitas vezes possuem
uma importância grande, pois representam uma avaliação sobre sua competência, confirmando- lhes sua
independência e reforçando sua autoestima. Uma vez que tenham tido a possibilidade de arriscar e
experimentar sua capacidade de realizar ações sem ajuda, pode- se, então, esperar que elas manifestem
cada vez mais o desejo de ser independentes do adulto.
Ainda no que se refere à observação das crianças, algumas de suas manifestações podem sinalizar
desconforto, e devem ser compreendidas e considerados pelo professor no planejamento de suas ações.
O choro infantil é uma delas. Na relação com cada criança, o professor vai percebendo o significado
do choro em cada situação, atendendo a criança quando ela sinalizar alguma necessidade que, para ser
suprida, requer a mediação do adulto. Dependendo de sua intensidade, o choro pode, mais do que
mobilizar, irritar o adulto, deixando-o num estado de tensão que acaba por dificultar o encaminhamento
da situação. O esforço para compreender as necessidades expressas pelas crianças, bem como suas
reações, auxilia o professor a manter a calma necessária para encontrar formas de resolver a situação.
Destacam-se, ainda, duas situações relacionadas ao processo de construção da identidade que
merecem atenção especial do professor e de outros profissionais da instituição, por estarem
relacionadas diretamente com a autoestima.
Uma delas refere-se a algumas crianças que podem manifestar falta de confiança em si próprias ou
exibir atitudes de autodesvalorização. Para o planejamento das ações a serem realizadas, será
necessária uma observação cuidadosa das crianças em questão, buscando compreender as situações
que contribuem para esse sentimento. A valorização de suas competências e características positivas é
uma orientação que pode ser útil para que se reverta esse quadro.
A outra diz respeito a manifestações de preconceitos e discriminações dirigidas a algumas crianças.
Essas situações devem ser alvo de reflexão dos educadores para que avaliem sua prática e a da
instituição. Além do diálogo, pode-se planejar a realização de projetos específicos, em que a questão-
alvo de preconceito seja trabalhada com as crianças.
Para que as observações não se percam e possam ser utilizadas como instrumento de trabalho, é
necessário que sejam registradas.

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Questões

01. De acordo com o RCN da Educação Infantil, volume 02, é incorreto afirmar que as instituições de
Educação infantil devem criar um ambiente de acolhimento que dê segurança e confiança às crianças de
zero a três anos, garantindo assim oportunidades para que sejam capazes de:
(A) Experimentar e utilizar os recursos de que dispõem para a satisfação de suas necessidades
essenciais, expressando seus desejos, sentimentos, vontades e desagrados, e agindo com progressiva
autonomia;
(B) Familiarizar-se com a imagem do próprio corpo, conhecendo progressivamente seus limites, sua
unidade e as sensações que ele produz;
(C) Interessar-se progressivamente pelo cuidado com o próprio corpo, executando ações simples
relacionadas à saúde e higiene;
(D) Alfabetizar;
(E) Relacionar-se progressivamente com mais crianças, com seus professores e com demais
profissionais da instituição, demonstrando suas necessidades e interesses.

02. É correto afirmar que: “Os bebês e crianças pequenas que ainda usam fraldas e que permanecem
durante muitas horas na instituição educativa podem precisar de um banho, tanto para maior conforto
como para prevenção de assaduras e brotoejas. Entretanto é aconselhável que o banho sirva apenas
para a sua higiene”.
( ) Verdadeiro ( ) Falso

03. Em relação aos cuidados com os dentes, o RCN da Educação Infantil - volume 02, diz: “É
importante evitar as práticas de oferecer mamadeiras para a criança antes de ela dormir, sem a posterior
limpeza dos dentes, ou mesmo o uso de chupetas mergulhadas em mel ou açúcar para acalmar as
crianças, pois isso pode provocar cáries muito precoces.”
( ) Verdadeiro ( ) Falso

Gabarito

01.D / 02.Falso / 03.Verdadeiro

Comentários

01. Resposta: D
O RCN da Educação infantil não prevê que os ambientes de acolhimento de crianças de zero a três
anos tenha a finalidade de alfabetização.

02. Resposta: Falso


Os bebês e crianças pequenas que ainda usam fraldas e que permanecem durante muitas horas na
instituição educativa podem precisar de um banho, para o seu conforto e higiene, entretanto, é
aconselhável que o banho também sirva para relaxar, refrescar, proporcionar conforto e prazer e
preservar a integridade da pele.

03. Resposta: Verdadeiro


Assim como os adultos, os bebês e as crianças necessitam de uma escovação diária em seus dentes.
Considerando que a primeira dentição inicia-se, em geral, no segundo semestre de vida e que estará
completa em torno dos três anos de idade, recomenda-se incluir este cuidado a partir do surgimento dos
primeiros dentes. Os dentistas recomendam a limpeza dos dentes do bebê com uma gaze enrolada no
dedo indicador do adulto responsável pelo cuidado, ficam assim protegidas de cáries muito precoces.

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
MEC – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Referencial curricular nacional para a
educação infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. v.3

REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL


CONHECIMENTO DE MUNDO
VOLUME 3
18
Movimento - Introdução

O movimento é uma importante dimensão do desenvolvimento e da cultura humana. As crianças se


movimentam desde que nascem adquirindo cada vez maior controle sobre seu próprio corpo e se
apropriando cada vez mais das possibilidades de interação com o mundo. Engatinham, caminham,
manuseiam objetos, correm, saltam, brincam sozinhas ou em grupo, com objetos ou brinquedos,
experimentando sempre novas maneiras de utilizar seu corpo e seu movimento. Ao movimentarem-se,
as crianças expressam sentimentos, emoções e pensamentos, ampliando as possibilidades do uso
significativo de gestos e posturas corporais. O movimento humano, portanto, é mais do que simples
deslocamento do corpo no espaço: constitui-se em uma linguagem que permite às crianças agirem sobre
o meio físico e atuarem sobre o ambiente humano, mobilizando as pessoas por meio de seu teor
expressivo.
As maneiras de andar, correr, arremessar, saltar resultam das interações sociais e da relação dos
homens com o meio; são movimentos cujos significados têm sido construídos em função das diferentes
necessidades, interesses e possibilidades corporais humanas presentes nas diferentes culturas em
diversas épocas da história. Esses movimentos incorporam-se aos comportamentos dos homens,
constituindo-se assim numa cultura corporal. Dessa forma, diferentes manifestações dessa linguagem
foram surgindo, como a dança, o jogo, as brincadeiras, as práticas esportivas etc., nas quais se faz uso
de diferentes gestos, posturas e expressões corporais com intencionalidade.
Ao brincar, jogar, imitar e criar ritmos e movimentos, as crianças também se apropriam do repertório
da cultura corporal na qual estão inseridas. Nesse sentido, as instituições de educação infantil devem
favorecer um ambiente físico e social onde as crianças se sintam protegidas e acolhidas, e ao mesmo
tempo seguras para se arriscar e vencer desafios. Quanto mais rico e desafiador for esse ambiente, mais
ele lhes possibilitará a ampliação de conhecimentos acerca de si mesmas, dos outros e do meio em que
vivem.
O trabalho com movimento contempla a multiplicidade de funções e manifestações do ato motor,
propiciando um amplo desenvolvimento de aspectos específicos da motricidade das crianças,
abrangendo uma reflexão acerca das posturas corporais implicadas nas atividades cotidianas, bem como
atividades voltadas para a ampliação da cultura corporal de cada criança.

Presença do movimento na educação infantil: ideias e práticas correntes

A diversidade de práticas pedagógicas que caracterizam o universo da educação infantil reflete


diferentes concepções quanto ao sentido e funções atribuídas ao movimento no cotidiano das creches,
pré-escolas e instituições afins.
É muito comum que, visando garantir uma atmosfera de ordem e de harmonia, algumas práticas
educativas procurem simplesmente suprimir o movimento, impondo às crianças de diferentes idades
rígidas restrições posturais. Isso se traduz, por exemplo, na imposição de longos momentos de espera -
em fila ou sentada - em que a criança deve ficar quieta, sem se mover; ou na realização de atividades
mais sistematizadas, como de desenho, escrita ou leitura, em que qualquer deslocamento, gesto ou
mudança de posição pode ser visto como desordem ou indisciplina. Até junto aos bebês essa prática
pode se fazer presente, quando, por exemplo, são mantidos no berço ou em espaços cujas limitações os
impedem de expressar-se ou explorar seus recursos motores.
Além do objetivo disciplinar apontado, a permanente exigência de contenção motora pode estar
baseada na ideia de que o movimento impede a concentração e a atenção da criança, ou seja, que as
manifestações motoras atrapalham a aprendizagem. Todavia, a julgar pelo papel que os gestos e as
posturas desempenham junto à percepção e à representação, conclui-se que, ao contrário, é a

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Brasil. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil / Ministério da
Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume3.pdf

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
impossibilidade de mover-se ou de gesticular que pode dificultar o pensamento e a manutenção da
atenção.
Em linhas gerais, as consequências dessa rigidez podem apontar tanto para o desenvolvimento de
uma atitude de passividade nas crianças como para a instalação de um clima de hostilidade, em que o
professor tenta, a todo custo, conter e controlar as manifestações motoras infantis. No caso em que as
crianças, apesar das restrições, mantêm o vigor de sua gestualidade, podem ser frequentes situações em
que elas percam completamente o controle sobre o corpo, devido ao cansaço provocado pelo esforço de
contenção que lhes é exigido.
Outras práticas, apesar de também visarem ao silêncio e à contenção de que dependeriam a ordem e
a disciplina, lançam mão de outros recursos didáticos, propondo, por exemplo, sequências de exercícios
ou de deslocamentos em que a criança deve mexer seu corpo, mas desde que em estrita conformidade
a determinadas orientações. Ou ainda reservando curtos intervalos em que a criança é solicitada a se
mexer, para dispender sua energia física. Essas práticas, ao permitirem certa mobilidade às crianças,
podem até ser eficazes do ponto de vista da manutenção da “ordem”, mas limitam as possibilidades de
expressão da criança e tolhem suas iniciativas próprias, ao enquadrar os gestos e deslocamentos a
modelos predeterminados ou a momentos específicos.
No berçário, um exemplo típico dessas práticas são as sessões de estimulação individual de bebês,
que com frequência são precedidas por longos períodos de confinamento ao berço. Nessas atividades, o
professor manipula o corpo do bebê, esticando e encolhendo seus membros, fazendo-os descer ou subir
de colchonetes ou almofadas, ou fazendo-os sentar durante um tempo determinado. A forma mecânica
pela qual são feitas as manipulações, além de desperdiçarem o rico potencial de troca afetiva que trazem
esses momentos de interação corporal, deixam a criança numa atitude de passividade, desvalorizando
as descobertas e os desafios que ela poderia encontrar de forma mais natural, em outras situações.
O movimento para a criança pequena significa muito mais do que mexer partes do corpo ou deslocar-
se no espaço. A criança se expressa e se comunica por meio dos gestos e das mímicas faciais e interage
utilizando fortemente o apoio do corpo. A dimensão corporal integra-se ao conjunto da atividade da
criança. O ato motor faz-se presente em suas funções expressiva, instrumental ou de sustentação às
posturas e aos gestos. Quanto menor a criança, mais ela precisa de adultos que interpretem o significado
de seus movimentos e expressões, auxiliando-a na satisfação de suas necessidades. À medida que a
criança cresce, o desenvolvimento de novas capacidades possibilita que ela atue de maneira cada vez
mais independente sobre o mundo à sua volta, ganhando maior autonomia em relação aos adultos.
Pode-se dizer que no início do desenvolvimento predomina a dimensão subjetiva da motricidade, que
encontra sua eficácia e sentido principalmente na interação com o meio social, junto às pessoas com
quem a criança interage diretamente. É somente aos poucos que se desenvolve a dimensão objetiva do
movimento, que corresponde às competências instrumentais para agir sobre o espaço e meio físico.
O bebê que se mexe descontroladamente ou que faz caretas provocadas por desconfortos terá na
mãe e nos adultos responsáveis por seu cuidado e educação parceiros fundamentais para a descoberta
dos significados desses movimentos. Aos poucos, esses adultos saberão que determinado torcer de
corpo significa que o bebê está, por exemplo, com cólica, ou que determinado choro pode ser de fome.
Assim, a primeira função do ato motor está ligada à expressão, permitindo que desejos, estados íntimos
e necessidades se manifestem.
Mas é importante lembrar que a função expressiva não é exclusiva do bebê. Ela continua presente
mesmo com o desenvolvimento das possibilidades instrumentais do ato motor. É frequente, por exemplo,
a brincadeira de luta entre crianças de cinco ou seis anos, situação em que se pode constatar o papel
expressivo dos movimentos, já que essa brincadeira envolve intensa troca afetiva.
A externalização de sentimentos, emoções e estados íntimos poderão encontrar na expressividade do
corpo um recurso privilegiado. Mesmo entre adultos isso aparece frequentemente em conversas, em que
a expressão facial pode deixar transparecer sentimentos como desconfiança, medo ou ansiedade,
indicando muitas vezes algo oposto ao que se está falando. Outro exemplo é como os gestos podem ser
utilizados intensamente para pontuar a fala, por meio de movimentos das mãos e do corpo.
Cada cultura possui seu jeito próprio de preservar esses recursos expressivos do movimento, havendo
variações na importância dada às expressões faciais, aos gestos e às posturas corporais, bem como nos
significados atribuídos a eles.
É muito grande a influência que a cultura tem sobre o desenvolvimento da motricidade infantil, não só
pelos diferentes significados que cada grupo atribui a gestos e expressões faciais, como também pelos
diferentes movimentos aprendidos no manuseio de objetos específicos presentes na atividade cotidiana,
como pás, lápis, bolas de gude, corda, estilingue etc.

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
Os jogos, as brincadeiras, a dança e as práticas esportivas revelam, por seu lado, a cultura corporal
de cada grupo social, constituindo-se em atividades privilegiadas nas quais o movimento é aprendido e
significado.
Dado o alcance que a questão motora assume na atividade da criança, é muito importante que, ao
lado das situações planejadas especialmente para trabalhar o movimento em suas várias dimensões, a
instituição reflita sobre o espaço dado ao movimento em todos os momentos da rotina diária, incorporando
os diferentes significados que lhe são atribuídos pelos familiares e pela comunidade.
Nesse sentido, é importante que o trabalho incorpore a expressividade e a mobilidade próprias às
crianças. Assim, um grupo disciplinado não é aquele em que todos se mantêm quietos e calados, mas
sim um grupo em que os vários elementos se encontram envolvidos e mobilizados pelas atividades
propostas. Os deslocamentos, as conversas e as brincadeiras resultantes desse envolvimento não podem
ser entendidos como dispersão ou desordem, e sim como uma manifestação natural das crianças.
Compreender o caráter lúdico e expressivo das manifestações da motricidade infantil poderá ajudar o
professor a organizar melhor a sua prática, levando em conta as necessidades das crianças.

A criança e o movimento

O primeiro ano de vida


Nessa fase, predomina a dimensão subjetiva do movimento, pois são as emoções o canal privilegiado
de interação do bebê com o adulto e mesmo com outras crianças. O diálogo afetivo que se estabelece
com o adulto, caracterizado pelo toque corporal, pelas modulações da voz, por expressões cada vez mais
cheias de sentido, constitui-se em espaço privilegiado de aprendizagem. A criança imita o parceiro e cria
suas próprias reações: balança o corpo, bate palmas, vira ou levanta a cabeça etc.
Ao lado dessas capacidades expressivas, o bebê realiza importantes conquistas no plano da
sustentação do próprio corpo, representadas em ações como virar-se, rolar, sentar-se etc. Essas
conquistas antecedem e preparam o aprendizado da locomoção, o que amplia muito a possibilidade de
ação independente. É bom lembrar que, antes de aprender a andar, as crianças podem desenvolver
formas alternativas de locomoção, como arrastar-se ou engatinhar.
Ao observar um bebê, pode-se constatar que é grande o tempo que ele dedica à explorações do próprio
corpo - fica olhando as mãos paradas ou mexendo-as diante dos olhos, pega os pés e diverte-se em
mantê-los sob o controle das mãos - como que descobrindo aquilo que faz parte do seu corpo e o que
vem do mundo exterior. Pode-se também notar o interesse com que investiga os efeitos dos próprios
gestos sobre os objetos do mundo exterior, por exemplo, puxando várias vezes a corda de um brinquedo
que emite um som, ou tentando alcançar com as mãos o móbile pendurado sobre o berço, ou seja,
repetindo seus atos buscando testar o resultado que produzem.
Essas ações exploratórias permitem que o bebê descubra os limites e a unidade do próprio corpo,
conquistas importantes no plano da consciência corporal. As ações em que procura descobrir o efeito de
seus gestos sobre os objetos propiciam a coordenação sensório motora, a partir de quando seus atos se
tornam instrumentos para atingir fins situados no mundo exterior. Do ponto de vista das relações com o
objeto, a grande conquista do primeiro ano de vida é o gesto de preensão, o qual se constitui em recurso
com múltiplas possibilidades de aplicação.
Aquisições como a preensão e a locomoção representam importantes conquistas no plano da
motricidade objetiva. Consolidando-se como instrumentos de ação sobre o mundo, aprimoram-se
conforme as oportunidades que se oferecem à criança de explorar o espaço, manipular objetos, realizar
atividades diversificadas e desafiadoras.
É curioso lembrar que a aceitação da importância da corporeidade para o bebê é relativamente recente,
pois até bem pouco tempo prescrevia-se que ele fosse conservado numa espécie de estado de “crisálida”
durante vários meses, envolvido em cueiros e faixas que o confinavam a uma única posição, tolhendo
completamente seus movimentos espontâneos. Certamente esse hábito traduzia um cuidado, uma
preocupação com a possibilidade de o bebê se machucar ao fazer movimentos para os quais sua ossatura
e musculatura não estivessem, ainda, preparadas. Por outro lado, ao proteger o bebê dessa forma, se
estava impedindo sua movimentação. Não tendo como interagir com o mundo físico e tendo menos
possibilidades de interagir com o mundo social, era mais difícil expressar-se e desenvolver as habilidades
necessárias para uma relação mais independente com o ambiente.

Crianças de um a três anos


Logo que aprende a andar, a criança parece tão encantada com sua nova capacidade que se diverte
em locomover-se de um lado para outro, sem uma finalidade específica. O exercício dessa capacidade,

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
somado ao progressivo amadurecimento do sistema nervoso, propicia o aperfeiçoamento do andar, que
se torna cada vez mais seguro e estável, desdobrando-se nos atos de correr, pular e suas variantes.
A grande independência que andar propicia na exploração do espaço é acompanhada também por
uma maior disponibilidade das mãos: a criança dessa idade é aquela que não para, mexe em tudo,
explora, pesquisa.
Ao mesmo tempo em que explora, aprende gradualmente a adequar seus gestos e movimentos às
suas intenções e às demandas da realidade. Gestos como o de segurar uma colher para comer ou uma
xícara para beber e o de pegar um lápis para marcar um papel, embora ainda não muito seguros, são
exemplos dos progressos no plano da gestualidade instrumental. O fato de manipular objetos que tenham
um uso cultural bem definido não significa que a manipulação se restrinja a esse uso, já que o caráter
expressivo do movimento ainda predomina. Assim, se a criança dessa idade pode pegar uma xícara para
beber água, pode também pegá-la simplesmente para brincar, explorando as várias possibilidades de seu
gesto.
Outro aspecto da dimensão expressiva do ato motor é o desenvolvimento dos gestos simbólicos, tanto
aqueles ligados ao faz-de-conta quanto os que possuem uma função indicativa, como apontar, dar tchau
etc. No faz-de-conta pode-se observar situações em que as crianças revivem uma cena recorrendo
somente aos seus gestos, por exemplo, quando, colocando os braços na posição de ninar, os balançam,
fazendo de conta que estão embalando uma boneca. Nesse tipo de situação, a imitação desempenha um
importante papel.
No plano da consciência corporal, nessa idade a criança começa a reconhecer a imagem de seu corpo,
o que ocorre principalmente por meio das interações sociais que estabelece e das brincadeiras que faz
diante do espelho. Nessas situações, ela aprende a reconhecer as características físicas que integram a
sua pessoa, o que é fundamental para a construção de sua identidade.

Crianças de quatro a seis anos


Nessa faixa etária constata-se uma ampliação do repertório de gestos instrumentais, os quais contam
com progressiva precisão. Atos que exigem coordenação de vários segmentos motores e o ajuste a
objetos específicos, como recortar, colar, encaixar pequenas peças etc., sofisticam-se. Ao lado disso,
permanece a tendência lúdica da motricidade, sendo muito comum que as crianças, durante a realização
de uma atividade, desviem a direção de seu gesto; é o caso, por exemplo, da criança que está recortando
e que de repente põe-se a brincar com a tesoura, transformando-a num avião, numa espada etc.
Gradativamente, o movimento começa a submeter-se ao controle voluntário, o que se reflete na
capacidade de planejar e antecipar ações - ou seja, de pensar antes de agir - e no desenvolvimento
crescente de recursos de contenção motora. A possibilidade de planejar seu próprio movimento mostra-
se presente, por exemplo, nas conversas entre crianças em que uma narra para a outra o que e como
fará para realizar determinada ação: “Eu vou lá, vou pular assim e vou pegar tal coisa...”.
Os recursos de contenção motora, por sua vez, se traduzem no aumento do tempo que a criança
consegue manter-se numa mesma posição. Vale destacar o enorme esforço que tal aprendizado exige
da criança, já que, quando o corpo está parado, ocorre intensa atividade muscular para mantê-lo na
mesma postura. Do ponto de vista da atividade muscular, os recursos de expressividade correspondem
a variações do tônus (grau de tensão do músculo), que respondem também pelo equilíbrio e sustentação
das posturas corporais.
O maior controle sobre a própria ação resulta em diminuição da impulsividade motora que predominava
nos bebês.
É grande o volume de jogos e brincadeiras encontradas nas diversas culturas que envolvem complexas
sequências motoras para serem reproduzidas, propiciando conquistas no plano da coordenação e
precisão do movimento.
As práticas culturais predominantes e as possibilidades de exploração oferecidas pelo meio no qual a
criança vive permitem que ela desenvolva capacidades e construa repertórios próprios. Por exemplo, uma
criança criada num bairro em que o futebol é uma prática comum poderá interessar-se pelo esporte e
aprender a jogar desde cedo. Uma criança que vive à beira de um rio utilizado, por exemplo, como forma
de lazer pela comunidade provavelmente aprenderá a nadar sem que seja preciso entrar numa escola de
natação, como pode ser o caso de uma criança de ambiente urbano. Habilidades de subir em árvores,
escalar alturas, pular distâncias, certamente serão mais fáceis para crianças criadas em locais próximos
à natureza, ou que tenham acesso a parques ou praças.
As brincadeiras que compõem o repertório infantil e que variam conforme a cultura regional
apresentam-se como oportunidades privilegiadas para desenvolver habilidades no plano motor, como
empinar pipas, jogar bolinhas de gude, atirar com estilingue, pular amarelinha etc.

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Objetivos

Crianças de zero a três anos


A prática educativa deve se organizar de forma a que as crianças desenvolvam as seguintes
capacidades:
- familiarizar-se com a imagem do próprio corpo;
- explorar as possibilidades de gestos e ritmos corporais para expressar-se nas brincadeiras e nas
demais situações de interação;
- deslocar-se com destreza progressiva no espaço ao andar, correr, pular etc., desenvolvendo atitude
de confiança nas próprias capacidades motoras;
- explorar e utilizar os movimentos de preensão, encaixe, lançamento etc., para o uso de objetos
diversos.

Crianças de quatro a seis anos


Para esta fase, os objetivos estabelecidos para a faixa etária de zero a três anos deverão ser
aprofundados e ampliados, garantindo-se, ainda, oportunidades para que as crianças sejam capazes de:
- ampliar as possibilidades expressivas do próprio movimento, utilizando gestos diversos e o ritmo
corporal nas suas brincadeiras, danças, jogos e demais situações de interação;
- explorar diferentes qualidades e dinâmicas do movimento, como força, velocidade, resistência e
flexibilidade, conhecendo gradativamente os limites e as potencialidades de seu corpo;
- controlar gradualmente o próprio movimento, aperfeiçoando seus recursos de deslocamento e
ajustando suas habilidades motoras para utilização em jogos, brincadeiras, danças e demais situações;
- utilizar os movimentos de preensão, encaixe, lançamento etc., para ampliar suas possibilidades de
manuseio dos diferentes materiais e objetos;
- apropriar-se progressivamente da imagem global de seu corpo, conhecendo e identificando seus
segmentos e elementos e desenvolvendo cada vez mais uma atitude de interesse e cuidado com o próprio
corpo.

Conteúdos

A organização dos conteúdos para o trabalho com movimento deverá respeitar as diferentes
capacidades das crianças em cada faixa etária, bem como as diversas culturas corporais presentes nas
muitas regiões do país.
Os conteúdos deverão priorizar o desenvolvimento das capacidades expressivas e instrumentais do
movimento, possibilitando a apropriação corporal pelas crianças de forma que possam agir com cada vez
mais intencionalidade. Devem ser organizados num processo contínuo e integrado que envolve múltiplas
experiências corporais, possíveis de serem realizadas pela criança sozinha ou em situações de interação.
Os diferentes espaços e materiais, os diversos repertórios de cultura corporal expressos em brincadeiras,
jogos, danças, atividades esportivas e outras práticas sociais são algumas das condições necessárias
para que esse processo ocorra.
Os conteúdos estão organizados em dois blocos. O primeiro refere-se às possibilidades expressivas
do movimento e o segundo ao seu caráter instrumental.

Expressividade
A dimensão subjetiva do movimento deve ser contemplada e acolhida em todas as situações do dia-
a-dia na instituição de educação infantil, possibilitando que as crianças utilizem gestos, posturas e ritmos
para se expressar e se comunicar. Além disso, é possível criar, intencionalmente, oportunidades para que
as crianças se apropriem dos significados expressivos do movimento.
A dimensão expressiva do movimento engloba tanto as expressões e comunicação de ideias,
sensações e sentimentos pessoais como as manifestações corporais que estão relacionadas com a
cultura. A dança é uma das manifestações da cultura corporal dos diferentes grupos sociais que está
intimamente associada ao desenvolvimento das capacidades expressivas das crianças. A aprendizagem
da dança pelas crianças, porém, não pode estar determinada pela marcação e definição de coreografias
pelos adultos.

Crianças de zero a três anos


- Reconhecimento progressivo de segmentos e elementos do próprio corpo por meio da exploração,
das brincadeiras, do uso do espelho e da interação com os outros.
- Expressão de sensações e ritmos corporais por meio de gestos, posturas e da linguagem oral.

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Orientações didáticas
Atividades como o banho e a massagem são oportunidades privilegiadas de explorar o próprio corpo,
assim como de experimentar diferentes sensações, inclusive junto com outras crianças.
Brincadeiras que envolvam o canto e o movimento, simultaneamente, possibilitam a percepção rítmica,
a identificação de segmentos do corpo e o contato físico. A cultura popular infantil é uma riquíssima fonte
na qual se podem buscar cantigas e brincadeiras de cunho afetivo nas quais o contato corporal é o seu
principal conteúdo, como no seguinte exemplo: “Conheço um jacaré, que gosta de comer. Esconda a sua
perna, senão o jacaré come sua perna e o seu dedão do pé”. Os jogos e brincadeiras que envolvem as
modulações de voz, as melodias e a percepção rítmica - tão características das canções de ninar,
associadas ao ato de embalar, e aos brincos, brincadeiras ritmadas que combinam gestos e música -
podem fazer parte de sequências de atividades. Essas brincadeiras, ao propiciar o contato corporal da
criança com o adulto, auxiliam o desenvolvimento de suas capacidades expressivas. Um exemplo é a
variante brasileira de um brinco de origem portuguesa no qual o adulto segura a criança em pé ou sentada
em seu colo e imita o movimento do serrador enquanto canta: “Serra, serra, serrador, Serra o papo do
vovô. Serra um, serra dois, serra três, serra quatro, serra cinco, serra seis, serra sete, serra oito, serra
nove, serra dez! ”.
É importante que nos berçários e em cada sala haja um espelho grande o suficiente para permitir que
várias crianças possam se ver refletidas ao mesmo tempo, oferecendo a elas a possibilidade de vivenciar
e compartilhar descobertas fundamentais. O espelho deve estar situado de forma a permitir a visão do
corpo inteiro, ao lado do qual poderão ser colocados colchonetes, tapetes, almofadas, brinquedos
variados etc. Alguns materiais, em contato com o corpo da criança, podem proporcionar experiências
significativas no que diz respeito à sensibilidade corporal. As características físicas de fluidez, textura,
temperatura e plasticidade da terra, da areia e da água propiciam atividades sensíveis interessantes,
como o banho de esguicho, construir castelos com areia, fazer bolo de lama etc. Outra sugestão é o uso
de tecidos de diferentes texturas e pesos, ou materiais de temperaturas diferentes, em brincadeiras
prazerosas como esconder sob um pano grosso; fazer cabanas; túneis e labirintos construídos com filó
etc.
As mímicas faciais e gestos possuem um papel importante na expressão de sentimentos e em sua
comunicação. É importante que a criança dessa faixa etária conheça suas próprias capacidades
expressivas e aprenda progressivamente a identificar as expressões dos outros, ampliando sua
comunicação. Brincar de fazer caretas ou de imitar bichos propicia a descoberta das possibilidades
expressiva de si própria e dos outros. Participar de brincadeiras de roda ou de danças circulares, como
“A Galinha do Vizinho” ou “Ciranda, Cirandinha”, favorecem o desenvolvimento da noção de ritmo
individual e coletivo, introduzindo as crianças em movimentos inerentes à dança.
Brincadeiras tradicionais como “A Linda Rosa Juvenil”, na qual a cada verso corresponde um gesto,
proporcionam também a oportunidade de descobrir e explorar movimentos ajustados a um ritmo,
conservando fortemente a possibilidade de expressar emoções.
O professor precisa cuidar de sua expressão e posturas corporais ao se relacionar com as crianças.
Não deve esquecer que seu corpo é um veículo expressivo, valorizando e adequando os próprios gestos,
mímicas e movimentos na comunicação com as crianças, como quando as acolhe no seu colo, oferece
alimentos ou as tocam na hora do banho. O professor, também, é modelo para as crianças, fornecendo-
lhes repertório de gestos e posturas quando, por exemplo, conta histórias pontuando ideias com gestos
expressivos ou usa recursos vocais para enfatizar sua dramaticidade. Conhecer jogos e brincadeiras e
refletir sobre os tipos de movimentos que envolvem é condição importante para ajudar as crianças a
desenvolverem uma motricidade harmoniosa.

Crianças de quatro a seis anos


- Utilização expressiva intencional do movimento nas situações cotidianas e em suas brincadeiras.
- Percepção de estruturas rítmicas para expressar-se corporalmente por meio da dança, brincadeiras
e de outros movimentos.
- Valorização e ampliação das possibilidades estéticas do movimento pelo conhecimento e utilização
de diferentes modalidades de dança.
- Percepção das sensações, limites, potencialidades, sinais vitais e integridade do próprio corpo.

Orientações didáticas
O espelho continua a se fazer necessário para a construção e afirmação da imagem corporal em
brincadeiras nas quais meninos e meninas poderão se fantasiar, assumir papéis, se olharem. Nesse
sentido, um conjunto de maquiagem, fantasias diversas, roupas velhas de adultos, sapatos, bijuterias e

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acessórios são ótimos materiais para o faz-de-conta nessa faixa etária. Com eles, e diante do espelho, a
criança consegue perceber que sua imagem muda, sem que modifique a sua pessoa.
Pode-se propor alguns jogos e brincadeiras envolvendo a interação, a imitação e o reconhecimento do
corpo, como “Siga o Mestre” e “Seu Lobo”.
O professor pode propor atividades em que as crianças, de forma mais sistemática, observem partes
do próprio corpo ou de seus amigos, usando-as como modelo, como, por exemplo, para moldar, pintar ou
desenhar. Essa possibilidade pode ser aprofundada, se forem pesquisadas também obras de arte em
que partes do corpo foram retratadas ou esculpidas.
É importante lembrar que nesse tipo de trabalho não há necessidade de se estabelecer uma hierarquia
prévia entre as partes do corpo que serão trabalhadas. Pensar que para a criança é mais fácil começar a
perceber o próprio corpo pela cabeça, depois pelo tronco e por fim pelos membros, por exemplo, pode
não corresponder à sua experiência real. Nesse sentido, o professor precisa estar bastante atento aos
conhecimentos prévios das crianças acerca de si mesmas e de sua corporeidade, para adequar seus
projetos e a melhor maneira de trabalhá-los com o grupo de crianças.
O reconhecimento dos sinais vitais e de suas alterações, como a respiração, os batimentos cardíacos,
assim como as sensações de prazer, podem ser trabalhados com as crianças. Perceber esses sinais,
refletir e conversar sobre o que acontece quando as crianças correm, rolam ou são massageadas pode
garantir a ampliação do conhecimento sobre seu corpo e expressão do movimento de forma mais
harmoniosa.
Representar experiências observadas e vividas por meio do movimento pode se transformar numa
atividade bastante divertida e significativa para as crianças. Derreter como um sorvete, flutuar como um
floco de algodão, balançar como as folhas de uma árvore, correr como um rio, voar como uma gaivota,
cair como um raio etc., são exercícios de imaginação e criatividade que reiteram a importância do
movimento para expressar e comunicar ideias e emoções.
No Brasil existem inúmeras danças, folguedos, brincadeiras de roda e cirandas que, além do caráter
de socialização que representam, trazem para a criança a possibilidade de realização de movimentos de
diferentes qualidades expressivas e rítmicas. A roda otimiza a percepção de um ritmo comum e a noção
de conjunto. Há muitas brincadeiras de roda, como o coco de roda alagoano, o bumba-meu-boi
maranhense, a catira paulista, o maracatu e o frevo pernambucanos, a chula rio-grandense, as cirandas,
as quadrilhas, entre tantas outras. O fato de todas essas manifestações expressivas serem realizadas em
grupo acrescentam ao movimento um sentido socializador e estético.

Equilíbrio e coordenação
As ações que compõem as brincadeiras envolvem aspectos ligados à coordenação do movimento e
ao equilíbrio. Por exemplo, para saltar um obstáculo, as crianças precisam coordenar habilidades motoras
como velocidade, flexibilidade e força, calculando a maneira mais adequada de conseguir seu objetivo.
Para empinar uma pipa, precisam coordenar a força e a flexibilidade dos movimentos do braço com a
percepção espacial e, se for preciso correr, a velocidade etc.
As instituições devem assegurar e valorizar, em seu cotidiano, jogos motores e brincadeiras que
contemplem a progressiva coordenação dos movimentos e o equilíbrio das crianças. Os jogos motores
de regras trazem também a oportunidade de aprendizagens sociais, pois ao jogar, as crianças aprendem
a competir, a colaborar umas com as outras, a combinar e a respeitar regras.

Crianças de zero a três anos


- Exploração de diferentes posturas corporais, como sentar-se em diferentes inclinações, deitar-se em
diferentes posições, ficar ereto apoiado na planta dos pés com e sem ajuda etc.
- Ampliação progressiva da destreza para deslocar-se no espaço por meio da possibilidade constante
de arrastar-se, engatinhar, rolar, andar, correr, saltar etc.
- Aperfeiçoamento dos gestos relacionados com a preensão, o encaixe, o traçado no desenho, o
lançamento etc., por meio da experimentação e utilização de suas habilidades manuais em diversas
situações cotidianas.

Orientações didáticas
Quanto menor a criança, maior é a responsabilidade do adulto de lhe proporcionar experiências
posturais e motoras variadas. Para isso ele deve modificar as posições das crianças quando sentadas ou
deitadas; observar os bebês para descobrir em que posições ficam mais ou menos confortáveis; tocar,
acalentar e massagear frequentemente os bebês para que eles possam perceber partes do corpo que
não alcançam sozinhos.

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O professor pode organizar o ambiente com materiais que propiciem a descoberta e exploração do
movimento. Materiais que rolem pelo chão, como cilindros e bolas de diversos tamanhos, sugerem às
crianças que se arrastem, engatinhem ou caminhem atrás deles ou ainda que rolem sobre eles. As bolas
podem ser chutadas, lançadas, quicadas etc. Túneis de pano sugerem às crianças que se abaixem e
utilizem a força dos músculos dos braços e das pernas para percorrer seu interior. Móbiles e outros
penduricalhos sugerem que as crianças exercitem a posição ereta, nas tentativas de erguer-se para tocá-
los. Almofadas organizadas num ambiente com livros ou gibis e brinquedos convidam as crianças a
sentarem ou deitarem, concentradas nas suas atividades.
O professor pode organizar atividades que exijam o aperfeiçoamento das capacidades motoras das
crianças, ou que lhes tragam novos desafios, considerando seus progressos.
Um bom exemplo são as organizações de circuitos no espaço externo ou interno de modo a sugerir às
crianças desafios corporais variados. Podem-se criar, com pneus, bancos, tábuas de madeira etc., túneis,
pontes, caminhos, rampas e labirintos nos quais as crianças podem saltar para dentro, equilibrar-se,
andar, escorregar etc.
Algumas brincadeiras tradicionais podem contribuir para a qualidade das experiências motoras e
posturais das crianças, como, por exemplo, a brincadeira de estátua cuja regra principal é a de que as
crianças fiquem paradas como estátua a um sinal, promovendo a manutenção do tônus muscular durante
algum tempo.

Crianças de quatro a seis anos


- Participação em brincadeiras e jogos que envolvam correr, subir, descer, escorregar, pendurar-se,
movimentar-se, dançar etc., para ampliar gradualmente o conhecimento e controle sobre o corpo e o
movimento.
- Utilização dos recursos de deslocamento e das habilidades de força, velocidade, resistência e
flexibilidade nos jogos e brincadeiras dos quais participa.
- Valorização de suas conquistas corporais.
- Manipulação de materiais, objetos e brinquedos diversos para aperfeiçoamento de suas habilidades
manuais.

Orientações didáticas
É importante possibilitar diferentes movimentos que aparecem em atividades como lutar, dançar, subir
e descer de árvores ou obstáculos, jogar bola, rodar bambolê etc. Essas experiências devem ser
oferecidas sempre, com o cuidado de evitar enquadrar as crianças em modelos de comportamento
estereotipados, associados ao gênero masculino e feminino, como, por exemplo, não deixar que as
meninas joguem futebol ou que os meninos rodem bambolê.
A brincadeira de pular corda, tão popular no Brasil, propõe às crianças uma pesquisa corporal intensa,
tanto em relação às diferentes qualidades de movimento que sugere (rápidos ou lentos; pesados ou leves)
como também em relação à percepção espaço-temporal, já que, para “entrar” na corda, as crianças
devem sentir o ritmo de suas batidas no chão para perceber o momento certo. A corda pode também ser
utilizada em outras brincadeiras desafiadoras. Ao ser amarrada no galho de uma árvore, possibilita à
criança pendurar-se e balançar-se; ao ser esticada em diferentes alturas, permite que as crianças se
arrastem, agachem etc.
Os primeiros jogos de regras são valiosos para o desenvolvimento de capacidades corporais de
equilíbrio e coordenação, mas trazem também a oportunidade, para as crianças, das primeiras situações
competitivas, em que suas habilidades poderão ser valorizadas de acordo com os objetivos do jogo. É
muito importante que o professor esteja atento aos conflitos que possam surgir nessas situações,
ajudando as crianças a desenvolver uma atitude de competição de forma saudável. Nesta faixa etária, o
professor é quem ajudará as crianças a combinar e cumprir regras, desenvolvendo atitudes de respeito e
cooperação tão necessárias, mais tarde, no desenvolvimento das habilidades desportivas.
São muitos os jogos existentes nas diferentes regiões do Brasil que podem ser utilizados para esse
fim; cabe ao professor levantar junto a crianças, familiares e comunidade aqueles mais significativos. As
brincadeiras e jogos envolvem a descoberta e a exploração de capacidades físicas e a expressão de
emoções, afetos e sentimentos. Além de alegria e prazer, algumas vezes a exposição de seu corpo e de
seus movimentos podem gerar vergonha, medo ou raiva. Isso também precisa ser considerado pelo
professor para que ele possa ajudar as crianças a lidar de forma positiva com limites e possibilidades do
próprio corpo.
As diferentes atividades que ocorrem nas instituições requerem das crianças posturas corporais
distintas. Cabe ao professor organizar o ambiente de tal forma a garantir a postura mais adequada para
cada atividade, não as restringindo a modelos estereotipados.

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Orientações gerais para o professor

É muito importante que o professor perceba os diversos significados que pode ter a atividade motora
para as crianças. Isso poderá contribuir para que ele possa ajudá-las a ter uma percepção adequada de
seus recursos corporais, de suas possibilidades e limitações sempre em transformação, dando-lhes
condições de se expressarem com liberdade e de aperfeiçoarem suas competências motoras.
O professor deve refletir sobre as solicitações corporais das crianças e sua atitude diante das
manifestações da motricidade infantil, compreendendo seu caráter lúdico e expressivo. Além de refletir
acerca das possibilidades posturais e motoras oferecidas no conjunto das atividades, é interessante
planejar situações de trabalho voltadas para aspectos mais específicos do desenvolvimento corporal e
motor. Nessa perspectiva, o professor deverá avaliar constantemente o tempo de contenção motora ou
de manutenção de uma mesma postura de maneira a adequar as atividades às possibilidades das
crianças de diferentes idades.
Outro ponto de reflexão diz respeito à lateralidade, ou seja, à predominância para o uso de um lado do
corpo. Durante o processo de definição da lateralidade, as crianças podem usar, indiscriminadamente,
ambos os lados do corpo. Espontaneamente a criança irá manifestar a preferência pelo uso de uma das
mãos, definindo-se como destra ou canhota.
Assim, cabe ao professor acolher suas preferências, sem impor-lhes, por exemplo, o uso da mão
direita.
A organização do ambiente, dos materiais e do tempo visa a auxiliar que as manifestações motoras
das crianças estejam integradas nas diversas atividades da rotina.
Para isso, os espaços externos e internos devem ser amplos o suficiente para acolher as
manifestações da motricidade infantil. Os objetos, brinquedos e materiais devem auxiliar as atividades
expressivas e instrumentais do movimento.

Organização do tempo
Os conteúdos relacionados ao movimento deverão ser trabalhados inseridos na rotina. As atividades
que buscam valorizar o movimento nas suas dimensões expressivas, instrumentais e culturais podem ser
realizadas diariamente de maneira planejada ou não.
Também podem ser realizados projetos que integrem vários conhecimentos ligados ao movimento. A
apresentação de uma dança tradicional, por exemplo, pode- se constituir em um interessante projeto para
as crianças maiores, quando necessitam:
- pesquisar diferentes danças tradicionais brasileiras para selecionar aquela que mais interessar às
crianças.
- informar-se sobre a origem e história da dança selecionada.
- desenvolver recursos expressivos e aprender os passos para a dança;
- confeccionar roupas necessárias para a apresentação.
- planejar a apresentação, confeccionando cartazes, convites, etc.
Da mesma forma, podem ser desenvolvidos projetos envolvendo jogos e brincadeiras de roda, circuitos
motores etc.

Observação, registro e avaliação formativa

Para que se tenham condições reais de avaliar se uma criança está ou não desenvolvendo uma
motricidade saudável, faz-se necessário refletir sobre o ambiente da instituição e o trabalho ali
desenvolvido: ele é suficientemente desafiador? Será que as crianças não ficam muito tempo sentadas,
sem oportunidades de exercitar outras posturas? As atividades oferecidas propiciam situações de
interação? A avaliação do movimento deve ser contínua, levando em consideração os processos
vivenciados pelas crianças, resultado de um trabalho intencional do professor. Deverá constituir-se em
instrumento para a reorganização de objetivos, conteúdos, procedimentos, atividades e como forma de
acompanhar e conhecer cada criança e grupo.
A observação cuidadosa sobre cada criança e sobre o grupo fornece elementos que podem auxiliar na
construção de uma prática que considere o corpo e o movimento das crianças.
Devem ser documentados os aspectos referentes a expressividade do movimento e sua dimensão
instrumental. É recomendável que o professor atualize, sistematicamente, suas observações,
documentando mudanças e conquistas.
São consideradas como experiências prioritárias para a aprendizagem do movimento realizada pelas
crianças de zero a três anos: uso de gestos e ritmos corporais diversos para expressar-se; deslocamentos

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no espaço sem ajuda. Para que isso ocorra é necessário que sejam oferecidas condições para que as
crianças explorem suas capacidades expressivas, aceitando com confiança desafios corporais.
A partir dos quatro e até os seis anos, uma vez que tenham tido muitas oportunidades, na instituição
de educação infantil, de vivenciar experiências envolvendo o movimento, pode-se esperar que as crianças
o reconheçam e o utilizem como linguagem expressiva e participem de jogos e brincadeiras envolvendo
habilidades motoras diversas.
É importante informar sempre as crianças acerca de suas competências. Desde pequenas, a
valorização de seu esforço e comentários a respeito de como estão construindo e se apropriando desse
conhecimento são atitudes que as encorajam e situam com relação à própria aprendizagem. É sempre
bom lembrar que seu empenho e suas conquistas devem ser valorizados em função de seus progressos
e do próprio esforço, evitando colocá-las em situações de comparação.

Música - Introdução

A música é a linguagem que se traduz em formas sonoras capazes de expressar e comunicar


sensações, sentimentos e pensamentos, por meio da organização e relacionamento expressivo entre o
som e o silêncio. A música está presente em todas as culturas, nas mais diversas situações: festas e
comemorações, rituais religiosos, manifestações cívicas, políticas etc. Faz parte da educação desde há
muito tempo, sendo que, já na Grécia antiga, era considerada como fundamental para a formação dos
futuros cidadãos, ao lado da matemática e da filosofia.
A integração entre os aspectos sensíveis, afetivos, estéticos e cognitivos, assim como a promoção de
interação e comunicação social, conferem caráter significativo à linguagem musical. É uma das formas
importantes de expressão humana, o que por si só justifica sua presença no contexto da educação, de
um modo geral, e na educação infantil, particularmente.

Presença da música na educação infantil: ideias e práticas correntes

A música no contexto da educação infantil vem, ao longo de sua história, atendendo a vários objetivos,
alguns dos quais alheios às questões próprias dessa linguagem. Tem sido, em muitos casos, suporte
para atender a vários propósitos, como a formação de hábitos, atitudes e comportamentos: lavar as mãos
antes do lanche, escovar os dentes, respeitar o farol etc.; a realização de comemorações relativas ao
calendário de eventos do ano letivo simbolizados no dia da árvore, dia do soldado, dia das mães etc.; a
memorização de conteúdos relativos a números, letras do alfabeto, cores etc., traduzidos em canções.
Essas canções costumam ser acompanhadas por gestos corporais, imitados pelas crianças de forma
mecânica e estereotipada.
Outra prática corrente tem sido o uso das bandinhas rítmicas para o desenvolvimento motor, da
audição, e do domínio rítmico. Essas bandinhas utilizam instrumentos - pandeirinhos, tamborzinhos,
pauzinhos etc. - muitas vezes confeccionados com material inadequado e consequentemente com
qualidade sonora deficiente. Isso reforça o aspecto mecânico e a imitação, deixando pouco ou nenhum
espaço às atividades de criação ou às questões ligadas a percepção e conhecimento das possibilidades
e qualidades expressivas dos sons.
Ainda que esses procedimentos venham sendo repensados, muitas instituições encontram
dificuldades para integrar a linguagem musical ao contexto educacional.
Constata-se uma defasagem entre o trabalho realizado na área de Música e nas demais áreas do
conhecimento, evidenciada pela realização de atividades de reprodução e imitação em detrimento de
atividades voltadas à criação e à elaboração musical. Nesses contextos, a música é tratada como se
fosse um produto pronto, que se aprende a reproduzir, e não uma linguagem cujo conhecimento se
constrói.
A música está presente em diversas situações da vida humana. Existe música para adormecer, música
para dançar, para chorar os mortos, para conclamar o povo a lutar, o que remonta à sua função ritualística.
Presente na vida diária de alguns povos, ainda hoje é tocada e dançada por todos, seguindo costumes
que respeitam as festividades e os momentos próprios a cada manifestação musical. Nesses contextos,
as crianças entram em contato com a cultura musical desde muito cedo e assim começam a aprender
suas tradições musicais.
Mesmo que as formas de organização social e o papel da música nas sociedades modernas tenham
se transformado, algo de seu caráter ritual é preservado, assim como certa tradição do fazer e ensinar
por imitação e “por ouvido”, em que se misturam intuição conhecimento prático e transmissão oral. Essas
questões devem ser consideradas ao se pensar na aprendizagem, pois o contato intuitivo e espontâneo
com a expressão musical desde os primeiros anos de vida é importante ponto de partida para o processo

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de musicalização. Ouvir música, aprender uma canção, brincar de roda, realizar brinquedos rítmicos,
jogos de mãos, etc., são atividades que despertam, estimulam e desenvolvem o gosto pela atividade
musical, além de atenderem a necessidades de expressão que passam pela esfera afetiva, estética e
cognitiva. Aprender música significa integrar experiências que envolvem a vivência, a percepção e a
reflexão, encaminhando-as para níveis cada vez mais elaborados.
Pesquisadores e estudiosos vêm traçando paralelos entre o desenvolvimento infantil e o exercício da
expressão musical, resultando em propostas que respeitam o modo de perceber, sentir e pensar, em
cada fase, e contribuindo para que a construção do conhecimento dessa linguagem ocorra de modo
significativo. O trabalho com Música proposto por este documento fundamenta-se nesses estudos, de
modo a garantir à criança a possibilidade de vivenciar e refletir sobre questões musicais, num exercício
sensível e expressivo que também oferece condições para o desenvolvimento de habilidades, de
formulação de hipóteses e de elaboração de conceitos.
Compreende-se a música como linguagem e forma de conhecimento. Presente no cotidiano de modo
intenso, no rádio, na TV, em gravações, jingles etc., por meio de brincadeiras e manifestações
espontâneas ou pela intervenção do professor ou familiares, além de outras situações de convívio social,
a linguagem musical tem estrutura e características próprias, devendo ser considerada como:
- Produção: centrada na experimentação e na imitação, tendo como produtos musicais a interpretação,
a improvisação e a composição.
- Apreciação: percepção tanto dos sons e silêncios quanto das estruturas e organizações musicais,
buscando desenvolver por meio do prazer da escuta, a capacidade de observação, analise e
reconhecimento.
- Reflexão: sobre questões referentes à organização, criação, produtos e produtores musicais.

Deve ser considerado o aspecto da integração do trabalho musical às outras áreas, já que, por um
lado, a música mantém contato estreito e direto com as demais linguagens expressivas (movimento,
expressão cênica, artes visuais etc.), e, por outro, torna possível a realização de projetos integrados. É
preciso cuidar, no entanto, para que não se deixe de lado o exercício das questões especificamente
musicais.
O trabalho com música deve considerar, portanto, que ela é um meio de expressão e forma de
conhecimento acessível aos bebês e crianças, inclusive aquelas que apresentem necessidades
especiais. A linguagem musical é excelente meio para o desenvolvimento da expressão, do equilíbrio, da
autoestima e autoconhecimento, além de poderoso meio de integração social.

A criança e a música

O ambiente sonoro, assim como a presença da música em diferentes e variadas situações do cotidiano
fazem com que os bebês e crianças iniciem seu processo de musicalização de forma intuitiva. Adultos
cantam melodias curtas, cantigas de ninar, fazem brincadeiras cantadas, com rimas, parlendas etc.,
reconhecendo o fascínio que tais jogos exercem. Encantados com o que ouvem, os bebês tentam imitar
e responder, criando momentos significativos no desenvolvimento afetivo e cognitivo, responsáveis pela
criação de vínculos tanto com os adultos quanto com a música. Nas interações que se estabelecem, eles
constroem um repertório que lhes permite iniciar uma forma de comunicação por meio dos sons.
O balbucio e o ato de cantarolar dos bebês têm sido objetos de pesquisas que apresentam dados
importantes sobre a complexidade das linhas melódicas cantaroladas até os dois anos de idade,
aproximadamente. Procuram imitar o que ouvem e também inventam linhas melódicas ou ruídos,
explorando possibilidades vocais, da mesma forma como interagem com os objetos e brinquedos sonoros
disponíveis, estabelecendo, desde então, um jogo caracterizado pelo exercício sensorial e motor com
esses materiais.
A escuta de diferentes sons (produzidos por brinquedos sonoros ou oriundos do próprio ambiente
doméstico) também é fonte de observação e descobertas, provocando respostas. A audição de obras
musicais enseja as mais diversas reações: os bebês podem manter-se atentos, tranquilos ou agitados.
Do primeiro ao terceiro ano de vida, os bebês ampliam os modos de expressão musical pelas
conquistas vocais e corporais. Podem articular e entoar um maior número de sons, inclusive os da língua
materna, reproduzindo letras simples, refrãos, onomatopeias etc., explorando gestos sonoros, como bater
palmas, pernas, pés, especialmente depois de conquistada a marcha, a capacidade de correr, pular e
movimentar-se acompanhando uma música.
No que diz respeito à relação com os materiais sonoros é importante notar que, nessa fase, as crianças
conferem importância e equivalência a toda e qualquer fonte sonora e assim explorar as teclas de um
piano é tal e qual percutir uma caixa ou um cestinho, por exemplo. Interessam-se pelos modos de ação

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e produção dos sons, sendo que sacudir e bater são seus primeiros modos de ação. Estão sempre atentas
às características dos sons ouvidos ou produzidos, se gerados por um instrumento musical, pela voz ou
qualquer objeto, descobrindo possibilidades sonoras com todo material acessível.
Assim, o que caracteriza a produção musical das crianças nesse estágio é a exploração do som e suas
qualidades - que são altura, duração, intensidade e timbre - e não a criação de temas ou melodias
definidos precisamente, ou seja, diante de um teclado, por exemplo, importa explorar livremente os
registros grave ou agudo (altura), tocando forte ou fraco (intensidade), produzindo sons curtos ou longos
(duração), imitando gestos motores que observou e que reconhece como responsáveis pela produção do
som, sem a preocupação de localizar as notas musicais (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si) ou reproduzir exatamente
qualquer melodia conhecida. E ainda que possam, em alguns casos, manter um pulso (medida referencial
de duração constante), a vivência do ritmo também não se subordina à pulsação e ao compasso (a
organização do pulso em tempos fortes e fracos) e assim vivenciam o ritmo livre. Diferenças individuais
e grupais acontecem, fazendo com que, aos três anos, por exemplo, integrantes de comunidades
musicais ou crianças cujos pais toquem instrumentos possam apresentar um desenvolvimento e controle
rítmico diferente das outras crianças, demonstrando que o contato sistemático com a música amplia o
conhecimento e as possibilidades de realizações musicais.
A expressão musical das crianças nessa fase é caracterizada pela ênfase nos aspectos intuitivo e
afetivo e pela exploração (sensório-motora) dos materiais sonoros. As crianças integram a música às
demais brincadeiras e jogos: cantam enquanto brincam, acompanham com sons os movimentos de seus
carrinhos, dançam e dramatizam situações sonoras diversas, conferindo “personalidade” e significados
simbólicos aos objetos sonoros ou instrumentos musicais e à sua produção musical. O brincar permeia a
relação que se estabelece com os materiais: mais do que sons, podem representar personagens, como
animais, carros, máquinas, super-heróis etc.
A partir dos três anos, aproximadamente, os jogos com movimento são fonte de prazer, alegria e
possibilidade efetiva para o desenvolvimento motor e rítmico, sintonizados com a música, uma vez que o
modo de expressão característico dessa faixa etária integra gesto, som e movimento.
Aos poucos ocorre um maior domínio com relação à entoação melódica. Ainda que sem um controle
preciso da afinação, mas já com retenção de desenhos melódicos e de momentos significativos das
canções, como refrão, onomatopeias, o “to-to” de “Atirei o pau no gato” etc. A criança memoriza um
repertório maior de canções e conta, consequentemente, com um “arquivo” de informações referentes a
desenhos melódicos e rítmicos que utiliza com frequência nas canções que inventa. Ela é uma boa
improvisadora, “cantando histórias”, misturando ideias ou trechos dos materiais conhecidos, recriando,
adaptando etc. É comum que, brincando sozinha, invente longas canções.
Aos poucos, começa a cantar com maior precisão de entoação e a reproduzir ritmos simples orientados
por um pulso regular. Os batimentos rítmicos corporais (palmas, batidas nas pernas, pés etc.) são
observados e reproduzidos com cuidado, e, evidentemente, a maior ou menor complexidade das
estruturas rítmicas dependerá do nível de desenvolvimento de cada criança ou grupo.
Além de cantar, a criança tem interesse, também, em tocar pequenas linhas melódicas nos
instrumentos musicais, buscando entender sua construção. Torna-se muito importante poder reproduzir
ou compor uma melodia, mesmo que usando apenas dois sons diferentes e percebe o fato de que para
cantar ou tocar uma melodia é preciso respeitar uma ordem, à semelhança do que ocorre com a escrita
de palavras. A audição pode detalhar mais, e o interesse por muitos e variados estilos tende a se ampliar.
Se a produção musical veiculada pela mídia lhe interessa, também se mostra receptiva a diferentes
gêneros e estilos musicais, quando tem a possibilidade de conhecê-los.

Objetivos

Crianças de zero a três anos


O trabalho com Música deve se organizar de forma a que as crianças desenvolvam as seguintes
capacidades:
- ouvir, perceber e discriminar eventos sonoros diversos, fontes sonoras e produções musicais.
- brincar com a música, imitar, inventar e reproduzir criações musicais.

Crianças de quatro a seis anos


Para esta fase, os objetivos estabelecidos para a faixa etária de zero a três anos deverão ser
aprofundados e ampliados, garantindo-se, ainda, oportunidades para que as crianças sejam capazes de:
- explorar e identificar elementos da música para se expressar, interagir com os outros e ampliar seu
conhecimento do mundo.

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- perceber e expressar sensações, sentimentos e pensamentos, por meio de improvisações,
composições e interpretações musicais.

Conteúdos

A organização dos conteúdos para o trabalho na área de Música nas instituições de educação infantil
deverá, acima de tudo, respeitar o nível de percepção e desenvolvimento (musical e global) das crianças
em cada fase, bem como as diferenças socioculturais entre os grupos de crianças das muitas regiões do
país.
Os conteúdos deverão priorizar a possibilidade de desenvolver a comunicação e expressão por meio
dessa linguagem. Serão trabalhados como conceitos em construção, organizados num processo contínuo
e integrado que deve abranger:
- a exploração de materiais e escuta de obras musicais para propiciar o contato e experiências com a
matéria prima da linguagem musical: o som (e suas qualidades) e o silencio.
- a vivencia da organização dos sons e silêncios em linguagem musical pelo fazer e pelo contato com
obras diversas.
- a reflexão sobre a música como produto cultural do ser humano é importante forma de conhecer e
representar o mundo.
Os conteúdos estarão organizados em dois blocos: “O fazer musical” e “Apreciação musical”, que
abarcarão, também, questões referentes à reflexão.

O fazer musical
O fazer musical é uma forma de comunicação e expressão que acontece por meio da improvisação,
da composição e da interpretação. Improvisar é criar instantaneamente, orientando-se por alguns critérios
pré-definidos, mas com grande margem a realizações aleatórias, não determinadas. Compor é criar a
partir de estruturas fixas e determinadas e interpretar é executar uma composição contando com a
participação expressiva do intérprete.
Nessa faixa etária, a improvisação constitui-se numa das formas de atividade criativa. Os jogos de
improvisação são ações intencionais que possibilitam o exercício criativo de situações musicais e o
desenvolvimento da comunicação por meio dessa linguagem. As crianças de quatro a seis anos já podem
compor pequenas canções. Com os instrumentos musicais ainda é difícil criar estruturas definidas, e as
criações musicais das crianças geralmente situam-se entre a improvisação e a composição, ou seja, a
criança cria uma estrutura que, no entanto, sofre variações e alterações a cada nova interpretação. A
imitação é a base do trabalho de interpretação. Imitando sons vocais, corporais, ou produzidos por
instrumentos musicais, as crianças preparam-se para interpretar quando, então, imitam expressivamente.

Crianças de zero a três anos


- Exploração, expressão e produção do silencio e de sons com a voz, o corpo, o entorno e materiais
sonoros diversos.
- Interpretação de músicas e canções diversas.
- Participação em brincadeiras e jogos cantados e rítmicos.

Orientações didáticas
No primeiro ano de vida, a prática musical poderá ocorrer por meio de atividades lúdicas. O professor
estará contribuindo para o desenvolvimento da percepção e atenção dos bebês quando canta para eles;
produzem sons vocais diversos por meio da imitação de vozes de animais, ruídos etc., ou sons corporais,
como palmas, batidas nas pernas, pés etc.; embala-os e dança com eles. As canções de ninar
tradicionais, os brinquedos cantados e rítmicos, as rodas e cirandas, os jogos com movimentos, as
brincadeiras com palmas e gestos sonoros corporais, assim como outras produções do acervo cultural
infantil, podem estar presentes e devem se constituir em conteúdos de trabalho. Isso pode favorecer a
interação e resposta dos bebês, seja por meio da imitação e criação vocal, do gesto corporal, ou da
exploração sensório motora de materiais sonoros, como objetos do cotidiano, brinquedos sonoros,
instrumentos musicais de percussão como chocalhos, guizos, blocos, sinos, tambores etc.
É muito importante brincar, dançar e cantar com as crianças, levando em conta suas necessidades de
contato corporal e vínculos afetivos. Deve-se cuidar para que os jogos e brinquedos não estimulem a
imitação gestual mecânica e estereotipada que, muitas vezes, se apresenta como modelo às crianças.
O canto desempenha um papel de grande importância na educação musical infantil, pois integra
melodia, ritmo e - frequentemente - harmonia, sendo excelente meio para o desenvolvimento da audição.
Quando cantam, as crianças imitam o que ouvem e assim desenvolvem condições necessárias à

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elaboração do repertório de informações que posteriormente lhes permitirá criar e se comunicar por
intermédio dessa linguagem. É importante apresentar às crianças canções do cancioneiro popular infantil,
da música popular brasileira, entre outras que possam ser cantadas sem esforço vocal, cuidando,
também, para que os textos sejam adequados à sua compreensão. Letras muito complexas, que exigem
muita atenção das crianças para a interpretação, acabam por comprometer a realização musical. O
mesmo acontece quando se associa o cantar ao excesso de gestos marcados pelo professor, que fazem
com que as crianças parem de cantar para realizá-los, contrariando sua tendência natural de integrar a
expressão musical e corporal.
São importantes as situações nas quais se ofereçam instrumentos musicais e objetos sonoros para
que as crianças possam explorá-los, imitar gestos motores que observam, percebendo as possibilidades
sonoras resultantes.

Crianças de quatro a seis anos


Nesta fase ampliam-se as possibilidades de trabalho que já vinham sendo desenvolvidas com as
crianças de zero a três anos. Os conteúdos podem ser tratados em contextos que incluem a reflexão
sobre aspectos referentes aos elementos da linguagem musical.
- Reconhecimento e utilização expressiva, em contextos musicais das diferentes características
geradas pelo silencio e pelos sons: altura (graves ou agudos), duração (curtos ou longos), intensidade
(fracos e fortes) e timbre (característica que distingue e “personaliza” cada som).
- Reconhecimento e utilização das variações de velocidade e densidade na organização e realização
de algumas produções musicais.
- Participação em jogos e brincadeiras que devolvam a dança e/ ou a improvisação musical.
- Repertório de canções para desenvolver memória musical.

Orientações didáticas
O fazer musical requer atitudes de concentração e envolvimento com as atividades propostas, posturas
que devem estar presentes durante todo o processo educativo, em suas diferentes fases. Entender que
fazer música implica organizar e relacionar expressivamente sons e silêncios de acordo com princípios
de ordem é questão fundamental a ser trabalhada desde o início. Nesse sentido, deve-se distinguir entre
barulho, que é uma interferência desorganizada que incomoda, e música, que é uma interferência
intencional que organiza som e silêncio e que comunica. A presença do silêncio como elemento
complementar ao som é essencial à organização musical. O silêncio valoriza o som, cria expectativa e é,
também, música. Deve ser experimentado em diferentes situações e contextos.
Importa que todos os conteúdos sejam trabalhados em situações expressivas e significativas para as
crianças, tendo-se o cuidado fundamental de não tomá-los como fins em si mesmos. Um trabalho com
diferentes alturas, por exemplo, só se justifica se realizado num contexto musical que pode ser uma
proposta de improvisação que valorize o contraste entre sons graves ou agudos ou de interpretação de
canções que enfatizem o movimento sonoro, entre outras possibilidades. Ouvir e classificar os sons
quanto à altura, valendo-se das vozes dos animais, dos objetos e máquinas, dos instrumentos musicais,
comparando, estabelecendo relações e, principalmente, lidando com essas informações em contextos de
realizações musicais pode acrescentar, enriquecer e transformar a experiência musical das crianças. A
simples discriminação auditiva de sons graves ou agudos, curtos ou longos, fracos ou fortes, em situações
descontextualizadas do ponto de vista musical, pouco acrescenta à experiência das crianças. Exercícios
com instruções, como, por exemplo, transformar-se em passarinhos ao ouvir sons agudos e em elefante
em resposta aos sons graves ilustram o uso inadequado e sem sentido de conteúdos musicais.
Em princípio, todos os instrumentos musicais podem ser utilizados no trabalho com a criança pequena,
procurando valorizar aqueles presentes nas diferentes regiões, assim como aqueles construídos pelas
crianças. Podem ser trabalhadas algumas noções técnicas como meio de obter qualidade sonora, o que
deve ser explorado no contato com qualquer fonte produtora de sons. Assim, tocar um tambor de
diferentes maneiras, por exemplo, variando força; modos de ação como tocar com diferentes baquetas,
com as mãos, pontas dos dedos etc., e, especialmente, experimentando e ouvindo seus resultados é um
caminho importante para o desenvolvimento da técnica aliada à percepção da qualidade dos sons
produzidos. Deve-se promover o crescimento e a transformação do trabalho a partir do que as crianças
podem realizar com os instrumentos. Numa atividade de imitação, por exemplo, ao perceber que o grupo
ou uma criança não responde com precisão a um ritmo realizado pelo professor, este deve guiar-se pela
observação das crianças em vez de repetir e insistir exaustivamente sua proposta inicial.
O gesto e o movimento corporal estão intimamente ligados e conectados ao trabalho musical. A
realização musical implica tanto em gesto como em movimento, porque o som é, também, gesto e
movimento vibratório, e o corpo traduz em movimento os diferentes sons que percebe. Os movimentos

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de flexão, balanceio, torção, estiramento etc., e os de locomoção como andar, saltar, correr, saltitar,
galopar etc., estabelecem relações diretas com os diferentes gestos sonoros.
As crianças podem improvisar a partir de um roteiro extramusical ou de uma história: nos jogos de
improvisação temáticos desenvolvidos a partir de ideias extramusicais, cada timbre (característica que
diferencia um som do outro), por exemplo, pode ser uma personagem; podem ser criadas situações para
explorar diferentes qualidades sonoras quando as crianças tocam com muita suavidade para não acordar
alguém que dorme, produzem impulsos sonoros curtos sugerindo pingos de chuva, realizam um ritmo de
galope para sonorizar o trotar dos cavalos etc. Podem vivenciar contrastes entre alturas ou intensidades
do som, ritmos, som e silêncio etc., a partir de propostas especificamente musicais.
Os jogos de improvisação podem, também, ser realizados com materiais variados, como os
instrumentos confeccionados pelas crianças, os materiais disponíveis que produzem sons, os sons do
corpo, a voz etc. O professor poderá aproveitar situações de interesse do grupo, transformando-as em
improvisações musicais. Poderá, por exemplo, explorar os timbres de elementos ligados a um projeto
sobre o fundo do mar (a água do mar em seus diferentes momentos, os diversos peixes, as baleias, os
tubarões, as tartarugas etc.), lidando com a questão da organização do material sonoro no tempo e no
espaço e permitindo que as crianças se aproximem do conceito da forma (a estrutura que resulta do modo
de organizar os materiais sonoros).
Deverão ser propostos, também, jogos de improvisação que estimulem a memória auditiva e musical,
assim como a percepção da direção do som no espaço.
O professor pode estimular a criação de pequenas canções, em geral estruturadas, tendo por base a
experiência musical que as crianças vêm acumulando. Trabalhar com rimas, por exemplo, é interessante
e envolvente. As crianças podem criar pequenas canções fazendo rimas com seus próprios nomes e dos
colegas, com nomes de frutas, cores etc.
Assuntos e acontecimentos vivenciados no dia-a-dia também podem ser temas para novas canções.
O professor deve observar o que e como cantam as crianças, tentando aproximar-se, ao máximo, de sua
intenção musical. Muitas vezes, as linhas melódicas criadas contam com apenas dois ou três sons
diferentes, em sintonia com a percepção, experiência e modo de expressar infantis.
Uma outra atividade interessante é a sonorização de histórias. Para fazê-lo, as crianças precisam
organizar de forma expressiva o material sonoro, trabalhando a percepção auditiva, a discriminação e a
classificação de sons (altura, duração, intensidade e timbre). Os livros de história só com imagens são
muito interessantes e adequados para esse fim. Neste caso, após a fase de definição dos materiais, a
interpretação do trabalho poderá guiar-se pelas imagens do livro, que funcionará como uma partitura
musical. Os contos de fadas, a produção literária infantil, assim como as criações do grupo são ótimos
materiais para o desenvolvimento dessa atividade que poderá utilizar-se de sons vocais, corporais,
produzidos por objetos do ambiente, brinquedos sonoros e instrumentos musicais. O professor e as
crianças, juntos, poderão definir quais personagens ou situações deverão ser sonorizados e como,
realizando um exercício prazeroso. Como representar sonoramente um bater de portas, o trotar de
cavalos, a água correndo no riacho, o canto dos sapos e, enfim, a diversidade de sons presentes na
realidade e no imaginário das crianças é atividade que envolve e desperta a atenção, a percepção e a
discriminação auditiva.

Apreciação musical
A apreciação musical refere-se a audição e interação com músicas diversas.

Crianças de zero e três anos


- Escuta de obras músicas variadas.
- Participação em situações que integrem músicas, canções e movimentos corporais.

Orientações didáticas
A escuta musical deve estar integrada de maneira intencional às atividades cotidianas dos bebês e
das crianças pequenas. É aconselhável a organização de um pequeno repertório que, durante algum
tempo, deverá ser apresentado para que estabeleçam relações com o que escutam. Tal repertório pode
contar com obras da música erudita, da música popular, do cancioneiro infantil, da música regional etc. A
música, porém, não deve funcionar como pano de fundo permanente para o desenvolvimento de outras
atividades, impedindo que o silêncio seja valorizado. A escuta de emissoras de rádio comerciais com
programas de variedades ou músicas do interesse do adulto durante o período em que se troca a fralda
ou se alimenta o bebê é desaconselhada. O trabalho com a apreciação musical deverá apresentar obras
que despertem o desejo de ouvir e interagir, pois para essas crianças ouvir é, também, movimentar-se,
já que as crianças percebem e expressam-se globalmente.

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Crianças de quatro a seis anos
- Escuta de obras musicais de diversos gêneros, estilos, épocas e culturas, da produção musical
brasileira e de outros povo e países.
- Reconhecimento de elementos musicais básicos: frases, partes, elementos que se repetem etc. (a
forma)
- Informações sobre as obras ouvidas e sobre seus compositores para iniciar seus compositores para
iniciar seus conhecimentos sobre a produção musical.

Orientações didáticas
Nessa faixa etária, o trabalho com a audição poderá ser mais detalhado, acompanhando a ampliação
da capacidade de atenção e concentração das crianças. A apreciação musical poderá propiciar o
enriquecimento e ampliação do conhecimento de diversos aspectos referentes à produção musical: os
instrumentos utilizados; tipo de profissionais que atuam e o conjunto que formam (orquestra, banda etc.);
gêneros musicais; estilos etc. O contato com uma obra musical pode ser complementado com algumas
informações relativas ao contexto histórico de sua criação, a época, seu compositor, intérpretes etc.
Há que se tomar cuidado para não limitar o contato das crianças com o repertório dito “infantil” que é,
muitas vezes, estereotipado e, não raro, o mais inadequado. As canções infantis veiculadas pela mídia,
produzidas pela indústria cultural, pouco enriquecem o conhecimento das crianças. Com arranjos
padronizados, geralmente executados por instrumentos eletrônicos, limitam o acesso a um universo
musical mais rico e abrangente que pode incluir uma variedade de gêneros, estilos e ritmos regionais,
nacionais e internacionais.
É importante oferecer, também, a oportunidade de ouvir música sem texto, não limitando o contato
musical da criança com a canção que, apesar de muito importante, não se constitui em única
possibilidade. Por integrar poesia e música, a canção remete, sempre, ao conteúdo da letra, enquanto o
contato com a música instrumental ou vocal sem um texto definido abre a possibilidade de trabalhar com
outras maneiras. As crianças podem perceber sentir e ouvir, deixando-se guiar pela sensibilidade, pela
imaginação e pela sensação que a música lhes sugere e comunica. Poderão ser apresentadas partes de
composições ou peças breves, danças, repertório da música chamada descritiva, assim como aquelas
que foram criadas visando a apreciação musical infantil.
A produção musical de cada região do país é muito rica, de modo que se pode encontrar vasto material
para o desenvolvimento do trabalho com as crianças. Nos grandes centros urbanos, a música tradicional
popular vem perdendo sua força e cabe aos professores resgatar e aproximar as crianças dos valores
musicais de sua cultura.
As músicas de outros países também devem ser apresentadas e a linguagem musical deve ser tratada
e entendida em sua totalidade: como linguagem presente em todas as culturas, que traz consigo a marca
de cada criador, cada povo, cada época. O contato das crianças com produções musicais diversas deve,
também, prepará-las para compreender a linguagem musical como forma de expressão individual e
coletiva e como maneira de interpretar o mundo.

Orientações gerais para o professor

Para as crianças nesta faixa etária, os conteúdos relacionados ao fazer musical deverão ser
trabalhados em situações lúdicas, fazendo parte do contexto global das atividades.
Quando as crianças se encontram em um ambiente afetivo no qual o professor está atento a suas
necessidades, falando, cantando e brincando com e para elas, adquirem a capacidade de atenção,
tornando-se capazes de ouvir os sons do entorno. Podem aprender com facilidade as músicas mesmo
que sua reprodução não seja fiel.
Integrar a música à educação infantil implica que o professor deva assumir uma postura de
disponibilidade em relação a essa linguagem. Considerando-se que a maioria dos professores de
educação infantil não tem uma formação específica em música, sugere-se que cada profissional faça um
contínuo trabalho pessoal consigo mesmo no sentido de:
- sensibilizar-se em relação às questões inerentes à música.
- reconhecer a música como linguagem cujo conhecimento se constrói.
- entender e respeitar como as crianças se expressam musicalmente em cada fase, para, a partir daí,
fornecer os meios necessários (vivencias, informações, materiais) ao desenvolvimento de sua capacidade
expressiva.

A escuta é uma das ações fundamentais para a construção do conhecimento referente à música. O
professor deve procurar ouvir o que dizem e cantam as crianças, a “paisagem sonora” de seu meio

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ambiente e a diversidade musical existente: o que é transmitido por rádio e TV, as músicas de
propaganda, as trilhas sonoras dos filmes, a música do folclore, a música erudita, a música popular, a
música de outros povos e culturas.
As marcas e lembranças da infância, os jogos, brinquedos e canções significativas da vida do
professor, assim como o repertório musical das famílias, vizinhos e amigos das crianças, podem integrar
o trabalho com música.
É importante desenvolver nas crianças atitudes de respeito e cuidado com os materiais musicais, de
valorização da voz humana e do corpo como materiais expressivos. Como o exemplo do professor é muito
importante, é desejável que ele fale e cante com os cuidados necessários à boa emissão do som, evitando
gritar e colaborando para desenvolver nas crianças atitudes semelhantes.

Organização do tempo
Cantar e ouvir músicas podem ocorrer com frequência e de forma permanente nas instituições. As
atividades que buscam valorizar a linguagem musical e que destacam sua autonomia, valor expressivo e
cultural (jogos de improvisação, interpretação e composição) podem ser realizadas duas ou três vezes
por semana, em períodos curtos de até vinte ou trinta minutos, para as crianças maiores.
Podem ser, também, realizados projetos que integrem vários conhecimentos ligados à produção
musical. A construção de instrumentos, por exemplo, pode se constituir em um projeto por meio do qual
as crianças poderão:
- explorar materiais adequados à confecção;
- desenvolver recursos técnicos para a confecção do instrumento;
- informar-se sobre a origem e história do instrumento musical em questões;
- vivenciar e entender questões relativas a acústica e produção do som;
- fazer música, por meio da improvisação ou composição, no momento em que os instrumentos criados
estiverem prontos.
Da mesma forma, podem ser desenvolvidos projetos envolvendo jogos e brincadeiras de roda, gêneros
musicais etc.

Oficina
A atividade de construção de instrumentos é de grande importância e por isso poderá justificar a
organização de um momento específico na rotina, comumente denominado de oficina. Além de contribuir
para o entendimento de questões elementares referentes à produção do som e suas qualidades, estimula
a pesquisa, a imaginação e a capacidade criativa.
Para viabilizar o projeto de construção de instrumentos com as crianças, o material a ser utilizado pode
ser organizado de forma a facilitar uma produção criativa e interessante.
Para isso é importante selecionar e colocar à disposição das crianças: sucatas e materiais recicláveis
que devem estar bem cuidados, limpos e guardados de modo prático e funcional; latas de todos os tipos;
caixas de papelão firmes de diferentes tamanhos; tubos de papelão e de conduíte; retalhos de madeira;
caixas de frutas; embalagens etc. Também, é preciso ter grãos, pedrinhas, sementes, elásticos, bexigas,
plásticos, retalhos de panos, fita crepe e/ou adesiva, cola etc., além de tintas e outros materiais destinados
ao acabamento e decoração dos materiais criados.
A experiência de construir materiais sonoros é muito rica. Acima de tudo é preciso que em cada região
do país este trabalho aproveite os recursos naturais, os materiais encontrados com mais facilidade e a
experiência dos artesãos locais, que poderão colaborar positivamente para o desenvolvimento do trabalho
com as crianças.
Tão importante quanto confeccionar os próprios instrumentos e objetos sonoros é poder fazer música
com eles, postura essencial a ser adotada nesse processo.

Jogos e brincadeiras
A música, na educação infantil mantém forte ligação com o brincar. Em algumas línguas, como no
inglês (to play) e no francês (jouer), por exemplo, usa-se o mesmo verbo para indicar tanto as ações de
brincar quanto as de tocar música. Em todas as culturas as crianças brincam com a música. Jogos e
brinquedos musicais são transmitidos por tradição oral, persistindo nas sociedades urbanas nas quais a
força da cultura de massas é muito intensa, pois são fonte de vivências e desenvolvimento expressivo
musical. Envolvendo o gesto, o movimento, o canto, a dança e o faz-de-conta, esses jogos e brincadeiras
são expressão da infância. Brincar de roda, ciranda, pular corda, amarelinha etc. são maneiras de
estabelecer contato consigo próprio e com o outro, de se sentir único e, ao mesmo tempo, parte de um
grupo, e de trabalhar com as estruturas e formas musicais que se apresentam em cada canção e em
cada brinquedo.

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Os jogos e brinquedos musicais da cultura infantil incluem os acalantos (cantigas de ninar); as
parlendas (os brincos, as mnemônicas e as parlendas propriamente ditas); as rondas (canções de roda);
as adivinhas; os contos; os romances etc. Os acalantos e os chamados brincos são as formas de brincar
musical característicos da primeira fase da vida da criança. Os acalantos são entoados pelos adultos para
tranquilizar e adormecer bebês e crianças pequenas; os brincos são as brincadeiras rítmico-musicais com
que os adultos entretêm e animam as crianças, como “Serra, serra, serrador, serra o papo do vovô”, e
suas muitas variantes encontradas pelo país afora, que é cantarolado enquanto se imita o movimento do
serrador. “Palminhas de guiné, pra quando papai vier...”, “Dedo mindinho, seu vizinho, maior de todos...”,
“Upa, upa, cavalinho...” são exemplos de brincos que, espontaneamente, os adultos realizam junto aos
bebês e crianças.
As parlendas propriamente ditas e as mnemônicas são rimas sem música. As parlendas servem como
fórmula de escolha numa brincadeira, como trava-línguas etc., como os seguintes exemplos: “Rei,
capitão, soldado, ladrão, moço bonito do meu coração...”; “Lá em cima do piano tem um copo de veneno,
quem bebeu morreu, o azar foi seu...”. Os trava-línguas são parlendas caracterizadas por sua
pronunciação difícil: “Num ninho de mafagafos/ Seis mafagafinhos há/ Quem os desmafagafizar/ Bom
desmafagafizador será...”, ou ainda, “Nem a aranha arranha o jarro, nem o jarro arranha a aranha...”.
As mnemônicas referem-se a conteúdos específicos, destinados a fixar ou ensinar algo como número
ou nomes: “Um, dois, feijão com arroz/ Três, quatro, feijão no prato/ Cinco, seis, feijão inglês/ Sete, oito,
comer biscoito/ Nove, dez, comer pastéis...”, ou “Una, duna, tena, catena/ Bico de pena, solá, soladá/
Gurupi, gurupá/ Conte bem que são dez...”.
As rondas ou brincadeiras de roda integram poesia, música e dança. No Brasil, receberam influências
de várias culturas, especialmente a lusitana, africana, ameríndia, espanhola e francesa: “A moda da
carranquinha”, “Você gosta de mim”, “Fui no Itororó”, “A linda rosa juvenil”, “A canoa virou”, ou “Terezinha
de Jesus”.
Os jogos sonoro-musicais possibilitam a vivência de questões relacionadas ao som (e suas
características), ao silêncio e à música.
Brincar de estátuas é um exemplo de jogo em que, por meio do contraste entre som e silêncio, se
desenvolve a expressão corporal, a concentração, a disciplina e a atenção. A tradicional brincadeira das
cadeiras é um outro exemplo de jogo que pode ser realizado com as crianças.
Jogos de escuta dos sons do ambiente, de brinquedos, de objetos ou instrumentos musicais; jogos de
imitação de sons vocais, gestos e sons corporais; jogos de adivinhação nos quais é necessário
reconhecer um trecho de canção, de música conhecida, de timbres de instrumentos etc.; jogos de direção
sonora para percepção da direção de uma fonte sonora; e jogos de memória, de improvisação etc. são
algumas sugestões que garantem às crianças os benefícios e alegrias que a atividade lúdica proporciona
e que, ao mesmo tempo, desenvolvem habilidades, atitudes e conceitos referentes à linguagem musical.

Organização do espaço
O espaço no qual ocorrerão as atividades de música deve ser dotado de mobiliário que possa ser
disposto e reorganizado em função das atividades a serem desenvolvidas.
Em geral, as atividades de música requerem um espaço amplo, uma vez que estão intrinsecamente
ligadas ao movimento. Para a atividade de construção de instrumentos, no entanto, será interessante
contar com um espaço com mesas e cadeiras onde as crianças possam sentar-se e trabalhar com calma.
O espaço também deve ser preparado de modo a estimular o interesse e a participação das crianças,
contando com alguns estímulos sonoros.

As fontes sonoras
O trabalho com a música deve reunir toda e qualquer fonte sonora: brinquedos, objetos do cotidiano e
instrumentos musicais de boa qualidade. É preciso lembrar que a voz é o primeiro instrumento e o corpo
humano é fonte de produção sonora.
É importante que o professor possa estar atento a maior ou menor adequação dos diversos
instrumentos à faixa etária de zero a seis anos. Pode-se confeccionar diversos materiais sonoros com as
crianças, bem como introduzir brinquedos sonoros populares, instrumentos étnicos etc. O trabalho
musical a ser desenvolvido nas instituições de educação infantil pode ampliar meios e recursos pela
inclusão de materiais simples aproveitados do dia-a-dia ou presentes na cultura da criança.
Os brinquedos sonoros e os instrumentos de efeito sonoro são materiais bastante adequados ao
trabalho com bebês e crianças pequenas. Com relação aos brinquedos, devem-se valorizar os populares,
como a matraca, o “rói-rói” ou “berra-boi” do Nordeste; os piões sonoros as sirenes e apitos etc., além
dos tradicionais chocalhos de bebês, alguns dos quais portadores de timbres bastante especiais.

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Pios de pássaros, sinos de diferentes tamanhos, folhas de acetato, brinquedos que imitam sons de
animais, entre outros, são materiais interessantes que podem ser aproveitados na realização das
atividades musicais. Os pios de pássaros, por exemplo, além de servirem à sonorização de histórias,
podem estimular a discriminação auditiva, o mesmo acontecendo com os diferentes sinos. Um tipo de
sino, chamado de “chocalho”, no Nordeste, e de “cencerro”, no Sul do país, e que costuma ser pendurado
no pescoço de animais com a função de sinalizar a direção, pode, por exemplo, ser utilizado no processo
de musicalização das crianças em improvisações ou pequenos arranjos e também em exercícios de
discriminação, classificação e seriação de sons. Com os mesmos objetivos podem ser usados conjuntos
de tampas plásticas, potes, caixinhas etc.
Os pequenos idiofones, por suas características, são os instrumentos mais adequados para o início
das atividades musicais com crianças. Sendo o próprio corpo do instrumento o responsável pela produção
do som, são materiais que respondem imediatamente ao gesto.
Assim, sacudir um chocalho, ganzá ou guizo, raspar um reco-reco, percutir um par de clavas, um
triângulo ou coco, badalar um sino, são gestos motores possíveis de serem realizados desde pequenos.
Nessa fase é importante misturar instrumentos de madeira, metal ou outros materiais a fim de explorar as
diferenças tímbricas entre eles, assim como pesquisar diferentes modos de ação num mesmo
instrumento, tais como instrumentos indígenas etc.
Podem ser construídos idiofones a partir do aproveitamento de materiais simples, como copos
plásticos, garrafas de PVC, pedaços de madeira ou metal etc. Os idiofones citados são instrumentos de
percussão com altura indeterminada, o que significa que não são afinados segundo uma escala ou modo.
Não produzem tons (som com afinação definida), mas ruídos. Os xilofones e metalofones são idiofones
afinados precisamente. Placas de madeira (xilofone) ou de metal (metalofone) dispostos sobre uma caixa
de ressonância - o ambiente responsável pela amplificação do som - são instrumentos musicais didáticos,
inspirados nos xilofones africanos e adaptados para uso no processo de educação musical.
Os xilos e metalofones podem ser utilizados por meio de gestos motores responsáveis pela produção
de diferentes sons: um som de cada vez, sons simultâneos, em movimentos do grave para o agudo e
vice-versa etc. Quando maiores, no geral, as crianças se interessam em poder reproduzir pequenas linhas
melódicas e os xilos e metalofones passam a ser trabalhados e percebidos de outra maneira.
Os tambores, que integram a categoria de membranofones - aqueles instrumentos em que o som é
produzido por uma pele, ou membrana, esticada e amplificada por uma caixa -, podem ser utilizados no
trabalho musical. São instrumentos muito primitivos, dotados de função sagrada e ritual para muitos povos
e continuam exercendo grande fascínio e atração para as crianças. Os vários tipos, como bongôs, surdos,
caixas, pandeiros, tamborins etc., estão muito presentes na música brasileira. É possível construir com
as crianças tambores de vários tamanhos que utilizam, além da pele animal, acetato, náilon, bexigas,
papéis, tecidos etc.
Os aerofones são instrumentos nos quais o som é produzido por via aérea, ou seja, são os
instrumentos de sopro. São utilizados com menor intensidade durante o trabalho com essa faixa etária
por apresentarem maiores exigências técnicas. Os pios de pássaros, flautas de êmbolo, além de alguns
instrumentos simples confeccionados pelas crianças, no entanto, podem ser utilizados, constituindo-se
em um modo de introdução a esse grupo de instrumentos musicais.
Os cordofones, ou instrumentos de cordas, em seus diversos grupos, são apresentados e trabalhados
por meio de construções simples, como, por exemplo, esticando elásticos sobre caixas ou latas. De forma
elementar, eles preparam as crianças para um contato posterior com os instrumentos de corda. Ao
experimentar tocar instrumentos como violão, cavaquinho, violino etc., as crianças poderão explorar o
aspecto motor, experimentando diferentes gestos e observando os sons resultantes.
É aconselhável que se possa contar com um aparelho de som para ouvir música e, também, para
gravar e reproduzir a produção musical das crianças.

O registro musical
O registro musical, que transpõe para outra dimensão um evento ou grupo de eventos sonoros, pode
começar a ser trabalhado nas instituições de educação infantil utilizando-se de outras formas de notação
que não sejam a escrita musical convencional.
Ao ouvir um impulso sonoro curto, a criança que realiza um movimento corporal está transpondo o
som percebido para outra linguagem. Diferentes tipos de sons (curtos, longos, em movimento, repetidos,
muito fortes, muito suaves, graves, agudos etc.) podem ser traduzidos corporalmente.
Esses gestos sonoros poderão ser transformados, também, em desenho. Representar o som por meio
do desenho é trazer para o gesto gráfico aquilo que a percepção auditiva identificou, constituindo-se em
primeiro modo de registro. Pode-se propor, para crianças a partir de quatro anos, que relacionem som e

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registro gráfico, criando códigos que podem ser lidos e decodificados pelo grupo: sons curtos ou longos,
graves ou agudos, fortes ou suaves etc.
Nessa faixa etária, a criança não deve ser treinada para a leitura e escrita musical na instituição de
educação infantil. O mais importante é que ela possa ouvir, cantar e tocar muito, criando formas de
notação musicais com a orientação dos professores.

Observação, registro e avaliação formativa

A avaliação na área de música deve ser contínua, levando em consideração os processos vivenciados
pelas crianças, resultado de um trabalho intencional do professor. Deverá constituir-se em instrumento
para a reorganização de objetivos, conteúdos, procedimentos, atividades, e como forma de acompanhar
e conhecer cada criança e grupo.
Deve basear-se na observação cuidadosa do professor. O registro de suas observações sobre cada
criança e sobre o grupo será um valioso instrumento de avaliação. O professor poderá documentar os
aspectos referentes ao desenvolvimento vocal (se cantam e como); ao desenvolvimento rítmico e motor;
à capacidade de imitação, de criação e de memorização musical. É recomendável que o professor
atualize, sistematicamente, suas observações, documentando mudanças e conquistas. Deve-se levar em
conta que, por um lado, há uma diversidade de respostas possíveis a serem apresentadas pelas crianças,
e, por outro, essas respostas estão frequentemente sujeitas a alterações, tendo em vista não só a forma
como as crianças pensam e sentem, mas a natureza do conhecimento musical.
Nesse sentido, a avaliação tem um caráter instrumental para o adulto e incide sobre os progressos
apresentados pelas crianças.
São consideradas como experiências prioritárias para a aprendizagem musical realizada pelas
crianças de zero a três anos: a atenção para ouvir, responder ou imitar; a capacidade de expressar-se
musicalmente por meio da voz, do corpo e com os diversos materiais sonoros.
Para que o envolvimento com as atividades, o prazer e a alegria em expressar-se musicalmente
ocorram e para ter curiosidade sobre os elementos que envolvem essa linguagem é preciso que as
crianças participem de situações nas quais sejam utilizadas a exploração e produção de sons vocais e
com diferentes materiais, e a observação do ambiente sonoro.
Uma vez que tenham tido muitas oportunidades, na instituição de educação infantil, de vivenciar
experiências envolvendo a música, pode-se esperar que as crianças entre quatro e seis anos a
reconheçam e utilizem-na como linguagem expressiva, conscientes de seu valor como meio de
comunicação e expressão. Por meio da voz, do corpo, de instrumentos musicais e objetos sonoros
deverão interpretar, improvisar e compor, interessadas, também, pela escuta de diferentes gêneros e
estilos musicais e pela confecção de materiais sonoros.
A conquista de habilidades musicais no uso da voz, do corpo e dos instrumentos deve ser observada,
acompanhada e estimulada, tendo-se claro que não devem constituir-se em fins em si mesmas e que
pouco valem se não estiverem integradas a um contexto em que o valor da música como forma de
comunicação e representação do mundo se faça presente.
Uma maneira interessante de propiciar a auto avaliação das crianças nessa faixa etária é o uso da
gravação de suas produções. Ouvindo, as crianças podem perceber detalhes: se cantaram gritando ou
não; se o volume dos instrumentos ou objetos sonoros estava adequado; se a história sonorizada ficou
interessante; se os sons utilizados aproximaram-se do real etc.

Sugestões De Obras Musicais E Discografia

• A ARCA DE NOÉ. Toquinho e Vinicius de Morais. Vols. 1 e 2. Polygram, 1980.


• ACALANTOS BRASILEIROS. Discos Marcus Pereira, 1978.
• ACERVO FUNARTE, MÚSICA BRASILEIRA. Coleção relançada em CD pelo Instituto Itaú Cultural,
SP, 1997 e 1998.
• AÇÃO DOS BACURAUS CANTANTES. João Bá, Devil Discos, SP, 1997.
• ADIVINHA O QUE É? MPB-4, Ariola, 1981.
• ANJOS DA TERRA. Dércio Marques, Devil Discos, SP.
• AS MAIS BELAS CANTIGAS DE RODA. M. Viana/Nave dos Sonhos.
• BANDEIRA DE SÃO JOÃO. Antonio José Madureira, Selo Eldorado, 1987.
• BAILE DO MENINO DEUS. Antonio José Madureira, Estúdio Eldorado.
• BORORO VIVE. UFMT. Cantos dos índios Bororo.
• BRINCADEIRAS DE RODA, ESTÓRIAS E CANÇÕES DE NINAR. Solange Maria, Antonio
Nóbrega, Selo Eldorado, 1983.

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• BRINCANDO DE RODA. Solange Maria e Coral Infantil, Selo Eldorado, 1997. Canções.
• CANÇÕES DE BRINCAR. Coleção Palavra Cantada, Velas, 1996.
• CANÇÕES DE NINAR. Coleção Palavra Cantada, Salamandra/Camerati.
• CANTO DO POVO DAQUI. Teca-Oficina de Música, SP, 1996.
• CARRANCAS. João Bá, Eldorado, SP. Canções.
• CASA DE BRINQUEDOS. Toquinho, Polygram, 1995. Canções.
• CASTELO RA-TIM-BUM. TV Cultura/SESI, Velas, 1995.
• COLEÇÃO MÚSICA POPULAR DO NORTE. Discos Marcus Pereira.
• COLEÇÃO MÚSICA POPULAR DO NORDESTE. Discos Marcus Pereira.
• COLEÇÃO MÚSICA POPULAR DO CENTRO-OESTE. Discos Marcus Pereira.
• COLEÇÃO MÚSICA POPULAR DO SUDESTE. Discos Marcus Pereira.
• COLEÇÃO MÚSICA POPULAR DO SUL. Discos Marcus Pereira.
• CORALITO. Thelma Chan, SP. Canções.
• CIRANDAS E CIRANDINHAS, H. VILLA- LOBOS. Roberto Szidon, piano, Kuarup, RJ, 1979.
• CLÁSSICOS DIVERTIDOS. Globo/Polydor.
• DOIS A DOIS. Grupo Rodapião, Belo Horizonte, MG, 1997.
• ESTRELINHAS. Carlos Savalla, RJ.
• ETENHIRITIPÁ. Cantos da Tradição Xavante, Quilombo Música, 1994.
• FOR CHILDREN. Béla Bartók. Piano solo, vols. 1 e 2, Zoltán Kocsis, piano, Paulus.
• IHU. TODOS OS SONS. Marlui Miranda, Pau Brasil, 1995. Cantos indígenas.
• IMAGINATIONS. Pour l’expression corporelle. Vols. 1 a 6. Andrée Huet, Auvidis Distribution.
• LULLABIES AND CHILDREN’S SONGS. Unesco Collection.
• MADEIRA QUE CUPIM NÃO RÓI. Antonio Nóbrega, Brincante, SP, 1997.
• MA MÈRE L’OYE. Maurice Ravel.
• MEU PÉ, MEU QUERIDO PÉ. Helio Ziskindi, Velas, 1997.
• MONJOLEAR. Dércio e Doroty Marques, MG.
• MÚSICA NA ESCOLA. Material didático, SEE-MG.
• MÚSICA PARA BEBÊS. Movieplay Brasil, 1994.
• NA PANCADA DO GANZÁ. Antonio Nóbrega, Brincante, SP, 1996.
• O APRENDIZ DE FEITICEIRO. Paul Dukas.
• O CARNAVAL DOS ANIMAIS. C. Saint-Saëns.
• O GRANDE CIRCO MÍSTICO. Edu Lobo e Chico Buarque, Som Livre.
• O MENINO POETA. Antonio Madureira, Estúdio Eldorado.
• OS SALTIMBANCOS. Adaptação de Chico Buarque, Philips.
• QUERO PASSEAR. Grupo Rumo/Velas.
• RÁ-TIM-BUM. TV Cultura/Fiesp/Sesi, Eldorado.
• RODA GIGANTE. Canções de Gustavo Kurlat, Escola Viva, SP.
• RUIDOS Y RUIDITOS. Vols.1, 2, 3 e 4. Judith Akoschky, Tarka, Buenos Aires.
• SEGREDOS VEGETAIS. Dércio Marques, Belo Horizonte, MG.
• SUÍTE QUEBRA-NOZES. Tchaikovsky.
• THE CHILDREN’S ALBUM. Tchaikovsky.
• VILLA-LOBOS ÀS CRIANÇAS. Jerzy Milewski, Cantabile Projetos de Arte, RJ.
• VILLA-LOBOS DAS CRIANÇAS. Espetáculo musical de cantigas infantis, Estúdio Eldorado, 1987.
• VILLA-LOBOS PARA CRIANÇAS. Seleção do Guia Prático de Heitor Villa-Lobos, Acervo Funarte,
Música Brasileira, Instituto Itaú Cultural, SP, 1996.

Artes Visuais - Introdução

As Artes Visuais expressam, comunicam e atribuem sentido a sensações, sentimentos, pensamentos


e realidade por meio da organização de linhas, formas, pontos, tanto bidimensional como tridimensional,
além de volume, espaço, cor e luz na pintura, no desenho, na escultura, na gravura, na arquitetura, nos
brinquedos, bordados, entalhes etc.
O movimento, o equilíbrio, o ritmo, a harmonia, o contraste, a continuidade, a proximidade e a
semelhança são atributos da criação artística. A integração entre os aspectos sensíveis, afetivos,
intuitivos, estéticos e cognitivos, assim como a promoção de interação e comunicação social, conferem
caráter significativo às Artes Visuais.
As Artes Visuais estão presentes no cotidiano da vida infantil. Ao rabiscar e desenhar no chão, na areia
e nos muros, ao utilizar materiais encontrados ao acaso (gravetos, pedras, carvão), ao pintar os objetos

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e até mesmo seu próprio corpo, a criança pode utilizar-se das Artes Visuais para expressar experiências
sensíveis.
Tal como a música, as Artes Visuais são linguagens e, portanto, uma das formas importantes de
expressão e comunicação humanas, o que, por si só, justifica sua presença no contexto da educação, de
um modo geral, e na educação infantil, particularmente.

Presença das artes visuais na educação infantil: ideias e práticas correntes

A presença das Artes Visuais na educação infantil, ao longo da história, tem demonstrado um
descompasso entre os caminhos apontados pela produção teórica e a prática pedagógica existente. Em
muitas propostas as práticas de Artes Visuais são entendidas apenas como meros passatempos em que
atividades de desenhar, colar, pintar e modelar com argila ou massinha são destituídas de significados.
Outra prática corrente considera que o trabalho deve ter uma conotação decorativa, servindo para
ilustrar temas de datas comemorativas, enfeitar as paredes com motivos considerados infantis, elaborar
convites, cartazes e pequenos presentes para os pais etc.
Nessa situação, é comum que os adultos façam grande parte do trabalho, uma vez que não consideram
que a criança tem competência para elaborar um produto adequado.
As Artes Visuais têm sido, também, bastante utilizadas como reforço para a aprendizagem dos mais
variados conteúdos. São comuns as práticas de colorir imagens feitas pelos adultos em folhas
mimeografadas, como exercícios de coordenação motora para fixação e memorização de letras e
números.
As pesquisas desenvolvidas a partir do início do século em vários campos das ciências humanas
trouxeram dados importantes sobre o desenvolvimento da criança, sobre o seu processo criador e sobre
as artes das várias culturas. Na confluência da antropologia, da filosofia, da psicologia, da psicanálise, da
crítica de arte, da psicopedagogia e das tendências estéticas da modernidade, surgiram autores que
formularam os princípios inovadores para o ensino das artes, da música, do teatro e da dança. Tais
princípios reconheciam a arte da criança como manifestação espontânea e auto expressiva: valorizavam
a livre expressão e a sensibilização para o experimento artístico como orientações que visavam ao
desenvolvimento do potencial criador, ou seja, as propostas eram centradas nas questões do
desenvolvimento da criança.
Tais orientações trouxeram inegável contribuição para que se valorizasse a produção criadora infantil,
mas o princípio revolucionário que advogava a todos a necessidade e a capacidade da expressão artística
aos poucos se transformou em “um deixar fazer” sem nenhum tipo de intervenção, no qual a
aprendizagem das crianças pôde evoluir muito pouco.
O questionamento da livre expressão e da ideia de que a aprendizagem artística era uma consequência
automática dos processos de desenvolvimento resultaram em um movimento, em vários países, pela
mudança nos rumos do ensino de arte. Surge a constatação de que o desenvolvimento artístico é
resultado de formas complexas de aprendizagem e, portanto, não ocorre automaticamente à medida que
a criança cresce.
A arte da criança, desde cedo, sofre influência da cultura, seja por meio de materiais e suportes com
que faz seus trabalhos, seja pelas imagens e atos de produção artística que observa na TV, em revistas,
em gibis, rótulos, estampas, obras de arte, trabalhos artísticos de outras crianças etc.
Embora seja possível identificar espontaneidade e autonomia na exploração e no fazer artístico das
crianças, seus trabalhos revelam: o local e a época histórica em que vivem; suas oportunidades de
aprendizagem; suas ideias ou representações sobre o trabalho artístico que realiza e sobre a produção
de arte à qual têm acesso, assim como seu potencial para refletir sobre ela.
As crianças têm suas próprias impressões, ideias e interpretações sobre a produção de arte e o fazer
artístico. Tais construções são elaboradas a partir de suas experiências ao longo da vida, que envolvem
a relação com a produção de arte, com o mundo dos objetos e com seu próprio fazer. As crianças
exploram, sentem, agem, refletem e elaboram sentidos de suas experiências. A partir daí constroem
significações sobre como se faz, o que é, para que serve e sobre outros conhecimentos a respeito da
arte.
Nesse sentido, as Artes Visuais devem ser concebidas como uma linguagem que tem estrutura e
características próprias, cuja aprendizagem, no âmbito prático e reflexivo, se dá por meio da articulação
dos seguintes aspectos:
- fazer artístico: centrado na exploração, expressão e comunicação de produção de trabalhos de arte
por meio de práticas artísticas, propiciando o desenvolvimento de um percurso de criação pessoal.
- apreciação: percepção do sentindo que o objeto propõe, articulando-o tanto aos elementos da
linguagem visual quanto aos materiais e suportes utilizados, visando desenvolver, por meio da

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observação e da fruição, a capacidade de construção do sentido, reconhecimento, análise e identificação
de obras de arte e de seus produtores.
- reflexão: considerado tanto no fazer artístico como na apreciação é um pensar sobre todos os
conteúdos do objeto artístico que se manifesta em sala, compartilhando perguntas e afirmações que a
criança realiza instigada pelo professor e no contato com suas próprias produções e as dos artistas.

O desenvolvimento da imaginação criadora, da expressão, da sensibilidade e das capacidades


estéticas das crianças poderão ocorrer no fazer artístico, assim como no contato com a produção de arte
presente nos museus, igrejas, livros, reproduções, revistas, gibis, vídeos, CD-ROM, ateliês de artistas e
artesãos regionais, feiras de objetos, espaços urbanos etc. O desenvolvimento da capacidade artística e
criativa deve estar apoiado, também, na prática reflexiva das crianças ao aprender, que articula a ação,
a percepção, a sensibilidade, a cognição e a imaginação.

A criança e as artes visuais

O trabalho com as Artes Visuais na educação infantil requer profunda atenção no que se refere ao
respeito das peculiaridades e esquemas de conhecimento próprios a cada faixa etária e nível de
desenvolvimento. Isso significa que o pensamento, a sensibilidade, a imaginação, a percepção, a intuição
e a cognição da criança devem ser trabalhados de forma integrada, visando a favorecer o
desenvolvimento das capacidades criativas das crianças.
No processo de aprendizagem em Artes Visuais a criança traça um percurso de criação e construção
individual que envolve escolhas, experiências pessoais, aprendizagens, relação com a natureza,
motivação interna e/ou externa. O percurso individual da criança pode ser significativamente enriquecido
pela ação educativa intencional; porém, a criação artística é um ato exclusivo da criança. É no fazer
artístico e no contato com os objetos de arte que parte significativa do conhecimento em Artes Visuais
acontece. No decorrer desse processo, o prazer e o domínio do gesto e da visualidade evoluem para o
prazer e o domínio do próprio fazer artístico, da simbolização e da leitura de imagens.
O ponto de partida para o desenvolvimento estético e artístico é o ato simbólico que permite reconhecer
que os objetos persistem, independentes de sua presença física e imediata. Operar no mundo dos
símbolos é perceber e interpretar elementos que se referem a alguma coisa que está fora dos próprios
objetos. Os símbolos reapresentam o mundo a partir das relações que a criança estabelece consigo
mesma, com as outras pessoas, com a imaginação e com a cultura.
Ao final do seu primeiro ano de vida, a criança já é capaz de, ocasionalmente, manter ritmos regulares
e produzir seus primeiros traços gráficos, considerados muito mais como movimentos do que como
representações. É a conhecida fase dos rabiscos, das garatujas. A repetida exploração e experimentação
do movimento amplia o conhecimento de si próprio, do mundo e das ações gráficas. Muito antes de saber
representar graficamente o mundo visual, a criança já o reconhece e identifica nele qualidades e funções.
Mais tarde, quando controla o gesto e passa a coordená-lo com o olhar, começa a registrar formas
gráficas e embora todas as modalidades artísticas devam ser contempladas pelo professor, a fim de
diversificar a ação das crianças na experimentação de materiais, do espaço e do próprio corpo, destaca-
se o desenvolvimento do desenho por sua importância no fazer artístico delas e na construção das demais
linguagens visuais (pintura, modelagem, construção tridimensional, colagens). O desenvolvimento
progressivo do desenho implica mudanças significativas que, no início, dizem respeito à passagem dos
rabiscos iniciais da garatuja para construções cada vez mais ordenadas, fazendo surgir os primeiros
símbolos.
Imagens de sol, figuras humanas, animais, vegetação e carros, entre outros, são frequentes nos
desenhos das crianças, reportando mais a assimilações dentro da linguagem do desenho do que a objetos
naturais. Essa passagem é possível graças às interações da criança com o ato de desenhar e com
desenhos de outras pessoas.
Na garatuja, a criança tem como hipótese que o desenho é simplesmente uma ação sobre uma
superfície, e ela sente prazer ao constatar os efeitos visuais que essa ação produziu.
A percepção de que os gestos, gradativamente, produzem marcas e representações mais organizadas
permite à criança o reconhecimento dos seus registros.
No decorrer do tempo, as garatujas, que refletiam sobretudo o prolongamento de movimentos rítmicos
de ir e vir, transformam-se em formas definidas que apresentam maior ordenação, e podem estar se
referindo a objetos naturais, objetos imaginários ou mesmo a outros desenhos.
Na medida em que crescem, as crianças experimentam agrupamentos, repetições e combinações de
elementos gráficos, inicialmente soltos e com uma grande gama de possibilidades e significações, e, mais
tarde, circunscritos a organizações mais precisas.

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Apresentam cada vez mais a possibilidade de exprimir impressões e julgamentos sobre seus próprios
trabalhos.
Enquanto desenham ou criam objetos também brincam de “faz-de-conta” e verbalizam narrativas que
exprimem suas capacidades imaginativas, ampliando sua forma de sentir e pensar sobre o mundo no
qual estão inseridas.
Na evolução da garatuja para o desenho de formas mais estruturadas, a criança desenvolve a intenção
de elaborar imagens no fazer artístico. Começando com símbolos muito simples, ela passa a articulá-los
no espaço bidimensional do papel, na areia, na parede ou em qualquer outra superfície. Passa também
a constatar a regularidade nos desenhos presentes no meio ambiente e nos trabalhos aos quais ela tem
acesso, incorporando esse conhecimento em suas próprias produções.
No início, a criança trabalha sobre a hipótese de que o desenho serve para imprimir tudo o que ela
sabe sobre o mundo e esse saber estará relacionado a algumas fontes, como a análise da experiência
junto a objetos naturais (ação física e interiorizada); o trabalho realizado sobre seus próprios desenhos e
os desenhos de outras crianças e adultos; a observação de diferentes objetos simbólicos do universo
circundante; as imagens que cria.
No decorrer da simbolização, a criança incorpora progressivamente regularidades ou códigos de
representação das imagens do entorno, passando a considerar a hipótese de que o desenho serve para
imprimir o que se vê.
É assim que, por meio do desenho, a criança cria e recria individualmente formas expressivas,
integrando percepção, imaginação, reflexão e sensibilidade, que podem então ser apropriadas pelas
leituras simbólicas de outras crianças e adultos.
A imitação, largamente utilizada no desenho pelas crianças e por muitos combatida, desenvolve uma
função importante no processo de aprendizagem. Imitar decorre antes de uma experiência pessoal, cuja
intenção é a apropriação de conteúdos, de formas e de figuras por meio da representação.
As atividades em artes plásticas que envolvem os mais diferentes tipos de materiais indicam às
crianças as possibilidades de transformação, de reutilização e de construção de novos elementos, formas,
texturas etc. A relação que a criança pequena estabelece com os diferentes materiais se dão, no início,
por meio da exploração sensorial e da sua utilização em diversas brincadeiras. Representações
bidimensionais e construção de objetos tridimensionais nascem do contato com novos materiais, no fluir
da imaginação e no contato com as obras de arte.
Para construir, a criança utiliza-se das características associativas dos objetos, seus usos simbólicos,
e das possibilidades reais dos materiais, a fim de, gradativamente, relacioná-los e transformá-los em
função de diferentes argumentos.

Objetivos

Crianças de zero a três anos


A instituição deve organizar sua prática em torno da aprendizagem em arte, garantindo oportunidades
para que as crianças sejam capazes de:
- ampliar o conhecimento de mundo que possuem, manipulando diferentes objetos e materiais,
explorando suas características, propriedades e possibilidades de manuseio e entrando em contato com
formas diversas de expressão artística;
- utilizar diversos materiais gráficos e plásticos sobre diferentes superfícies para ampliar suas
possibilidades de expressão e comunicação.

Crianças de quatro a seis anos


Para esta fase, os objetivos estabelecidos para a faixa etária de zero a três anos deverão ser
aprofundados e ampliados, garantindo-se, ainda, oportunidades para que as crianças sejam capazes de:
- interessar-se pelas próprias produções, pelas de outras crianças e pelas diversas obras artísticas
(regionais, nacionais ou internacionais) com as quais entrem em contato, ampliando seu conhecimento
do mundo e da cultura;
- produzir trabalhos de arte, utilizando a linguagem do desenho, da pintura, da modelagem, da
colagem, da construção, desenvolvendo o gosto, o cuidado e o respeito pelo processo de produção e
criação.

Conteúdos

Os conteúdos estão organizados em dois blocos. O primeiro bloco se refere ao fazer artístico e o
segundo trata da apreciação em Artes Visuais.

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A organização por blocos visa a oferecer visibilidade às especificidades da aprendizagem em artes,
embora as crianças vivenciem esses conteúdos de maneira integrada.

O fazer artístico
Crianças de zero a três anos
- Exploração e manipulação de materiais, como lápis e pinceis de diferentes texturas e espessuras,
brochas, carvão, carimbo, etc: de meios como tintas, água, areia, terra, argila, etc.: e de variados suportes
gráficos, como jornal, papel, papelão, parede, chão, caixas, madeiras, etc.
- Exploração e reconhecimento de diferentes movimentos gestuais, visando a produção de marcas
gráficas.
- Cuidado com o próprio corpo e dos colegas no contato com os suportes e materiais de artes.
- Cuidado com os materiais e com os trabalhos e objetos produzidos individualmente ou em grupo.

Orientações didáticas
Considera-se aqui a utilização de instrumentos, materiais e suportes diversos, como lápis, pincéis,
tintas, papéis, cola etc., para o fazer artístico a partir do momento em que as crianças já tenham condições
motoras para seu manuseio.
As crianças podem manusear diferentes materiais, perceber marcas, gestos e texturas, explorar o
espaço físico e construir objetos variados. Essas atividades devem ser bem dimensionadas e delimitadas
no tempo, pois o interesse das crianças desta faixa etária é de curta duração, e o prazer da atividade
advém exatamente da ação exploratória. Nesse sentido, a confecção de tintas e massas com as crianças
é uma excelente oportunidade para que elas possam descobrir propriedades e possibilidades de registro,
além de observar transformações. Vários tipos de tintas podem ser criados pelas crianças, utilizando
elementos da natureza, como folhas, sementes, flores, terras de diferentes cores e texturas que,
misturadas com água ou outro meio e peneiradas, criam efeitos instigantes quando usadas nas pinturas.
Há também diversas receitas de massas caseiras com corantes comestíveis que são excelentes para
modelagem. Outra possibilidade é pesquisar junto com as crianças a existência de locais próximos à
instituição de onde se podem extrair tipos de barro propícios a modelagens.
O trabalho com estruturas tridimensionais também pode ser desenvolvido por meio da colagem,
montagem e justaposição de sucatas previamente selecionadas, limpas e organizadas, provenientes de
embalagens diversas, elementos da natureza, tecidos etc. É preciso observar cuidadosamente que as
sucatas selecionadas sejam adequadas ao trabalho que se quer desenvolver. Assim, para um jogo de
construção, por exemplo, é preciso oferecer sucatas que possam ser empilhadas, encaixadas,
justapostas etc. Da mesma forma, para trabalhos de colagem, as sucatas devem oferecer uma superfície
que aceite a cola e que permitam a composição com diferentes suportes e materiais. É importante
considerar, ainda, o percurso individual de cada criança, evitando-se a construção de modelos
padronizados.
Quando se tratar de atividades de desenho ou pintura, é aconselhável que o professor esteja atento
para oferecer suportes variados e de diferentes tamanhos para serem utilizados individualmente ou em
pequenos grupos, como panos, papéis ou madeiras, que permitam a liberdade do gesto solto, do
movimento amplo e que favoreçam um trabalho de exploração da dimensão espacial, tão necessária às
crianças desta faixa etária.
As marcas gráficas realizadas em diferentes superfícies, inclusive no próprio corpo, permitem a
percepção das variadas possibilidades de impressão. A articulação entre as sensações corporais e as
marcas gráficas, bem como o registro gráfico que surgir daí, fornecerá às crianças um maior
conhecimento de si mesmas e poderá contribuir para as atividades de representação da própria imagem,
dos sentimentos e de suas experiências corporais. Essas atividades podem se dar sobre a areia seca ou
molhada, na terra, sobre diferentes tipos e tamanhos de papel etc. Pode-se, por exemplo, utilizar tinta
para imprimir marcas em um papel comprido sobre o qual as crianças caminham e vão percebendo, aos
poucos, que as inscrições, que no início eram bem visíveis, vão ficando cada vez mais fracas até
desaparecerem.
Sugere-se que sejam apresentadas atividades variadas que trabalhem uma mesma informação de
diversas formas. Pode-se, por exemplo, eleger um instrumento, como o pincel, para crianças que já
manejem esse instrumento, e usá-lo sobre diferentes superfícies (papel liso, rugado, lixa, argila etc.) ou
um mesmo meio, como a tinta, por exemplo, em diversas situações (soprada em canudo, com esponjas,
com carimbos etc.). É preciso trabalhar com as crianças os cuidados necessários com o próprio corpo e
com o corpo dos outros, principalmente com os olhos, boca, nariz e pele, quando elas manuseiam
diferentes materiais, instrumentos e objetos.

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A seleção dos materiais deve ser subordinada à segurança que oferecem. Devem-se evitar materiais
tóxicos, cortantes ou aqueles que apresentam possibilidade de machucar ou provocar algum dano para
a saúde das crianças.
Os diversos materiais para produções artísticas devem ser organizados de maneira a que as crianças
tenham fácil acesso a eles. Isso contribui para que elas possam cuidar dos materiais de uso individual e
coletivo, desenvolvendo noções relacionadas à sua conservação.

Crianças de quatro a seis anos


- Criação de desenhos, pinturas, colagens, modelagens a partir de seu próprio repertório e da utilização
dos elementos da linguagem das Artes Visuais: ponto, linha, forma, cor, volume, espaço, textura etc.
- Exploração e utilização de alguns procedimentos necessários para desenhar, pintar, modelar, etc.
- Exploração e aprofundamento das possibilidades oferecidas pelos diversos materiais, instrumentos
e suportes necessários para o fazer artístico.
- Exploração dos espaços bidimensionais e tridimensionais na realização de seus projetos artísticos.
- Organização e cuidado com os materiais no espaço físico da sala.
- Respeito e cuidado com os objetos produzidos individualmente e em grupo.
- Valorização de suas próprias produções, das de outras crianças e da produção de arte em geral.

Orientações didáticas
Para que as crianças possam criar suas produções, é preciso que o professor ofereça oportunidades
diversas para que elas se familiarizem com alguns procedimentos ligados aos materiais utilizados, aos
diversos tipos de suporte e para que possam refletir sobre os resultados obtidos.
É aconselhável, portanto, que o trabalho seja organizado de forma a oferecer às crianças a
possibilidade de contato, uso e exploração de materiais, como caixas, latinhas, diferentes papéis,
papelões, copos plásticos, embalagens de produtos, pedaços de pano etc. É indicada a inclusão de
materiais típicos das diferentes regiões brasileiras, pois além de serem mais acessíveis, possibilitam a
exploração de referenciais regionais.
Para que a criança possa desenhar, é importante que ela possa fazê-lo livremente sem intervenção
direta, explorando os diversos materiais, como lápis preto, lápis de cor, lápis de cera, canetas, carvão,
giz, penas, gravetos etc., e utilizando suportes de diferentes tamanhos e texturas, como papéis, cartolinas,
lixas, chão, areia, terra etc.
Há várias intervenções possíveis de serem realizadas e que contribuem para o desenvolvimento do
desenho da criança. Uma delas é, partindo das produções já feitas pelas crianças, sugerir-lhes, por
exemplo, que copiem seus próprios desenhos em escala maior ou menor. Esse tipo de atividade
possibilita que a criança reflita sobre seu próprio desenho e organize de maneira diferente os pontos, as
linhas e os traçados no espaço do papel. Outra possibilidade é utilizar papéis que já contenham algum
tipo de intervenção, como, por exemplo, um risco, um recorte, uma colagem de parte de uma figura etc.,
para que a criança desenhe a partir disso.
É interessante propor às crianças que façam desenhos a partir da observação das mais diversas
situações, cenas, pessoas e objetos. O professor pode pedir que observem e desenhem a partir do que
viram. Por exemplo, as crianças podem perceber as formas arredondadas dos calcanhares, distinguir os
diferentes tamanhos dos dedos, das unhas, observar a sola do pé e a parte superior dele, bem como as
características que diferenciam os pés de cada um.
As histórias, as imagens significativas ou os fatos do cotidiano podem ampliar a possibilidade de as
crianças escolherem temas para trabalhar expressivamente. Tais intervenções educativas devem ser
feitas com o objetivo de ampliar o repertório e a linguagem pessoal das crianças e enriquecer seus
trabalhos. Os temas e as intervenções podem ser um recurso interessante desde que sejam observados
seus objetivos e função no desenvolvimento do percurso de criação pessoal da criança. É preciso, no
entanto, ter atenção quanto a programação de atividades para as crianças para se favorecer também
aquelas originárias das suas próprias ideias ou geradas pelo contato com os mais diversos materiais.
O professor, conhecendo bem o grupo, pode apresentar sugestões e auxiliar as crianças a
desenvolverem as propostas pelas quais optaram, indicando materiais mais adequados a cada uma.
As criações tridimensionais devem ser feitas em etapas, pois exigem diversas ações, como colagem,
pintura, montagem etc. Fazer maquetes de cidades ou brinquedos são exemplos de atividades que podem
ser realizadas e que envolvem a composição de volumes, proporcionalidades, equilíbrios etc.
Guardar, organizar a sala e documentar as produções são ações que podem ajudar cada criança na
percepção de seu processo evolutivo e do desenrolar das etapas de trabalho.
Essa é uma tarefa que o professor poderá realizar junto ao grupo. A exposição dos trabalhos realizados
é uma forma de propiciar a leitura dos objetos feitos pelas crianças e a valorização de suas produções.

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Apreciação em Artes Visuais
Crianças de zero a três anos
- Observação e identificação de imagem diversas;

Orientações didáticas
No que diz respeito às leituras das imagens, deve-se eleger materiais que contemplem a maior
diversidade possível e que sejam significativos para as crianças. É aconselhável que, por meio da
apreciação, as crianças reconheçam e estabeleçam relações com o seu universo, podendo conter
pessoas, animais, objetos específicos às culturas regionais, cenas familiares, cores, formas, linhas etc.
Entretanto, imagens abstratas ou renascentistas, por exemplo, também podem ser mostradas para as
crianças. Nesses casos, há que se observar o sentido narrativo que elas atribuem a essas imagens e
considerá-lo como parte do processo de construção da leitura de imagens. É aconselhável que as
crianças realizem uma observação livre das imagens e que possam tecer os comentários que quiserem
de tal forma que todo o grupo participe. O professor pode atuar como um provocador da apreciação e
leitura da imagem. Nesses casos o professor deve acolher e socializar as falas das crianças.

Crianças de quatro a seis anos


- Conhecimento da diversidade de produção artísticas, como desenhos, pinturas, esculturas,
construções, fotografias, colagens, ilustrações, cinema, etc.
- Apreciação das suas produções e das dos outros, por meio da observação e leitura de alguns dos
elementos da linguagem plástica.
- Observação dos elementos constituintes da linguagem visual: ponto, linha, forma, cor, volume,
contrastes, luz, texturas.
- Leitura de obras de arte a partir da observação, narração, descrição e interpretação de imagens e
objetos.
- Apreciação das Artes Visuais e estabelecimento de correlação com as experiências pessoais.

Orientações didáticas
Ao trabalhar com a leitura de imagens, é importante elaborar perguntas que instiguem a observação,
a descoberta e o interesse das crianças, como: “O que você mais gostou?”, “Como o artista conseguiu
estas cores?”, “Que instrumentos e meios ele usou?”, “O que você acha que foi mais difícil para ele
fazer?”. Este é um bom momento para descobrir que temas são mais significativos para elas. O professor
poderá criar espaços para a construção de uma observação mais apurada, instigando a descrição daquilo
que está sendo observado.
É aconselhável que o professor interfira nessas observações, aguçando as descobertas, fomentando
as verbalizações e até ajudando as crianças na apreensão significativa do conteúdo geral da imagem,
deixando sempre que as crianças sejam as autoras das interpretações. É interessante fornecer dados
sobre a vida do autor, suas obras e outras características. As informações vão sendo simplificadas ou
aprofundadas conforme a curiosidade e as possibilidades do grupo. Algumas crianças destacarão cores
e outras, dependendo da sensibilidade, poderão arriscar comentários sobre a similaridade gráfica entre o
trabalho do artista e de suas próprias produções. Evidentemente, é necessário que o professor escolha
um determinado contexto para que certa imagem possa ser apresentada, permitindo, inclusive, que os
trabalhos em Artes Visuais aconteçam também em atividades interdisciplinares, que são muito pertinentes
nas relações de ensino e aprendizagem.
As crianças têm prazer em reconhecer certas figuras, identificando-as às personagens de uma história
já conhecida, de um desenho e, até mesmo, de alguns filmes vistos na televisão. Então, a partir da
visualização de certas imagens, o professor poderá trabalhar com essas personagens por meio de jogos
simbólicos, fazendo pequenas dramatizações dentro do próprio espaço que a sala oferece, aproveitando
os objetos presentes.
As crianças podem observar imagens figurativas fixas ou em movimento e produções abstratas. Se for
dada a oportunidade para o trabalho com objetos e imagens da produção artística (regional, nacional ou
internacional), se for possibilitado o contato com artistas, as visitas às exposições etc., o professor estará
criando possibilidade para que as crianças desenvolvam relações entre as representações visuais e suas
vivências pessoais ou grupais, enriquecendo seu conhecimento do mundo, das linguagens das artes e
instrumentalizando-as como leitoras e produtoras de trabalhos artísticos.
Outra questão ainda merece destaque: o que fazer com as produções das crianças? As respostas são
múltiplas. Elas podem virar um brinquedo que será utilizado tão logo a atividade termine; podem ser
documentadas e arquivadas para que as crianças adquiram aos poucos a percepção do seu processo
criativo como um todo e possam atinar para o montante de trabalho produzido; podem ser enviadas para

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suas casas para servirem de enfeites nas paredes etc. Mas, antes disso, as produções devem ser
expostas, durante um certo período, nas dependências das instituições de educação infantil, tanto nos
corredores quanto nas paredes das salas, o que favorece a sua valorização pelas crianças. Produção,
comunicação, exposição, valorização e reconhecimento formam um conjunto que alimenta a criança no
seu desenvolvimento artístico. A participação em exposições organizadas especialmente para dar
destaque à produção infantil colabora com a autoestima das crianças e de seus familiares.
É essencial que se incluam atividades que se concentrem basicamente na leitura das imagens
produzidas pelas próprias crianças (desenhos, colagens, recortes, objetos tridimensionais, pinturas etc.).
Permitir que elas falem sobre suas criações e escutem as observações dos colegas sobre seus trabalhos
é um aspecto fundamental do trabalho em artes. É assim que elas poderão reformular suas ideias,
construindo novos conhecimentos a partir das observações feitas, bem como desenvolver o contato social
com os outros.
Nesta etapa é possível fortalecer o reconhecimento da singularidade de cada indivíduo na criação,
mostrando que não existe um jeito certo ou errado de se produzir um trabalho de arte, mas sim um jeito
individualizado, singular. Comentar os resultados dos trabalhos possibilita a descoberta do percurso na
criação e a percepção das soluções encontradas no processo de construção. Nas leituras grupais, as
crianças elaboram não somente os conteúdos comentados, mas estabelecem uma experiência de contato
e diálogo com as outras crianças, desenvolvendo o respeito, a tolerância à diversidade de interpretações
ou atribuição de sentido às imagens, a admiração e dando uma contribuição às produções realizadas, por
intermédio de uma prática de solidariedade e inclusão. É nessa interação ativa que acontecem
simultaneamente a observação, a apreciação, a verbalização e a ressignificação das produções. Nessas
situações, novamente, a imaginação, a ação, a sensibilidade, a percepção, o pensamento e a cognição
são reativados.

Orientações gerais para o professor

Os conteúdos da aprendizagem em artes poderão ser organizados de modo a permitir que, por um
lado, a criança utilize aquilo que já conhece e tem familiaridade, e, por outro lado, que possa estabelecer
novas relações, alargando seu saber sobre os assuntos abordados.
Convém ainda lembrar que a necessidade e o interesse também são criados e suscitados na própria
situação de aprendizagem. Tendo clareza do seu projeto de trabalho, o professor poderá imprimir maior
qualidade à sua ação educativa ao garantir que:
- a criança possa compreender e conhecer a diversidade da produção artística na medida em que
estabelece contato com as imagens das artes nos diversos meios, como livros de arte, revistas, visitas às
exposições, contato com artistas, filmes, etc.
- exista a possibilidade do uso de diferentes materiais pelas crianças, fazendo com que estes sejam
percebidos em sua diversidade, manipulados e transformados.
- os pontos de vistas de cada criança sejam respeitados, estimulando e desenvolvendo suas leituras
singulares e produções individuais.
- as trocas de experiência entre as crianças acontecem nos momentos de conversa e reflexão sobre
os trabalhos, elaborações conjuntas e atividades de grupos.
- o prazer lúdico seja o gerador do processo de produção.
- a arte seja compreendida como linguagem que constrói objetos plenos de sentido.
- a valorização da ação artística e o respeito pela diversidade dessa produção sejam elementos sempre
presentes.

Organização do tempo
A organização do tempo em Artes Visuais deve respeitar as possibilidades das crianças relativas ao
ritmo e interesse pelo trabalho, ao tempo de concentração, bem como ao prazer na realização das
atividades. É aconselhável que o professor esteja atento para redimensionar as atividades propostas,
seja em relação ao tempo, ou à própria atividade. Cada criança, pelo seu ritmo, demonstra a necessidade
de prolongar o tempo de trabalho ou de reduzi-lo, quando for o caso.
No que diz respeito à organização do tempo pode-se apontar três possibilidades de organização: as
atividades permanentes, as sequências de atividades e os projetos.

Atividades permanentes
São situações didáticas que acontecem com regularidade diária ou semanal, na rotina das crianças.
Os ateliês ou os ambientes de trabalho nos quais são oferecidas diversas atividades simultâneas, como
desenhar, pintar, modelar e fazer construções e colagens, para que as crianças escolham o que querem

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fazer, é um exemplo de atividade permanente. Esses ateliês permitem o desenvolvimento do percurso
individual de cada criança, na medida em que elas podem fazer suas escolhas, regular por si mesmas o
tempo dedicado a cada produção e experimentar diversas possibilidades. É aconselhável também que
se garanta um tempo na rotina para que as crianças possam desenhar diariamente sem a intervenção
direta do professor.

Sequências de atividades
A sequência de atividades se constitui em uma série planejada e orientada de tarefas, com objetivo de
promover uma aprendizagem específica e definida. São sequências que podem fornecer desafios com
diferentes graus de complexidade, auxiliando as crianças a resolverem problemas a partir de diferentes
proposições. Por exemplo, se o objetivo é fazer com que elas avancem em relação à representação da
figura humana por meio do desenho, pode-se planejar várias etapas de trabalho complementares,
ajudando-as numa elaboração progressiva e cada vez mais rica de seus conhecimentos e habilidades,
como:
- jogos de percepção e observação do seu corpo e do corpo de seus colegas.
- desenhar a partir de uma interferência colocada previamente no papel, que pode ser um desenho ou
uma colagem de uma parte do corpo humano.
- observação de figuras humanas nas imagens da arte.
- desenho a partir do que foi observado.
- observação de corpos em movimento pesquisados em revistas, em vídeos e, fotos.
- representação figurativa por meio do desenho das apreensoes perceptivas do corpo.
- montagem de paineis que contenham ampliações dos desenhos de figuras humanas elaboradas
pelas crianças do grupo.

Tanto quanto as atividades livres, as sequências de atividades também levam a apreciar, a refletir, e
a buscar significados nas imagens da arte.

Projetos
Os projetos são formas de trabalho que envolve diferentes conteúdos e que se organizam em torno de
um produto final cuja escolha e elaboração são compartilhadas com as crianças. Muitas vezes eles não
terminam com esse produto final, mas geram novas aprendizagens e novos projetos.
A construção de um cenário para brincar ou de uma maquete, a ornamentação de um bolo de
aniversário ou de uma mesa de festa, a elaboração de um painel, de uma exposição, ou a ilustração de
um livro são exemplos de projetos de artes. Os projetos em artes são permeados de negociação e de
pesquisas entre professores e crianças. Se de um lado o professor planeja as etapas e pode antecipar o
produto final, por sua vez, as crianças interferem no planejamento, alterando o processo a partir das
soluções que encontram nas suas produções.
Os projetos podem ter como ponto de partida um tema, um problema sugerido pelo grupo ou
decorrente da vida da comunidade, uma notícia de televisão ou de jornal, um interesse particular das
crianças etc. Uma das condições para sua escolha é que ele mobilize o interesse do grupo como um todo.
As crianças, em primeiro lugar, mas também os professores devem sentir-se atraídos pela questão.
É aconselhável que o professor observe atentamente e avalie continuamente o processo, tendo em
vista a reestruturação do trabalho a cada etapa do projeto.

Organização do espaço
A organização da sala, a quantidade e a qualidade dos materiais presentes e sua disposição no espaço
são determinantes para o fazer artístico.
É aconselhável que os locais de trabalho, de uma maneira geral, acomodem confortavelmente as
crianças, dando o máximo de autonomia para o acesso e uso dos materiais. Espaços apertados inibem
a expressão artística, enquanto os espaços suficientemente amplos favorecem a liberdade de expressão.
Nesse sentido, vale lembrar que os locais devem favorecer o andar, o correr e o brincar das crianças.
Devem, também, ser concebidos e equipados de tal forma que sejam interessantes para as crianças,
ativando o desejo de produzir e o prazer de estar ali. Precisam, igualmente, permitir o rearranjo do
mobiliário de acordo com as propostas. Faz parte do processo criativo certa desordem no local de trabalho
causada, por exemplo, pela variedade de materiais utilizados. A arrumação do espaço ao término das
atividades deve envolver a participação das crianças.
O espaço deve possibilitar também a exposição dos trabalhos e sua permanência nesse local pelo
tempo que for desejável.

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Muitas vezes as atividades nas instituições acontecem num mesmo espaço. O professor pode, então,
organizar o ambiente de forma a criar cantos específicos para cada atividade: cantos de brinquedos, de
Artes Visuais, de leitura de livros etc. No canto de artes, podem ser acomodadas caixas que abrigam os
materiais, o chão pode ser coberto de jornal para evitar manchas, a secagem das produções pode ser
feita pregando os trabalhos em varais ou em paredes, tudo pode ser organizado de forma transitória, mas
que possibilite a realização de uma atividade em Artes Visuais.
É possível organizar ateliês, que são espaços específicos e próprios para a realização de diferentes
atividades em Artes Visuais. Nesses ateliês, os materiais devem ficar constantemente acessíveis às
crianças, em prateleiras, estantes, caixas etc., de forma a permitir a livre escolha. É necessário também
que haja lugar para a secagem dos trabalhos, sejam eles pinturas ou objetos tridimensionais. A presença
de torneiras e pias é fundamental para a lavagem de pincéis, brochas e outros tipos de materiais, assim
como as mãos, rostos etc. Quanto ao armazenamento das produções realizadas, pastas e arquivos
também podem fazer parte desses locais que devem, inclusive, abrigar exposições permanentes das
produções.

Os recursos materiais
Os materiais são a base da produção artística. É importante garantir às crianças acesso a uma grande
diversidade de instrumentos, meios e suportes. Alguns deles são de uso corrente, como lápis preto, lápis
de cor, pincéis, lápis de cera, carvão, giz, brochas, rolos de pintar, espátulas, papéis de diferentes
tamanhos, cores e texturas, caixas, papelão, tintas, argila, massas diversas, barbantes, cola, tecidos,
linhas, lãs, fita crepe, tesouras etc. Outros materiais podem diversificar os procedimentos em Artes
Visuais, como canudos, esferas, conta-gotas, colheres, cotonetes, carretilhas, fôrmas diversas, papel-
carbono, estêncil, carimbos, escovas, pentes, palitos, sucatas, elementos da natureza etc.
Com relação às sucatas é importante que se faça uma seleção, garantindo que não ofereçam perigo
à saúde da criança, que estejam em boas condições e que sejam adequadas ao uso. Cada região
brasileira possui uma grande variedade de materiais próprios, tanto naturais quanto artesanais e
industrializados. O professor pode e deve aproveitá-los desde que sejam respeitados os cuidados
descritos.
Materiais e instrumentos, como mimeógrafos, vídeos, projetores de slides, retroprojetores, mesas de
luz, computadores, fotografias, xerox, filmadoras, CD-ROM etc., possibilitam o uso da tecnologia atual na
produção artística, o que enriquece a quantidade de recursos de que o professor pode lançar mão.

Observação, registro e avaliação formativa

A avaliação deve buscar entender o processo de cada criança, a significação que cada trabalho
comporta, afastando julgamentos, como feio ou bonito, certo ou errado, que utilizados dessa maneira em
nada auxiliam o processo educativo.
A observação do grupo, além de constante, deve fazer parte de uma atitude sistemática do professor
dentro do seu espaço de trabalho. O registro dessas observações e das percepções que surgem ao longo
do processo, tanto em relação ao grupo quanto ao percurso individual de cada criança, fornece alguns
parâmetros valiosos que podem orientar o professor na escolha dos conteúdos a serem trabalhados.
Podem também, ajudá-lo a avaliar a adequação desses conteúdos, colaborando para um planejamento
mais afinado com as necessidades do grupo de crianças.
Quando se aborda a questão da avaliação em Artes Visuais, surge inevitavelmente a discussão sobre
a possibilidade de realizá-la, posto que as produções em artes são sempre expressões singulares do
sujeito produtor e, sendo assim, não seriam passíveis de julgamento.
Em Artes Visuais a avaliação deve ser sempre processual e ter um caráter de análise e reflexão sobre
as produções das crianças. Isso significa que a avaliação para a criança deve explicitar suas conquistas
e as etapas do seu processo criativo; para o professor, deve fornecer informações sobre a adequação de
sua prática para que possa repensá-los e estruturá-los sempre com mais segurança.
São consideradas como experiências prioritárias em Artes Visuais realizada para as crianças de zero
a três anos: a exploração de diferentes materiais e a possibilidade de expressar-se por meio deles. Para
isso é necessário que as crianças tenham tido oportunidade de desenhar, pintar, modelar, brincar com
materiais de construção em diversas situações, utilizando os mais diferentes materiais.
A partir dos quatro e até os seis anos, uma vez que tenham tido muitas oportunidades, na instituição
de educação infantil, de vivenciar experiências envolvendo as Artes Visuais, pode-se esperar que as
crianças utilizem o desenho, a pintura, a modelagem e outras formas de expressão plástica para
representar, expressar-se e comunicar-se. Para tanto, é necessário que as crianças tenham vivenciado

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diversas atividades, envolvendo o desenho, a pintura, a modelagem etc., explorando as mais diversas
técnicas e materiais.

Linguagem oral e escrita - Introdução

A aprendizagem da linguagem oral e escrita é um dos elementos importantes para as crianças


ampliarem suas possibilidades de inserção e de participação nas diversas práticas sociais.
O trabalho com a linguagem se constitui um dos eixos básicos na educação infantil, dada sua
importância para a formação do sujeito, para a interação com as outras pessoas, na orientação das ações
das crianças, na construção de muitos conhecimentos e no desenvolvimento do pensamento.
Aprender uma língua não é somente aprender as palavras, mas também os seus significados culturais,
e, com eles, os modos pelos quais as pessoas do seu meio sociocultural entendem, interpretam e
representam a realidade.
A educação infantil, ao promover experiências significativas de aprendizagem da língua, por meio de
um trabalho com a linguagem oral e escrita, se constitui em um dos espaços de ampliação das
capacidades de comunicação e expressão e de acesso ao mundo letrado pelas crianças. Essa ampliação
está relacionada ao desenvolvimento gradativo das capacidades associadas às quatro competências
linguísticas básicas: falar, escutar, ler e escrever.

Presença da linguagem oral e escrita na educação infantil: ideias e práticas correntes

A linguagem oral está presente no cotidiano e na prática das instituições de educação infantil à medida
que todos que dela participam: crianças e adultos, falam, se comunicam entre si, expressando
sentimentos e ideias. As diversas instituições concebem a linguagem e a maneira como as crianças
aprendem de modos bastante diferentes. Em algumas práticas se considera o aprendizado da linguagem
oral como um processo natural, que ocorre em função da maturação biológica; prescinde-se nesse caso
de ações educativas planejadas com a intenção de favorecer essa aprendizagem.
Em outras práticas, ao contrário, acredita-se que a intervenção direta do adulto é necessária e
determinante para a aprendizagem da criança. Desta concepção resultam orientações para ensinar às
crianças pequenas listas de palavras, cuja aprendizagem se dá de forma cumulativa e cuja complexidade
cresce gradativamente. Acredita-se também que para haver boas condições para essa aprendizagem é
necessário criar situações em que o silêncio e a homogeneidade imperem. Eliminam-se as falas
simultâneas, acompanhadas de farta movimentação e de gestos, tão comuns ao jeito próprio das crianças
se comunicarem.
Nessa perspectiva a linguagem é considerada apenas como um conjunto de palavras para nomeação
de objetos, pessoas e ações.
Em muitas situações, também, o adulto costuma imitar a maneira de falar das crianças, acreditando
que assim se estabelece uma maior aproximação com elas, utilizando o que se supõe seja a mesma
“língua”, havendo um uso excessivo de diminutivos e/ou uma tentativa de infantilizar o mundo real para
as crianças.
O trabalho com a linguagem oral, nas instituições de educação infantil, tem se restringido a algumas
atividades, entre elas as rodas de conversa. Apesar de serem organizadas com a intenção de desenvolver
a conversa, se caracterizam, em geral, por um monólogo com o professor, no qual as crianças são
chamadas a responder em coro a uma única pergunta dirigida a todos, ou cada um por sua vez, em uma
ação totalmente centrada no adulto.
Em relação ao aprendizado da linguagem escrita, concepções semelhantes àquelas relativas ao
trabalho com a linguagem oral vigoram na educação infantil.
A ideia de prontidão para a alfabetização está presente em várias práticas. Por um lado, há uma crença
de que o desenvolvimento de determinadas habilidades motoras e intelectuais, necessárias para aprender
a ler e escrever, é resultado da maturação biológica, havendo nesse caso pouca influência externa. Por
meio de testes considera-se possível detectar o momento para ter início a alfabetização. Por outro lado,
há os que advogam a existência de pré-requisitos relativos à memória auditiva, ao ritmo, à discriminação
visual etc., que devem ser desenvolvidos para possibilitar a aprendizagem da leitura e da escrita pelas
crianças. Assim, os exercícios mimeografados de coordenação perceptivo-motora, como passar o lápis
sobre linhas pontilhadas, ligar elementos gráficos (levar o passarinho ao ninho, fazer os pingos da chuva
etc.), tornam-se atividades características das instituições de educação infantil.
Em outra perspectiva, a aprendizagem da leitura e da escrita se inicia na educação infantil por meio
de um trabalho com base na cópia de vogais e consoantes, ensinadas uma de cada vez, tendo como
objetivo que as crianças relacionem sons e escritas por associação, repetição e memorização de sílabas.

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A prática em geral realiza-se de forma supostamente progressiva: primeiro as vogais, depois as
consoantes; em seguida as sílabas, até chegar às palavras. Outra face desse trabalho de segmentação
e sequenciação é a ideia de partir de um todo, de uma frase, por exemplo, decompô-la em partes até
chegar às sílabas. Acrescenta-se a essa concepção a crença de que a escrita das letras pode estar
associada, também, à vivência corporal e motora que possibilita a interiorização dos movimentos
necessários para reproduzi-las.
Nas atividades de ensino de letras, uma das sequências, por exemplo, pode ser: primeiro uma
atividade com o corpo (andar sobre linhas, fazer o contorno das letras na areia ou na lixa etc.), seguida
de uma atividade oral de identificação de letras, cópia e, posteriormente, a permissão para escrevê-la
sem copiar. Essa concepção considera a aprendizagem da linguagem escrita, exclusivamente, como a
aquisição de um sistema de codificação que transforma unidades sonoras em unidades gráficas. As
atividades são organizadas em sequências com o intuito de facilitar essa aprendizagem às crianças,
baseadas em definições do que é fácil ou difícil, do ponto de vista do professor.
Pesquisas realizadas, nas últimas décadas, baseadas na análise de produções das crianças e das
práticas correntes, têm apontado novas direções no que se refere ao ensino e à aprendizagem da
linguagem oral e escrita, considerando a perspectiva da criança que aprende. Ao se considerar as
crianças ativas na construção de conhecimentos e não receptoras passivas de informações há uma
transformação substancial na forma de compreender como elas aprendem a falar, a ler e a escrever.
A linguagem oral possibilita comunicar ideias, pensamentos e intenções de diversas naturezas,
influenciar o outro e estabelecer relações interpessoais. Seu aprendizado acontece dentro de um
contexto. As palavras só têm sentido em enunciados e textos que significam e são significados por
situações. A linguagem não é apenas vocabulário, lista de palavras ou sentenças. É por meio do diálogo
que a comunicação acontece. São os sujeitos em interações singulares que atribuem sentidos únicos às
falas. A linguagem não é homogênea: há variedades de falas, diferenças nos graus de formalidade e nas
convenções do que se pode e deve falar em determinadas situações comunicativas. Quanto mais as
crianças puderem falar em situações diferentes, como contar o que lhes aconteceu em casa, contar
histórias, dar um recado, explicar um jogo ou pedir uma informação, mais poderão desenvolver suas
capacidades comunicativas de maneira significativa.
Pesquisas na área da linguagem tendem a reconhecer que o processo de letramento está associado
tanto à construção do discurso oral como do discurso escrito. Principalmente nos meios urbanos, a grande
parte das crianças, desde pequenas, está em contato com a linguagem escrita por meio de seus
diferentes portadores de texto, como livros, jornais, embalagens, cartazes, placas de ônibus etc.,
iniciando-se no conhecimento desses materiais gráficos antes mesmo de ingressarem na instituição
educativa, não esperando a permissão dos adultos para começarem a pensar sobre a escrita e seus usos.
Elas começam a aprender a partir de informações provenientes de diversos tipos de intercâmbios sociais
e a partir das próprias ações, por exemplo, quando presenciam diferentes atos de leitura e escrita por
parte de seus familiares, como ler jornais, fazer uma lista de compras, anotar um recado telefônico, seguir
uma receita culinária, buscar informações em um catálogo, escrever uma carta para um parente distante,
ler um livro de histórias etc.
A partir desse intenso contato, as crianças começam a elaborar hipóteses sobre a escrita. Dependendo
da importância que tem a escrita no meio em que as crianças vivem e da frequência e qualidade das suas
interações com esse objeto de conhecimento, suas hipóteses a respeito de como se escreve ou se lê
podem evoluir mais lentamente ou mais rapidamente. Isso permite compreender por que crianças que
vêm de famílias nas quais os atos de ler e escrever tem uma presença marcante apresentam mais
desenvoltura para lidar com as questões da linguagem escrita do que aquelas provenientes de famílias
em que essa prática não é intensa. Esse fato aponta para a importância do contato com a escrita nas
instituições de educação infantil.
Para aprender a ler e a escrever, a criança precisa construir um conhecimento de natureza conceitual:
precisa compreender não só o que a escrita representa, mas também de que forma ela representa
graficamente a linguagem. Isso significa que a alfabetização não é o desenvolvimento de capacidades
relacionadas à percepção, memorização e treino de um conjunto de habilidades sensório-motoras. É,
antes, um processo no qual as crianças precisam resolver problemas de natureza lógica até chegarem a
compreender de que forma a escrita alfabética em português representa a linguagem, e assim poderem
escrever e ler por si mesmas.
Nessa perspectiva, a aprendizagem da linguagem escrita é concebida como:
- a compreensão de um sistema de representação e não somente como a aquisição de um código de
transcrição da fala.
- um aprendizado que coloca diversas questões de ordem conceitual e não somente perceptivo-
motoras, para a criança.

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- um processo de construção do conhecimento pelas crianças por meio de práticas que tem como
ponto de partida e de chegada o uso da linguagem e a participação nas diversas práticas sociais de
escrita.
Quais são as implicações para a prática pedagógica e quais as principais transformações provocadas
por essa nova compreensão do processo de aprendizagem da escrita pela criança? A constatação de
que as crianças constroem conhecimentos sobre a escrita muito antes do que se supunha e de que
elaboram hipóteses originais na tentativa de compreendê-la amplia as possibilidades de a instituição de
educação infantil enriquecer e dar continuidade a esse processo. Essa concepção supera a ideia de que
é necessário, em determinada idade, instituir classes de alfabetização para ensinar a ler e escrever.
Aprender a ler e a escrever fazem parte de um longo processo ligado à participação em práticas sociais
de leitura e escrita.

A criança e a linguagem

Desenvolvimento da linguagem oral


Muito cedo, os bebês emitem sons articulados que lhes dão prazer e que revelam seu esforço para
comunicar-se com os outros. Os adultos ou crianças mais velhas interpretam essa linguagem peculiar,
dando sentido à comunicação dos bebês. A construção da linguagem oral implica, portanto, na
verbalização e na negociação de sentidos estabelecidos entre pessoas que buscam comunicar-se. Ao
falar com os bebês, os adultos, principalmente, tendem a utilizar uma linguagem simples, breve e
repetitiva, que facilita o desenvolvimento da linguagem e da comunicação. Outras vezes, quando falam
com os bebês ou perto deles, adultos e crianças os expõem à linguagem oral em toda sua complexidade,
como quando, por exemplo, na situação de troca de fraldas, o adulto fala: “Você está molhado? Eu vou
te limpar, trocar a fralda e você vai ficar sequinho e gostoso!”.
Nesses processos, as crianças se apropriam, gradativamente, das características da linguagem oral,
utilizando-as em suas vocalizações e tentativas de comunicação.
As brincadeiras e interações que se estabelecem entre os bebês e os adultos incorporam as
vocalizações rítmicas, revelando o papel comunicativo, expressivo e social que a fala desempenha desde
cedo. Um bebê de quatro meses que emite certa variedade de sons quando está sozinho, por exemplo,
poderá, repeti-los nas interações com os adultos ou com outras crianças, como forma de estabelecer uma
comunicação.
Além da linguagem falada, a comunicação acontece por meio de gestos, de sinais e da linguagem
corporal, que dão significado e apoiam a linguagem oral dos bebês. A criança aprende a verbalizar por
meio da apropriação da fala do outro. Esse processo refere-se à repetição, pela criança, de fragmentos
da fala do adulto ou de outras crianças, utilizados para resolver problemas em função de diferentes
necessidades e contextos nos quais se encontre. Por exemplo, um bebê de sete meses pode engatinhar
em direção a uma tomada e, ao chegar perto dela, ainda que demonstre vontade de tocá-la, pode apontar
para ela e menear a cabeça expressando assim, à sua maneira, a fala do adulto. Progressivamente,
passa a incorporar a palavra “não” associada a essa ação, que pode significar um conjunto de ideias
como: não se pode mexer na tomada; mamãe ou a professora não me deixam fazer isso; mexer aí é
perigoso etc.
Aprender a falar, portanto, não consiste apenas em memorizar sons e palavras. A aprendizagem da
fala pelas crianças não se dá de forma desarticulada com a reflexão, o pensamento, a explicitação de
seus atos, sentimentos, sensações e desejos.
A partir de um ano de idade, aproximadamente, as crianças podem selecionar os sons que lhe são
dirigidos, tentam descobrir sobre os sentidos das enunciações e procuram utilizá-los. Muitos dos
fenômenos relacionados com o discurso e a fala, como os sons expressivos, alterações de volume e
ritmo, ou o funcionamento dialógico das conversas nas situações de comunicação, são utilizados pelas
crianças mesmo antes que saibam falar. Isso significa que muito antes de se expressarem pela linguagem
oral as crianças podem se fazer compreender e compreender os outros, pois a competência linguística
abrange tanto a capacidade das crianças para compreenderem a linguagem quanto sua capacidade para
se fazerem entender. As crianças vão testando essa compreensão, modificando-a e estabelecendo novas
associações na busca de seu significado. Passam a fazer experiências não só com os sons e as palavras,
mas também com os discursos referentes a diferentes situações comunicativas. Por exemplo, nas
brincadeiras de faz-de-conta de falar ao telefone tentam imitar as expressões e entonações que elas
escutam dos adultos. Podem, gradativamente, separar e reunir, em suas brincadeiras, fragmentos
estruturais das frases, apoiando-se em músicas, rimas, parlendas e jogos verbais existentes ou
inventados. Brincam, também, com os significados das palavras, inventando nomes para si próprias ou
para os outros, em situações de faz-de-conta. Nos diálogos com adultos e com outras crianças, nas

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situações cotidianas e no faz-de-conta, as crianças imitam expressões que ouvem, experimentando
possibilidades de manutenção dos diálogos, negociando sentidos para serem ouvidas, compreendidas e
obterem respostas.
A construção da linguagem oral não é linear e ocorre em um processo de aproximações sucessivas
com a fala do outro, seja ela do pai, da mãe, do professor, dos amigos ou aquelas ouvidas na televisão,
no rádio etc.
Nas inúmeras interações com a linguagem oral, as crianças vão tentando descobrir as regularidades
que a constitui, usando todos os recursos de que dispõem: histórias que conhecem, vocabulário familiar
etc. Assim, acabam criando formas verbais, expressões e palavras, na tentativa de apropriar-se das
convenções da linguagem. É o caso, por exemplo, da criação de tempos verbais de uma menina de cinco
anos que, escondida atrás da porta, diz à professora: “Adivinha se eu ‘tô’ sentada, agachada ou
empezada?”, ou então no exemplo de uma criança que, ao emitir determinados sons na brincadeira, é
perguntada por outra: “Você está chorando?”, ao que a criança responde: “Não, estou graçando!”.
As crianças têm ritmos próprios e a conquista de suas capacidades linguísticas se dá em tempos
diferenciados, sendo que a condição de falar com fluência, de produzir frases completas e inteiras provém
da participação em atos de linguagem.
Quando a criança fala com mais precisão o que deseja, o que gosta e o que não gosta, o que quer e
o que não quer fazer e a fala passa a ocupar um lugar privilegiado como instrumento de comunicação,
pode haver um predomínio desta sobre os outros recursos comunicativos. Além de produzirem
construções mais complexas, as crianças são mais capazes de explicitações verbais e de explicar-se pela
fala. O desenvolvimento da fala e da capacidade simbólica ampliam significativamente os recursos
intelectuais, porém as falas infantis são, ainda, produto de uma perspectiva muito particular, de um modo
próprio de ver o mundo.
A ampliação de suas capacidades de comunicação oral ocorre gradativamente, por meio de um
processo de idas e vindas que envolvem tanto a participação das crianças nas conversas cotidianas, em
situações de escuta e canto de músicas, em brincadeiras etc., como a participação em situações mais
formais de uso da linguagem, como aquelas que envolvem a leitura de textos diversos.

Desenvolvimento da linguagem escrita


Nas sociedades letradas, as crianças, desde os primeiros meses, estão em permanente contato com
a linguagem escrita. É por meio desse contato diversificado em seu ambiente social que as crianças
descobrem o aspecto funcional da comunicação escrita, desenvolvendo interesse e curiosidade por essa
linguagem. Diante do ambiente de letramento em que vivem, as crianças podem fazer, a partir de dois ou
três anos de idade, uma série de perguntas, como “O que está escrito aqui?”, ou “O que isto quer dizer?”,
indicando sua reflexão sobre a função e o significado da escrita, ao perceberem que ela representa algo.
Sabe-se que para aprender a escrever a criança terá de lidar com dois processos de aprendizagem
paralelos: o da natureza do sistema de escrita da língua - o que a escrita representa e como - e o das
características da linguagem que se usa para escrever. A aprendizagem da linguagem escrita está
intrinsicamente associada ao contato com textos diversos, para que as crianças possam construir sua
capacidade de ler, e às práticas de escrita, para que possam desenvolver a capacidade de escrever
autonomamente.
A observação e a análise das produções escritas das crianças revelam que elas tomam consciência,
gradativamente, das características formais dessa linguagem. Constata-se, que, desde muito pequenas,
as crianças podem usar o lápis e o papel para imprimir marcas, imitando a escrita dos mais velhos, assim
como utilizam-se de livros, revistas, jornais, gibis, rótulos etc. para “ler” o que está escrito. Não é raro
observar-se crianças muito pequenas, que têm contato com material escrito, folhear um livro e emitir sons
e fazer gestos como se estivessem lendo.
As crianças elaboram uma série de ideias e hipóteses provisórias antes de compreender o sistema
escrito em toda sua complexidade.
Sabe-se, também, que as hipóteses elaboradas pelas crianças em seu processo de construção de
conhecimento não são idênticas em uma mesma faixa etária, porque dependem do grau de letramento
de seu ambiente social, ou seja, da importância que tem a escrita no meio em que vivem e das práticas
sociais de leitura e escrita que podem presenciar e participar.
No processo de construção dessa aprendizagem as crianças cometem “erros”. Os erros, nessa
perspectiva, não são vistos como faltas ou equívocos, eles são esperados, pois se referem a um momento
evolutivo no processo de aprendizagem das crianças. Eles têm um importante papel no processo de
ensino, porque informam o adulto sobre o modo próprio de as crianças pensarem naquele momento. E
escrever, mesmo com esses “erros”, permite às crianças avançarem, uma vez que só escrevendo é
possível enfrentar certas contradições. Por exemplo, se algumas crianças pensam que não é possível

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escrever com menos de três letras, e pensam, ao mesmo tempo, que para escrever “gato” é necessário
duas letras, estabelecendo uma equivalência com as duas sílabas da palavra gato, precisam resolver
essa contradição criando uma forma de grafar que acomode a contradição enquanto ainda não é possível
ultrapassá-la.
Desse modo, as crianças aprendem a produzir textos antes mesmo de saber grafá-los de maneira
convencional, como quando uma criança utiliza o professor como escriba ditando-lhe sua história. A
situação inversa também é possível, quando as crianças aprendem a grafar um texto sem tê-lo produzido,
como quando escrevem um texto ditado por outro ou um que sabem de cor. Isso significa que, ainda que
as crianças não possuam a habilidade para escrever e ler de maneira autônoma, podem fazer uso da
ajuda de parceiros mais experientes - crianças ou adultos - para aprenderem a ler e a escrever em
situações significativas.

Objetivos

Crianças de zero a três anos


As instituições e profissionais de educação infantil deverão organizar sua prática de forma a promover
as seguintes capacidades nas crianças:
- participar de variadas situações de comunicação oral, para interagir e expressar desejos,
necessidades e sentimentos por meio da linguagem oral, contando suas vivências;
- interessar-se pela leitura de histórias;
- familiarizar-se aos poucos com a escrita por meio da participação em situações nas quais ela se faz
necessária e do contato cotidiano com livros, revistas, histórias em quadrinhos etc.

Crianças de quatro a seis anos


Para esta fase, os objetivos estabelecidos para a faixa etária de zero a três anos deverão ser
aprofundados e ampliados, promovendo-se, ainda, as seguintes capacidades nas crianças:
- ampliar gradativamente suas possibilidades de comunicação e expressão, interessando-se por
conhecer vários gêneros orais e escritos e participando de diversas situações de intercâmbio social nas
quais possa contar suas vivências, ouvir as de outras pessoas, elaborar e responder perguntas;
- familiarizar-se com a escrita por meio do manuseio de livros, revistas e outros portadores de texto e
da vivência de diversas situações nas quais seu uso se faça necessário;
- escutar textos lidos, apreciando a leitura feita pelo professor;
- interessar-se por escrever palavras e textos ainda que não de forma convencional;
- reconhecer seu nome escrito, sabendo identificá-lo nas diversas situações do cotidiano;
- escolher os livros para ler e apreciar.

Conteúdos

O domínio da linguagem surge do seu uso em múltiplas circunstâncias, nas quais as crianças podem
perceber a função social que ela exerce e assim desenvolver diferentes capacidades.
Por muito tempo prevaleceu, nos meios educacionais, a ideia de que o professor teria de planejar,
diariamente, novas atividades, não sendo necessário estabelecer uma relação e continuidade entre elas.
No entanto, a aprendizagem pressupõe uma combinação entre atividades inéditas e outras que se
repetem. Dessa forma, a organização dos conteúdos de Linguagem Oral e Escrita deve se subordinar a
critérios que possibilitem, ao mesmo tempo, a continuidade em relação às propostas didáticas e ao
trabalho desenvolvido nas diferentes faixas etárias, e a diversidade de situações didáticas em um nível
crescente de desafios.
A oralidade, a leitura e a escrita devem ser trabalhadas de forma integrada e complementar,
potencializando-se os diferentes aspectos que cada uma dessas linguagens solicita das crianças. Neste
documento, os conteúdos são apresentados em um único bloco para as crianças de zero a três anos,
considerando-se a especificidade da faixa etária. Para as crianças de quatro a seis anos, os conteúdos
são apresentados em três blocos: “Falar e escutar”, “Práticas de leitura” e “Práticas de escrita”.

Crianças de zero a três anos


- Uso da linguagem oral para conversar, comunicar-se, relatar suas vivências e expressar desejos,
vontades, necessidades e sentimentos, nas diversas situações de interação presentes no cotidiano.
- Participação em situações de leitura de diferentes gêneros feita pelos adultos, como contos, poemas,
parlendas, trava-línguas etc.
- Participação em situações cotidianas nas quais se faz necessário o uso da leitura e da escrita.

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- Observação e manuseio de materiais impressos, como livros, revistas, histórias em quadrinhos etc.

Orientações didáticas
A aprendizagem da fala se dá de forma privilegiada por meio das interações que a criança estabelece
desde que nasce. As diversas situações cotidianas nas quais os adultos falam com a criança ou perto
dela configuram uma situação rica que permite à criança conhecer e apropriar-se do universo discursivo
e dos diversos contextos nos quais a linguagem oral é produzida. As conversas com o bebê nos
momentos de banho, de alimentação, de troca de fraldas são exemplos dessas situações. Nesses
momentos, o significado que o adulto atribui ao seu esforço de comunicação fornece elementos para que
ele possa, aos poucos, perceber a função comunicativa da fala e desenvolver sua capacidade de falar.
É importante que o professor converse com bebês e crianças, ajudando-os a se expressarem,
apresentando-lhes diversas formas de comunicar o que desejam, sentem, necessitam etc. Nessas
interações, é importante que o adulto utilize a sua fala de forma clara, sem infantilizações e sem imitar o
jeito de a criança falar.
A ampliação da capacidade das crianças de utilizar a fala de forma cada vez mais competente em
diferentes contextos se dá na medida em que elas vivenciam experiências diversificadas e ricas
envolvendo os diversos usos possíveis da linguagem oral. Portanto, eleger a linguagem oral como
conteúdo exige o planejamento da ação pedagógica de forma a criar situações de fala, escuta e
compreensão da linguagem.
Além da conversa constante, o canto, a música e a escuta de histórias também propiciam o
desenvolvimento da oralidade. A leitura pelo professor de textos escritos, em voz alta, em situações que
permitem a atenção e a escuta das crianças, seja na sala, no parque debaixo de uma árvore, antes de
dormir, numa atividade específica para tal fim etc., fornece às crianças um repertório rico em oralidade e
em sua relação com a escrita.
O ato de leitura é um ato cultural e social. Quando o professor faz uma seleção prévia da história que
irá contar para as crianças, independentemente da idade delas, dando atenção para a inteligibilidade e
riqueza do texto, para a nitidez e beleza das ilustrações, ele permite às crianças construírem um
sentimento de curiosidade pelo livro (ou revista, gibi etc.) e pela escrita. A importância dos livros e demais
portadores de textos é incorporada pelas crianças, também, quando o professor organiza o ambiente de
tal forma que haja um local especial para livros, gibis, revistas etc. que seja aconchegante e no qual as
crianças possam manipulá-los e “lê-los” seja em momentos organizados ou espontaneamente. Deixar as
crianças levarem um livro para casa, para ser lido junto com seus familiares, é um fato que deve ser
considerado. As crianças, desde muito pequenas, podem construir uma relação prazerosa com a leitura.
Compartilhar essas descobertas com seus familiares é um fator positivo nas aprendizagens das crianças,
dando um sentido mais amplo para a leitura.
Considerando-se que o contato com o maior número possível de situações comunicativas e
expressivas resulta no desenvolvimento das capacidades linguísticas das crianças, uma das tarefas da
educação infantil é ampliar, integrar e ser continente da fala das crianças em contextos comunicativos
para que ela se torne competente como falante. Isso significa que o professor deve ampliar as condições
da criança de manter-se no próprio texto falado. Para tanto, deve escutar a fala da criança, deixando-se
envolver por ela, ressignificando-a e resgatando-a sempre que necessário.
Em uma roda de conversa, por exemplo, a professora pediu que uma criança relatasse o motivo de
suas faltas, explicitada pelo seguinte diálogo:
Criança: Porque sim.
Professor: Porque sim não é resposta. (Ri.)
Criança: Eu “tava” doente.
Professor: Você faltou então porque estava doente? E que doença você teve? Você sabe?
(Criança faz que não com a cabeça.)
Professor: Não? Você não consegue falar pra gente como era sua doença?
Criança: Deu umas... era vermelho... que coçava.
Professor: Você teve catapora, que dá umas bolinhas que se coçar viram feridas, né? Alguém já ouviu
falar dessa doença? Cabe ao professor, atento e interessado, auxiliar na construção conjunta das falas
das crianças para torná-las mais completas e complexas. Ouvir atentamente o que a criança diz para ter
certeza de que entendeu o que ela falou, podendo checar com ela, por meio de perguntas ou repetições,
se entendeu mesmo o que ela quis dizer, ajudará a continuidade da conversa. Para as crianças muito
pequenas uma palavra, como “água”, pode ser significada pelo adulto, dependendo da situação, como:
“Ah! Você quer água?”, ou “Você derrubou água no chão”. Os professores podem funcionar como apoio
ao desenvolvimento verbal das crianças, sempre buscando trabalhar com a interlocução e a comunicação
efetiva entre os participantes da conversa.

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O professor tem, também, o importante papel de “evocador” de lembranças. Objetos e figuras podem
ser desencadeadores das lembranças das crianças e seu uso pode ajudar a enriquecer a narrativa delas.

Crianças de quatro a seis anos


Falar e escutar
- Uso da linguagem oral para conversar, brincar, comunicar e expressar desejos, necessidades,
opiniões, ideias, preferências e sentimentos e relatar suas vivências nas diversas situações de interação
presentes no cotidiano.
- Elaboração de perguntas e respostas de acordo com os diversos contextos de que participa.
- Participação em situações que envolvem a necessidade de explicar e argumentar suas ideias e
pontos de vista.
- Relato de experiências vividas e narração de fatos em sequência temporal e causal.
- Reconto de histórias conhecidas com aproximação às características da história original no que se
refere à descrição de personagens, cenários e objetos, com ou sem a ajuda do professor.
- Conhecimento e reprodução oral de jogos verbais, como trava-línguas, parlendas, adivinhas,
quadrinhas, poemas e canções.

Orientações didáticas
O trabalho com a linguagem oral deve se orientar pelos seguintes pressupostos:
- escutar a criança, dar atenção ao que ela fala, atribuir sentido, reconhecendo que quer dizer algo;
- responder ou comentar de forma coerente aquilo que a criança disse, para que ocorra uma
interlocução real, não tomando a fala do ponto de vista normativo, julgando-a se está certa ou errada. Se
não se entende ou não se dá importância ao que foi dito, a resposta oferecida pode ser incoerente com
aquilo que
- a criança disse, podendo confundi-la. A resposta coerente estabelece uma ponte entre a fala do
adulto e a da criança;
- reconhecer o esforço da criança em compreender o que ouve (palavras, enunciados, textos) a partir
do contexto comunicativo;
- integrar a fala da criança na prática pedagógica, ressignificando-a.

O trabalho com as crianças exige do professor uma escuta e atenção real às suas falas, aos seus
movimentos, gestos e demais ações expressivas. A fala das crianças traduz seus modos próprios e
particulares de pensar e não pode ser confundida com um falar aleatório. Ao contrário, cabe ao professor
ajudar as crianças a explicitarem, para si e para os demais, as relações e associações contidas em suas
falas, valorizando a intenção comunicativa para dar continuidade aos diálogos.
A criação de um clima de confiança, respeito e afeto em que as crianças experimentam o prazer e a
necessidade de se comunicar apoiadas na parceria do adulto, é fundamental. Nessa perspectiva, o
professor deve permitir e compreender que o frequente burburinho que impera entre as crianças, mais do
que sinal de confusão, é sinal de que estão se comunicando. Esse burburinho cotidiano é revelador de
que dialogam, perguntam e respondem sobre assuntos relativos às atividades que estão desenvolvendo
- um desenho, a leitura de um livro etc. - ou apenas de que têm intenção de se comunicar.
Ao organizar situações de participação nas quais as crianças possam buscar materiais, pedir
informações ou fazer solicitações a outros professores ou crianças, elaborar avisos, pedidos ou recados
a outras classes ou setores da instituição etc., o professor possibilita às crianças o uso contextualizado
dos pedidos, perguntas, expressões de cortesia e formas de iniciar conversação. Deve-se cuidar que
todos tenham oportunidades de participação.
É importante planejar situações de comunicação que exijam diferentes graus de formalidade, como
conversas, exposições orais, entrevistas e não só a reprodução de contextos comunicativos informais.
Uma das formas de ampliar o universo discursivo das crianças é propiciar que conversem bastante,
em situações organizadas para tal fim, como na roda de conversa ou em brincadeiras de faz-de-conta.
Podem-se organizar rodas de conversa nas quais alguns assuntos sejam discutidos intencionalmente,
como um projeto de construção de um cenário para brincar, um passeio, a ilustração de um livro etc.
Pode-se, também, conversar sobre assuntos diversos, como a discussão sobre um filme visto na TV,
sobre a leitura de um livro, um acontecimento recente com uma das crianças etc.
A roda de conversa é o momento privilegiado de diálogo e intercâmbio de ideias. Por meio desse
exercício cotidiano as crianças podem ampliar suas capacidades comunicativas, como a fluência para
falar, perguntar, expor suas ideias, dúvidas e descobertas, ampliar seu vocabulário e aprender a valorizar
o grupo como instância de troca e aprendizagem. A participação na roda permite que as crianças
aprendam a olhar e a ouvir os amigos, trocando experiências. Pode-se, na roda, contar fatos às crianças,

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descrever ações e promover uma aproximação com aspectos mais formais da linguagem por meio de
situações como ler e contar histórias, cantar ou entoar canções, declamar poesias, dizer parlendas, textos
de brincadeiras infantis etc.
A ampliação do universo discursivo das crianças também se dá por meio do conhecimento da
variedade de textos e de manifestações culturais que expressam modos e formas próprias de ver o
mundo, de viver e pensar. Músicas, poemas, histórias, bem como diferentes situações comunicativas,
constituem-se num rico material para isso. Além de propiciar a ampliação do universo cultural, o contato
com a diversidade permite conhecer e aprender a respeitar o diferente.
Algumas crianças, porém, por diversas razões, não chegam a desenvolver habilidades comunicativas
por meio da fala, como, por exemplo, crianças com deficiência auditiva, algumas portadoras de paralisia
cerebral, autistas etc. Nesses casos, a inclusão das crianças nas atividades regulares favorece o
desenvolvimento de várias capacidades, como a sociabilidade, a comunicação, entre outras. Convém
salientar que existem certos procedimentos que favorecem a aquisição de sistemas alternativos de
linguagem, como a que é feita por meio de sinais, por exemplo, mas que requerem um conhecimento
especializado. Cabe ao professor da educação infantil uma ação no cotidiano visando a integrar todas as
crianças no grupo. As crianças com problemas auditivos criam recursos variados para se fazerem
entender. O professor deve também buscar diferentes possibilidades para entender e falar com elas,
valorizando várias formas de expressão. Além da inclusão em creches e pré-escolas regulares, as
crianças portadoras de necessidades especiais deverão ter paralelamente um atendimento especializado.
A narrativa pode e deve ser a porta de entrada de toda criança para os mundos criados pela literatura.
A criança aprende a narrar por meio de jogos de contar e de histórias. Como jogos de contar entendem-
se as situações em parceria com o adulto, os jogos de perguntar e responder, em que o adulto,
inicialmente, assume a condução dos relatos sobre acontecimentos, fatos e experiências da vida pessoal
da criança. Estimulando as perguntas e respostas, o professor propicia o estabelecimento da alternância
dos sujeitos falantes, ajudando as crianças a detalharem suas narrativas. As histórias, diferentemente
dos relatos, são textos previamente construídos, estão completos. As histórias estão associadas a
convenções, como “Era uma vez”, frase de abertura formal, “e foram felizes para sempre”, fecho formal.
Distinguem-se dos relatos por se configurarem como ficção e não como fato, como realidade; relacionam-
se, portanto, com o construído e não com o real.
Uma atividade bastante interessante para se fazer com as crianças é a elaboração de entrevistas. A
entrevista, além de possibilitar que se ressalte a transmissão oral como uma fonte de informações,
propicia às crianças pensarem no assunto que desejam conhecer, nas pessoas que podem ter as
informações de que necessitam e nas perguntas que deverão fazer. Para tanto, deve-se partir dos
conhecimentos prévios das crianças sobre entrevistas para preparar um roteiro de perguntas. É preciso,
também, pensar sobre a melhor forma de registrar a fala dos entrevistados. Pode-se incluir essa atividade
em projetos que envolvam, por exemplo, o levantamento de informações junto aos pais sobre a história
do nome de cada um, sobre as histórias da comunidade etc.
Outra atividade a ser realizada refere-se às apresentações orais ao vivo, de textos memorizados, nas
quais as crianças reproduzem os mais diferentes gêneros, como histórias, poesias, parlendas etc., em
situações que envolvem público (seu grupo, outras crianças da instituição, os pais etc.), como sarau de
poesias, recital de parlendas. Outra possibilidade é a preparação de fitas de áudio ou vídeo para a
gravação de poesias, músicas, histórias etc.

Práticas de leitura
- Participação nas situações em que os adultos leem textos de diferentes gêneros, como contos,
poemas, notícias de jornal, informativos, parlendas, trava-línguas etc.
- Participação em situações que as crianças leiam, ainda que não o façam de maneira convencional.
- Reconhecimento do próprio nome dentro do conjunto de nomes do grupo nas situações em que isso
se fizer necessário.
- Observação e manuseio de materiais impressos, como livros, revistas, histórias em quadrinhos etc.,
previamente apresentados ao grupo.
- Valorização da leitura como fonte de prazer e entretenimento.

Orientações didáticas
Práticas de leitura para as crianças têm um grande valor em si mesmas, não sendo sempre
necessárias atividades subsequentes, como o desenho dos personagens, a resposta de perguntas sobre
a leitura, dramatização das histórias etc. Tais atividades só devem se realizar quando fizerem sentido e
como parte de um projeto mais amplo. Caso contrário, pode-se oferecer uma ideia distorcida do que é ler.

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A criança que ainda não sabe ler convencionalmente pode fazê-lo por meio da escuta da leitura do
professor, ainda que não possa decifrar todas e cada uma das palavras. Ouvir um texto já é uma forma
de leitura.
É de grande importância o acesso, por meio da leitura pelo professor, a diversos tipos de materiais
escritos, uma vez que isso possibilita às crianças o contato com práticas culturais mediadas pela escrita.
Comunicar práticas de leitura permite colocar as crianças no papel de “leitoras”, que podem relacionar
a linguagem com os textos, os gêneros e os portadores sobre os quais eles se apresentam: livros,
bilhetes, revistas, cartas, jornais etc.
As poesias, parlendas, trava-línguas, os jogos de palavras, memorizados e repetidos, possibilitam às
crianças atentarem não só aos conteúdos, mas também à forma, aos aspectos sonoros da linguagem,
como ritmo e rimas, além das questões culturais e afetivas envolvidas.
Quando o professor realiza com frequência leituras de um mesmo gênero está propiciando às crianças
oportunidades para que conheçam as características próprias de cada gênero, isto é, identificar se o texto
lido é, por exemplo, uma história, um anúncio etc.
São inúmeras as estratégias das quais o professor pode lançar mão para enriquecer as atividades de
leitura, como comentar previamente o assunto do qual trata o texto; fazer com que as crianças levantem
hipóteses sobre o tema a partir do título; oferecer informações que situem a leitura; criar um certo
suspense, quando for o caso; lembrar de outros textos conhecidos a partir do texto lido; favorecer a
conversa entre as crianças para que possam compartilhar o efeito que a leitura produziu, trocar opiniões
e comentários etc.
O professor, além de ler para as crianças, pode organizar as seguintes situações de leitura para que
elas próprias leiam:
- situações em que as crianças estabelecem uma relação entre o que é falado e o que está escrito
(embora ainda não saibam ler convencionalmente). Nessas atividades de “leitura”, as crianças devem
saber o texto de cor e tentar localizar onde estão escritas determinadas palavras. Para isso, as crianças
precisam buscar todos os indicadores disponíveis no texto escrito. Não é qualquer texto que garante que
o esforço de atribuir significado
- às partes escritas coloque problemas que ajudem a criança a refletir e a aprender. Nesse caso, os
textos mais adequados são as quadrinhas, parlendas e canções porque focalizam a sonoridade da
linguagem (ritmos, rimas, repetições etc.), permitindo localizar o que o texto diz em cada linha;
- situações em que as crianças precisam descobrir o sentido do texto apoiando-se nos mais diversos
elementos, como nas figuras que o acompanham, na diagramação, em seus conhecimentos prévios sobre
o assunto, no conhecimento que têm sobre algumas características próprias do gênero etc.
Nesses casos, os textos mais adequados são as embalagens comerciais, os folhetos de propaganda,
as histórias em quadrinhos e demais portadores que possibilitam às crianças deduzir o sentido a partir do
conteúdo, da imagem ou foto, do conhecimento da marca ou do logotipo.
Os textos de histórias já conhecidos possibilitam atividades de buscar “onde está escrito tal coisa”. As
crianças, levando em conta algumas pistas contidas no texto escrito, podem localizar uma palavra ou um
trecho que até o momento não sabem como se escreve convencionalmente. Podem procurar no livro a
fala de alguma personagem. Para isso, devem recordar a história para situar o momento no qual a
personagem fala e consultar o texto, procurando indícios que permitam localizar a palavra ou trecho
procurado.
A leitura de histórias é um momento em que a criança pode conhecer a forma de viver, pensar, agir e
o universo de valores, costumes e comportamentos de outras culturas situadas em outros tempos e
lugares que não o seu. A partir daí ela pode estabelecer relações com a sua forma de pensar e o modo
de ser do grupo social ao qual pertence. As instituições de educação infantil podem resgatar o repertório
de histórias que as crianças ouvem em casa e nos ambientes que frequentam, uma vez que essas
histórias se constituem em rica fonte de informação sobre as diversas formas culturais de lidar com as
emoções e com as questões éticas, contribuindo na construção da subjetividade e da sensibilidade das
crianças.
Ter acesso à boa literatura é dispor de uma informação cultural que alimenta a imaginação e desperta
o prazer pela leitura. A intenção de fazer com que as crianças, desde cedo, apreciem o momento de
sentar para ouvir histórias exige que o professor, como leitor, preocupe-se em lê-la com interesse, criando
um ambiente agradável e convidativo à escuta atenta, mobilizando a expectativa das crianças, permitindo
que elas olhem o texto e as ilustrações enquanto a história é lida.
Quem convive com crianças sabe o quanto elas gostam de escutar a mesma história várias vezes,
pelo prazer de reconhecê-la, de apreendê-la em seus detalhes, de cobrar a mesma sequência e de
antecipar as emoções que teve da primeira vez. Isso evidencia que a criança que escuta muitas histórias

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pode construir um saber sobre a linguagem escrita. Sabe que na escrita as coisas permanecem, que se
pode voltar a elas e encontrá-las tal qual estavam da primeira vez.
Muitas vezes a leitura do professor tem a participação das crianças, principalmente naqueles
elementos da história que se repetem (estribilhos, discursos diretos, alguns episódios etc.) e que por isso
são facilmente memorizados por elas, que aguardam com expectativa a hora de adiantar-se à leitura do
professor, dizendo determinadas partes da história. Diferenciam também a leitura de uma história do
relato oral. No primeiro caso, a criança espera que o leitor leia literalmente o que o texto diz.
Recontar histórias é outra atividade que pode ser desenvolvida pelas crianças. Elas podem contar
histórias conhecidas com a ajuda do professor, reconstruindo o texto original à sua maneira. Para isso
podem apoiar-se nas ilustrações e na versão lida. Nessas condições, cabe ao professor promover
situações para que as crianças compreendam as relações entre o que se fala, o texto escrito e a imagem.
O professor lê a história, as crianças escutam, observam as gravuras e, frequentemente, depois de
algumas leituras, já conseguem recontar a história, utilizando algumas expressões e palavras ouvidas na
voz do professor. Nesse sentido, é importante ler as histórias tal qual estão escritas, imprimindo ritmo à
narrativa e dando à criança a ideia de que ler significa atribuir significado ao texto e compreendê-lo.
Para favorecer as práticas de leitura, algumas condições são consideradas essenciais.
São elas:
- dispor de um acervo em sala com livros e outros materiais, como histórias em quadrinhos, revistas,
enciclopédias, jornais etc., classificados e organizados com a ajuda das crianças;
- organizar momentos de leitura livre nos quais o professor também leia para si. Para as crianças é
fundamental ter o professor como um bom modelo. O professor que lê histórias, que tem boa e prazerosa
relação com a leitura e gosta verdadeiramente de ler, tem um papel fundamental: o de modelo para as
crianças;
- possibilitar às crianças a escolha de suas leituras e o contato com os livros, de forma a que possam
manuseá-los, por exemplo, nos momentos de atividades diversificadas;
- possibilitar regularmente às crianças o empréstimo de livros para levarem para casa. Bons textos
podem ter o poder de provocar momentos de leitura em casa, junto com os familiares.

Uma prática constante de leitura deve considerar a qualidade literária dos textos. A oferta de textos
supostamente mais fáceis e curtos, para crianças pequenas, pode resultar em um empobrecimento de
possibilidades de acesso à boa literatura.
Ler não é decifrar palavras. A leitura é um processo em que o leitor realiza um trabalho ativo de
construção do significado do texto, apoiando-se em diferentes estratégias, como seu conhecimento sobre
o assunto, sobre o autor e de tudo o que sabe sobre a linguagem escrita e o gênero em questão. O
professor não precisa omitir, simplificar ou substituir por um sinônimo familiar as palavras que considera
difíceis, pois, se o fizer, correrá o risco de empobrecer o texto. A leitura de histórias é uma rica fonte de
aprendizagem de novos vocabulários. Um bom texto deve admitir várias interpretações, superando-se,
assim, o mito de que ler é somente extrair informação da escrita.

Práticas de escrita
- Participação em situações cotidianas nas quais se faz necessário o uso da escrita.
- Escrita do próprio nome em situações em que isso é necessário.
- Produção de textos individuais e/ou coletivos ditados oralmente ao professor para diversos fins.
- Prática de escrita de próprio punho, utilizando o conhecimento de que dispõe, no momento, sobre o
sistema de escrita em língua materna.
- Respeito pela produção própria e alheia.

Orientações didáticas
Na instituição de educação infantil, as crianças podem aprender a escrever produzindo oralmente
textos com destino escrito. Nessas situações o professor é o escriba. A criança também aprende a
escrever, fazendo-o da forma como sabe, escrevendo de próprio punho. Em ambos os casos, é
necessário ter acesso à diversidade de textos escritos, testemunhar a utilização que se faz da escrita em
diferentes circunstâncias, considerando as condições nas quais é produzida: para que, para quem, onde
e como.
O trabalho com produção de textos deve se constituir em uma prática continuada, na qual se reproduz
contextos cotidianos em que escrever tem sentido. Deve-se buscar a maior similaridade possível com as
práticas de uso social, como escrever para não esquecer alguma informação, escrever para enviar uma
mensagem a um destinatário ausente, escrever para que a mensagem atinja um grande número de
pessoas, escrever para identificar um objeto ou uma produção etc.

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O tratamento que se dá à escrita na instituição de educação infantil pode ter como base a oralidade
para ensinar a linguagem que se usa para escrever. Ditar um texto para o professor, para outra criança
ou para ser gravado em fita cassete é uma forma de viabilizar a produção de textos antes de as crianças
saberem grafá-los. É em atividades desse tipo que elas começam a participar de um processo de
produção de texto escrito, construindo conhecimento sobre essa linguagem, antes mesmo que saibam
escrever autonomamente.
Ao participar em atividades conjuntas de escrita a criança aprende a:
- repetir palavras ou expressões literais do texto original;
- controlar o ritmo do que está sendo ditado, quando a fala se ajusta ao tempo da escrita;
- diferenciar as atividades de contar uma história, por exemplo, da atividade de ditá-la para o professor,
percebendo, portanto, que não se diz as mesmas coisas nem da mesma forma quando se fala e quando
se escreve;
- retomar o texto escrito pelo professor, a fim de saber o que já está escrito e o que ainda falta escrever;
- considerar o destinatário ausente e a necessidade da clareza do texto para que ele possa
compreender a mensagem;
- diferenciar entre o que o texto diz e a intenção que se teve antes de escrever;
- realizar várias versões do texto sobre o qual se trabalha, produzindo alterações que podem afetar
tanto o conteúdo como a forma em que foi escrito.

O professor pode chamar a atenção sobre a estrutura do texto, negociar significados e propor a
substituição do uso excessivo de “e”, “aí”, “daí” por conectivos mais adequados à linguagem escrita e de
expressões que marcam temporalidade, causalidade etc., como “de repente”, “um dia”, “muitos anos
depois” etc. A reelaboração dos textos produzidos, realizada coletivamente com o apoio do professor, faz
com que a criança aprenda a conceber a escrita como processo, começando a coordenar os papéis de
produtor e leitor a partir da intervenção do professor ou da parceria com outra criança durante o processo
de produção.
As crianças e o professor podem tentar melhorar o texto, acrescentando, retirando, deslocando ou
transformando alguns trechos com o objetivo de torná-lo mais legível para o leitor, mais claro ou agradável
de ler.
No caso das crianças maiores, o ditado entre pares favorece muito a aprendizagem, pois elas se
ajudam mutuamente. Quando uma criança dita e outra escreve, aquela que dita atua como revisora para
a que escreve, por meio de diversas ações, como ler o que já foi escrito para não correr o risco de escrever
duas vezes a mesma palavra, diferenciar o que “já está escrito” do que “ainda não está escrito” quando a
outra se perde, observar a conexão entre os enunciados, ajudar a pensar em quais letras colocar e
pesquisar, em caso de dúvida, buscando palavras ou parte de palavras conhecidas em outro contexto
etc.
Saber escrever o próprio nome é um valioso conhecimento que fornece às crianças um repertório
básico de letras que lhes servirá de fonte de informação para produzir outras escritas. A instituição de
educação infantil deve preocupar-se em marcar os pertences, os objetos pessoais e as produções das
crianças com seus nomes. É importante realizar um trabalho intencional que leve ao reconhecimento e
reprodução do próprio nome para que elas se apropriem progressivamente da sua escrita convencional.
A coleção dos nomes das crianças de um mesmo grupo, registrados em pequenas tiras de papel, pode
estar afixada em lugar visível da sala. Os nomes podem estar escritos em letra maiúscula, tipo de
imprensa (conhecida também como letra de fôrma), pois, para a criança, inicialmente, é mais fácil imitar
esse tipo de letra. Trata-se de uma letra mais simples do ponto de vista gráfico que possibilita perceber
cada caractere, não deixando dúvidas sobre onde começa e onde termina cada letra.
As atividades de reescrita de textos diversos devem se constituir em situações favoráveis à
apropriação das características da linguagem escrita, dos gêneros, convenções e formas. Essas
situações são planejadas com o objetivo de eliminar algumas dificuldades inerentes à produção de textos,
pois consistem em recriar algo a partir do que já existe.
Essas situações são aquelas nas quais as crianças reescrevem um texto que já está escrito por alguém
e que não é reprodução literal, mas uma versão própria de um texto já existente.
Podem reescrever textos já escritos e para tal precisam retirar ou acrescentar elementos com relação
ao texto original. Pode-se propor às crianças que reescrevam notícias da atualidade que saíram no jornal
que lhes interessou, ou uma lenda, uma história etc.
Nas atividades de escrita, parte-se do pressuposto que as crianças se apropriam dos conteúdos,
transformando-os em conhecimento próprio em situações de uso, quando têm problemas a resolver e
precisam colocar em jogo tudo o que sabem para fazer o melhor que podem.

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As crianças que não sabem escrever de forma convencional, ao receberem um convite para fazê-lo,
estão diante de uma verdadeira situação-problema, na qual se pode observar o desenvolvimento do seu
processo de aprendizagem. Tal prática deve favorecer a construção de escritas de acordo com as ideias
construídas pelas crianças e promover a busca de informações específicas de que necessitem, tanto nos
textos disponíveis como recorrendo a informantes (outras crianças e o professor). O fato de as escritas
não convencionais serem aceitas não significa ausência de intervenção pedagógica. O conhecimento
sobre a natureza e o funcionamento do sistema de escrita precisa ser construído pelas crianças com a
ajuda do professor. Para que isso aconteça é preciso que ele considere as ideias das crianças ao planejar
e orientar as atividades didáticas com o objetivo de desencadear e apoiar as suas ações, estabelecendo
um diálogo com elas e fazendo-as avançar nos seus conhecimentos. As crianças podem saber de cor os
textos que serão escritos, como, por exemplo, uma parlenda, uma poesia ou uma letra de música.
Nessas atividades, as crianças precisam pensar sobre quantas e quais letras colocar para escrever o
texto, usar o conhecimento disponível sobre o sistema de escrita, buscar material escrito que possa ajudar
a decidir como grafar etc.
As crianças de um grupo encontram-se, em geral, em momentos diferentes no processo de construção
da escrita. Essa diversidade pode resultar em ganhos no desenvolvimento do trabalho. Daí a importância
de uma prática educativa que aceita e valoriza as diferenças individuais e fomenta a troca de experiências
e conhecimentos entre as crianças. As atividades de escrita e de produção de textos são muito mais
interessantes, portanto, quando se realizam num contexto de interação. No processo de aprendizagem,
o que num dado momento uma criança consegue realizar apenas com ajuda, posteriormente poderá ser
feito com relativa autonomia.
A criação de um clima favorável para o trabalho em grupo possibilita ricos intercâmbios comunicativos
de enorme valor social e educativo. Para que a interação grupal cumpra seu papel, é preciso que as
crianças aprendam a trabalhar juntas. Para que desenvolvam essa capacidade, é necessário um trabalho
intencional e sistemático do professor para organizar as situações de interação considerando a
heterogeneidade dos conhecimentos das crianças. Além disso, é importante que o professor escolha as
crianças que possam se informar mutuamente, favoreça os intercâmbios, pontue as dificuldades de
entendimento, ajude a percepção de detalhes do texto etc. Deixando de ser o único informante, o
professor pode organizar grupos, ou duplas de crianças que possuam hipóteses diferentes (porém
próximas) sobre a língua escrita, o que favorece intercâmbios mais fecundos. As crianças podem utilizar
a lousa ou letras móveis e, ao confrontar suas produções, podem comparar suas escritas, consultarem-
se, corrigirem-se, socializarem ideias e informações etc.
Para favorecer as práticas de escrita, algumas condições são consideradas essenciais.

Orientações gerais para o professor

Ambiente alfabetizador
Diz-se que um ambiente é alfabetizador quando promove um conjunto de situações de usos reais de
leitura e escrita nas quais as crianças têm a oportunidade de participar. Se os adultos com quem as
crianças convivem utilizam a escrita no seu cotidiano e oferecem a elas a oportunidade de presenciar e
participar de diversos atos de leitura e de escrita, elas podem, desde cedo, pensar sobre a língua e seus
usos, construindo ideias sobre como se lê e como se escreve.
Na instituição de educação infantil, são variadas as situações de comunicação que necessitam da
mediação pela escrita. Isso acontece, por exemplo, quando se recorre a uma instrução escrita de uma
regra de jogo, quando se lê uma notícia de jornal de interesse das crianças, quando se informa sobre o
dia e o horário de uma festa em um convite de aniversário, quando se anota uma ideia para não esquecê-
la ou quando o professor envia um bilhete para os pais e tem a preocupação de lê-lo para as crianças,
permitindo que elas se informem sobre o seu conteúdo e intenção.
Todas as tarefas que tradicionalmente o professor realizava fora da sala e na ausência das crianças,
como preparar convites para as reuniões de pais, escrever uma carta para uma criança que está se
ausentando, ler um bilhete deixado pelo professor do outro período etc., podem ser partilhadas com as
crianças ou integrarem atividades de exploração dos diversos usos da escrita e da leitura.
A participação ativa das crianças nesses eventos de letramento configura um ambiente alfabetizador
na instituição. Isso é especialmente importante quando as crianças provêm de comunidades pouco
letradas, em que têm pouca oportunidade de presenciar atos de leitura e escrita junto com parceiros mais
experientes. Nesse caso, o professor torna-se uma referência bastante importante. Se a educação infantil
trouxer os diversos textos utilizados nas práticas sociais para dentro da instituição, estará ampliando o
acesso ao mundo letrado, cumprindo um papel importante na busca da igualdade de oportunidades.

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Algumas vezes, o termo “ambiente alfabetizador” tem sido confundido com a imagem de uma sala com
paredes cobertas de textos expostos e, às vezes, até com etiquetas nomeando móveis e objetos, como
se esta fosse uma forma eficiente de expor as crianças à escrita. É necessário considerar que expor as
crianças às práticas de leitura e escrita está relacionada com a oferta de oportunidades de participação
em situações nas quais a escrita e a leitura se façam necessárias, isto é, nas quais tenham uma função
real de expressão e comunicação.
A experiência com textos variados e de diferentes gêneros é fundamental para a constituição do
ambiente de letramento. A seleção do material escrito, portanto, deve estar guiada pela necessidade de
iniciar as crianças no contato com os diversos textos e de facilitar a observação de práticas sociais de
leitura e escrita nas quais suas diferentes funções e características sejam consideradas. Nesse sentido,
os textos de literatura geral e infantil, jornais, revistas, textos publicitários etc. são os modelos que se
pode oferecer às crianças para que aprendam sobre a linguagem que se usa para escrever.
O professor, de acordo com seus projetos e objetivos, pode escolher com que gêneros vai trabalhar
de forma mais contínua e sistemática, para que as crianças os conheçam bem. Por exemplo, conhecer o
que é uma receita culinária, seu aspecto gráfico, formato em lista, combinação de palavras e números
que indicam a quantidade dos ingredientes etc., assim como as características de uma poesia, histórias
em quadrinhos, notícias de jornal etc.
Alguns textos são adequados para o trabalho com a linguagem escrita nessa faixa etária, como, por
exemplo, receitas culinárias; regras de jogos; textos impressos em embalagens, rótulos, anúncios,
slogans, cartazes, folhetos; cartas, bilhetes, postais, cartões (de aniversário, de Natal etc.); convites;
diários (pessoais, das crianças da sala etc.); histórias em quadrinhos, textos de jornais, revistas e
suplementos infantis; parlendas, canções, poemas, quadrinhas, adivinhas e trava-línguas; contos (de
fadas, de assombração etc.); mitos, lendas, “causos” populares e fábulas; relatos históricos; textos de
enciclopédia etc.

Organização do tempo
Atividades permanentes
Contar histórias costuma ser uma prática diária nas instituições de educação infantil. Nesses
momentos, além de contar, é necessário ler as histórias e possibilitar seu reconto pelas crianças. É
possível também a leitura compartilhada de livros em capítulos, o que possibilita às crianças o acesso,
pela leitura do professor, a textos mais longos.
Outra atividade permanente interessante é a roda de leitores em que periodicamente as crianças
tomam emprestado um livro da instituição para ler em casa. No dia previamente combinado, as crianças
podem relatar suas impressões, comentar o que gostaram ou não, o que pensaram, comparar com outros
títulos do mesmo autor, contar uma pequena parte da história para recomendar o livro que a entusiasmou
às outras crianças.
A leitura e a escrita também podem fazer parte das atividades diversificadas, por meio de ambientes
organizados para:
- leitura: são organizados de forma atraente, num ambiente aconchegante, livros de diversos gêneros,
de diferentes autores, revistas, histórias em quadrinhos, jornais, suplementos, trabalhos de outras
crianças etc.;
- jogos de escrita: no ambiente criado para os jogos de mesa, podem-se oferecer jogos gráficos, como
caça-palavras, forca, cruzadinhas etc. Nesses casos, convém deixar à disposição das crianças cartelas
com letras, letras móveis etc.
- faz-de-conta: a criação de ambientes para brincar no interior ou fora da sala possibilita a ampliação
contextualizada do universo discursivo, trazendo para o cotidiano da instituição novas formas de interação
com a linguagem. Esse espaço pode
- conter diferentes caixas previamente organizadas pelo professor para incrementar o jogo simbólico
das crianças, nas quais tenham diversos materiais gráficos, próprios às diversas situações cotidianas que
os ambientes do faz-de-conta reproduzem, como embalagens diversas, livros de receitas, blocos para
escrever, talões com impressos diversos etc.

Projetos
Os projetos permitem uma interseção entre conteúdos de diferentes eixos de trabalho. Há projetos que
visam o trabalho específico com a linguagem, seja oral ou escrita, levando em conta as características e
função próprias do gênero. Nos projetos relacionados aos outros eixos de trabalho, é comum que se faça
uso do registro escrito como recurso de documentação. Elaborar um livro de regras de jogos, um catálogo
de coleções ou um fascículo informativo sobre a vida dos animais, por exemplo, podem ser produtos finais
de projetos.

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Da mesma forma, preparar uma entrevista ou uma comunicação oral, como um convite para que outro
grupo venha assistir a uma apresentação, são atividades que podem integrar projetos de diversas áreas.
Os projetos de linguagem oral podem propor, por exemplo, a gravação em fita cassete de histórias
contadas pelas famílias para fazer uma coleção para a sala, ou de parlendas, ou, ainda, de brincadeiras
cantadas para o acervo de brincadeiras da instituição ou para outro lugar a ser definido pelo professor e
pelas crianças. A pesquisa e o reconto de casos ou histórias da tradição oral envolvendo as famílias e a
comunidade, que contarão sobre as histórias que povoam suas memórias, é outro projeto que oferece
ricas possibilidades de trabalho com a linguagem oral.
Pode-se também organizar saraus literários nos quais as crianças escolhem textos (histórias, poesias,
parlendas) para contar ou recitar no dia do encontro. Elaborar um documentário em vídeo ou exposição
oral sobre o que as crianças sabem de assuntos tratados num projeto de outro eixo, como, por exemplo,
instruções sobre como se faz uma pipa.
No que se refere à linguagem escrita, os projetos favorecem o planejamento do texto por meio da
elaboração de rascunhos, revisão (com ajuda) e edição (capa, dedicatória, índice, ilustrações etc.), na
busca de uma bem cuidada apresentação do produto final.
Os diversos textos que podem ser produzidos em cada projeto devem utilizar modelos de referência
correspondentes aos gêneros com os quais se está trabalhando. É aconselhável que sejam apresentados
textos impressos de diferentes autores. Se o texto for um cartaz, devem-se apresentar às crianças alguns
cartazes sobre diversos assuntos, para que elas possam perceber como são organizados, como o texto
é escrito, como são as imagens etc. Se for um jornal, é necessário que as crianças possam identificar,
entre outras coisas, as diversas seções que o compõem, como se caracteriza uma manchete, uma
propaganda, uma seção de classificados etc. Para se montar uma história em quadrinhos, é necessário
o conhecimento de vários tipos de histórias em quadrinhos para que as crianças conheçam melhor suas
características. Pode-se identificar os principais temas que envolvem cada personagem, os recursos de
imagens usadas etc. Assim, se amplia o repertório em uso pelas crianças e elas avançam no
conhecimento desse tipo de texto. Ao final, as crianças podem produzir as próprias histórias em
quadrinhos.
Os projetos que envolvem a escrita podem resultar em diferentes produtos: uma coletânea de textos
de um mesmo gênero (poemas, contos de fadas, lendas etc.); um livro sobre um tema pesquisado (a vida
dos tubarões, das formigas etc.); um cartaz sobre cuidados com a saúde ou com as plantas, para afixar
no mural da instituição; um jornal; um livro das receitas aprendidas com os pais que estiverem dispostos
a ir preparar um prato junto com as crianças; produção de cartas para correspondência com outras
instituições etc.
Pode-se planejar projetos específicos de leitura, articulados ou não com a escrita: produzir uma fita
cassete de contos ou poesias recitadas por um grupo, para ouvir em casa ou para enviar a uma turma de
outra instituição; elaborar um álbum de figuras (de animais ou de plantas, de fotos, de ícones diversos,
de logotipos da publicidade ou marcas de produtos etc.) colecionadas pelas crianças; elaborar uma
antologia de letras das músicas prediletas do grupo, para recordá-las e poder cantá-las; elaborar uma
coletânea de adivinhas para “pegar” os pais e irmãos etc.

Sequência de atividades
Nas atividades sequenciadas de leitura, pode-se eleger temporariamente, textos que propiciem
conhecer a diversidade possível existente dentro de um mesmo gênero, como por exemplo, ler o conjunto
da obra de um determinado autor ou ler diferentes contos sobre saci-pererê, dragões ou piratas, ou várias
versões de uma mesma lenda etc.

Os recursos didáticos e sua utilização


Dentre os principais recursos que precisam estar disponíveis na instituição de educação infantil estão
os textos, trazidos para a sala do grupo nos seus portadores de origem, isto é, nos livros, jornais, revistas,
cartazes, cartas etc. É necessário que esses materiais sejam colocados à disposição das crianças para
serem manuseados. Algumas vezes, por medo de que os livros se estraguem, acaba-se restringindo o
acesso a eles. Deve-se lembrar, no entanto, que a aprendizagem em relação aos cuidados no manuseio
desses materiais implica em procedimentos e valores que só poderão ser aprendidos se as crianças
puderem manuseá-los.
Além disso, sempre que possível, a organização do espaço físico deve ser aconchegante, com
almofadas, iluminação adequada e livros, revistas, etc. organizados de modo a garantir o livre acesso às
crianças. Esse acervo deve conter textos dos mais variados gêneros, oferecidos em seus portadores de
origem: livros de contos, poesia, enciclopédias, dicionários, jornais, revistas (infantis, em quadrinhos, de
palavras cruzadas), almanaques etc. Também aqueles que são produzidos pelas crianças podem compor

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o acervo: coletâneas de contos, de trava-línguas, de adivinhas, brincadeiras e jogos infantis, livros de
narrativas, revistas, jornais etc. Se possível, é interessante ter também vários exemplares de um mesmo
livro ou gibi. Isso facilita os momentos de leitura compartilhada com o professor ou entre as crianças.
O gravador é um importante recurso didático por permitir que se ouça posteriormente o que se falou.
Pode ser usado para a organização de acervos ou coletâneas de histórias, poesias, músicas, “causos”
etc.; para viabilizar o diálogo entre interlocutores distantes ou que não se encontram no mesmo ambiente;
para realizar entrevistas; para troca de informações, entre outras possibilidades. Pode ser utilizado para
gravar histórias contadas pelas crianças por meio de um rodízio de contadores.
Nessa situação, as crianças podem observar o tom e o ritmo de suas falas, refletir sobre a melhor
entonação a ser dada em cada momento da história etc.
Outra possibilidade interessante é utilizar a gravação das rodas de conversa ou outras situações de
interlocução. Com isso, o professor pode promover novas atividades para que as crianças reformulem
suas perguntas, justifiquem suas opiniões, expliquem a informação que possuem, explicitem desacordos.
Além disso, o gravador é também um excelente instrumento para que o professor tenha documentado
o que aconteceu e possa a partir daí, refletir, avaliar e reorientar sua prática.
O trabalho com a escrita pode ser enriquecido por meio da utilização do computador. Ainda são poucas
as instituições infantis que utilizam computadores na sua prática, mas esse recurso, quando possível,
oferece oportunidades para que as crianças tenham acesso ao manuseio da máquina, ao uso do teclado,
a programas simples de edição de texto, sempre com a ajuda do professor.

Observação, registro e avaliação formativa

A avaliação é um importante instrumento para que o professor possa obter dados sobre o processo de
aprendizagem de cada criança, reorientar sua prática e elaborar seu planejamento, propondo situações
capazes de gerar novos avanços na aprendizagem das crianças.
A avaliação deve se dar de forma sistemática e contínua ao longo de todo o processo de
aprendizagem. É aconselhável que se faça um levantamento inicial para obter as informações
necessárias sobre o conhecimento prévio que as crianças possuem sobre a escrita, a leitura e a
linguagem oral, sobre suas diferenças individuais, sobre suas possibilidades de aprendizagem e para
que, com isso, se possa planejar a prática, selecionar conteúdos e materiais, propor atividades e definir
objetivos com uma melhor adequação didática.
As situações de avaliação devem se dar em atividades contextualizadas para que se possa observar
a evolução das crianças. É possível aproveitar as inúmeras ocasiões em que as crianças falam, leem e
escrevem para se fazer um acompanhamento de seu progresso. A observação é o principal instrumento
para que o professor possa avaliar o processo de construção da linguagem pelas crianças.
Em uma avaliação formativa é importante a devolução do processo de aprendizagem à criança, isto é,
o retorno que o professor dá para as crianças a respeito de suas conquistas e daquilo que já aprenderam.
Por exemplo: “Você já sabe escrever o seu nome”, “Você já consegue falar o nome do seu amigo”, “Você
já consegue ler o nome de fulano” etc. É imprescindível que os parâmetros de avaliação tenham estreita
relação com as situações didáticas propostas às crianças.
São consideradas experiências prioritárias para as crianças de zero a três anos a utilização da
linguagem oral para se expressar e a exploração de materiais escritos. Para isso, é preciso que as
crianças participem de situações nas quais possam conversar e interagir verbalmente, ouvir histórias
contadas e lidas pelo professor, presenciar diversos atos de escrita realizados pelo professor, ter acesso
a diversos materiais escritos, como livros, revistas, embalagens etc. Há um conjunto de indícios que
permitem observar se as oportunidades oferecidas para as crianças dessa faixa etária têm sido suficientes
para que elas se familiarizem com as práticas culturais que envolvem a leitura e a escrita. Por exemplo,
se a criança pede que o professor leia histórias, se procura livros e outros textos para ver, folhear e
manusear, se brinca imitando práticas de leitura e escrita. O professor pode também observar se a criança
reconhece e utiliza gestos, expressões fisionômicas e palavras para comunicar-se e expressar-se; se
construiu um repertório de palavras, frases e expressões verbais para fazer perguntas e pedidos; se é
capaz de escutar histórias e relatos com atenção e prazer etc.
A partir dos quatro e até os seis anos, uma vez que tenham tido muitas oportunidades na instituição
de educação infantil de vivenciar experiências envolvendo a linguagem oral e escrita, pode-se esperar
que as crianças participem de conversas, utilizando-se de diferentes recursos necessários ao diálogo;
manuseiem materiais escritos, interessando-se por ler e por ouvir a leitura de histórias e experimentem
escrever nas situações nas quais isso se faça necessário, como, por exemplo, marcar seu nome nos
desenhos. Para que elas possam vivenciar essas experiências, é necessário oferecer oportunidades para
que façam perguntas; elaborem respostas; ouçam as colocações das outras crianças; tenham acesso a

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diversos materiais escritos e possam manuseá-los, apreciá-los e incluí-los nas suas brincadeiras; ouçam
histórias lidas e contadas pelo professor ou por outras crianças; possam brincar de escrever, tendo acesso
aos materiais necessários a isso.
Em relação às práticas de oralidade pode-se observar também se as crianças ampliaram seu
vocabulário, incorporando novas expressões e utilizando de expressões de cortesia; se percebem quando
o professor está lendo ou falando e se reconhecem o tipo de linguagem escrita ou falada.
Em relação às práticas de leitura, é possível observar se as crianças pedem que o professor leia; se
procuram livros de histórias ou outros textos no acervo; se consideram as ilustrações ou outros indícios
para antecipar o conteúdo dos textos; se realizam comentários sobre o que “leram” ou escutaram; se
compartilham com os outros o efeito que a leitura produziu; se recomendam a seus companheiros a leitura
que as interessou.
Em relação às práticas de escrita e de produção de textos pode-se observar se as crianças se
interessam por escrever seu nome e o nome de outras pessoas; se recorrem à escrita ou propõem que
se recorra quando têm de se dirigir a um destinatário ausente.
O professor deve colecionar produções das crianças, como exemplos de suas escritas, desenhos com
escrita, ensaios de letras, os comentários que fez e suas próprias anotações como observador da
produção de cada uma. Com esse material, é possível fazer um acompanhamento periódico da
aprendizagem e formular indicadores que permitam ter uma visão da evolução de cada criança.
Mesmo sem a exigência de que as crianças estejam alfabetizadas aos seis anos, todos os aspectos
envolvidos no processo da alfabetização devem ser considerados. Os critérios de avaliação devem ser
compreendidos como referências que permitem a análise do seu avanço ao longo do processo,
considerando que as manifestações desse avanço não são lineares, nem idênticas entre as crianças.

Natureza e Sociedade - Introdução

O mundo onde as crianças vivem se constitui em um conjunto de fenômenos naturais e sociais


indissociáveis diante do qual elas se mostram curiosas e investigativas. Desde muito pequenas, pela
interação com o meio natural e social no qual vivem, as crianças aprendem sobre o mundo, fazendo
perguntas e procurando respostas às suas indagações e questões. Como integrantes de grupos
socioculturais singulares, vivenciam experiências e interagem num contexto de conceitos, valores, ideias,
objetos e representações sobre os mais diversos temas a que têm acesso na vida cotidiana, construindo
um conjunto de conhecimentos sobre o mundo que as cerca.
Muitos são os temas pelos quais as crianças se interessam: pequenos animais, bichos de jardim,
dinossauros, tempestades, tubarões, castelos, heróis, festas da cidade, programas de TV, notícias da
atualidade, histórias de outros tempos etc. As vivências sociais, as histórias, os modos de vida, os lugares
e o mundo natural são para as crianças parte de um todo integrado.
O eixo de trabalho denominado Natureza e Sociedade reúne temas pertinentes ao mundo social e
natural. A intenção é que o trabalho ocorra de forma integrada, ao mesmo tempo em que são respeitadas
as especificidades das fontes, abordagens e enfoques advindos dos diferentes campos das Ciências
Humanas e Naturais.

Presença dos conhecimentos sobre natureza e sociedade na educação infantil: ideias e práticas
correntes

Determinados conteúdos pertinentes às áreas das Ciências Humanas e Naturais sempre estiveram
presentes na composição dos currículos e programas de educação infantil. Na maioria das instituições,
esses conteúdos estão relacionados à preparação das crianças para os anos posteriores da sua
escolaridade, como no caso do trabalho voltado para o desenvolvimento motor e de hábitos e atitudes,
no qual é fundamental a aquisição de procedimentos como copiar, repetir e colorir produções prévias
(desenhos, exercícios etc.).
Algumas práticas valorizam atividades com festas do calendário nacional: o Dia do Soldado, o Dia das
Mães, o Dia do Índio, o Dia da Primavera, a Páscoa etc. Nessas ocasiões, as crianças são solicitadas a
colorir desenhos mimeografados pelos professores, como coelhinhos, soldados, bandeirinhas, cocares
etc., e são fantasiadas e enfeitadas com chapéus, faixas, espadas e pinturas. Apesar de certas ocasiões
comemorativas propiciarem aberturas para propostas criativas de trabalho, muitas vezes os temas não
ganham profundidade e nem o cuidado necessário, acabando por difundir estereótipos culturais e
favorecendo pouco a construção de conhecimentos sobre a diversidade de realidades sociais, culturais,
geográficas e históricas. Em relação aos índios brasileiros, por exemplo, as crianças, em geral, acabam
desenvolvendo uma noção equivocada de que todos possuem os mesmos hábitos e costumes: vestem-

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se com tangas e penas de aves, pintam o rosto, moram em ocas, alimentam-se de mandioca etc. As
crianças ficam sem ter a oportunidade de saber que há muitas etnias indígenas no Brasil e que há grandes
diferenças entre elas.
Outra proposta comum nas instituições de educação infantil são as atividades voltadas para o
desenvolvimento da noção de tempo e espaço. Nessas práticas, geralmente, os conteúdos são tratados
de forma desvinculada de suas relações com o cotidiano, com os costumes, com a História e com o
conhecimento geográfico construído na relação entre os homens e a natureza. Em algumas práticas, tem
sido priorizado o trabalho que parte da ideia de que a criança só tem condições de pensar sobre aquilo
que está mais próximo a ela e, portanto, que seja materialmente acessível e concreto; e também da ideia
de que, para ampliar sua compreensão sobre a vida em sociedade, é necessário graduar os conteúdos
de acordo com a complexidade que apresentam. Assim, para que elas possam conhecer algo sobre os
diferentes tipos de organização social, devem centrar sua aprendizagem, primeiro sobre os grupos
menores e com estruturas mais simples e, posteriormente, sobre as organizações sociais maiores e mais
complexas. Dessa forma, desconsideram-se o interesse, a imaginação e a capacidade da criança
pequena para conhecer locais e histórias distantes no espaço e no tempo e lidar com informações sobre
diferentes tipos de relações sociais.
Propostas e práticas escolares diversas que partem fundamentalmente da ideia de que falar da
diversidade cultural, social, geográfica e histórica significa ir além da capacidade de compreensão das
crianças têm predominado na educação infantil. São negadas informações valiosas para que as crianças
reflitam sobre paisagens variadas, modos distintos de ser, viver e trabalhar dos povos, histórias de outros
tempos que fazem parte do seu cotidiano.
No trabalho com os conteúdos referentes às Ciências Naturais, por sua vez, algumas instituições
limitam-se à transmissão de certas noções relacionadas aos seres vivos e ao corpo humano.
Desconsiderando o conhecimento e as ideias que as crianças já possuem, valorizam a utilização de
terminologia técnica, o que pode constituir uma formalização de conteúdos não significativa para as
crianças. Um exemplo disso são as definições ensinadas de forma descontextualizadas sobre os diversos
animais: “são mamíferos” ou “são anfíbios” etc., e as atividades de classificar animais e plantas segundo
categorias definidas pela Zoologia e pela Biologia. Desconsidera-se assim a possibilidade de as crianças
exporem suas formulações para posteriormente compará-las com aquelas que a ciência propõe.
Algumas práticas também se baseiam em atividades voltadas para uma formação moralizante, como
no caso do reforço a certas atitudes relacionadas à saúde e à higiene. Muitas vezes nessas situações
predominam valores, estereótipos e conceitos de certo/errado, feio/bonito, limpo/sujo, mau/bom etc., que
são definidos e transmitidos de modo preconceituoso.
Outras práticas de Ciências realizam experiências pontuais de observação de pequenos animais ou
plantas, cujos passos já estão previamente estabelecidos, sendo conduzidos pelo professor. Nessas
atividades, a ênfase recai apenas sobre as características imediatamente perceptíveis. Em muitas
situações, os problemas investigados não ficam explícitos para as crianças e suas ideias sobre os
resultados do experimento, bem como suas explicações para os fenômenos, não são valorizadas.
O trabalho com os conhecimentos derivados das Ciências Humanas e Naturais deve ser voltado para
a ampliação das experiências das crianças e para a construção de conhecimentos diversificados sobre o
meio social e natural. Nesse sentido, refere-se à pluralidade de fenômenos e acontecimentos - físicos,
biológicos, geográficos, históricos e culturais -, ao conhecimento da diversidade de formas de explicar e
representar o mundo, ao contato com as explicações científicas e à possibilidade de conhecer e construir
novas formas de pensar sobre os eventos que as cercam.
É importante que as crianças tenham contato com diferentes elementos, fenômenos e acontecimentos
do mundo, sejam instigadas por questões significativas para observá-los e explicá-los e tenham acesso
a modos variados de compreendê-los e representá-los.
Os conhecimentos socialmente difundidos e as culturas dos diversos povos do presente e de outras
épocas apresentam diferentes respostas para as perguntas sobre o mundo social e natural. Por exemplo,
para os antigos hindus, a Terra tinha a forma plana e era sustentada por diversos animais. Para os
ianomâmis, o mundo está dividido em três terras: a “terra de cima”, que é muito velha e cheia de
rachaduras por onde escoam as águas dos rios e dos lagos, formando a chuva que cai sobre a “terra do
meio”, que é o lugar onde vivem os seres humanos; e a “terra de baixo”, que, mais recente, está sob
nossos pés.
Para algumas crianças, na perspectiva da superfície terrestre, a Terra pode parecer um grande disco
plano recoberto por um gigantesco guarda-chuva - o céu. Assim, diferentes formas de compreender,
explicar e representar elementos do mundo coexistem e fazem parte do repertório sociocultural da
humanidade. Os mitos e as lendas representam uma das muitas formas de explicar os fenômenos da

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sociedade e da natureza e permitem reconhecer semelhanças e diferenças entre conhecimentos
construídos por diferentes povos e culturas.
O conhecimento científico socialmente construído e acumulado historicamente, por sua vez, apresenta
um modo particular de produção de conhecimento de indiscutível importância no mundo atual e difere das
outras formas de explicação e representação do mundo, como as lendas e mitos ou os conhecimentos
cotidianos, ditos de “senso comum”. Por meio da ciência, pode-se saber, por exemplo, que a Terra é
esférica, ligeiramente achatada nos polos. As descobertas científicas, ao longo da história, marcaram a
relação entre o homem e o mundo. Se por um lado o conhecimento científico imprime novas
possibilidades de relação do homem com o mundo, por outro, as transformações dessa relação permitem
que algumas ideias sejam modificadas e que novas teorias e novos conhecimentos sejam produzidos.
Ainda que revistos e modificados ao longo do tempo e em função de novas descobertas, algumas ideias,
hipóteses e teorias e alguns diagnósticos produzidos em diferentes momentos da história possuem uma
inegável importância no processo de construção do conhecimento científico atual.
O trabalho com este eixo, portanto, deve propiciar experiências que possibilitem uma aproximação ao
conhecimento das diversas formas de representação e explicação do mundo social e natural para que as
crianças possam estabelecer progressivamente a diferenciação que existe entre mitos, lendas,
explicações provenientes do “senso comum” e conhecimentos científicos.

Criança, a natureza e a sociedade

As crianças refletem e gradativamente tomam consciência do mundo de diferentes maneiras em cada


etapa do seu desenvolvimento. As transformações que ocorrem em seu pensamento se dão
simultaneamente ao desenvolvimento da linguagem e de suas capacidades de expressão. À medida que
crescem se deparam com fenômenos, fatos e objetos do mundo; perguntam, reúnem informações,
organizam explicações e arriscam respostas; ocorrem mudanças fundamentais no seu modo de conceber
a natureza e a cultura.
Nos primeiros anos de vida, o contato com o mundo permite à criança construir conhecimentos práticos
sobre seu entorno, relacionados à sua capacidade de perceber a existência de objetos, seres, formas,
cores, sons, odores, de movimentar-se nos espaços e de manipular os objetos. Experimenta expressar e
comunicar seus desejos e emoções, atribuindo as primeiras significações para os elementos do mundo e
realizando ações cada vez mais coordenadas e intencionais, em constante interação com outras pessoas
com quem compartilha novos conhecimentos.
Ao lado de diversas conquistas, as crianças iniciam o reconhecimento de certas regularidades dos
fenômenos sociais e naturais e identificam contextos nos quais ocorrem.
Costumam repetir uma ação várias vezes para constatar se dela deriva sempre a mesma
consequência. Inúmeras vezes colocam e retiram objetos de diferentes tamanhos e formas em baldes
cheios d’água, constatando intrigadas, por exemplo, que existem aqueles que afundam e aqueles que
flutuam. Observam, em outros momentos, a presença da lua em noites de tempo bom e fazem perguntas
interessantes quando a localizam no céu durante o dia.
Movidas pelo interesse e pela curiosidade e confrontadas com as diversas respostas oferecidas por
adultos, outras crianças e/ou por fontes de informação, como livros, notícias e reportagens de rádio e TV
etc., as crianças podem conhecer o mundo por meio da atividade física, afetiva e mental, construindo
explicações subjetivas e individuais para os diferentes fenômenos e acontecimentos.
Quanto menores forem as crianças, mais suas representações e noções sobre o mundo estão
associadas diretamente aos objetos concretos da realidade conhecida, observada, sentida e vivenciada.
O crescente domínio e uso da linguagem, assim como a capacidade de interação, possibilitam, todavia,
que seu contato com o mundo se amplie, sendo cada vez mais mediado por representações e por
significados construídos culturalmente.
Na medida em que as experiências cotidianas são mais variadas e os seus critérios de agrupamento
não dão mais conta de explicar as relações, as associações passam a serem revistas e reconstruídas.
Nesse processo constante de reconstrução, as estruturas de pensamento das crianças sofrem mudanças
significativas que repercutem na possibilidade de elas compreenderem de modo diferenciado tanto os
objetos quanto a linguagem usada para representá-los.
O brincar de faz-de-conta, por sua vez, possibilita que as crianças reflitam sobre o mundo. Ao brincar,
as crianças podem reconstruir elementos do mundo que as cerca com novos significados, tecer novas
relações, desvincular-se dos significados imediatamente perceptíveis e materiais para atribuir-lhes novas
significações, imprimir-lhes suas ideias e os conhecimentos que têm sobre si mesma, sobre as outras
pessoas, sobre o mundo adulto, sobre lugares distantes e/ou conhecidos.

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Na medida em que se desenvolve e sistematiza conhecimentos relativos à cultura, a criança constrói
e reconstrói noções que favorecem mudanças no seu modo de compreender o mundo, permitindo que
ocorra um processo de confrontação entre suas hipóteses e explicações com os conhecimentos
culturalmente difundidos nas interações com os outros, com os objetos e fenômenos e por intermédio da
atividade interna e individual.
Nesse processo, as crianças vão gradativamente percebendo relações, desenvolvendo capacidades
ligadas à identificação de atributos dos objetos e seres, à percepção de processos de transformação,
como nas experiências com plantas, animais ou materiais. Valendo-se das diferentes linguagens (oral,
desenho, canto etc.), nomeiam e representam o mundo, comunicando ao outro seus sentimentos, desejos
e conhecimentos sobre o meio que observam e vivem.
No que se refere ao pensamento, uma das características principais nesta fase é a tendência que a
criança apresenta para eleger alguns aspectos de cada situação, construindo uma lógica própria de
interpretação. As hipóteses que as crianças se colocam e a forma como resolvem os problemas
demonstram uma organização peculiar em que as associações e as relações são estabelecidas de forma
pouco objetiva, regidos por critérios subjetivos e afetivamente determinados.
A forma peculiar de elaboração das regularidades dos objetos e fenômenos, porém, não significa que
a formação de conceitos, pela criança, comece forçosamente do concreto, do particular ou da observação
direta de objetos e fenômenos da realidade. A formação de conceitos pelas crianças, ao contrário, se
apoia em concepções mais gerais acerca dos fenômenos, seres, e objetos e, à medida que elas crescem,
dirige-se à particularização. Nesse processo, as crianças procuram mencionar os conceitos e modelos
explicativos que estão construindo em diferentes situações de convivência, utilizando-os em momentos
que lhes parecem convenientes e fazendo uso deles em contextos significativos, formulando-os e
reformulando-os em função das respostas que recebem às indagações e problemas que são colocados
por elas e para elas. Isso significa dizer que a aprendizagem de fatos, conceitos, procedimentos, atitudes
e valores não se dá de forma descontextualizada. O acesso das crianças ao conhecimento elaborado
pelas ciências é mediado pelo mundo social e cultural.
Assim, as questões presentes no cotidiano e os problemas relacionados à realidade, observáveis pela
experiência imediata ou conhecidos pela mediação de relatos orais, livros, jornais, revistas, televisão,
rádio, fotografias, filmes etc., são excelentes oportunidades para a construção desse conhecimento. É
também por meio da possibilidade de formular suas próprias questões, buscar respostas, imaginar
soluções, formular explicações, expressar suas opiniões, interpretações e concepções de mundo,
confrontar seu modo de pensar com os de outras crianças e adultos, e de relacionar seus conhecimentos
e ideias a contextos mais amplos, que a criança poderá construir conhecimentos cada vez mais
elaborados. Esses conhecimentos não são, porém, proporcionados diretamente às crianças. Resultam
de um processo de construção interna compartilhada com os outros, no qual elas pensam e refletem
sobre o que desejam conhecer.
É preciso reconhecer a multiplicidade de relações que se estabelecem e dimensiona-las, sem reduzi-
las ou simplificá-las, de forma a promover o avanço na aprendizagem das crianças. É preciso também
considerar que a complexidade dos diversos fenômenos do mundo social e natural nem sempre pode ser
captada de forma imediata. Muitas relações só se tornam evidentes na medida em que novos fatos são
conhecidos, permitindo que novas ideias surjam. Por meio de algumas perguntas e da colocação de
algumas dúvidas pelo professor, as crianças poderão aprender a observar seu entorno de forma mais
intencional e a descrever os elementos que o caracterizam, percebendo múltiplas relações que se
estabelecem e que podem, igualmente, ser estabelecidas com outros lugares e tempos.
Dada a grande diversidade de temas que este eixo oferece, é preciso estruturar o trabalho de forma a
escolher os assuntos mais relevantes para as crianças e o seu grupo social. As crianças devem, desde
pequenas, ser instigadas a observar fenômenos, relatar acontecimentos, formular hipóteses, prever
resultados para experimentos, conhecer diferentes contextos históricos e sociais, tentar localizá-los no
espaço e no tempo. Podem também trocar ideias e informações, debatê-las, confrontá-las, distingui-las e
representa-las, aprendendo, aos poucos, como se produz um conhecimento novo ou por que as ideias
mudam ou permanecem.
Contudo, o professor precisa ter claro que esses domínios e conhecimentos não se consolidam nesta
etapa educacional. São construídos, gradativamente, na medida em que as crianças desenvolvem
atitudes de curiosidade, de crítica, de refutação e de reformulação de explicações para a pluralidade e
diversidade de fenômenos e acontecimentos do mundo social e natural.

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Objetivos

Crianças de zero a três anos


A ação educativa deve se organizar para que as crianças, ao final dos três anos, tenham desenvolvido
as seguintes capacidades:
- explorar o ambiente, para que possa se relacionar com pessoas, estabelecer contato com pequenos
animais, com plantas e com objetos diversos, manifestando curiosidade e interesse;

Crianças de quatro a seis anos


Para esta fase, os objetivos estabelecidos para a faixa etária de zero a três anos deverão ser
aprofundados e ampliados, garantindo-se, ainda, oportunidades para que as crianças sejam capazes de:
- interessar-se e demonstrar curiosidade pelo mundo social e natural, formulando perguntas,
imaginando soluções para compreendê-lo, manifestando opiniões próprias sobre os acontecimentos,
buscando informações e confrontando ideias;
- estabelecer algumas relações entre o modo de vida característico de seu grupo social e de outros
grupos;
- estabelecer algumas relações entre o meio ambiente e as formas de vida que ali se estabelecem,
valorizando sua importância para a preservação das espécies e para a qualidade da vida humana.

Conteúdos

Os conteúdos aqui indicados deverão ser organizados e definidos em função das diferentes realidades
e necessidades, de forma a que possam ser de fato significativos para as crianças.
Os conteúdos deverão ser selecionados em função dos seguintes critérios:
- relevância social e vínculo com as práticas sociais significativas;
- grau de significado para a criança;
- possibilidade que oferecem de construção de uma visão de mundo integrada e relacional;
- possibilidade de ampliação do repertório de conhecimentos a respeito do mundo social e natural.
Propõe-se que os conteúdos sejam trabalhados junto às crianças, prioritariamente, na forma de
projetos que integrem diversas dimensões do mundo social e natural, em função da diversidade de
escolhas possibilitada por este eixo de trabalho.

Crianças de zero a três anos


O trabalho nessa faixa etária acontece inserido e integrado no cotidiano das crianças. Não serão
selecionados blocos de conteúdos, mas destacam-se ideias relacionadas aos objetivos definidos
anteriormente e que podem estar presentes nos mais variados contextos que integram a rotina infantil,
quais sejam:
- participação em atividades que envolvam histórias, brincadeiras, jogos e canções que digam respeito
às tradições culturais de sua comunidade e de outros grupos;
- exploração de diferentes objetos, de suas propriedades e de relações simples de causa e efeito;
- contato com pequenos animais e plantas;
- conhecimento do próprio corpo por meio do uso e da exploração de suas habilidades físicas, motoras
e perceptivas.

Orientações didáticas
A observação e a exploração do meio constituem-se duas das principais possibilidades de
aprendizagem das crianças desta faixa etária. É dessa forma que poderão, gradualmente, construir as
primeiras noções a respeito das pessoas, do seu grupo social e das relações humanas. A interação com
adultos e crianças de diferentes idades, as brincadeiras nas suas mais diferentes formas, a exploração
do espaço, o contato com a natureza, se constituem em experiências necessárias para o desenvolvimento
e aprendizagem infantis.
O contato com pequenos animais, como formigas e tatus-bola, peixes, tartarugas, patos, passarinhos
etc. pode ser proporcionado por meio de atividades que envolvam a observação, a troca de ideias entre
as crianças, o cuidado e a criação com ajuda do adulto. O professor pode, por exemplo, promover
algumas excursões ao espaço externo da instituição com o objetivo de identificar e observar a diversidade
de pequenos animais presentes ali.
A criação de alguns animais na instituição, como tartarugas, passarinhos ou peixes, também pode ser
realizada com a participação das crianças nas atividades de alimentação, limpeza etc. Por meio desse
contato, as crianças poderão aprender algumas noções básicas necessárias ao trato com os animais,

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
como a necessidade de lavar as mãos antes e depois do contato com eles, a possibilidade ou não de
segurar cada animal e as formas mais adequadas para fazê-lo, a identificação dos perigos que cada um
oferece, como mordidas, bicadas etc.
Cuidar de plantas e acompanhar seu crescimento podem se constituir em experiências bastante
interessantes para as crianças. O professor pode cultivar algumas plantas em pequenos vasos ou
floreiras, propiciando às crianças acompanhar suas transformações e participar dos cuidados que exigem,
como regar, verificar a presença de pragas etc. Se houver possibilidade, as crianças poderão, com o
auxílio do professor, participar de partes do processo de preparação e plantio de uma horta coletiva no
espaço externo.
O trabalho com as brincadeiras, músicas, histórias, jogos e danças tradicionais da comunidade
favorece a ampliação e a valorização da cultura de seu grupo pelas crianças. O professor deve propiciar
o acesso das crianças a esses conteúdos, inserindo-os nas atividades e no cotidiano da instituição. Fazer
um levantamento das músicas, jogos e brincadeiras do tempo que seus pais e avós eram crianças pode
ser uma atividade interessante que favorece a ampliação do repertório histórico e cultural das crianças.
Para desenvolver noções relacionadas às propriedades dos diferentes objetos e suas possibilidades
de transformação, é necessário que as crianças possam, desde pequenas, brincar com eles, explorá-los
e utilizá-los de diversas formas. As crianças devem ter liberdade para manusear e explorar diferentes
tipos de objetos. O professor pode colocar diversos materiais e objetos na sala, dispostos de forma
acessível: objetos que produzem sons, como chocalhos de vários tipos, tambores com baquetas etc.;
brinquedos; livros; almofadas; materiais para construção, que possam ser empilhados e justapostos etc.
As atividades que permitem observar e lidar com transformações decorrentes de misturas de elementos
e materiais são sempre interessantes para crianças pequenas. Elaborar receitas culinárias, fazer massas
caseiras, tintas que não sejam tóxicas ou as mais diversas misturas pelo simples prazer do manuseio são
possibilidades de trabalho. Portanto, oferecer diversos materiais, como terra, areia, farinha, pigmentos
etc., que, misturados entre si ou com diferentes meios, como água, leite, óleo etc., passam por processos
de transformação, ocasionando diferentes resultados, proporciona às crianças experiências
interessantes.
As crianças podem gradativamente desenvolver uma percepção integrada do próprio corpo por meio
de seu uso na realização de determinadas ações pertinentes ao cotidiano. Devem ser evitadas as
atividades que focalizam o corpo de forma fragmentada e desvinculada das ações que as crianças
realizam. É importante que elas possam perceber seu corpo como um todo integrado que envolve tanto
os diversos órgãos e funções como as sensações, as emoções, os sentimentos e o pensamento. A
aprendizagem dos nomes das partes do corpo e de algumas de suas funções também deve ser feita de
forma contextualizada, por meio de situações reais e cotidianas.

Crianças de quatro a seis anos


Nesta faixa etária aprofundam-se os conteúdos indicados para as crianças de zero a três anos, ao
mesmo tempo em que outros são acrescentados. Os conteúdos estão organizados em cinco blocos:
“Organização dos grupos e seu modo de ser, viver e trabalhar”; “Os lugares e suas paisagens”; “Objetos
e processos de transformação”; “Os seres vivos” e “Fenômenos da natureza”.
A organização dos conteúdos em blocos visa assim a contemplar as principais dimensões contidas
neste eixo de trabalho, oferecendo visibilidade às especificidades dos diferentes conhecimentos e
conteúdos. Deve-se ter claro, no entanto, que essa divisão é didática, visando a facilitar a organização da
prática do professor. Os conteúdos, sempre que possível, deverão ser trabalhados de maneira integrada,
evitando-se fragmentar a vivência das crianças.
Os procedimentos indispensáveis para a aprendizagem das crianças neste eixo de trabalho e que se
aplicam a todos os blocos foram abordados de forma destacada. São eles:

Organização dos grupos e seu modo de ser, viver e trabalhar


As crianças, desde que nascem, participam de diversas práticas sociais no seu cotidiano, dentro e fora
da instituição de educação infantil. Dessa forma, adquirem conhecimentos sobre a vida social no seu
entorno. A família, os parentes e os amigos, a instituição, a igreja, o posto de saúde, a venda, a rua entre
outros, constituem espaços de construção do conhecimento social. Na instituição de educação infantil, a
criança encontra possibilidade de ampliar as experiências que traz de casa e de outros lugares, de
estabelecer novas formas de relação e de contato com uma grande diversidade de costumes, hábitos e
expressões culturais, cruzar histórias individuais e coletivas, compor um repertório de conhecimentos
comuns àquele grupo etc.
Os conteúdos deste bloco são:

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- participação em atividades que envolvam histórias, brincadeiras, jogos e canções que digam respeito
às tradições culturais de sua comunidade e de outras;
- conhecimento de modos de ser, viver e trabalhar de alguns grupos sociais do presente e do passado;
- identificação de alguns papéis sociais existentes em seus grupos de convívio, dentro e fora da
instituição;
- valorização do patrimônio cultural do seu grupo social e interesse por conhecer diferentes formas de
expressão cultural.

Orientações didáticas
O trabalho com estes conteúdos pode fomentar, entre as crianças, reflexões sobre a diversidade de
hábitos, modos de vida e costumes de diferentes épocas, lugares e povos, e propiciar o conhecimento da
diversidade de hábitos existentes no seu universo mais próximo (as crianças da própria turma, os vizinhos
do bairro etc.). Esse trabalho deve incluir o respeito às diferenças existentes entre os costumes, valores
e hábitos das diversas famílias e grupos, e o reconhecimento de semelhanças. Deve se ter sempre a
preocupação para não expor as crianças a constrangimentos e não incentivar a discriminação.
O professor deve eleger temas que possibilitem tanto o conhecimento de hábitos e costumes
socioculturais diversos quanto a articulação com aqueles que as crianças conhecem, como tipos de
alimentação, vestimentas, músicas, jogos e brincadeiras, brinquedos, atividades de trabalho e lazer etc.
Assim, as crianças podem aprender a estabelecer relações entre o seu dia-a-dia e as vivências
socioculturais, históricas e geográficas de outras pessoas, grupos ou gerações.
É importante que as crianças possam também aprender a indagar e a reconhecer relações de
mudanças e permanências nos costumes. Para isso, as vivências de seus pais, avós, parentes,
professores e amigos podem ser de grande ajuda. Nesse caso, a intenção é que reflitam sobre o que é
específico da época em que vivem e da cultura compartilhada no seu meio social.

Os lugares e suas paisagens


Os componentes da paisagem são tanto decorrentes da ação da natureza como da ação do homem
em sociedade. A percepção dos elementos que compõem a paisagem do lugar onde vive é uma
aprendizagem fundamental para que a criança possa desenvolver uma compreensão cada vez mais
ampla da realidade social e natural e das formas de nela intervir. Se por um lado, os fenômenos da
natureza condicionam a vida das pessoas, por outro lado, o ser humano vai modificando a paisagem à
sua volta, transformando a natureza e construindo o lugar onde vive em função de necessidades diversas
- para morar, trabalhar, plantar, se divertir, se deslocar etc. O fato da organização dos lugares ser fruto
da ação humana em interação com a natureza abre a possibilidade de ensinar às crianças que muitas
são as formas de relação com o meio que os diversos grupos e sociedades possuem no presente ou
possuíam no passado. São conteúdos deste bloco:
- observação da paisagem local (rios, vegetação, construções, florestas, campos, dunas, açudes, mar,
montanhas etc.);
- utilização, com ajuda dos adultos, de fotos, relatos e outros registros para a observação de mudanças
ocorridas nas paisagens ao longo do tempo;
- valorização de atitudes de manutenção e preservação dos espaços coletivos e do meio ambiente.

Orientações didáticas
A percepção dos componentes da paisagem local e de outras paisagens pode se ampliar na medida
em que as crianças aprendem a observá-los de forma intencional, orientada por questões que elas se
colocam ou que os adultos à sua volta lhes propõem. Elas podem ser convidadas a reconhecer os
componentes da paisagem por meio de algumas questões colocadas pelo professor, realizadas em
função do tema que está sendo trabalhado: “Que animais e plantas convivem conosco?”, “Existem
animais e plantas que só podemos perceber em determinadas épocas do ano?”, “Quais os sons que
marcam este lugar?”. Temas relacionados ao relevo, ao clima, à presença da água nos rios, lagos ou no
mar, às construções, ao trabalho, aos meios de transporte e de comunicação, à vida no campo e na
cidade podem ser abordados com as crianças, em função do significado que podem ter para elas e das
intenções pedagógicas definidas pelo professor. É fundamental, porém, que as crianças possam
estabelecer relações entre os temas tratados e o seu cotidiano, vinculando aspectos sociais e naturais.
“Como será a vida das crianças que moram na praia, perto de um grande rio ou floresta?”, “Como é viver
em uma cidade muito grande ou muito pequena?”, “Será que todas as crianças utilizam os mesmos meios
de transporte que utilizamos? Será que elas brincam das mesmas brincadeiras? Quais serão os alimentos
preferidos delas?” são algumas das questões que se pode tentar responder ao desenvolver um trabalho
sobre a vida das pessoas em diferentes paisagens brasileiras

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
Outro aspecto que pode ser trabalhado está relacionado com as mudanças que ocorrem na paisagem
local, conforme a variação do dia e da noite, a sucessão das estações do ano, a passagem dos meses e
dos anos, à época das festas etc. A paisagem é dinâmica e observar as mudanças e as permanências
que ocorrem no lugar onde as crianças vivem é uma estratégia interessante para que elas percebam esse
dinamismo. Aqui também é fundamental que elas aprendam a estabelecer relações entre essas
mudanças, reconhecendo os vínculos que existem, por exemplo, entre a época do ano e a vida das
plantas, dos animais e das pessoas de uma forma geral.
Ao observar a paisagem, as crianças poderão também constatar as variações decorrentes da ação
humana, observando, por exemplo, as construções do lugar onde vivem: “Para que e quando foram
feitas?”, “Com que materiais?”, “O que existe de semelhante e de diferente entre elas?”, “Elas sempre
foram assim ou sofreram transformações?”, “Como são as construções de outros lugares?”, “As pessoas
utilizam-nas com as mesmas finalidades?”. Questões semelhantes poderão ser feitas focando outros
temas, como o trabalho, a origem e produção dos alimentos, as festas e comemorações etc.
No trabalho com este bloco de conteúdos, o professor poderá recorrer a diferentes encaminhamentos.
Poderá conversar com as crianças utilizando como suporte fotografias, cartões postais e outros tipos de
imagens que retratem as paisagens variadas. Poderá também trabalhar com textos informativos e
literários, músicas, documentários e filmes que façam referências a outras paisagens. A conversa com
pessoas da comunidade é outro recurso que pode ser utilizado, principalmente com aquelas que
testemunharam as transformações pelas quais a paisagem do lugar já passou.
As vivências e percepções dessas pessoas é uma importante fonte de informação que o professor
poderá resgatar convidando-as para compartilharem com as crianças suas lembranças e experiências de
vida.
O contato com representações como as plantas de rua, os mapas, globos terrestres e outros tipos de
representação, como os desenhos feitos pelos adultos para indicar percursos (chamados croquis) poderá
ocorrer com a mediação do professor. Esse contato permitirá às crianças reconhecerem a função social
atribuída a essas representações nos contextos cotidianos e de trabalho, e se aproximarem das
características da linguagem gráfica utilizada pela cartografia. Algumas brincadeiras, como caça ao
tesouro, por exemplo, apresentam desafios relacionados à representação gráfica do espaço e podem ser
desenvolvidas com as crianças desta faixa etária.

Objetos e processos de transformação


Há uma grande variedade de objetos presentes no meio em que a criança está inserida, com diferentes
características, naturalmente constituídos ou elaborados em função dos usos e estéticas de diferentes
épocas, com maior ou menor resistência, que se transformam ao longo do tempo, que reagem de formas
diferentes às ações que lhes são impressas, que possuem mecanismos que consomem energia etc.
Conhecer o mundo implica conhecer as relações entre os seres humanos e a natureza, e as formas
de transformação e utilização dos recursos naturais que as diversas culturas desenvolveram na relação
com a natureza e que resultam, entre outras coisas, nos diversos objetos disponíveis ao grupo social ao
qual as crianças pertencem, sejam eles ferramentas, máquinas, instrumentos musicais, brinquedos,
aparelhos eletrodomésticos, construções, meios de transporte ou de comunicação, por exemplo.
São conteúdos deste bloco:
- participação em atividades que envolvam processos de confecção de objetos;
- reconhecimento de algumas características de objetos produzidos em diferentes épocas e por
diferentes grupos sociais;
- conhecimento de algumas propriedades dos objetos: refletir, ampliar ou inverter as imagens, produzir,
transmitir ou ampliar sons, propriedades ferromagnéticas etc.;
- cuidados no uso dos objetos do cotidiano, relacionados à segurança e prevenção de acidentes, e à
sua conservação.

Orientações didáticas
Para que os objetos possam ser utilizados como fonte de conhecimentos para as crianças, é
necessário criar situações de aprendizagem nas quais seja possível observar e perceber suas
características e propriedades não evidentes. Para que isso ocorra é preciso oferecer às crianças novas
informações e propiciar experiências diversas. O professor pode organizar uma atividade para a
confecção de objetos variados, como brinquedos feitos de madeira, tecido, papel e outros tipos de
materiais, alguns jogos de tabuleiro e de mesa, como dama ou dominó, ou objetos para uso cotidiano
feitos de embalagens de papelão e plástico, por exemplo. Pode também oferecer às crianças diferentes
tipos de materiais (pedaços de madeira, tecidos, cordas, embalagens etc.) e propor alguns problemas
para as crianças resolverem e poderem aplicar os conhecimentos que possuem, como, por exemplo,

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construir uma ponte de modo que ela não caia, montar uma cabana, descobrir se um barco feito de
pedaços de madeira ou de papel flutua etc.
As crianças podem ser convidadas a conhecer diferentes objetos e modos de usá-los por meio de
fontes escritas, ilustrações ou de entrevistas com pessoas da comunidade. Também poderão ser
realizadas perguntas e colocações relacionadas ao uso que é dado a diferentes objetos pelas crianças e
pelos adultos; às transformações pelas quais passam ao longo do tempo; aos materiais de que são feitos;
à sua confecção em outros tempos ou ainda àqueles objetos feitos por grupos que vivem em outros
lugares ou viveram em outros tempos.
O professor deverá também trabalhar de forma constante e permanente com as atitudes de cuidado
necessárias para lidar com os diferentes objetos, de forma a evitar o desperdício, conservá-los e prevenir
acidentes. Para isso é necessário que as crianças possam interagir com os diferentes objetos, fazer uso
deles e receber do professor as informações sobre suas características, funções e usos em contextos
significativos para elas.

Os seres vivos
O ser humano, os outros animais e as plantas provocam bastante interesse e curiosidade nas crianças:
“Por que a lagartixa não cai do teto?”, “Existem plantas carnívoras?”, “Por que algumas flores exalam
perfume e outras não?”, “O que aconteceria se os sapos comessem insetos até que eles acabassem?”.
São muitas as questões, hipóteses, relações e associações que as crianças fazem em torno deste tema.
Em função disso, o trabalho com os seres vivos e suas intricadas relações com o meio oferece inúmeras
oportunidades de aprendizagem e de ampliação da compreensão que a criança tem sobre o mundo social
e natural. A construção desse conhecimento também é uma das condições necessárias para que as
crianças possam, aos poucos, desenvolver atitudes de respeito e preservação à vida e ao meio ambiente,
bem como atitudes relacionadas à sua saúde.
São conteúdos deste bloco:
- estabelecimento de algumas relações entre diferentes espécies de seres vivos, suas características
e suas necessidades vitais;
- conhecimento dos cuidados básicos de pequenos animais e vegetais por meio da sua criação e
cultivo;
- conhecimento de algumas espécies da fauna e da flora brasileira e mundial;
- percepção dos cuidados necessários à preservação da vida e do ambiente;
- valorização da vida nas situações que impliquem cuidados prestados a animais e plantas;
- percepção dos cuidados com o corpo, à prevenção de acidentes e à saúde de forma geral;
- valorização de atitudes relacionadas à saúde e ao bem-estar individual e coletivo.

Orientações didáticas
O contato com animais e plantas, a participação em práticas que envolvam os cuidados necessários à
sua criação e cultivo, a possibilidade de observá-los, compará-los e estabelecer relações é fundamental
para que as crianças possam ampliar seu conhecimento acerca dos seres vivos. O professor pode criar
situações para que elas percebam os animais que compartilham o mesmo espaço que elas: “Quais são
esses animais?”, “Onde vivem?”, “Existem épocas em que eles desaparecem?”, “Nas árvores da
redondeza vivem muitos bichos?”, “E nas ruas, que tipos de animais se encontram?”, “Eles podem ser
vistos de noite e de dia?”. Formigas, caracóis, tatus-bola, borboletas, lagartas etc. podem ser observados
no jardim da instituição, pesquisados em livros ou mantidos temporariamente na sala. Oferecer
oportunidades para que as crianças possam expor o que sabem sobre os animais que têm em casa, como
cachorros, gatos etc., também é uma forma de promover a aprendizagem sobre os seres vivos. O cultivo
de plantas também pode ser realizado por meio da manutenção de pequenos vasos na sala ou do cultivo
de uma horta no espaço externo da instituição. Algumas hortaliças e plantas frutíferas podem ser
cultivadas em vasos, como é o caso do tomate, do morango, da pimenta, da salsinha e de vários
temperos. No caso de haver possibilidade de se manter pequenos animais e plantas no espaço da sala,
as atividades de observação, registro etc. podem integrar a rotina diária. Da mesma forma, se for possível
manter uma horta na instituição, as crianças também podem observar o crescimento das hortaliças e
vegetais, além de aproveitá-los nas refeições. Cabe ao professor planejar os momentos de visita e de
cuidados, integrando-os na rotina como atividades permanentes.
Na educação infantil, é possível realizar um trabalho por meio do qual as crianças possam conhecer o
seu corpo, e o que acontece com ele em determinadas situações, como quando correm bastante, quando
ficam muitas horas sem comer etc. Partindo sempre das ideias e representações que as crianças
possuem, o professor pode fazer perguntas instigantes e oferecer meios para que as crianças busquem
maiores informações e possam reformular suas ideias iniciais.

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Ao conhecer o funcionamento do corpo, as crianças poderão aprender também a cuidar de si de forma
a evitar acidentes e manter a saúde: “Que cuidados ter para não se machucar durante uma brincadeira?”,
“Por que é importante tomar água após um esforço físico prolongado?”. O trabalho com este bloco de
conteúdo poderá ocorrer de forma concomitante ao trabalho com os conteúdos propostos no documento
de Identidade e Autonomia, no capítulo que se refere à Saúde, promovendo aprendizagens relacionadas
aos cuidados com o corpo, à prevenção de acidentes, à saúde e ao bem-estar.

Os fenômenos da natureza
A seca, as chuvas e as tempestades, as estrelas e os planetas, os vulcões, os furacões etc. são
assuntos que despertam um grande interesse nas crianças. Alguns são fenômenos presenciados e
vividos pelas crianças, outros são conhecidos por serem comumente veiculados pelos meios de
comunicação e outros por estarem presentes no imaginário das pessoas e nos mitos, nas lendas e nos
contos. Algumas perguntas, como “Por que as sombras dos objetos mudam de lugar ao longo do dia?”,
“As estrelas são fixas no céu ou será que elas se movimentam?”, “Como fica a cidade depois de uma
pancada forte de chuva?”, ou “O que acontece quando fica muito tempo sem chover?”, podem
desencadear um trabalho intencional, favorecendo a percepção sobre a complexidade e diversidade dos
fenômenos da natureza e o desenvolvimento de capacidades importantes relacionadas à curiosidade, à
dúvida diante do evidente, à elaboração de perguntas, ao respeito ao ambiente etc.
A compreensão de que há uma relação entre os fenômenos naturais e a vida humana é um importante
aprendizado para a criança. A partir de questionamentos sobre tais fenômenos, as crianças poderão
refletir sobre o funcionamento da natureza, seus ciclos e ritmos de tempo e sobre a relação que o homem
estabelece com ela, o que lhes possibilitará, entre outras coisas, ampliar seus conhecimentos, rever e
reformular as explicações que possuem sobre eles.
São conteúdos deste bloco:
- estabelecimento de relações entre os fenômenos da natureza de diferentes regiões (relevo, rios,
chuvas, secas etc.) e as formas de vida dos grupos sociais que ali vivem;
- participação em diferentes atividades envolvendo a observação e a pesquisa sobre a ação de luz,
calor, som, força e movimento.

Orientações didáticas
As atividades relacionadas com os fenômenos da natureza, além de tratarem de um tema que desperta
bastante interesse nas crianças, permitem que se trabalhe de forma privilegiada a relação que o homem
estabelece com a natureza. Podem ser trabalhados por meio da observação direta quando ocorrem na
região onde se situa a instituição de educação infantil, como as chuvas, a seca, a presença de um arco-
íris etc., ou de forma indireta, por meio de fotografias, filmes de vídeo, ilustrações, jornais e revistas etc.
que tragam informações a respeito do assunto. Sair para um passeio na região próxima à instituição após
uma pancada de chuva, para observar os efeitos causados na paisagem, por exemplo, pode ser bastante
interessante. Ao mesmo tempo em que se destaca um fenômeno natural, permitindo que as crianças
reflitam sobre como ele ocorre, pode-se também observar a sua interferência na vida humana e as suas
consequências, como a situação das ruas, das plantas e das árvores, os odores, o movimento das
pessoas, a erosão causada nos locais onde há terra descoberta etc. Da mesma forma, pode-se trazer,
para conhecimento das crianças, livros, fotos e ilustrações de diversos fenômenos ocorridos em outras
regiões e suas consequências, como, por exemplo, a neve, os furacões, os vulcões etc.
O trabalho com os fenômenos naturais também é uma excelente oportunidade para a aprendizagem
de alguns procedimentos, como a observação, a comparação e o registro, entre outros.
Há muitas atividades que podem ser desenvolvidas com as crianças que permitem a observação dos
efeitos de luz, calor, força e movimento. As atividades de cozimento de alimentos, por exemplo, oferecem
uma ótima oportunidade para que as crianças possam observar as transformações ocasionadas pelo
calor. Um trabalho interessante para se desenvolver junto com as crianças são os jogos que envolvem
luz e sombra. Por meio de diferentes atividades, as crianças poderão refletir sobre as diversas fontes de
luz possíveis de serem utilizadas - desde a luz natural do dia ou aquela proveniente do fogo, até as
artificiais originadas por lanternas ou abajures. Poderão também perceber quais são os materiais que
permitem ou não a passagem da luz e selecioná-los em função da atividade que desejam realizar: se
querem ver as sombras projetadas, deverão escolher materiais ou superfícies que não permitem a
passagem da luz, como panos grossos; se querem modificar a cor da luz, poderão escolher tecidos e
papéis translúcidos e coloridos etc. As crianças poderão observar como se faz para a sombra crescer ou
diminuir na parede e observar como isso também ocorre em função da posição do sol, durante o dia. O
professor deve buscar informações que possam ser úteis para essa aprendizagem.

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Orientações gerais para o professor

Ampliar o conhecimento das crianças em relação a fatos e acontecimentos da realidade social e sobre
elementos e fenômenos naturais requer do professor trabalhar com suas próprias ideias, conhecimentos
e representações sociais acerca dos assuntos em pauta. É preciso, também, que os professores reflitam
e discutam sobre seus preconceitos, evitando transmiti-los nas relações com as crianças. Todo trabalho
pedagógico implica transmitir, conscientemente ou não, valores e atitudes relacionados ao ato de
conhecer. Por exemplo, o respeito pelo pensamento do outro e por opiniões divergentes, a valorização
da troca de ideias, a posição reflexiva diante de informações são algumas entre outras atitudes que o
professor deve possuir. É preciso também avançar para além das primeiras ideias e concepções acerca
dos assuntos que se pretende trabalhar com as crianças. A atuação pedagógica neste eixo necessita
apoiar-se em conhecimentos específicos derivados dos vários campos de conhecimento que integram as
Ciências Humanas e Naturais. Buscar respostas, informações e se familiarizar com conceitos e
procedimentos dessas áreas se faz necessário.
Para que a criança avance na construção de novos conhecimentos é importante que o professor
desenvolva algumas estratégias de ensino:
- partir de perguntas interessantes - em lugar de apresentar explicações, de passar conteúdos
utilizando didáticas expositivas sobre fatos sociais, elementos ou fenômenos da natureza, é necessário
propor questões instigantes para as crianças. Boas perguntas, questionamentos interessantes, dúvidas
que mobilizem o processo de indagação acerca dos elementos, objetos e fatos são imprescindíveis para
o trabalho com este eixo. As boas perguntas além de promoverem o interesse da criança, possibilitam
que se conheça o que pensam e sabem sobre o assunto. É importante que as perguntas ou
problematizações formuladas pelo professor permitam às crianças relacionar o que já sabem ou dominam
com o novo conhecimento. Esse tipo de questionamento pode estar baseado em aspectos práticos do
dia-a-dia da criança, relacionados ao modo de vida de seu grupo social (seus hábitos alimentares, sua
forma de se vestir, o trabalho e as profissões que seus familiares realizam, por exemplo); ou ainda ser
formulado a partir de fotografias, notícias de jornais, histórias, lendas, filmes, documentários, uma
exposição que esteja ocorrendo na cidade, a comemoração de um acontecimento histórico, um evento
esportivo etc.;
- considerar os conhecimentos das crianças sobre o assunto a ser trabalhado - a interação das crianças
com os adultos, com outras crianças, com os objetos e o meio social e natural permitem que elas ampliem
seus conhecimentos e elaborem explicações e “teorias” cada vez mais complexas sobre o mundo. Estes
conhecimentos elaborados pelas crianças oferecem explicações para as questões que as preocupam.
São construções muito particulares e próprias do jeito das crianças serem e estarem no mundo. É
fundamental considerar esses conhecimentos, pois isso permite ao professor planejar uma sequência de
atividades que possibilite uma aprendizagem significativa para as crianças, nas quais elas possam
reconhecer os limites de seus conhecimentos, ampliá-los e/ou reformulá-los;
- utilizar diferentes estratégias de busca de informações - os conhecimentos das crianças podem ser
ampliados na medida em que elas percebam a existência de algumas lacunas nas ideias que possuem e
possam obter respostas para as perguntas que têm. É necessário, portanto, prever atividades que
facilitem a busca de novas informações por meio de várias formas;
- coleta de dados - as crianças poderão pesquisar informações em diferentes fontes, na forma de
pesquisas, entrevistas, histórias de vida e pedidos de informações às famílias, sempre com a ajuda do
professor e de outras pessoas adultas. As pesquisas se constituem de perguntas sobre determinado
assunto, dirigidas a diferentes pessoas, elaboradas pelas crianças com ajuda do professor. A história de
vida é uma excelente forma de coleta de dados, por meio da reconstrução da trajetória de uma pessoa,
que possibilita o acesso às informações sobre a comunidade, a vida em tempos passados ou ainda sobre
as transformações que a paisagem local já sofreu;
- experiência direta - os passeios com as crianças nos arredores da instituição de educação infantil ou
em locais mais distantes, a ida a museus, centros culturais, granjas, feiras, teatros, zoológicos, jardins
botânicos, parques, exposições, percursos de rios, matas preservadas ou transformadas pela ação do
homem etc. permitem a observação direta da paisagem, a exploração ativa do meio natural e social,
ampliando a possibilidade de observação da criança. A observação direta de

Diversidade de recursos materiais


Os recursos materiais usados pelo professor não precisam ser necessariamente materiais didáticos
tampouco circunscritos àquilo que a instituição possui. Há várias organizações governamentais e não
governamentais que dispõem de um acervo de livros, filmes etc. e que podem ser requisitados para
empréstimo.

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É importante que o professor considere as pessoas da comunidade, principalmente as mais idosas,
como importantes fontes de informação e convide-as para compartilhar com as crianças os
conhecimentos que possuem a respeito do modo de ser, viver e trabalhar da comunidade local, das
características de paisagens distantes, daquilo que se transformou no lugar onde as crianças vivem.
É interessante que os materiais informativos e explicativos, trabalhados como fontes de informação -
sejam eles textos, imagens, filmes, objetos, depoimentos de pessoas etc. -, apresentem informações
divergentes ou complementares na maneira como explicam o assunto abordado. Isso será especialmente
importante para as crianças, que a partir de informações diversas poderão ter mais elementos sobre os
quais refletir.
As fontes de informação devem ser apresentadas, debatidas ou pesquisadas quanto ao lugar em que
foram obtidas, sua autoria e a época em que foram feitas. É importante que as crianças tenham a
oportunidade de saber que existem estudiosos, jornalistas, artistas, fotógrafos, entre outros profissionais,
que produzem as versões, as explicações, as representações e diferentes registros. Ou seja, que as
fontes de informação também são produtos da pesquisa e do trabalho de muitas pessoas.
É possível montar junto com as crianças um acervo dos materiais obtidos - cartazes, livros, objetos
etc. - sobre os diversos assuntos, para que possam recorrer a eles se precisarem ou se interessarem.

Diferentes formas de sistematização dos conhecimentos


O processo de investigação de um tema, por meio dos problemas identificados, da coleta de dados e
da busca de informações para confirmá-las, refutá-las ou ampliá-las, resulta na construção de
conhecimentos que devem ser organizados e registrados como produtos concretos dessa aprendizagem.
O registro pode ser apresentado em diferentes linguagens e formas: textos coletivos ou individuais, murais
ilustrados, desenhos, maquetes, entre outros. A sistematização acontece não só ao final do processo,
mas principalmente no decorrer dele. É possível planejar situações em que os resultados de uma
pesquisa de um grupo de crianças possam ser socializados também para outros grupos da instituição.
Nesse momento, as crianças recuperam todas as etapas do processo vivido para poderem construir seu
relato sobre ele, selecionam materiais a serem expostos e decidem sobre a configuração da mostra.
É interessante também que o professor organize registros coletivos do trabalho realizado,
confeccionando, com as crianças, álbuns, diários ou cadernos de anotações de campo nos quais elas
possam escrever ou desenhar aquilo que aprenderam durante o trabalho. O registro escrito poderá ser
feito em diferentes momentos da pesquisa, com o objetivo de relembrar as informações obtidas e as
conclusões a que as crianças chegaram.

Cooperação
Considerando que o desenvolvimento de atitudes cooperativas e solidárias, entre outras, é um dos
objetivos da educação infantil, e considerando as especificidades da faixa etária abrangida, torna-se
imprescindível que a instituição trabalhe para propor à criança a cooperação como desafio, de forma que
ela reconheça seus limites como próprios dessa idade, ao mesmo tempo em que se sinta instigada a
ultrapassá-los. Nesse sentido, o trabalho com este eixo pode promover a capacidade das crianças para
cooperarem com seus colegas, por meio das situações de explicação e argumentação de ideias e
opiniões, bem como por meio dos projetos, nos quais a participação de cada criança é imprescindível
para a realização de um produto coletivo.

Atividades permanentes
Atividades permanentes que podem ser desenvolvidas referem-se principalmente aos cuidados com
os animais e plantas criados e cultivados na sala ou no espaço externo da instituição. O professor pode
estabelecer um rodízio ou marcar um horário diário para que se possa aguar as plantas, dar comida aos
animais, observá-los, fazer a limpeza necessária no local etc.
Outro exemplo de atividade permanente são os cuidados com o meio ambiente, relacionados à
organização e conservação dos materiais e espaços coletivos, à coleta seletiva de lixo, à economia de
energia e água etc. Diariamente, o professor poderá organizar o grupo para recolher o lixo produzido nas
brincadeiras e atividades.

Jogos e brincadeiras
Os momentos de jogo e de brincadeira devem se constituir em atividades permanentes nas quais as
crianças poderão estar em contato também com temas relacionados ao mundo social e natural. O
professor poderá ensinar às crianças jogos e brincadeiras de outras épocas, propondo pesquisas junto
aos familiares e outras pessoas da comunidade e/ ou em livros e revistas. Para a criança é interessante

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conhecer as regras das brincadeiras de outros tempos, observar o que mudou em relação às regras
atuais, saber do que eram feitos os brinquedos etc.

Projetos
A elaboração de projetos é, por excelência, a forma de organização didática mais adequada para se
trabalhar com este eixo, devido à natureza e à diversidade dos conteúdos que ele oferece e também ao
seu caráter interdisciplinar.
A articulação entre as diversas áreas que compõem este eixo é um dos fatores importantes para a
aprendizagem dos conteúdos propostos. A partir de um projeto sobre animais, por exemplo, o professor
pode ampliar o trabalho, trazendo informações advindas do campo da História ou da Geografia.
Inúmeras culturas atribuem a certos animais valores simbólicos (míticos e religiosos) e existem muitas
histórias a respeito. A partir de uma pergunta, como, por exemplo, “Qual o maior animal existente na
terra?”, as crianças, além de exporem suas ideias, poderão pesquisar o que pensam as outras crianças,
os adultos da instituição, os familiares etc. As lendas, as fábulas e os contos sobre grandes animais,
presentes nos repertórios e memórias populares, podem se tornar excelentes recursos para confronto de
ideias. Os conhecimentos científicos sobre animais pré-históricos e sobre os animais de grande porte
existentes hoje, sua relação com a vida humana, onde e como vivem, a necessidade de sua preservação
etc. são informações valiosas para que as crianças possam pensar sobre o assunto. Ao final, as crianças
poderão desenhar coletivamente, por etapas, um animal entre aqueles que passaram a conhecer. Este
produto final é interessante, pois envolve pesquisar medidas, formas de trabalhar para fazer desenhos
grandes, envolve a cooperação de adultos da instituição para ver onde expor etc.
Pode-se também desenvolver um projeto sobre o modo de ser, viver e trabalhar das pessoas de
épocas passadas. Para isso, podem-se propor entrevistas com os pais e avós, pesquisas sobre as
brincadeiras que as crianças faziam, sobre a alimentação etc. Também se pode desenvolver um projeto
semelhante sobre a vida das crianças de uma determinada região do Brasil ou de uma cultura específica,
como a indígena, por exemplo.

Organização do espaço
O espaço da sala deve ser organizado de modo a privilegiar a independência da criança no acesso e
manipulação dos materiais disponíveis ao trabalho, e deve traduzir, na forma como é organizado, a
memória do trabalho desenvolvido pelas crianças. Tudo aquilo que foi produzido, trazido ou coletado pelo
grupo deve estar exposto e ao alcance de todos, constituindo-se referência para outras produções e
encaminhamentos.
O grupo deverá participar tanto da montagem e organização do espaço quanto da sua manutenção.
As produções expostas, sempre referentes ao momento vivido e/ou temas pesquisados, podem ser
recolhidas ao término do projeto e levadas pelas crianças para casa, que poderão compartilhá-las,
recuperando a história das etapas vividas junto a seus familiares.

Observação, registro e avaliação formativa

O momento de avaliação implica numa reflexão do professor sobre o processo de aprendizagem e


sobre as condições oferecidas por ele para que ela pudesse ocorrer. Assim, caberá a ele investigar sobre
a adequação dos conteúdos escolhidos, sobre a adequação das propostas lançadas, sobre o tempo e
ritmo impostos ao trabalho, tanto quanto caberá investigar sobre as aquisições das crianças em vista de
todo o processo vivido, na sua relação com os objetivos propostos.
A avaliação não se dá somente no momento final do trabalho. É tarefa permanente do professor,
instrumento indispensável à constituição de uma prática pedagógica e educacional verdadeiramente
comprometida com o desenvolvimento das crianças.
A observação também deve ser planejada para que o professor possa perceber manifestações
importantes das crianças. Por meio dela, pode-se conhecer mais acerca do que as crianças sabem fazer,
do que pensam a respeito dos fenômenos que observam, do que ainda lhes é difícil entender, assim como
conhecer mais sobre os interesses que possuem. A prática de observar as crianças indica caminhos para
selecionar conteúdos e propor desafios, a partir dos objetivos que se pretende alcançar por meio deles.
O trabalho de reflexão do professor se faz pela observação e pelo registro.
O registro é entendido aqui como fonte de informação valiosa sobre as crianças, em seu processo de
aprender, e sobre o professor, em seu processo de ensinar. O registro é o acervo de conhecimentos do
professor, que lhe possibilita recuperar a história do que foi vivido, tanto quanto lhe possibilita avaliá-la
propondo novos encaminhamentos.

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No que se refere à aprendizagem neste eixo, são consideradas como experiências prioritárias para as
crianças de zero a três anos participar das atividades que envolvam a exploração do ambiente imediato
e a manipulação de objetos.
Para tanto, é preciso que sejam oferecidas a elas muitas oportunidades de explorar o ambiente e
manipular objetos desde o momento em que ingressam na instituição. Andar, engatinhar, rastejar, rolar,
interagir com outras crianças e adultos, brincar etc. são algumas das ações que lhes permitirão explorar
o ambiente e adquirir confiança nas suas capacidades.
A oferta de materiais diversificados que possibilitem diferentes experiências e a proposta de atividades
interessantes também são condições necessárias que incentivam as ações exploratórias das crianças.
A partir dos quatro e até os seis anos, uma vez que tenham tido muitas oportunidades na instituição
de educação infantil de vivenciar experiências envolvendo aprendizagens significativas relacionadas com
este eixo, pode-se esperar que as crianças conheçam e valorizem algumas das manifestações culturais
de sua comunidade e manifestem suas opiniões, hipóteses e ideias sobre os diversos assuntos
colocados. Para tanto, é preciso que o professor desenvolva atividades variadas relacionadas a festas,
brincadeiras, músicas e danças da tradição cultural da comunidade, inserindo-as na rotina e nos projetos
que desenvolve junto com as crianças. Por meio dessas atividades, elas poderão conhecer e aprender a
valorizar sua cultura. Vale lembrar que os valores se concretizam na prática cotidiana e são construídos
pelas crianças também por meio do convívio social. Assim, o professor e a instituição devem organizar
sua prática de forma a manter a coerência entre os valores que querem desenvolver e a ação cotidiana.
O contato com a natureza é de fundamental importância para as crianças e o professor deve oferecer
oportunidades diversas para que elas possam descobrir sua riqueza e beleza.
Fazer passeios por parques e locais de área verde, manter contato com pequenos animais, pesquisar
em livros e fotografias a diversidade da fauna e da flora, principalmente brasileira, são algumas das formas
de se promover o interesse e a valorização da natureza pela criança.
Para que se sintam confiantes para expor suas ideias, hipóteses e opiniões é preciso que o professor
promova situações significativas de aprendizagem nas quais as crianças possam perceber que suas
colocações são acolhidas e contextualizadas e ofereça atividades que as façam avançar nos seus
conhecimentos por meio de problemas que sejam ao mesmo tempo desafiadores e possíveis de serem
resolvidos.

Matemática - Introdução

As crianças, desde o nascimento, estão imersas em um universo do qual os conhecimentos


matemáticos são parte integrante. As crianças participam de uma série de situações envolvendo números,
relações entre quantidades, noções sobre espaço. Utilizando recursos próprios e pouco convencionais,
elas recorrem a contagem e operações para resolver problemas cotidianos, como conferir figurinhas,
marcar e controlar os pontos de um jogo, repartir as balas entre os amigos, mostrar com os dedos a idade,
manipular o dinheiro e operar com ele etc. Também observam e atuam no espaço ao seu redor e, aos
poucos, vão organizando seus deslocamentos, descobrindo caminhos, estabelecendo sistemas de
referência, identificando posições e comparando distâncias. Essa vivência inicial favorece a elaboração
de conhecimentos matemáticos. Fazer matemática é expor ideias próprias, escutar as dos outros,
formular e comunicar procedimentos de resolução de problemas, confrontar, argumentar e procurar
validar seu ponto de vista, antecipar resultados de experiências não realizadas, aceitar erros, buscar
dados que faltam para resolver problemas, entre outras coisas. Dessa forma as crianças poderão tomar
decisões, agindo como produtoras de conhecimento e não apenas executoras de instruções. Portanto, o
trabalho com a Matemática pode contribuir para a formação de cidadãos autônomos, capazes de pensar
por conta própria, sabendo resolver problemas.
Nessa perspectiva, a instituição de educação infantil pode ajudar as crianças a organizarem melhor as
suas informações e estratégias, bem como proporcionar condições para a aquisição de novos
conhecimentos matemáticos. O trabalho com noções matemáticas na educação infantil atende, por um
lado, às necessidades das próprias crianças de construírem conhecimentos que incidam nos mais
variados domínios do pensamento; por outro, corresponde a uma necessidade social de instrumentalizá-
las melhor para viver, participar e compreender um mundo que exige diferentes conhecimentos e
habilidades.

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Presença da matemática na educação infantil: ideias e práticas correntes

A atenção dada às noções matemáticas na educação infantil, ao longo do tempo, tem seguido
orientações diversas que convivem, às vezes de maneira contraditória, no cotidiano das instituições.
Dentre elas, estão destacadas a seguir aquelas mais presentes na educação infantil.

Repetição, memorização e associação


Há uma ideia corrente de que as crianças aprendem não só a Matemática, mas todos os outros
conteúdos, por repetição e memorização por meio de uma sequência linear de conteúdos encadeados do
mais fácil para o mais difícil. São comuns as situações de memorização de algarismos isolados, por
exemplo, ensina-se o 1, depois o 2 e assim sucessivamente. Propõem-se exercícios de escrita dos
algarismos em situações como: passar o lápis sobre numerais pontilhados, colagem de bolinhas de papel
crepom sobre numerais, cópias repetidas de um mesmo numeral, escrita repetida da sucessão numérica.
Ao mesmo tempo, é comum enfeitar os algarismos, grafando-os com figuras de bichos ou dando-lhes um
aspecto humano, com olhos, bocas e cabelos, ou ainda, promovendo associação entre os algarismos e
desenhos, por exemplo, o número 2 associado a dois patinhos. Acredita-se que, dessa forma, a criança
estará construindo o conceito de número.
A ampliação dos estudos sobre o desenvolvimento infantil e pesquisas realizadas no campo da própria
educação matemática permitem questionar essa concepção de aprendizagem restrita à memorização,
repetição e associação.

Do concreto ao abstrato
Outra ideia bastante presente é que, a partir da manipulação de objetos concretos, a criança chega a
desenvolver um raciocínio abstrato. A função do professor se restringe a auxiliar o desenvolvimento
infantil por meio da organização de situações de aprendizagem nas quais os materiais pedagógicos
cumprem um papel de autoinstrução, quase como um fim em si mesmo. Essa concepção resulta da ideia
de que primeiro trabalha-se o conceito no concreto para depois trabalhá-lo no abstrato. O concreto e o
abstrato se caracterizam como duas realidades dissociadas, em que o concreto é identificado com o
manipulável e o abstrato com as representações formais, com as definições e sistematizações. Essa
concepção, porém, dissocia a ação física da ação intelectual, dissociação que não existe do ponto de
vista do sujeito. Na realidade, toda ação física supõe ação intelectual. A manipulação observada de fora
do sujeito está dirigida por uma finalidade e tem um sentido do ponto de vista da criança. Como aprender
é construir significados e atribuir sentidos, as ações representam momentos importantes da
aprendizagem na medida em que a criança realiza uma intenção.

Atividades pré-numéricas
Algumas interpretações das pesquisas psicogenéticas concluíram que o ensino da Matemática seria
beneficiado por um trabalho que incidisse no desenvolvimento de estruturas do pensamento lógico-
matemático. Assim, consideram-se experiências-chave para o processo de desenvolvimento do raciocínio
lógico e para a aquisição da noção de número as ações de classificar, ordenar/seriar e comparar objetos
em função de diferentes critérios.
Essa prática transforma as operações lógicas e as provas Piagetianas em conteúdos de ensino. A
classificação e a seriação têm papel fundamental na construção de conhecimento em qualquer área, não
só em Matemática. Quando o sujeito constrói conhecimento sobre conteúdos matemáticos, como sobre
tantos outros, as operações de classificação e seriação necessariamente são exercidas e se
desenvolvem, sem que haja um esforço didático especial para isso.
A conservação do número não é um pré-requisito para trabalhar com os números e, portanto, o trabalho
com conteúdos didáticos específicos não deve estar atrelado à construção das noções e estruturas
intelectuais mais gerais.

Jogos e aprendizagem de noções matemáticas


O jogo tornou-se objeto de interesse de psicólogos, educadores e pesquisadores como decorrência da
sua importância para a criança e da ideia de que é uma prática que auxilia o desenvolvimento infantil, a
construção ou potencialização de conhecimentos. A educação infantil, historicamente, configurou-se
como o espaço natural do jogo e da brincadeira, o que favoreceu a ideia de que a aprendizagem de
conteúdos matemáticos se dá prioritariamente por meio dessas atividades. A participação ativa da criança
e a natureza lúdica e prazerosa inerentes a diferentes tipos de jogos têm servido de argumento para
fortalecer essa concepção, segundo a qual se aprende Matemática brincando. Isso em parte é correto,
porque se contrapõe à orientação de que, para aprender Matemática, é necessário um ambiente em que

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predomine a rigidez, a disciplina e o silêncio. Por outro lado, percebe-se certo tipo de euforia, na educação
infantil e até mesmo nos níveis escolares posteriores, em que jogos, brinquedos e materiais didáticos são
tomados sempre de modo indiferenciado na atividade pedagógica: a manipulação livre ou a aplicação de
algumas regras sem uma finalidade muito clara. O jogo, embora muito importante para as crianças não
diz respeito, necessariamente, à aprendizagem da Matemática.
Apesar das crenças que envolvem a brincadeira como uma atividade natural e auto instrutiva, algumas
investigações sobre seu significado, seu conteúdo e o conteúdo da aprendizagem em Matemática têm
revelado a aproximação entre dois processos com características e alcances diferentes. O jogo é um
fenômeno cultural com múltiplas manifestações e significados, que variam conforme a época, a cultura
ou o contexto. O que caracteriza uma situação de jogo é a iniciativa da criança, sua intenção e curiosidade
em brincar com assuntos que lhe interessam e a utilização de regras que permitem identificar sua
modalidade. Apesar de a natureza do jogo propiciar também um trabalho com noções matemáticas, cabe
lembrar que o seu uso como instrumento não significa, necessariamente, a realização de um trabalho
matemático. A livre manipulação de peças e regras por si só não garante a aprendizagem. O jogo pode
tornar-se uma estratégia didática quando as situações são planejadas e orientadas pelo adulto visando a
uma finalidade de aprendizagem, isto é, proporcionar à criança algum tipo de conhecimento, alguma
relação ou atitude. Para que isso ocorra, é necessário haver uma intencionalidade educativa, o que
implica planejamento e previsão de etapas pelo professor, para alcançar objetivos predeterminados e
extrair do jogo atividades que lhe são decorrentes.
Os avanços na pesquisa sobre desenvolvimento e aprendizagem, bem como os novos conhecimentos
a respeito da didática da Matemática, permitiram vislumbrar novos caminhos no trabalho com a criança
pequena. Há uma constatação de que as crianças, desde muito pequenas, constroem conhecimentos
sobre qualquer área a partir do uso que faz deles em suas vivências, da reflexão e da comunicação de
ideias e representações.
Historicamente, a Matemática tem se caracterizado como uma atividade de resolução de problemas
de diferentes tipos. A instituição de educação infantil poderá constituir-se em contexto favorável para
propiciar a exploração de situações-problema.
Na aprendizagem da Matemática o problema adquire um sentido muito preciso. Não se trata de
situações que permitam “aplicar” o que já se sabe, mas sim daquelas que possibilitam produzir novos
conhecimentos a partir dos conhecimentos que já se tem e em interação com novos desafios. Essas
situações-problema devem ser criteriosamente planejadas, a fim de que estejam contextualizadas,
remetendo a conhecimentos prévios das crianças, possibilitando a ampliação de repertórios de
estratégias no que se refere à resolução de operações, notação numérica, formas de representação e
comunicação etc., e mostrando-se como uma necessidade que justifique a busca de novas informações.
Embora os conhecimentos prévios não se mostrem homogêneos porque resultam das diferentes
experiências vividas pelas crianças, eles são o ponto de partida para a resolução de problemas e, como
tal, devem ser considerados pelos adultos. Cada atividade e situação-problema proposta pelo adulto deve
considerar esses conhecimentos prévios e prever estratégias para ampliá-los.
Ao se trabalhar com conhecimentos matemáticos, como com o sistema de numeração, medidas,
espaço e formas etc., por meio da resolução de problemas, as crianças estarão, consequentemente,
desenvolvendo sua capacidade de generalizar, analisar, sintetizar, inferir, formular hipótese, deduzir,
refletir e argumentar.

A criança e a matemática

As noções matemáticas (contagem, relações quantitativas e espaciais etc.) são construídas pelas
crianças a partir das experiências proporcionadas pelas interações com o meio, pelo intercâmbio com
outras pessoas que possuem interesses, conhecimentos e necessidades que podem ser compartilhados.
As crianças têm e podem ter várias experiências com o universo matemático e outros que lhes permitem
fazer descobertas, tecer relações, organizar o pensamento, o raciocínio lógico, situar-se e localizar-se
espacialmente. Configura-se desse modo um quadro inicial de referências lógico-matemáticas que
requerem outras, que podem ser ampliadas. São manifestações de competências, de aprendizagem
advindas de processos informais, da relação individual e cooperativa da criança em diversos ambientes
e situações de diferentes naturezas, sobre as quais não se tem planejamento e controle. Entretanto, a
continuidade da aprendizagem matemática não dispensa a intencionalidade e o planejamento.
Reconhecer a potencialidade e a adequação de uma dada situação para a aprendizagem, tecer
comentários, formular perguntas, suscitar desafios, incentivar a verbalização pela criança etc., são
atitudes indispensáveis do adulto. Representam vias a partir das quais as crianças elaboram o
conhecimento em geral e o conhecimento matemático em particular.

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Deve-se considerar o rápido e intenso processo de mudança vivido pelas crianças nessa faixa etária.
Elas apresentam possibilidades de estabelecer vários tipos de relação (comparação, expressão de
quantidade), representações mentais, gestuais e indagações, deslocamentos no espaço.
Diversas ações intervêm na construção dos conhecimentos matemáticos, como recitar a seu modo a
sequência numérica, fazer comparações entre quantidades e entre notações numéricas e localizar-se
espacialmente. Essas ações ocorrem fundamentalmente no convívio social e no contato das crianças
com histórias, contos, músicas, jogos, brincadeiras etc.
As respostas de crianças pequenas a perguntas de adultos que contenham a palavra “quantos?”
podem ser aleatoriamente “três”, “cinco”, para se referir a uma suposta quantidade. O mesmo ocorre às
perguntas que contenham “quando?”. Nesse caso, respostas como “terça-feira” para indicar um dia
qualquer ou “amanhã” no lugar de “ontem” são frequentes. Da mesma forma, uma criança pequena pode
perguntar “quanto eu custo?” ao subir na balança, no lugar de “quanto eu peso?”. Esses são exemplos
de respostas e perguntas não muito precisas, mas que já revelam algum discernimento sobre o sentido
de tempo e quantidade. São indicadores da permanente busca das crianças em construir significados,
em aprender e compreender o mundo.
À medida que crescem, as crianças conquistam maior autonomia e conseguem levar adiante, por um
tempo maior, ações que tenham uma finalidade, entre elas atividades e jogos. As crianças conseguem
formular questões mais elaboradas, aprendem a trabalhar diante de um problema, desenvolvem
estratégias, criam ou mudam regra de jogos, revisam o que fizeram e discutem entre pares as diferentes
propostas.

Objetivos

Crianças de zero a três anos


A abordagem da Matemática na educação infantil tem como finalidade proporcionar oportunidades
para que as crianças desenvolvam a capacidade de:
- estabelecer aproximações a algumas noções matemáticas presentes no seu cotidiano, como
contagem, relações espaciais etc.

Crianças de quatro a seis anos


Para esta fase, o objetivo é aprofundar e ampliar o trabalho para a faixa etária de zero a três,
garantindo, ainda, oportunidades para que sejam capazes de:
- reconhecer e valorizar os números, as operações numéricas, as contagens orais e as noções
espaciais como ferramentas necessárias no seu cotidiano;
- comunicar ideias matemáticas, hipóteses, processos utilizados e resultados encontrados em
situações-problema relativas a quantidades, espaço físico e medida, utilizando a linguagem oral e a
linguagem matemática;
- ter confiança em suas próprias estratégias e na sua capacidade para lidar com situações matemáticas
novas, utilizando seus conhecimentos prévios.

Conteúdos

A seleção e a organização dos conteúdos matemáticos representam um passo importante no


planejamento da aprendizagem e devem considerar os conhecimentos prévios e as possibilidades
cognitivas das crianças para ampliá-los. Para tanto, deve-se levar em conta que:
- aprender matemática é um processo contínuo de abstração no qual as crianças atribuem significados
e estabelecem relações com base nas observações, experiências e ações que fazem, desde cedo, sobre
elementos do seu ambiente físico e sociocultural;
- a construção de competências matemáticas pela criança ocorre simultaneamente ao
desenvolvimento de inúmeras outras de naturezas diferentes e igualmente importantes, tais como
comunicar-se oralmente, desenhar, ler, escrever, movimentar-se, cantar etc.
Os domínios sobre os quais as crianças de zero a seis anos fazem suas primeiras incursões e
expressam ideias matemáticas elementares dizem respeito a conceitos aritméticos e espaciais.
Propõe-se a abordagem desses conteúdos de forma não simplificada, tal como aparecem nas práticas
sociais. Se por um lado, isso implica trabalhar com conteúdos complexos, por outro lado, traz implícita a
ideia de que a criança vai construir seu conhecimento matemático por meio de sucessivas reorganizações
ao longo da sua vida.

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Complexidade e provisoriedade são, portanto, inseparáveis, pois o trabalho didático deve
necessariamente levar em conta tanto a natureza do objeto de conhecimento como o processo pelo qual
as crianças passam ao construí-lo.

Crianças de zero a três anos


- Utilização da contagem oral, de noções de quantidade, de tempo e de espaço em jogos, brincadeiras
e músicas junto com o professor e nos diversos contextos nos quais as crianças reconheçam essa
utilização como necessária.
- Manipulação e exploração de objetos e brinquedos, em situações organizadas de forma a existirem
quantidades individuais suficientes para que cada criança possa descobrir as características e
propriedades principais e suas possibilidades associativas: empilhar, rolar, transvasar, encaixar etc.

Orientações didáticas
Os bebês e as crianças pequenas estão começando a conhecer o mundo e a estabelecer as primeiras
aproximações com ele. As situações cotidianas oferecem oportunidades privilegiadas para o trabalho com
a especificidade das ideias matemáticas. As festas, as histórias e, principalmente, os jogos e as
brincadeiras permitem a familiarização com elementos espaciais e numéricos, sem imposição. Assim, os
conceitos matemáticos não são o pretexto nem a finalidade principal a ser perseguida. As situações
deverão ter um caráter múltiplo para que as crianças possam interessar-se, fazer relações sobre várias
áreas e comunicá-las.
As modificações no espaço, a construção de diferentes circuitos de obstáculos com cadeiras, mesas,
pneus e panos por onde as crianças possam engatinhar ou andar - subindo, descendo, passando por
dentro, por cima, por baixo - permitem a construção gradativa de conceitos, dentro de um contexto
significativo, ampliando experiências. As brincadeiras de construir torres, pistas para carrinhos e cidades,
com blocos de madeira ou encaixe, possibilitam representar o espaço numa outra dimensão. O faz-de-
conta das crianças pode ser enriquecido, organizando-se espaços próprios com objetos e brinquedos que
contenham números, como telefone, máquina de calcular, relógio etc. As situações de festas de
aniversário podem constituir-se em momento rico de aproximação com a função dos números. O
professor pode organizar junto com as crianças um quadro de aniversariantes, contendo a data do
aniversário e a idade de cada criança. Pode também acompanhar a passagem do tempo, utilizando o
calendário. As crianças por volta dos dois anos já podem, com ajuda do professor, contar quantos dias
faltam para seu aniversário. Pode-se organizar um painel com pesos e medidas das crianças para que
elas observem suas diferenças. As crianças podem comparar o tamanho de seus pés e depois olhar os
números em seus sapatos. O folclore brasileiro é fonte riquíssima de cantigas e rimas infantis envolvendo
contagem e números, que podem ser utilizadas como forma de aproximação com a sequência numérica
oral. São muitas as formas possíveis de se realizar o trabalho com a Matemática nessa faixa etária, mas
ele sempre deve acontecer inserido e integrado no cotidiano das crianças.

Crianças de quatro a seis anos


Nesta faixa etária aprofundam-se os conteúdos indicados para as crianças de zero a três anos, dando-
se crescente atenção à construção de conceitos e procedimentos especificamente matemáticos. Os
conteúdos estão organizados em três blocos: “Números e sistema de numeração”, “Grandezas e
medidas” e “Espaço e forma”. A organização por blocos visa a oferecer visibilidade às especificidades
dos conhecimentos matemáticos a serem trabalhados, embora as crianças vivenciem esses conteúdos
de maneira integrada.

Números e sistema de numeração


Este bloco de conteúdos envolve contagem, notação e escrita numéricas e as operações matemáticas.
- Utilização da contagem oral nas brincadeiras e em situações nas quais as crianças reconheçam sua
necessidade.
- Utilização de noções simples de cálculo mental como ferramenta para resolver problemas.
- Comunicação de quantidades, utilizando a linguagem oral, a notação numérica e/ou registros não
convencionais.
- Identificação da posição de um objeto ou número numa série, explicitando a noção de sucessor e
antecessor.
- Identificação de números nos diferentes contextos em que se encontram.
- Comparação de escritas numéricas, identificando algumas regularidades.

Orientações didáticas

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Os conhecimentos numéricos das crianças decorrem do contato e da utilização desses conhecimentos
em problemas cotidianos, no ambiente familiar, em brincadeiras, nas informações que lhes chegam pelos
meios de comunicação etc. Os números estão presentes no cotidiano e servem para memorizar
quantidades, para identificar algo, antecipar resultados, contar, numerar, medir e operar. Alguns desses
usos são familiares às crianças desde pequenas e outros nem tanto.

Contagem
Contar é uma estratégia fundamental para estabelecer o valor cardinal de conjuntos de objetos. Isso
fica evidenciado quando se busca a propriedade numérica dos conjuntos ou coleções em resposta à
pergunta “quantos?” (cinco, seis, dez etc.). É aplicada também quando se busca a propriedade numérica
dos objetos, respondendo à pergunta “qual?”. Nesse caso está também em questão o valor ordinal de um
número (quinto, sexto, décimo etc.).
A contagem é realizada de forma diversificada pelas crianças, com um significado que se modifica
conforme o contexto e a compreensão que desenvolvem sobre o número.
Pela via da transmissão social, as crianças, desde muito pequenas, aprendem a recitar a sequência
numérica, muitas vezes sem se referir a objetos externos. Podem fazê-lo, por exemplo, como uma
sucessão de palavras, no controle do tempo para iniciar uma brincadeira, por repetição ou com o propósito
de observar a regularidade da sucessão. Nessa prática, a criança se engana, para, recomeça, progride.
A criança pode, também, realizar a recitação das palavras, numa ordem própria e particular, sem
necessariamente fazer corresponder as palavras da sucessão aos objetos de uma coleção (1, 3, 4, 19,
por exemplo).
Embora a recitação oral da sucessão dos números seja uma importante forma de aproximação com o
sistema numérico, para evitar mecanização é necessário que as crianças compreendam o sentido do que
se está fazendo. O grau de desafio da recitação de uma série depende dos conhecimentos prévios das
crianças, assim como das novas aprendizagens que possam efetuar. Ao elaborar situações didáticas para
que todos possam aprender e progredir em suas aprendizagens, o professor deve levar em conta que
elas ocorrem de formas diferentes entre as crianças.
Na contagem propriamente dita, ou seja, ao contar objetos as crianças aprendem a distinguir o que já
contaram do que ainda não contaram e a não contar duas (ou mais) vezes o mesmo objeto; descobrem
que tampouco devem repetir as palavras numéricas já ditas e que, se mudarem sua ordem, obterão
resultados finais diferentes daqueles de seus companheiros; percebem que não importa a ordem que
estabelecem para contar os objetos, pois obterão sempre o mesmo resultado. Podem-se propor
problemas relativos à contagem de diversas formas. É desafiante, por exemplo, quando as crianças
contam agrupando os números de dois em dois, de cinco em cinco, de dez em dez etc.

Notação e escrita numéricas


A importância cultural dos números e do sistema de numeração é indiscutível. A notação numérica, na
qual os símbolos são dotados de valores conforme a posição que ocupam, característica do sistema
hindu-arábico de numeração, é uma conquista do homem, no percurso da história, e um dado da realidade
contemporânea.
Ler os números, compará-los e ordená-los são procedimentos indispensáveis para a compreensão do
significado da notação numérica. Ao se deparar com números em diferentes contextos, a criança é
desafiada a aprender, a desenvolver o seu próprio pensamento e a produzir conhecimentos a respeito.
Nem sempre um mesmo número representa a mesma coisa, pois depende do contexto em que está. Por
exemplo, o número dois pode estar representando duas unidades, mas, dependendo da sua posição,
pode representar vinte ou duzentas unidades; pode representar uma ordem, segundo, ou ainda
representar um código (como nos números de telefone ou no código de endereçamento postal).
Compreender o atual sistema numérico envolve uma série de perguntas, como: “quais os algarismos que
o compõem?”, “como se chamam?”, “como são escritos?”, “como podem ser combinados?”, “o que muda
a cada combinação?”. Para responder essas questões é preciso que as crianças possam trabalhar desde
pequenas com o sistema de numeração tal como ele se apresenta.
Propor situações complexas para as crianças só é possível se o professor aceitar respostas diferentes
das convencionais, isto é, aceitar que o conhecimento é provisório e compreender que as crianças
revisam suas ideias e elaboram soluções cada vez melhores.
Para as crianças, os aspectos relevantes da numeração são os que fazem parte de suas vidas
cotidianas. Pesquisar os diferentes lugares em que os números se encontram, investigar como são
organizados e para que servem, é tarefa fundamental para que possam iniciar a compreensão sobre a
organização do sistema de numeração.

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Há diversos usos de números presentes nos telefones, nas placas de carro e de ônibus, nas camisas
de jogadores, no código de endereçamento postal, nas etiquetas de preço, nas contas de luz etc., para
diferenciar e nomear classes ou ordenar elementos e com os quais as crianças entram em contato,
interpretando e atribuindo significados.
São muitas as possibilidades de a criança investigar as regras e as regularidades do sistema numérico.
A seguir, são apresentadas algumas.
Quando o professor lê histórias para as crianças, pode incluir a leitura do índice e da numeração das
páginas, organizando a situação de tal maneira que todos possam participar.
É importante aceitar como válidas respostas diversas e trabalhar a partir delas. Histórias em capítulos,
coletâneas e enciclopédias são especialmente propícias para o trabalho com índice. Ao confeccionar um
livro junto com as crianças é importante pesquisar, naqueles conhecidos, como se organiza o índice e a
numeração das páginas.
Colecionar em grupo um álbum de figurinhas pode interessar às crianças. Iniciada a coleção, pode-se
pedir que antecipem a localização da figurinha no álbum ou, se abrindo em determinada página, devem
folhear o álbum para frente ou para trás. É interessante também confeccionar uma tabela numérica (com
o mesmo intervalo numérico do álbum) para que elas possam ir marcando os números das figurinhas já
obtidas.
Há diferentes tipos de calendários utilizados socialmente (folhinhas anuais, mensais, semanais) que
podem ser apropriados para diferentes usos e funções na instituição, como marcar o dia corrente no
calendário e escrever a data na lousa; usar o calendário para organizar a rotina, marcando compromissos
importantes do grupo, como os aniversários das crianças, a data de um passeio etc.
As crianças podem pesquisar as informações numéricas de cada membro de seu grupo (idade, número
de sapato, número de roupa, altura, peso etc.). Com ajuda do professor, as crianças podem montar uma
tabela e criar problemas que comparem e ordenem escritas numéricas, buscando as informações
necessárias no próprio quadro, a partir de perguntas como: “quantas crianças vestem determinado
número de roupa?”, “quantos anos um tem a mais que o outro?”, “quanto você precisará crescer para
ficar do tamanho de seu amigo?”.
É possível também pesquisar a idade dos familiares, da pessoa mais velha da instituição, da cidade,
do país ou do mundo.
Jogos de baralho, de adivinhação ou que utilizem dados também oferecem inúmeras situações para
que as crianças pensem e utilizem a sequência ordenada dos números, considerando o antecessor e o
sucessor, façam suas próprias anotações de quantidades e comparem resultados.
Fichas que indicam a ordinalidade - primeiro, segundo, terceiro - podem ser sugeridas às crianças
como material para uso nas brincadeiras de faz-de-conta, quando é necessário, por exemplo, decidir a
ordem de atendimento num posto de saúde ou numa padaria; em jogos ou campeonatos.

Operações
Nos contextos mencionados, quando as crianças contam de dois em dois ou de dez em dez, isto é,
quando contam agregando uma quantidade de elementos a partir de outra, ou contam tirando uma
quantidade de outra, ou ainda quando distribuem figuras, fichas ou balas, elas estão realizando ações de
acrescentar, agregar, segregar e repartir relacionadas a operações aritméticas. O cálculo é, portanto,
aprendido junto com a noção de número e a partir do seu uso em jogos e situações-problema. Nessas
situações, em geral as crianças calculam com apoio dos dedos, de lápis e papel ou de materiais diversos,
como contas, conchinhas etc. É importante, também que elas possam fazê-lo sem esse tipo de apoio,
realizando cálculos mentais ou estimativas. A realização de estimativas é uma necessidade, por exemplo,
de quem organiza eventos. Para calcular quantas espigas de milho precisarão ser assadas na fogueira
da festa de São João, é preciso perguntar: “quantas pessoas participarão da festa?”, “quantas espigas de
milho cada um come?”. As crianças pequenas também já utilizam alguns procedimentos para comparar
quantidades.
Geralmente se apoiam na contagem e utilizam os dedos, estabelecendo uma correspondência termo
a termo, o que permite referir-se a coleções ausentes.
Pode-se propor para as crianças de cinco e seis anos situações em que tenham de resolver problemas
aritméticos e não contas isoladas, o que contribui para que possam descobrir estratégias e procedimentos
próprios e originais. As soluções encontradas podem ser comunicadas pela linguagem informal ou por
desenhos (representações não convencionais). Comparar os seus resultados com os dos outros,
descobrir o melhor procedimento para cada caso e reformular o que for necessário permite que as
crianças tenham maior confiança em suas próprias capacidades. Assim, cada situação de cálculo
constitui-se num problema aberto que pode ser solucionado de formas diversas, pois existem diferentes
sentidos da adição e da subtração, os problemas podem ter estruturas diferentes, o grau de dificuldade

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varia em função dos tipos de perguntas formuladas. Esses problemas podem propiciar que as crianças
comparem, juntem, separem, combinem grandezas ou transformem dados numéricos.

Grandezas e medidas
Exploração de diferentes procedimentos para comparar grandezas.
- Introdução às noções de medida de comprimento, peso, volume e tempo, pela utilização de unidades
convencionais e não convencionais.
- Marcação do tempo por meio de calendários.
- Experiências com dinheiro em brincadeiras ou em situações de interesse das crianças.

Orientações didáticas
De utilidade histórica reconhecida, o uso de medidas mostrou-se não só como um eficiente processo
de resolução de problemas práticos do homem antigo como teve papel preponderante no tecido das
inúmeras relações entre noções matemáticas. A compreensão dos números, bem como de muitas das
noções relativas ao espaço e às formas, é possível graças às medidas. Da iniciativa de povos (como os
egípcios) para demarcar terras fazendo medições resultou a criação dos números fracionários ou
decimais. Mas antes de surgir esse número para indicar medidas houve um longo caminho e vários tipos
de problemas tiveram de ser resolvidos pelo homem.
As medidas estão presentes em grande parte das atividades cotidianas e as crianças, desde muito
cedo, têm contato com certos aspectos das medidas. O fato de que as coisas têm tamanhos, pesos,
volumes, temperaturas diferentes e que tais diferenças frequentemente são assinaladas pelos outros
(está longe, está perto, é mais baixo, é mais alto, mais velho, mais novo, pesa meio quilo, mede dois
metros, a velocidade é de oitenta quilômetros por hora etc.) permite que as crianças informalmente
estabeleçam esse contato, fazendo comparações de tamanhos, estabelecendo relações, construindo
algumas representações nesse campo, atribuindo significado e fazendo uso das expressões que
costumam ouvir. Esses conhecimentos e experiências adquiridos no âmbito da convivência social
favorecem a proposição de situações que despertem a curiosidade e interesse das crianças para
continuar conhecendo sobre as medidas.
O professor deve partir dessas práticas para propor situações-problema em que a criança possa
ampliar, aprofundar e construir novos sentidos para seus conhecimentos. As atividades de culinária, por
exemplo, possibilitam um rico trabalho, envolvendo diferentes unidades de medida, como o tempo de
cozimento e a quantidade dos ingredientes: litro, quilograma, colher, xícara, pitada etc.
A comparação de comprimentos, pesos e capacidades, a marcação de tempo e a noção de
temperatura são experimentadas desde cedo pelas crianças pequenas, permitindo-lhes pensar, num
primeiro momento, essencialmente sobre características opostas das grandezas e objetos, como
grande/pequeno, comprido/curto, longe/perto, muito/pouco, quente/frio etc. Entretanto, esse ponto de
vista pode se modificar e as comparações feitas pelas crianças passam a ser percebidas e anunciadas a
partir das características dos objetos, como, por exemplo, a casa branca é maior que a cinza; minha bola
de futebol é mais leve e menor do que a sua etc. O desenvolvimento dessas capacidades comparativas
não garante, porém, a compreensão de todos os aspectos implicados na noção de medida.
As crianças aprendem sobre medidas, medindo. A ação de medir inclui: a observação e comparação
sensorial e perceptiva entre objetos; o reconhecimento da utilização de objetos intermediários, como fita
métrica, balança, régua etc., para quantificar a grandeza (comprimento, extensão, área, peso, massa
etc.). Inclui também efetuar a comparação entre dois ou mais objetos respondendo a questões como:
“quantas vezes é maior?”, “quantas vezes cabe?”, “qual é a altura?”, “qual é a distância?”, “qual é o peso?”
etc. A construção desse conhecimento decorre de experiências que vão além da educação infantil.
Para iniciar esse processo, as crianças já podem ser solicitadas a fazer uso de unidades de medida
não convencionais, como passos, pedaços de barbante ou palitos, em situações nas quais necessitem
comparar distâncias e tamanhos: medir as suas alturas, o comprimento da sala etc. Podem também
utilizar-se de instrumentos convencionais, como balança, fita métrica, régua etc., para resolver problemas.
Além disso, o professor pode criar situações nas quais as crianças pesquisem formas alternativas de
medir, propiciando oportunidades para que tragam algum instrumento de casa. O uso de uma unidade
padronizada, porém, deverá aparecer como resposta às necessidades de comunicação entre as crianças,
uma vez que a utilização de diferentes unidades de medida conduz a resultados diferentes nas medidas
de um mesmo objeto.
O tempo é uma grandeza mensurável que requer mais do que a comparação entre dois objetos e exige
relações de outra natureza. Ou seja, utiliza-se de pontos de referência e do encadeamento de várias
relações, como dia e noite; manhã, tarde e noite; os dias da semana; os meses; o ano etc. Presente,
passado e futuro; antes, agora e depois são noções que auxiliam a estruturação do pensamento.

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O uso dos calendários e a observação das suas características e regularidades (sete dias por semana,
a quantidade de dias em cada mês etc.) permitem marcar o tempo que falta para alguma festa, prever a
data de um passeio, localizar as datas de aniversários das crianças, marcar as fases da lua.
O dinheiro também é uma grandeza que as crianças têm contato e sobre a qual podem desenvolver
algumas ideias e relações que articulam conhecimentos relativos a números e medidas. O dinheiro
representa o valor dos objetos, do trabalho etc. As cédulas e moedas têm um valor convencional,
constituindo-se em rico material que atende várias finalidades didáticas, como fazer trocas, comparar
valores, fazer operações, resolver problemas e visualizar características da representação dos números
naturais e dos números decimais. Além disso, o uso do dinheiro constitui-se uma oportunidade que por si
só incentiva a contagem, o cálculo mental e o cálculo estimativo.

Espaço e forma
Explicitação e/ou representação da posição de pessoas e objetos, utilizando vocabulário pertinente
nos jogos, nas brincadeiras e nas diversas situações nas quais as crianças considerarem necessário essa
ação.
- Exploração e identificação de propriedades geométricas de objetos e figuras, como formas, tipos de
contornos, bidimensionalidade, tridimensionalidade, faces planas, lados retos etc.
- Representações bidimensionais e tridimensionais de objetos.
- Identificação de pontos de referência para situar-se e deslocar-se no espaço.
- Descrição e representação de pequenos percursos e trajetos, observando pontos de referência.

Orientações didáticas
O pensamento geométrico compreende as relações e representações espaciais que as crianças
desenvolvem, desde muito pequenas, inicialmente, pela exploração sensorial dos objetos, das ações e
deslocamentos que realizam no meio ambiente, da resolução de problemas. Cada criança constrói um
modo particular de conceber o espaço por meio das suas percepções, do contato com a realidade e das
soluções que encontra para os problemas.
Considera-se que as experiências das crianças, nessa faixa etária, ocorrem prioritariamente na sua
relação com a estruturação do espaço e não em relação à geometria propriamente dita, que representa
uma maneira de conceituar o espaço por meio da construção de um modelo teórico. Nesse sentido, o
trabalho na educação infantil deve colocar desafios que dizem respeito às relações habituais das crianças
com o espaço, como construir, deslocar-se, desenhar etc., e à comunicação dessas ações. Assim, à
educação infantil coloca-se a tarefa de apresentar situações significativas que dinamizem a estruturação
do espaço que as crianças desenvolvem e para que adquiram um controle cada vez maior sobre suas
ações e possam resolver problemas de natureza espacial e potencializar o desenvolvimento do seu
pensamento geométrico.
As crianças exploram o espaço ao seu redor e, progressivamente, por meio da percepção e da maior
coordenação de movimentos, descobrem profundidades, analisam objetos, formas, dimensões,
organizam mentalmente seus deslocamentos. Aos poucos, também antecipam seus deslocamentos,
podendo representá-los por meio de desenhos, estabelecendo relações de contorno e vizinhança. Uma
rica experiência nesse campo possibilita a construção de sistemas de referências mentais mais amplos
que permitem às crianças estreitarem a relação entre o observado e o representado.
Nesse terreno, a contribuição do adulto, as interações entre as crianças, os jogos e as brincadeiras
podem proporcionar a exploração espacial em três perspectivas: as relações espaciais contidas nos
objetos, as relações espaciais entre os objetos e as relações espaciais nos deslocamentos.
As relações espaciais contidas nos objetos podem ser percebidas pelas crianças por meio do contato
e da manipulação deles. A observação de características e propriedades dos objetos possibilitam a
identificação de atributos, como quantidade, tamanho e forma. É possível, por exemplo, realizar um
trabalho com as formas geométricas por meio da observação de obras de arte, de artesanato (cestas,
rendas de rede), de construções de arquitetura, pisos, mosaicos, vitrais de igrejas, ou ainda de formas
encontradas na natureza, em flores, folhas, casas de abelha, teias de aranha etc. A esse conjunto podem
ser incluídos corpos geométricos, como modelos de madeira, de cartolina ou de plástico, ou modelos de
figuras planas que possibilitam um trabalho exploratório das suas propriedades, comparações e criação
de contextos em que a criança possa fazer construções.
As relações espaciais entre os objetos envolvem noções de orientação, como proximidade,
interioridade e direcionalidade. Para determinar a posição de uma pessoa ou de um objeto no espaço é
preciso situá-los em relação a uma referência, seja ela outros objetos, pessoas etc., parados ou em
movimento. Essas mesmas noções, aplicadas entre objetos e situações independentes do sujeito,
favorecem a percepção do espaço exterior e distante da criança.

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As relações espaciais nos deslocamentos podem ser trabalhadas a partir da observação dos pontos
de referência que as crianças adotam, a sua noção de distância, de tempo etc. É possível, por exemplo,
pedir para as crianças descreverem suas experiências em deslocar-se diariamente de casa até a
instituição. Pode-se também propor jogos em que elas precisem movimentar-se ou movimentar um objeto
no espaço. As estratégias adotadas, as posições escolhidas, as comparações entre tamanhos, as
características da construção realizada e o vocabulário adotado pelas crianças constituem-se em objeto
de atenção do professor.
Para coordenar as informações que percebem do espaço, as crianças precisam ter oportunidades de
observá-las, descrevê-las e representá-las.
O desenho é uma forma privilegiada de representação, na qual as crianças podem expressar suas
ideias e registrar informações. É uma representação plana da realidade. Desenhar objetos a partir de
diferentes ângulos de visão, como visto de cima, de baixo, de lado, e propor situações que propiciem a
troca de ideias sobre as representações é uma forma de se trabalhar a percepção do espaço.
Pode-se propor, também, representações tridimensionais, como construções com blocos de madeira,
de maquetes, painéis etc. Apesar de estar intrinsecamente associado ao processo de desenvolvimento
do faz-de-conta, o jogo de construção permite uma exploração mais aprofundada das propriedades e
características associativas dos objetos, assim como de seus usos sociais e simbólicos. Para construir, a
criança necessita explorar e considerar as propriedades reais dos materiais para, gradativamente,
relacioná-las e transformá-las em função de diferentes argumentos de faz-de-conta. No início, as crianças
utilizam os materiais buscando ajustar suas ações a eles - por exemplo, deixando de coloca-los na boca
para olhá-los, lançá-los ao chão, depois empilhá-los e derrubá-los, equilibrá-los, agrupá-los etc. - até que
os utilizam como objetos substitutos para o faz-de-conta, transformando-os em aviões, castelos, casinhas
etc.
As crianças podem utilizar para suas construções os mais diversos materiais: areia, massa de modelar,
argila, pedras, folhas e pequenos troncos de árvores.
Além desses, materiais concebidos intencionalmente para a construção, como blocos geométricos das
mais diversas formas, espessuras, volumes e tamanhos; blocos imitando tijolos ou ainda pequenos ou
grandes blocos plásticos, contendo estruturas de encaixe, propiciam não somente o conhecimento das
propriedades de volumes e formas geométricas como desenvolvem nas crianças capacidades relativas à
construção com proporcionalidade e representações mais aproximadas das imagens desejadas,
auxiliando-as a desenvolver seu pensamento antecipatório, a iniciativa e a solução de problemas no
âmbito das relações entre espaço e objetos.
O trabalho com o espaço pode ser feito, também, a partir de situações que permitam o uso de figuras,
desenhos, fotos e certos tipos de mapas para a descrição e representação de caminhos, itinerários,
lugares, localizações etc. Pode-se aproveitar, por exemplo, passeios pela região próxima à instituição ou
a locais específicos, como a praia, a feira, a praça, o campo, para incentivar a pesquisa de informações
sobre localização, caminhos a serem percorridos etc. Durante esse trabalho, é possível introduzir nomes
de referência da região, como bairros, zonas ou locais aonde se vai, e procurar localizá-los nos mapas
ou guias da cidade.

Orientações gerais para o professor

Jogos e brincadeiras
Às noções matemáticas abordadas na educação infantil correspondem uma variedade de brincadeiras
e jogos, principalmente aqueles classificados como de construção e de regras.
Vários tipos de brincadeiras e jogos que possam interessar à criança pequena constituem-se rico
contexto em que ideias matemáticas podem ser evidenciadas pelo adulto por meio de perguntas,
observações e formulação de propostas. São exemplos disso cantigas, brincadeiras como a dança das
cadeiras, quebra-cabeças, labirintos, dominós, dados de diferentes tipos, jogos de encaixe, jogos de
cartas etc.
Os jogos numéricos permitem às crianças utilizarem números e suas representações, ampliarem a
contagem, estabelecerem correspondências, operarem. Cartões, dados, dominós, baralhos permitem às
crianças se familiarizarem com pequenos números, com a contagem, comparação e adição. Os jogos
com pistas ou tabuleiros numerados, em que se faz deslocamento de um objeto, permitem fazer
correspondências, contar de um em um, de dois em dois etc. Jogos de cartas permitem à distribuição,
comparação de quantidades, a reunião de coleções e a familiaridade com resultados aditivos. Os jogos
espaciais permitem às crianças observarem as figuras e suas formas, identificar propriedades
geométricas dos objetos, fazer representações, modelando, compondo, decompondo ou desenhando.

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Um exemplo desse tipo de jogo é a modelagem de dois objetos em massa de modelar ou argila, em que
as crianças descrevem seu processo de elaboração.
Pelo seu caráter coletivo, os jogos e as brincadeiras permitem que o grupo se estruture, que as
crianças estabeleçam relações ricas de troca, aprendam a esperar sua vez, acostumem-se a lidar com
regras, conscientizando-se que podem ganhar ou perder.

Organização do tempo
As situações de aprendizagem no cotidiano das creches e pré-escolas podem ser organizadas de três
maneiras: as atividades permanentes, os projetos e as sequências de atividades.
Atividades permanentes são situações propostas de forma sistemática e com regularidade, mas não
são necessariamente diárias. A utilização do calendário assim como a distribuição de material, o controle
de quantidades de peças de jogos ou de brinquedos etc., no cotidiano da instituição pode atrair o interesse
das crianças e se caracterizar como atividade permanente. Para isso, além de serem propostas de forma
sistemática e com regularidade, o professor deverá ter o cuidado de contextualizar tais práticas para as
crianças, transformando-as em atividades significativas e organizando-as de maneira que representem
um crescente desafio para elas. Pelo fato de essas situações estarem dentro de uma instituição
educacional, requerem planejamento e intenção educativa.
É preciso lembrar que os jogos de construção e de regras são atividades permanentes que propiciam
o trabalho com a Matemática.
As sequências de atividades se constituem em uma série de ações planejadas e orientadas com o
objetivo de promover uma aprendizagem específica e definida. São sequenciadas para oferecer desafios
com graus diferentes de complexidade.
Pode-se, por exemplo, organizar com as crianças, uma sequência de atividades envolvendo a ação de
colecionar pequenos objetos, como pedrinhas, tampinhas de garrafa, conchas, folhas, figurinhas etc.
Semanalmente, as crianças trazem novas peças e agregam ao que já possuíam, anotam,
acompanham e controlam o crescimento de suas coleções em registros. O professor propõe o confronto
dos registros para que o grupo conheça diferentes estratégias, experimente novas formas e possa
avançar em seus procedimentos de registro. Essas atividades, que se desenvolverão ao longo de vários
dias, semanas ou meses, permitem às crianças executar operações de adição, de subtração, assim como
produzir e interpretar notações numéricas em situações nas quais isso se torna funcional. Por outro lado,
é possível comparar, em diferentes momentos da constituição da coleção, as quantidades de objetos
colecionados por diferentes crianças, assim como ordenar quantidades e notações do menor ao maior ou
do maior ao menor. Estes problemas tornam-se mais complexos conforme aumentam as coleções. O
aumento das quantidades com a qual se opera funciona como uma “variável didática”, na medida em que
exige a elaboração de novas estratégias, ou seja, uma coisa é agregar 4 elementos a uma coleção de 5,
e outra bem diferente é agregar 18 a uma coleção de 25. As estratégias, no último caso, podem ser
diversas e supõem diferentes decomposições e recomposições dos números em questão. É comum, por
exemplo, as crianças utilizarem “risquinhos” ou outras marcas para anotar a quantidade de peças que
possuem, sem necessariamente corresponder uma marca para cada objeto.
Ao confrontar os diferentes tipos de registro, surgem questões, como ter de contar tudo de novo. Dessa
forma, analisando e discutindo seus procedimentos, as crianças podem experimentar diferentes tipos de
registro até achar o que consideram mais adequados.
Conforme a quantidade de peças aumenta, surgem novos problemas: “como desenhar todas aquelas
peças?”, “como saber qual número corresponde àquela quantidade?”. Usar o conhecimento que possuem
para buscar a solução de seu problema é tarefa fundamental.
Uma das formas de procurar resolver essa questão é utilizar a correspondência termo a termo e a
contagem associada a algum referencial numérico, como fita métrica, balança etc. Essa busca de
soluções para problemas reais que surgem ao longo do registro e da contagem, levando as crianças a
estabelecerem novas relações, refletir sobre seus procedimentos, argumentar sobre aquelas que
consideram a melhor forma de organização de suas coleções, possibilita um avanço real nas suas
estratégias.
Projetos são atividades articuladas em torno da obtenção de um produto final, visível e compartilhado
com as crianças, em torno do qual são organizadas as atividades. A organização do trabalho em projetos
possibilita divisão de tarefas e responsabilidades e oferece contextos nos quais a aprendizagem ganha
sentido. Organizar uma festa junina ou construir uma maquete são exemplos de projetos. Cada projeto
envolve uma série de atividades que também se organiza numa sequência.

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Observação, registro e avaliação formativa

Considera-se que a aprendizagem de noções matemáticas na educação infantil esteja centrada na


relação de diálogo entre adulto e crianças e nas diferentes formas utilizadas por estas últimas para
responder perguntas, resolver situações-problema, registrar e comunicar qualquer ideia matemática. A
avaliação representa, neste caso, um esforço do professor em observar e compreender o que as crianças
fazem, os significados atribuídos por elas aos elementos trabalhados nas situações vivenciadas. Esse é
um processo relacionado com a observação da criança nos jogos e atividades e de seu entendimento
sobre diferentes domínios que vão além da própria Matemática. A avaliação terá a função de mapear e
acompanhar o pensamento da criança sobre noções matemáticas, isto é, o que elas sabem e como
pensam para reorientar o planejamento da ação educativa. Deve-se evitar a aplicação de instrumentos
tradicionais ou convencionais, como notas e símbolos com o propósito classificatório, ou juízos
conclusivos.
Os significados e pontos de vista infantis são dinâmicos e podem se modificar em função das perguntas
dos adultos, do modo de propor as atividades e do contexto nas quais ocorrem. A partir do que observa,
o professor deverá propor atividades para que as crianças avancem nos seus conhecimentos. Deve-se
levar em conta que, por um lado, há uma diversidade de respostas possíveis a serem apresentadas pelas
crianças, e, por outro, essas respostas estão frequentemente sujeitas a alterações, tendo em vista não
só a forma como pensam, mas a natureza do conceito e os tipos de situações-problema envolvidos.
Nesse sentido, a avaliação tem um caráter instrumental para o adulto e incide sobre os progressos
apresentados pelas crianças.
São consideradas como experiências prioritárias para a aprendizagem matemática realizada pelas
crianças de zero a três anos o contato com os números e a exploração do espaço. Para isso, é preciso
que as crianças participem de situações nas quais sejam utilizadas a contagem oral, referências espaciais
e temporais. Também é preciso que se criem condições para que as crianças engatinhem, arrastem-se,
pulem etc., de forma a explorarem o máximo seus espaços.
A partir dos quatro e até os seis anos, uma vez que tenham tido muitas oportunidades na instituição
de educação infantil de vivenciar experiências envolvendo aprendizagens matemáticas, pode-se esperar
que as crianças utilizem conhecimentos da contagem oral, registrem quantidades de forma convencional
ou não convencional e comuniquem posições relativas à localização de pessoas e objetos.
A criança utiliza seus conhecimentos para contar oralmente objetos. Um aspecto importante a observar
é se as crianças utilizam a contagem de forma espontânea para resolver diferentes situações que se lhe
apresentam, isto é, se fazem uso das ferramentas. Por exemplo: se, ao distribuir os lápis, distribuem um
de cada vez, tendo de fazer várias “viagens” ou se contam primeiro as crianças para depois pegar os
lápis. Também pode-se observar se, ao contar objetos, sincronizam seus gestos com a sequência
recitada; se organizam a contagem; se deixam de contar algum objeto ou se o contam mais de uma vez.
O professor deverá acompanhar os usos que as crianças fazem e os avanços que elas adquirem na
contagem.
Em relação ao registro de quantidades, pode-se observar as diferentes estratégias usadas pelas
crianças, como se desenham o próprio objeto, se desenham uma marca como pauzinhos, bolinhas etc.,
se colocam um número para cada objeto ou se utilizam um único numeral para representar o total de
objetos.
A localização de pessoas e objetos e sua comunicação podem ser observadas nas situações
cotidianas nas quais esses conhecimentos se façam necessários. Pode-se observar se as crianças usam
e comunicam posições relativas entre objetos e se denominam as posições de localização.

Questões

01. (Prefeitura de Tibagi/PR - Professor - UNIUV) De acordo com o Referencial Curricular Nacional
para Educação Infantil (RCNEI), elaborado pelo MEC em 1998, a educação infantil deve oferecer às
crianças de 0 (zero) a 6(seis) anos de idade uma formação pessoal e social, bem como o conhecimento
de mundo que lhes oportunize a construção de sua identidade e autonomia. A respeito do RCNEI, é
CORRETO afirmar:
(A) O RCNEI aspira a apontar metas de qualidade que contribuam para que as crianças tenham um
desenvolvimento integral de sua identidade, capazes de crescerem como cidadãos cujos direitos à
infância são reconhecidos.
(B) De acordo com o RCNEI, cuidar é propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens
orientados de forma singular e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis
de relação interpessoal de ser e estar com os outros.

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(C) De acordo com o RCNEI, para educar é preciso antes de tudo estar comprometido com o outro,
com sua singularidade, ser solidário com suas necessidades, não confiar em suas capacidades. É
necessário também ajudar o outro a se desenvolver como ser humano.
(D) Na escola, a organização das turmas por idade é dispensável na educação infantil, uma vez que a
sua função primordial, nessa fase, é cuidar das crianças.
(E) As crianças de 0 a 6 anos e com necessidades especiais deverão ser acolhidas em instituições
próprias para seu cuidado, não sendo aconselhável sua inclusão em classes regulares da educação
infantil.

02. (Prefeitura de Tibagi/PR - Professor - UNIUV) O RCNEI tem por princípio:


(A) O desenvolvimento das crianças a partir da realização de estímulos aos aspectos cognitivos.
(B) O respeito à dignidade e aos direitos das crianças, consideradas nas suas diferenças individuais,
sociais, econômicas, culturais, étnicas, religiosas.
(C) O desenvolvimento afetivo das crianças a partir das atividades de brincar.
(D) Fortalecer aspectos cognitivos como ênfase do trabalho nas escolas.
(E) Articular os fazeres cognitivos e racionais das crianças.

03. (Prefeitura de Tibagi/PR - Professor - UNIUV) O fato de uma instituição de educação infantil
informar que trabalha com as múltiplas linguagens da criança, significa que:
(A) Os professores priorizam duas formas de linguagem em projetos didáticos orientados pelos
interesses das crianças.
(B) Foram construídos espaços criativos para brincadeiras, interações e projetos voltados para
expressão musical, corporal, artes plásticas e teatro.
(C) A instituição considera que as crianças se comunicam e se expressam com dificuldade; assim,
precisam ser estimuladas.
(D) As professoras, pautadas nas manifestações, interesses e necessidades das crianças, orientarão
os pais a alfabetizá-las.
(E) As crianças são respeitadas em suas múltiplas vozes, ou seja, necessidades e desejos.

04. (Prefeitura de Tibagi/PR - Professor -UNIUV) Não faz parte do perfil profissional do professor de
educação infantil, segundo o RCNEI:
(A) Ser polivalente;
(B) Ter comprometimento com a prática educacional;
(C) Ser capaz de trabalhar conteúdos de diversas áreas do conhecimento;
(D) Evitar o envolvimento com a família das crianças;
(E) Ser, além de professor, um aprendiz, refletindo continuamente sobre sua prática;

05. De acordo com o RCNEI os conteúdos de ensino devem abranger as seguintes categorias:
(A) Procedimentais, normativos e atitudinais;
(B) Factuais, conceituais e atitudinais;
(C) Conceituais, procedimentais e atitudinais;
(D) Conceituais, atitudinais e normativos;
(E) Afetivos, motores e morais.

Gabarito

01.A / 02.B / 03.B / 04.D / 05.C

Comentários

01. Resposta: A
O RCNEI propõe de forma aberta e flexível metas e qualidades para o trabalho das instituições e
professores de modo que contribuam para o desenvolvimento integral da criança favorecendo também o
desenvolvimento da identidade e cidadania tendo em vista que é este o objetivo da educação infantil, ou
seja, na educação infantil a proposta é de preparar a criança para a aprendizagem posterior
desenvolvendo-a como um ser total, inserido em uma sociedade com diversidades e características
próprias.

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02. Resposta: B
De acordo com o RCNEI a educação infantil deve se pautar no respeito à dignidade e aos direitos das
crianças de forma a considera-la enquanto um ser completo inserido em uma sociedade com diversidades
e características sociais, econômicas, culturais, étnicas e religiosas.

03. Resposta: B
Considerando as características da criança, suas singularidades e especificidades, a instituição de
ensino infantil segundo o RCNEI deve trabalhar com as múltiplas linguagens da criança ou seja, como a
criança transmite informações? Através de brincadeiras, desenhos, interações, representações de faz-
de-conta e expressões como musical, corporal, artes plásticas e teatro uma vez que são essas as
linguagens pelas quais a criança se comunica e se insere no contexto social.

04. Resposta: D
A instituição de ensino infantil, os professores e a família devem ter ações complementares para
possibilitar o desenvolvimento da criança, assim é fundamental que haja envolvimento de todos para que
seja possível promover o desenvolvimento.

05. Resposta: C
Os conteúdos conceituais referem-se à construção ativa das capacidades para operar com símbolos,
ideias, imagens e representações que permitem atribuir sentido à realidade.
Desde os conceitos mais simples até os mais complexos, a aprendizagem se dá por meio de um
processo de constantes idas e vindas, avanços e recuos nos quais as crianças constroem ideias
provisórias, ampliam-nas e modificam-nas, aproximando-se gradualmente de conceitualizações cada vez
mais precisas.
O conceito que uma criança faz do que seja um cachorro, por exemplo, depende das experiências que
ela tem que envolvam seu contato com cachorros. Se num primeiro momento, ela pode, por exemplo,
designar como “Au-Au” todo animal, fazendo uma generalização provisória, o acesso a uma nova
informação, por exemplo, o fato de que gatos diferem de cachorros, permite-lhe reorganizar o
conhecimento que possui e modificar a ideia que tem sobre o que é um cachorro. Esta conceitualização,
ainda provisória, será suficiente por algum tempo - até o momento em que ela entrar em contato com um
novo conhecimento.
Os conteúdos procedimentais referem-se ao saber fazer. A aprendizagem de procedimentos está
diretamente relacionada à possibilidade de a criança construir instrumentos e estabelecer caminhos que
lhes possibilitem a realização de suas ações. Longe de ser mecânica e destituída de sentido, a
aprendizagem de procedimentos constitui-se em um importante componente para o desenvolvimento das
crianças, pois relaciona-se a um percurso de tomada de decisões. Desenvolver procedimentos significa
apropriar-se de “ferramentas” da cultura humana necessárias para viver. Deve-se ter em conta que a
aprendizagem de procedimentos será, muitas vezes, trabalhada de forma articulada com conteúdos
conceituais e atitudinais.
Os conteúdos atitudinais tratam dos valores, das normas e das atitudes. Conceber valores, normas e
atitudes como conteúdos implicam torná-los explícitos e compreendê-los como passíveis de serem
aprendidos e planejados.
As instituições educativas têm uma função básica de socialização e, por esse motivo, têm sido sempre
um contexto gerador de atitudes. Isso significa dizer que os valores impregnam toda a prática educativa
e são aprendidos pelas crianças, ainda que não sejam considerados como conteúdos a serem
trabalhados explicitamente, isto é, ainda que não sejam trabalhados de forma consciente e intencional. A
aprendizagem de conteúdos deste tipo implica uma prática coerente, onde os valores, as atitudes e as
normas que se pretende trabalhar estejam presentes desde as relações entre as pessoas até a seleção
dos conteúdos, passando pela própria forma de organização da instituição. A falta de coerência entre o
discurso e a prática é um dos fatores que promove o fracasso do trabalho com os valores.

MOYLES, Jane R. Só Brincar? O papel do brincar na educação infantil. Porto


Alegre Artmed Editora, 2002.

O ser humano nasce e cresce possuindo várias necessidades, entre elas o brincar. Biazotto (2014)
relata que o brincar é fundamental para o nosso desenvolvimento, que é a principal atividade das crianças
quando não estão dedicadas às suas necessidades de sobrevivência. Por meio das brincadeiras, sabe-

192
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se que a criança trabalha suas potencialidades, limitações, habilidades sociais, afetivas, cognitivas e
físicas. 19
Ao brincar, a criança expressa e comunica suas experiências, mas também reelabora seus conceitos,
reconhecendo-se como sujeito pertencente a um grupo social e a um contexto cultural, aprendendo sobre
si mesma, sobre os homens e suas relações no mundo e sobre os significados culturais do meio em que
está inserida. (BIAZOTTO, 2014)
É uma atividade que faz parte do seu cotidiano, é comunicação e expressão, associando o pensamento
e a ação, um ato instintivo voluntário, uma atividade exploratória, que auxilia as crianças no seu
desenvolvimento físico, mental, emocional e social, um meio de aprender a viver, e não um mero
passatempo.
É durante uma brincadeira e através delas, que as crianças aprendem novos conceitos e se preparam
para o mundo. A característica principal de poder brincar é a liberdade dada ao indivíduo. Diferentemente
de jogar, brincar não exige da criança além de sua capacidade.
Objetivos
Esse trabalho tem como objetivo apresentar a visão da autora Janete Moyles sobre o brincar,
considerações sobre o brincar e a sua importância no desenvolvimento e na aprendizagem da criança.
Metodologia
Este trabalho trata-se de uma pesquisa bibliográfica, a qual teve como primeira etapa a elaboração
da pergunta como questão norteadora da pesquisa: Qual é a visão da autora Janete Moyles sobre o
brincar e sua contribuição no desenvolvimento e na aprendizagem da criança.
Na segunda etapa foi realizada uma pesquisa nos bancos de dados Google acadêmico, Scielo e livros
da autora citada, utilizando os descritores Janete Moyles e o brincar.
Não foram contabilizados os artigos analisados, por não se tratar de uma revisão bibliográfica, e sim
de uma pesquisa bibliográfica, e por que a pesquisa ainda não foi concluída.
A quarta etapa foi leitura e estudo dos resultados encontrados, o qual ainda não foi concluído.
Resultados e discussão
A autora Janet Moyles descrever em uma entrevista, em 2002, que brincar é uma parte fundamental
da aprendizagem e do desenvolvimento nos primeiros anos de vida.
As crianças brincam instintivamente e, portando, os adultos deveriam aproveitar essa inclinação
“natural”. O brincar para Moyles (2002) tem o devido valor pois, crianças que brincam confiantes, tornam-
se aprendizes vitalícios capazes de pensar de forma abstrata e independente, passando pela
possibilidade de correr riscos e solucionar problemas, aperfeiçoando sua compreensão.
Os programas de educação infantil devem estar baseados em atividades lúdicas como princípio central
das experiências de aprendizagem. (MOYLES, 2002)
Crianças alcançam a compreensão através de experiências que fazem sentido para elas e nas quais
podem usar seus conhecimentos prévios, sendo assim, o brincar proporciona essa base essencial.
(MOYLES 2002)
Possui uma grande importância que as crianças aprendam a valorizar suas brincadeiras, o que só
ocorre se as brincadeiras forem igualmente valorizadas por aqueles que a cercam, brincar mantém as
crianças física e mentalmente ativas. (MOYLES, 2002).
Entre os resultados parciais dessa pesquisa contém o livro “Só Brincar? O papel do brincar na
educação infantil” da autora Janet Moyles, que descreve de forma aprofundada sobre o brincar e a
aprendizagem, o brincar e a criatividade, e o brincar e a criança. O qual ainda está em processo de
análise.
Até aqui, por meio da pesquisa já realizada, foi possível observar que o brincar das crianças é diferente
do brincar dos adultos: as crianças brincam para encontrar a realidade e os adultos para evitá-la. É
importante que crianças e adultos brinquem juntos, para que haja um maior entendimento dos
sentimentos, atitudes, pensamentos e diferenças mútuas.
Na escola, o essencial é que o brincar faça a criança avançar do ponto em que está no momento em
sua aprendizagem, criando condições para ampliação e revisão de seus conhecimentos. O brincar, como
tal, precisa ser aceito por seu valor.

Desenvolvimento20

A criança e o brincar
Brincar é um ato universal, que é praticado por adultos e crianças, e sempre fez parte da história da
humanidade. Apesar de ser algo que sempre existiu, a brincadeira nem sempre foi considerada uma
19 https://www.iessa.edu.br/revista/index.php/jornada/article/view/374/138
20 http://educere.bruc.com.br/CD2011/pdf/5406_2779.pdf

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atividade que ajudaria no desenvolvimento de uma criança, mas sim por muito tempo foi considerada
“perda de tempo”. Como ressalta Wajskop (2001 p.19) “[...] a brincadeira era geralmente considerada
como fuga ou recreação e a imagem social da infância não permitia a aceitação de um comportamento
infantil, espontâneo, que pudesse significar algum valor em si.”.
No entanto, com o passar do tempo e da ruptura de um pensamento romântico, como menciona
Wajskop (2001 p.19), a brincadeira passa a ser valorizada e conquista espaço dentro do desenvolvimento
da criança. Essa passa a ser entendida, como algo muito além de meras “brincadeiras”, mas sim como
situações que ganham significados na vida real, pois é por meio das quais, que as crianças buscam se
identificar e aprender a lidar com as situações da vida adulta.
Moyles afirma que “o brincar é sem dúvida um meio pelo qual os seres humanos e os animais exploram
uma variedade de experiências em diferentes situações, para diversos propósitos” (2002 p. 11).
Deste modo, começa haver um entendimento que no contínuo processo de desenvolvimento, as
crianças buscam maneiras de entrar em contato com os adultos ou até mesmo com outras crianças, e é
neste momento que a brincadeira entra em ação, possibilitando um envolvimento das emoções, da
afetividade e da diversão.
Dentro deste mundo do brincar as crianças combinam ficção com a realidade, tornamse criativas,
experimentam personagens, funções a partir da observação do seu mundo e do mundo dos adultos. Por
exemplo, ao observar sua professora explicando algo ou ensinando, automaticamente elas a imitam em
suas brincadeiras.
O simples ato de brincar passa a ser visto então como uma atividade dotada de significados sociais,
ou seja, na brincadeira o mundo da fantasia pode se realizar, porém no real não permite-se viver de tudo,
acertar e errar quantas vezes quiser, resolver problemas que o mundo real não admite, pois não existe
julgamento, assim sendo, torna-se mais fácil para a criança se expressar na vida real. Sendo assim, o
brincar expressa as várias fases da criança que, organiza, desorganiza, constrói, destrói e reconstrói o
seu mundo.
O brincar proporciona um desenvolvimento dos processos de interação social tanto na escola como
na própria família, desenvolvendo as diferentes capacidades, como a coordenação motora, concentração,
criatividade, auto-estima e permite a criança ser livre usando e abusando da sua imaginação. Ou seja, a
criança que brinca e vive a sua infância, tornar-se-á um adulto mais equilibrado fisicamente e
emocionalmente, com capacidade de enfrentar as diversidades do mundo adulto.
Conforme Valesco (1996 p. 43), “na criança em que é privada essa atividade, por condições de saúde,
financeiras ou sociais, ficam “marcas” profundas dessa falta de vivência lúdica”. Desta forma, na visão da
autora fica visível que o envolvimento das crianças em atividades lúdicas, possibilitará o crescimento
saudável tanto emocionalmente quanto fisicamente de um adulto que vivenciou na sua infância as etapas
do brincar.
Crianças que frequentam ambientes que proporcionam o brincar, estão aprendendo a lidar com as
situações que irão sempre aparecer na sua vida, sendo de extrema importância os pais e professores,
pois são os intermediários da brincadeira, porque é por meio das mesmas que irão ensinar os limites,
regras e entre outros. Assim a brincadeira passa a ser levada como uma atividade importante na vida da
criança e não como “perda de tempo” ou simples atividade.
Aprendizagem e o brincar na escola
A importância da brincadeira dentro das instituições de educação infantil desperta uma nova
concepção de aprendizagem lúdica dentro da escola. Sabe-se, porém que há muitos desafios a serem
enfrentados pela educação antes de ser considerada geradora dos avanços científicos. De acordo com
Santos, (1997 p. 11), “ao compará-la com outros setores (medicina, engenharia, informática...), onde as
inovações aparecem com freqüência, percebemos que nos últimos 50 anos pouco aconteceu, e os
avanços ocorridos não chegam a reverter o processo como um todo”.
Contudo foi necessário mudar o pensamento em relação às crianças para que pudesse associar o
brincar, elemento presente na vida delas como a aprendizagem, deixando de ser visto como fútil e com
objetivo apenas de recreação, visando compreender que brincar proporciona aprendizado.
Assim o brincar torna-se fator importante e decisivo no desenvolvimento infantil, evidenciando-se como
um campo amplo de estudo na área educacional.
É oportuno destacar que o brincar possibilita e auxilia no desenvolvimento físico, afetivo, intelectual e
social das crianças principalmente dentro do universo da sala de aula.
As crianças em idade escolar geralmente têm dificuldades de expressar ou dominar sua linguagem,
dificultando o contato em sala de aula, por vezes, o ato de brincar auxilia na visualização deste problema,
e na busca de soluções.
Todavia, analisando o ato de brincar na sala de aula torna necessário entender, e deixar claro que
existe uma relação entre o brincar e aprender, e que esse visa o desenvolvimento e aprendizagem da

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criança, como Moyles (2006 p. 14) afirma “[...] o conceito de brincar em ambientes educacionais deveria
ter consequências de aprendizagem. É isso que separa o brincar nesse contexto educativo do brincar
recreacional [...]”.
Porém, em muitas escolas o brincar ainda é tratado como mera distração para os alunos, possibilitando
ao professor cuidar de outras atividades. O investimento nesta prática ainda é considerado pequeno
diante dos benefícios que são alcançados dentro do ensino aprendizagem, fica evidente que para um
desenvolvimento maior desta prática os profissionais também devem se munir de conhecimentos, onde
possam entender, interpretar e utilizar no auxílio da construção do aprendizado da crianças.
Para Santos (1997 p. 11). “Educar não se limita a repassar informações ou mostrar apenas um
caminho, [...] mas é ajudar a pessoa a tomar consciência de si mesma, dos outros e da sociedade [...].”
Sabemos que para o ser humano a ludicidade tornou-se algo necessário independente da idade, não
como mera diversão, mas como fonte de desenvolvimento do aprendizado, pessoal, social, cultural e
mental. Pois é por meio do brincar que as crianças formarão conceitos, ideias, expressão oral e corporal,
reduzirão a agressividade construindo o seu próprio conhecimento possibilitando assim mediar à relação
entre o real e o imaginário.

O professor e o brincar
O profissional da educação infantil deve saber utilizar o brincar em sala de aula, sendo necessário
primeiramente saber definir o que é brincar, pois tendo claro o que é essa atividade tão complexa do
mundo infantil, poderá aplicá-la em sala de aula.
Há essa necessidade, para que o professor se aproxime do mundo da criança e não torne o brincar
uma atividade tediosa e que faça a criança perder o interesse rapidamente. Até porque muitas vezes o
brincar está ligado à liberdade, entretenimento, espontaneidade, diversão, entre outros, que são
características que em sala de aula necessitam de certo controle.
O professor, ao entender e levar em conta o significado do brincar para a criança poderá utilizar desta
nova metodologia de ensino que é o lúdico em sala de aula. Mas cabe a ele organizar suas atividades de
maneira a qual possibilite ao aluno um aprendizado progressivo, selecionando e utilizando meios mais
significativos para realizá-los. Destacando o trabalho em grupo, o qual facilitará o ensino- aprendizagem
e o desenvolvimento individual de cada aluno.
O brincar deve ocorrer de forma a agregar aprendizagem na sala de aula, e quem deve criar
oportunidades é o professor, mas não somente em recreios ou outros momentos semelhantes, deve ser
feito de maneira a integrar a disciplina e o brincar, ambas são importantes para se chegar ao objetivo
maior que é o ensinar de maneira a enriquecer seus conhecimentos.
O professor ao proporcionar o brincar, deverá atentar-se ao seu papel, pois poderá ser o mediador da
brincadeira, utilizando de estratégias para que as crianças cheguem ao objetivo de aprendizagem
proposto por ele. Ou ser observador e por meio da sua observação perceber o comportamento de seus
alunos e avaliar seu desenvolvimento.
Moyles (2002, p.37) afirma com propriedade que:
“Parte da tarefa do professor é proporcionar situações de brincar livre ou dirigido que tente atender às
necessidades de aprendizagem das crianças e, neste papel, o professor poderia ser chamado de um
iniciador ou mediador da aprendizagem. Entretanto, o papel mais importante do professor é de longe [...],
quando ele deve tentar diagnosticar o que a criança aprendeu – o papel de observador e avaliador”.
Para muitos educadores fica claro que o brincar/ludicidade tornaram-se uma alavanca para o processo
educacional das novas gerações. O educador deve buscar uma formação de qualidade, para que como
profissional trabalhe de maneira prazerosa com as crianças, deve ainda ter um visão diferenciada
referente ao brincar e compreender a real importância do brincar em sala de aula.
Para Moyles (2002 p.37) “o treinamento inicial e prático dos professores precisa assegurar que eles
adquiram mais competência nessa área a fim de acompanhar as tendências nacionais e manter vivo o
papel vital do brincar no desenvolvimento das crianças”.
A afirmação da autora revela com propriedade a importância do trabalho do docente como mediador
do aluno no processo do brincar como alternativa de aprendizagem
Brincar: alguns resultados vivenciados na pesquisa
Dentro das observações e práticas que foram obtidas em sala de aula com crianças de 2 a 3 anos, em
uma escola particular em Curitiba, pode-se perceber o real significado de brincar para eles. O brincar é
interagir, motivar, criar, e principalmente desenvolver seu “eu” interior.
Em sala de aula alguns momentos foram de simples brincadeiras sem orientação direcionada, onde o
professor era somente o observador da ação dos alunos. Já em outros ocorreram atividades ligadas ao
brincar, onde o professor era quem mediava a brincadeira.

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Vários foram esses momentos como brincar de estátua, onde as crianças desenvolviam suas
habilidades motoras como pular, cantar, dançar e também a concentração de ficar parado conforme a
música parava de tocar. Entre outras tantas brincadeiras observadas como: Dança da cadeira, coelho sai
da toca, pimenta – pimentinha - pimentão e sapatinho de algodão, entre outras.
A relação brincar e ensinar ficaram evidentes no primeiro contato com as crianças, quando
participamos de uma aula de artes, observando as crianças brincarem com objetos recicláveis,
explorando estes de diversas maneiras, como amassar, colocar um objeto dentro do outro, etc.
Visto à importância do brincar com a educação infantil em momentos de observações pelas
pesquisadoras, as atividades aplicadas foram ligadas ao brincar. Na primeira atividade foi explorado a
imaginação das crianças e seu desenvolvimento motor, sendo criado um circuito como sendo a floresta
da Branca de Neve. Observou-se que as crianças entraram na fantasia e brincando realizaram atividades
motoras que foram de extrema importância para seu desenvolvimento.
Na outra atividade aplicada, o dançar com as parlendas e o brincar de quebra-cabeça, também
proporcionaram às crianças a desenvolverem a concentração, lógica, raciocínio, coordenação entre
outros.
É oportuno referendar, que o brincar ganhou espaço dentro do aprendizado dos alunos que estão em
completo desenvolvimento de seus conceitos de vida, ideias, conhecimento de si, entre tantas outras
habilidades.
Dentro do brincar pode-se trabalhar de várias maneiras, como formas geométricas, cores, tamanho
entre outros, isto ficou evidente nos momentos de observação, quando a professora ao observar um aluno
brincando com o lego sentou-se ao seu lado e de maneira simples, mais objetiva foi perguntando: “Que
cor é esta? Com o que se parece? Que formato tem?”. O aluno sem perceber foi respondendo e
aprendendo, também se percebeu que outros alunos aos poucos se aproximavam da professora e
participavam do brincar, evidenciando-se pelas pesquisadoras um momento de aprendizagem das
crianças.
Destaca-se também, que a escolha do material utilizado nas aulas é uma forma de ensinar/brincando.
Isso foi evidenciado quando a professora mostrava aos alunos, de que forma seria a rotina durante aquele
dia, cada horário de aula era apresentado em formato de placa, onde os alunos ajudam a montar
respondendo as perguntas da professora.
Assim sendo, por meio das observações e atividades práticas aplicadas, ficou claro que o brincar cada
vez mais ganha espaço dentro dos estabelecimentos de educação infantil como uma alternativa de
aprendizagem.
O brincar é fundamental na construção do conhecimento da criança, não podendo ficar de fora da sala
de aula. Utilizar esta ferramenta é saber trabalhar com a criança da melhor forma possível, pois é trazer
o mundo dela para dentro da escola, desta forma se explora a maior riqueza que a criança pode passar,
a sua contribuição por meio da expressão do brincar.
Dentro da perspectiva do brincar, ele auxilia um maior entendimento na formação da criança e seu
desenvolvimento no âmbito escolar, mas este conhecimento deve ser utilizado e proporcionado com a
intenção do aprendizado e não o mero brincar por brincar.
O professor é o responsável por fazer esta relação do brincar e aprender com as crianças. Cabe a ele
explorar o faz-de-conta, onde a criança cria um universo com suas vivencias do real misturado com o do
imaginário.
O mundo do brincar é construído a partir do cotidiano que as crianças vivem e suas experiências, e
nele aprendem a se relacionar com o mundo, pois lá criam os experimentos que podem dar certo ou
errado, pode-se começar de novo ou tudo terminar, o importante é a contribuição desse brincar ao ser
expresso na vida real que ajudará na formação do conhecimento.
E esta característica tão forte da criança de construir e desconstruir tudo no imaginário e projetar na
vida real deve ser utilizado dentro da escola, para que esta venha a se aprimorar e expressar da melhor
forma possível seu papel mais importante que é contribuir na produção do conhecimento.

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OLIVEIRA, Zilma Ramos. Educação Infantil: fundamentos e métodos. São Paulo:
Cortez, 2002.(capítulos: I, e do V ao XIX)

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Uma introdução ao tema
Em nosso país, as instituições mantidas pelo poder público têm dado prioridade de matrícula aos filhos
de trabalhadores de baixa renda, invocando a noção de “risco social”. Por vezes, o argumento é que a
educação das crianças em idade anterior à do ingresso no ensino fundamental deve ser um serviço de
assistência às famílias, para que pais e mães possam trabalhar despreocupadas com os cuidados básicos
a serem ministrados a seus filhos pequenos. Em outras ocasiões, sustenta-se, particularmente por parte
dos grupos sociais privilegiados, que a creche e pré-escola devem ser organizações preocupadas em
garantir a aprendizagem e o desenvolvimento global das crianças desde o nascimento.
(...) não é possível ter guarda das crianças sem as educar, e educá-las envolve também tomar conta
delas. A existência desse tipo de argumentação só se explica por razões históricas, como uma das formas
que a sociedade brasileira, com suas marcantes desigualdades sociais para regular as oportunidades de
acesso aos bens culturais de que dispõem as diferentes camadas da população.

Pode-se falar em uma escola da infância?

Na educação grega do período clássico, “infância” referia-se a seres com tendências selvagens a
serem dominadas pela razão e pelo bem ético e político. Já o pensamento medieval entendia a infância
como evidência da natureza pecadora do homem, pois nela a razão, reflexo da luz divina, não se
manifestaria.
(...) propomos que creches e pré-escolas busquem aproximar cultura, linguagem, cognição e
afetividade como elementos constituintes do desenvolvimento humano e voltados para a construção da
imaginação e da lógica, considerando que estas, assim como a sociabilidade, afetividade e a criatividade,
têm muitas raízes e gêneses.
A forte influência, na área da educação infantil, de uma história higienista, de priorização de cuidados
de saúde, e assistencialista, que ressalta o auxílio a população de risco social, tem feito com que as
propostas de creches e pré-escolas oscilem entre uma ênfase maior ou no cuidar ou no educar,
apresentando dificuldades para integrar as duas tarefas.

Metas almejadas
“A Educação Infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento
integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade” (Lei 9394/ 96, artigo 29).
Na educação infantil, hoje, busca-se ampliar certos requisitos necessários para adequada inserção da
criança no mundo atual: sensibilidade (estética e interpessoal), solidariedade (intelectual e
comportamental) e senso crítico (autonomia, pensamento divergente).

Educação para a cidadania e para o convívio com diferenças


Ser cidadão significa ser tratado com urbanidade e aprender a fazer o mesmo em relação às demais
pessoas, ter acesso a formas mais interessantes de conhecer e aprender a enriquecer-se com a troca de
experiências com outros indivíduos.
Isso implica tomar consciência de problemas coletivos e relacionar experiências da própria
comunidade com o que ocorre em outros contextos. A educação para a cidadania inclui aprender a tomar
a perspectiva do outro (...) e ter consciência dos direitos e deveres próprios e alheios.

Os primeiros passos na construção das ideias e práticas de educação infantil


No que se refere à educação da criança pequena em creches e pré-escolas, práticas educativas e
conceitos básicos foram sendo constituídos com base em situações sociais concretas que, por sua vez,
geraram regulamentações e leis como parte de políticas públicas historicamente elaboradas.
Concepções, muitas vezes, antagônicas, defendidas na educação infantil têm raízes em momentos
históricos diversos e são postas em prática hoje sem considerar o contexto de sua produção.

21https://goo.gl/r8SmDL

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A construção de concepções teóricas sobre a educação da infância
A discussão sobre a escolaridade obrigatória, que se intensificou em vários países europeus nos
séculos XVIII e XIX, enfatizou a importância da educação para o desenvolvimento social. Nesse momento,
a criança passou a ser o centro do interesse educativo dos adultos, o que tornava a escola (pelo menos
para os que podiam frequentá-la) um instrumento fundamental.
Alguns setores das elites políticas dos países europeus sustentavam que não seria correto para a
sociedade como um todo que se educassem as crianças pobres, para as quais era proposto apenas o
aprendizado de uma ocupação e da piedade. Opondo-se, alguns reformadores protestantes defendiam a
educação como um direito universal.
Autores como Comênio, Rousseau, Pestalozzi, Decroly, Froebel e Montessori, entre outros,
estabeleceram as bases para um sistema de ensino mais centrado.

Um olhar sobre as novas propostas educacionais

Educar crianças menores de 6 anos de diferentes condições sociais já era uma questão tratada por
Comênio (1592 - 1670), educador e bispo protestante checo.
(...) Em 1637 elaborou um plano de escola maternal em que recomendava o uso de materiais
audiovisuais, como livros de imagens, para educar crianças pequenas.
Afiançava ele que o cultivo dos sentidos e da imaginação precedia o desenvolvimento do lado racional
da criança. Impressões sensoriais advindas da experiência com manuseio de objetos seriam
internalizadas e futuramente interpretadas pela razão. Também a exploração do mundo no brincar era
vista como uma forma de educação pelos sentidos.
(...) o filósofo genebrino Jean Jacques Rousseau (1712 - 1778) criou um proposta educacional em que
combatia preconceitos, autoritarismos e todas as instituições sociais que violentassem a liberdade
característica da natureza. Ele se opunha à prática familiar vigente de delegar a educação dos filhos a
preceptores, para que estes os tratassem com severidade, e destacava o papel da mãe como educadora
natural das crianças.
As ideias de Rousseau abriram caminho para as concepções educacionais do suíço Pestalozzi (1746
- 1827), que também reagiu contra o intelectualismo excessivo da educação tradicional.
Pestalozzi destacou ainda valor educativo do trabalho manual e a importância de a criança desenvolver
destreza prática.
Levou adiante a ideia de prontidão, já presente em Rousseau, e de organização graduada do
conhecimento, do mais simples ao mais complexo, que já aparecia em Comênio. Sua pedagogia
enfatizava ainda a necessidade de a escola treinar a vontade e desenvolver as atitudes morais dos alunos.
As ideias de Pestalozzi foram levadas adiante por Froebel (1782 - 1852), educador alemão (...) criou
em 1857 o kindergarten (‘jardim de infância”), onde crianças e adolescentes (...) estariam livres para
aprender sobre si mesmos e sobre o mundo.
O manuseio de objetos e a participação em atividades diversas de livre expressão por meio da música,
de gestos, de construções com papel, argila e blocos ou da linguagem possibilitariam que o mundo interno
da criança se exteriorizasse, a fim de que ela pudesse, então, ver-se objetivamente e modificar-se,
observando, descobrindo e encontrando soluções.

A educação infantil europeia no século XX

No período que se seguiu a Primeira Guerra Mundial, por exemplo, com o aumento do número de
órfãos e a deterioração ambiental, as funções de hospitalidade e de higiene exercidas pelas instituições
que cuidavam da educação infantil se destacaram.
A sistematização de atividades para crianças pequenas com o uso de materiais especialmente
confeccionados foi realizada por dois médicos interessados pela educação: Ovídeio Decroly e Maria
Monterossi. Decroly (1871 - 1932), médico belga, trabalhando com crianças excepcionais, elaborou, em
1901, uma metodologia de ensino que propunha atividades didáticas baseadas na ideia de totalidade do
funcionamento psicológico e no interesse da criança, adequadas ao sincretismo que ele julgava ser
próprio do pensamento infantil.
(...) psiquiatra italiana Maria Montessori (1879 - 1952) inclui-se também na lista dos principais
construtores de propostas sistematizadas para a educação infantil no século XX. Tendo sido encarregada
da seção de crianças com deficiência mental em uma clínica psiquiátrica de Roma, produziu uma
metodologia de ensino com base nos estudos dos médicos Itard e Segun, que haviam proposto o uso de
materiais apropriados como recursos educacionais.

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Ao contrário de Rousseau, que defendia a autoeducação, Montessori não aceitava a natureza como o
ambiente apropriado para o desenvolvimento infantil.
Montessori criou instrumentos especialmente elaborados para a educação motora (...) e para a
educação dos sentidos e da inteligência - por exemplo, letras móveis, letras recortadas em cartões-lixa
para aprendizado de operações com números. Foi ainda quem valorizou a diminuição do tamanho do
mobiliário usado pelas crianças nas pré-escolas e a exigência de diminuir os objetos domésticos
cotidianos a serem utilizados para brincar na casinha de bonecas.
Destacaram-se, na pedagogia e na psicologia, no período seguinte à Primeira Guerra Mundial (quando
era proposta a salvação social pela educação), as ideias a respeito da infância como fase de valor positivo
e de respeito à natureza. Tais ideias impulsionara um espírito de renovação escolar que culminou com o
Movimento das Escolas Novas. Esse movimento se posicionava contra a concepção de que a escola
deveria preparar para a vida com uma visão centrada no adulto, desconhecendo as características do
pensamento infantil e os interesses e necessidades próprias da infância.
Celestin Freinet (1896 - 1966) (...) Para ele, a educação que a escola dava ás crianças deveria
extrapolar os limites da sala de aula e integrar-se às experiências por elas vividas em seu meio social.
A pedagogia de Freinet organiza-se ao redor de uma série de técnicas e atividades, entre elas as
aulas-passeio, o desenho livre, o texto livre, o jornal escolar, a correspondência interescolar, o livro da
vida. Inclui ainda oficinas de trabalhos manuais e intelectuais, o ensino por contratos de trabalho, a
organização de cooperativas na escola. Apesar de ele não ter trabalhado diretamente com crianças
pequenas, sua experiência teve lento mas marcante impacto sobre as práticas didáticas em creches e
pré-escolas em vários países.

Os primeiros passos da história da Educação Infantil


Ademais, a abolição da escravatura no Brasil (...) concorreu para o aumento do abandono de crianças
e para a busca de novas soluções para o problema da infância, as quais, na verdade, representavam
apenas uma “arte de varrer o problema para debaixo do tapete”: criação de creches, asilos e internatos,
vistos na época como instituições assemelhadas e destinadas a cuidar de crianças pobres.

O Brasil República

Particulares fundaram em 1899 o Instituto de Proteção e Assistência a Infância, que precedeu a


criação, em 1919, do Departamento da Criança, iniciativa governamental decorrente de uma preocupação
com a saúde pública que acabou por suscitar a ideia de assistência científica à infância (...) surgiu uma
série de escolas infantis e jardins de infância, alguns deles criados por imigrantes europeus para o
atendimento de seus filhos.
Enquanto isso, a urbanização e a industrialização nos centros urbanos maiores, intensificadas no início
do século XX, produziram um conjunto de efeito que modificaram a estrutura familiar tradicional no que
se refere ao cuidado com os filhos.
Como a maioria da mão de obra masculina estava na lavoura, as fábricas criadas na época tiveram de
admitir grande número de mulheres no trabalho. O problema do cuidado de seus filhos enquanto
trabalhavam não foi, todavia, considerado pelas indústrias que se estabeleciam, levando as mães
operárias a encontrar soluções emergenciais em seus próprios núcleos familiares ou em outras mulheres.
(...) a vida da população das cidades, conturbadas pelo projeto de industrialização e urbanização do
capitalismo monopolista e excludente em expansão, exigia paliativos aos seus efeitos nocivos nos centros
urbanos, que se industrializavam rapidamente e não dispunham de infraestrutura urbana em termos de
saneamento básico, moradias, etc., trazendo o perigo de constantes epidemias. A creche seria um desses
paliativos, na visão de sanitaristas preocupados com as condições de vida da população operária, ou
seja, com a preservação e reprodução da mão de obra, que geralmente habitava ambientes insalubres.
Entendidas como “mal necessário”, as creches eram planejadas como instituições de saúde, com
rotinas de triagem, lactário, preocupação com a higiene do ambiente físico. Por trás disso, buscava-se
regular todos os atos da vida, particularmente dos membros das camadas populares.
No imaginário da época, a mãe continuava sendo a dona do lar devendo limitar-se a ele (...). Os
trabalhos com as crianças nas creches tinham assim um caráter assistencial-protetoral. A preocupação
era alimentar, cuidar da higiene e da segurança física, sendo pouco valorizado um trabalho orientado à
educação e ao desenvolvimento intelectual e afetivo das crianças.

199
1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
Novos tópicos na história da educação infantil no Brasil

(...) debates nacionais sobre os problemas das crianças provenientes dos extratos sociais
desfavorecidos afiançavam que o atendimento pré-escolar público seria elemento fundamental para
remediar as carências de sua clientela, geralmente mais pobre. Segundo essa perspectiva
compensatória, o atendimento às crianças dessas camadas em instituições como creches, parques
infantis e pré-escolas possibilitaria a superação das condições sociais a que estavam sujeitas, mesmo
sem alteração das estruturas sociais geradores daqueles problemas.

PANIZZA, Mabel e Colaboradores. Ensinar matemática na educação infantil e nas


séries iniciais: análise e propostas. Porto Alegre: Artmed, 2006.

Reunindo textos de especialistas no ensino da Matemática, o livro pretende integrar conceitos teóricos
com a prática educacional, utilizando propostas surgidas nas salas de aula da cidade de Buenos Aires.
Com linguagem acessível, a intenção é pensar o cotidiano escolar dos alunos para observar falhas e
lacunas, atitude que instiga ao debate e estimula novas maneiras de ver, aprender e ensinar a
Matemática.
Destaque A divisão dos capítulos com títulos autoexplicativos ajudam o professor a focar na leitura do
que acha mais importante.

Abaixo segue algumas considerações da autora no decorrer da sua obra:

Ensino E Aprendizagem Matemático Nas Séries Iniciais22

Panizza (2006) nos relata que: Há uma "epidemia" das dificuldades de aprendizagem que projeta não
só problemas pedagógicos como também problemas econômicos e sociais. Vivemos numa sociedade
competitiva, onde o diploma é sinônimo de salvo conduto e de sobrevivência social. O êxito escolar impõe-
se como uma hiperexigência dos pais, e muitas vezes, como um meio de promoção profissional dos
professores. A sociedade pede a instituição escolar uma dimensão produtiva, onde a matéria-prima é a
criança e o instrumento de produção, o professor. Ambos são vítimas de um sistema social que se exige
transformar.
Quando se avalia o ensino da matemática realizada em nossas escolas, de modo geral, nossos alunos
não conseguem utilizar com sucesso os conceitos e processos matemáticos para solucionar problemas,
nem mesmo aqueles que são resolvidos comumente em sala de aula. Nacaratto apud Vasconcellos e
Bittar (2006), assegura que de modo geral, os cursos oferecem uma carga horária reduzida e, na sua
execução quando oferecem disciplinas como Metodologia do ensino de Matemática ou Fundamentos da
Matemática, muitas vezes contrataram professores que não possuem experiência nos anos iniciais. Neste
caso, a formação de futuros professores fica comprometida, pois deixam de ter condições de se preparar
melhor para conduzir as mudanças necessárias a uma prática pedagógica mais atualizada.

Relação professor/ aluno e ensino/ aprendizagem

No ensino-aprendizagem da matemática podemos falar de um triângulo (humano programático) cujos


vértices são: a matemática, os alunos e o professor. O papel a desempenhar pelo professor numa sala
de aula - é posto de uma forma simplista – o de tornar o caminho entre a matemática e os alunos o mais
curto possível. Cabe ao professor a missão de conduzir a matemática até os alunos ou de levar os alunos
até a matemática.
Os professores têm da matemática uma ideia que foi sendo construída e sedimentada ao longo da sua
vida por vivências intelectuais e afetivas mais ou menos intensas, pelo contato que com ela tiveram no
seu percurso acadêmico e nas ofertas que lhe foram proporcionadas, pelas representações que a
sociedade tem da mesma e também pelo confronto com as práticas, onde estão presentes variáveis tão
importantes como as atitudes dos alunos, as dinâmicas de grupo, etc.
Pode-se dizer que aquilo que acontece na sala de aula pode estar marcado pela visão da matemática
que o professor persegue, segundo Panizza (2006), parte da qual pode ser explicada pelo seu
aprendizado enquanto estudante e varia entre a exposição "clara", seguida de explicação e envolvimento
dos estudantes em situações que partem de problemas e privilegiam a descoberta.

22http://www.webartigos.com/artigos/breve-analise-do-ensino-e-aprendizagem-matematico-nas-series-iniciais/34069/#ixzz4TgY3cAL2

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
Na tendência didática tradicional o professor é o transmissor de conhecimento matemático, é o
especialista em conteúdos. O aluno esforça-se para aprender tudo aquilo que o professor lhe transmite.
A disciplina está orientada, basicamente, para a aquisição de conceitos, dando-lhe uma finalidade
exclusivamente informativa. Essa tendência começou a se modificar com a incorporação da perspectiva
construtivista da aprendizagem, na qual o professor é incentivador da aprendizagem. Para que ela ocorra,
é necessário que o aluno dê um significado ao que aprende, sendo consciente de seu próprio processo
de aprendizagem.
A didática da matemática se apresenta desmistificando algumas práticas de ensino matemático. Uma
das vertentes é o ensino com situações problemas, que incita que não se aprende matemática somente
resolvendo problemas. É necessário, além disso, um processo de reflexão sobre eles e também sobre os
diferentes procedimentos de resolução que possam surgir entre os integrantes da turma.
Durante o período da matemática clássica, época em que se acreditava no ensino dos números
progressivamente os alunos não podiam ousar e criar estratégias. Um paradoxo encontrado segundo
Panizza (2006) é o fato de que alunos aprendiam a recitar a série numérica na escala um por um
pudessem aprendessem a contar de outras formas, porém os cálculos que lhe eram oferecidos
apresentavam-se como primários de no máximo uma dezena.

"Em primeiro lugar, supor que um aluno da 1 série da educação infantil não se tenha inteira toda
existência do número 1 é aceitar ao mesmo tempo que não sabe quantos tem; que seu irmão tem dois
anos a mais que ele porque já tem 7; que em cada pacote de figurinhas veem 6; que tinha 16 figurinhas,
mas, como ganhou 3 em uma aposta, agora tem 19; que na aula são 25 crianças, mas hoje faltaram duas
e, portanto, são 23, etc. saberes que muitas crianças dessa idade já possuem."
Panizza, 2006: Acreditávamos também que todas as resoluções matemáticas para se validarem
precisavam de registro, porém quando uma criança entra na escola se depara com a aprendizagem de
procedimentos formais para expressar ações que antes realizava espontaneamente, e não de maneira
institucionalizada. Antes acrescentava, reunia, tirava, dividia, separava os objetos que estavam ao seu
alcance e que manipulava em função de seus interesses e necessidades. Agora tem que usar apenas
lápis e papel.
Outra situação conflitante se refere a resolução de problemas; que desequilíbrio provocaria em um
sujeito a resolução de um problema se, na ordem ou na intervenção do professor está implícito o que
deve fazer? Nesse caso, quem age: o aluno ou o professor?
Quando a professora intervém na escolha da operação adequada, respondendo afirmativamente à
pergunta tão conhecida: "O sinal é de mais?", podemos dizer que as crianças resolvem a conta, mas não
o problema. Nesse caso os alunos adivinharam o problema pela resolução da conta, mas não precisaram
colocar em prática todos os conhecimentos necessários para tratar a situação.
Apesar da importância de levar em conta ambos os aspectos – os conhecimentos prévios dos alunos
e a organização do conhecimento – com frequência o conjunto de atividades que são propostas parecem
responder mais a experiências isoladas do que a uma organização conforme uma sequência de ensino
do tema.

As primeiras ideias práticas embasadas na teoria de desenvolvimento de Piaget acreditavam que o


papel do professor era o de apenas oferecer os recursos e o aluno aprenderia por si só, sem intervenções
específicas. A aplicação das provas operatórias de Piaget (1974) era atividade de praxe, segundo
Sangiorgi nas salas de Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental. A essência dessa linha
de estudo estava sim em fazer avaliações prévias do aluno com ferramentas descobertas em pesquisas
feitas sobre o desenvolvimento humano, porém a popularização sem um estudo sistêmico da mesma
acabou criando vertentes errôneas sobre essa concepção matemática, o que levou matemáticos a
questionarem sua real eficiência. Transformar atividades diagnósticas em atividades de aprendizado não
era o objetivo desse movimento que buscava uma popularização do ensino matemático de forma a
desenvolver competências a partir do que o indivíduo já conhecia e acreditar no enfoque de que as ideias
evoluem por um movimento de assimilação e acomodação e a interação social entre indivíduos com
diferentes potencialidades cognitivas é um meio favorecedor para a ocorrência da evolução das ideias.
O que está acontecendo é que as práticas pedagógicas adotadas pelos professores ao ensinar
matemática, de certo modo, refletem as visões que os professores possuem sobre a forma como o aluno
aprende matemática. Em muitos casos, essa visão é desconectada das teorias, mas decorrente da
experiência com a sala de aula.

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
Didática da matemática (considerações da construção do pensamento sobre o número) e o que
torna um indivíduo competente na matemática?

Os questionamentos que eram feitos até então sempre giravam em torno do como a criança deveria
aprender a matemática de um jeito realmente eficiente e condizente com sua realidade biológica e social,
porém alguns autores começaram a refletir sobre o significado dos mesmos e a real necessidade de se
ensinar número por número.
"Que conclusões poderiam tirar as crianças a partir de seu contato cotidiano com a numeração escrita?
Que informações relevantes poderiam obter ao escutar seus pais queixar-se do aumento dos preços, ao
tentar entender como é que sua mãe sabe qual das marcas de determinado produto é mais barata, ao
ver que seu irmão recorre ao calendário para calcular os dias que ainda faltam para seu aniversário, ao
alegrar-se porque na fila da padaria "já estão atendendo a ficha trinta e..."E seu pai tem a trinta e quatro...".
Parra e Saiz, 2008, p. 76
Acreditávamos que as crianças construíam desde cedo critérios para comparar números e
pensávamos que muito antes de suspeitar da existência de centenas, dezenas e unidades alguma relação
elas deveriam estabelecer entre a posição dos algarismos e o valor que eles representam e para a didática
da matemática as crianças constroem ideias sobre os números e sobre o sistema de numeração ainda
antes de terem chegado à escola. Aprender o número está diretamente ligado ao cálculo e não a noção
de conservação (aprende o 1 depois o 2...).

Diferentemente da numeração escrita, que é posicional, a numeração falada não o é. Se fosse assim
ao ler um número, por exemplo, 7.456 diríamos sete quatro cinco seis, mas em vias do conhecimento que
possuímos lemos de outra forma.
A didática da matemática não é um novo "método" de ensino. Não se dedica à produção e meio para
atuar no ensino, na maior medida possível, os processos que acontecem no domínio do ensino escolar
da matemática.
Esses processos dependem não somente dos tipos de problemas que são propostos, mas da
sequência dos mesmos, das modificações intencionais (variáveis didáticas) que se realizam com o
objetivo dos alunos para o saber que se tenta transmitir, das interações que se promovem entre os alunos
e dos tipos de intervenção docente durante os processos de ensino e aprendizagem desse saber
"Tendências atuais propõem constituir, no âmbito escolar, um domínio de experiências em que a
quantificação ocupe um lugar de importância para ampliar e para consolidar os conhecimentos que as
crianças já têm sobre o numérico. Embora os números naturais "sejam usados" cotidianamente em
diversas circunstâncias, o meio natural ou social raramente apresenta problemas para os quais os
números naturais sejam a solução. Propor estes problemas é responsabilidade da escola, e elaborá-los
é uma tarefa específica da didática da matemática"

Panizza, 2006: A princípio pode ser difícil para o professor encontrar intervenções que permitam essa
relação do aluno com o problema, sem fazer indicações sobre como resolvê-los. Se não é o silêncio do
professor o que caracteriza essas fases, mas o que posso dizer? A forma que se deve intervir é dizendo
palavras para encorajar a resolução, como por exemplo, que há diferentes maneiras de resolvê-lo e
anunciar que logo serão discutidas.
Os conhecimentos não são produzidos somente pela experiência que o sujeito tem sobre os objetos,
nem tampouco por uma programação inata preexistente nele, mas por construções sucessivas que
acontecem pela interação desse sujeito com o meio. Assim, o objetivo central da didática é poder
identificar as condições nas quais os alunos mobilizam saberes na forma de ferramentas que conduzam
à construção de novos conhecimentos.
As crianças elaboram conceitualizações a respeito da escrita dos números, baseando-se nas
informações que extraem da numeração falada e em seu conhecimento da escrita convencional dos "nós".
Ë o que nos relata Panizza (2006).
Para produzir os números cuja escritura convencional ainda não adquiriu, elas misturam os símbolos
que conhecem, colocando-os de maneira tal que se correspondam como a ordenação dos termos na
numeração falada.
Essa concepção toma da teoria de Piaget o fundamento de que o conhecimento se constrói por meio
da ação de um aluno diante de situações que lhe provoquem desequilíbrios. Esses desequilíbrios
acontecem quando existe uma situação que o aluno tenha de resolver, mas, além disso, quando possui
alguns conhecimentos básicos que, ao mesmo tempo, se mostrem insuficientes para enfrentar o
problema.

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As crianças constroem ideias próprias sobre o saber matemático, algumas, por exemplo, podem
afirmar que um número é maior que outro apenas porque tem mais algarismos ou porque o primeiro é
maior e ele é quem manda. E nós estamos tão acostumados a conviver com a linguagem numérica que
em geral não distinguimos o que é próprio dos números (significado) e o que é próprio do sistema de
numeração (para serem representados). Afinal as propriedades dos números são universais, já as leis
que regem os diferentes sistemas de numeração não são. Um exemplo pode vir quando uma criança
afirma que o número 10 pode ser maior que 8 não pela sua quantidade, mas pela quantidade de
algarismos, o que se torna válido ao considerarmos um sistema não posicional.
As crianças estão a todo o momento buscando regularidades e o papel do educador não é podá-lo em
seus erros, mas tentar entender seu raciocínio e intervir da melhor forma.

PENTEADO, Heloísa Dupas. Metodologia de História e Geografia. São Paulo:


Cortez, 2011. (Capítulos 1, 2 e 3).

As Ciências Humanas

Iniciamos o nosso estudo de Metodologia do Ensino de História e Geografia situando estas disciplinas
num quadro mais geral das Ciências Humanas, ao qual pertencem. Verificaremos, a seguir, como as
Ciências Humanas têm-se configurado no ensino de 1º grau e qual a contribuição que têm a dar na
formação dos alunos.

Área do conhecimento humano


Para nos situarmos dentro da perspectiva de trabalho pedagógico aqui proposta, é necessário precisar
a natureza e importância específicas das disciplinas com cuja metodologia de ensino trabalharemos e
examinar a contribuição das Ciências Humanas na formação do aluno das séries iniciais do curso de 1.°
grau.
As Ciências Humanas compreendem uma área do conhecimento humano alimentada pelo saber
produzido por várias ciências - Sociologia, Antropologia, História, Geografia, Economia e Política, entre
outras - todas têm como objeto de estudo o homem em suas relações: entre si, com o meio natural em
que vive, com os recursos já criados por outros homens através dos tempos. Cada uma delas, por sua
vez, especializa-se em determinados aspectos desse seu objeto de conhecimento, que é muito amplo.
A Geografia privilegia as relações do homem com o espaço em que está situado. Busca compreender
tanto as características do espaço natural em que os homens se situam - campo de preocupações da
chamada Geografia Física - como o uso que eles fazem desse espaço, através das relações que mantêm
entre si - campo de preocupações da Geografia Humana. Ao buscar essa compreensão, a Geografia
recorre a conhecimentos produzidos por outras Ciências Humanas, como a Sociologia, a Economia etc.,
e também a conhecimentos produzidos pelas Ciências da Natureza, ou Ciências Físicas, Químicas e
Biológicas.
A Sociologia focaliza as relações que os homens travam entre si, no seu espaço e no seu tempo.
Busca compreender as relações de trabalho, familiares, de lazer, religiosas, de poder, bem como a inter-
relação dessas relações na sua organização e funcionamento simultâneos. Para isso recorre ao
conhecimento produzido por outras Ciências Humanas como a Economia - que tem como centro de seus
estudos as relações de produção e distribuição de bens necessários à sobrevivência -, a Política - que
busca apreender as relações de dominação, subordinação e resistência desenvolvidas pelos
agrupamentos humanos na sua convivência etc.
A Antropologia centraliza seus estudos nos homens e nos produtos de suas ações. Empenha-se em
adquirir conhecimentos sobre o ser humano enquanto uma espécie animal, dentro da escala zoológica -
campo de preocupações da chamada Antropologia Física - e também sobre as criações humanas - campo
de preocupações da chamada Antropologia Cultural. Utiliza tanto
conhecimentos produzidos por outras Ciências Humanas, como a Sociologia, a História e a Economia,
como conhecimentos produzidos pelas Ciências da Natureza ou Ciências Físicas, Químicas e Biológicas.
A História procura estudar o homem através dos tempos, nos diferentes lugares em que tem vivido.
Investiga permanências e mudanças ou transformações de seu modo de vida, no empenho de
compreendê-las. Nesse trabalho conta com o conhecimento produzido por outras Ciências Humanas,
como a Sociologia, a Antropologia, a Economia, a Política etc.
Estes exemplos bastam para mostrar que as Ciências Humanas formam uma intrincada teia de
conhecimentos. As divisas de seus campos de trabalho constituem um recurso didático que viabiliza a

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abordagem ou o tratamento científico da realidade. Esta, de fato, é um todo que não se pode decompor,
que o homem tenta compreender para colocar a serviço do seu viver e do seu bem-estar.
O mesmo se pode dizer a respeito da divisão entre Ciências Humanas e Ciências da Natureza. Ambas
se alimentam mutuamente na tarefa comum de construção do conhecimento científico da realidade. Este
se distingue dos diferentes tipos de conhecimento ou compreensão da realidade por ser produzido através
de um trabalho organizado, segundo normas observadas precisa e sistematicamente.
De acordo com essas normas, parte-se sempre da observação metódica do objeto que se pretende
conhecer, e da coleta de dados ou informações significativas para a compreensão do aspecto que está
sendo focalizado. Na etapa seguinte, procede-se à análise das informações coletadas, o que conduz à
última etapa do trabalho: a construção de conceitos e generalizações. Esses conceitos e generalizações
tanto podem reforçar os conhecimentos produzidos anteriormente, como podem ampliar, modificar ou
mesmo negar os conhecimentos já existentes. Constituem também pontos de partida para novas
investigações.
A produção do conhecimento compreende, pois, um processo de trabalho, atualmente organizado por
uma "divisão do trabalho" entre cientistas de diferentes especialidades. No presente momento da história
das ciências, essa divisão tem a função de viabilizar a ação humana de produção do conhecimento
científico. Não impede, contudo, e chega mesmo a requerer, o recurso aos saberes produzidos em outros
campos, ou a construção de equipes interdisciplinares de trabalho. Isso porque a própria indivisibilidade
da realidade exige sempre a volta ao todo, à compreensão abrangente.

As Ciências Humanas no 1º grau


Tradicionalmente as Ciências Humanas encontram-se inseridas na educação básica (curso primário e
curso ginasial, antes de 1971, e curso de 1º grau após essa data) através das disciplinas História e
Geografia.
Essa redução das Ciências Humanas às disciplinas História e Geografia é motivo de preocupação.
Embora essas duas ciências tenham grande importância na formação do educando, as Ciências
Humanas não se reduzem a duas. Sabemos também que:
a escola, e principalmente a escola básica, de 1º grau (direitos de todos e dever do Estado), constitui
um canal social do acesso da população ao conhecimento sistematizado, organizado, já produzido pelas
Ciências;
a oportunidade de acesso da população ao conhecimento produzido pelo conjunto das Ciências da
Natureza, através da escola, vem sendo de alguma maneira garantida, embora também aqui tenham sido
acionados mecanismos que desqualificam esse ensino. O conhecimento científico, em si desmistificador
pela sua própria natureza e modo de produção, é um saber ameaçador. Propicia ou provoca, em quem
se inicia nele, inquietação, curiosidade. Pode conduzir ao ato de "indagar";
o acesso da população ao conhecimento produzido pelas Ciências Humanas vem sendo
negligenciado, ao longo de nossa educação escolarizada, por razões sociais e históricas. Para herdeiros
de um passado colonialista, e de regimes autoritários de governo, entremeados de regimes populistas,
entender a realidade sociocultural como um fato "natural" - e, portanto, "dado" - propicia, senão mesmo
garante, o "fatalismo" com que a população enfrenta as situações de injustiça social que compõem o seu
cotidiano.
Com a Lei 5692/71 foram introduzidos os "Estudos Sociais" no curso de 1º grau. Segundo a Lei e o
Parecer 853/71,
"Estudos Sociais é uma área de estudos que tem por objetivo a integração espaço-temporal do
educando, servindo-se para tanto dos conhecimentos e conceitos da História e Geografia como base e
das outras ciências humanas - Antropologia, Sociologia, Política, Economia - como instrumentos
necessários para a compreensão da História e para o ajustamento ao meio social a que pertence o
educando."
Destacavam-se nessa colocação legal, pela sua importância, três aspectos:
- as Ciências Humanas como instrumento necessário para a compreensão da História. Ao que
acrescentamos: como instrumentos imprescindíveis à compreensão da realidade do educando, ou seja,
à compreensão de sua realidade social, no momento histórico por ele vivido;
- as Ciências Humanas como instrumento necessário para o ajustamento ao meio social a que pertence
o educando. Entendemos por "ajustamento" um processo altamente dinâmico, que se configura em "ação-
reação-transformação";
- a ideia de "área de estudos" interdisciplinar, importante pela possibilidade que criava de trabalho
integrado entre profissionais de diferente formação, o que introduzia uma probabilidade de superar o
corporativismo que caracteriza a organização do trabalho escolar e, também, nossa própria formação,
marcada pelo corporativismo das instituições que nos educaram.

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
O Conselho Federal de Educação, ao desconhecer a existência dos professores competentes para
trabalhar nesta área e aprovar a criação dos cursos de nível superior de Estudos Sociais, transformou
uma "área de estudos" em "disciplina". Com a pretensão de introduzir elementos das Ciência» Humana»
- o que náo conseguiu -, descaracterizou a História e a Geografia.
Disperdiçou-se com esta medida: a importância dos conhecimentos de História e Geografia; a
contribuição das demais Ciências Humanas; a rica ideia de "área interdisciplinar" de estudos.
Esse desperdício traduziu-se de maneira evidente na disciplina Estudos Sociais, que foi então
implantada no curso de 1º grau, ao longo de suas oito séries, com programas tipo "coquetel cultural".
Nossa realidade, pelo que demonstrou a implantação da Lei 5692/71, pelo que conhecemos dela a
partir de nossa prática como professores, ainda não permite a realização da ideia de uma "área de
estudos" interdisciplinar. A própria estrutura e organização da escola oficial é um empecilho, até pelo
simples fato, para não citarmos outros, de que os professores não se encontram, não têm horários
comuns de permanência, e suas horas de contratação para trabalhos fora da sala de aula são
reduzidíssimas, não permitindo, quando existentes, que dêem conta sequer da tarefa de preparar aulas
ou corrigir trabalhos.
Os doze anos de vigência da disciplina Estudos Sociais, no curso de 1º grau, encarregaram-se de
demonstrar o que acabamos de considerar.
O desagrado com o ensino das Ciências Humanas no curso de 1º grau não data, porém, de 1971.
Remonta ao período anterior, em que História e Geografia eram trabalhadas de maneira estanque,
desvinculadas entre si e da realidade do aluno que a estudava, não dando conta de uma visão global da
vida do ser humano, de sua existência em sociedade.
Diante disso, é necessário examinar a contribuição das Ciências Humanas na formação do aluno dos
cursos de 1º grau, a partir da perspectiva que aqui se propõe, a fim de oferecer uma contribuição real a
essa área de ensino, e não apenas uma alternativa a mais para confundir este já tão emaranhado campo
de trabalho.
(…)

Eixos geradores do conhecimento

Neste capítulo são apresentados os fundamentos que dão suporte à proposta de ensino de História e
Geografia, desdobrados nos seguintes tópicos:
uma problematização e análise das formas de atuação correntes no ensino destas disciplinas;
uma apresentação da estrutura conceitual básica da área de Ciências Humanas, instrumento com que
atuaremos na construção de um novo ensino;
uma análise dos conceitos básicos, a partir das condições internas e externas de aprendizagem, que
orientará a sequência de trabalho com eles ao longo das quatro séries.

História e Geografia no 1º grau: formas de atuação nas séries iniciais


Diferentes formas de atuação com as Ciências Humanas nas séries iniciais de 1º grau caracterizam a
história desse trabalho em nossas escolas.
Listas de heróis desvinculados de seu contexto, agindo de maneira inusitada, surpreendente e
benévola, em datas aleatórias, já marcaram os procedimentos de ensino em História.
O apego à ordem cronológica dos acontecimentos, seqüenciados linearmente, como se a história se
desenvolvesse num sentido único, constitui outro filão que alimentou esses trabalhos.
Conduta semelhante orientou o ensino de Geografia. Extensas listas de nomes de acidentes
geográficos, bem como extensas listas de números - indicando altura de picos e montanhas, altitude de
planaltos e planícies, extensão de rios, seus volumes de água, graus de temperatura máxima e mínima
de diferentes locais da Terra etc., como se esses dados fossem todos aleatórios e independentes entre
si, eternos, constantes e imutáveis - nortearam a docência dessa disciplina, então preocupada com
procedimentos meramente descritivos.
A tendência mais recente parece ser o desenvolvimento de temas considerados viabilizadores de
abordagens históricas e geográficas integradas. De modo geral, esses temas são dispostos em círculos
concêntricos, que se iniciam no estudo da escola e terminam no estudo do mundo, passando
sucessivamente pela família, bairro, município, estado, país.
Pelo menos três princípios norteiam essa forma de organização do trabalho com estas disciplinas.
Conforme um deles, o processo de aprendizagem do homem ocorre mais facilmente, com maiores
rendimentos, quando se faz do "próximo" para o "distante". Um segundo assegura que o processo de
aprendizagem dá-se de maneira mais fácil e rendosa quando caminha do "concreto" para o "abstrato".
Um terceiro apóia-se na convicção de que nosso processo de aprendizagem realiza-se de maneira mais

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
acessível e eficiente quando se caminha da "parte" para o "todo".
Permeia esses três princípios a ideia de que aprende-se quando se parte do "simples" para o
"complexo".
Embora essa idéia seja procedente, é preciso examiná-la mais detidamente, a fim de não fazer dela
um uso indevido ou inadequado.
Pode-se considerar como simples um evento composto de poucas variáveis intervenientes entre si. É
preciso então identificar o evento que corresponderia a tal critério no campo das Ciências Humanas.
Submetendo a ele a "Escola", tomada supostamente como o evento mais simples a ser estudado,
veríamos que ela corresponde, na sequência citada, a uma realidade composta, no mínimo, por variáveis
que se situam no âmbito da competência política estatal, da competência educacional familiar, da
competência cultural da sociedade em que se insere e da competência profissional dos professores das
áreas de ensino que a integram. Além disso, a escola representa, no início da escolaridade, um meio
novo pouco conhecido da vida do educando - se não ameaçador, pelo menos assustador.
Seria o evento "próximo" mais simples do que o "distante"?
Ainda aqui caberia indagar o que é "próximo" e o que é "distante". Seria "próximo" aquilo que se localiza
espacialmente mais perto do sujeito? E “distante" o contrário disto?
Em termos de aprendizagem, a experiência tem demonstrado com grande frequência que não se pode
fazer essa afirmação de maneira tão absoluta e tranquila. Lidando com crianças de classe média alta da
cidade de São Paulo, que diariamente passavam por uma das pontes sobre o rio Tiête em seu trajeto
para a escola, tive a oportunidade de constatar que, de maneira bastante geral, não haviam registrado
sua existência. No entanto, todas elas tinham gravado em suas memórias o mar e a praia, situados no
mínimo a 60 quilômetros da cidade de São Paulo, e aos quais seu acesso não era diário.
Trata-se de um exemplo ilustrativo, ao qual o leitor certamente poderá acrescentar muitos outros,
provenientes de sua experiência docente.
Pode-se observar o mesmo em relação ao "concreto" e ao "abstrato".
Seria mais simples o evento "concreto" do que o evento "abstrato"? E o que seria "concreto"? O visível,
o palpável, o experienciável?
Fazendo um levantamento linguístico junto à população de uma ilha de difícil acesso, situada no litoral
brasileiro, na altura de São Sebastião, estado de São Paulo, alguns pesquisadores constataram que as
crianças desta ilha tinham um agudo sentido de percepção para detectar a presença de cobras,
abundantes no local. Raramente morriam em consequência de picadas. Porém, quando por qualquer
razão iam até o continente, eram vítimas frequentes de atropelamentos por carro em São Sebastião. O
que mais visível, audível e palpável: uma cobra ou um carro?
Por ocasião da chegada do homem à Lua, tivemos oportunidade de ouvir de um adulto que
testemunhara o fato, via televisão, o seguinte comentário, feito com absoluta seriedade e convicção: "Isso
aí não é verdade. É um filme. Senão, como é que vai fazer com o São Jorge?" "Como assim" indaguei.
"Ué, o São Jorge não é um santo que mora na Lua e é tão poderoso que matou até o dragão? Então ele
lá ia deixar ficarem lá os homens com esse foguete? E ele nem apareceu aí."
"São Jorge" era personagem absolutamente concreto e palpável para esse adulto, embora nunca o
tivesse encontrado em "carne e osso", espacialmente próximo a si. Já o "foguete espacial", por ele
conhecido apenas através de fotos, figuras ou filmes (como o São Jorge), era apenas foto, figura ou filme.
Não era realidade. Não existia.
O que emprestava à figura do santo tanta "factualidade" e "concreticidade", senão a crença depositada
por esse adulto em sua existência?
Sobre esse mesmo evento - chegada do homem à Lua - presenciamos conversas de crianças que
davam a impressão de que haviam participado pessoalmente do fato, tal o grau de veracidade e
concreticidade que atribuíam ao acontecimento. Eram as mesmas crianças que não registraram em suas
memórias a ponte por que passavam diariamente em seu caminho para a escola.
O que emprestava ao evento ocorrido tão distante delas, e por elas testemunhado apenas via televisão,
tanta "factualidade" e "concreticidade", senão a crença que depositavam na veracidade do fato?
Finalmente resta indagar se seria mais simples aprender partindo-se das partes para o todo.
É preciso considerar que cada parte, de modo geral, se subdivide em outras subpartes, bem como
pertence a um todo maior do qual recebe influências e a que também influencia.
Seria realmente mais fácil entender a vida das abelhas começando por observar ou estudar uma das
inúmeras "células" de que se compõe a colméia? Mais do que isso: seria possível isolar a "célula" do todo
da colméia de que faz parte? E, ainda que possível, esse corte não impediria a compreensão mais ampla
da própria "célula", se não recorrêssemos em vários momentos ao todo, já que ignoraria as relações
dessa "parte" com o "todo", bem como a dinâmica global que preside esse conjunto chamado "colméia"?
Poderíamos fazer as mesmas perguntas partindo de um outro aspecto do fenômeno considerado.

206
1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
Seria realmente mais fácil entender a vida das abelhas começando por observar ou estudar uma abelha?
Seria possível isolá-la do conjunto das demais, partindo, por exemplo, do funcionamento do seu
organismo? E, se possível, esse corte não impediria a compreensão se não recorrêssemos em vários
momentos ao todo, já que ignoraria as relações de cada uma com as demais e com a própria colméia
como um todo (e na qual figuram as células como a menor parte de que se compõe)?
Nas minhas experiências como professora, trabalhando com as séries iniciais do 1.° grau, nunca
ocorreu, a não ser excepcionalmente, que as crianças compreendessem que o bairro está dentro do
município; este dentro do estado; que o estado está dentro de um país e este dentro de um continente.
Ainda que seguisse no trabalho os passos preconizados pela orientação que recebíamos - que se iniciava
com um estudo da própria escola, localizando a carteira do aluno em sua sala de aula; a sala de aula em
seu respectivo corredor, dentre outras salas; a sala de aula dentro do prédio escolar -, a esperada
transferência de compreensão, que apoiava a recomendação metodológica, não acontecia.

O que explicaria tal situação?


Uma primeira resposta seria que entender que um município está dentro de um estado, este dentro de
um país, e assim sucessivamente, implicava estabelecer uma relação de inclusão de uma parte num todo
ainda desconhecido pelo aluno.
O que seria mais fácil: compor o "todo" formado por um pão de formato e tamanho desconhecidos, a
partir de diferentes fatias em que estivesse cortado; ou compor o "todo" formado por um pão de: formato
e tamanho conhecidos previamente, a partir das diferentes fatias em que estivesse cortado?
Certamente a segunda situação parece mais acessível.
Na primeira, a falta de visão do todo exigiria comparar as diferentes fatias para ordenar sua sequência
provável, num múltiplo fazer e refazer, através mesmo de um processo de ensaio e erro, até descobrir se
o pão apresentava, por exemplo, contornos regulares ou contornos irregulares, mas distribuídos com
regularidade, para citarmos apenas duas possibilidades.
O que não se diria então de compor um "todo" desconhecido, pela junção de suas partes também
desconhecidas, uma vez que bairro, município, etc. são "pedaços" ou "partes" não domináveis pela
criança? Ainda que se possa levá-la a caminhar pela divisa de um bairro, ela é engolida pelo "pedaço", já
que no momento em que está num ponto deste limite, não pode mais avistar ou observar o outro.
É possível tentar lidar com o processo de maneira diferente e observar os seus resultados. Em vez de
começar pelo Bairro, por que não começar pelo mundo?
Porém, como partir do mundo, se já o espaço do bairro é não dominável, empiricamente, pela criança?
Seria necessário recorrer a "mapas" e a "globos", que são, por sua vez, "espaços" que representam
"espaços". Bastaria contar às crianças que "isto é a Terra", apontando para o globo ou para o mapa-
múndi?
Seria suficiente proceder a uma leitura do mapa ou do globo, revelando águas e terras, continentes e
oceanos, países etc. até chegarmos ao Município? Ou apenas estaríamos, desta forma, acrescentando
dificuldades à já complexa relação do aluno com o espaço?
Antes tratava-se apenas de compor um "todo" desconhecido pela junção de suas "partes", também
desconhecidas, porque não domináveis pela criança, pelo tamanho das mesmas (a criança se encontra
dentro de uma parte). Agora seria ainda necessário acreditar que esses espaços, que podiam ser
abarcados pelas suas próprias mãos (mapas e globos), correspondiam àqueles espaços chamados
bairros, municípios etc., dentro dos quais ele se encontrava, e que agora se encontravam dentro de suas
mãos. Além disso, como um globo e um mapa-múndi, tão diferentes entre si, poderiam corresponder a
um mesmo espaço real?
Se a parte considerada "menor" (o Bairro) e, portanto, tida como mais acessível, já não era um espaço
dominável empiricamente pelo aluno, não estaríamos acrescentando dificuldades ao apresentar o "todo",
o "Mundo", espaço igualmente não dominável empiricamente por ele.
Porém, o ponto de partida do trabalho, desenvolvido desta outra forma, certamente deveria
compreender uma etapa anterior, na qual começaríamos a preparar o aluno para a compreensão das
novas questões que surgiriam.
Inicialmente seria importante proporcionar à criança a oportunidade de lidar com o espaço dominável
por ela, através, por exemplo, de atividades lúdicas.
A cada experiência realizada seguir-se-ia imediatamente a confecção de um desenho que a
representaria.
Através destas situações, a criança vivenciaria noções de "dentro" e "fora", "limites" e "fronteiras",
experimentaria a possibilidade de poder estar simultaneamente dentro de vários espaços concêntricos; a
impossibilidade de estar simultaneamente dentro de espaços heterocêntricos etc. Ao mesmo tempo, ela
estaria sendo iniciada em "representação espacial" por meio do desenho feito após cada experiência e

207
1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
trabalhado adequadamente para este fim. Isto posto, a passagem para "mapas" e "globo" seria uma
questão de grau, uma vez que a confecção de tais representações por profissionais é facilmente
compreensível para a criança pelo recurso do desenho, da fotografia quando experienciados por ela. Bem
feito este trabalho, não mais seria necessário recorrer à crença do aluno de que "o mapa do Brasil
representa o Brasil porque a minha professora disse", mas ele passaria a ser um canal confiável porque
dominado por ele, tanto quanto a representação televisiva no caso da alunissagem.
Em várias situações em que se testou este outro procedimento, com crianças de diferentes escolas,
os resultados foram surpreendentes. E o que se observou deixou patente que nem se trata de vir do "todo"
para as "partes", como também não se trata de ir das "partes" para o "todo".
Portanto, simplesmente negar todas as indagações até aqui colocadas sobre essa questão, e admitir
pura e simplesmente os seus contrários, afirmando que se aprende mais facilmente partindo do "todo"
para as "partes", significaria incorrer em atitude tão mecânica e fragmentada quanto afirmar que se
aprende mais facilmente da "parte" para o "todo".
Antes de afirmar ou negar qualquer uma dessas colocações, é preciso indagar: seria possível,
retornando ao exemplo da colméia, estudá-la como um todo, sem em vários momentos nos determos nos
elementos que a •i«impõem, para em seguida recorrermos ao todo e, se necessário, novamente às
partes?
Seria possível abarcar o "todo" num determinado momento, num tratamento sério e cuidadoso de um
fenômeno, ignorando suas partes e as relações entre elas, que configuram o todo?
E, se possível, essa globalização da observação e estudo do fenômeno não equivaleria a
superficializar sua compreensão, na medida em que se estaria desconsiderando ou mesmo
desconhecendo a dinâmica que configura esse todo?
A experiência com os temas dispostos em círculos concêntricos no ensino História e Geografia; a
reflexão sobre seus resultados que, em termos de aprendizagem, não têm correspondido às expectativas;
as constatações feitas a partir de novas experiências e, ainda, de estudos e reflexões sobre seus
processos e resultados nos encaminham para as seguintes conclusões:
- a aprendizagem se faz num movimento constante que vai tanto das partes para o todo como do todo
para as partes, ao longo de todo o seu processo;
- é concreto para o aprendiz aquilo que ele acredita que realmente existe; ignorar esse fato nos faz
incorrer em erros como confundir "concreto" com o que simplesmente acontece ao lado das crianças e
que é perceptível aos órgãos dos sentidos;
- é "próximo" do aprendiz aquilo que, pela significação e importância por ele atribuída, passa a fazer
parte de sua realidade; se isso não fosse verdade, os meios de comunicação de massa não teriam a
influência que têm.
Cabe aqui uma última observação a respeito do trabalho com História nas séries iniciais do curso de
1º grau.
Na prática pedagógica dos trabalhos realizados em sala de aula, reproduziu-se o problema das
propostas anteriores de História e Geografia, a partir do tema Município, não se tendo alcançado no
desenvolvimento dos temas anteriores - Escola, Família e Bairro - conhecimentos que ultrapassassem os
do senso comum.
Até chegar à 1ª série, a criança já viveu no mínimo sete anos na sua família, tendo portanto dominado
os conhecimentos necessários para aí sobreviver, bem como os conhecimentos sobre o Bairro em que já
se encontra vivendo.
Na pior das hipóteses, porém a mais frequente, a escola desconsidera esse conhecimento e trabalha
um modelo de família, e de lar, estereotipado, que nada tem a ver com a realidade vivida pelo aluno nesse
grupo social.
Na melhor das hipóteses, a escola apenas revê ou retoma esse conhecimento. O que isso acrescenta
à criança?
São comuns, nos livros de Estudos Sociais, História e Geografia, cenas como estas: um casal, de cor
branca, sentado em torno de uma mesa farta, numa sala limpa e agradável, acompanhado de duas ou
três crianças, para representar a família reunida à hora da refeição; ou então um senhor branco, sentado
em uma poltrona confortável, lendo o seu jornal ou assistindo televisão, enquanto duas ou três crianças
brancas, limpas, quase sempre loiras, brincam pela sala, enquanto num outro cômodo, a cozinha, uma
senhora branca de avental lava louça.
Acompanha o desenho, de modo geral, um texto lido sem indagações, que diz: "Esta é a minha família".
Pergunto: à família de quantos de nós, alunos e professores de escola pública, corresponde esse
modelo? Não seria de esperar da escola pelo menos um maior senso de realidade?
Com relação à própria escola, tão formal e vazio de significado acaba sendo o trabalho que nela vem
sendo desenvolvido, que é comum, nos dias atuais, as crianças sequer saberem o nome de sua

208
1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
professora, de seus colegas ou mesmo da diretora.
As constatações já feitas, as reflexões sobre elas e nossa compreensão de História e Geografia como
disciplinas responsáveis pelo acesso do aluno ao conhecimento produzido pelas Ciências Humanas nos
levam a buscar uma forma de atuação com essas disciplinas que nos permita ultrapassar os problemas
até aqui enfrentados.
E preciso substituir a apreensão fragmentada da vida social, a que os alunos vêm sendo expostos, por
uma compreensão globalizada da vida social, no seu funcionamento e na sua historicidade.
Somente assim formaremos sujeitos críticos capazes de uma atuação consequente em sua realidade.
Os conceitos básicos das Ciências Humanas, que compõem uma estrutura de eixos geradores de
conhecimento, são um instrumento necessário para a organização do trabalho escolar nesta perspectiva
desejada.

Estrutura conceitual básica


Toda a vida do homem, em qualquer sociedade, em qualquer lugar em qualquer tempo, se passa
dentro de um espaço, o qual tem características próprias que não foram criadas pelo homem. Trata- se,
portanto, de um espaço natural que é transformado através do tempo por agentes naturais (responsáveis
pela ocorrência das eras geológicas).
O encontro dos homens entre si e com o meio natural em que se inserem define, por intermédio de
seu trabalho conjunto para a sobrevivência, o espaço sociocultural de sua existência, decorrente das
transformações e criações que promove nesse meio.
Esse delineamento nos possibilita selecionar os conceitos básicos que formam a estrutura deste
campo de conhecimento, e que são, cada um deles, geradores de outros conhecimentos.
Expressando-os numa disposição gráfica teríamos:

Os conceitos básicos são instrumentos de trabalho, para a análise e compreensão da realidade,


provenientes das diferentes Ciências Humanas. Permitem perceber a íntima interligação dos fenômenos,
representada no gráfico pelas setas. Cada um dos conceitos, por si, constitui-se num eixo conceitual, que
se amplia e desdobra em outros conceitos a ele relacionados, à medida que o processo de compreensão
dos mesmos caminha. Todos mantêm, ao longo de seus desdobramentos, relações entre si. A esses
conceitos inter-relacionados denominamos corpo conceitual.
Completando a expressão gráfica desse corpo conceitual, com os conceitos como eixos que se
ampliam e se inter-relacionam, temos:

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Os conceitos de espaço e de tempo são básicos no estudo da Geografia e da História,
respectivamente. É nestas duas dimensões que as relações sociais humanas se travam, transformando
a natureza, produzindo cultura, construindo a História.
A construção mental desses conceitos por parte do ser humano se dá na interação das condições
internas de aprendizagem com as condições ambientais de que dispõe o aprendiz.
O professor é um profissional que, nesse processo, se localiza entre as condições ambientais, ou
externas, e que atua na interação destas com as condições internas do aprendiz, agindo como mediador.
Neste papel de mediação que exerce no processo de aprendizagem, pode vir a ser tanto um agente
facilitador e catalisador, quanto um agente que o retarda, dificulta ou inibe.
Para que seja um agente facilitador e catalisador, é necessário que se oriente por um duplo critério,
definido pelas condições internas e pelas condições externas.
Considerando as condições internas, o professor precisa saber: com quais desses conceitos lidar
primeiro, com aprendizes em processo de desenvolvimento.
Considerando as condições externas, precisa saber: como montar as situações de aprendizagem
sugestivas desses conceitos para aprendizes em processo de desenvolvimento.
Adotar as condições internas de aprendizagem como critério para seqüenciar os conceitos conduz a
algo mais do que simplesmente optar por ensinar História antes de Geografia, depois de Geografia ou
simultaneamente. Impõe uma análise das características dos conceitos selecionados. Como estes, na
realidade, são imbricados, entrelaçados uns nos outros, surge a questão: por onde começar a lidar com
eles na escola?
Iniciando pêlos conceitos básicos da História e da Geografia, encontramo-nos diante do espaço e do
tempo.
O espaço ganha existência concreta, visível, palpável, tátil, no chão que pisamos, e que nos rodeia,
na terra que habitamos (espaço geográfico).
A existência concreta do espaço é definida:
- por suas características naturais: chão plano, chão ondulado, chão recoberto de vegetação nativa;
- por suas características culturais: chão aplainado pelo homem, chão plantado pelo homem, chão
devastado pelo homem.
O tempo ganha existência concreta, visível, tátil, e até palpável nos dias e noites que se sucedem, nas
condições meteorológicas que se alternam de sol a chuva, permeadas de ventos e abafamentos. A
existência concreta do tempo é definida:
- por suas características naturais: luminosidade do sol no dia, ausência da luminosidade do sol à noite,
precipitação das águas e o fenômeno da chuva, ausência de precipitação das águas e o fenómeno da
seca etc.
(…)
Além dessa existência concreta, espaço e tempo assumem dimensões abstratas.
O espaço ganha sua dimensão abstrata, não visível, não palpável, mas inferida, concluída através de
uma operação mental, no espaço social em que vivemos e que é distinto do chão ou espaço geográfico
que ocupamos.
Essa dimensão abstrata do espaço é definida: pelas relações sociais humanas que desenham as
"distâncias sociais", distintas das distâncias geográficas.
Pessoas ou grupos que convivem em proximidade geográfica, no mesmo chão, podem estar muito
distantes socialmente. Por exemplo: patrões e empregados dentro de uma fábrica; os governantes e os
serviçais dentro do palácio do governo.
Por meio dessas relações, os homens produzem a cultura, tanto em sua manifestação concreta
(objetos, utensílios, instrumentos) como em sua manifestação abstrata (normas e ordenações do
comportamento que orientam as suas próprias relações no trabalho, na família, na recreação etc.). O
tempo ganha sua dimensão abstrata, não visível, não palpável, mas inferida, concluída através de uma
operação mental, no tempo sócio-histórico de que participamos e que é distinto do tempo geográfico em
que existimos.
Essa dimensão abstrata do tempo é definida: pelas relações sociais humanas que constróem modos
sociais de vida e de existência entre os homens. A duração desses modos sociais de vida define os
tempos históricos, distintos dos tempos geográficos.
Compõem um modo social de vida tanto o mundo material criado pelo homem (habitações, vestuário,
alimentação, transporte, utensílios, instrumentos de trabalho), ou seja, a cultura material, como a maneira
como os homens organizam as relações entre si, para a produção e o uso dessa cultura material.
Pessoas ou grupos que vivem em diferentes tempos geográficos podem viver no mesmo tempo
histórico. Por exemplo: a população brasileira do século XVII (1601 a 1700) e a do século XVIII (1701 a
1800) não viveram no mesmo tempo geográfico, mas viveram num mesmo tempo histórico - o de Brasil

210
1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
Colônia. Da mesma forma, pessoas ou grupos que vivem num nesmo tempo geográfico podem viver em
tempos históricos diferentes. Por exemplo: um grupo indígena não-aculturado e os grupos brasileiros não-
indígenas da atualidade vivem em tempos históricos diferentes, dentro do mesmo tempo geográfico (final
do século XX).
Esta primeira análise dos conceitos que compõem a estrutura conceitual básica não é exaustiva, mas
já se apresenta suficiente para a tomada de decisão que nos ocupa, e que diz respeito à disposição
desses conceitos no trabalho escolar com História e Geografia, nas séries iniciais do 1° grau.
Tanto o espaço quanto o tempo, nas dimensões concretas apontadas, abrangem aspectos naturais e
culturais, estudados, respectivamente, pela Geografia e pela Antropologia.
Já em suas dimensões abstratas, tanto o espaço quanto o tempo remetem-nos às relações sociais
que se manifestam:
através de seus produtos concretos: a cultura material, estudada pela Antropologia e pela História;
através de seus produtos abstratos: a cultura não-material, estudada pela Antropologia, pela Sociologia
e pela História.

Considerando-se que:
- a construção mental do conhecimento parte das características concretas do objeto ou fenômeno a
conhecer, para chegar às abstratas, e da reciprocidade das inter-relações das "partes" com o "todo";
- os conceitos básicos formam um todo reciprocamente interrelacionados;
- temos já a indicação de que, nas séries iniciais do 1° grau, o ensino de História e Geografia deverá
se orientar por:
- trabalhar, em todas as séries, além dos conhecimento específicos, os conceitos da estrutura
conceitual básica, ainda que em diferente níveis;
- incidir sobre as dimensões de "natureza" e "cultura" (cultura material) assumidas pelo espaço e pelo
tempo;
- organizar os conceitos específicos na seguinte sequência: natureza, cultura (material), espaço, tempo
histórico.

Definido o ponto de partida conceitual e sua sequência, impõe-se tomar as decisões que levem à
montagem de situações significativas de aprendizagem.
Tais situações exigem tanto a definição do conteúdo a ser trabalhado quanto a explicitação dos
cuidados necessários ao trabalho com os conceitos - desenvolvido através desse conteúdo - a fim de que
a ultrapassagem do ensino reprodutivo de História e Geografia (matérias decorativas) para o ensino
produtivo (matérias instrumentais para a compreensão da realidade) se realize com sucesso.

PIAGET, Jean. Desenvolvimento e aprendizagem. Trad. Paulo Francisco Slomp.


UFRGS- PEAD 2009/1.

DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM
23
Primeiramente gostaria de tornar clara a diferença entre dois problemas: o problema do
desenvolvimento em geral, e o problema da aprendizagem. Penso que estes problemas são muito
diferentes, ainda que algumas pessoas não façam esta distinção.
O desenvolvimento do conhecimento é um processo espontâneo, ligado ao processo global da
embriogênese. A embriogênese diz respeito ao desenvolvimento do corpo, mas também ao
desenvolvimento do sistema nervoso e ao desenvolvimento das funções mentais. No caso do
desenvolvimento do conhecimento, a embriogênese só termina na vida adulta. É um processo de
desenvolvimento total que devemos resituar no contexto geral biológico e psicológico.
Em outras palavras, o desenvolvimento é um processo que se relaciona com a totalidade de estruturas
do conhecimento. A aprendizagem apresenta o caso oposto. Em geral, a aprendizagem é provocada por
situações - provocada por um experimentador psicológico; ou por um professor, com referência a algum
ponto didático; ou por uma situação externa. Ela é provocada, em geral, como oposta ao que é
espontâneo. Além disso, é um processo limitado a um problema simples ou uma estrutura simples.
Assim, considero que o desenvolvimento explica a aprendizagem, e esta opinião é contrária a opinião
amplamente sustentada de que o desenvolvimento é uma soma de unidades de experiências de
aprendizagem. Para alguns psicólogos o desenvolvimento é reduzido a uma série de itens específicos

23https://bit.ly/2kw1wdR

211
1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
aprendidos, e então o desenvolvimento seria a soma, a acumulação dessa série de itens específicos.
Penso que essa é uma visão atomista que deforma o estado real das coisas.
Na realidade, o desenvolvimento é o processo essencial e cada elemento da aprendizagem ocorre
como uma função do desenvolvimento total, em lugar de ser um elemento que explica o desenvolvimento.
Começarei, então, com uma primeira parte tratando do desenvolvimento e falarei sobre aprendizagem na
segunda parte. Para compreender o desenvolvimento do conhecimento, devemos começar com uma
ideia que me parece central: a ideia de operação. O conhecimento não é uma cópia da realidade.
Conhecer um objeto, conhecer um acontecimento não é simplesmente olhar e fazer uma cópia mental,
ou imagem, do mesmo. Para conhecer um objeto é necessário agir sobre ele. Conhecer é modificar,
transformar o objeto, e compreender o processo dessa transformação e, consequentemente,
compreender o modo como o objeto é construído. Uma operação é, assim, a essência do conhecimento.
É uma ação interiorizada que modifica o objeto do conhecimento. Por exemplo, uma operação consistiria
na reunião de objetos em uma classe, para construir uma classificação. Ou uma operação consistiria na
ordenação ou colocação de coisas em uma série. Ou uma operação consistiria em contagem ou
mensuração.
Em outras palavras, é um grupo de ações modificando o objeto e possibilitando ao sujeito do
conhecimento alcançar as estruturas da transformação. Uma operação é uma ação interiorizada. Mas,
além disso, é uma ação reversível; isto é, pode ocorrer em dois sentidos, por exemplo, adição ou
subtração, juntar ou separar. Assim, é um tipo particular de ação que constrói estruturas lógicas. Acima
de tudo, uma operação nunca é isolada. É sempre ligada a outras operações e, como resultado, é sempre
parte de uma estrutura total.
Por exemplo, uma classe lógica não existe isoladamente; o que existe é uma estrutura total de
classificação.
Uma relação assimétrica não existe isolada. A seriação é uma estrutura operacional natural, básica.
Um número não existe isolado. O que existe é uma série de números, que constituem uma estrutura, uma
extraordinariamente rica estrutura cujas propriedades variadas tem sido reveladas pelos matemáticos.
Estas estruturas operacionais são o que me parece constituir a base do conhecimento, a realidade
psicológica natural, nos termos em que nós compreendemos o desenvolvimento do conhecimento. E o
problema central do desenvolvimento é compreender a formação, e laboração, organização e
funcionamento dessas estruturas.
Gostaria de rever os estágios de desenvolvimento dessas estruturas, não em cada detalhe, mas
simplesmente como uma rememoração. Distinguiria quatro grandes estágios.
O primeiro é o estágio sensório-motor, pré-verbal, durando aproximadamente os 18 primeiros meses
de vida. Durante este estágio desenvolve-se o conhecimento prático, que constitui a sub estrutura do
conhecimento representativo posterior. Um exemplo é a construção do esquema do objeto permanente.
Para um bebê, durante os primeiros meses, um objeto não tem permanência.
Quando ele desaparece do campo perceptivo, não mais existe. Não há tentativa de pegá-lo
novamente.
Mais tarde o bebê buscará achá-lo e achá-lo-á por sua localização espacial. Consequentemente, junto
com a construção do objeto permanente surge a construção do espaço prático ou sensório-motor.
Similarmente há a construção da sucessão temporal e da causalidade sensório-motora elementar.
Em outras palavras, há uma série de estruturas que são indispensáveis para o pensamento
representativo ulterior.
Num segundo estágio temos a representação pré-operacional - o início da linguagem, da função
simbólica e, assim, do pensamento ou representação. Mas, no nível do pensamento representativo, há
agora uma reconstrução de tudo o que foi desenvolvido no nível sensório-motor. Isto é, as ações sensório-
motoras não são imediatamente transformadas em operações.
Na verdade, durante todo este segundo período de representações pré-operacionais não há ainda
operações como defini este termo há pouco.
Especificamente ainda não há conservação, que é o critério psicológico da presença de operações
reversíveis. Por exemplo, se pusermos o liquido de um copo em um outro de formato diferente, a criança
em fase pré-operacional pensará que há mais em um do que em outro. Na ausência da reversibilidade
não há conservação da quantidade.
Em um terceiro estágio aparecem as primeiras operações, mas as chamo de operações concretas
devido ao fato de que elas operam com objetos, e ainda não sobre hipóteses expressadas verbalmente.
Por exemplo, há as operações de classificação, ordenamento, a construção da ideia de número,
operações espaciais e temporais e todas as operações fundamentais da lógica elementar de classes e
relações, da matemática elementar, da geometria elementar e até da física elementar.

212
1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
Finalmente, no quarto estágio estas operações são ultrapassadas à medida que a criança alcança o
nível que chamo de operações formais ou hipotético-dedutivas; isto é, ela agora pode raciocinar com
hipóteses e não só com objetos. Ela constrói novas operações, operações de lógica proposicional, e não
simplesmente as operações de classes, relações e números. Ela atinge novas estruturas que são de um
lado combinatórias, correspondentes ao que os matemáticos chamam de redes (latt ices); por outro lado
atingem grupos mais complicados de estruturas. Ao nível de operações concretas, as operações aplicam-
se a uma circunvizinhança imediata: por exemplo, a classificação por inclusões sucessivas. No nível
combinatório, entretanto, os grupos são muito mais móveis.
Estes então são os quatro estágios que identificamos, cuja formação tentaremos agora explicar.
Que fatores podem ser invocados para explicar o desenvolvimento de um conjunto de estruturas para
outras?
Parece-me que há quatro fatores principais: o primeiro de todos, maturação, no sentido de Gesell, uma
vez que esse desenvolvimento é uma continuação da embriogênese; o segundo, o papel da experiência,
dos efeitos do ambiente físico na estrutura da inteligência; o terceiro, a transmissão social em sentido
amplo (transmissão por linguagem, educação, etc.); e o quarto, um fator que é com frequência
negligenciado, mas que me parece fundamental e até o fator principal.
Chamarei a este fator de equilibração ou, se preferirem, de auto regulação. Comecemos com o primeiro
fator, a maturação. Pode-se pensar que estes estágios são simplesmente um reflexo de uma maturação
interna do sistema nervoso, seguindo as hipóteses de Gesell, por exemplo. Bem, a maturação certamente
desempenha um papel indispensável e não pode ser ignorada. Toma parte certamente em cada
transformação que ocorre durante o desenvolvimento da criança. Entretanto este primeiro fator por si só
é insuficiente.
Antes e tudo, não sabemos praticamente nada acerca da maturação do sistema nervoso além dos
primeiros meses da existência da criança. Sabemos alguma coisa acerca disto durante os dois primeiros
anos, mas pouco sabemos nos seguintes. Acima de tudo a maturação não explica tudo, por que a idade
média na qual este estágio aparece (idade cronológica média) varia grandemente de uma para outra
sociedade. O ordenamento desses estágios é constante e tem sido encontrado em todas as sociedades
estudadas. Foi encontrado em vários países onde os psicólogos em universidades refizeram os
experimentos, sendo encontrados em povos africanos, por exemplo, nos povos Buscomanos, no Irã, seja
em vilarejos como em cidades. Entretanto ainda que a ordem de sucessão se já constante, a idade
cronológica desses estágios varia bastante. Por exemplo, as idades encontradas em Genebra não são
necessariamente as idades que foram encontradas nos Estados Unidos. No Irã, na cidade de Teerã,
acharam-se aproximadamente as mesmas idades de Genebra, mas há um atraso sistemático de 2 anos
nas crianças camponesas. Os psicólogos canadenses que refizeram nossos experimentos, Monique
Laurendeau e Father Adrien Penard, acharam uma vez mais as mesmas idades em
Montreal. Mas quando refizeram os experimentos na Martinica, encontraram u m atraso de quatro anos
em todos os experimentos e isso a despeito de as criança s da Martinica irem a uma escola organizada
conforme o sistema francês e com o currículo francês e alcançarem ao fim dessa escola elementar um
certificado de educação primária mais alto. Há então um atraso de quatro anos, isto é, há os m esmos
estágios, mas sistematicamente atrasados. Assim vê-se que essas variações de idade mostram que a
maturação não explica tudo. Continuarei agora a examinar o papel desempenhado pela experiência. A
experiência de objetos, da realidade física, é objetivamente u m fator básico no desenvolvimento das
estruturas cognitivas. Mas mais uma vez este fator não explica tudo. Eu posso dar duas razões para isso.
A primeira razão é a de que alguns conceitos que aparecem no início d o estágio d as operações concretas
são tais que não posso ver como poderiam ser formados a partir d a experiência. Como u m exemplo
tomemos a conservação d e substância no caso de mudança da forma de uma bola de m assa de
Modelar (plastilina o u argila). Damos essa bola de massa de modelar a uma criança que a modifica
em uma forma de salsicha e a ela perguntamos se há a mesma quantidade d e matéria, isto é, a mesma
quantidade de substância de antes. Perguntamos também se agora tem o mesmo peso e por fim se tem
o mesmo volume. O volume é medido pelo deslocamento de água quando colocamos a bola ou a salsicha
e um copo com água. Os achados, que tem sido os m esmos sempre que o experimento tem sido feito,
mostram-nos primeiro a conservação da quantidade de substância. Aproximadamente aos oito anos a
criança dirá: "Há a mesma quantidade de massinha". Somente mais tarde a criança afirma que o peso é
conservado e ainda mais tarde que o volume é conservado. Assim pergunto-lhes de onde vem a ideia da
conservação da substância. O que é uma substância constante e invariante quando não possui peso ou
volume constante? Através da percepção pode-se constatar o peso da bola ou o volume dela, mas a
percepção não pode dar uma ideia da quantidade de substância. Nenhum experimento, nenhuma e
experiência pode mostrar à criança que h á a mesma quantidade de substância. Ela pode pesar a bola e
isso levará a conservação do peso. Ela pode mergulhar a bola na água e isso levará à conservação de

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volume. Mas a noção de substância é atingida antes da de peso e de volume. Essa conservação de
substância é simplesmente uma necessidade lógica. Agora a criança compreende que quando há uma
transformação algo deve ser conservado pois revertendo a transformação pode-se voltar ao ponto de
partida e de novo ter a bola. Ela sabe que algo é conservado mas não sabe o quê. Ainda não é o peso,
nem o volume; é simplesmente a forma lógica - uma necessidade lógica. Mas parece-me um exemplo de
progresso no conhecimento, uma necessidade lógica de algo a ser conservado ainda que a experiência
não pode ter levado à essa noção. Minha segunda objeção
Contra a suficiência da experiência como um fator de explicação é a de que a noção de experiência é
muito equívoca. Há, de fato, duas espécies de experiências que são psicologicamente muito diferentes e
essa diferença é muito importante do ponto de vista pedagógico. É devido à importância pedagógica que
enfatizo essa distinção. Em primeiro lugar, há o que chamarei experiência física, e em segundo, o que
chamarei de experiência lógico-matemática.
A experiência física consiste no agir sobre os objetos e construir algum conhecimento sobre os objetos
mediante a abstração dos objetos. Por exemplo, para descobrir que este cachimbo é mais pesado do que
este fósforo a criança pesa ambos e encontra a diferença nos próprios objetos. Isso é experiência no
sentido comum do termo - o sentido usado p elos empiristas. Mas há um segundo tipo de experiência,
que chamarei de lógico-matemática, onde o conhecimento não é construído a partir dos objetos, mas
mediante as ações efetuadas sobre os objetos. Isso não é a mesma coisa. Quando se age sobre os
objetos, os objetos continuam aí, mas há também uma série de ações que modificam os objetos. Darei
um exemplo deste tipo de experiência. É um lindo exemplo, pois pude verificá-lo muitas vezes em crianças
pequenas abaixo de sete anos, mas também um exemplo que um dos meus amigos matemáticos relatou-
me sobre sua própria infância, e ele data sua carreira de matemático a partir d essa experiência. Quando
ele tinha quatro ou cinco anos - não sei exatamente que idade, mas era muito pequeno - estava sentado
no chão do jardim e contava sementes. Para contá-las colocou-as em fileira, contando uma, duas, três,
até dez. Ao terminar de contar, começou a contá-las em sentido contrário. Começou pelo fim e ainda uma
vez encontrou dez. Achou isso maravilhoso, que houvesse dez em um sentido e dez no outro. Então
colocou-as em círculo e contou-as daquele modo e achou dez de novo. Voltou a contá-las em sentido
contrário e de novo achou dez. Depois colocou-as em outra disposição, contou-as e achou dez de novo.
Essa foi a descoberta que ele fez. Ora, o que verdadeiramente ele descobriu? Ele não descobriu uma
propriedade das sementes, descobriu uma propriedade a ação de ordenar. As sementes não possuem
ordem. Foi a sua ação que introduziu um ordenamento em fileira ou circular, ou algum outro tipo de ordem.
Ele descobriu que a soma era independente da ordem. A ordem era a ação que ele introduzia entre as
sementes. O mesmo princípio aplicava-se a soma. As sementes não possuem soma; eram simplesmente
uma pilha. Para fazer uma soma, era necessária uma ação -- a operação de colocá-las juntas e contá-
las. Ele descobriu que a soma era independente da ordem, em outras palavras, que a ação de pô-las
junto era independente da ação de o drená-las. Descobriu uma propriedade da ação e não de uma
propriedade das sementes. Pode ser dito que é da natureza das sementes deixar que isso seja feito a
elas e isso é verdadeiro.
Mas poderiam ter sido gotas de água, e as gotas não deixariam isso ser feito a elas porque duas gotas
mais duas gotas não formam quatro gotas de água, como se sabe muito bem. Gotas de água não
deixariam então que isso fosse feito com elas. Estamos de acordo quanto a isso. Assim, não é a
propriedade física das sementes que a experiência demonstra. É uma propriedade das ações realizadas
fora das sementes e isso resulta em outra forma de experiência. Esse é o ponto de partida d a dedução
matemática. A dedução subsequente consistirá da interiorização dessas ações e então da combinação
delas sem necessitar qualquer semente. O matemático não mais necessita de suas sementes. Pode
combinar suas operações simplesmente com símbolos e o ponto de partida dessa dedução matemática
é a experiência lógico-matemática e isso não é experiência no sentido dos empiristas.
É o começo de coordenação das ações, mas essa coordenação das ações antes do estágio das
operações necessita ser apoiada em materiais concreto s. Mais tarde, essa ordenação das ações leva às
Estruturas lógico-matemáticas. Creio que a lógica não é um derivado da linguagem. A fonte da lógica
é muito mais profunda. É a coordenação geral das ações, ações de juntar coisas, o u ordená-las, etc. É
isso que é experiência lógico-matemática. É uma experiência das ações do sujeito e não uma experiência
de objetos em si mesmos. É uma experiência que se f az necessária antes que possa haver operações.
Uma vez que as operações sejam atingidas, essa experiência não é mais necessária e a coordenação
das ações pode o correr por si mesma, sob a forma de dedução e construção de estruturas abstratas. O
terceiro fator é a transmissão social -- transmissão linguística ou transmissão educacional. Este fator,
mais uma vez, é fundamental. Não nego o papel de qualquer desses fatores; todos desempenham uma
parte. Mas este f ator é insuficiente porque a criança pode receber valiosa informação via linguagem, ou
via educação dirigida por um adulto, apenas se estiver num estado que possa compreender esta

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informação. Isto é, para receber a informação ela deve ter uma estrutura que a capacite a assimilar essa
informação. Essa é a razão por que não se pode ensinar alta matemática a uma criança de cinco anos.
Ela não tem a estrutura que a capacite a entender. Buscarei um exemplo muito mais simples, um exemplo
de transmissão linguística. Em meu primeiro trabalho no campo da psicologia da criança, gastei bastante
tempo estudando a relação entre a parte e o todo na experiência concreta e na linguagem. Por exemplo,
usei o teste de Burt, empregando a sentença, "Algumas de minhas flores são margaridas". As crianças
sabem que toda s as margaridas são brancas, logo há três possíveis conclusões: todo o buquê é branco,
ou parte do buquê é branco, ou nenhuma flor do buquê é branca. Descobri que até nove anos (isto foi i
em Paris, de modo que as crianças entendiam a língua francesa) elas respondiam, “Todo o buquê é
branco ou algumas flores são brancas". As duas coisas significavam a mesma coisa. E lãs não entendiam
a expressão "Algumas de minhas flores". Elas não entendiam este "de" como genitivo partitivo, como uma
inclusão de algumas flores no meu buquê. Compreendiam algumas de minhas flores como sendo a s
minhas diversas flores, como se diversas flores fossem confundidas com uma mesma classe. Assim as
crianças que até nove anos de idade ou vem diariamente uma estrutura linguística que implica a inclusão
de uma subclasse em uma classe e no entanto não entendem essa estrutura. É só quando elas por si
mesmas se apoderam com firmeza dessa estrutura lógica, quando elas constroem por si mesmas, de
acordo com as leis do desenvolvimento que discutiremos, que são bem sucedidas na compreensão
correta de expressão linguística. Chego a gora a o quarto fator que se acresce aos três precedentes e
que parece a mim ser fundamental. É o que eu chamo o fator de equilibração.
Uma vez que já existem três fatores, eles devem de algum modo e star equilibrados entre si. Esta é
uma razão para trazer ao foco o fator da equilibração. Há um a segunda razão, entretanto, que parece-
me ser fundamental. É que no ato d e conhecer o sujeito é ativo e, consequentemente, defrontar-se-á
com uma perturbação externa, e reagirá como fim de compensar e consequentemente tenderá para o
equilíbrio. O equilíbrio, definido por compensação ativa, leva à reversibilidade. A reversibilidade
operacional é um modelo de um sistema equilibrado, onde a transformação em um sentido é compensada
por uma transformação em outro. A equilibração, como eu a entendo, é um processo ativo. É um processo
de auto regulação. Acho que esta autorregulação é um fator fundamental no desenvolvimento. Uso este
termo no sentido em que ele é usado na cibernética, isto é, no sentido de processos com retro alimentação
(feedback e feedforward), de processos que se regulam a si próprios mediante uma compensação
progressiva dos sistemas. Este processo de equilibração toma a forma de uma sucessão de níveis de
equilíbrio, de níveis que tem uma certa probabilidade que chamarei de probabilidade sequencial, isto é,
as probabilidades não são estabelecidas a priori. Há uma sequência de níveis. Não é possível alcançar o
segundo nível a não ser que o equilíbrio tenha sido alcançado no primeiro nível, e o equilíbrio do terceiro
nível só se torna possível quando o equilíbrio do segundo nível tenha sido alcançado, e assim por diante.
Isto é, cada nível é determinado como o mais provável, dado que o nível precedente tenha sido alcançado.
Não é o mais provável no início, mas é o mais provável uma vez que o nível precedente tenha sido
atingido. Como um exemplo, vejamos o desenvolvimento da ideia de conservação na transformação da
bola d e plastilina em uma forma de salsicha. Aqui pode se distinguir quatro níveis. O mais provável no
início é a criança pensar em apenas uma dimensão. Suponha-se que haja uma probabilidade de 0,8, por
exemplo, de que a criança focalizará o comprimento e que a largura tenha uma probabilidade de 0 ,2.
Isso significaria que de dez crianças, oito focalizariam apenas o comprimento sem prestar atenção para
a largura, e duas focalizariam a largura sem atenção para o comprimento. Elas focalizariam apenas uma
dimensão ou a outra. Uma vez que as duas dimensões são independentes neste estágio, a focalização
de ambas ao mesmo tempo tem uma probabilidade de apenas 0,16. Isto é menos do que seja uma dentre
as duas.
Em outras palavras, o mais provável no começo é a focalização em somente uma dimensão e de fato
a criança dirá: "É mais comprido, logo há m ais na salsicha". Uma vez alcançado este primeiro nível, se
continuarmos a alongar a salsicha, chegará um momento e m que ela dirá: "Não, agora está muito fino,
então tem menos.". A gora a criança pensa na largura, mas esquece o comprimento. Assim chega-se a
um segundo nível que se torna mais provável após o primeiro, m as que não é o mais provável no ponto
de partida. Uma vez que a criança se alertou para a largura voltará cedo ou tarde a se alertar p ara o
comprimento. Aqui tem-se um terceiro nível onde ela oscilará entre a largura e comprimento e onde
descobrirá que ambos são
Relacionados. Quando se a longa faz-se ficar m ais fino; quando se encurta, faz-se ficar mais grosso.
A criança descobre que ambas dimensões estão solidamente relacionadas e, ao descobrir essa relação,
ela começará a pensar em termos de transformação e não somente em termos da configuração final.
Agora ela dirá que quando fica mais comprido a massa torna-se mais fina, logo é a mesma coisa. Há mais
da massa no comprimento, porém menos em largura. Quando se faz a massa mais curta ela fica mais
grossa; há menos no comprimento e mais na largura, logo há uma compensação -- compensação que

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define o equilíbrio no sentido que eu o defini há pouco. Consequentemente temos operações e
conservação. E m outras palavras, no curso desses desenvolvimentos encontram-se sempre um
processo de autorregulação que chamo de equilibração e que me parece o fator fundamental na aquisição
do conhecimento lógico-matemático. Continuarei agora com a segunda parte de minha conferência, isto
é, a abordar o tópico da aprendizagem. Classicamente a aprendizagem é baseada no esquema estímulo-
resposta. Penso que o esquema estímulo-resposta, embora não diga que lhe seja falso, é de qualquer
modo inteiramente incapaz de explicar a aprendizagem cognitiva. Por quê? Porque quando se pensa no
esquema estímulo-resposta, usualmente se pensa que primeiro há um estímulo e após uma resposta é
produzida por este estímulo. De minha parte estou convencido de que a resposta estava lá primeiro, se
é que posso me expressar assim. Um estímulo é um estímulo somente na medida em que é significativo
e ele se torna significativo somente na m medida em que há uma estrutura que permite sua assimilação,
uma estrutura que pode acolher este estímulo, m as que ao mesmo tempo produz a resposta. Em outras
palavras, eu proporia que o esquema estímulo-resposta fosse escrito em forma circular -- em forma de
esquema ou de estrutura que não seja apenas em um sentido. Eu proporia que a cima de tudo, entre o
estímulo e a resposta haja um organismo, um organismo e sua estrutura. O estímulo é realmente um
estímulo apenas quando é assimilado por uma estrutura, e é esta estrutura que produza resposta.
Consequentemente, não é um exagero dizer-se que a resposta está lá primeiro, ou se preferirem, que
no princípio há a estrutura. Naturalmente gostaríamos de compreender como esta estrutura se forma.
Tentei fazer isto há pouco, apresentando um modelo de equilibração ou autorregulação. Uma vez que
haja uma estrutura, o estímulo produzirá um a resposta, mas somente por intermédio dessa estrutura.
Gostaria de apresentar alguns fatos. Temos fatos em grande número. Escolherei apenas um ou dois e
alguns f atos reunidos por nosso colega Smedslund (Smedslund está sediado no Centro de Estudos
Cognitivos de Harvard). Smedslund chegou a Genebra há alguns anos convencido (havia publicado isso
em um de seus escritos) que o desenvolvimento das ideias de conservação poderia ser indefinidamente
acelerado através de aprendizagem do tipo e estímulo-resposta. Convidei Smedslund a ficar um ano em
Genebra para nos mostrar que ele poderia acelerar o desenvolvimento da conservação operacional.
Relatarei apenas um de seus experimentos. Durante o ano que passou em Genebra ele escolheu
Trabalhar com a conservação de peso. A conservação de peso é, de fato, fácil de estudar, uma vez
que há um possível reforçamento externo, isto é, simplesmente pesando a bola e a salsicha na balança.
Logo pode-se estudar as reações das crianças a estes resultados externos. Smedslund estudou a
conservação de peso, por um lado, e por outro, estudou a transitividade de pesos, isto é, a transitividade
de igualdades: se A é igual a B e B é igual a C, então A é igual a C, ou a transitividade de desigualdades:
se A é menos do que B e B é menos do que C, então A é menos do que C. No que diz respeito à
conservação, Smedslund foi bem sucedido muito facilmente com crianças de cinco e seis anos de idade.
Ele conseguiu que generalizassem que o peso é conservado quando a bola é transformada em formato
diferente.
A criança vê a bola transformada em uma salsicha, ou em pequenos pedaços, ou em uma bolacha, ou
outra forma; pesa e vê que sempre é a mesma coisa. Ela afirmará que será sempre a mesma coisa. Não
importa o que se faça com o material; ficará com o mesmo peso. Assim, Smedslund chegou muito
facilmente a conservação d o peso mediante essa espécie de reforço externo. No entanto, em contraste
com isto, o mesmo método não teve sucesso para ensinar a transitividade. As crianças resistiam à noção
de transitividade. Uma criança predizia corretamente em certos casos, mas fazia suas predições como
uma possibilidade ou uma probabilidade e não como uma certeza. Nunca houve essa certeza
generalizada n o caso de transitividade. Assim há o primeiro exemplo, que me perece muito instrutivo,
devido à o f ato de que nesse problema de conservação do peso há dois aspectos. Há o aspecto físico e
o aspecto lógico-matemático. Note-se que Smedeslund começou seu estudo por estabelecer que havia
uma correlação entre conservação e transitividade. Começou fazendo u m estudo estatístico da relação
entre respostas espontâneas às questões sobre conservação e respostas espontâneas às questões sobre
transitividade, e descobriu que havia uma correlação muito significativa. Mas na experiência de
aprendizagem, ele obteve uma aprendizagem de conservação e não uma de transitividade.
Consequentemente, f oi bem sucedido em obter aprendizagem daquilo que chamei anteriormente de
experiência física (isso não é surpreendente; é simplesmente uma questão de observar fatos sobre
objetos), mas não obteve sucesso e m obter uma aprendizagem na construção da estrutura lógica. Isso
tampouco me surpreende, uma vez que a estrutura lógica não é o resultado d a experiência física.
Ela não pode ser obtida por reforço externo. A estrutura lógica é alcançada apenas através da
equilibração interna, por autorregulação, e o reforço externo de observar a balança não foi suficiente para
estabelecer esta estrutura lógica de transitividade. Eu poderia dar muitos outros exemplos comparáveis,
mas parece-me desnecessário insistir nestes exemplos negativos. Agora gostaria de mostrar que a
aprendizagem é possível no caso das estruturas lógico-matemáticas, mas com uma condição -- isto é,

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que a estrutura que se deseja ensinar aos sujeitos esteja apoiada por estruturas lógico-matemáticos mais
simples, mais elementares. Dar-lhes-ei um exemplo. É o exemplo da conservação do número no caso da
correspondência termo a termo. Se dermos a uma criança sete fichas azuis e pedirmos-lhe que coloque
logo abaixo outras tantas fichas vermelhas, há um estágio pré-operacional em que ela colocará uma
vermelha para cada azul. Mas quando se aumenta o espaço entre as vermelhas, fazendo-as formar uma
grande fileira, ela dirá: "Agora há mais vermelhas do que azuis". Como então se p ode acelerar, de
desejarmos tal, a aquisição dessa conservação de n úmero? Bem, pode-se imaginar uma estrutura
análoga, mas em uma situação mais simples, mais elementar. Por exemplo, com a senhorita Inhelder,
estivemos estudando recentemente a noção de correspondência termo a termo, dando a criança dois
copos do mesmo formato e uma grande pilha de contas. A criança punha uma conta com uma mão em
um copo e ao mesmo tempo uma conta em outro copo com a outra mão. Uma vez atrás d a outra ela
repetia esta ação, uma conta em um copo com uma mão e, ao mesmo tempo, uma conta no outro copo
com a outra mão e via que havia a mesma quantidade de cada lado. Então escondia-se um dos copos.
Cobria-se com algo. Ele não mais via esse copo, mas continuava a colocar uma conta nesse copo e ao
m esmo tempo uma conta no que estava vendo. Então perguntamos se a igualdade havia sido
conservada, se havia ainda a mesma quantidade em um como no outro copo. Então verificou-se que as
crianças bem pequenas, de cerca de quatro anos, não queriam fazer qualquer predição. Elas diziam:
"Antes tinha a mesma quantidade, mas agora não sei. Não dá para ver, então não sei". Elas não queriam
generalizar. Mas a generalização foi feita a partir da idade de cinco anos e meio. Isso está e m contraste
com o caso das fichas azuis e vermelhas, com uma fileira espaçada, onde não antes dos sete ou oito
anos é que as crianças dirão que há o m esmo número d e fichas. Como um exemplo dessa generalização,
lembro-me de um menino de cinco anos e nove meses que esteve colocando as contas no s copos
durante um certo tempo. Quando lhe perguntamos se ele continuasse fazendo isso durante o dia e a noite
e no dia seguinte, se haveria sempre a mesma quantia no copo. O menino deu esta admirável resposta:
"Quando a gente sabe, sabe para sempre". Em outras palavras, este era um raciocínio recorrente. Nesse
momento a criança adquire a estrutura neste caso específico. O número é uma síntese de inclusão e
ordenamento de classe. Essa síntese foi favorecida pelas próprias ações da criança. Criou-se uma
situação onde há via uma interação d e uma mesma ação que continuava e que era portanto ordenada e
ao mesmo tempo inclusiva. Tinha-se, por assim dizer, uma síntese localizada de inclusão e ordenamento
que facilitava a construção de ideia de número n esse caso específico, e então pôde-se encontrar, em
decorrência, uma influência dessa experiência sobre a outra experiência. Entretanto, essa influência não
é imediata. Estudamos a generalização a partir dessa situação recorrente para outra situação em que as
fichas eram colocadas na mesa em fileiras e não é uma generalização imediata, mas é tornada possível
mediante situações intermediárias. Em outras palavras, pode-se encontrar alguma aprendizagem dessa
estrutura se basearmos a aprendizagem em estruturas mais simples.
Nessa mesma área do desenvolvimento das estruturas numéricas, o psicólogo Joachim Wohlwill, que
passou um ano em nosso Instituto em Genebra, também mostrou que essa aquisição pode ser acelerada
através da introdução de operações aditivas, que é o que introduzimos também no experimento que
descrevi há pouco. Wohlwill introduziu então de um modo diferente, mas também foi capaz de obter um
certo efeito de aprendizagem. Em outra palavras, a aprendizagem é possível se basearmos a estrutura
mais complexa em uma estrutura simples, isto é, quando há uma relação natural e desenvolvimento de
estruturas e não simplesmente um reforço externo. Agora gostaria de tomar alguns minutos para concluir
o que estava dizendo. Minha primeira conclusão é a de que as estruturas de aprendizagem parecem
obedecer as mesmas leis que o desenvolvimento natural dessas estruturas.
Em outras palavras, a aprendizagem está subordinada ao desenvolvimento e não vice-versa, como já
disse n a introdução. Sem dúvida poderá ser objetado que alguns investigadores tiveram sucesso no
ensino de estruturas operacionais. Mas, quando me deparo com estes fatos, sempre tenho três questões
que desejo ter respondidas antes de estar convencido. A primeira questão é: "Isso é uma aprendizagem
duradoura? O que permanece duas semanas ou um mês mais tarde?" Se uma estrutura desenvolve-se
espontaneamente, uma vez alcançado um estado de equilíbrio, ela é duradoura e continuará através de
toda a vida da criança. Quando se atinge a aprendizagem por reforçamento externo, o resultado é
duradouro ou não e quais são as condições necessárias para ser duradouro? A segunda questão é:
"Quanto de generalização é possível?" O que faz a aprendizagem ser interessante é a possibilidade de
transferir de uma generalização. Quando se desenvolve alguma aprendizagem sempre se pode indagar
se isto é uma peça isolada na né voa da vida mental da criança, ou se realmente é uma estrutura dinâmica
que pode levar à generalização. Então há uma terceira questão: "Em caso de cada experiência de
aprendizagem, qual foi o nível operacional do sujeito antes d a experiência e que estruturas mais
complexas pôde esta aprendizagem alcançar?" Em outras palavras, devemos olhar a cada experiência
específica de aprendizagem do ponto de vista das operações espontâneas que estiverem presentes no

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início e o nível operacional que foi alcançado após a experiência de aprendizagem. Minha segunda
conclusão é a de que a relação fundamental envolvida em todo de envolvimento e toda aprendizagem
não é a relação de associação. No esquema estímulo-resposta, a relação entre a resposta e o estímulo
é compreendida como sendo uma associação. Em contraste com isto, julgo que a relação fundamental é
a de assimilação. Assimilação não é o mesmo que associação. Definirei assimilação como a integração
de qualquer espécie de realidade em uma estrutura. É a assimilação que me parece fundamental na
aprendizagem, e que me parece a relação fundamental do ponto de vista das aplicações pedagógicas ou
didáticas.
Todas as minhas afirmações d e hoje representam a criança e o sujeito da aprendizagem como ativos.
Uma operação é uma atividade. A aprendizagem é possível apenas quando há uma assimilação ativa. É
essa atividade de parte do sujeito que me parece omitida n o esquema estímulo-resposta. A formulação
que proponho coloca ênfase na ideia d a autorregulação, na assimilação. Toda ênfase é colocada na
atividade do próprio sujeito, e penso que sem essa atividade não há possível didática ou pedagogia que
transforme significativamente o sujeito. Finalmente, e esta será minha última observação, gostaria de
comentar uma excelente publicação do psicólogo Berlyne. Berlyne passou um ano conosco em Genebra,
durante o qual tentou traduzir nossos resultados acerca do desenvolvimento de operações na linguagem
estímulo-resposta, especificamente na teoria da aprendizagem de Hull. Berlyne publicou em nossa série
de estudos de epistemologia genética um artigo muito bom sobre esta comparação entre os resultados
de Genebra e a teoria de Hull. No mesmo volume publiquei um comentário sobre os resultados de Berlyne.
Em essência os resultados de Berlyne são estes: nossos achados podem ser muito bem traduzidos para
a linguagem Hulliana, mas na condição de que sejam introduzidas duas modificações. O próprio Berlyne
achou estas modificações bastante consideráveis mas elas me pareceram dizer respeito mais a
conceitualização do que a teoria Hulliana em si. Não estou bem certo sobre isso. As duas modificações
são as seguintes. Primeiramente, Berlyne deseja distinguir duas espécies de resposta no esquema S-R.
A primeira resposta no sentido ordinário e clássico, que chamarei de "resposta cópia”, e a segunda, que
Berlyne chamou de "resposta de transformação". As respostas de transformação consistem na
transformação de uma resposta do primeiro tipo em uma outra resposta de primeiro tipo. Estas
transformações de respostas são o que chamo de operações e pode-se ver imediatamente que isto é
uma modificação muito séria da conceitualização de Hull, porque está se introduzindo um elemento de
transformação e assim de assimilação e não mais a simples associação da teoria estímulo-resposta. A
segunda modificação que Berlyne introduziu na linguagem estímulo-resposta é a introdução do que ele
chama de reforço interno. O que são estes reforços internos? São o que chamo de equilibração ou
autorregulação. Os reforços internos são o que capacita o sujeito a eliminar contradições,
incompatibilidades e conflitos. Todo desenvolvimento é composto de conflitos e incompatibilidades
momentâneas que devem ser ultrapassadas para alcançar um nível mais alto de equilíbrio. Berlyne chama
a essa eliminação de incompatibilidades de reforços internos. Assim vê-se que isso é verdadeiramente
uma teoria estímulo-resposta, se desejar-se, mas primeiro adicionam-se operações e logo acrescenta-se
a equilibração. É tudo o que desejamos.

PIMENTA, Selma, G.A. A Construção do Projeto Pedagógico na Escola de 1º


Grau. Ideias nº 8. 1.990, p 17-24.

A construção do projeto pedagógico na escola, a meu ver, é um trabalho coletivo de professores e


pedagogos empenhados em colocar sua profissão a serviço da democratização do ensino em nosso país.
Organizei esta exposição em três eixos, iniciando por explicitar o que entendo por democratização do
ensino e o que entendo por Pedagogia, na tentativa de chegarmos a uma síntese sobre o trabalho
pedagógico coletivo enquanto caminho para a efetiva democratização.

Democratização do Ensino - Conceito superado?


Quando iniciamos um tema com o nome "Democratização do Ensino", corremos o risco de provocar
observações do tipo: "este é um conceito superado", 'Já ouvimos falar dele tantas vezes", como se
democracia fosse uma moda passageira. Entendo que não. A democracia é absolutamente necessária
para que possamos ter condições sociais justas. Falo, pois, da necessidade de batalharmos por uma
democracia política e social. Como entender aí a democratização do ensino? Existem muitas formas.
Sem entrar em detalhes, abordarei a concepção liberal de democratização do ensino, uma vez que a
evolução e os ecos que nos chegam hoje sobre o tema vêm no bojo da ideologia do liberalismo, para a
qual democratização deve ser entendida como ampliação da escola para todos. (A escola para todos foi

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desenvolvida em alguns países, adjetivada como pública - o que não ocorreu em outros, como o nosso,
onde a escola que se expandiu até a metade do século XX foi a particular.)
Esta concepção liberal tem sua formulação no bojo das conquistas da humanidade – em consequência
da Revolução Francesa, da Revolução Industrial -, bem como no início da constituição do capitalismo.
Este reclamo de expansão da escolaridade afirma como pressuposto que a escola é um direito de
todos os cidadãos, e que o Estado deveria oferecê-la e colocá-la ã disposição de todos. No Brasil, a
relatividade da democracia está exatamente na maneira de se compreender este todo e na forma como
a evolução da escolaridade se deu no bojo desta concepção liberal. Se é fato que a escola está ã
disposição de todos, isto não significa que efetivamente é de direito de todos. A escola que se oferece
para todas não está desenraizada das condições sociais. Muito ao contrário, é uma escola que está
imbricada na própria forma como a sociedade está organizada.
Na medida em que a sociedade capitalista baseia-se na divisão de classes sociais, em que as
diferenças são justificadas por uma pseudodesigualdade natural, temos ai uma forma ideológica de
explicar a desigualdade social.

Então, desta forma, a escola "está" oferecida para todos. No entanto, se as pessoas não têm condições
de ter acesso a ela e de nela permanecer, isto é interpretado como um problema delas. Ou seja, por esta
ótica liberal, as pessoas não conseguem galgar os degraus que a escola oferece, porque nasceram com
incapacidade para tal.

Em verdade, esta é uma falsa justificativa da desigualdade social. A democratização do ensino na


ideologia liberal vai trazer como consequência a organização do aparelho escolar e da estrutura do
ensino, subdividida conforme a divisão das classes sociais: a escola profissionalizante para os filhos das
trabalhadores e a escola regular para os da elite, instituindo-se um sistema dual de ensino. A finalidade
explícita do ensino profissionalizante é a preparação da mão-de-obra para o mercado de trabalho, ou
seja, para a manutenção do método de produção capitalista.

Podemos concluir daí que a democracia liberal expande efetivamente a escolaridade; no entanto, não
lhe interessa equacionar o problema da impossibilidade do acesso e da permanência, na medida em que
sustenta um modelo de escola incapaz disto e expande um sistema dual de ensino, calcado na
desigualdade social, portanto incapaz de ultrapassar essa mesma desigualdade.

Neste ponto, indagamos: como entender a questão da reivindicação da escola para todos, isto é, como
entendera democratização do ensino?

A reivindicação da escola para todos permanece como princípio necessário, como princípio válido. No
entanto, precisamos ter o cuidado de, no momento que defendermos esta tese, qualificar o que significa
este para todos, porque se permanecermos numa leitura liberal teremos esta deturpação, que explica de
alguma forma a degeneração da escola no Brasil, hoje.

Numa perspectiva crítica, a escola para todos requer que a definamos como pública, gratuita, de boa
qualidade e única - ou seja, uma escola mantida pelo Estado enquanto equalizador das contribuições dos
cidadãos, portanto gratuita, organizada e funcionando de forma a assegurar que todos tenham acesso a
ela, que nela permaneçam, aprendam; por fim uma escola de formação geral, sem a dualidade de classes.

Há que se repensar, portanto, a própria organização, expansão e funcionamento da Escola Pública.


Uma escola que trabalhe o conhecimento de forma a superar a divisão da sociedade em classes, bem
como a dualidade escola acadêmica para a elite/escola profissionalizante para o pobre. Entretanto, deve
ser uma escola de 1º e 2º. Graus com a finalidade precípua de trabalhar o conhecimento, na perspectiva
de socializá-lo, ou seja, de que todos os alunos tenham acesso e possibilidade efetiva de ter o domínio
do conhecimento - o conhecimento que dê condições de entender, compreender, fazer a leitura das
condições de dominação existentes no mundo historicamente situado, na sociedade brasileira
historicamente situada, de tal maneira que os alunos consigam compreender o quanto e cano a
apropriação do conhecimento científico tem-se dado contra os interesses da humanidade como um todo
e o quanto o conhecimento tem sido apropriado como condição dos privilégios dominantes.

O que deixa isto saltar aos nossos olhos é um exemplo bastante simples. O avanço que podemos
identificar hoje na Medicina é um avanço de conhecimento gigantesco, fabuloso, a ponto de realizar um
transplante de órgãos, por exemplo. Isto requer um conhecimento altamente sofisticado e elaborado. No

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
entanto, ao lado deste avanço do conhecimento científico na área da Medicina, temos a maioria das
crianças e da população brasileira morrendo de doenças para as quais essa Ciência já encontrou remédio
há muito tempo. Este exemplo mostra claramente o uso do conhecimento em favor de interesses
dominantes.

Entendo que a democratização do ensino é a reivindicação pela expansão da educação escolar


pública. Portanto, não admitindo a privatização nem a diferenciação de escola conforme interesses
dominantes, e julgando que a finalidade precípua da escola é desenvolver formação geral nos alunos,
colocando-os em condições de compreender este mundo no qual se situam e de perceber, pelos
conhecimentos científicos, os mecanismos de dominação existentes no mundo, estando, com isto, de
posse de um instrumento que lhes dê meios de interferir na sociedade.

Entendida a democratização do ensino nesta perspectiva crítica, é importante que situemos, ainda que
em breves pinceladas, como esta questão tem-se apresentado na escolarização brasileira.

Inquestionavelmente, o sistema de escolas no Brasil foi ampliado de algumas décadas para cá.
Todavia, esta ampliação, sobretudo da escola de 1° Grau, foi calcada no conceito liberal de democracia,
o que nos permite encontrar uma explicação para o que ocorre hoje nas nossas escolas. De um lado esta
ampliação não foi ainda generalizada na sua totalidade. Mais do que isto, de outro lado a generalização
que ocorreu provocou ou foi trabalhada na perspectiva de manter a escola no limite da sobrevivência, em
precárias condições.

A escola brasileira é uma escola que até existe. Contudo, está muito distante de responder aos anseios
da população que a frequenta, muito distante de responder às mínimas condições de trabalho dos
profissionais que nela exercem a sua profissão, muito distante de ser considerada, efetivamente, um
serviço público.
Neste ponto, abrimos espaço para entender como, nesta reflexão, é possível e necessário imbricamos
na questão pedagógica.

A Pedagogia é Necessária?
Para situarmos a importância da construção do projeto pedagógico na democratização do ensino, é
necessário explicitarmos o entendimento que temos da Pedagogia.
O que é Pedagogia no Brasil? O que tem sido? Para que serve?
Com a ampliação desregrada dos cursos de Pedagogia no Brasil, na década de 70, bem como com a
implantação da Lei n° 5.692/71, grande parte das Escolas Públicas passou a contar com o pedagogo -
supervisor de ensino e orientador educacional - nos seus quadros.

Naquela época, uma reforma nos cursos de Pedagogia incorporou a visão tecnicista da Educação,
enfatizando o fazer pedagógico fragmentado e destituído de uma compreensão teórica dos problemas da
Educação e, em especial, da educação escolar brasileira, uma vez que estava calcada em modelos
estrangeiros e numa formação aligeirada.

Assim, os pedagogos, incorporando as mazelas de sua formação, via de regra, passaram a atuar como
burocratas do sistema, vigilantes da ordem estabelecida. Se lembrarmos que a ordem vigente era o
autoritarismo do regime militar, que no avanço do capitalismo brasileiro manteve e acentuou a escola nos
limites da precária sobrevivência, então concluiremos que a reformulação dos cursos de Pedagogia, bem
como das licenciaturas que formam professores, associada ao descaso dos governos pela Educação,
veio consolidar o empobrecimento da Escola Pública.

Por isso é que fomos tentados a imputar "a culpa" pelo fracasso da escola aos pedagogos, colocando-
os como tradutores do modelo fabril e fragmentadores do processo educativo escolar, responsabilizando-
os como expropriadores dos conhecimentos dos professores. Em que pese a importância da denúncia
contida nestas afirmações, parece-me que tais teses estão a merecer análises aprofundadas, que
examinem a Pedagogia na totalidade da educação escolar brasileira.

A Pedagogia entre nós é recente. O primeiro curso foi instituído legalmente em 1939.
Nestes 50 anos ocorreram muitas idas e vindas. Tivemos uma Pedagogia importada, mal-importada,
modelada ora na França, ora nos Estados Unidos, ora na Espanha, e acabamos incorporando-a, sem nos
perguntarmos sobre sua validade. O que é uma

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
Pedagogia brasileira? O que deve ser'? Em que a Pedagogia, na sua história, na sua vasta história,
pode contribuir para a criação de um pensamento pedagógico brasileiro?
Estamos engatinhando nestas questões, podendo, no entanto, constatar avanços. O primeiro refere-
se à conceituação de Pedagogia; o segundo, à já significativa produção pedagógica brasileira.

Hoje podemos dizer que temos alguma compreensão do que possa vir a ser a Pedagogia. É possível
afirmá-la como uma teoria, uma teoria da Educação.
Entendemos por teoria a constituição de um pensamento refletido sobre uma prática que se volta para
a prática. Podemos, portanto, assumir com Francisco LARROYO (1944) que o fato pedagógico é anterior
à teoria, como o é, aliás, em toda ciência. E ainda assumir com KOWARZICK (1974) que, para
ultrapassarmos a constatação do fato, a teoria pedagógica deve ser dialética, isto é, ela deve encarar a
sua tarefa conscientemente como a de ser ciência prática - ciência prática da e para a práxis educacional,
ou seja, temos aqui um movimento da teoria à prática e desta à teoria.
Nesta perspectiva, e assumindo o quanto de riqueza isto traz para o avanço do conhecimento da teoria
pedagógica entre nós, podemos identificar um segundo aspecto positivo na Educação brasileira. É o fato
de que desde 1980 temos tido possibilidade de nos debruçar sobre os fatos da Educação brasileira,
orientados por visões teóricas, refletindo sobre eles e construindo novas teorias. Podemos situar em
vários locais do Brasil profissionais que se debruçam sobre os fatos e a prática, e que estão fazendo
teoria, publicando as conclusões dos últimos anos. Esta produção acadêmica é resultante da relação
entre as universidades, as secretarias da Educação e os sistemas públicos, e está-nos possibilitando
enxergar com mais clareza os fatos educacionais.
Nesta diretriz, um caminho que tem sido apontado é o de examinarmos o que ocorreu e ocorre na escola
de 1° Grau e no sistema de ensino como um todo.

Particularmente, tenho-me debruçado sobre o fazer pedagógico intrínseco à educação escolar de 1° e


2° Graus, entendendo-o como campo de estudos dos especialistas.
Nestes estudos temos destacado a complexidade dos fenômenos da aprendizagem, dos sistemas de
organização administrativa do complexo chamado escola e das diferentes e múltiplas formas de
organização que apontam para a direção de uma escola na democratização do ensino. Nesta perspectiva,
entendo que a teoria da Educação, como reflexão sobre a prática, aponta para a importância de os
profissionais denominados pedagogos atuarem neste complexo chamado escola. Assim, a formação
destes profissionais precisa estar voltada na direção de responder aos reclamos da realidade escolar.

Neste sentido, o trabalho dos pedagogos circunda a atividade mais importante da escola - que é a sala
de aula. Mas o trabalho que determina o fazer pedagógico não se limita à sala de aula; ele a extrapola

Assim, todas as questões ligadas à administração da organização escolar, todas as questões ligadas
à interdisciplinaridade, todas as questões relacionadas ao trabalho coletivo, às formas de organização
escolar que melhor propiciam o trabalho coletivo, todas as questões vinculadas à articulação da escola
com a sua realidade imediata, ligadas, portanto, a horário, grade, organização do funcionamento didático-
pedagógico, todas as questões ligadas à discussão do que é necessário na perspectiva de
democratização, à insuficiência existente na formação dos professores, à questão salarial, à
administração da educação mais ampla, enfim, são questões pedagógicas; são questões que se
traduzem no fazer pedagógico e que requerem profissionais competentes para isto.

É evidente que, ao acentuar esta competência, penso que tenha ficado bem claro que esta é
necessariamente uma competência política, uma competência que aponta para a formação e o exercício
da profissão em determinadas condições histórico-sociais da educação escolar. Por isso é que me parece
extremamente importante que se tenha muita clareza quando falamos em democratização do ensino.

Construção do Projeto Pedagógico - Um fazer coletivo


Admitir um projeto significa ter consciência do que se quer, ou seja, se falo em projeto pedagógico
tenho de ter, previamente, clareza de que me estou pautando em determinadas concepções de Educação
e de ensino. Acredito que o ponto de partida para o projeto real é a explicitação de que queremos uma
Escola Pública democrática - daí a importância de firmarmos o que entendemos por democracia.

A escola que se quer democrática precisa definir, a priori, uma nova qualidade, que passa, dentre
outras, pelas questões de organização escolar - uma organização escolar que modifique a realidade que
aí está, a partir dessa realidade encontrada.

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Um dos requisitos de uma nova qualidade pode ser definido por professores capacitados, com
formação específica e experiência, selecionados por critérios de competência, conforme um quadro de
carreira que impeça influências clientelísticas. A organização administrativa da escola precisa colocar-se
a serviço do pedagógico, o que significa:
• compor turmas, turnos e horários adequados a critérios pedagógicos que favoreçam a aprendizagem;
• prever capacitação em serviço e assistência didático-pedagógica constante aos professores, de
forma a assegurar o retomo dos benefícios para a escola;
• definir equipes didático-pedagógicas (orientação pedagógica e educacional) de assessoria à
atividade docente na escola;
• assegurar horários para reuniões pedagógicas, abrindo espaço para a discussão sobre questões do
ensino, para a troca de experiências, para o estudo sobre temas de Educação que favoreçam a melhoria
da qualidade do trabalho docente;
• articular as disciplinas do currículo de modo a assegurar conteúdos orgânicos;
• acompanhar o rendimento dos alunos e prever formas de suprir possíveis requisitos, sem rebaixar o
nível do ensino.

A organização escolar que se faz necessária é uma organização competente pedagogicamente, de


forma a alterar o atual quadro da escola que aí está.
A organização escolar é, por assim dizer, o conteúdo do trabalho coletivo de professores e pedagogos
na construção do projeto pedagógico - projeto este com clareza de seus fins, que se efetive no cotidiano;
por isso é construção, não está pronto, acabado, mas se faz com profissionais
competentes/comprometidos.

A construção do projeto pedagógico pelo coletivo dos educadores escolares objetiva a democratização
do ensino, cujo núcleo é a democratização do saber, que passa agora a se diferenciar da democratização
das relações internas, sem no entanto se desvincular delas.
A democratização das relações internas da escola constitui mediação para a democratização da
Educação, o que não significa diminuir sua importância; pelo contrário, admitir a democratização das
relações internas como mediação para a democratização da educação significa considerá-la condição
sine qua non desta, porém não a única. As relações democráticas na escola, a participação nas decisões,
o envolvimento da equipe de professores no trabalho são mediações básicas do objetivo do trabalho
docente - ensinar de modo a que os alunos aprendam -, mas não são suficientes nem exclusivas.
Portanto, opor a democratização do saber à democratização das relações internas, como se fossem
polos excludentes, é um falso problema. Cumpre reafirmar que o núcleo de trabalho docente é o ensino-
aprendizagem, enquanto mediação entre os indivíduos que compõem uma sociedade e os modelos
sociais vigentes nessa sociedade - o que se faz pelo ensino crítico dos conteúdos. As relações
democráticas de trabalho na escola favorecem a consecução deste núcleo. A participação dos
professores na organização da escola, nos conteúdos a serem ensinados, nas suas formas de
administração, será tão mais efetivamente democrática na medida em que estes dominarem os conteúdos
e as metodologias dos seus campos específicos, bem como o seu significado social, pois só quem domina
as suas especificidades numa perspectiva de totalidade (significado social da prática de cada um) é capaz
de exercer a autonomia na reorganização da escola, a fim de melhor propiciar a sua finalidade:
democratização da sociedade pela democratização do saber.
Que organização escolar favorece a consecução do objetivo de torná-la um instrumento de
emancipação das camadas populares?
A esta indagação a resposta imediata é que certamente não é a escola que aí está, pois esta há anos
cumpre a função de expulsar os alunos provenientes das camadas médias e baixas que têm tido acesso
a ela, pela ampliação quantitativa de vagas. Tal escola está organizada a partir do aluno "ideal". Calcada
no modelo da classe dominante, ela se estrutura segundo o princípio da homogeneidade, que, partindo
de uma suposta uniformidade das características de ingresso da população, tem de se conformar com
um critério de prioridade estatística, com base na qual se definiu o aluno médio, isto é, dotado
suficientemente das qualidades necessárias para aprender e só ter de reproduzir na salda a mesma
variabilidade real das condições de entrada.
Este aluno sempre teve o acesso e a permanência na escola garantidos. Assim, do ponto de vista dos
conteúdos de ensino, dosagem, ritmo etc.; das metodologias de ensino; do tipo de relação entre professor
e aluno, aluno e escola, escola e pais, professores e técnicos, professores entre si; da grade horária,
distribuição das aulas na semana, horários; da sistemática de avaliação, aprovação, reforço etc., a Escola
Pública que aí está tem cumprido a função seletiva e de evasão que privilegia os já privilegiados.

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
No entanto, à indagação feita - que organização escolar favorece a consecução do objetivo de torná-
la um instrumento de emancipação das camadas populares? - é preciso responder que é a partir da escola
que está aí que se deve construir a "nova".
Ou seja, a organização escolar que possibilitará a consecução do objetivo de emancipação das
camadas populares será engendrada a partir das condições existentes, porque, dentre outras razões, é
na escola que aí está que encontramos elementos válidos que mostram possibilidades para o que deve
ser a nova organização escolar. Em outras palavras, não se trata de conceber previamente um tipo de
organização escolar ideal, mas de garimpar no já existente os elementos que, fortalecidos, apontam para
novas práticas, o que requer pesquisas, análises, observações e experimentação, conduzidas a partir da
finalidade de colocar a escola como instância socializadora do saber para as camadas populares.
A organização da escola é competência tanto dos profissionais docentes como dos não-docentes.
Seria ingênuo advogar que o professor de sala de aula deve suprir todas as funções que estão fora da
sala de aula, mas que nela interferem, quer dizer, interferem no trabalho docente, o que não significa que
este só atue na sala de aula.
Assim, as tarefas que são objeto do trabalho social coletivo dos profissionais da escola podem ser
listadas como segue:
• Seleção, distribuição e organização dos conteúdos a serem ensinados, considerados relevantes na
prática social. Os conteúdos têm objetivos sociopolíticos- por isso devem ser selecionados a partir da
prática social existente, a qual deve passar pelo crivo da crítica, a fim de que se construa uma prática
social transformadora. Desta forma, as fontes para a seleção dos conteúdos são a natureza primária
enquanto objeto de conhecimentos; a natureza transformada pela ação dos homens (natureza
secundária); as relações sociais; o conhecimento em si. Impõe-se como tarefa necessária, pois, a revisão
dos conteúdos, cujos princípios norteadores devem ser a visão política da educação escolar como prática
social situada numa sociedade de classes; o domínio dos conteúdos específicos pelos diferentes
professores; o conhecimento e a constante identificação das possibilidades socioculturais individuais dos
alunos; a articulação das matérias (conteúdos) do ensino. A revisão dos conteúdos se dá a partir do que
é historicamente necessário (a transformação da situação de desigualdades sociais), articulado com o
que é historicamente possível (a situação de desigualdades sociais).
O trabalho de revisão dos conteúdos requer o concurso de todos os profissionais da escola. Para cada
princípio de seleção e organização dos conteúdos ora expostos é preciso que os profissionais da
educação escolar, partindo das condições existentes, tomem decisões e estabeleçam formas de suprir
aquilo que inexiste: as condições de trabalho para a consecução do núcleo do trabalho docente que é o
ensino-aprendizagem.
• A complexidade da organização escolar requer o concurso de profissionais não-docentes que, tendo
determinadas competências, devem cuidar de tarefas relativas ã articulação dos conteúdos; à
composição de turmas homogêneas, heterogêneas, bem como ao que fazer com cada uma delas; ao
acompanhamento didático-pedagógico aos professores, em virtude de novos tipos de organização
curricular - por exemplo, a do Ciclo Básico -, em face das questões metodológicas e de articulação de
conteúdos-métodos, em virtude da avaliação que deve ser constantemente diagnosticada, requerendo
conhecimentos técnicos específicos, bem como das dificuldades de aprendizagem que os alunos
apresentam. É importante ressaltar, ainda, que as decisões quanto a horários adequados às
possibilidades dos alunos, dos períodos escolares - quantos, como organizá-los, número de alunos em
sala, distribuição das matérias na semana, combinação dos horários de estudo e de trabalho em aula e
os horários de merenda e recreação de tal forma a possibilitar o aproveitamento máximo dos trabalhos
escolares; os dias letivos -, sua utilização favorável para ampliar as possibilidades de estudo e trabalho
escolar, a atribuição de aulas e distribuição dos professores nas turmas de forma a propiciar a melhoria
qualitativa do trabalho em aulas são questões administrativas que requerem a competência, não
exclusiva, do pedagogo, especialista da Educação.
Enfim, trata-se de os educadores propiciarem, no interior da escola, condições as mais favoráveis
possíveis para a democratização do ensino, lembrando com B. CHARLOT (A mistificação pedagógica p.
293) que: "Elaborar um sistema pedagógico é definir um projeto de sociedade e tirar dele as
consequências pedagógicas".

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
ROPOLI, Edilene Aparecida. A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão
Escolar: a escola comum inclusiva. Brasília: Ministério da Educação. SEESP.
Universidade Federal do Ceará. 2010.

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Sobre Identidade e Diferenças na Escola

A inclusão rompe com os paradigmas que sustentam o conservadorismo das escolas, contestando os
sistemas educacionais em seus fundamentos. Ela questiona a fixação de modelos ideais, a normalização
de perfis específicos de alunos e a seleção dos eleitos para frequentar as escolas, produzindo, com isso,
identidades e diferenças, inserção e/ou exclusão.
O poder institucional que preside a produção das identidades e das diferenças define como normais e
especiais não apenas os alunos, como também as suas escolas. Os alunos das escolas comuns são
normais e positivamente valorados. Os alunos das escolas especiais são os negativamente concebidos
e diferenciados.
Os sistemas educacionais constituídos a partir da oposição - alunos normais e alunos especiais -
sentem-se abalados com a proposta inclusiva de educação, pois não só criaram espaços educacionais
distintos para seus alunos, a partir de uma identidade específica, como também esses espaços estão
organizados pedagogicamente para manter tal separação, definindo as atribuições de seus professores,
currículos, programas, avaliações e promoções dos que fazem parte de cada um desses espaços.
Os que têm o poder de dividir são os que classificam, formam conjuntos, escolhem os atributos que
definem os alunos e demarcam os espaços, decidem quem fica e quem sai destes, quem é incluído ou
excluído dos agrupamentos escolares.
Ambientes escolares inclusivos são fundamentados em uma concepção de identidade e diferenças,
em que as relações entre ambas não se ordenam em torno de oposições binárias (normal/especial,
branco/negro, masculino/feminino, pobre/rico). Neles não se elege uma identidade como norma
privilegiada em relação às demais.
Em ambientes escolares excludentes, a identidade normal é tida sempre como natural, generalizada
e positiva em relação às demais, e sua definição provém do processo pelo qual o poder se manifesta na
escola, elegendo uma identidade específica através da qual as outras identidades são avaliadas e
hierarquizadas.
Esse poder que define a identidade normal, detido por professores e gestores mais próximos ou mais
distantes das escolas, perde a sua força diante dos princípios educacionais inclusivos, nos quais a
identidade não é entendida como natural, estável, permanente, acabada, homogênea, generalizada,
universal. Na perspectiva da inclusão escolar, as identidades são transitórias, instáveis, inacabadas e,
portanto, os alunos não são categorizáveis, não podem ser reunidos e fixados em categorias, grupos,
conjuntos, que se definem por certas características arbitrariamente escolhidas.
É incorreto, portanto, atribuir a certos alunos identidades que os mantêm nos grupos de excluídos, ou
seja, nos grupos dos alunos especiais, com necessidades educacionais especiais, portadores de
deficiências, com problemas de aprendizagem e outros tais. É incabível fixar no outro uma identidade
normal, que não só justifica a exclusão dos demais, como igualmente determina alguns privilegiados.
A educação inclusiva questiona a artificialidade das identidades normais e entende as diferenças como
resultantes da multiplicidade, e não da diversidade, como comumente se proclama. Trata-se de uma
educação que garante o direito à diferença e não à diversidade, pois assegurar o direito à diversidade é
continuar na mesma, ou seja, é seguir reafirmando o idêntico.

A diferença (vem) do múltiplo e não do diverso. Tal como ocorre na aritmética, o múltiplo é sempre um
processo, uma operação, uma ação. A diversidade é es- tática, é um estado, é estéril. A multiplicidade é
ativa, é fluxo, é produtiva. A multiplicidade é uma máquina de produzir diferenças - diferenças que são ir-
redutíveis à identidade. A diversidade limita-se ao existente. A multiplicidade estende e multiplica,
prolifera, dissemina. A diversidade é um dado da natureza ou da cultura. A multiplicidade é um movimento.
A diversidade reafirma o idêntico. A multiplicidade estimula a diferença que se recusa a se fundir com o
idêntico.

De fato, a diversidade na escola comporta a criação de grupos de idênticos, formados por alunos que
têm uma mesma característica, selecionada para reuni-los e separá-los. Ao nos referirmos a uma escola

24http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=7103-fasciculo-1-pdf&Itemid=30192

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
inclusiva como aberta à diversidade, ratificamos o que queremos extinguir com a inclusão escolar, ou
seja, eliminamos a possibilidade de agrupar alunos e de identificá-los por uma de suas características
(por exemplo, a deficiência), valo- rizando alguns em detrimento de outros e mantendo escolas comuns
e especiais.
Atenção, pois ao denominarmos as propostas, programas e iniciativas de toda ordem direcionadas à
inclusão, insistimos nesse aspecto, dado que somos nós mesmos quem atribuímos significado, pela
escolha das palavras que utilizamos para expressá-lo. É por meio da representação que a diferença e a
identidade passam a existir e temos, dessa forma, ao representar o poder de definir identidades, currículos
e práticas escolares.

Escola dos Diferentes ou Escola das Diferenças?

A educação inclusiva concebe a escola como um espaço de todos, no qual os alunos constroem o
conhecimento segundo suas capacidades, expressam suas ideias livremente, participam ativamente das
tarefas de ensino e se desenvolvem como cidadãos, nas suas diferenças. Nas escolas inclusivas,
ninguém se conforma a padrões que identificam os alunos como especiais e normais, comuns. Todos se
igualam pelas suas diferenças!
A inclusão escolar impõe uma escola em que todos os alunos estão inseridos sem quaisquer condições
pelas quais possam ser limitados em seu direito de participar ativamente do processo escolar, segundo
suas capacidades, e sem que nenhuma delas possa ser motivo para uma diferenciação que os excluirá
das suas turmas.
Como garantir o direito à diferença nas escolas que ainda entendem que as diferenças estão apenas
em alguns alunos, naqueles que são negativamente compreendidos e diagnosticados como problemas,
doentes, indesejáveis e a maioria sem volta?
O questionamento constante dos processos de diferenciação entre escolas e alunos, que decorre da
oposição entre a identidade normal de alguns e especial de outros, é uma das garantias permanentes do
direito à diferença. Os alvos desse questionamento devem recair diretamente sobre as práticas de ensino
que as escolas adotam e que servem para excluir.
Os encaminhamentos dos alunos às classes e escolas especiais, os currículos adaptados, o ensino
diferenciado, a terminalidade específica dos níveis de ensino e outras soluções precisam ser indagados
em suas razões de adoção, interrogados em seus benefícios, discutidos em seus fins, e eliminados por
completo e com urgência. São essas medidas excludentes que criam a necessidade de existirem escolas
para atender aos alunos que se igualam por uma falsa normalidade - as escolas comuns - e que instituem
as escolas para os alunos que não cabem nesse grupo - as escolas especiais. Ambas são escolas dos
diferentes, que não se alinham aos propósitos de uma escola para todos.
Quando entendemos esses processos de diferenciação pela deficiência ou por outras características
que elegemos para excluir, percebemos as discrepâncias que nos faziam defender as escolas dos
diferentes como solução privilegiada para atender às necessidades dos alunos. Acordamos, então, para
o sentido includente das escolas das diferenças. Essas escolas reúnem, em seus espaços educacionais,
os alunos tais quais eles são: únicos, singulares, mutantes, compreendendo-os como pessoas que
diferem umas das outras, que não conseguimos conter em conjuntos definidos por um único atributo, o
qual elegemos para diferenciá-las.

A Escola Comum na Perspectiva Inclusiva

A escola das diferenças é a escola na perspectiva inclusiva, e sua pedagogia tem como mote
questionar, colocar em dúvida, contrapor-se, discutir e reconstruir as práticas que, até então, têm mantido
a exclusão por instituírem uma organização dos processos de ensino e de aprendizagem incontestáveis,
impostos e firmados sobre a possibilidade de exclusão dos diferentes, à medida que estes são
direcionados para ambientes educacionais à parte.
A escola comum se torna inclusiva quando reconhece as diferenças dos alunos diante do processo
educativo e busca a participação e o progresso de todos, adotando novas práticas pedagógicas. Não é
fácil e imediata a adoção dessas novas práticas, pois ela depende de mudanças que vão além da escola
e da sala de aula. Para que essa escola possa se concretizar, é patente a necessidade de atualização e
desenvolvimento de novos conceitos, assim como a redefinição e a aplicação de alternativas e práticas
pedagógicas e educacionais compatíveis com a inclusão.
Um ensino para todos os alunos há que se distinguir pela sua qualidade. O desafio de fazê-lo acontecer
nas salas de aulas é uma tarefa a ser assumida por todos os que compõem um sistema educacional. Um
ensino de qualidade provém de iniciativas que envolvem professores, gestores, especialistas, pais e

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
alunos e outros profissionais que compõem uma rede educacional em torno de uma proposta que é
comum a todas as escolas e que, ao mesmo tempo, é construída por cada uma delas, segundo as suas
peculiaridades.
O Projeto Político Pedagógico é o instrumento por excelência para melhor desenvolver o plano de
trabalho eleito e definido por um coletivo escolar; ele reflete a singularidade do grupo que o produziu,
suas escolhas e especificidades.
Nas escolas inclusivas, a qualidade do ensino não se confunde com o que é ministra- do nas escolas-
padrão, consideradas como as que melhor conseguem expressar um ideal pedagógico inquestionável,
medido e definido objetivamente e que se apresentam como modelo a ser seguido e aplicado em qualquer
contexto escolar. As escolas-padrão cabem na mesma lógica que define as escolas dos diferentes, em
que as iniciativas para melhorar o ensino continuam elegendo algumas escolas e valorando-as
positivamente, em detrimento de outras. Cada escola é única e precisa ser, como os seus alunos,
reconhecida e valorizada nas suas diferenças.

Mudanças na Escola
Para atender a todos e atender melhor, a escola atual tem de mudar, e a tarefa de mu- dar a escola
exige trabalho em muitas frentes. Cada escola, ao abraçar esse trabalho, terá de encontrar soluções
próprias para os seus problemas. As mudanças necessárias não acontecem por acaso e nem por Decreto,
mas fazem parte da vontade política do coletivo da escola, explicitadas no seu Projeto Político Pedagógico
- PPP e vividas a partir de uma gestão escolar democrática.
É ingenuidade pensar que situações isoladas são suficientes para definir a inclusão como opção de
todos os membros da escola e configurar o perfil da instituição. Não se desconsideram aqui os esforços
de pessoas bem-intencionadas, mas é preciso ficar claro que os desafios das mudanças devem ser
assumidos e decididos pelo coletivo escolar.
A organização de uma sala de aula é atravessada por decisões da escola que afetam os processos
de ensino e de aprendizagem. Os horários e rotinas escolares não dependem apenas de uma única sala
de aula; o uso dos espaços da escola para atividades a serem realizadas fora da classe precisa ser
combinado e sistematizado para o bom aproveita- mento de todos; as horas de estudo dos professores
devem coincidir para que a formação continuada seja uma aprendizagem colaborativa; a organização do
Atendimento Educacional Especializado - AEE não pode ser um mero apêndice na vida escolar ou da
competência do professor que nele atua.
Um conjunto de normas, regras, atividades, rituais, funções, diretrizes, orientações curriculares e
metodológicas, oriundo das diversas instâncias burocrático-legais do sistema educacional, constitui o
arcabouço pedagógico e administrativo das escolas de uma rede de ensino. Trata-se do que está
INSTITUÍDO e do que Libâneo e outros autores analisaram pormenorizadamente.
Nesse INSTITUÍDO, estão os parâmetros e diretrizes curriculares, as leis, os documentos das políticas,
os regimentos e demais normas do sistema.
Em contrapartida, existe um espaço e um tempo a serem construídos por todas as pessoas que fazem
parte de uma instituição escolar, porque a escola não é uma estrutura pronta e acabada a ser perpetuada
e reproduzida de geração em geração. Trata-se do INSTITUINTE.
A escola cria, nas possibilidades abertas pelo INSTITUINTE, um espaço de realização pessoal e
profissional que confere à equipe escolar a possibilidade de definir o seu horário escolar, organizar
projetos, módulos de estudo e outros, conforme decisão colegiada. Assim, confere autonomia a toda
equipe escolar, acreditando no poder criativo e inova- dor dos que fazem e pensam a educação.

O Projeto Político Pedagógico, Autonomia e Gestão Democrática


A constatação de que a realidade escolar é dinâmica e depende de todos dá força e sentido à
elaboração do PPP, entendido não apenas como um mero documento exigido pela burocracia e
administração escolar, mas como registro de significados a serem outorga- dos ao processo de ensino e
de aprendizagem, que demanda tomada de decisões e acompanhamento de ações consequentes.
O PPP não pode ser um documento paralelo que não diz respeito, que não atravessa o cotidiano
escolar e fica restrito à categoria de um arquivo ou de uma alegoria, de caráter residual. Ele altera a
estrutura escolar e escrevê-lo e arquivá-lo nos registros da escola só serve para acomodar a consciência
dos que não têm um verdadeiro compromisso com uma escola de todos, por todos e para todos.
Nossa legislação educacional é clara no que toca à exigência de a escola ter o seu PPP; ela não pode
se furtar ao compromisso assumido com a sociedade de formação e de desenvolvimento do processo de
educação, devidamente planejado.
A exigência legal do PPP está expressa na LDBEN - Lei Nº. 9.394/96 que, em seu artigo 12, define,
entre as atribuições de uma escola, a tarefa de "[...] elaborar e executar sua proposta pedagógica",

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deixando claro que ela precisa fundamentalmente saber o que quer e colocar em execução esse querer,
não ficando apenas nas promessas ou nas intenções expostas no papel.
Ao sistematizar estas escolhas e decisões, o PPP, a partir de um estudo da demanda da realidade
escolar cria as condições necessárias para a elaboração do planejamento e o desenvolvimento do
trabalho da sua equipe e da avaliação processual das etapas e metas propostas.
Para Gadotti e Romão (1997), o Projeto Político Pedagógico deve ser entendido como um horizonte
de possibilidades para a escola. O Projeto imprime uma direção nos caminhos a serem percorridos pela
escola. Ele se propõe a responder a um feixe de indagações de seus membros, tais como: qual educação
se quer e qual tipo de cidadão se deseja, para qual projeto de sociedade? O PPP propõe uma organização
que se funda no entendi- mento compartilhado dos professores, alunos e demais interessados em
educação.
Todas as intenções da escola, reunidas no Projeto Político Pedagógico, conferem-lhe o caráter
POLÍTICO, porque ele representa a escolha de prioridades de cidadania em função das demandas
sociais. O PPP ganha status PEDAGÓGICO ao organizar e sistematizar essas intenções em ações
educativas alinhadas com as prioridades estabelecidas.
O caráter coletivo e a necessidade de participação de todos são inerente ao PPP, pois ele não se
resume a um mero plano ou projeto burocrático, que cumpre as exigências da lei ou do sistema de ensino.
Trata-se de um documento norteador das ações da escola que, ao mesmo tempo, oportuniza um exercício
reflexivo do processo para tomada de decisões no seu âmbito.
O professor, portanto, ao contribuir para a elaboração do PPP, bem como ao participar de sua
execução no cotidiano da escola, tem a oportunidade de exercitar um ensino democrático, necessário
para garantir acesso e permanência dos alunos nas escolas e para assegurar a inclusão, o ensino de
qualidade e a consideração das diferenças dos alunos nas salas de aula. Exercer esse papel como um
dos mentores do PPP não é uma obrigação formal, mas o resultado de um envolvimento pessoal do
professor. Nesse sentido, vem antes a sua disposição de participar, porque contribuir é reconhecer a
importância de sua colaboração para que o projeto se execute.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 206, explicita, como um dos princípios para a educação
no Brasil, "[...] a gestão democrática do ensino público". Essa preocupação é reiterada na LDBEN (Lei nº
9394/96), no artigo 3º, ao assinalar que a gestão democrática, além de estar em conformidade com a Lei,
deve estar consoante à legislação dos sistemas de ensino, pois como Lei que detalha a educação
nacional, acrescenta a característica das variações dos sistemas nas esferas federal, estadual e
municipal. Ainda nesse detalhamento, a LDBEN avança, no seu artigo 14, afirmando que:

[...] Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação
básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: participação dos
profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; participação das comunidades
escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.

Nos textos legais, fica clara a ênfase dada ao Projeto Político Pedagógico de cada escola, bem como
a reiteração de que a proposta seja construída e administrada à luz de uma gestão democrática.
Outra legislação que vem corroborar nesse sentido é o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA
(Lei Nº. 8.069/90), que, no seu artigo 53, enfatiza os objetivos da educação nacional, repetindo os
princípios constitucionais e os da LDBEN, mas deixando claro em seu parágrafo único que "[...] é direito
dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das
propostas educacionais". Evidencia-se na legislação o caráter da comunidade escolar participativa e
ampliada para além dos muros escolares, com compromisso conjunto nos rumos da educação dos
cidadãos.
A gestão democrática ampliada nos contornos da comunidade ganha, por meio do texto legal,
condições de ser exercida com autonomia.
Embora a escola não seja independente de seu sistema de ensino, ela pode se articular e interagir
com autonomia como parte desse sistema que a sustenta, tomando decisões próprias relativas às
particularidades de seu estabelecimento de ensino e da sua comunidade. Entretanto, mesmo outorgada
por lei, a autonomia escolar é construída aos poucos e cotidianamente. Do ponto de vista cultural e
educacional, encontram-se poucas experiências de construção da autonomia e do cultivo de hábitos
democráticos.
A democracia, frequentemente proclamada, mas nem sempre vivenciada nas redes de ensino, tem no
PPP a oportunidade de ser exercida, e essa oportunidade não pode ser perdida, para que consiga
espalhar-se por toda a instituição. Gadotti e Romão manifestam suas posições sobre a construção da

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democracia na escola e afirmam que esse tipo de gestão constitui um passo relevante no aprendizado da
democracia.
Os professores constroem a democracia no cotidiano escolar por meio de pequenos de- talhes da
organização da prática pedagógica. Nesse sentido, fazem a diferença: o modo de trabalhar os conteúdos
com os alunos; a forma de sugerir a realização de atividades na sala de aula; o controle disciplinar; a
interação dos alunos nas tarefas escolares; a sistematização do AEE no contra turno; a divisão do horário;
a forma de planejar com os alunos; a avaliação da execução das atividades de forma interativa.
Embora já tenhamos uma Constituição, estatutos, legislação, políticas educacionais e decretos que
propõem e viabilizam novas alternativas para a melhoria do ensino nas es- colas, ainda atendemos a
alunos em espaços escolares semi ou totalmente segregados, tais como as classes especiais, as turmas
de aceleração, as escolas especiais, as aulas de reforço, entre outros.
O salto da escola dos diferentes para a escola das diferenças demanda conhecimento, determinação,
decisão. As propostas de mudança variam e dependerão de disposição, discussões, estudos,
levantamento de dados e iniciativas a serem compartilhadas pelos seus membros, enfim, de gestões
democráticas das escolas, que favoreçam essa mudança.
Muitas decisões precisam ser tomadas pelas escolas ao elaborarem seus Projetos Político
Pedagógicos, entre as quais destacamos algumas, que estão diretamente relacionadas com as mudanças
que se alinham aos propósitos da inclusão: fazer da aprendizagem o eixo das es- colas, garantindo o
tempo necessário para que todos possam aprender; reprovar a repetência; abrir espaço para que a
cooperação, o diálogo, a solidariedade, a criatividade e o espírito crítico sejam praticados por seus
professores, gestores, funcionários e alunos, pois essas são habilidades mínimas para o exercício da
verdadeira cidadania; valorizar e formar continuamente o professor, para que ele possa atualizar-se e
ministrar um ensino de qualidade.
É frequente a escola seguir outros caminhos, adotando práticas excludentes e paliativas, que as
impedem de dar o salto qualitativo que a inclusão demanda. Elas se apropriam de soluções utilitárias,
prontas para o uso, alheias à realidade de cada instituição educacional. Essas práticas admitem: ensino
individualizado para os alunos com deficiência e/ou problemas de aprendizagem; currículos adaptados;
terminalidade específica; métodos especiais para ensino de pessoas com deficiência; avaliação
diferenciada; categorização e diferenciação dos alunos; formação de turmas escolares buscando a
homogeneização dos alunos.
No nível da sala de aula e das práticas de ensino, a mobilização do professor e/ou de uma equipe
escolar em torno de uma mudança educacional como a inclusão não acontece de modo semelhante em
todas as escolas. Mesmo havendo um Projeto Político Pedagógico que oriente as ações educativas da
escola, há que existir uma entrega, uma disposição individual ou grupal de sua equipe de se expor a uma
experiência educacional diferente das que estão habituados a viver. Para que, qualquer transformação
ou mudança seja, ver- dadeira, as pessoas têm de ser tocadas pela experiência. Precisam ser receptivas,
disponíveis e abertas a vivê-la, baixando suas guardas, submetendo-se, entregando-se à experiência [...]
sem resistências, sem segurança, poder, firmeza, garantias.
As mudanças não ocorrem pela mera adoção de práticas diferentes de ensinar. Elas de- pendem da
elaboração dos professores sobre o que lhes acontece no decorrer da experiência educacional inclusiva
que eles se propuseram a viver. O que vem dos livros e o que é transmitido aos professores nem sempre
penetram em suas práticas. A experiência a que nos referimos não está relacionada com o tempo
dedicado ao magistério, ao saber acumulado pela repetição de uma mesma atividade utilitária,
instrumental. Estamos nos referindo ao saber da experiência, que é subjetivo, pessoal, relativo, adquirido
nas ocasiões em que entendemos e atribuímos sentidos ao que nos acontece, ao que nos passa, ao que
nos sucede ao viver a experiência.
O reconhecimento de que os alunos aprendem segundo suas capacidades não surge de uma hora
para a outra, só porque as teorias assim afirmam. Acolher as diferenças terá sentido para o professor e
fará com que ele rompa com seus posicionamentos sobre o desempenho escolar padronizado e
homogêneo dos alunos, se ele tiver percebido e compreendido por si mesmo essas variações, ao se
submeter a uma experiência que lhe perpassa a existência. O professor, então, desempenhará o seu
papel formador, que não se restringe a ensinar somente a uma parcela dos alunos que conseguem atingir
o desempenho exemplar esperado pela escola. Ele ensina a todos, indistintamente.
O caráter de imprevisibilidade da aprendizagem é constatado por professores que aproveitam as
ocasiões para observar, abertamente e sem ideias pré-concebidas, a curiosidade do aluno que vai atrás
do que quer conhecer, que questiona, duvida, que se detém diante do que leu, do que lhe respondemos,
procurando resolver e encontrar a solução para o que lhe perturba e desafia com avidez, possuído pelo
desejo de chegar ao que pretende.

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Ao se deixar levar por uma experiência de ensinar dessa natureza, querendo entender o que ela revela
e compartilhando-a com seus colegas, o professor poderá deduzir que certas práticas e aparatos
pedagógicos, como os métodos especiais e o ensino adaptado para alguns alunos, não correspondem
ao que se espera deles. Ambos provêm do controle externo da aprendizagem, de opiniões que circulam
e se firmam entre os professores, que são creditadas pelo conhecimento livresco e generalizado e pelas
informações equivocadas que se naturalizam nas escolas e fora delas.
Opor-se a inovações educacionais, resguardando-se no despreparo para adotá-las, resistir e refutá-
las simplesmente, distancia o professor da possibilidade de se formar e de se transformar pela
experiência. Oposições e contraposições à inclusão incondicional são frequentes entre os professores e
adiam projetos do ensino comum e especial focados na inserção das diferenças nas escolas.
É nos bancos escolares que se aprende a viver entre os nossos pares, a dividir as responsabilidades,
a repartir tarefas. Nesses ambientes, desenvolvem-se a cooperação e a produção em grupo com base
nas diferenças e talentos de cada um e na valorização da contribuição individual para a consecução de
objetivos comuns de um mesmo grupo.
A interação entre colegas de turma, a aprendizagem colaborativa, a solidariedade entre alunos e entre
estes e o professor devem ser estimuladas. Os professores, quando buscam obter o apoio dos alunos e
propõem trabalhos diversificados e em grupo, desenvolvem formas de compartilhamento e difusão dos
conhecimentos nas salas de aula.
A formação de turmas tidas como homogêneas é um dos argumentos de defesa dos professores,
gestores e especialistas em favor da qualidade do ensino, que precisa ser refutado, porque se trata de
uma ilusão que compromete o ensino e exclui alunos.
A avaliação de caráter classificatório, por meio de notas, provas e outros instrumentos similares,
mantém a repetência e a exclusão nas escolas. A avaliação contínua e qualitativa da aprendizagem, com
a participação do aluno, tendo, inclusive, a intenção de avaliar o ensino oferecido e torná-lo cada vez mais
adequado à aprendizagem de todos os alunos conduz a outros resultados. A adoção desse modo de
avaliar com base na qualidade do ensino e da aprendizagem já diminuiria substancialmente o número de
alunos que são in- devidamente avaliados e categorizados como deficientes nas escolas comuns.
Os professores em geral concordam com novas alternativas de se avaliar os processos de ensino e
de aprendizagem e admitem que as turmas são naturalmente heterogêneas. Sentem-se, contudo,
inseguros diante da possibilidade de fazer uso dessas alternativas em sala de aula e inovar as rotinas de
trabalho, rompendo com a organização pedagógica pré-estabelecida.
Ao contrário do que se pensa e se faz, as práticas escolares inclusivas não implicam um ensino
adaptado para alguns alunos, mas sim um ensino diferente para todos, em que os alunos tenham
condições de aprender, segundo suas próprias capacidades, sem discriminações e adaptações.
A ideia do currículo adaptado está associada à exclusão na inclusão dos alunos que não conseguem
acompanhar o progresso dos demais colegas na aprendizagem. Currículos adaptados e ensino adaptado
negam a aprendizagem diferenciada e individualizada. O ensino escolar é coletivo e deve ser o mesmo
para todos, a partir de um único currículo. É o aluno que se adapta ao currículo, quando se admitem e se
valorizam as diversas formas e os diferentes níveis de conhecimento de cada um.
A aprovação e a certificação por terminalidade específica, como propõe a LDBEN/1996, não faz
sentido, quando se entende que a aprendizagem é diferenciada de aluno para aluno, constituindo-se em
um processo que não pode obedecer a uma terminalidade prefixada com base na condição intelectual de
alguns.
Outra prática usual nas escolas é o ensino dos conteúdos das áreas disciplinares (Matemática, Língua
Portuguesa, Geografia, Ciências, etc.) como fins em si mesmos e trata- dos de modo fragmentado nas
salas de aulas.

A afirmação da interdisciplinaridade é a afirmação, em última instância, da disciplinarização: só


poderemos desenvolver um trabalho interdisciplinar se fizermos uso de várias disciplinas. [...] A
interdisciplinaridade contribui para minimizar os efeitos perniciosos da compartimentalização, mas não
significaria, de forma alguma, o avanço para um currículo não disciplinar.

Um currículo não disciplinar implica um ensino sem as gavetas das disciplinas, em que se reconhece
a multiplicidade das áreas do conhecimento e o trânsito livre entre elas. O ensino não disciplinar não deve
ser confundido com os Temas Transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os quais não
superam a disciplinarização, continuando a organizar o currículo em disciplinas, pelas quais perpassam
assuntos de interesse social, como o meio ambiente, sexualidade, ética e outros.
Segundo Gallo, transversalidade em educação e currículo não disciplinar tem a ver com processos de
ensino e de aprendizagem em que o aluno transita pelos saberes es- colares, integrando-os e construindo

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pontes entre eles, que podem parecer caóticas, mas que refletem o modo como aprendemos e damos
sentido ao novo.
As propostas curriculares, quando contextualizadas, reconhecem e valorizam os alunos em suas
peculiaridades de etnia, de gênero, de cultura. Elas partem das vidas e experiências dos alunos e vão
sendo tramadas em redes de conhecimento, que superam a tão decantada sistematização do saber. O
questionamento dessas peculiaridades e a visão crítica do multiculturalismo trazem uma perspectiva para
o entendimento das diferenças, a qual foge da tolerância e da aceitação, atitudes estas tão carregadas
de preconceito e desigualdade.
O multiculturalismo crítico, segundo Hall, um estudioso das questões da pós-modernidade e das
diferenças na atualidade, é uma das concepções do multiculturalismo. Essa concepção questiona a
exclusão social e demais formas de privilégios e de hierarquias das sociedades contemporâneas,
indagando sobre as diferenças e apoiando movimentos de resistência dos dominados.
O multiculturalismo crítico toma como referência a liberdade e a emancipação e defende que a justiça,
a democracia e a equidade não são dadas, mas conquistadas. Difere do multiculturalismo conservador,
em que os dominantes buscam assimilar as minorias aos costumes e tradições da maioria.
Outras práticas educacionais inclusivas que derivam dos propósitos de se ensinar à turma toda, sem
discriminações, por vezes são refutadas pelos professores ou aceitas com parcimônia, desconfiança e
sob condições. Motivos não faltam para que eles se compor- tem desse modo. Muitos receberam sua
própria formação dentro do modelo conservador, que foi sendo reforçado dentro das escolas.

O Atendimento Educacional Especializado - AEE

Uma das inovações trazidas pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva (2008) é o Atendimento Educacional Especializado - AEE, um serviço da educação especial que
"[...] identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade, que eliminem as barreiras
para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas".
O AEE complementa e/ou suplementa a formação do aluno, visando a sua autonomia na escola e fora
dela, constituindo oferta obrigatória pelos sistemas de ensino. É realizado, de preferência, nas escolas
comuns, em um espaço físico denominado Sala de Recursos Multifuncionais. Portanto, é parte integrante
do projeto político pedagógico da escola.
São atendidos, nas Salas de Recursos Multifuncionais, alunos público-alvo da educação especial,
conforme estabelecido na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
e no Decreto nº 6.571/2008.

- Alunos com deficiência: aqueles [...] que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, os quais em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
- Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam alterações qualitativas
das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito,
estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do
autismo e psicose infantil.
- Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que demonstram potencial elevado em qualquer
uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e
artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em
áreas de seu interesse.

A matrícula no AEE é condicionada à matrícula no ensino regular. Esse atendimento pode ser oferecido
em Centros de Atendimento Educacional Especializado da rede pública ou privada, sem fins lucrativos.
Tais centros, contudo, devem estar de acordo com as orientações da Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e com as Diretrizes Operacionais da Educação Especial
para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica.
Na perspectiva da educação inclusiva, o processo de reorientação de escolas especiais e centros
especializados requer a construção de uma proposta pedagógica que institua nestes espaços,
principalmente, serviços de apoio às escolas para a organização das salas de recursos multifuncionais e
para a formação continuada dos professores do AEE.
Os conselhos de educação têm atuação primordial no credenciamento, autorização de funcionamento
e organização destes centros de AEE, zelando para que atuem dentro do que a legislação, a Política e
as Diretrizes orientam. No entanto, a preferência pela escola comum como o local do serviço de AEE, já

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definida no texto constitucional de 1988, foi reafirmada pela Política, e existem razões para que esse
atendimento ocorra na escola comum.
O motivo principal de o AEE ser realizado na própria escola do aluno está na possibilidade de que suas
necessidades educacionais específicas possam ser atendidas e discuti- das no dia a dia escolar e com
todos os que atuam no ensino regular e/ou na educação especial, aproximando esses alunos dos
ambientes de formação comum a todos. Para os pais, quando o AEE ocorre nessas circunstâncias,
propicia-lhes viver uma experiência inclusiva de desenvolvimento e de escolarização de seus filhos, sem
ter de recorrer a atendi- mentos exteriores à escola.

Articulação Entre Escola Comum e Educação Especial: Ações e Responsabilidades


Compartilhadas

Ao se articular com a escola comum, na perspectiva da inclusão, a Educação Especial muda seu rumo,
refazendo caminhos que foram abertos tempos atrás, quando se propunha a substituir a escola comum
para alguns alunos que não correspondiam às exigências do ensino regular.
A mudança de rumos implica uma articulação de propósitos entre a escola comum e a Educação
Especial, ao contrário do que acontece quando tanto a escola comum como a especial constituem escolas
dos diferentes, dividindo os alunos em normais e especiais e estabelecendo uma cisão entre esses
grupos, que se isolam em ambientes educacionais excludentes.
A escola das diferenças aproxima a escola comum da Educação Especial, porque, na concepção
inclusiva, os alunos estão juntos, em uma mesma sala de aula. A articulação entre Educação Especial e
escola comum, na perspectiva da inclusão, ocorre em todos os níveis e etapas do ensino básico e do
superior. Sem substituir nenhum desses níveis, a integração entre ambas não deverá descaracterizar o
que é próprio de cada uma delas, estabelecendo um espaço de intersecção de competências
resguardado pelos limites de atuação que as especificam.
Para oferecer as melhores condições possíveis de inserção no processo educativo for- mal, o AEE é
ofertado preferencialmente na mesma escola comum em que o aluno estuda. Uma aproximação do ensino
comum com a educação especial vai se constituindo à medida que as necessidades de alguns alunos
provocam o encontro, a troca de experiências e a busca de condições favoráveis ao desempenho escolar
desses alunos.
Os professores comuns e os da Educação Especial precisam se envolver para que seus objetivos
específicos de ensino sejam alcançados, compartilhando um trabalho interdisciplinar e colaborativo. As
frentes de trabalho de cada professor são distintas. Ao professor da sala de aula comum é atribuído o
ensino das áreas do conhecimento, e ao professor do AEE cabe complementar/suplementar a formação
do aluno com conhecimentos e recursos específicos que eliminam as barreiras as quais impedem ou
limitam sua participação com autonomia e independência nas turmas comuns do ensino regular.
As funções do professor de Educação Especial são abertas à articulação com as atividades
desenvolvidas por professores, coordenadores pedagógicos, supervisores e gestores das escolas
comuns, tendo em vista o benefício dos alunos e a melhoria da qualidade de ensino.

São eixos privilegiados de articulação:


- A elaboração conjunta de planos de trabalho durante a construção do Projeto Pedagógico, em que a
Educação Especial não é um tópico à parte da programação escolar;
- O estudo e a identificação do problema pelo qual um aluno é encaminhado à Educação Especial;
- A discussão dos planos de AEE com todos os membros da equipe escolar;
- O desenvolvimento em parceria de recursos e materiais didáticos para o atendimento do aluno em
sala de aula e o acompanhamento conjunto da utilização dos recursos e do progresso do aluno no
processo de aprendizagem;
- A formação continuada dos professores e demais membros da equipe escolar, entremeando tópicos
do ensino especial e comum, como condição da melhoria do atendimento aos alunos em geral e do
conhecimento mais detalhado de alguns alunos em especial, por meio do questionamento das diferenças
e do que pode promover a exclusão escolar.

No caso do atendimento educacional especializado - AEE, por exemplo, as dimensões do INSTITUÍDO


podem ser identificadas na existência de leis, políticas, decretos, diretrizes curriculares que chegam à
escola definidas nos documentos oficiais, dando contornos à sistematização da oferta desse serviço na
escola comum. Na dimensão do INSTITUINTE, muito pode ser criado nesse sentido: parcerias com
setores da comunidade para a implementação de Planos de AEE; organização dos horários de oferta do
AEE no horário oposto ao período escolar do aluno; projetos escolares interdisciplinares que incluam a

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necessidade da tecnologia assistiva - TA; planejamento para alterações na acessibilidade física da escola
e assim por diante.
Do ponto de vista intraescolar, essas articulações mostram o impacto, os efeitos, a pertinência, os
limites e mesmo as distorções dos atendimentos que estão sendo oferecidos aos alunos nas turmas
comuns de ensino regular e nos serviços de Educação Especial, entre os quais o atendimento educacional
especializado - AEE.
No plano extraescolar, quando a escola se articula a outros serviços da comunidade, os efeitos dessas
articulações se irradiam e se fazem sentir junto às famílias e demais profissionais que atendem aos
alunos, dando destaque à escola no seu entorno e na rede de ensino, pois fortalece a sua posição e
representatividade no conjunto das demais unidades e instituições filiadas à educação.
Há ainda certa dificuldade de se articular serviços dentro da escola. O que se entende
equivocadamente por articulação entre a Educação Especial e a escola comum tem descaracterizado a
interlocução entre ambas. Na perspectiva da educação inclusiva, os professores itinerantes, o reforço
escolar e outras ações não constituem formas de articulação, mas uma justaposição de serviços, que
continua incidindo sobre a fragmentação entre a Educação Especial e o ensino comum.
A efetivação dessa articulação é ensejada pela inserção do AEE no Projeto Político Pedagógico das
escolas. Uma vez considerado esse serviço da Educação Especial como parte constituinte do Projeto, os
demais eixos de articulação entre ensino comum e especial serão envolvidos e contemplados, e o ensino
comum e especial terão seus propósitos fundidos em uma visão inclusiva de educação. O PPP já contém
em si as premissas dessa articulação, que podemos apreciar no que ocorre quando o AEE torna-se um
de seus tópicos.

O Projeto Político Pedagógico e o AEE


De acordo com as Diretrizes Operacionais da Educação Especial para o Atendimento Educacional
Especializado na Educação Básica, publicada pela Secretaria de Educação Especial - SEESP/MEC, em
abril de 2009, o Projeto Político Pedagógico da Escola deve contemplar o AEE como uma das dimensões
da escola das diferenças. Nesse sentido, é preciso planejar, organizar, executar e acompanhar os
objetivos, metas e ações traçadas, em articulação com as demais propostas da escola comum.
A democracia se exercita e toma forma nas decisões conjuntas do coletivo da escola e se reflete nas
iniciativas da equipe escolar. Nessa perspectiva, o AEE integra a gestão democrática da escola. No PPP,
devem ser previstos a organização e recursos para o AEE: sala de recursos multifuncionais; matrícula do
aluno no AEE; aquisição de equipamentos; indicação de professor para o AEE; articulação entre
professores do AEE e os do ensino comum e redes de apoio internos e externos à escola.
No caso da inexistência de uma sala de recursos multifuncionais na escola, os alunos não podem ficar
sem este serviço, e o PPP deve prever o atendimento dos alunos em outra escola mais próxima ou centro
de atendimento educacional especializado, no contraturno do horário escolar. O AEE, quando realizado
em outra instituição, deve ser acordado com a família do aluno, e o transporte, se necessário,
providenciado. Em tal situação, destaca-se, a articulação com os professores e especialistas de ambas
as escolas, para assegurar uma efetiva parceria no processo de desenvolvimento dos alunos.
O PPP prevê ações de acompanhamento e articulação entre o trabalho do professor do AEE e os
professores das salas comuns, ações de monitoramento da produção de materiais didáticos
especializados, bem como recursos necessários para a confecção destes. Além das condições para
manter, melhorar e ampliar o espaço das salas de recursos multifuncionais, inclui-se no PPP a previsão
de outros tipos de recursos, equipamentos e suportes que forem indicados pelo professor do AEE ao
aluno.
O PPP de uma escola considera, no conjunto dos seus alunos, professores, especialistas, funcionários
e gestores, as necessidades existentes, buscando meios para o atendi- mento dessa demanda, a partir
dos objetivos e metas a serem atingidas. Ao delimitar os tempos escolares, o PPP insere os calendários,
os horários de turnos e contraturnos na organização pedagógica escolar, atendendo às diferentes
demandas, de acordo com os es- paços e os recursos físicos, humanos e financeiros de que a escola
dispõe.
No caso do AEE, por fazer parte desta organização, o PPP estipulará o horário dos alunos, oposto ao
que frequentam a escola comum e proporcional às necessidades indicadas no plano de AEE; e o horário
do professor, previsto para que possa realizar o atendimento dos alunos, preparar material didático,
receber as famílias dos alunos, os professores da sala comum e os demais profissionais que estejam
envolvidos.
Enquanto serviço oferecido pela escola ou em parceria com outra escola ou centro de atendimento
especializado, o PPP estabelece formas de avaliar o AEE, de alterar práticas, de inserir novos objetivos
e de definir novas metas visando ao aprimoramento desse serviço. Na operacionalização do processo de

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avaliação institucional, caberá à gestão zelar para que o AEE não seja descaracterizado das suas funções
e para que os alunos não sejam categorizados, discriminados e excluídos do processo avaliativo utilizado
pela escola.
O PPP define os fundamentos da estrutura escolar e deve ser coerente com os propósitos de uma
educação que acolhe as diferenças e, sendo assim, não poderá manter seu caráter excludente e próprio
das escolas dos diferentes.

A Organização e a Oferta do AEE


O Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008, que dispõe sobre o Atendimento Educacional
Especializado, destina recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Edu- cação Básica - FUNDEB
ao AEE de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação, matriculados na rede pública de ensino regular, admitindo o cômputo duplo da
matrícula desses alunos em classes comuns de ensino regular público e no AEE, concomitantemente,
conforme registro no Censo Escolar. Esse Decreto possibilita às redes de ensino o investimento na
formação continuada de professores, na acessibilidade do espaço físico e do mobiliário escolar, na
aquisição de novos recursos de tecnologia assistiva, entre outras ações previstas na manutenção e
desenvolvimento do ensino para a organização e oferta do AEE, nas salas de recursos multifuncionais.
As Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado reiteram que, no caso de a
oferta do AEE ser realizada fora da escola comum, em centro de atendimento educacional especializado
público ou privado sem fins lucrativos, convenia- do para essa finalidade, a oferta conste também do PPP
do referido centro. Eles devem seguir as normativas estabelecidas pelo Conselho de Educação do
respectivo sistema de ensino para autorização de funcionamento e seguir as orientações preconizadas
nestas Diretrizes, como ocorre com o AEE nas escolas comuns.
Conforme as Diretrizes, para o financiamento do AEE são exigidas as seguintes condições:
- Matrícula na classe comum e na sala de recursos multifuncional da mesma escola pública;
- Matrícula na classe comum e na sala de recursos multifuncional de outra escola pública;
- Matrícula na classe comum e em centro de atendimento educacional especializa- do público;
- Matrícula na classe comum e no centro de atendimento educacional especializa- do privado sem fins
lucrativos.

A organização do Atendimento Educacional Especializado considera as peculiaridades de cada aluno.


Alunos com a mesma deficiência podem necessitar de atendimentos diferencia- dos. Por isso, o primeiro
passo para se planejar o Atendimento não é saber as causas, diagnósticos, prognóstico da suposta
deficiência do aluno. Antes da deficiência, vem a pessoa, o aluno, com sua história de vida, sua
individualidade, seus desejos e diferenças.
Há alunos que frequentarão o AEE mais vezes na semana e outros, menos. Não existe um roteiro, um
guia, uma fórmula de atendimento previamente indicada e, assim sendo, cada aluno terá um tipo de
recurso a ser utilizado, uma duração de atendimento, um plano de ação que garanta sua participação e
aprendizagem nas atividades escolares.
Na organização do AEE, é possível atender aos alunos em pequenos grupos, se suas necessidades
forem comuns a todos. É possível, por exemplo, atender a um grupo de alunos com surdez para ensinar-
lhes LIBRAS ou para o ensino da Língua Portuguesa escrita.
Os planos de AEE resultam das escolhas do professor quanto aos recursos, equipamentos, apoios
mais adequados para que possam eliminar as barreiras que impedem o aluno de ter acesso ao que lhe é
ensinado na sua turma da escola comum, garantindo-lhe a participação no processo escolar e na vida
social em geral, segundo suas capacidades. Esse atendimento tem funções próprias do ensino especial,
as quais não se destinam a substituir o ensino comum e nem mesmo a fazer adaptações aos currículos,
às avaliações de desempenho e a outros. É importante salientar que o AEE não se confunde com reforço
escolar.
O professor de AEE acompanha a trajetória acadêmica de seus alunos, no ensino regular, para atuar
com autonomia na escola e em outros espaços de sua vida social. Para tanto, é imprescindível uma
articulação entre o professor de AEE e os do ensino comum.
Na perspectiva da inclusão escolar, o professor da Educação Especial não é mais um especialista em
uma área específica, suas atividades desenvolvem-se, preferencialmente, nas escolas comuns, cabendo-
lhes, no atendimento educacional especializado aos alunos, público-alvo da educação especial, as
seguintes atribuições:

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
a) identificar, elaborar, produzir e organizar serviços, recursos pedagógicos, de acessibilidade e
estratégias, considerando as necessidades específicas dos alunos de forma a construir um plano de
atuação para eliminá-las.

b) Reconhecer as necessidades e habilidades do aluno. Ao identificar certas necessidades do aluno,


o professor de AEE reconhece também as suas habilidades e, a partir de ambas, traça o seu plano de
atendimento. Se ele identifica necessidade de comunicação alternativa para o aluno, indica recursos
como a prancha de comunicação, por exemplo; se observa que o aluno movimenta a cabeça, consegue
apontar com o dedo, pisca, essas habilidades são consideradas por ele para a seleção e organização de
recursos educacionais e de acessibilidade.
Com base nesses dados, o professor elaborará o plano de AEE, definindo o tipo de atendimento para
o aluno, os materiais que deverão ser produzidos, a frequência do aluno ao atendimento, entre outros
elementos constituintes desse plano. Outros dados poderão ser coletados pelo professor em articulação
com o professor da sala de aula e de- mais colegas da escola.

c) Produzir materiais tais como textos transcritos, materiais didático-pedagógicos adequados, textos
ampliados, gravados, como, também, poderá indicar a utilização de softwares e outros recursos
tecnológicos disponíveis.

d) Elaborar e executar o plano de AEE, avaliando a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos


educacionais e de acessibilidade. Na execução do plano de AEE, o professor terá condições de saber se
o recurso de acessibilidade proposto promove participação do aluno nas atividades escolares. O plano,
portanto, deverá ser constantemente revisado e atualizado, buscando-se sempre o melhor para o aluno
e considerando que cada um deve ser atendido em suas particularidades.

e) Organizar o tipo e o número de atendimentos. O professor seleciona o tipo do atendimento,


organizando, quando necessários, materiais e recursos de modo que o aluno possa aprender a utilizá-los
segundo suas habilidades e funcionalidades. O número de atendimentos semanais/mensais varia de caso
para caso. O professor vai prolongar o tempo ou antecipar o desligamento do aluno do AEE, conforme a
evolução do aluno.

f) Acompanhar a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade na


sala de aula comum do ensino regular, bem como em outros ambientes da escola. O professor do AEE
observa a funcionalidade e aplicabilidade dos recursos na sala de aula, as distorções, a pertinência, os
limites desses recursos nesse e em outros ambientes escolares, orientando, também, as famílias e os
colegas de turma quanto ao uso dos recursos.
O professor de sala de aula informa e avalia juntamente com o professor do AEE se os serviços e
recursos do Atendimento estão garantindo participação do aluno nas atividades escolares. Com base
nessas informações, são reformuladas as ações e estabelecidas novas estratégias e recursos, bem como
refeito o plano de AEE para o aluno.

g) Ensinar e usar recursos de Tecnologia Assistiva, tais como: as tecnologias da informação e


comunicação, a comunicação alternativa e aumentativa, a informática acessível, o soroban, os recursos
ópticos e não ópticos, os softwares específicos, os códigos e linguagens, as atividades de orientação e
mobilidade.

h) Promover atividades e espaços de participação da família e a interface com os serviços de saúde,


assistência social e outros. O papel do professor do AEE não deve ser confundido com o papel dos
profissionais do atendimento clínico, embora suas atribuições possam ter articulações com profissionais
das áreas da Medicina, Psicologia, Fisioterapia, Fonoaudiologia e outras afins. Também estabelece
interlocuções com os profissionais da arquitetura, engenharia, informática.

No decorrer da elaboração e desenvolvimento dos planos de atendimento para cada aluno, o professor
de AEE se apropria de novos conteúdos e recursos que ampliam seu conhecimento para a atuação na
Sala de Recursos Multifuncional.
São conteúdos do AEE: Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS e LIBRAS tátil; Alfabeto digital; Tadoma;
Língua Portuguesa na modalidade escrita; Sistema Braille; Orientação e mobilidade; Informática
acessível; Sorobã (ábaco); Estimulação visual; Comunicação alternativa e aumentativa - CAA;
Desenvolvimento de processos educativos que favoreçam a atividade cognitiva.

234
1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
São recursos do AEE: Materiais didáticos e pedagógicos acessíveis (livros, desenhos, mapas, gráficos
e jogos táteis, em LIBRAS, em Braille, em caracter ampliado, com contras- te visual, imagéticos, digitais,
entre outros); Tecnologias de informação e de comunicação (TICS) acessíveis (mouses e acionadores,
teclados com colmeias, sintetizadores de voz, linha Braille, entre outros); e Recursos ópticos; pranchas
de CAA, engrossadores de lápis, ponteira de cabeça, plano inclinado, tesouras acessíveis, quadro
magnético com letras imantadas, entre outros.
O desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem é favorecido pela participação da
família dos alunos. Para elaborar e realizar os Planos de AEE, o professor necessita dessa parceria em
todos os momentos. Reuniões, visitas e entrevistas fazem parte das etapas pelas quais os professores
de AEE estabelecem contatos com as famílias de seus alunos, colhendo informações, repassando outras
e estabelecendo laços de cooperação e de compromissos.
As parcerias intersetoriais e com a comunidade onde a escola está inserida estão entre as prioridades
do Projeto Político Pedagógico, pois a educação não é apenas uma área restrita aos órgãos do sistema
educacional. Elas aparecem nas ações integradas da escola com todos os segmentos da sociedade civil
e da sociedade política dos Municípios e Estados com as escolas.
Indicadores importantes das parcerias intersetoriais são as ações desenvolvidas entre as escolas e as
Secretarias de Educação, de Saúde, Poder Executivo, Poder Legislativo, Poder Judiciário, Ministério
Público, instituições, empresas e demais segmentos sociais. O PPP, ao propor essas parcerias, está
consubstanciado em uma visão de complementação e de alinhamento da educação escolar com outras
instituições sociais.
No caso do AEE, faz parte do seu Plano a previsão, desenvolvimento e avaliação de ações
sincronizadas com a Saúde, Assistência Social, Esporte, Cultura e demais segmentos. As parcerias
fortalecem esse Plano, sem correr o risco de perder o foco no AEE, na medida em que a participação de
outros atores amplia o caráter interdisciplinar do serviço.

A Formação de Professores para o AEE


Para atuar no AEE, os professores devem ter formação específica para este exercício, que atenda aos
objetivos da educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Nos cursos de formação
continuada, de aperfeiçoamento ou de especialização, indicados para essa formação, os professores
atualizarão e ampliarão seus conhecimentos em conteúdos específicos do AEE, para melhor atender a
seus alunos.
A formação de professores consiste em um dos objetivos do PPP. Um dos seus aspectos fundamentais
é a preocupação com a aprendizagem permanente de professores, demais profissionais que atuam na
escola e também dos pais e da comunidade onde a escola se insere. Neste documento, apresentam-se
as ações de formação, incluindo os aspectos liga- dos ao estudo das necessidades específicas dos alunos
com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Este estudo
perpassa o cotidiano da escola e não é exclusivo dos professores que atuam no AEE.
À gestão escolar compete implementar ações que garantam a formação das pessoas envolvidas, direta
ou indiretamente, nas unidades de ensino. Ela pode se dar por meio de palestras informativas e formações
em nível de aperfeiçoamento e especialização para os professores que atuam ou atuarão no AEE.
As palestras informativas devem envolver o maior número de pessoas possível: professores do ensino
comum e do AEE, pais, autoridades educacionais. De caráter mais amplo, essas palestras têm por
objetivo esclarecer o que é o AEE, como ele está sendo realizado e qual a política que o fundamenta,
além de tirar dúvidas sobre este serviço e promover ações conjuntas para fazer encaminhamentos,
quando necessários.
Para a formação em nível de aperfeiçoamento e especialização, a proposta é que sejam realizadas
ações de formação fundamentadas em metodologias ativas de aprendizagem, tais como Estudos de
Casos, Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) ou Problem Based Learning (PBL), Aprendizagem
Baseada em Casos (ABC), Trabalhos com Projetos, Aprendizagem Colaborativa em Rede (ACR), entre
outras.
Essas metodologias trazem novas formas de produção e organização do conhecimento e colocam o
aprendiz no centro do processo educativo, dando-lhe autonomia e responsabilidade pela sua
aprendizagem por meio da identificação e análise dos problemas e da capacidade para formular questões
e buscar informações para responder a estas questões, ampliando conhecimentos.
Tradicionalmente os cursos de formação continuada são centrados nos conteúdos, classificados de
acordo com o critério de pertencimento a uma especificidade, tendo sua organização curricular pautada
num perfil "ideal" de aluno que se deseja formar. Estes modelos de formação estão sendo cada vez mais
questionados no contexto educacional e algumas metodologias começam a surgir com a finalidade de
romper com esta organização e determinismo. Tais metodologias rompem com o modelo determinista de

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
formação, considerando as diferenças entre os estudantes e apresentando uma nova perspectiva de
organização curricular.
Zabala defende uma perspectiva de organização curricular globalizadora, na qual os conteúdos de
aprendizagem e as unidades temáticas do currículo são relevantes em função de sua capacidade de
compreender uma realidade global. Para Hernandez (1998), o conceito de conhecimento global e
relacional permite superar o sentido da mera acumulação de saberes em torno de um tema. Ele propõe
estabelecer um processo no qual o tema ou problema abordado seja o ponto de referência para onde
confluem os conhecimentos.
É neste contexto que surgem as metodologias ativas de aprendizagem. Elas requerem uma mudança
de atitude do docente. Uma delas refere-se à flexibilidade diante das questões que surgirão e dos
conhecimentos que se construirão durante o desenvolvimento dos trabalhos. Este processo permite aos
professores e aos alunos aprenderem a explicar as relações estabelecidas a partir de informações obtidas
sobre determinado assunto e de- monstra respeito às diferentes formas e procedimentos de organização
do conhecimento. Essas propostas colocam o aprendiz como protagonista do processo de ensino e
aprendizagem e agrega valor educativo aos conteúdos da formação. Os conteúdos não se tornam à
finalidade, mas os meios de ensino. As metodologias ativas de aprendizagem têm como característica o
fato de se desenvolverem em pequenos grupos e de apresentarem problemas contextualizados. Trata-
se de um processo ativo, cooperativo, integrado e interdisciplinar. Estimula o aprendiz a desenvolver os
trabalhos em equipe, ou- vir outras opiniões, a considerar o contexto ao elaborar as propostas das
soluções, tornando-o consciente do que ele sabe e do que precisa aprender. Motiva-o a buscar as in-
formações relevantes, considerando que cada problema é um problema e que não existem receitas para
solucioná-los.
Entre as diversas metodologias, a Aprendizagem Colaborativa em Redes - ACR, construída a partir da
metodologia de Aprendizagem Baseada em Problemas, foi desenvolvida para um programa de formação
continuada a distância de professores de AEE. Seu foco é a aprendizagem colaborativa, o trabalho em
equipe, contextualizado na realidade do aprendiz.
A ACR é composta de etapas que incluem trabalhos individuais e coletivos. As etapas compreendem
a apresentação, a descrição e a discussão do problema; pesquisas em fontes bibliográficas para favorecer
a compreensão do problema; apresentação de propostas de soluções para o problema em foco;
elaboração do plano de atendimento; socialização; reelaboração da solução do problema e do plano de
atendimento; avaliação.
A proposta de formação ACR prepara o professor para perceber a singularidade de cada caso e atuar
frente a eles. Nesse sentido, a formação não termina com o curso, visto que a atuação do professor requer
estudo e reflexões diante de cada novo desafio. Finalizada a formação, é importante que os professores
constituam redes sociais para dar continuidade aos estudos, estudar casos, dirimir dúvidas e socializar
os conhecimentos adquiridos a partir da prática cotidiana. Para contribuir com estas ações, a internet
disponibiliza várias ferramentas de livre acesso que podem ser utilizadas pelos professores.
As tecnologias de informação e comunicação - TICs, em especial as tecnologias Web 2.0, possibilitam
aos usuários o acesso às informações de forma rápida e constante. Elas permitem a participação ativa
do usuário na grande rede de computadores e invertem o papel de usuário consumidor para usuário
produtor de conhecimento, de agente passivo para agente ativo, o que pode ampliar as possibilidades
dos programas de formação pautados em metodologias ativas de aprendizagem.
Estas e outras ferramentas possibilitam viabilizar a construção coletiva do conheci- mento em torno
das práticas de inclusão e, o mais importante, socializar estas práticas e fazer delas um objeto de
pesquisa.

Salas de Recursos Multifuncionais

As Salas de Recursos Multifuncionais são espaços localizados nas escolas de educação básica, onde
se realiza o Atendimento Educacional Especializado - AEE. Essas salas são organizadas com mobiliários,
materiais didáticos e pedagógicos, recursos de acessibilidade e equipamentos específicos para o
atendimento aos alunos público alvo da educação especial, em turno contrário à escolarização.
O Ministério da Educação, com o objetivo de apoiar as redes públicas de ensino na organização e na
oferta do AEE e contribuir com o fortalecimento do processo de inclusão educacional nas classes comuns
de ensino, instituiu o Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais, por meio da
Portaria Nº. 13, de 24 de abril de 2007.
Nesse processo, o Programa atende à demanda das escolas públicas que possuem matrículas de
alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou superdotados/altas habilidades,
disponibilizando as salas de recursos multifuncionais, Tipo I e Tipo II. Para tanto, é necessário que o

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
gestor do município, do estado ou do Distrito Federal garanta professor para o AEE, bem como o espaço
para a sua implantação.
As Salas de Recursos Multifuncionais Tipo I são constituídas de microcomputadores, monitores, fones
de ouvido e microfones, scanner, impressora laser, teclado e colmeia, mouse e acionador de pressão,
laptop, materiais e jogos pedagógicos acessíveis, software para comunicação alternativa, lupas manuais
e lupa eletrônica, plano inclinado, mesas, cadeiras, armário, quadro melanínico.
As Salas de Recursos Multifuncionais Tipo II são constituídas dos recursos da sala Tipo I, acrescidos
de outros recursos específicos para o atendimento de alunos com cegueira, tais como impressora Braille,
máquina de datilografia Braille, reflete de mesa, punção, soroban, guia de assinatura, globo terrestre
acessível, kit de desenho geométrico acessível, calculadora sonora, software para produção de desenhos
gráficos e táteis.

Conhecendo Alguns Recursos Acessíveis


a) Jogo Cara a Cara: O objetivo do jogo é encontrar a outra cara igual à que o outro participante tem
em mãos. Crianças com cegueira têm a possibilidade de encontrar os pares em função das texturas, e
crianças com baixa visão, em função das cores contrastantes. O jogo foi feito em borracha e com
retângulos em tamanho grande para permitir que crianças com dificuldades motoras possam jogar. Dessa
forma, o jogo permite a participação de todos.

b) Maquete da planta baixa: Uma maquete de planta baixa pode ser confeccionada com diferentes
materiais, como o papel cartão, o papel camurça e outros. Esse material proporciona a percepção do
ambiente, a orientação espacial e a mobilidade.

c) Máquina Braille

d) Jogo da velha e dominó: Estes jogos são constituídos de peças e tabuleiro em diferentes materiais,
texturas, cores e formas geométricas que permitem acessibilidade para alunos com cegueira ou com
baixa visão.

e) Teclado com colmeia: a colmeia é um recurso da tecnologia assistiva feita em acrílico transparente
com furos coincidentes às teclas do teclado comum. A colmeia facilita a digitação do aluno com dificuldade
motora.

f) Mouse e acionador de pressão: O acionador de pressão, conectado ao mouse, é utilizado por alunos
com deficiência física. Por exemplo, em casos em que os alunos apresentam amputação de braços, o
acionador poderá ser ativado com o queixo ou, se o aluno apresenta dificuldades motoras nas mãos, o
acionador poderá ser ativado com o movi- mento do cotovelo.

g) Aranha-mola: O recurso da tecnologia assistiva denominado Aranha-mola é produzido com um


arame revestido, onde os dedos e a caneta são encaixados. O objetivo deste recurso é estabilizar ou
auxiliar nos movimentos de pessoas com deficiência física nas atividades em que utilizam lápis, caneta
ou pincel.

Considerações Finais

A garantia de acesso, participação e aprendizagem de todos os alunos nas escolas contribui para a
construção de uma nova cultura de valorização das diferenças. Este fascículo destacou em seus tópicos
a importância de se rever a organização pedagógica e administrativa das escolas para que estas possam
tornar-se espaços inclusivos.
Do ponto de vista da escola comum, ressaltou-se o papel do Projeto Político Pedagógico como
instrumento orientador desses espaços e a participação e comprometimento dos professores na
elaboração e execução desse Projeto. Quanto à Educação Especial, reiteramos a necessidade de esta
modalidade de ensino ser parte integrante do PPP, para que seus serviços possam ser implementados
na perspectiva da educação inclusiva, como prevê a Política Nacional da Educação Especial.
O entrelaçamento dos serviços de Educação Especial, entre os quais o Atendimento Educacional
Especializado, conjuga igualdade e diferenças como valores indissociáveis e como condição de acolher
a todos nas escolas. As ações para consolidação do AEE exigem firmeza e envolvimento de todos os que
estão se empenhando para que as escolas se tornem ambientes educacionais plenamente inclusivos.

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Nessa caminhada em favor de uma escola para todos, a educação especial brasileira tem tomado
decisões e iniciativas que surpreendem pela ousadia de suas propostas e coerência de seus
posicionamentos com o que nossa Constituição de 1988 prescreve como direito à educação.
A possibilidade de inventar o cotidiano tem sido a saída adotada pelos que colocam sua capacidade
criadora para inovar, romper velhos acordos, resistências e lugares eternizados na educação. É a
determinação e um forte compromisso com a melhoria da qualidade da educação brasileira que está
subjacente a todas essas mudanças que estão propostas pela Política atual da Educação Especial.

SMOLE, Kátia Stocco; DINIZ, Maria Ignez; CÂNDIDO, Patrícia. Resolução de


problemas: matemática de 0 a 6. Porto Alegre: Artmed, 2003.

25
A necessidade atual de desenvolver nos jovens competências de pensamento, que privilegiem a
capacidade de aprender a aprender como uma forma de garantir a sua adaptação aos desafios que a
sociedade do conhecimento lhes coloca, justifica a necessidade de promover em contexto escolar o
ensino de Matemática por meio de problemas. Podemos afirmar, sem risco de exageros, que em se
tratando de Matemática um aluno será levado a construir competências somente confrontando-se, regular
e intensamente, com situações problematizadoras que mobilizem diversos tipos de recursos cognitivos e
metacognitivos.
A resolução de problemas nesse sentido não é uma situação qualquer, focada em achar uma resposta
de forma rápida, mas deve colocar o resolvedor diante de uma série de decisões a serem tomadas para
alcançar um objetivo previamente traçado por ele mesmo ou que lhe foi proposto, mas com o qual ele
interage, se desafia e envolve. Essa estratégia está centrada na ideia de superação de obstáculo pelo
resolvedor, devendo, portanto, não ser de resolução imediata pela aplicação de uma operação ou fórmula
conhecida, mas oferecer uma resistência suficiente, que leve o resolvedor a mobilizar seus
conhecimentos anteriores disponíveis, bem como suas representações, e seu questionamento para a
elaboração de novas ideias e de caminhos que visem a solucionar os desafios estabelecidos pela situação
problematizadora, gerando então novas aprendizagens e formas de pensar.
Sendo assim, refletir sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática na escola é necessariamente
identificar a aula como um espaço problematizador, no qual os alunos se deparam com desafios
constantes, por meio dos quais buscam regularidades, formulam, testam, justificam ou refutam hipóteses,
refletem a partir de experiências bem sucedidas ou não, defendem suas ideias por meio de
argumentações e discussões com seus pares. É um recurso que auxilia os alunos a desenvolver um fazer
matemático indo além do mero domínio de técnicas e exercícios típicos. Enfrentar e resolver uma
situação-problema não significa apenas compreender o que é exigido, aplicar as técnicas ou fórmulas
adequadas e obter a resposta correta, mas, além disso, uma atitude de investigação científica em relação
aquilo que está sendo resolvido e mesmo diante da solução que se obtém. Dessa forma, um problema
não acaba na conferência da resposta, porque exige a discussão das soluções, a análise dos dados e,
finalmente, uma revisão e o questionamento da própria situação inicial.
Por isso, ao resolvedor deve ficar claro que a resposta correta é tão importante quanto o processo de
resolução. Ele deve perceber ainda que podem surgir diferentes soluções, que precisam ser comparadas
entre si e justificadas em relação àquilo que se desejava resolver. Podemos afirmar que a resolução de
problemas se caracteriza por uma postura de inconformismo frente aos obstáculos e ao que foi
estabelecido por outros, sendo um exercício contínuo de desenvolvimento do senso crítico e da
criatividade, que são características primordiais daqueles que fazem ciência e que são objetivos
importantes do ensino de Matemática.
Atitudes naturais do aluno que não encontram espaço dentro do modelo tradicional de ensino, como é
o caso da curiosidade e da confiança em suas próprias ideias, passam a ser valorizadas nesse processo
investigativo. Para que esse processo se desenvolva plenamente, o ensino de Matemática deve
primeiramente favorecer um ambiente de aprendizagem que simule na sala de aula uma comunidade
matemática, onde todos possam participar, opinar, comunicar e trocar informações e experiências.
Nessa comunidade, os alunos – mediados por um professor que questiona, instiga a análise, valoriza
a troca de impressões e opiniões – desenvolvem um conhecimento matemático que lhes permite
identificar, selecionar e utilizar estratégias adequadas ao resolver situações-problema por meio de
diferentes processos de resolução, em detrimento das respostas mecânicas para problemas sem sentido
para eles. Como ingredientes desse processo, defendemos a resolução de problemas com características

25http://www.smbrasil.com.br/sm_resources_center/somos_mestres/formacao-reflexao/a-resolucao-de-problemas-pensamento-matematico.pdf

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1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
variadas, além daqueles rotineiros. As tarefas e os problemas discutidos devem apresentar um potencial
que permita aos estudantes propor conjecturas, usar exemplos e contraexemplos.
Acrescentamos, também, a necessidade de manter periodicamente problemas novos em sala de aula,
de conduzir os alunos à observação das diversas estratégias que utilizam quando enfrentam situações
novas e a testar algumas alternativas em oportunidades de verificar as destrezas e as dificuldades no
processo de resolver problemas de seus pares. São fundamentais o valor, as estratégias, as habilidades
e os processos, pois fornecem aos alunos uma forma flexível e independente de pensar. Além disso,
ganha força a opção pelo processo de socialização da aprendizagem, pautado em trabalhos em grupo,
estratégia fundamental na formação de um ambiente matemático.
As discussões entre pares permitem que o resolvedor-aluno analise várias alternativas, o que é
essencial para o desenvolvimento das ideias matemáticas, e desenvolva a percepção de que a resolução
de problemas não é uma tarefa solitária.
Em todos os sentidos, o que se busca é que os alunos exerçam maior e melhor controle sobre o seu
fazer e o seu pensar matemático, adquirindo sistemas de controle e autorregulação que os auxiliem a
escolher ou optar por determinada estratégia, abandoná-la ou buscar outra que melhor se ajuste à
situação e, ao final, avaliar o processo vivido. O que garante os processos metacognitivos aos quais nos
referimos anteriormente. O enfoque apresentado até agora implica um repensar o ensino de Matemática,
sua concepção e as situações didáticas propostas, visando ao processo de aprendizagem que, para
ocorrer, atribui ao professor um papel essencial.
Cabe ao professor escolher bons problemas, planejar formas de explorá-los para que os alunos sejam
colocados em situação de ver e confrontar diferentes pontos de vista, explicitar o que é difícil, justificar
como pensou uma solução, avaliar o processo vivido, valorizar a análise de erros, entre tantas outras
ações. Podemos concluir afirmando que, se por um lado, a resolução de problemas é o processo que
permite atribuir sentido e significado ao fazer matemático na escola, serão o planejamento e a condução
do processo da aula que permitirão ou não a ampliação das capacidades reflexivas do aluno. Portanto, a
mudança da visão da Matemática como uma disciplina na qual reproduzimos modelos, ou fazemos
exercícios, para uma outra marcada pela investigação, pela possibilidade de diálogo e de aprendizagem
significativa é uma decisão didática em profunda relação com aquilo que acreditamos que seja ensinar e
aprender Matemática.

VINHA, Telma Pileggi. O educador e a moralidade infantil numa perspectiva


construtivista. Revista do Cogeime, nº 14, julho/99, pág. 15-38.

26
O que me levou a pesquisar a área da moralidade, a questão da autonomia, foi a minha experiência
como coordenadora pedagógica. Quando eu trabalhava em Itatiba, cidade próxima a Campinas, como
coordenadora, os professores costumavam me perguntar: “O que eu faço com aquele aluno que bate nos
outros? O que eu faço com aquele que fala palavrão o tempo inteiro? E com aquele que não para um
minuto quieto, que fica correndo pela classe? Eu ponho para pensar e não adianta.”
Eu também não sabia o que fazer. Sabíamos que não podia gritar, não podia estrangular, mesmo
sendo nossa vontade, não podia colocar de castigo, não podia bater. Nós sabíamos o que não fazer, mas
não sabíamos quais procedimentos eram adequados para lidar com essa questão do desenvolvimento
da moralidade, da autonomia, da disciplina.
Estudamos um pouco de psicologia, lemos textos, lemos artigos e não queremos educar como
educávamos algumas décadas atrás. Não queremos repetir um modelo de educação autoritária, como a
que nós tivemos. Mas, ao mesmo tempo, nos sentimos inseguros de como agir diante de um mal
comportamento de uma criança. Por vezes, os professores sentiam-se muito permissivos. Diziam: “Eu
converso, converso, converso e não adianta. Não acontece nada. Ele continua da mesma maneira.”
Em outros momentos, o professor não se continha e acabava estourando e sentia-se autoritário
demais. A nossa preocupação era encontrar o limite da intervenção, de qual o procedimento que está
mais coerente com o ser humano que eu quero formar. Que ser humano vocês querem formar?
Autônomo, crítico, criativo, humano, responsável, que saiba conviver com o outro, cidadão, feliz,
inteligente.
Humano, no sentido de pessoa humanizada, merece reflexão. Será que os nossos procedimentos
pedagógicos, aqueles que utilizamos em sala de aula, são coerentes com esse homem que queremos
construir?

26VINHA, T.P.; O Educador e a Moralidade Infantil, Uma visão construtivista. Revista do Cogeime nº 14 Julho/99.
https://www.redemetodista.edu.br/revistas/revistas-cogeime/index.php/COGEIME/article/download/506/459

239
1605378 E-book gerado especialmente para ETIENNE S. OLIVEIRA
Na escola tradicional, o professor também tem esses objetivos belos e nobres, e realmente gostaria
de estar trabalhando para formar esse homem. Só que, na sala de aula, uma carteira está atrás da outra
e as crianças não podem se comunicar, conversar. Cada um tem que ter o seu próprio material, não pode
emprestar para o amigo. A professora é quem diz o que fazer, quando fazer, como começar, quando
começar, a que horas terminar. Ela é quem determina, inclusive, a ida ao banheiro. É a própria professora
que diz para as crianças quando está certo e quando está errado.
Como é que queremos formar pessoas cooperativas, se um não pode ajudar o outro, porque isso é
visto como ‘cola’, como uma coisa negativa? Quando escrevem, eles colocam o braço sobre o trabalho
para o outro não ver. Como é que eu posso formar pessoas solidárias, se cada um tem que ter o seu, se
eu não posso compartilhar os meus materiais, se eu não posso compartilhar minhas atividades com o
meu colega? Como é que eu quero formar pessoas que saibam decidir, se o professor decide até a hora
das crianças irem ao banheiro, decide que atividade vai ser dada, como vai ser feita? Como é que eu
quero crianças que saibam viver em uma democracia, conviver com os iguais, se eles não podem
conversar?
Há muita incoerência entre o objetivo e os instrumentos utilizados para atingir esse objetivo. Se o
objetivo é formar um ser humano autônomo, criativo etc., a sala tem que ter um ambiente em que tudo
isso seja possível de acontecer. Essa é apenas uma reflexão inicial. O tema central é a construção da
autonomia, o desenvolvimento moral.
O que se entende por moralidade? Qual é a ideia de moralidade? O que é certo? O que é íntegro,
integridade, respeito, o bem, o caráter? Como isso é construído na criança, como a criança aprende isso
no dia-a-dia? Ela segue exemplos, modelos?
Primeiramente, o desenvolvimento moral refere-se ao desenvolvimento das crenças, dos valores, das
ideias dos sujeitos sobre a noção do certo, do errado, dos juízos. Quando me sinto culpado por uma
atitude, estou emitindo um juízo. Esse julgamento reflete as minhas crenças, os meus valores, a noção
do que é certo e do que é errado. Da mesma forma quando julgo a ação do outro e a maneira como eu
acredito que o outro me vê.
Esse é o desenvolvimento moral. A moral se refere ao que eu devo ser, como eu devo agir perante o
outro. Como eu devo e não como eu ajo. O estudo da moral, da ética, é como eu devo agir. O mais
importante, para Piaget, não são os valores pessoais. O que mais importa para ele é por que eu sigo
esses valores. Por exemplo, por que eu tenho que ser honesto numa relação com outra pessoa? Por que
a sociedade me ensinou e todos cobram esse padrão social? Se eu viver em uma sociedade que me
ensine que a mentira, às vezes, é o melhor caminho, então eu posso mentir e tudo bem? Eu tenho que
ser verdadeiro sempre? Por que isso é importante?
Piaget mostra o que vai fazer diferença entre uma moral autônoma - quando uma pessoa governa a si
mesma, é responsável pelos seus atos, leva em conta o outro antes de tomar uma decisão - e uma moral
heterônoma - quando a pessoa é governada pelos outros. É uma pessoa que justifica o que ela faz,
justifica o que ela sente em nome do outro, do terceiro. “Eu penso assim porque a vida inteira me
ensinaram a agir assim.”
O que faz diferença entre uma moral heterônoma, em que a moral é externa, e a autônoma, em que o
centro, a ética, os meus valores, são interiorizados, são internos é justamente a razão de eu seguir os
meus valores. Por que os professores querem que as crianças cumpram as regras da classe? Porque as
regras são necessárias para organizar os trabalhos, para formar os cidadãos do futuro e não por medo
da criança de ficar sem recreio ou receber uma punição ou uma recompensa do professor depois.
O fundamental para Piaget é que as pessoas autônomas seguem determinadas normas porque elas
acreditam que isso é o melhor para elas. Elas não seguem essas normas para receber uma recompensa,
por medo do olhar externo, por medo de uma punição, de uma censura. O importante não é ser leal ou
não, mas por que eu estou sendo leal.
É preciso saber que numa relação entre pessoas, se uma começar a falar mentiras, o elo de confiança
é rompido, desestabilizando a relação. O importante é refletir a respeito de por que seguimos as normas,
os nossos valores. É por medo ou para agradar os pais, o diretor, as crianças?
Para serem coerentes com isso, os educadores devem estar pensando por que estão transformando
a sala de aula, aderindo ao construtivismo. Se é porque eu sigo os meus valores e estou me
transformando ou se é por uma recompensa ou uma punição. É isso que vai fazer diferença entre uma
moral autônoma e uma moral heterônoma.
Para a criança, a construção da inteligência se dá a partir da interação com o meio. O mesmo vale
para a moralidade. A construção dos valores, o desenvolvimento moral, se dá a partir da interação da
criança com pessoas e situações. Não existe moral sem o outro. A moral, necessariamente, envolve o
outro, porque se refere a regras, a normas, como as pessoas devem agir perante o outro. A construção
dos valores se dá a partir das experiências com o outro.

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Será que a moralidade é ensinada diretamente? É muito comum usarmos histórias infantis - contar
que o Pinocchio mentiu e o nariz dele cresceu. Quando as crianças brigam, contamos uma história de
briga entre os personagens, que tiveram um final trágico. Com a história da cigarra e da formiga,
ensinamos a questão da solidariedade, da cooperação, e assim por diante, sempre utilizando a moral da
história.
Na realidade, a moralidade não se aprende assim. A moralidade não é ensinada por sermões. A
moralidade vai se dando a partir das pequenas experiências diárias que a criança tem ao se relacionar
com o outro.
O pai ensina a não mentir, mas quando, por exemplo, encontra uma morena na padaria, diz para o
filho: “não fala para tua mãe que eu encontrei com a fulana”. Ou a mãe bate o carro e diz: “não conta para
o teu pai que fui eu!”. Ou ainda quando a criança fala a verdade, é punida, mais pelo que ela contou do
que por ter falado a verdade. No entanto, para a criança, o sentimento é de que falou a verdade e foi
castigada. O que ela está aprendendo?
A criança vai percebendo que, às vezes, ela mente e não é descoberta e que a mentira é necessária
para escapar de um castigo. Essas são as experiências que ela está tendo com as pessoas, mostrando
que nem sempre ser honesto é um bom negócio.
Para falar da moralidade infantil é preciso considerar que a criança tem uma concepção do que é certo,
do que é errado, do valor de verdade, do valor de mentira, completamente diferente do adulto. Para uma
criança pequena, uma mentira que é considerada grave é uma mentira em que você não pode acreditar.
É, por exemplo, você dizer que encontrou um homem do tamanho de um prédio. Para ela, essa é uma
mentira muito grave, porque não existe um homem do tamanho de um prédio. Assim, o exagero para a
criança é mentira. Por outro lado, ela falar que tirou uma nota alta na prova, sendo que não tirou, não é
uma mentira assim tão séria, porque ela poderia ter tirado mesmo! Como ela poderia ter tirado, é uma
mentirinha boba.
Um adulto que disser que trocou de carro e não trocou cometeu uma mentira séria, porque está
querendo aparecer, teve a intenção de mentir e enganar. Mas se alguém disser: “eu vi um caminhão que
parecia um navio de tão grande”, as pessoas vão perceber que é um exagero, não é uma mentira tão
séria. Para a criança é o contrário.
A criança também considera o engano e a mentira a mesma coisa. A partir daí, como podemos lidar
com a mentira na criança? Constance Camille deixa claro que, primeiramente, devemos perceber que a
própria inteligência da criança - de educação infantil, com dois a sete anos - é pré-operatória, é intuitiva.
Muitas vezes acontece que o adulto é capaz, a partir de indícios, deduzir que a criança comeu biscoitos
- a lata de biscoito está diminuindo, a boquinha da criança está suja. Em vez de afirmar: “você comeu
biscoito”, diz: “o seu coração está me dizendo que você comeu biscoito.” Ou: “deixa eu olhar nos seus
olhos. Você comeu biscoito e está mentindo”. Isso é um abuso da autoridade do adulto que trata a criança
como se fosse transparente. Isso só é possível porque essa criança ainda é pré-operatória, incapaz de
tirar a conclusão como o adulto.
Eles realmente acreditam que são transparentes e que os adultos são mágicos, têm o poder de,
olhando dentro dos olhos, ouvindo o coração, adivinhar. É diferente se o adulto falar “eu não posso
acreditar no que você está me dizendo por causa disso”.
A primeira atitude do adulto é não abusar da autoridade de adulto, porque a criança constrói a
privacidade com muito custo. É preciso dizer para a criança o porquê de você não acreditar no que ela
está dizendo e mostrar onde está a mentira no que ela falou. Explicar quais são as consequências da
mentira na relação entre duas pessoas.
Quando queremos crianças e pessoas sinceras, devemos estar preparados para ouvir verdades
agradáveis e desagradáveis. Valorizar o fato de a criança ter contado a verdade, mas não deixar de
conversar sobre o que ela fez. Deixar claro que contar a verdade é algo saudável, e refletir sobre o ato
em si.
Moralidade envolve uma série de regras e essas regras só existem porque na convivência entre as
pessoas são necessárias. Com o tempo, a criança vai percebendo as consequências do não cumprimento
da regra ou da necessidade dessa regra existir. Na educação, é isso que tem de ser mostrado para as
crianças.
É muito comum as regras serem associadas ao medo da criança ser punida, ao medo dela ser
castigada por Deus, ou por um anjinho que está vendo tudo. Ou ainda a uma recompensa. Se ela for
boazinha, vai ganhar um sorvete. Na realidade, se a criança só deixa de mentir porque tem medo de o
nariz crescer, ou deixa de mentir porque a mamãe não gosta que mente, ou porque a mamãe acha feio,
ela cresce com medo de descobrirem. O que fazia essa criança legitimar a norma de falar a verdade eram
coisas que, provavelmente, quando ela crescer já não vai acreditar mais. Haverá situações em que ela

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vai mentir e ninguém vai descobrir, o nariz não vai crescer. Ela vai experimentar situações em que a
opinião da mãe dela não pesa tanto quanto a dos amigos.
O que fazia a criança legitimar a norma já não existe mais. Ela não tem mais porque cumprir. Por isso
é importante associar uma regra a um bem-estar e às consequências do não cumprimento dessa regra.
Tem de haver sentido na existência da regra, para um bom convívio social.

Temas transversais

Atualmente, é comum os professores alegarem que, nas classes em que trabalham em grupos, as
crianças têm mais conflitos. É claro, elas convivem mais, antes elas conviviam menos, então os conflitos
não apareciam. A moralidade é justamente um tema transversal à ética por causa disso.
As crianças estão convivendo e, de repente acontece uma briga. Se o professor finge que não vê, ele
está passando uma mensagem de que, nessa escola, a agressão é permitida. Ao contrário, se a briga é
encerrada por um adulto e os dois são colocados de castigo, a mensagem é de que os adultos têm mais
autoridade, e quando vocês tiverem um problema têm de procurar um adulto. O melhor seria interferir
para revalidar a regra e deixar claro: “aqui nesta escola, as pessoas não devem se agredir. Vamos ver o
que está acontecendo e uma maneira de resolver isso sem agressão.”
Diante do mesmo conflito, o adulto pode ter respostas diferentes e, de qualquer maneira, ele está
ensinando a moralidade nesse dia-a-dia. Com cada resposta que ele dá, ou com as que ele não dá, a
moralidade e a ética são abordadas. Por isso é um tema transversal. A moralidade vai se dando a partir
daquelas situações do cotidiano do professor, do pai, das crianças com as crianças. Nesses momentos
é que estão sendo trabalhadas a ética e a moralidade.
Cada ato do relacionamento com o aluno serve para algo e faz parte da construção da personalidade
que a criança está formando. Em cada ato, o educador tem que perceber que está trabalhando a
moralidade, por isso que é um tema transversal. Vamos supor que duas crianças estejam brigando por
causa de um balanço. O professor pode fingir que não está vendo. Ou pode ir lá e dizer: “Cada um balança
dois minutos e eu vou ficar marcando.” Ou ele pode chegar e falar: “Temos um balanço e duas crianças
querendo balançar. Como vamos resolver isso? Como vamos fazer para que todos usem o balanço?”
Nos três casos, o professor está passando uma mensagem. Podem se pagar porque o problema é de
vocês. Ou o adulto resolve o problema. Ou vamos resolver o problema sem agressão.
Quando as crianças começam a resolver os problemas, as soluções não são as mais adequadas. Mas
elas só vão chegar a resolver os problemas de forma adequada, quando começarem a resolvê-los,
percebendo as consequências.
Em nenhum momento afirma-se que o professor não deve intervir. Mas a intervenção deve ser
adequada, construtiva. Atuar como interlocutor ou mediador do problema, da discussão para que as
crianças possam chegar a uma conclusão.
O que as crianças podem fazer na sala, com relação aos limites, às normas, é justamente elaborar as
regras. Há normas que são necessárias, não são negociadas. Por exemplo, não é permitido bater. É uma
regra que não pode ser flexível - bater só de vez em quando ou de leve. Outro exemplo é escovar os
dentes, também é uma regra que não tem negociação.
Nas salas de aula existem dois tipos de regras. As regras necessárias são as regras de boa saúde, de
boa educação. São regras que não se negocia. A criança não pode escolher se ela quer ir na escola ou
não. Este tipo de escolha não tem negociação.
Existem outras normas que são as que organizam o trabalho da sala e garantem a justiça. Da
formulação dessas regras as crianças podem participar. Por exemplo, combinar algum sinal para avisar
quando o barulho estiver muito alto. Há salas em que a criança incomodada com o barulho apaga a luz
para avisar os colegas que abaixem o tom de voz. Diminuiu, ela acende a luz. Assim, até a cobrança da
regra não fica só com o professor, mas também com quem estiver incomodado.
É muito comum acontecer uma visão reducionista da teoria de Piaget, quando as escolas acham que
a criança pequena pode escolher qual a sanção ou castigo que vai ser dado à criança que está aprontando
alguma coisa. Crianças de seis anos são egocêntricas e incapazes de coordenar pontos de vista
diferentes, de se colocar no lugar do outro. Elas escolhem os castigos da maneira mais severa, que é a
ideia que elas têm de justiça. Para elas, é justo pagar o preço sofrendo, para ser perdoado e aceito no
grupo, restabelecendo o elo que foi rompido.
Nesses casos, não se pode passar a autoridade da escolha de sanção para a criança, mas sim elaborar
a regra com eles. Um problema é colocado, discutido e decidido pelo grupo, resultando numa regra. Mas
não se combina com as crianças o que fazer com quem não segue a regra, porque isso é um problema
do professor, que tem que ser bem preparado para saber qual é a sanção mais justa, com o aluno.

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A criança tem uma interpretação de regra rígida, ao pé da letra. Ela não percebe que cada caso é um
caso. Ela não tem essa noção de justiça. É um erro acharmos que as crianças podem escolher qual é a
sanção mais justa. Quando pregamos a intervenção e a não intervenção, trata-se de uma intervenção
adequada, porque o professor desempenha uma autoridade na classe. Até saber, inclusive, até onde as
crianças podem ir.
A moralidade é um tema transversal porque, quer o professor queira, quer não queira, está trabalhando
a moral. O problema é que a maioria das escolas trabalham a moralidade não em direção à autonomia e
sim à manutenção da heteronomia. Toda escola - de Educação Infantil, Ensino fundamental, Ensino
médio, professor de química, de física - trabalha a moral. Mas muito poucos professores a trabalham em
direção a autonomia.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais colocam temas transversais como orientação sexual, educação
para a saúde, ética, pluralidade cultural, meio ambiente. Quando o professor pede para as crianças
escovarem os dentes e a torneira fica aberta, ele está trabalhando o tema transversal meio ambiente,
mas com o desperdício.
Em outra situação, ele vê duas crianças brincando de faz-de-conta de namorar ou se beijando e fica
roxo de vergonha ou repreende. Ele também está trabalhando a orientação sexual. Nós precisamos
conhecer muito bem os temas transversais porque, independentemente da nossa vontade, eles estão
sendo trabalhados.
A moralidade é ensinada a todo momento. O professor passa mensagens e valores constantemente.
Qualquer professor transmite valores e regras nos livros didáticos, na organização institucional. Para cada
regra da escola, temos de pensar se ela é realmente necessária, se está prejudicando a aprendizagem e
o desenvolvimento da criança. Tudo tem que ter um sentido de existir.
Outro aspecto refere-se a como o conteúdo é trabalhado. Se queremos “pessoas críticas”, não
ensinamos história com uma visão única, dando a crítica pronta. É preciso que eles comparem diferentes
autores sobre história e discutam. Para ensinar o lógico-matemático, é preciso dar oportunidade para a
criança reinventar, assim como no conhecimento físico, com as propriedades dos objetos, cor, sabor,
odor.
Ensinar sem permitir que eles descubram, passando os conceitos como se fossem verdades prontas,
ensinando a técnica para resolver sem deixá-los resolver por si mesmos, assim o educador deixa claro
que a verdade vem da cabeça do professor. Assim, o que os alunos têm de fazer, mesmo que eles não
entendam, é obedecer, é aceitar a autoridade, que hoje é o professor e amanhã pode ser o diretor, o
chefe, o marido, o político.
As crianças vão aprendendo a engolir sem entender. Vão engolindo e achando que é assim mesmo e
quando crescem, continuam acreditando que as verdades vêm de determinadas pessoas e não
questionam essas verdades.

Avaliação

A forma de avaliação das crianças é outro aspecto. Por exemplo, perder ponto quando conversar e
ganhar ponto quando entregar trabalho. A maneira de usar o instrumento de avaliação, ameaçando com
frases como: “vocês vão ver na hora da prova, vou dar uma prova surpresa”. Portanto, na avaliação, e se
é avaliado o desenvolvimento da criança pequena, também está sendo trabalhada a moralidade.
A relação professor-aluno e a relação entre as próprias crianças são indicativas de valores, normas e
regras. Se é permitida a discriminação e o desrespeito no relacionamento entre os alunos, isso é
legitimado pela escola, que não tem esse direito e o professor não pode permitir esse tipo de atitude no
ambiente escolar.
Nós precisamos, como educadores, ter uma postura extremamente exemplar. Somos modelos e
sabemos que, nesse período pré-operatório, a criança aprende muito por imitação, que é inconsciente. O
modelo tem que ser exemplar porque a criança não vai aprender o que é falado, mas com os atos de
quem fala. Por isso, é fundamental que haja coerência no modo de agir e coerência no discurso.
Para a criança aprender o respeito, tem que viver em um ambiente de respeito. Para aprender a falar
baixo, é preciso que se fale baixo com ela. Se as crianças utilizam uniforme, os professores têm de usar
também. Se o professor quer que as crianças, por exemplo, respeitem uma fila, tem que respeitar também
e, na hora da merenda, entrar na fila, e se quer que eles falem a verdade, tem que ser sincero.
O modelo tem que ser exemplar e isso é fundamental. A criança não vai seguir as mensagens
passadas verbalmente, oralmente. Ela vai seguir o comportamento. Por isso a postura tem que ser muito
exemplar.

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Ambiente cooperativo

É muito comum na educação em geral, na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, que se estudem
técnicas e procedimentos de educação moral, mas o professor não faz o essencial que é construir um
ambiente cooperativo. Não adianta pensar em trabalhar direitos e respeito com discurso e técnicas em
cima de dilemas, e não construir na classe um ambiente em que tudo isso está presente.
A preocupação deve ser construir esse ambiente, em que as crianças interajam, pautado pelo respeito,
sem coerção ou pressão. Favorecer que a criança tome pequenas decisões e assume responsabilidades.
Ela estará construindo esse conhecimento e o professor também estará trabalhando com temas
específicos, como os direitos.
Na verdade, a construção da personalidade moral vai se dar a partir da interação com os diversos
ambientes: família, escola, amigos, meios de comunicação, etc. Cada um tem um peso. Na primeira
infância, até os quatro anos, a família tem uma peso muito grande. A interação com esses vários
ambientes é que vai formando o desenvolvimento moral da criança.
Na realidade, o que faz uma criança desenvolver mais ou menos a sua moralidade e a sua autonomia,
é justamente o convívio, se ela está interagindo num ambiente autoritário ou democrático. Mas a
concepção de autoritário não é apenas o “não”. Em um ambiente em que tudo é não, é natural que a
criança tenha mais dificuldades de tomar decisões para assumir responsabilidades e ficar com medo de
punições. Mas no construtivismo, o autoritário não é só esse ambiente.
Autoritário é o que o adulto faz pela criança que ela pode fazer por si mesma. Autoritário é quando o
professor está ensinando ou instruindo algo que a criança pode descobrir ou reinventar a partir de
situações que ele vai colocando, para que ela reinvente, para que ela descubra. Autoritário, é aquele
professor que coloca as normas, que diz o que é melhor para a criança. É o professor que não permite
que as crianças interajam, que elas troquem ideias. Autoritário é o professor que entrega o trabalho na
mão, recolhe o trabalho, resolve os problemas, entrega o material, diz o horário de começar, de ir ao
banheiro etc.
Eu brinco que “atire a primeira pedra quem nunca tiver pecado”, porque no dia-a-dia do educador,
acabamos amarrando o sapato, pondo comida no prato, ajudando a criança. E, muitas vezes, os pais que
podem ter babá, podem estar prejudicando ainda mais as crianças, porque muitas vezes a babá tira a
roupa, dá o banho, escolhe a roupa, põe a roupa, abotoa, amarra o sapato, penteia o cabelo, põe a comida
no prato, dá a comida na boca, põe na frente da televisão, coisas que a criança poderia fazer sozinha.
Assim, um ambiente autoritário é um ambiente em que não é permitido que a criança faça as coisas
por ela mesma. O democrático é o contrário, é aquele ambiente em que a criança planeja junto com o
professor quais atividades vão ter naquele dia. Ela vai tomar decisões, escolher, dentre as opções
oferecidas pelo professor, que quer fazer. É o ambiente em que as crianças montam os cantinhos, pegam
os materiais e estes são compartilhados. A criança é quem decide e o ritmo dela é respeitado.
Então, por exemplo, se uma criança demora mais para fazer um desenho e outra menos, a que
terminou muda de canto. Não tem aquela comparação entre as pessoas: “olha, tá vendo, está todo o
mundo te esperando, só falta você.”
Nesse ambiente democrático, diante de um conflito, as crianças vão pensar outra maneira de resolvê-
lo, sem usar as mãos, os dentes, cotovelo, joelho, pé. O professor evita fazer pela criança tudo aquilo que
ela pode fazer por si mesma. Em casa é a mesma coisa.
A criança pequena não pode tomar grandes decisões. Por exemplo, não cabe à criança escolher em
que escola quer estudar, nem se ela quer sair numa noite fria com casaco ou não. Isso ela não pode
decidir. Mas ela pode decidir com qual casaco ela quer sair, se ela quer com o vermelho, com o roxo ou
com o amarelo. Ela pode decidir, por exemplo na escola, se ela quer entrar com a mãe ou se prefere
entrar sozinha. Ela não vai escolher se ela vai trabalhar ou não no dia, mas ela pode escolher quais
atividades. A criança pequena, em um ambiente democrático, não toma qualquer decisão, mas está
tomando pequenas decisões o tempo inteiro.
Em virtude da educação autoritária que nós tivemos, hoje em dia, diante de desafios, morremos de
medo de errar. Quando alguém pede para a pessoa falar em público, ela treme na base. Para tomar
decisões, justificamos o nosso agir em nome do outro: “Ah, mas fulano falou que era para eu fazer assim”,
ou: “eu reagi assim porque o porteiro foi mal educado comigo”, mas você poderia ter reagido de outra
maneira.
Justamente pelo fruto dessa educação é que nós somos assim hoje. O mercado de trabalho, inclusive,
exige mais do que apenas cumprir ordens. Exige pessoas que pensem por si mesmas, que tomem
decisões, criativas, que estejam sempre se atualizando. A escola está formando pessoas que não estão
atendendo às necessidades do próprio mercado profissional.

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O Piaget diz que as pessoas verdadeiramente autônomas são raras. É claro, a vida inteira vivemos
em um ambiente autoritário, quando não era a escola, era mãe, o pai que diziam que tinha que obedecer,
que é o pai quem manda.
Cito o depoimento de um pai no livro “Liberdade sem medo”: “meus pais foram autoritários, minha
escola usava castigo e, se não fosse por isso, eu não seria a pessoa que eu sou hoje.” E o Hill responde
assim para ele: “olha, eu não conheço o senhor, mas quem disse que o senhor não poderia ser uma
pessoa melhor do que é hoje?!”. Temos que argumentar isso com os pais, mostrando que o mundo está
mudando. Nós somos frutos de uma educação autoritária, mas queremos formar pessoas cada vez
melhores.
Os limites vão situar a criança no espaço social e é preciso determinar os espaços da mãe, do colega,
da professora. No desenvolvimento moral, para Piaget, os limites são necessários e eles precisam existir.
A criança necessita disso para se sentir amada, protegida. Para chegar à autonomia, ela precisa primeiro
dos limites colocados pelo adulto. Depois ela irá construindo os seus próprios limites.

Amor, temor e respeito

Ao mesmo tempo que eu amo, eu também temo. Esse sentimento é o respeito. Para Piaget, todo o
respeito é uma mistura de amor e de temor.
Piaget percebeu que as crianças pequenas têm um sentimento que ele chama de sentimento de
obrigação, de aceitação interior a uma norma, a uma recomendação dos adultos. Por exemplo, se a
criança vai colocar a mão na tomada, a mãe diz assim: “não pode!”. Ela sabe que lá não é para mexer,
tanto que mexe escondido ou mexe e olha para a mãe. Isso porque essa criança aceita interiormente
aquela recomendação. Ela sabe que não é para mexer e se ela for flagrada mexendo, fica constrangida,
perturbada, porque sabe que fez algo errado.
O Piaget perguntou: “por que as crianças, em uma idade tão pequena, em que tudo é brincadeira, tudo
é espontaneidade, por que essas crianças aceitam o que os adultos falam? Por que elas simplesmente
não ignoram?
Ele descobriu que para a criança ter esse sentimento de aceitação interior a uma norma, a uma regra,
é preciso que haja duas condições simultâneas. Primeiro essa criança precisa estar acostumada a
receber normas e recomendações que são comuns, como não mexer na tomada, não atravessar a rua
sozinha, não brincar com faca. Estar acostumada primeiro a receber limites, receber normas.
O segundo fator que faz com que essa criança apresente esse sentimento de obrigação é que ela só
vai ter aceitação interior a uma regra quando essa norma parta de uma pessoa que ela respeita. Ela só
tem aceitação interior a uma norma se essa norma vem de uma pessoa que ao mesmo tempo ela ame e
tema.
Será que só o amor é suficiente para causar sentimento de obrigação? Não. Por exemplo, ela ama o
irmão mais velho e não tem essa aceitação interior de uma regra posta por um irmão ou uma irmã.
A criança tem medo de uma pessoa estranha, tanto que se esconde atrás da perna da mãe. Mas a
recomendação de um estranho, a ordem de um estranho, não faz com que uma criança sinta-se obrigada
a isso. O medo de uma pessoa só coage, a criança não faz enquanto ela sente medo. Depois que a
pessoa que causa o medo sai, ela está livre para agir. Então o medo não causa aceitação interior à norma
nenhuma.
Esse primeiro respeito, Piaget chama de respeito unilateral. É o respeito de um lado só, que a criança
tem pelo adulto. A criança vê o adulto como o mais forte, como aquele que sabe mais. Então esse respeito
é uma relação assimétrica entre o adulto e a criança. A criança por exemplo, nunca vê o professor como
uma pessoa igual a ela.
A criança vê o professor como aquele que sabe mais. Entre os colegas, elas discutem, mas se o
professor falar: “é isso, tá errado.”, elas não vão questionar.
Com o pai se dá o mesmo. É uma relação desigual. A criança nunca vê o adulto como igual. Se respeito
é uma mistura de amor e temor, o temor do respeito unilateral é o seguinte: a criança tem medo de ser
punida, tem medo de ser censurada e principalmente tem medo de perder o amor dos pais.
Inclusive, jamais devemos utilizar com a criança a retirada do amor como sanção. Por exemplo, falar
assim: “eu não gosto mais de você, você é feio. A mamãe está triste, não quer mais falar com você.” Não
se usa a retirada de amor porque a criança só se atreve, só se arrisca, em relações frágeis. Aquelas
relações em que se ela aprontar alguma coisa, o colega não vai querer mais brincar com ela. Isso porque
existe uma segurança de ser amada, de estar em casa, de que nunca vai perder o amor dos pais, uma
relação estável.

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Moral heterônoma

O respeito unilateral, que a criança tem medo de perder o amor, medo de ser punida, de ser censurada,
leva a uma moral que é chamada de moral heterônoma. É a moral da criança que é governada pelos
adultos. O exemplo de moral heterônoma é que a criança justifica uma regra, uma norma, em cima da
autoridade de um adulto.
As crianças têm uma ideia do adulto como se este fosse mágico, como se quando eles crescerem
saberão tudo. O adulto desenvolveu determinadas estruturas que permitem raciocinar de uma maneira
diferente da criança, e para ela, o adulto sabe muita coisa.
Isso é moral heterônoma e as relações dessa moral são justamente consequência de respeito
unilateral. A criança pequena só estabelece com o adulto relações de respeito unilateral. Ela não
consegue estabelecer uma relação de igual para igual, que são as relações de respeito mútuo, relações
de mão dupla. Eu te respeito e você me respeita. A criança pequena tem aceitação interior do que o adulto
fala.
Mas, e o adulto tem aceitação interior ao que a criança fala? Não. Muitas vezes nem aceitamos o que
a criança fala. No respeito mútuo, não existe mais a presença da autoridade. A legalidade, quer dizer, o
que é legal, o que é justo, predomina. Nas relações de respeito mútuo, o respeito não é amor e temor?
Nas relações de respeito mútuo também existem amor e temor. Mas o temor nesse caso é o medo de eu
decair aos olhos dos outros, não é mais o medo de ser censurado, de ser castigado, de ser punido, de
perder o amor.
As relações de respeito mútuo, entre pessoas que se consideram iguais, levam à uma moral autônoma.
Autônoma é a pessoa que governa a si mesma, mas considerando sempre o outro por vontade própria.
Não é simplesmente eu fazer o que eu quero. É eu considerar o que é melhor para nós, ao tomar uma
decisão.
Moral autônoma é dizer assim: “eu estou trabalhando com Piaget porque eu estudei e concordo com
as ideias. Não porque ele falou e eu falo amém. Eu estou estudando e vejo que isso é coerente.”
Autonomia é decorrente de relações de igual para igual.
A criança pequena não consegue ver o adulto como igual, mas quem ela consegue tratar como igual?
Os colegas. Para a criança chegar à autonomia, ela precisa ter relações de respeito mútuo. Para isso, ela
precisa conviver com crianças da mesma idade que ela.
Na escola, a criança vai poder conviver com crianças da mesma idade. No entanto, a escola põe uma
carteira atrás da outra e não permite que as crianças troquem ideias. Se elas não tiverem essas relações
em que vão discutir e resolver os conflitos, trocando ideias, percebendo que os pontos de vista são
diferentes, dificilmente vão chegar à autonomia.
Na escola tradicional, só durante o recreio é permitido que as crianças troquem ideias. Assim, as
crianças vão continuar heterônomas e se tornarão adultos heterônomos.
Um princípio básico da teoria Piagetiana é a interação social. Para chegar à autonomia moral e
intelectual, tem que haver duas coisas: a ação do objeto sobre o conhecimento e a interação social.
É preciso colocar situações em que as crianças vão interagir socialmente. Mesmo quando cada criança
faz o próprio desenho, o professor vai olhar para ela e conversar com ela. Quatro crianças em cada
cantinho porque é um número que favorece essa interação social. Grupos de seis ou sete propiciam a
formação de “panelinhas”, não havendo interação com todos. Tem de haver um motivo para o que está
acontecendo. As decisões pedagógicas têm de ser fundamentadas numa teoria científica. É fundamental
saber porque fazer dessa maneira e não de outra, porque dessa maneira eu desenvolvo melhor a
autonomia, daquela maneira não. As decisões têm de sair do senso comum entre os profissionais da
educação.

Os limites

Está acontecendo que os limites estão se ampliando muito. Nenhuma criança gosta de limites, nenhum
ser humano gosta. É natural e é saudável que a criança teste os limites, porque quando ela testa os
limites, ela está testando a validade dos mesmos, se são necessários. Mas quando a mãe ameaça e
chega na hora e não cumpre, a criança vai perdendo o temor que ela tem naturalmente pelo adulto. Ela
sabe que não vai acontecer nada com a mãe, que a mãe não vai fazer nada, e os limites vão se ampliando.
Os limites situam a criança no espaço social: “até aqui eu posso ir. Aqui eu estou invadindo o espaço
do outro”. É fundamental que o adulto vá mostrando o limite: “até aqui você pode ir, aqui o espaço é meu.”
Na escola ocorre o mesmo. Se uma criança vem de um ambiente sem limites, é terrível para o
professor. Mas para a criança, talvez seja a única oportunidade que ela tem de estar interagindo em
ambiente que coloca limites para ela de maneira adequada. É normal uma criança fazer com os

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professores o que ela faz em casa. Se em casa ela se joga no chão para conseguir uma coisa, é natural
que no começo, quando ela for frustrada na escola, ela se jogue no chão para conseguir a mesma coisa
do professor.
Mas a resposta que os educadores vão dar será diferente diante do mesmo ato, e isso é saudável. Se
a criança não tem esses limites, o fato de o professor dar uma resposta adequada vai faze-la perceber
algo e, talvez, seja o único ambiente em que ela interage que está auxiliando no desenvolvimento do
respeito ao outro.
Se o ambiente oferecido na escola é pautado no respeito mútuo, é um ambiente em que as crianças
decidem o que fazer, tomam decisões, elaboram as normas, sorte dessas crianças, que têm a
possibilidade de estar interagindo em um ambiente saudável.
Também é fundamental saber por que e quando acionar os pais. Geralmente, quando há algum
problema, primeiro coloca-se para a criança, antes de levar para os pais. Tem problemas que quem tem
que trabalhar é a própria escola. Por exemplo, o problema de indisciplina de criança que corre demais na
sala, ou que está falando muito, estão fora da alçada dos pais.
Temos que tomar muito cuidado em separar o que é problema de casa, o que é problema da escola.
Muitas vezes, quando se leva o problema para o pai, a situação piora, porque essa criança decaiu mais
ainda aos olhos do pai e a relação entre eles piora. Só devemos levar o problema para o pai quando ele
tem condições de auxiliar de maneira adequada.
Em vez de o professor decair a criança aos olhos do pai, muitas vezes o remédio mais saudável é
levantar a criança, mudar a maneira como o pai enxerga essa criança. Isso dá resultados.

Aprendendo a sentir

Quando nós estudamos ética, o limite da moral são os atos e não os sentimentos. Todo sentimento é
permitido, é aceito, não existe sentimento bom ou ruim. Faz parte da natureza humana sentir raiva, sentir
inveja, sentir amor, sentir ódio, sentir carinho. Mas o problema é que os atos são limitados. Eu posso
desejar muito um homem, mas eu não posso agarrar o homem na rua. Eu posso ter vontade de te matar,
mas eu não vou te matar.
Para lidar com a criança, nós devemos deixar claro que o problema está no ato de raiva e não no
sentimento de raiva. O respeito mútuo é uma mistura de amor e temor de decair aos olhos do outro.
Assim, o primeiro passo para mudar um comportamento de uma pessoa é criar um vínculo de afeto. Se
não for criado um vínculo de afeto com a criança, não vai existir o amor do respeito mútuo, e só o temor
não vai causar na criança o sentimento de aceitação interior. É preciso, para modificar uma criança, para
trabalhar com ela, para auxiliá-la, que ela goste do adulto. Se isso não ocorrer, nada do que for falado ou
tentado com essa criança vai ter efeito, a não ser recompensa e punição.
A criança pequena, ou mesmo maior, se não gostar de alguém, por que vai modificar o comportamento
em função da censura dessa pessoa? Até um adulto reagiria assim.
Eu me lembro de uma professora que foi muito inteligente. Ela tinha um aluno de seis anos que falava
muito palavrão. A professora foi conversar com a mãe, que argumentou: “ele fala a mesma coisa para
mim?! Eu não sei o que fazer com esse moleque! Ele é um boca suja!” E aí começou a desfiar os
palavrões. A professora entendeu a origem do problema e a conversa ficou por isso mesmo.
Tudo o que a professora tentou trabalhar com a criança não teve efeito. Então ela começou a se
aproximar da criança. Sentava com ele, jogava com ele. Quando ele fazia coisa legal, ela mostrava que
tinha notado a atitude.
Fazia atividades individuais, como contar uma história e falava: “olha, eu li essa história e lembrei de
você.” Foi se aproximando da criança. Um dia, depois de um ou dois meses desse trabalho, ele falou um
palavrão para ela. Ela simplesmente disse: “eu não gosto quando você me trata com palavrões. Eu não
te trato com palavrões”. Ele respondeu: “mas eu falo assim com a minha mãe.” E ela: “Mas eu não sou
sua mãe” e saiu de perto, não falou mais nada.
Essa criança nunca mais falou palavrão com a professora. A diferença é que agora ele gostava dela,
ele não queria decair aos olhos dela. É muito comum que, quando eu recebo uma criança, vem com a
“ficha criminal” e já se espera o pior dela.
Nós brincamos que sempre quem fica com a pior é o bonzinho, porque, em função do “terrível”,
paramos a roda diversas vezes, no recreio estamos atrás dele e até durante a noite pensamos nele. Ele
acaba recebendo mais atenções pelo comportamento negativo.
Se você espera o pior dele, você envia mensagens que é isso que você espera. Quando você olha e
diz assim: “só podia ser você, estava demorando”, ou mesmo: “quantas vezes eu vou ter que te falar a
mesma coisa. Será que você nunca vai aprender”, você passa mensagens como se esperasse isso dele.

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É natural que essa criança não modifique o comportamento, porque ele já decaiu aos seus olhos, então,
por que mudar?
O Yves De La Taille tem um trabalho muito interessante em que ele contou para crianças, desde cinco,
seis anos até 14, 15 anos, duas histórias. Na primeira história ele dizia que em uma classe, um livro que
pertencia a todos foi furtado e que a professora descobriu quem foi. Quando ela descobriu, ela tinha duas
opções: deixar quem roubou o livro sem recreio, ou contar para todo mundo que havia sido ele quem
roubou o livro. O Yves perguntava às crianças o que elas achavam que era melhor a professora fazer e
por que.
Metade das crianças de cinco anos, por causa do egocentrismo, afirmou que era para deixar sem
recreio. A outra metade disse que podia contar para todo mundo. A partir dos sete anos de idade, a
maioria das crianças afirmou que não era para contar para todo mundo, que era melhor deixar sem
recreio, porque elas ficavam com vergonha do que os outros iam pensar.
Depois de um tempo, o Yves contou outra história. Ele disse que numa classe a professora decidiu
deixar esse aluno sem recreio e numa outra classe, onde aconteceu a mesma coisa, ela decidiu que ia
contar para todo o mundo e contou para todos quem foi o menino que roubou o livro. Em uma das duas
classes, um livro voltou a sumir. Em qual classe eles achavam que a criança tinha roubado - a que ficou
sem recreio ou a que contou para todo o mundo? Uma criança de 12 anos, muito sabiamente, disse
assim: “voltou a roubar naquela que contou para todo o mundo, porque ela já estava danada mesmo!”
Isso significa o que? Se eu já vejo essa criança como agressiva, como terrível, como difícil, como
preguiçosa e eu passo mensagens, ela não vai mudar porque ela já decaiu aos meus olhos. Eu mudo
quando não quero decepcionar o outro, quando não quero decair, quando eu gosto do outro. Se eu já
estou danada aos olhos do outro, para que eu vou mudar? Se ele já não me acha grande coisa, por que
eu vou ser grande coisa?
O caminho da educação nunca é o da humilhação, do ataque à dignidade, do grito, do castigo. É o
contrário. Se eu quero modificar o comportamento de uma pessoa, eu tenho que mostrar que eu confio,
que ela é capaz etc.
Uma professora chegou para uma criança que desenhava muito bem e pediu alguns desenhos para
ela. Em alguns trabalhos ela colocou como ilustração o desenho que essa criança fez, acrescentando
uma observação embaixo: “agradeço ao Felipe pela ilustração dos trabalhos”. Os demais alunos
exclamaram: “ô Felipão, você hein?!”. Na verdade, ela fez um trabalho de levantar a autoestima da
criança, para a própria criança e aos olhos de todo o grupo. Esse é o caminho de uma educação
construtiva.

Linguagem de educador

Isso envolve muito a linguagem do educador, as sanções que ele utiliza. Essa linguagem deve ser
construtiva, nunca destrutiva. O educador nunca deve julgar, mas simplesmente descrever as coisas. É
fundamental, em uma educação, o vínculo de afeto, o cuidado em não decair a criança. Ao contrário,
mudar a maneira de como eu vejo a criança.
As relações de respeito lateral não ocorrem só com a criança pequena em relação ao adulto. No nosso
dia-a-dia, mantemos com os adultos, com as pessoas, relações de respeito lateral. Por exemplo, cada
vez que a criança está crescendo e começa a questionar o adulto e este a repreende, porque “não se fala
assim com a mamãe, porque o papai não quer que faça assim”, justifica-se uma norma, uma conduta,
com base no que a autoridade acha. Cada vez que você está associando o que a criança faz ao castigo,
você está mantendo com essa criança relações de respeito lateral.
Isso pode ocorrer no casamento e até na relação que o professor mantém com o coordenador. Se o
professor obedece e diz: “eu estou trabalhando assim porque ele quer”, é hora de começar a questionar
a sua própria moralidade, a sua concepção de autonomia.
É diferente ele estar mudando a proposta de trabalho porque está convencido, está estudando que é
por aí, de estar fazendo porque uma autoridade quer que ele faça. É preciso refletir e rever isso.
Se queremos educar as crianças para a autonomia, como podemos manter no dia-a-dia relações de
respeito lateral com as pessoas? Consequentemente, as crianças serão tratadas assim. O professor deve
estar sempre no mesmo nível das crianças. Se as crianças sentam no chão, ele também senta no chão,
ele se abaixa para conversar com elas, ele procura usar um tom de voz que não seja elevado. O professor
quer que as regras valham para todos, inclusive para ele.
Tratar uma criança com respeito mútuo, mesmo que ela ainda não consiga tratar o professor com
respeito mútuo, vai muito mais longe. Por exemplo, é comum, quando as crianças brigam, o professor
dizer: “vai lá, pede desculpas para o seu amigo, dá o dedinho para o seu amigo.” Mas se a própria

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professora brigou com o namorado, está chateada com ele, qual o adulto que vai dizer: “vai lá, pede
desculpas e dá um abraço no seu namorado”?
É preciso ter com a criança o mesmo respeito com que se trata um adulto. Quem falaria para um
adulto, a respeito de uma terceira pessoa presente: “não liga não, ela está querendo aparecer mesmo”?
Mas falamos isso da criança para uma visita.
Quanto ao pedido de desculpas, só é válido quando é sincero, quando a criança está realmente
arrependida do que fez. Esse desejo de desculpa tem que ser um desejo interno dela, não por solicitação
externa. O que podemos fazer é deixar claro para a criança, porque as crianças aprendem a pedir
desculpas para se livrar do problema. Elas batem no colega e depois falam: “mas eu já pedi desculpas”.
Nós temos culpa nisso, porque quando elas brigam, dizemos: “pede desculpas para o seu amigo.” A
criança vai aprendendo que pode ficar livre dos problemas dessa maneira. Ao invés de fazer isso, quando
uma criança pede desculpas, temos que sentar com ela e falar: “o pedido de desculpas quer dizer que
você está realmente sentido, arrependido do que você fez. É isso que você está sentindo? Pedido de
desculpas significa modificar, significa que você não está querendo mais fazer o que fez. É isso que você
quer dizer?”
Também é necessário ensinar à criança as consequências dos seus atos. Nós temos que tratar a
criança com o mesmo respeito que dedicamos aos adultos. Não xingamos um adulto, não humilhamos,
não colocamos de castigo um adulto. O que fazemos, com os adultos, é permitir que sintam as
consequências dos atos, repararem o erro. É assim que devemos trabalhar com as crianças.
Em um ambiente de respeito mútuo, as regras e os limites são necessários. Piaget mostra que a
criança é heterônoma. Ela é naturalmente governada pelos adultos e vai precisar de limites. Mas quando
as crianças são pequenininhas, elas precisam de limites necessários. Conforme vão crescendo, os limites
podem ir se ampliando. Os limites são negociáveis, são combinados com ela.
Por exemplo, o pequeno não vai decidir se vai pôr casaco no dia frio. Mas com o adolescente, não há
porque brigar se ele quiser sair de camiseta num dia frio. Ele já sabe que lá fora está frio.
Brigamos com os adolescentes por tudo. Por causa do cabelo, pela bagunça do quarto, pela chave do
carro, porque não come direito, porque sai sem casaco, porque a calça dele é rasgada. Como brigamos
por tudo, coisas passam, coisas não passam. Na realidade, quando vocês forem elaborar as normas na
classe de vocês, ou na família é preciso pensar: isso é realmente importante, vale a pena eu brigar por
isso? Se não valer a pena vocês brigarem por isso, esqueçam.
A característica de uma regra é justamente a regularidade. Isso significa que ela tem que servir para
diversas situações. Se ora ela é cumprida, ora não é cumprida, não tem porque existir essa norma. A
regra existe, é o contrato entre as partes que vai beneficiar a todos. A característica dessa regra é que
ela tem que ser cumprida sempre, ela tem que estar presente sempre.

Da necessidade das regras

Ao combinar uma série de coisas bobas, muitas vão ser deixadas passar, e o adulto acaba caindo em
descrédito aos olhos da criança. Quando fazemos uma regra com a criança, temos que ter autoridade
para que se cumpra a regra. É preciso sempre questionar se vale a pena brigar por algo, a fim de definir-
se uma regra é necessária ou não.
No caso de um adolescente não vale a pena brigar porque está frio lá fora e ele quer sair de camiseta,
se ele comeu ou não comeu. Ele já sabe tudo isso. Mas vale a pena brigar pela chave do carro, se a regra
for que antes dos dezoito anos não se dirige, e não abrir mão disso, deixando muito clara essa postura.
O adolescente tem que perceber que há aspectos como situações de respeito, de dignidade, de
preconceito, de organização de determinado espaço. Pode ser que no quarto dele fique bagunçado, mas
na sala o espaço é coletivo. Se brigarmos por tudo, esse jovem não saberá aquilo que é realmente
importante, que é valorizado ou não.
Na escola é idêntico. É preciso separar na classe quais são as regras necessárias, que não são
combinadas - como não bater, não falar palavrão, lavar as mãos, escovar dentes. Essas regras são só
comunicadas. Por exemplo, se bateu, o professor revalida a regra: “não se bate em ninguém”; puxou o
cabelo de alguém: “não se puxa o cabelo das pessoas”; “aqui nessa escola nós não falamos palavrões”.
Quando se quer mostrar autoridade, deixar claro que se está falando sério, mostrar que é para valer,
tem que falar pouco. Quanto menos falar, mais será ouvido. A Angie Noil diz isso: para passar autoridade
tem que ser breve e objetivo. Em várias palavras a mensagem se perde. Isso vale para qualquer
relacionamento, não é só com criança.
Não adianta desenterrar o passado ou antecipar o futuro. O incidente tem que ser lidado no momento
específico. Por exemplo, aconteceu numa escola a criança subir na mesa da merenda e sair correndo. A

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professora disse: “Felipe, para que servem as mesas?! Quantas vezes eu vou ter que falar com você?
Felipe, como é que vai ser?”
De repente, ela trabalhou a linguagem e resolveu mudar. Mas é preciso usar uma linguagem descritiva
e só se descreve o que se está vendo. Aí ela falou: “Felipe, as mesas não foram feitas para as pessoas
subirem nelas, desça.” Em nenhum momento ela agrediu o Felipe, porque em nenhum momento admite-
se qualquer ataque à dignidade de uma criança. É terminantemente proibido qualquer tipo de humilhação
à criança. Ela conseguiu passar autoridade e o Felipe desceu.
Essa mesma criança, num outro dia, colocou a vassoura no ventilador. Aí a professora segurou a mão
dela, contendo o ato, sem apertar, e disse: “Felipe, não se coloca nem se joga nada, absolutamente nada,
no ventilador, entendeu?” É assim: tem que ser breve. Brincamos que o educador de Educação Infantil
tem que falar menos e ouvir mais as crianças. Nós falamos demais, o tempo inteiro, com as crianças. Às
vezes é preciso ouvir mais do que falar.
Quando se coloca uma limitação, por exemplo, não se joga pedra na janela, não há que explicar que
não se pode jogar pedra na janela, porque a criança sabe isso. É simplesmente falar: “as janelas não
foram feitas para serem quebradas”. É preciso usar uma linguagem que descreve, mas seja breve. Com
discursos, em qualquer situação, não se é ouvido.
Resumindo: para mostrar autoridade, ser breve; com as regras necessárias, também usar linguagem
breve. Por exemplo, tem que lavar a mão na hora da merenda, não interessa se a mão está muito ou
pouco suja.
As regras combinadas são muito mais importantes que as regras necessárias. Mas elas têm só dois
objetivos: garantir a justiça na classe e organizar os trabalhos. Geralmente, logo no início do ano,
combinamos as regras. Isso não é adequado, porque a criança precisa ter a necessidade dessa regra
existir. Ela precisa sentir a necessidade dessa regra, e se a colocamos no começo do ano, antecipamos
o processo.
Há regras que nós sabemos que são sempre necessárias - não bater, não falar alto etc. -, mas as
crianças não sabem. Elas precisam, num primeiro momento na roda, falarem todas ao mesmo tempo.
Quando ninguém estiver ouvindo, para para ver o que está acontecendo. “O que é preciso fazer para
ouvir o que o fulano está falando?” Diante de um problema sentido pela criança, comentar e propor
soluções.
Mas a solução não é assim: “quem falar alto, acontece tal coisa”. Não se combina regra sanção.
Combina-se: “falar um de cada vez.” No começo, nós entrevistamos as crianças para perguntar o que
elas achavam das regras. Era comum as crianças falarem assim: “regra é tudo o que não se pode fazer”.
“Tem regras que podem fazer?” e elas falavam: “não, se pode ser feito, para que fazer regra”. Então
colocou-se a regra: não gritar. “Ah, então não pode gritar, tem que ficar todo o mundo quieto?”. “Não, tem
que falar. Então como tem que falar? Pode falar baixo”. E aí vai se combinando. Mas tem regras que não
dá. Então vamos dar uma misturada, coisas que podem, coisas que não podem ser feitas.
As regras têm de ser em pequeno número para que os professores façam com que se cumpram. Se
forem em quantidade, muitas coisas serão deixadas passar. Para fazer com que se cumpram, pode ser
de uma maneira muito natural, muito espontânea. Por exemplo, uma criança saiu da classe e deixou o
cantinho desarrumado. O professor deve ir até ela e, tranquilamente, dizer: “olha, você esqueceu de
arrumar o cantinho, vamos lá, num minutinho a gente arruma.” E fazer junto com ele. O que é importante
são as crianças perceberem que não vai passar.
Quando a criança percebe que ora a regra é cumprida e ora não é cumprida, ela vai continuar tentando.
No filme apresentado, uma professora está trabalhando individualmente com uma criança. Existia uma
regra de quando ela estivesse trabalhando individualmente com uma criança ela não seria interrompida.
Ela combinou de fazer um sinal vermelho ou verde. Quando estivesse verde, as crianças poderiam vir e
conversar com ela. Quando estivesse vermelho, significava que ela estava conversando com uma criança
e era para esperar um pouquinho que depois ela atenderia.
Mas essas atividades individuais são rápidas, cinco ou dez minutos no máximo. O que acontecia é que
a criança vinha falar alguma coisa, perguntar alguma coisa e ela dava atenção. Depois que ela resolvia o
problema ela falava: “mas a gente não combinou de que quando estivesse vermelho não poderia
interromper?!” Por seis vezes foi assim, ela não conseguia trabalhar individualmente, as outras crianças
interrompiam. Então, ela resolveu cobrar a regra mesmo. A criança chegava, ela levantava o vermelho e
falava: “é urgente? Então daqui a pouco eu vou lá”. No começo, ela confessou que fazia com dor no
coração, mas depois de um mês ela não tinha mais problema.
Com a ida ao banheiro também é assim. Há classes que têm dois colares, um verde e um vermelho,
para menina e para menino. Uma menina coloca o colar verde e vai ao banheiro. No começo, é claro,
eles formam uma fila para ir ao banheiro. Depois isso vai ficando normal. É comum eles irem juntos em
três, quatro, no banheiro. Se o professor ora cobra, ora não cobra, deixa passar, vai ser assim o ano

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inteiro. Se na hora de ir ao cantinho, começar a ir em grupos de cinco, seis, e o professor finge que não
vê, ora ele cobra, vai ser assim o ano inteiro.
Trabalhamos com 30, 32 crianças. Uma média tranquila na sala. É claro que o ideal é ter menos alunos.
Acontece que o ideal é termos materiais adequados, espaço físico adequado, um grupo de alunos
pequenos, por exemplo 20. Se esperarmos as condições ideais para trabalhar bem, não iremos trabalhar
nunca. O importante é, apesar das dificuldades, adaptar-se bem à situação.
Observei o trabalho de uma professora que dava aula para crianças de seis anos numa classe em que,
em outro período, funcionava o ensino técnico de Segundo Grau. As carteiras eram enormes, para
adolescentes. Muito material, desenhos em que eles colocavam genitálias, xingavam crianças, destruíam.
Essa professora me ensinou muito. Ela e a turma de seis anos montavam e desmontavam a classe
todos os dias. Cada aluno, durante 15 dias, era responsável por um pedaço da classe. Os cartazes e o
varal do planejamento, mais o material da sucata e o canto da pintura eram por conta da professora. O
restante era dividido entre as crianças.
Elas chegavam na escola e iam na sala do almoxarifado, pegavam o material, levavam para a classe
e cada uma fazia a sua parte. Pegavam as carteiras, que ficavam uma atrás da outra, empurravam, para
fazerem a roda. Depois, na hora dos cantinhos, eles juntavam duas carteiras, quatro cadeiras, as outras
eles empurravam. No final do dia, na hora da limpeza, eles levavam todo o material de volta para o
almoxarifado, punham uma carteira atrás da outra, deixavam do jeito que eles tinham encontrado a classe.
Se crianças de seis anos fazem isso, como é que os mais velhos, de sete, oito, dez ou doze, não
podem fazer? Há o exemplo de uma classe em que a professora chegou tarde e as crianças trabalharam
sozinhos. Isso mostra que o centro pedagógico está justamente no grupo, na classe, e não na mão do
professor. É possível perceber claramente, em uma classe construtivista, que o centro pedagógico não
está na mão do professor.
Numa classe construtivista, quando as crianças estão acostumadas a resolver os problemas, a tomar
decisões, a montar e a organizar, o professor pode sair da sala. Pode trabalhar individualmente, pois o
centro pedagógico não está mais na sua mão. O andamento, a disciplina, a aprendizagem não dependem
mais do professor.
Se conseguirmos transformar essas relações que temos com as crianças, nós estamos caminhando
em direção à autonomia dessas crianças. Vocês imaginem os futuros adultos se isso for trabalhado nas
séries iniciais, nos primeiros ciclos, se isso tiver continuidade. Nós percebemos que não há involução,
que eles não regridem em um ambiente autoritário.
Por isso é fundamental que não se façam regras bobas, nem regras que reforcem relações de respeito
lateral. Por exemplo: “tem que obedecer a professora.” Ou “ficar quietos enquanto a professora estiver
falando”. Espera lá, tem que obedecer as regras da classe. Tem que ficar quieto quando alguém estiver
falando. Quando um fala, os outros escutam.
Também existem regras que vão contra o desenvolvimento da criança, por exemplo: “devem emprestar
o brinquedo ao amigo, não falar mentira”. São regras feitas para não serem cumpridas. As regras têm
que ser muito elaboradas, discutidas com as crianças, em cima de problemas reais.

Escola para os pais

Não tem escola para pais. Nós somos profissionais, estamos estudando e nos esforçando para quê?
Para nos aperfeiçoarmos cada vez mais. E os pais acabam educando no bom senso. Às vezes, sentem-
se culpados por trabalhar fora, por não dar atenção, e nos momentos que passam com o filho, confundem
o “não” com o desamor. Falar “não” significa que eu não amo o meu filho. Ou mesmo para compensar,
nessas poucas horas que passam com o filho, não querem frustrá-lo de maneira alguma. Sabemos que
pequenas frustrações não traumatizam. É importante que a criança saiba lidar com a tristeza, com a
alegria, com o “não”, porque na vida dela isso vai acontecer.
É comum, em palestras, às vezes o próprio professor perguntar: “como lidar com uma classe em que
a gente não impõe limites porque ama muito as crianças?”. As pessoas confundem amor com
superproteção. Isso não é amar. Amar é justamente esse respeito que eu dou à criança, o respeito ao
desenvolvimento, atender às necessidades dela. As necessidades que a criança tem, não é sufocá-la
com atenções, não colocar limitações, superprotegendo.
Nós podemos trabalhar com esses pais e eles têm nos buscado, porque também estão perdidos a
respeito de como educar. Se tiver espaço na escola, que seja uma palestra mensal, que os próprios
professores estudem, por exemplo os limites, e montem uma palestra para quem esteja interessado em
trabalhar os limites. Se for possível convidar profissionais para dar palestras, ótimo, porque ajudando a
família, consequentemente, a criança está sendo ajudada e o trabalho da escola também.

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Mas pode ser com os próprios professores, a cada mês um fica responsável por um tema, escreve um
resumo, manda para os pais, indica livros. Acredito que também é função da escola orientar os pais,
porque a consequência é direta na formação das crianças.
Vocês já viram crianças brincando com boneca, ou com o colega, de relação sexual. É porque ela já
viu isso. Do mesmo jeito que viu o pai batendo na mãe ou o pai sendo preso. É importante que exista na
sala, esse canto do jogo simbólico, de faz-de-conta, ou mesmo uma caixa de miniaturas em que ela possa
brincar, para ter um espaço para simbolizar. É perceptível que as crianças, quando estão passando por
determinados problemas, escolhem muito mais o local do jogo simbólico, porque é uma maneira de eles
lidarem com tudo isso.
É importante que haja esse espaço para a criança brincar de faz-de-conta com a boneca. É preciso
dar esse espaço para que ela lide com esses conflitos. É importante também falar sobre o episódio: “o
que você sentiu quando isso aconteceu?” A criança ter oportunidade de colocar o que sentiu. O professor
não deve fingir que não está acontecendo nada, mas até colocar histórias com conflitos e como podemos
lidar com eles. Buscar também conversar com os pais. Mas é fundamental que a criança fale a respeito
do que está sentindo, que ela verbalize isso, que ela converse com o professor e que ela perceba que os
sentimentos dela são reconhecidos. Na sala de aula, precisamos abordar certos problemas diretamente.
Quando uma criança está presenciando uma situação de violência, é preciso lidar com ela - o que ela
está sentindo -, e com os pais também. Precisamos lidar com essas realidades distintas.
A nossa atuação na família é até mais limitada. Por mais que conversemos com a criança, há
determinadas famílias que não vamos conseguir mudar, por melhor que seja o nosso trabalho. Mas,
apesar disso, o professor tem que trabalhar com a criança sobre o que ela sente nessa situação, o que
ela pensa, como ela está lidando com essa situação. É o problema do cotidiano, muito mais importante
que o ensino da matemática, do português, da religião, porque isso não é religião, é a vivência da religião.
Por isso deve existir o canto do desabafo, o local em que a criança pode desenhar o que a está
entristecendo, o que a está preocupando, pode escrever sobre o que ela está sentindo, pode pintar tudo
aquilo de preto, rasgar em mil pedacinhos e jogar no lixo, pode enviar a carta, enfim, pode expor o que
ela está sentindo naquele dia.
Isso é chamado de “desvios simbólicos”. São desvios que nós utilizamos para que a criança expresse
a raiva, a tristeza, de uma maneira adequada, sem causar danos maiores. Por exemplo, eu posso estar
com raiva de alguém, mas não posso socá-lo, mas eu posso socar uma almofada, um saco de serragem
sem causar danos.
Não adianta tentar controlar a raiva de uma criança, ou mesmo de um adulto. Para lidar com a raiva,
é preciso que na classe tenha o jogo simbólico, uma caixa de areia com miniaturas onde as crianças
podem organizar, montar cenários, em que vão lidar com os sentimentos. Se uma criança não quiser falar
com o grupo, ou falar individualmente com você, que ela possa desenhar como está se sentindo, que
possa pintar sobre isso. Isso é estar lidando com esses sentimentos.
Quanto menor for a criança, mais ela vai resolver os problemas na ação, mais ela vai socar, morder.
Quando ela fala “eu te amo”, ela beija, abraça, sobe no colo, não fala apenas. O mesmo ocorre quando
ela está com raiva. Ela não só fala que está com muita raiva, mas também chuta, morde, bate.
Nós precisamos ensinar essas crianças a outra maneira delas se expressarem, sem ser com as mãos,
com os pés, com os dentes. Não basta, para a criança pequena, o professor falar: “eu gosto muito de
você.” Ele tem que abraçar e beijar a criança, o toque é importante. O mesmo vale quando eles estão
lidando com briga.
Havia uma criança de quatro anos que mordia os amigos. A professora falou: “você sabia que nessa
escola não se morde as pessoas?!” A criança respondeu: “não, não sabia”. A professora disse: “mas
agora você fica sabendo”. Mas ela teve uma intervenção inadequada quando afirmou: “olha, você pode
se morder, mas não se morde os amigos.” Essa criança começou a morder a si mesma, aparecia com
mordidas no braço. Ficou clara a necessidade que essa criança tinha de morder, porque senão ela não
estaria mordendo a si mesma.
Em um caso como esse, é preciso deixar determinados objetos para que ela possa morder. Da mesma
maneira que deixamos um canto onde ela possa socar, que ela possa bater: “Olha, quando você estiver
com muita raiva, você vai ali e morde a boneca. Eu sei que você está bravo, está com raiva, mas no seu
amigo não se bate.” Não podemos permitir que a criança cause danos aos outros ou a si mesma.
Tem uma fase em que a mordida é normal, por volta dos dois anos, depois desaparece, dependendo
muito do ambiente. Foi engraçado que depois que objetos grandes para morder foram colocados, a
menina parou de morder. É preciso deixar também desvios simbólicos para as crianças, para que eles
possam se extravasar de alguma forma.
Agimos de maneira semelhante quando apertamos a bochecha da criança. Conheci uma criança de
dois anos que, quando gostava de alguém, externava esse sentimento apertando as duas bochechas.

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Com um bebê pequeno, essa atitude acabava em choro, é claro. A nossa função é mostrar para essa
criança outras maneiras de extravasar o afeto dela.
Uma solução muito criativa foi relatada por uma professora simples, que nem tinha magistério, lá do
Norte. Ela tinha um aluno que chutava muito e ela não sabia o que fazer. O chão da classe era de barro
e ela falou para as crianças ficarem descalças, trabalharem descalças. Quando o menino chutava, doía
o pé dele. Ele chutou duas vezes e nunca mais, porque doía o pé. A criatividade da professora permitiu
à criança sentir as consequências do chute. Às vezes, ao sentir as consequências dos atos, as crianças
vão modificando as ações.

Recompensas e punições

Não usamos recompensas ou punições com as crianças de forma alguma. Quando o adulto usa uma
recompensa, quando dá alguma coisa em troca, quando fala que quem for bonzinho vai ficar no recreio,
ele está manipulando para que a criança aja como ele quer. O mesmo ocorre quando
Castigo e recompensa funcionam? Quem falar que não funcionam, está mentindo. O problema é que
deixam consequências na criança a longo prazo, como cálculo de risco. A criança fica calculando qual a
chance de ela ser flagrada, mentir para escapar de punição.
Piaget diz que quando for necessário tomar uma atitude, o educador deve se valer de sanções por
reciprocidade. São aquelas sanções que têm relação direta com aquilo que a criança fez. Por exemplo,
as crianças estão brincando com um jogo e uma rouba. O que elas fazem? Não vão mais querer jogar
com aquele menino.
Havia uma criança que, no meio do jogo, quando ele via que ia perder, dizia que não queria mais jogar.
Foi assim na primeira vez, na segunda os meninos falaram que não queriam mais jogar com ele. É uma
decorrência natural do ato.
O que o Piaget diz é que nós protegemos muito as crianças. Não permitimos que elas sintam a
consequência do ato.
Quando brigam, vamos lá imediatamente e pedimos para se desculparem. É importante que o adulto
permita que as crianças sintam as consequências dos atos. “Por que será que o grupo não quer mais
jogar com você? O que você vai fazer para deixar claro que você está disposto a mudar.”
Outros tipos de sanções por reciprocidade são: privar temporariamente a criança de algo que ela está
estragando; reparar o dano causado, se ela quebrou algo; sujou, limpou.
A criança sabe exatamente o que pode fazer e em que ambiente. A criança sabe o que pedir para o
pai, o que pedir para a mãe, o que um professor deixa, o que o outro não deixa. A coerência seria o ideal,
mas nem sempre é possível, por isso investe-se em formação de professores.
Sempre que possível, nas reuniões pedagógicas, todos os profissionais devem participar, desde os
zeladores ao professor de química, por exemplo, mesmo que ele ache que não tem nada a ver com o
tema. Isso é fundamental para adquirirem uma linguagem única.

WEIZ, T. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática.

27
Weisz cursou o Normal no Instituto de Educação, no Rio de Janeiro, possivelmente influenciada pela
professora de seu curso primário de quem gostava muito. Ao longo do curso, estando envolvida com
outros interesses (artes plásticas) quis sair, mas seus pais a convenceram a continuar. Fez, então, o
Instituto de Belas Artes (atual escola de Artes Visuais do Parque Lage). Em 1962, quando cursava o seu
último ano do Curso Normal, constatou que a repetência fabricada pelas escolas tinha ultrapassado os
limites, pelo fato de não haver, em consequência, vagas para alunos novos na 1ª série. O governador,
então, tomou três providencias: aprovou as crianças por decreto - tendo ido todo mundo para a 2ª série,
sabendo ou não ler; montou escolas de madeira, com telhado de zinco, e convocou todas as normalistas
do último ano do curso para dar aulas. A partir daí, ela foi dar aula, para um grupo de crianças que tinham
entre 11 e 12 anos e, que depois de terem repetido várias vezes a 1ª série, tinham passado para a 2ª em
função do decreto do governador.
Eram 45 alunos, sendo que apenas 3 não eram negros. Não eram todos analfabetos, porém não se
podia considerá-los alfabetizados. Apesar de empregar as técnicas de ensino, sentia-se como
preenchendo o tempo de aula. Não conseguia avaliar os resultados do trabalho, nem o que deveria
esperar das propostas que colocava em prática, sentindo-se confusa e impotente. Situações da sala

27 http://educacadoresemluta.blogspot.com.br/2009/12/telma-o-dialogo-entre-o-ensino-e_10.html

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revelavam o abismo existente entre o desempenho de seus alunos na escola e o que a vida fora da escola
exigia deles. Nesse sentido, tinha a sensação de que a escola parecia uma armadilha montada para que
esses meninos não pudessem se sair bem, e também, a convicção de que esse tipo de situação tinha um
papel político muito importante que devia ser enfrentado durante toda a sua vida profissional. Ficava
impressionada quando conversava com algumas mães e essas achavam natural que seus filhos não
tivessem sucesso na escola. Diziam que ela poderia 'bater neles' para ver se estudavam.
Esse foi seu batismo de fogo que fez com que se afastasse por 12 anos da educação. A sensação
mais profunda que ficou dessa experiência foi a de ignorância. Ficou claro, para ela, que as informações
e ideias que circulavam na educação não davam conta do problema do ensino. O professor era um cego.
Para ela, o professor continua chegando hoje à escola com as mesmas insuficiências com a qual ela
chegou em 1962, sendo que a diferença, hoje, está na possibilidade que o professor tem de, se quiser,
tentar resolver essa situação. Hoje, os professores têm à sua disposição um corpo de conhecimentos
que, se não dá conta de tudo, pelo menos ilumina os processos através dos quais as crianças conseguem
ou não aprender certos conteúdos. O entendimento que se tem do professor hoje é o de alguém com
condições de ser sujeito de sua ação profissional.
Ao final de 1962, e durante os 12 anos seguintes trabalhou em áreas completamente diferentes, e
como nenhuma outra atividade dava sentido à sua vida profissional, acabou voltando para a educação.
Seu compromisso é com essas crianças - que são maioria nas escolas públicas - para que superem o
fracasso e tenham sucesso na escola.
Apesar de ser considerada especialista em alfabetização, sua questão é a aprendizagem, em especial,
a aprendizagem escolar.

Um novo olhar sobre a aprendizagem

Apesar de ter iniciado sua docência em 1962, e de ter na época um certo conhecimento significativo
quanto ao fato da criança conseguir escrever, mesmo que não ortograficamente, ela não tinha um
conhecimento científico acumulado que lhe permitisse superar um ponto de vista "adultocêntrico", ou seja,
a forma como se concebe a aprendizagem das crianças a partir da própria perspectiva do adulto que já
domina o conteúdo que quer ensinar. A partir dessa perspectiva, não é possível compreender o ponto de
vista do aprendiz, pois não se 'enxerga' o objeto de seu conhecimento com os olhos de quem ainda não
sabe. A partir dessa perspectiva, o professor (do lugar de quem já sabe) define, a priori, o que é mais fácil
e o que é mais difícil para os alunos e quais os caminhos que eles devem percorrer para realizar as
atividades desejadas. Tal concepção, por parte do professor, gera um tipo de procedimento pedagógico
que dificulta o processo de aprendizagem para uma parte das crianças, principalmente, aquelas que mais
necessitam da ajuda da escola, por ter menos conhecimento construído sobre os conteúdos escolares.
Assim, a adoção de uma postura adultocêntrica não é uma decisão voluntária dos professores, uma vez
que, o conhecimento científico que trazem consigo, não lhes permite enxergar e acolher uma outra
concepção de aprendizagem relacionada à perspectiva do aprendiz.
A metodologia embutida nas cartilhas de alfabetização contribui para o fracasso escolar. A chamada
Psicogênese da Língua Escrita, resultado das pesquisas realizadas por Emília Ferreiro e Ana Teberosky,
sobre o que pensam as crianças quanto ao sistema alfabético de escrita, evidencia os problemas que a
metodologia embutida nas cartilhas (que faz uso do método da análise-síntese ou da palavra geradora)
traz para as crianças. Por meio das pesquisas das autoras acima mencionadas, em uma sociedade
letrada, as crianças constroem conhecimentos sobre a escrita desde muito cedo, a partir do que observam
na interação com o seu meio físico e social e das reflexões que fazem a esse respeito. As pesquisas
evidenciaram que quando as crianças ainda não se alfabetizaram, buscam uma lógica que explique o que
não compreendem, elaborando hipóteses muito interessantes sobre o funcionamento da escrita.
Esses estudos permitiram compreender que a metodologia das cartilhas pode fazer sentido para
crianças convencidas de que para escrever uma determinada palavra, bastar uma letra para cada sílaba
oral emitida (hipótese silábica), mas para aquelas que ainda cultivam ideias muito mais simples a respeito
da escrita, ou seja, que ainda não estabeleceram relação entre a escrita e a fala (pré-silábica), o esforço
de demonstrar que uma sílaba, geralmente, se escreve com mais de uma letra não faz nenhum sentido.
São essas as crianças que não conseguem aprender com a cartilha e que ficam repetindo a 1ª série
várias vezes, chegando a desistir da escola.
As crianças constroem hipóteses sobre a escrita e seus usos a partir da participação em situações nas
quais os textos têm uma função social de fato. Frequentemente as crianças mais pobres são as que têm
hipóteses mais simples, pois vivem poucas situações desse tipo. Para elas a oportunidade de pensar e
construir ideias sobre a escrita é menor do que para as crianças que vivem em famílias típicas de classe
média ou alta, nas quais ouvem a leitura de bons textos, ganham livros e gibis, observam os adultos

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manusearem jornais para buscar informações, recebem correspondências, fazem anotações, etc. Isso
não quer dizer, que as crianças pobres não tenham acesso à escrita ou não façam reflexões sobre seu
funcionamento fora da escola, mas habitualmente tais práticas não fazem parte do cotidiano do seu grupo
social de origem e isso faz com que o início de sua escolarização se dê em condições menos favoráveis
do que para aquelas crianças que participam de práticas sociais letradas desde pequenas.
Assim, independente do fato de que as crianças venham de uma família pobre ou não, o que importe
realmente é a ação pedagógica do professor, e esta dependerá da sua concepção de aprendizagem (todo
o ensino se apoia numa concepção de aprendizagem). É possível enxergar o que o aluno já sabe a partir
do que ele produz e pensar no que fazer para que aprenda mais. Nas últimas décadas muitas pesquisas
pontuam uma concepção de aprendizagem que é resultado da ação do aprendiz. Dessa forma, a função
do professor é criar condições para que o aluno possa exercer a sua ação de aprender participando de
situações que favoreçam a atividade mental, ou seja, o exercício intelectual. Quando o professor entende
que o aprendiz sempre sabe alguma coisa e pode usar esse conhecimento para continuar aprendendo
ele pode identificar que informação é necessária para que o conhecimento do aluno avance. Essa
percepção permite ao professor compreender que a intuição não é mais suficiente para guiar a sua prática
e que ele precisa de um conhecimento que é produzido no território da ciência. É preciso considerar o
conhecimento prévio do aprendiz e as contradições que ele enfrenta no processo.
Em uma concepção de aprendizagem construtivista, o conhecimento é visto como produto da ação e
reflexão do aprendiz. Esse aprendiz é compreendido como alguém que sabe algumas coisas e que, diante
de novas informações que têm para ele sentido, realiza um esforço para assimilá-la, assim frente a um
problema (conflito cognitivo) o aprendiz tem a necessidade de superá-lo.
O novo conhecimento aparece como aprofundamento do conhecimento anterior que ele já detém. É
inerente à própria concepção de aprendizagem que o aprendiz busque o conhecimento prévio que ele
possui sobre qualquer conteúdo. Através dos estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky e demais
colaboradores, sabemos que a criança representa a escrita de diferentes modos, como a expressão de
um conhecimento sobre a escrita que precede a compreensão real do funcionamento do sistema
alfabético. No caso da aprendizagem da escrita, o meio social coloca para as crianças uma série de
contradições e de conflitos que a forçam a buscar soluções, superar as hipóteses inadequadas quanto ao
sistema de escrita, através da construção de novas teorias explicativas. Nesses momentos, a atuação do
professor é fundamental, pois a conquista de novos patamares de compreensão pelo aluno é algo que
depende também das propostas didáticas e da intervenção que ele fizer.
Essas teorias explicativas são formas de interpretação não necessariamente conscientes, mas que
orientam a ação de quem está aprendendo. Tais teorias são modificadas no embate com a realidade com
a qual o aluno se depara a todo instante e especialmente quando o professor cria contextos adequados
para que isso aconteça. Para aprender, a criança passa por um processo que não tem a lógica do
conhecimento final, como é visto pelos adultos.
Do ponto de vista do referencial construtivista, nenhum conceito nasce com o sujeito ou é incorporado
de fora, mas precisa ser construído através da interação do sujeito com o meio (físico, social, cultural);
nesse processo de construção, as expressões do aprendiz não têm a lógica do conhecimento final,
concebido pelo adulto. As pesquisas realizadas pelo psicólogo Jean Piaget quanto à conservação de
quantidades (massa/ fichas), demonstram que para crianças com idade de 5/7 anos, o fato de oito fichas
apresentarem-se juntas e oito fichas apresentarem-se espalhadas apresentam quantidades diferentes,
simplesmente pela disposição / configuração dessas fichas (pensamento pré-operatório/perceptivo/
irreversível). Começa com Piaget, a construção de um novo olhar sobre a aprendizagem.
Piaget desenvolveu uma teoria do conhecimento (Epistemologia e Psicologia Genética) que explica
como se avança de um conhecimento menos elaborado para um conhecimento mais elaborado,
ressaltando que o conhecimento é resultado da interação do sujeito com o meio externo, que é um
processo no qual o sujeito participa ativamente, modificando o meio no qual está inserido e sendo,
também, modificado por esse mesmo meio.
Foram os estudos de Piaget que abriram a possibilidade de se estudar a construção de conhecimentos
específicos, como o fez Emília Ferreiro que mostrou que era possível pensar o construtivismo - o modelo
geral de construção do conhecimento, tal como formulado por Piaget e colaboradores da Escola de
Genebra - como a moldura de uma investigação sobre a aquisição de um conhecimento particular, no
caso de Emília Ferreiro, o da leitura e escrita.
A Psicogênese da Língua Escrita é um modelo psicológico de aprendizagem específico da escrita que
serve de informação ao educador, porém a maneira como essas informações são usadas na ação
educativa pode variar muito porque nenhuma pedagogia responde apenas a um modelo psicológico. O
modelo geral no qual se apoia a Psicogênese da Língua Escrita é de que há um processo de aquisição
no qual a criança vai construindo hipóteses sobre a escrita, testando-as, descartando umas e

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reconstruindo outras. Durante a alfabetização, aprende-se mais do que escrever alfabeticamente.
Aprendem-se, pelo uso, as funções da escrita, as características discursivas dos textos escritos, os
gêneros utilizados para escrever e muito outros conteúdos.
O modelo de ensino atualmente relacionado ao construtivismo chama-se aprendizagem pela resolução
de problemas (situações-problema). Aprender a aprender é algo possível apenas a quem já aprendeu
muita coisa. Para aprender a aprender, o aprendiz precisa dominar conhecimentos de diferentes
naturezas, como as linguagens, por exemplo. Nesse processo, a flexibilidade e a capacidade de se lançar
com autonomia nos desafios da construção do conhecimento são extremamente importantes, pois há
todo um saber necessário para poder aprender a aprender; e isso só é possível para quem aprendeu
muito sobre muita coisa. Deste modo, é desejável que o aprendiz saiba buscar informações através do
computador, porém é fundamental desenvolver a capacidade de estabelecer relações inteligentes entre
os dados, as informações e os conhecimentos já construídos.
Nesse sentido, para ser capaz de aprender permanentemente, a bagagem básica necessária
atualmente é acadêmico-cultural, em que se articulam conhecimentos de origem tradicionalmente escolar
e aqueles relacionados aos movimentos culturais da sociedade (formação geral).
Assim, a escola tem uma tripla função:
1. levar o aluno a aprender a aprender;
2. dar-lhe os fundamentos acadêmicos; e
3. equalizar as enormes diferenças no repertório de conhecimentos dos aprendizes.

É praticamente impossível a escola realizar sozinha essa terceira função, mas sua contribuição é
essencial, pois é preciso pensar como agir para democratizar o acesso à informação e às possibilidades
e construção de conhecimento.

O que sabe uma criança que parece não saber nada

Saber o que o aluno sabe e o que ele não sabe para poder atuar é uma questão complexa. Esse saber
não está relacionado ao conteúdo a ser ensinado (perspectiva adulta) e sim ao ponto de vista do aprendiz
porque é esse o conhecimento necessário para fazer o aluno avançar do que ele já sabe para o que não
sabe. O que realmente importa são as construções e ideias que o aprendiz elaborou e que não foram
ensinadas pelo professor e, sim, construídas pelo aprendiz. Quando uma criança escreve fazendo uso de
uma concepção silábica de escrita, por exemplo, essa 'escrita' não é reconhecida como um saber, pois
do ponto de vista de como se escreve em português, essa escrita não existe. Mas, para chegar a escrever
em português (escrita alfabética), o aprendiz precisa passar por uma concepção de escrita desse tipo
(silábica), imaginando que quando se escreve representa-se as emissões sonoras que ele consegue
reconhecer (a sílaba), isolando-as pela via da audição.
Tal conhecimento é importante e o professor deve reconhecê-lo na aprendizagem da escrita. Caso
contrário contribuirá muito pouco com os avanços do aluno em relação à escrita e, se a criança aprender
a ler, provavelmente, será por conta própria.
Um olhar cuidadoso sobre o que a criança errou pode ajudar o professor a descobrir o que ela tentou
fazer. Somente um olhar cuidadoso e despojado do professor sobre a produção do aprendiz (quanto ao
saber não reconhecido), permitir-lhe-á descobrir o que pensa esse aprendiz, possibilitando-lhe levantar
questões e perguntas sobre tal produção. Ao desconsiderar o esforço do seu aluno, dizendo-lhe que sua
produção não está correta, acaba desvalorizando sua tentativa e esforço e, consequentemente, o aluno
vai pensar duas vezes antes de produzir de novo. O conhecimento se constrói por caminhos diferentes
daqueles que o ensino supõe. Isso acontece no processo de aquisição da escrita, na construção dos
conceitos matemáticos e na aprendizagem de qualquer outro conteúdo e mesmo quando os alunos estão
submetidos a um tipo de ensino convencional, pois o que impulsiona a criança é o esforço para acreditar
que atrás das coisas que ela tem de aprender existe uma lógica. Se o professor não sabe nada sobre o
que o aluno pensa ou conhece a respeito do conteúdo que quer que ele aprenda, o ensino que ele oferece
não tem com quem dialogar. Conhecimentos prévios dos alunos não deve ser confundido com conteúdo
já ensinado pelo professor.
Na perspectiva construtivista - de resolução de problemas - o professor não pode considerar como
sinônimos o que o aluno já sabe e o que lhe foi ensinado, pois não são necessariamente a mesma coisa.
Para que isso não aconteça, é preciso que o professor desenvolva uma sensibilidade e uma escuta atenta
para a reflexão que as crianças fazem, supondo que o que elas pensam tem sentido e não é fruto de sua
ignorância. O professor precisa criar um ambiente socioafetivo para que as crianças possam manifestar
livremente/espontaneamente o que pensam; somente assim, poderá favorecer situações de
aprendizagem significativas. Tal ambiente deve possibilitar que as crianças pensem sobre suas ideias.

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Do mesmo modo, cabe ao professor oferecer conflitos/situações problemas que possibilitem às crianças
exercitarem o pensamento, na busca de soluções possíveis. Isso requer do professor estudo e uma
postura reflexiva e investigativa. A psicogênese da língua escrita abriu a possibilidade de o professor olhar
para a criança e acreditar que para aprender ela pensa, que aquilo que ela faz tem lógica e o que o
professor não enxerga é porque não tem instrumentos suficientes para perceber o sentido que está sendo
manifestado pela criança. Um casamento entre a disponibilidade da informação externa e a possibilidade
da construção interna. Quando o professor não entende a produção da criança deve-se perguntar à
criança, mesmo que não consiga entender suas explicações, uma atividade indicada para isso é o
trabalho em dupla, pois trabalhando juntas as crianças dão explicações umas às outras e, então, o
professor poderá compreender as hipóteses das crianças.
Assim, é importante observar os procedimentos dos alunos diante de uma atividade, para que o
professor possa reconhecer esses procedimentos dos alunos, de modo, a saber quais são os menos e
os mais avançados e que raciocínio os alunos mais avançados então realizando. O trabalho em grupo
permite que as crianças observem os procedimentos de atuação de seus colegas, inclusive daqueles que
utilizam procedimentos de resolução de problemas mais avançados. Ao perceberem a possibilidade de
diferentes formas de execução, reconhecem o procedimento do colega como mais produtivo e econômico,
construindo, assim, a lógica necessária para poder aprender (a criança aprendeu com outra que sabe
mais).
Tem-se, assim, de um delicado casamento entre a disponibilidade da informação externa e a
possibilidade da construção interna - construtivismo: um modelo explicativo da aprendizagem que
considera, ao mesmo tempo, as possibilidades do sujeito e as condições do meio. Cabe ao professor
tomar decisões importantes, seja na formação das parcerias entre alunos, seja nas questões que ele
mesmo propõe no desenrolar da atividade.
Todas as crianças sabem muitas coisas, só que umas sabem coisas diferentes das outras. As crianças
são provenientes de culturas diferentes e isso contribui para que saibam coisas diferentes, por isso é
importante que o professor tenha claro que as crianças provenientes de um nível cultural valorizado pela
escola apresentam enormes vantagens em relação às outras crianças. Para tais crianças a escola será
muito mais fácil, porque está em consonância com a cultura da família e do seu ambiente. Por outro lado,
as crianças provenientes de ambientes onde as pessoas possuem menor grau de escolaridade e distantes
dos usos cotidianos dos conteúdos que a escola valoriza encontrarão dificuldades.
Assim, a equalização das oportunidades de aprendizagem dessas crianças deve ser uma tarefa da
escola que deve repensar sua própria prática, de modo a não prejudicar o sucesso escolar desses alunos.
(...) "É preciso, pois, educar o olhar para enxergar o que sabem as crianças que aparentemente não
sabem nada".
A equalização de oportunidades de aprendizagem não significa uma pedagogia compensatória. É
preciso socializar os conteúdos pertencentes ao mundo da cultura: literatura, ciência, arte, informação
tecnológica, etc., pois isso é uma questão de inserção social e, portanto, direito de todas as crianças. A
escola não pode ser instrumento de exclusão social. Todo professor deve levar todos os seus alunos a
participarem da cultura.
O termo cultura é utilizado não em seu sentido antropológico e sim no do senso comum: a cultura
erudita e a de larga difusão, mas produzida para e pela elite.
Todos os professores, principalmente, aqueles das classes iniciais que quiserem contribuir para que
todos os alunos de sua classe tenham a mesma oportunidade de aprender, devem estimulá-los a
participar da cultura. É papel do professor ler diferentes tipos de assuntos/textos (usar o jornal e outras
fontes de informação e de pesquisa) em classe e levar as crianças para exposições de artistas
importantes. É preciso oferecer às crianças a oportunidade de navegar na cultura, na Internet, na arte,
em todas as áreas do conhecimento, em todas as linguagens, em todas as possibilidades.
Um exemplo de alguém que sabia como tratar as crianças era Monteiro Lobato que escrevia livros
contando coisas da Antiguidade, falando de astronomia, da história do mundo. Porém, o que normalmente
se oferece para as crianças lerem são histórias empobrecidas, versões resumidas e textos com
supressões. Não é possível formular receitas prontas para serem aplicadas a qualquer grupo de alunos.
Nos anos 1970, uma visão de escola como linha de montagem, denominada de tecnicista, voltada para
criar máquinas de ensinar, métodos de ensino, sequências de passos programados, dominava a
concepção de ensino e aprendizagem. No Brasil, esse modelo chamava-se ensino programado. A função
do professor, nesse modelo, era simplesmente, a de administrar o ensino programado e foi, justamente,
esse modelo o responsável por uma exigência cada vez mais baixa de qualificação dos professores.
O ensino programado permitia o que se chamava de 'ensino na medida do estudante', que embora
considerasse os vários ritmos de aprendizagem da criança, todos aprendiam, pois, seguindo os passos
programados chegariam todos, de alguma forma, ao final. O papel do professor dentro de uma proposta

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construtivista é bem diferente deste proposto pelo modelo tecnicista. Cabe ao professor construir
conhecimentos de diferentes naturezas, que lhe permitam ter claros os seus objetivos, assim como
selecionar conteúdos adequados, enxergando na produção de seus alunos o que eles já sabem e
construindo estratégias que os levem a conquistar novos patamares de conhecimento. Não há receitas
prontas a serem aplicadas a grupos de alunos, uma vez que, a prática pedagógica é complexa e
contextualizada. O professor precisa ser alguém com autonomia intelectual.

As ideias, concepções e teorias que sustentam a prática de qualquer professor, mesmo quando
ele não tem consciência delas

A prática pedagógica do professor é sempre orientada por um conjunto de ideias, concepções e teorias,
mesmo que nem sempre tenha consciência disso. Para que possamos compreender a ação do professor,
é preciso verificar de que forma seus atos expressam sua concepção sobre:
- O conteúdo que ele espera que o aluno aprenda;
- O processo de aprendizagem (os caminhos pelo quais a aprendizagem acontece);
- Como deve ser o ensino.

Historicamente, a teoria empirista é a teoria que mais vem impregnando as representações sobre o
que é ensinar, quem é o aluno, como ele aprende e o que e como se deve ensinar (modelo de ensino e
aprendizagem conhecido como estímulo-resposta). Essa teoria define a aprendizagem como 'a
substituição de respostas erradas por respostas certas', partindo da concepção de que o aluno precisa
memorizar e fixar informações, as mais simples e parciais possíveis e ir acumulando com o tempo. A
cartilha está fundamentada nesse modelo (palavras-chaves, famílias silábicas usadas exaustivamente,
frases desconectadas, textos com mínimo de coerência e coesão). Como a metodologia de ensino
expressa nas cartilhas concebe os caminhos pelas quais a aprendizagem acontece. Na concepção
empirista, o conhecimento está 'fora' do sujeito (a fonte do conhecimento é externa ao sujeito - é o meio
físico e social) e, é interiorizado através dos sentidos, ativado pela ação física e perceptual.
O sujeito é concebido como uma tábula rasa - ‘vazio’ na sua origem, sendo 'preenchido' pelas
experiências que tem com o mundo (conceito de 'educação bancária' criticada por Paulo Freire). O
aprendiz é alguém que vai juntando informações. O processo de ensino fundamentado nessa teoria
caracteriza-se pela: cópia, ditado, memorização pura e simples, utilização da memória de curto prazo
para reconhecimentos das famílias silábicas, leitura mecânica para posterior leitura compreensiva. Para
mudar é preciso reconstruir toda a prática a partir de um novo paradigma teórico. Em uma concepção
construtivista, o conhecimento não é concebido como cópia do real, incorporado diretamente pelo sujeito.
A teoria construtivista pressupõe uma atividade, por parte do aprendiz, que organiza e integra os novos
conhecimentos aos já existentes. Isso acontece com alunos e professores em processo de transformação.
Uma preocupação, bastante pertinente, diz respeito ao fato do professor querer inovar a sua prática,
adotando um modelo de construção de conhecimento sem compreender, suficientemente, as questões
que lhe dão sustentação, correndo o risco de se deslocar de um modelo que lhe é familiar para o outro
meio conhecido, mesclando teorias, como se costuma afirmar. Outra preocupação diz respeito ao
entendimento destorcido por parte de professores, que acreditando ser o sujeito sozinho quem constrói o
conhecimento, veem a intervenção pedagógica como desnecessária. Tais concepções não fazem
nenhum sentido num modelo construtivista. Conteúdos escolares são objetos de conhecimento
complexos, que devem ser dados a conhecer, aos alunos, por inteiro.
Para o referencial construtivista, a aprendizagem da leitura e da escrita é complexa e, portanto, deve
ser apresentada / oferecida por inteiro ao aprendiz e de forma funcional. Para os construtivistas, o
aprendiz é um sujeito, protagonista do seu próprio processo de aprendizagem, alguém que vai produzir a
transformação, convertendo informação em conhecimento próprio. Essa construção pelo aprendiz não se
dá por si mesma e no vazio, mas a partir de situações nas quais age sobre o que é o objeto do seu
conhecimento, pensa sobre ele, recebendo ajuda, sendo desafiado a refletir, interagindo com outras
pessoas. A diferença entre o modelo empirista e o modelo construtivista é que no primeiro a informação
é introjetada ou não; enquanto que no segundo, o aprendiz tem de transformar a informação para poder
assimilá-la. Isso resulta em práticas pedagógicas muito diferentes. Afirmar que o conhecimento prévio é
a base da aprendizagem não é defender pré-requisitos.
No modelo construtivista, o conhecimento não é gerado do nada, é uma permanente transformação a
partir do conhecimento que já existe. Essa afirmação de que conhecimentos prévios constituem a base
de novas aprendizagens não significa a crença ou a defesa de pré-requisitos e muito menos significa
matéria ensinada anteriormente pelo professor.

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Não informar nem corrigir significa abandonar o aluno à própria sorte. A crença espontaneísta de que
o aluno constrói o conhecimento, não sendo necessário ensinar-lhe, faz com que o professor passe a não
informar, a não corrigir e a se satisfazer com que o aluno faz ' do seu jeito'; isso significa abandonar o
aluno à sua própria sorte. Cabe ao professor organizar a situação de aprendizagem de forma a oferecer
informação adequada. A função do professor é observar a ação da criança, acolher ou problematizar /
desestabilizar suas produções, intervindo sempre que achar que pode contribuir para que a concepção
da criança sobre o objeto de conhecimento avance. É papel do professor apoiar a construção do
conhecimento pelo aprendiz.

Como fazer o conhecimento do aluno avançar

O processo de ensino deve dialogar com o de aprendizagem. Isso mostra que não é o processo de
aprendizagem (aluno) que deve se adaptar ao processo de ensino (professor), mas, sim, o processo de
ensino que deve se adaptar ao processo de aprendizagem.
Para tanto, o professor precisa compreender o caminho de aprendizagem que o aluno está
percorrendo naquele momento e, a partir disso, identificar as informações e atividades que permitirão ao
aluno avançar do patamar de conhecimento que conquistou para outro que é mais avançado. Para isso,
é preciso que o professor organize situações de aprendizagem: atividades planejadas (propostas e
dirigidas) com a intenção de favorecer a ação do aprendiz sobre um determinado objeto de conhecimento,
sendo que essa ação está na origem de toda e qualquer aprendizagem.
Tais atividades devem reunir algumas condições e respeitar alguns princípios:
- Os alunos devem pôr em jogo tudo que sabem e pensam sobre o conteúdo que se quer ensinar;
- Devem ter problemas a resolver e decisões a tomar em função do que se propõe produzir;
- A organização da tarefa pelo professor deve garantir a máxima circulação de informação possível;
- O conteúdo trabalhado deve manter suas características de objeto sociocultural real, sem se
transformar em objeto escolar vazio de significado social.

Alunos põem em jogo tudo que sabem, têm problemas a resolver e decisões a tomar:
O aprendiz precisa testar suas hipóteses e enfrentar contradições, seja entre as próprias hipóteses,
seja entre o que consegue produzir sozinho e a produção de seus pares ou entre o que pode produzir e
o resultado tido como convencionalmente correto. Partindo-se de uma proposta construtivista, o
conhecimento só avança quando o aluno tem bons problemas sobre os quais pensar. Para isso, o
professor deve criar boas situações de aprendizagem para os alunos, atividades que representem
possibilidades difíceis, porém dificuldades possíveis de serem resolvidas.
A escola precisa autorizar e incentivar o aluno a acionar seus conhecimentos de experiências
anteriores, fazendo uso deles nas atividades escolares; é preciso criar atividades para que isso seja de
fato requisitado, sendo útil para qualquer área de conhecimento. A organização da tarefa garante a
máxima circulação de informação possível.
Os livros e demais materiais escritos, a intervenção do professor, a observação de um colega na
resolução de um problema, as dúvidas, as dificuldades, o próprio objeto de conhecimento que o aluno se
esforça para aprender são situações que informam.
Por isso, é importante que se garanta a máxima circulação de informação possível na classe e o
ambiente escolar deve permitir que as perguntas e as respostas circulem. Nesse processo, as
informações que chegam até o aprendiz precisam ser trabalhadas ou interpretadas por ele de acordo com
que lhe é possível naquele momento. O professor precisa estar ciente de que o conhecimento avança
quando o aprendiz se defronta com situações-problema nas quais não havia pensado anteriormente.
Situações significativas de aprendizagem em sala de aula acontecem quando o professor abre mão de
ser o único informante e quando o clima sócio afetivo se baseia no respeito mútuo e não no autoritarismo.
É preciso incentivar a cooperação, a solidariedade, o respeito e o tutoramento (um aluno ajudando o
outro) em sala de aula.
A interação entre os alunos é necessária não somente porque o intercâmbio é condição para o convívio
social na escola, mas, também, porque informa a todos os envolvidos e potencializa quase infinitamente
a aprendizagem. O conteúdo trabalhado deve manter suas características de objeto sociocultural real. O
ensino da língua portuguesa está cheio de criações escolares que em nada coincidem com as práticas
sociais de uso da língua, objeto de ensino na escola, baseadas no senso comum. Isso não acontece
somente no ensino da língua portuguesa, mas em todas as outras áreas. Na escola, por exemplo,
aprende-se a linguagem matemática escrita, que é pouco usada na rua. Porém, não se pode deixar de
lado esta competência que o aluno já traz desenvolvida (devido a sua vivência de 'rua') e sobrepor a
escolarização a ela.

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Quando se trata de ciência ou prática social convertida em objeto de ensino, estas acabam por sofrer
modificações. A arte é diferente na Educação Artística, o esporte é diferente da Educação Física, a
linguagem é diferente do ensino de Língua Portuguesa, a ciência é diferente do ensino de Ciências.
Porém, não se pode criar invenções pretensamente facilitadoras que acabem tendo existência própria. É
papel da escola garantir a aproximação máxima entre o use social do conhecimento e a forma de tratá-lo
didaticamente.

Quando corrigir, quando não corrigir

O professor desenvolve dois tipos de ação pedagógica: planejamento e intervenção, uma intervenção
clássica é a correção que não é a única intervenção possível, nem a mais importante, porém é a que mais
tem preocupado os professores. Numa concepção construtivista de aprendizagem, a função da
intervenção é atuar de modo que os alunos transformem seus esquemas interpretativos em outros que
deem conta de questões mais complexas que as anteriores. A correção é algo relacionado a qualquer
situação de aprendizagem, o que varia é como ela é compreendida pelo professor.
A tradição escolar normalmente vê a correção realizada longe dos alunos na qual os erros são
assinalados para que os alunos corrijam, como a mais importante (concepção empirista - exigente com a
transmissão). Quando se trata de uma redação, o texto tem que ser passado a limpo, corrigido - o erro
poderá ficar fixado na memória do aluno (concepção que supõe a percepção e a memória como núcleos
na aprendizagem). Outra visão de correção é a informativa que carrega a ideia de que a correção deve
informar o aluno e ser feita dentro da situação de aprendizagem (concepção de erro construtivo - que faz
parte do processo de aprendizagem de qualquer pessoa).
Os erros devem ser corrigidos no momento certo. Que nem sempre é o momento em que foram
corrigidos. A ideia do erro construtivo fascinou muitos educadores, que começaram a ver de outra forma
os textos escritos dentro de um sistema silábico e mesmo os de escrita alfabética. Porém, depois que a
criança compreendeu o sistema alfabético de escrita é necessário que o professor intervenha na questão
ortográfica, considerando a melhor forma de fazer isso. O que deve ser repensado é a concepção
tradicional de correção. Os alunos sabem o que achamos importantes que eles aprendam, mesmo que
não falemos nada. Muitos professores, por não quererem bloquear a criatividade do aluno, acabam
deixando que ele escreva de qualquer jeito. Tal procedimento acaba consolidando um contrato didático
implícito, pois de alguma forma o aluno percebe que o professor não valoriza esse tipo de conhecimento
e acaba por desvalorizá-lo investindo nessas aprendizagens. É importante que o professor tenha claro
que depois de um tempo de escolaridade, são inaceitáveis.

A necessidade e os bons usos da avaliação

No que diz respeito à avaliação, é preciso ter claro o que o aluno já sabe no momento em que lhe é
apresentado um conteúdo novo. O conhecimento prévio é o conjunto de ideias, representações e
informações que servem de sustentação para a nova aprendizagem, ainda que não tenham,
necessariamente, uma relação direta com o conteúdo que se quer ensinar. É importante investigar e
explorar essas ideias e representações prévias porque permite saber de onde vai partir a aprendizagem
que se quer que aconteça. Conhecer essas ideias e representações prévias ajuda muito na hora de
construir uma situação na qual o aluno terá de usar o que já sabe para aprender o que ainda não sabe.
Após esta avaliação inicial, relacionada aos conhecimentos prévios, é preciso que o professor utilize
um ou outro instrumento para verificar como os alunos estão progredindo, pois o conhecimento não é
construído igualmente, ao mesmo tempo e da mesma forma por todos. Esse instrumento é a avaliação
de percurso - formativa ou processual - feita durante o processo de aprendizagem. Esse procedimento
permitirá ao professor avaliar se o trabalho que está desenvolvendo com os alunos está sendo produtivo
e se os alunos estão aprendendo com as situações didáticas propostas.
A avaliação da aprendizagem é também a avaliação do trabalho do professor. Quando se avalia a
aprendizagem do aluno, também se avalia a intervenção do professor, pois o ensino deve ser planejado
e replanejado em função das aprendizagens conquistadas ou não. Assim, é importante a organização de
espaços coletivos de discussão do trabalho pedagógico na escola, valorizando-se a prática de
observação de aula pelo coordenador ou orientador pedagógico - ou mesmo por um colega que ajude a
olhar de fora. O professor está sempre tão envolvido que, às vezes, não lhe é possível enxergar o que
salta aos olhos de um observador externo.
Se a maioria da classe vai bem e alguns não, estes devem receber ajuda pedagógica. Quando, numa
verificação de aprendizagem, grande parte dos alunos apresenta dificuldades, é certo que o professor
precisa rever o seu encaminhamento. Porém, quando a verificação aponta que alguns alunos não estão

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bem, estes devem ser atendidos imediatamente através de outras atividades que possibilitem a
superação das dificuldades.
A escola deve estar comprometida com a aprendizagem de todos e, dessa forma, criar um sistema de
apoio para que os alunos não se percam no caminho. As dificuldades precisam ser detectadas
rapidamente para que sejam sanadas e continuem progredindo, não desenvolvendo bloqueios. Tais
crianças precisam ser atendidas por meio de realização de atividades diferenciadas durante a aula,
trabalho conjunto com colegas que possam ajudá-los e intervenções.

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