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MISSÃO
Escola de Contas e Gestão do TCE-RJ
Rua da Constituição, nº 44/46
Secretária-Geral das Sessões CEP 20060-010 – Centro – Rio de Janeiro
Simone Amorim Couto Tel.: (21) 3916-9544
e-mail: pesquisas_ ecg@tce.rj.gov.br
Promover ensino e pesquisa na área de gestão pública,
voltados para o desenvolvimento e a difusão de conhecimento,
Rio de Janeiro (Estado). Tribunal de Contas
Síntese: Revista da Escola de Contas e Gestão do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro
Semestral
ISSN: 2595-4326
de modelos e de metodologias comprometidas com a
Continuação da Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. inovação, a transparência, a responsabilização e a melhoria do
1. Administração Pública. 2. Controle Externo. 3. Tribunal de Contas. I. Título.
CDD 352
desempenho e do controle governamental, em consonância
com as expectativas e necessidades da sociedade.
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da Escola de Contas e Gestão/TCE-RJ.
2 3
SUMÁRIO
6 EDITORIAL
Conselheiro Rodrigo M. do Nascimento
(Vice-Presidente do TCE-RJ e Presidente do Conselho Superior da
ECG/TCE-RJ)
8 APRESENTAÇÃO
Karen Estefan Dutra
(Diretora-Geral da ECG)
ARTIGOS
4 5
RODRIGO M. Exemplo de atividade bem-sucedida no âmbito da
ECG/TCE-RJ são os Projetos Especiais, com a propos-
reportar à nova edição da Síntese, a Revista do
Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro.
DO NASCIMENTO ta já em andamento do “Curso de Aperfeiçoamento
Profissional para Auditores Internos Municipais”. A
Os artigos publicados neste número são fruto das
múltiplas atividades da Escola. Os três primeiros –
iniciativa é uma elaboração conjunta da Secretaria-
“Finanças Públicas Fluminense e Tensão Federati-
-Geral de Controle Externo – SGE/TCE-RJ (responsá-
va”, de Bruno Leonardo Barth Sobral; “Os Desafios
vel pela coordenação técnica) e da Escola.
e as Perspectivas para a Recuperação da Ativida-
O curso destina-se a servidores efetivos dos ór- de Econômica Fluminense”, de Eduardo Duprat
gãos jurisdicionados da Administração Pública Ferreira de Mello e José Isaac Lerer; “Análise das
Municipal, portadores de diploma de nível supe- Finanças do Estado do Rio de Janeiro de 2008 a
rior, que atuem em Unidades de Controle Interno 2017: Crise e Plano de Ação” , de Diego Oneto
de seu órgão, tendo por objetivos tornar os pro- Bosignoli – são os vencedores do Prêmio Ministro
fissionais capazes de realizar auditorias internas Gama Filho 2018, que teve como tema “A crise fi-
em conformidade com as Normas Brasileiras de nanceira no Estado do Rio de Janeiro: diagnóstico
Auditoria do Setor Público (NBASP), abrangendo e propostas de soluções”.
Vice-Presidente do Tribunal de Contas do as fases de planejamento, execução, comunica-
Estado do Rio de Janeiro Os demais têm, como autores, estudiosos que,
ção dos resultados e monitoramento, bem como
em algum momento, participaram dos even-
apoiar o controle externo no exercício de sua mis-
Presidente do Conselho Superior tos promovidos pela ECG/TCE-RJ ou atuam em
são institucional.
da ECG/TCE-RJ instituições parceiras. Interessados em divulgar
Para a consecução dos objetivos propostos no seus trabalhos, optaram em fazê-lo por meio da
PAFC, o dia a dia da ECG/TCE-RJ é intenso e vi- Síntese, acrescentando valiosa contribuição ao
Uma visita à Escola de Contas e Gestão do Tribu- pacitação, ampliando o número de alunos matri- brante, contando com o comprometimento de intuito de nossa Escola de disseminar saberes e
nal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (ECG/ culados nas diversas atividades oferecidas, o que todos os seus servidores. A par de novas ações, cultivar valores com vistas ao aprimoramento, à
TCE-RJ) impressiona pela movimentação em suas já vem sendo constatado, se compararmos os re- aquelas exitosas estão mantidas e se repetem modernização e à transparência da Administra-
dependências. Salas de aula e laboratórios plenos sultados alcançados nos anos de 2017 e 2018, em com a frequência prevista: Prêmio Ministro Gama ção Pública.
de alunos, o auditório quase sempre servindo de que pontificam quantidade e qualidade. Filho, Seminários, Palestras, Oficinas, Encontro
espaço para concorridos eventos promovidos com o Autor, Diálogo, Programa de Pesquisa, Assim, muito nos honra a publicação de “Men-
Nessa perspectiva, a ECG/TCE-RJ tem como pro- suração da Performance Governamental como
pela Escola, em conjunto ou por solicitação de al- Concessão de Bolsas, Comissão Permanente de
pósito constituir-se um ativo canal de comunica- Forma de Operacionalização da Accountability”,
guma das Secretarias do TCE-RJ, ou ocupado por Estudos e Pesquisas (COPEP).
ção com os jurisdicionados, a fim de não apenas de Alexandre Handfas, Gustavo Andrey de Almei-
órgãos jurisdicionados, como é o caso da Secreta-
divulgar suas atividades, mas de prestar contas Cumpre referenciar o trabalho que vem sendo de- da Lopes Fernandes e Juliana Bonomi Santos, da
ria de Estado de Saúde, que ali, com frequência,
à sociedade e estreitar relações com outras ins- senvolvido pela Assessoria Pedagógica no sentido FGV-EAESP; “A Caracterização e a Operacionaliza-
realiza Fóruns e Cursos de Capacitação de nature-
tituições. de dotar o corpo docente da ECG/TCE-RJ – constitu- ção dos Conselhos e sua Atuação na Governança
za específica, em conformidade com o previsto no
ído basicamente por servidores do TCE-RJ, selecio- da Previdência Pública Municipal”, de Diana Vaz
Convênio de Cooperação Educacional, Técnica e Considerando a premissa de modernização das
nados segundo rigorosos critérios – das habilidades de Lima e Karine Cristiane de Oliveira Paiva, da
Científica firmado entre as instituições. atividades educacionais empreendidas pela ECG/
exigidas para o desempenho de suas funções. Todas UnB; “A Multa do Tribunal de Contas e o Incentivo
TCE-RJ, os cursos do Projeto ECG Presente passa-
Como se espera de uma Escola, a ECG/TCE-RJ vem as ações da Escola foram unificadas em torno de à Boa Gestão Pública”, de Romano Scapin, do TCE-
ram a ser ministrados na modalidade híbrida, uma
se mostrando em permanente ebulição, em busca uma visão de futuro, com foco no desenvolvimen- -RS; e “Avanços da Avaliação no Século XXI”, da
combinação dos modelos presencial e a distância,
de alinhamento a novas demandas, novas meto- to de competências para a superação de desafios, a Professora Thereza Penna Firme, Coordenadora
objetivando facilitar a participação dos servido-
dologias e novas tecnologias, disponibilizando partir de uma trilha criada para tal fim. em Avaliação da Fundação Cesgranrio.
res oriundos de Municípios mais distantes às ex-
uma grade de cursos numerosa e diversificada.
periências de aprendizagem, tendo em vista sua Sob esse prisma formativo, a APE/ECG realiza reu- Já é possível afirmar que a inovação está incor-
Nos termos do art. 66 da Deliberação TCE-RJ nº maior dificuldade de comparecimento à nossa niões individualizadas ou em grupos de responsá- porada a todas as ações da ECG/TCE-RJ. Não se
231/05, a ECG/TCE-RJ deve elaborar seu Plano Escola durante longos períodos. veis por disciplinas afins. Aos novos professores é concebe uma inovação pontual ou restrita, ela
Anual de Formação e Capacitação (PAFC), em que oferecido regularmente o curso “A ação docente no deve estar intimamente vinculada a uma cultura
Com isso, dissemina-se a cultura da aprendiza-
define os objetivos, as diretrizes, os subsídios, as processo ensino-aprendizagem - A elaboração de de gestão, plena e irreversível. Toda a ECG/TCE-RJ
gem por meio de tecnologias, já que o Ambien-
metas e o detalhamento das ações a serem desen- estratégias didáticas centradas no aluno” e, periodi- está engajada, por meio de um processo siner-
te Virtual de Aprendizagem da ECG/TCE-RJ pode
volvidas ao longo do ano, com vistas à posterior camente, os docentes participam de Encontros, du- gético, em uma visão de futuro, acumulando e
ser acessado de múltiplos dispositivos ligados à
submissão ao Conselho Superior da ECG/TCE-RJ. rante os quais são proferidas palestras por especia- criando conhecimentos que lhe permitam galgar
internet, além de priorizar uma abordagem mais
listas sobre metodologias inovadoras em educação. patamares e vencer desafios. Como ensinou Peter
No PAFC 2019, a Escola se propôs intensificar dinâmica para as aulas presenciais, fator essencial
ainda mais a sua atuação, por meio do aumento para a incorporação de conhecimentos e garantia Desenhada a efervescência que vem identifican- Drucker, não podemos prever o futuro, mas pode-
da capilaridade de suas ações de formação e ca- de aprimoramento profissional. do a ECG/TCE-RJ, tenho imensa satisfação em me mos ajudar a construí-lo.
6 7
Karen Estefan Dutra da severa crise financeira do Estado do Rio de Janeiro,
que alcançou seu momento crítico com a decretação
programas setoriais e são órgãos deliberativos, cujos
mandatos oscilam entre dois e seis anos. Observam as
do estado de calamidade pública, em 2016, cujos efei- autoras que a legislação previdenciária contribui para
tos deverão repercutir pelos próximos anos. Guardan- a eficiência e a efetividade dos RPPS, no entanto o que
do essa ótica, o trabalho analisa os elementos que, na constataram é que muitos conselheiros assumem suas
estrutura produtiva fluminense e na arquitetura insti- funções sem qualquer experiência na matéria, vindo
tucional, podem ser potencializados ou redirecionados a tomar decisões apenas por orientação de terceiros.
para a reversão da situação de dificuldade em que o
Na sequência, o artigo “A Multa do Tribunal de Contas
estado se encontra.
e o Incentivo à Boa Gestão Pública: uma análise eco-
O terceiro trabalho agraciado, intitulado “Análise das nômica no âmbito do controle externo”, de Romano
Finanças do Estado do Rio de Janeiro de 2008 a 2017: Scapin, Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da
Crise e Plano de Ação”, de Diego Oneto Bosignoli, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Auditor
apresenta um recorte das finanças públicas do Estado de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado
do Rio de Janeiro no período, aponta um diagnóstico do Rio Grande do Sul – TCE-RS, aborda a aplicação de
da crise e sugere possíveis medidas de recuperação. teorias advindas dos estudos de Análise Econômica do
Após traçar um panorama da economia estadual, o Direito sobre as normas e atuação do TCE-RS. O autor
autor relaciona os fatores que, segundo ele, ocasio- defende a tese de que a efetividade da fiscalização
naram a atual dificuldade financeira por que passa o exercida por aquele Tribunal pode ser influenciada
estado e analisa as principais consequências advindas pelos instrumentos punitivos que a legislação lhe con-
desse quadro. Citam-se como intervenções que pode- fere para fins de responsabilizar os gestores públicos
Diretora-Geral da riam fomentar a recuperação econômico-financeira que praticam atos administrativos em desconformi-
Escola de Contas e estadual: ajuste fiscal, venda de títulos públicos, es- dade com o ordenamento jurídico. O trabalho analisa
Gestão - ECG/TCE-RJ tímulo à exportação, concessão de linhas de crédito especificamente a multa legal que pode ser aplicada
subsidiadas pelo governo, estímulo à exportação e pelo TCE-RS e o consequente (baixo - acentua o au-
benchmarking. tor) incentivo por ela gerado em busca da boa gestão
pública.
Em um cenário mundial em que se sobressaem inova- tação teórica e aplicabilidade, numa visão preponde- Os artigos a seguir são de autores que, em algum
ção e tecnologia, em busca da formulação de métodos rante de futuro, que nos chega cada vez mais célere, momento, estreitaram vínculo com a ECG/TCE-RJ, por Fechando esta edição de Síntese, o artigo “Avanços
e procedimentos mais eficazes para o atendimento às exigente e engenhoso. meio de palestras que foram convidados a proferir; de da Avaliação no Século XXI”, da Professora Thereza
expectativas e necessidades cada vez mais complexas apresentação de sua mais recente obra no Encontro Penna Firma, Coordenadora de Avaliação na Funda-
da sociedade, uma instituição voltada para a educação Os três primeiros artigos desta edição de Síntese fo-
com o Autor, evento que se realiza regularmente na ção Cesgranrio, revela que o conceito de avaliação
corporativa, como a Escola de Contas e Gestão do Tri- ram os trabalhos vencedores do Prêmio Ministro Gama
Biblioteca Sergio Cavalieri Filho; ou ainda, detentores evoluiu aceleradamente nas últimas duas décadas.
bunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (ECG/TCE- Filho 2018, que teve como tema “A crise financeira
de profícua e valiosa produção acadêmica, nos honra- Apesar disso, a prática da avaliação não tem acompa-
-RJ), vive permanentemente o grande desafio de criar no Estado do Rio de Janeiro: diagnóstico e propostas
ram com a escolha de Síntese para a publicação de seu nhado esse avanço, o que tem gerado distorções de
e disseminar conhecimentos que a posicionem como de soluções”. A láurea tem por objetivo incentivar e
trabalho. métodos e resultados. Ressalta a autora que a capa-
protagonista no processo de modernização da gestão reconhecer a realização de estudos e pesquisas de in-
citação do profissional, no que se refere aos padrões
pública, particularmente em nosso estado. teresse público que podem servir para a formulação O artigo “Mensuração da Performance Governamental de verdadeira avaliação em termos de utilidade, via-
e inovação de práticas tendentes à solução e ao incre- como Forma de Operacionalização Prática da Dimen- bilidade, ética, precisão e accountability, é crucial e
A ECG/TCE-RJ vem se mostrando atenta ao rápido pro- mento do desenvolvimento administrativo, financeiro, são Teórica de Accountability”, de Alexandre Handfas, urgente para que a avaliação cumpra o seu propósito
cesso de transformação social. Para manter-se alinhada econômico, jurídico e social da administração pública Gustavo Andrey de Almeida Lopes Fernandes e Juliana de promover transformação. Na formulação dos juí-
a essa visão e consciente de suas elevadas responsabili- fluminense. Bonomi Santos, da Escola de Administração de Em- zos de valor, o processo avaliativo deve concentrar-se
dades, a Escola planeja e promove múltiplas atividades presas de São Paulo (FGV- EAESP), tem como objeti-
O primeiro artigo, “Finanças Públicas Fluminense e no mérito de seu objeto enquanto valor interno, e
– Prêmios, Pesquisas, Seminários, Palestras, Encontros, vo contribuir para a compreensão da relação entre a
Tensão Federativa”, de Bruno Leonardo Barth Sobral, mais amplamente vislumbrar sua relevância, definin-
Oficinas, Tardes do Saber – que estimulam o debate discussão teórica sobre responsabilização de governos,
propugna que a compreensão da atual dificuldade por do a utilidade de seus resultados e repercussões. A
e a reflexão, direcionados para a formulação, experi- a accountability, e o crescente uso da mensuração de
que passam as finanças públicas do Estado do Rio de autora conclui que é também necessário considerar a
mentação e consolidação de saberes que venham a ser performance no setor público. Para atingir esse propó-
Janeiro está vinculada a determinantes históricos e importância do objeto sob avaliação, de modo que o
incorporados a práticas que levem à maior eficiência sito, os autores se utilizam de revisão estruturada da
especificidades de seu processo de desenvolvimento. processo avaliativo venha a reforçar sucessos em vez
do setor público. literatura sobre a matéria, além de uma sucinta discus-
Destaca que, para o correto enfrentamento dessas de acentuar fracassos.
É crucial ajustar-se às novas demandas e tendências. questões, é fundamental que seja considerado um são acerca de um caso brasileiro.
Os artigos que compõem este número da Síntese, a
Temos a convicção de que a ECG/TCE-RJ, por meio de cenário regional, com aprofundamento de discussões Em seguida, o artigo “A Caracterização e a Operacio- Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Ja-
uma diversificada e bem cuidada atuação, vem alcan- acerca da estrutura produtiva, colocando em evidência nalização dos Conselhos e sua Atuação na Governança neiro, possuem em comum o rigor científico em que
çando êxito em sua proposta de perscrutar novos ru- a superação do “marco de poder” local e o quadro de da Previdência Pública Municipal”, de Diana Vaz de suas teses se fundamentam, a utilidade e viabilidade
mos e possibilidades, com vistas a capacitar e formar tensão federativa. Nessa perspectiva, o trabalho discu- Lima (Professora de Ciências Contábeis da Universi- de suas propostas e o compromisso de esquadrinhar
servidores proativos, motivados e aptos a arquitetar te o reequilíbrio financeiro não como um pressuposto dade de Brasília - UnB) e Karine Cristiane de Oliveira novas tendências e demandas da administração públi-
soluções para os desafios, muitas vezes singulares, com ou um fim em si mesmo, mas como um desafio a ser Paiva (Bacharel em Ciências Contábeis pela Universi- ca, propiciando a antevisão da necessidade de novas
que se deparam. suplantado em decorrência de uma visão estratégica dade de Brasília - UnB), leva a termo uma análise de trilhas de capacitação e formação do servidor, num
e do fortalecimento dos setores de planejamento res- como são estruturados e operacionalizados os conse-
Com perfil definido de uma instituição aberta, inclusi- permanente processo de atualização e modernização
ponsáveis pela elaboração de políticas indutoras de lhos dos regimes próprios de previdência social (RPPS)
va, multifacetada e tecnológica, movendo-se em par- da ECG/TCE-RJ.
recuperação econômica. e sua atuação na governança da previdência pública
ceria com outras Escolas de Governo e Universidades,
municipal. Por meio da aplicação de um questionário Pioneirismo, dinamismo, tecnologia, foco no futuro
os resultados de todo o esforço empreendido pela O segundo artigo vitorioso do Prêmio Ministro Gama
encaminhado aos conselheiros de RPPS de todas as re- espelham o cotidiano da Escola de Contas e Gestão do
ECG/TCE-RJ precisam ser divulgados. E este é o papel Filho 2018, “Os Desafios e as Perspectivas para a Re-
giões do Brasil, as autoras concluem que os conselhos TCE-RJ. Apresentar a Síntese, uma publicação que re-
da Síntese, a Revista do Tribunal de Contas do Estado cuperação da Atividade Econômica Fluminense”, de
de regimes próprios possuem natureza de representa- flete todo esse espectro, nos deixa plenos de orgulho,
do Rio de Janeiro: mostrar e tornar acessíveis os estu- Eduardo Duprat Ferreira de Mello e José Isaac Lerer,
ção vinculada funcional, composição múltipla e não por conseguirmos dar forma ao que julgamos essencial
dos que realizamos, em que se coadunam fundamen- apresenta uma síntese das principais causas geradoras
paritária, relação do tipo orgânico com as políticas e para uma educação corporativa de qualidade.
8 9
ARTIGOS
1
A CARACTERIZAÇÃO E A
OPERACIONALIZAÇÃO DOS CONSELHOS
4
5
MENSURAÇÃO DA PERFORMANCE
GOVERNAMENTAL COMO FORMA
2 DE OPERACIONALIZAÇÃO DA
OS DESAFIOS E AS PERSPECTIVAS PARA ACCOUNTABILITY
A RECUPERAÇÃO DA ATIVIDADE
ECONÔMICA FLUMINENSE
6
A MULTA DO TRIBUNAL DE CONTAS E O
INCENTIVO À BOA GESTÃO PÚBLICA:
Uma análise econômica no
âmbito do controle externo
3
ANÁLISE DAS FINANÇAS DO ESTADO DO RIO
DE JANEIRO DE 2008 A 2017:
Crise e plano de ação
7
AVANÇOS DA AVALIAÇÃO
NO SÉCULO XXI
10 11
ESTUDOS
ESTUDOS
1
regional e o debate sobre a economia fluminense, em que o
fenômeno da “estrutura produtiva oca” vem ganhando evidência.
Em particular, o artigo defende que o problema não pode ser tratado
sem considerar a superação do “marco de poder” local e o quadro
de tensão federativa. Nesse sentido, o reequilíbrio financeiro será
discutido não como um pressuposto ou um fim em si mesmo, mas
como desafio indissociável de uma discussão sobre visão estratégica
e fortalecimento de estruturas públicas de planejamento associadas a
políticas indutoras de recuperação econômica.
12 13
ESTUDOS
ESTUDOS
INTRODUÇÃO
FINANÇAS PÚBLICAS FLUMINENSE E TENSÃO FEDERATIVA
1
reequilíbrio financeiro será discutido não como Na segunda seção, alerta-se que a raiz do 2017), no qual a corrupção não é a causa e sim Para um melhor diagnóstico da crise atual,
um pressuposto ou um fim em si mesmo, mas problema é uma debilidade econômica e não uma das consequências dessa evolução negativa é preciso que sejam superados consensos
como desafio indissociável de uma discussão simplesmente erros de gestão, de modo que associada a uma hegemonia clientelista. apriorísticos sobre o modelo de desenvolvimento
sobre visão estratégica e fortalecimento de a adoção de um choque de austeridade é Na quarta seção, discutirá por que não basta estadual. Por exemplo, Urani e Giambiagi
estruturas públicas de planejamento associadas cercada de controvérsias ao não focar nessa tratar o problema das finanças como algo restrito (2011) apostaram em um claro cenário
a políticas indutoras de recuperação econômica. dimensão essencial. Para isso, será abordada à questão técnica de gestão. Ao contrário, cabe de recuperação econômica, o que derivou
Além dessa introdução, o trabalho possui a problemática dos incentivos fiscais em evidenciar que tensões federativas agravam posteriormente em um discurso controverso
mais cinco seções. Na primeira seção, critica- uma visão de desenvolvimento, apontando, o problema econômico estrutural e limitam o de diversos formadores de opinião de que a
se o equívoco em considerar que a economia portanto, sua importância para a evolução espaço decisório da administração estadual. economia do Rio de Janeiro desperdiçou “anos
fluminense possuía uma situação de “bonança” positiva do ICMS em um contexto nacional de Logo, a solução não poderá ser apenas técnica de ouro“ (bonança).
econômica no período anterior à crise das guerra fiscal que não se terá solução na escala e sim política, evidenciando injustiças federativas Primeiramente, é preciso ter claro que a base
finanças públicas. Nesse sentido, irá se estadual. Contudo, será feita ponderação sobre e imposições, pela União, de processos de das falsas euforias se deve à aposta em uma
questionar esse contexto de falsa euforia a fragilidade da política industrial associada, em reenquadramento fiscal marcados pela ausência de tese vaga de “vocações” produtivas. Esse
calcado na tese de “vocações” produtivas e particular, porque não se evitou a reafirmação de políticas claras de recuperação econômica estadual discurso obedece, em grande medida, a uma
superestimação do papel do ciclo de grandes indícios de desindustrialização. Nesses termos, e superação de um grave cenário de desemprego. lógica de marketing urbano que busca se
investimentos em um contexto de insatisfatórias chamará atenção para a evidência do fenômeno Por fim, a conclusão enfatizará a necessidade de apropriar da imagem ou marca daquilo que
políticas de adensamento produtivo. da tendência à “estrutura produtiva oca”, algo o estado do Rio de Janeiro buscar a retomada vem apresentando localmente alguns sinais de
Isso reafirma um problema estrutural de geração central para se reconhecer que o problema de de seu protagonismo nacional. Nesse sentido, estar dando certo no curto prazo. Logo, reifica o
de receitas cujos efeitos serão agravados por receita tem um caráter estrutural. objetiva expor as bases de uma agenda positiva conjunto de vantagens mais aparentes em dado
alguns fatores catalizadores: endividamento Na terceira seção, alertará sobre a fragilidade que aponte caminhos alternativos para uma momento como se não fossem historicamente
público explosivo, queda dos royalties como da máquina pública estadual, o que dificulta solução política mais efetiva na defesa dos construídas e dependentes de um contexto
efeito da redução do preço do barril de petróleo a capacidade de enfrentar esse problema interesses regionais. político-institucional específico.
14 15
ESTUDOS
ESTUDOS
Uma abordagem rigorosa sobre transformação (gestões Cabral e Pezão) até a eclosão da crise Tabela 1 – Variação percentual real da Receita Corrente Líquida de grandes
estrutural positiva exige tratar o grau de regiões e governos estaduais selecionados, entre 2006 e 2015
das finanças públicas, a tabela 1 mostra que
FINANÇAS PÚBLICAS FLUMINENSE E TENSÃO FEDERATIVA
Gráfico 1 - Taxa média anual de crescimento da Receita Corrente Líquida, 2002/2016 Gráfico 2 – Evolução de Receitas e Despesas Primárias do governo do Estado do
Rio de Janeiro (em termos reais), 2001/2016.
1
1
Fonte: elaboração
do autor, com base
em Sefaz-RJ (Valores
corrigidos pelo IPCA
para dezembro de
2016).
Fonte: elaboração do autor, com base em STN e secretarias estaduais Gráfico 3 – Evolução da Dívida Consolidada Liquida em percentual da Receita
(valores corrigidos por IPCA para dezembro de 2016). Corrente Líquida de estados selecionados, 2006/2016.
Diante disso, como mostra o gráfico 1, o caso uma forte queda das receitas, mas isso já
fluminense é aquele com a menor taxa média em um contexto histórico de capacidade de
anual de crescimento da receita corrente líquida geração de receita própria estruturalmente
(RCL), considerando o período 2002/2016. E baixa. Os desajustes no fluxo de caixa são
mais, seu desempenho é bem diferente dos agravados pelas operações de financiamento.
casos mineiro e gaúcho que, muitas vezes, Como mostra o gráfico 3, mais uma vez foi
Fonte: elaboração
alguns analistas tratam imprudentemente de bem diferente a trajetória fluminense, com
do autor, com
forma conjunta. Por outro lado, considerando taxas crescentes e bem expressivas, dos casos base em Tesouro
apenas o período do último ciclo político mineiro e gaúcho. Nacional e secretarias
estaduais (posição em
31/01/2017).
16 17
ESTUDOS
ESTUDOS
Consequentemente, configurou-se um alto econômica nacional. Por exemplo, entre 2014 SEÇÃO 2 - DESAFIO puxado mais por uma política nacional do que
patamar de desembolsos obrigatórios para e 2016, houve uma perda de R$ 4,8 bilhões em
ESTRATÉGICO E DE LONGO
FINANÇAS PÚBLICAS FLUMINENSE E TENSÃO FEDERATIVA
1
foi imposto como conjunto de contrapartidas Gráfico 4 – Série encadeada do crescimento do volume do valor adicionado bruto total para
Nesses termos, é preciso que se entenda a razão o estado do Rio de Janeiro e média nacional, 2002-2014.
devido à necessidade de renegociação da dívida
do acordo diante de um isolamento estratégico
estadual com a União em condições especiais.
e limitado espaço decisório da gestão pública
em que se revelou incapacidade de resposta Sua execução se tornou a principal prioridade
política a um impasse no modelo histórico de da gestão estadual e sua origem normativa
desenvolvimento estadual (aspecto a ser mais remete às restrições da Lei de Responsabilidade
bem tratado em seções seguintes). Os efeitos Fiscal (LRF). Trata-se da criação de uma “válvula
desse impasse se evidenciaram em uma situação de escape” mediante um pedido de admissão.
de maior vulnerabilidade, vista como um cenário Todavia, essa proposta parte de um diagnóstico
de “tempestade perfeita” e marcado por forte limitado. É fundamental que o debate acerca de
queda das receitas do petróleo e gás natural, finanças públicas não desconsidere a dimensão
impacto da operação lava-jato na retração da economia regional e seus desafios, que
de decisões empresariais e grave recessão tornam necessária a recuperação e sustentação
de instituições de Estado com visão de futuro.
Todo debate que foca exclusivamente nas
finanças públicas acaba enfatizando a folha Fonte: elaboração do autor, com base em Contas Regionais / IBGE.
18 19
ESTUDOS
ESTUDOS
projeto nacional), e sim que se tornou um dos de diversificação e complexidade econômica a a auditores fiscais, como exposto no artigo do sobre a qualidade da política industrial. Seria
epicentros desta problemática. Mesmo com o partir de uma trajetória centrada na capacidade Observatório de Benefícios (2016). um equívoco considerar a priori que a melhor
FINANÇAS PÚBLICAS FLUMINENSE E TENSÃO FEDERATIVA
1
financeiras para a administração pública articuladas como setores líderes a ponto de gerar questão. Portanto, isenções é um problema de metas, indo além dos limites impostos pelo
estadual, apenas três setores representavam efeitos indutores e poder de arrasto significativo. rigorosamente para ser tratado no debate choque de austeridade atual.
aproximadamente a metade da estrutura da Por essa razão, a base produtiva como um
indústria de transformação, enquanto eles todo fica fragilizada, ainda que possam ocorrer
equivaliam a apenas 22,9% em 1970. Trata-se ciclos expansivos, inclusive decisões de grandes Tabela 2 – Variação percentual real da arrecadação de ICMS de grandes
dos seguintes setores: metalurgia, derivados do investimentos. Isso significa que se mantêm os regiões e dos governos estaduais selecionados, entre 2006 e 2015.
20 21
ESTUDOS
ESTUDOS
SEÇÃO 3 - MARCO DE Nessa perspectiva, o desafio é superar essa lógica mais evidente. De acordo com o gráfico 5, em que superem assimetrias. Nesse ponto, chamam
que se instala no processo que se iniciou com proporção da receita (pública) corrente líquida, atenção os casos de custeio relativamente
PODER E FRAGILIDADE DA
FINANÇAS PÚBLICAS FLUMINENSE E TENSÃO FEDERATIVA
1
Por essa interpretação, há uma lógica político- gestões Cabral e Pezão e após a eclosão da crise
institucional deletéria associada ao histórico das finanças públicas (2006/2015), nota-se que
de uma hegemonia clientelista. Um domínio a variação do número de empregos formais no
hábil em travar a política pública para cobrar setor público fluminense foi bem modesta e
acomodação de interesses particularistas, em abaixo da média nacional, respectivamente 1,2% Fonte: Afonso e Pinto, 2016
que a corrupção não é a causa e sim uma das e 1,6%. E mais, considerando apenas o intervalo
consequências dessa evolução negativa marcada 2010/2015, a variação foi negativa: -5,0%.
Tabela 4 – Custeio per capita do setor público por poderes e algumas funções
pela falta de visão estratégica global. Abordando só o poder executivo, a questão fica de governo nos estados do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais, 2015.
Tabela 3 – Variação percentual do número de empregos formais no setor público Despesas por funções Rio de Janeiro São Paulo Minas Gerais
de grandes regiões e governos estaduais selecionados, entre 2006 e 2015. Segurança 525,10 253,68 624,16
Fonte: RAIS/MTE. Fonte: Osorio (2016) a partir de dados de SEFAZ do RJ, SP e MG.
22 23
ESTUDOS
ESTUDOS
SEÇÃO 4 - A NECESSIDADE competências tributárias e os seus serviços e matérias-primas utilizados para viabilizar Além disso, há uma clara desproporção
públicos. A partir da década de 1980 (em essa extração (realiza um diferimento); 3) entre a arrecadação de impostos federais e
DE UMA SOLUÇÃO POLÍTICA
FINANÇAS PÚBLICAS FLUMINENSE E TENSÃO FEDERATIVA
1
vista fiscal e modernização da gestão.
de Estabilização Fiscal e outras desonerações dias de atraso após o recolhimento feito ao enquanto seja a quarta unidade federativa
Em muitos casos, a modernização mais
fiscais a partir da década de 1990. Essas Tesouro Nacional e sem correção monetária. em termos de transferências federais. Caso
adequada significa evitar o sucateamento
mudanças vão deixando as receitas próprias Segundo estimativas oficiais, isso significou ganhasse semelhante a Minas Gerais, outro
do patrimônio público e superar a carência
estaduais com pouca folga para cobrir as uma perda de receita de R$ 522 milhões nos estado da Região Sudeste, receberia quase
de servidores públicos de alto nível. Isso
despesas, de modo a aumentar risco de déficits últimos cinco anos. seis bilhões a mais.
depende do cumprimento de contratos com
e necessidade de endividamento.
fornecedores e, tornando possível, a realização
Chama atenção que essa problemática ainda se
de mais concursos e garantia de melhores Tabela 5 – Arrecadação por Unidade da Federação mais destacadas e Transferências Federais para
agrava, em razão de um quadro de injustiças
remunerações médias. Nesse sentido, o os governos estaduais e municipais e peso percentual no total do país, em 2017 (em bilhões de reais)
federativas desfavorecer o estado do Rio
problema deve deixar de ser visto apenas
de Janeiro. Por exemplo, este é triplamente Unidades Transferências federais Peso % no Arrecadação Peso % na
como se fosse de caráter contábil, mas como Federativas a entes subnacionais total de Federal arrecadação
prejudicado por decisões tomadas na esfera
transferências federal
desafio de reorganizar a estrutura tributária e
federal que levam à subtributação do setor São Paulo 43,6 12,0 379,3 42,0
capacidade de financiamento, em especial em
petrolífero: 1) a legislação brasileira impede Rio de Janeiro 25,7 7,1 145,7 16,1
sua relação com o pacto federativo.
o estado produtor de cobrar ICMS sobre a Distrito Federal 6,9 1,9 99,1 11,0
Quanto a esse último ponto, é preciso Minas Gerais 31,3 8,6 43,7 4,8
extração do petróleo e gás (ICMS cobrado
reconhecer o quadro de tensão que se Rio Grande do Sul 15,8 4,3 42,4 4,7
no destino); 2) por intermédio do Repetro,
encontra. A atual tendência é de uma federação Brasil 363,6 100,0 903,3 100,0
impacto no fluxo de caixa do governo ao adiar
cada vez mais concorrencial e não cooperativa
o recebimento do valor do ICMS que seria Fonte: Receita Federal e Portal da Transparência do Governo Federal.
diante do desacordo dos entes sobre suas
cobrado sobre a compra dos equipamentos
24 25
ESTUDOS
ESTUDOS
Sobre esse ponto, cabe ainda avaliar a proposta ficar claro que isso se deve a uma assimetria de economia estadual. Não seria exagero afirmar questionamento judicial (inclusive uma exigência
de, ao menos, passar a ter algum mecanismo poder. O governo federal pode autofinanciar que assim busca ajustar a administração local a para assinatura foi a retirada de várias ações já
FINANÇAS PÚBLICAS FLUMINENSE E TENSÃO FEDERATIVA
1
Desconsiderou-se que o problema central
era de receitas e não de despesas, e o ente
federal, ao invés de buscar um rearranjo do
pacto federativo, pressionou recorrentemente
o governo fluminense com arrestos e bloqueios
das contas estaduais até a assinatura do
Regime de Recuperação Fiscal.
O pressuposto por trás de todas as medidas que
vieram a ser consolidadas no acordo federal é
o argumento de um suposto “engessamento”
do orçamento que dificultaria um corte mais
profundo de despesas. Essa tese coloca a culpa
em vinculações que, por exemplo, garantem
mecanismos de proteção social e trabalhista.
Dito com outras palavras,fica implícita a tese de
que o Estado “não caberia” na constituição, algo
como um excesso de direitos garantidos por lei.
A contestação desse argumento se dá ao
observar a relação dos níveis de governo e
26 27
ESTUDOS
ESTUDOS
CONSIDERAÇÕES FINAIS Segundo, despesa e receita públicas não são variáveis independentes
FINANÇAS PÚBLICAS FLUMINENSE E TENSÃO FEDERATIVA
1
Dito com outras palavras, uma orientação política não deve limitar-se a de seus epicentros.
aspectos contábeis, e sim pautar-se no duplo desafio de modernização da Atualmente, abre-se uma janela histórica que não se repetirá facilmente
administração tributária combinada à reorganização de planos de ações para superar essa lógica político-institucional deletéria e os impasses no
estratégicas e de ações emergenciais de redinamizarão econômica rápida. modelo de desenvolvimento. Antes que polarização, o quadro recente na
Nesse sentido, recomenda-se que sejam questionados alguns pressupostos política estadual é de pulverização e, diante disso, a estrutura tradicional
considerados mais usualmente. Primeiro, a receita corrente não está dada de poder busca se recompor. Cabe às forças progressistas manter o foco
para a tomada de decisão do gestor público. Na falta de inventar novos visando romper esse “marco de poder” no momento em que ele está mais
mecanismos de receitas extraordinários por vezes controversos (como vulnerável, sem muito espaço de negociação.
empréstimos lastreados em ativos a serem privatizados, outras rodadas de É essencial o fortalecimento de órgãos de controle e áreas de
antecipação de receitas futuras etc.), o dilema não se resume à escolha planejamento e geração de dados para ampliar a reflexão regional junto à
entre “sacrificar” duas categorias de gasto. Por exemplo, entre educação institucionalização de uma visão estratégica mais organizada. Isso porque
superior e educação básica, ou entre previdência e investimento em ativos será preciso buscar soluções não apenas dentro da própria gestão, mas,
fixos. A retórica de que a falta de gasto em uma função é por excesso de com embasamento adequado, liderar frentes políticas mais efetivas e
gasto em outra função não tem validade universal e apriorística. O quanto menos circunstanciais para defender os interesses do estado no debate
se gasta em cada função depende de consenso social. A opção de impor nacional (Por exemplo, na reforma tributária). Portanto, o cerne do desafio é
sacrifício na maioria das vezes não é técnica e sim fundamentada em fortalecer o aparelho do Estado para recuperar maiores graus de autonomia
juízo de valor sobre a área que a responsabilidade pública direta deseja federativa, resgatando o mais rapidamente possível o papel da escala de
enfraquecer. poder estadual que vem sendo enfraquecido.
28 29
ESTUDOS
ESTUDOS
REFERÊNCIAS RIO DE JANEIRO (Estado). Lei estadual 6.338, de 6 de nov. de 2012. Dispõe
sobre o plano de custeio do déficit atuarial do Regime Próprio de Previdência
FINANÇAS PÚBLICAS FLUMINENSE E TENSÃO FEDERATIVA
AFONSO, José Roberto; PINTO, Vilma. Despesa pessoal com pessoal ativo e do RIO DE JANEIRO (Estado). Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico,
executivo: uma comparação entre unidades federativas. Caderno virtual do Energia, Indústria e Serviços. Incentivos fiscais no Estado do Rio de Janeiro
IDP, v. 2, n. 35, 2016. [Mimeo]. Rio de Janeiro: SEDEIS-RJ, 2016.
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imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação e Orçamento. Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias - 2019. Rio de
de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e Janeiro: SEFAZ-RJ, 2018.
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Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 16 set. 1996. SOBRAL, Bruno. A evidência da estrutura produtiva oca: o Estado do Rio de
Janeiro como um dos epicentros da desindustrialização nacional. In: MONTEIRO
FUNDAÇÃO AMAZÔNICA DE AMPARO A ESTUDOS E PESQUISAS (FAPESPA). NETO et al. Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e
Nota Técnica Lei Kandir. Belém, 2016. perspectivas. Brasília: IPEA, 2017. p. 398-426.
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Pubblicati, 2005. 285 p. (Rede urbana, dinâmica econômica e questão social) Garamond, 2013.
1
1
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www.sidneyrezende.com/jogando-luz_.pdf. Acesso em: 11 de set. de 2016. 2011.
_______. Rio nacional, Rio local: mitos e visões da crise carioca e fluminense.
Rio de Janeiro: Senac RJ, 2005. 296 p.
30 31
ESTUDOS
ESTUDOS
2
A presente proposta tem como foco a melhoria, expansão e
diversificação da atividade produtiva no Rio de Janeiro. Isto se dá
na premissa de que muitos resultados projetados pelo Regime de
Recuperação Fiscal dependem da própria recuperação da economia,
OS DESAFIOS E AS
e de que a ampliação e o fortalecimento da base produtiva são
responsáveis diretos por maior arrecadação, geração de empregos e
dinamização do ambiente de negócios.
PERSPECTIVAS PARA ABSTRACT: This paper presents a summary of the main causes
that generated the severe financial crisis of the State of Rio de
Janeiro, which reached its crucial point with the decree of the
A RECUPERAÇÃO
State of Public Calamity in 2016, with effects that will continue
for the next years. From this approach of the recent trajectory, it
analyzes the elements in the productive structure of Rio de Janeiro
DA ATIVIDADE
and in the institutional architecture that can be leveraged or
redirected, at that moment, for the process reversal. The present
PALAVRAS-CHAVE: Rio de proposal focuses on improvement, expansion and diversification
Janeiro; Crise Financeira;
of the productive activity in Rio de Janeiro. This is on the premise
ECONÔMICA
Desenvolvimento Econômico;
Governança. that many results projected by the Regime of Fiscal Recovery
depend on the recovery of the economy itself, and that the
KEYWORDS: Rio de Janeiro; expansion and strengthening of the productive base are directly
FLUMINENSE
Financial Crisis; Economic
Development; Governance. responsible for higher revenues, job creation and promotion of the
*Artigo originado do trabalho contemplado com o 2° lugar do Prêmio Ministro Gama Filho 2018
32 33
ESTUDOS
ESTUDOS
2
quinquênio. ao momento favorável do país com o Cristo
de esvaziamento econômico. 1970, o Rio passou a apresentar expressiva
Da mesma forma, as soluções aqui Redentor em plena decolagem, até o fundo do
Hasenclever, Paranhos e Torres (2012) perda de participação no PIB nacional. A
apresentadas para a reversão da crise também poço que ensejou a decretação da “calamidade
atribuem à mudança da capital o atraso na trajetória descendente pós-60 derivou também
não pretendem exaurir as inúmeras frentes pública no âmbito da administração financeira”,
definição de uma nova estratégia de retomada do fato de, nos territórios da Guanabara e
que podem e devem ser atacadas, sendo que publicado em junho de 2016 no Diário Oficial
do crescimento da metrópole, que por sua do antigo estado do Rio, entre 1960 e 1974,
duas delas já estão em curso com o apoio do Estado do Rio de Janeiro.
vez subtraiu a prevalência de serviços mais o novo território fluminense não ter logrado
do governo federal. A primeira é o Regime Embora atrelado à conjuntura nacional, o
dinâmicos e associados ao desenvolvimento êxito, com vistas à formulação da constituição
de Recuperação Fiscal firmado com a União contraste é particularmente acentuado em se
industrial, concentrando-se mais na prestação de uma hegemonia política, na elaboração
em 2017 e previsto até 2023 , a segunda é tratando dessa unidade federativa, não apenas
de serviços às famílias, e favorecendo a maior e execução de uma estratégia regional de
o fortalecimento da politica de combate pela icônica imagem de capa da revista, mas
importância do comércio varejista sobre o fomento ao desenvolvimento econômico-
à criminalidade, uma das mais nevrálgicas também em razão de o Rio ter se postulado
atacadista, ocasionando perda do dinamismo social, que contornasse a ruptura ocorrida com
causas e consequências da crise fluminense. como centralidade de um promissor ambiente relativo da economia fluminense. a transferência da Capital. Posteriormente,
Paralelamente, existem diversas ações em de negócios, palco de grandes eventos O característico “pensamento nacional da a maior turbulência nos aspectos econômico
curso por parte da sociedade civil como os culturais e esportivos, com destaque para os população carioca” - mídia, políticos eleitos e político se seguiria ao desordenado
movimentos “Juntos Pelo Rio” e “Reage Rio”. jogos olímpicos e paraolímpicos. pelo Distrito Federal e formadores de opinião planejamento da fusão dos antigos estados
Se esse aspecto estruturante estiver no rumo Por trás da cortina de fumaça, no entanto, – que ao longo dos anos pouco se habituou às da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1974.
adequado, haverá de se somar às medidas diversos fatores cruciais pavimentaram o preocupações mais “locais” não vislumbrou os A unidade federativa resultante teve em sua
emergenciais adotadas, possibilitando que caminho para o cadafalso na economia e prejuízos que a mudança da capital infligiria ao administração sucessivos governos de oposição
os esforços para a retomada do crescimento finanças do Rio de Janeiro, com destaque para Rio de Janeiro, sendo registrado em pesquisa do ao poder central e, a partir da década de 80, a
do estado não venham a sofrer solução de eventos que marcaram a trajetória institucional Ibope de março de 1960 que 73% aprovavam a economia fluminense seguiu sua trajetória de
continuidade. As estratégias nesse sentido do estado. Dentre esses, a transferência da mudança da capital e 62% acreditavam que a redução de participação na produção nacional,
são apresentadas nos capítulos seguintes. capital federal para Brasília representou um nova capital traria benefícios ao país. sem conseguir responder positivamente à crise
As potencialidades no cenário atual e os marco de certa forma sintetizador do processo Com os efeitos mais nítidos a partir dos anos econômica e fiscal que se instaurou no país.
34 35
ESTUDOS
ESTUDOS
Na esteira do segundo choque do petróleo e da a Região Metropolitana e o interior. Com oportunidades de negócios. 2 - ESTADO DE
forte elevação das taxas de juros na economia efeito, a Região Metropolitana do RJ, com No reboque do processo até aqui descrito, o
RECUPERAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA FLUMINENSE
2
desproporção econômica e demográfica entre sentido de identificar e apoiar nichos locais de Baixada Fluminense, que ficou no topo da lista tempo emitia sinais da insustentabilidade da
do Atlas da Violência 2018, sendo uma região situação financeira.
que recentemente se beneficiou de incentivos No período anterior à decretação do
para a atração de indústrias. estado de calamidade pública, o governo
Além da falta de segurança - em escala crescente estadual se defrontava com o seguinte
no Rio de Janeiro, a ponto de ensejar intervenção cenário: funcionalismo com atrasos nos
militar - essa “fuga” de investimentos deriva de salários, moratória do pagamento da dívida
outros tantos fatores, que Silva (2012) classifica com fornecedores, União e instituições de
como “marcas tão presentes na sociedade crédito, sucateamento dos serviços públicos,
fluminense”: favelização, informalização obras paralisadas, arrestos financeiros,
acentuada em estratos do mercado de trabalho enfraquecimento politico do poder executivo,
metropolitano, degradação urbana e ambiental, denúncias de desvio de recursos financeiros
exclusão social, falta de eficácia nos processos nas obras e serviços envolvendo empresas e
(excesso de burocracia) etc., “resultantes de secretarias estaduais, Legislativo e o Tribunal
décadas de abandono de políticas públicas”. de Contas do Estado.
Soma-se a isso a elevada carga tributária do Decisões judiciais impetradas nos exercícios de
Rio, notadamente para os produtos/serviços 2016 e 2017 contra o estado do Rio de Janeiro
considerados empresarialmente estruturantes - resultaram em arrestos superiores a R$ 11,5
energia elétrica, combustíveis e telecomunicação bilhões para pagamento do funcionalismo
- presentes em todas as atividades, em contraste público e ações diversas, compra de
com os incentivos concedidos por outros estados medicamentos e requisições de recursos para
limítrofes e/ou concorrentes. a execução de contra garantia contratual de
36 37
ESTUDOS
ESTUDOS
Devido à asfixia fiscal, e sem outra opção, em 2017 o governo assinou com a União o Plano de Previdência
6,5% 17,6% 17,9% 16,6% 17,6% 18,4% 17,5% 22,0% 21,1% 26,4% 34,8%
Social
Recuperação Fiscal, que estipula metas de redução de despesas e aumento da receita. Seguiu-se
Segurança
11,6% 7,5% 7,9% 8,0% 8,4% 10,0% 10,3% 12,6% 15,0% 17,3% 14,7%
então o processo de saneamento das contas, com medidas estruturantes visando adequar as Pública
despesas ao perfil da receita. Educação 15,4% 12,2% 12,5% 12,6% 12,5% 9,5% 8,8% 10,2% 10,5% 11,2% 10,0%
As causas que levaram o governo a decretar estado de calamidade não surgiram de uma hora para Saúde 7,1% 7,1% 8,1% 7,2% 7,1% 7,6% 7,2% 8,3% 8,5% 8,4% 9,6%
outra. Tal como o fenômeno dos tsunamis, cujas ondas se formam a centenas de quilômetros, o Fonte: Contas do Governo 2017 SEFAZ RJ- site
colapso do Rio começou a se materializar em meados dos anos 2000, mas aparentemente não era
percebido, ou foi ignorado nas sucessivas administrações do estado. Configurou-se uma situação Dados comparativos do Boletim de Finanças igualmente o maior do país, ao passo que o
mascarada pelo aumento do endividamento e da receita tributária que, mesmo crescendo num Públicas dos Entes Nacionais (2017), da Paraná registrou aumento de 107%. Também
ritmo abaixo do desejável, conseguiu por algum tempo sustentar a irresponsabilidade fiscal. Secretaria do Tesouro Nacional, mostram que o o setor terciário reduziu sua participação no
A Tabela 1 apresenta dados relativos a diversas rubricas orçamentárias no período compreendido crescimento real das despesas com pessoal do conjunto ICMS nacional, passando de 10,4%
entre janeiro de 2013 e maio de 2018 que evidenciam a evolução do processo de deterioração do Rio de Janeiro, no período entre 2009 e 2015, para 9% - queda de 13,8% - sendo que Minas
quadro fiscal. Em apenas seis anos a rubrica Pessoal e Encargos que participava com 29,3% das foi a maior (70 %) entre todas as unidades da Gerais aumentou em 32,7%. Entre 2000 e
despesas, passou para 71,9%, aumento de 145,4%. O que poderia ser um fato positivo - redução federação (mediana = 38%), sendo mais da 2017 apenas dois estados, São Paulo e Rio de
de 50% das despesas correntes no período - na verdade reflete a difícil situação financeira do metade representada por inativos. Janeiro, tiveram perda de participação no total
estado. Diante da indisponibilidade de recursos, foi obrigado a reduzir drasticamente as compras, Em 2017, a despesa previdenciária foi igual do ICMS gerado no país.
além de não ter honrado os pagamentos das diversas rubricas relativas a despesas correntes, tais a R$12,9 bilhões, e a contribuição dos Utilizando-se o PIB como referência, verifica-
2
2
como manutenção, juros, aquisição de bens de consumo. Por último, chama atenção a radical funcionários ativos, inativos e pensionistas se que entre 2002 e 2015, o Rio de Janeiro
redução dos recursos canalizados para investimentos, que passam de 9,6% em 2013 para 0,7% respondeu por apenas 14,7% do total - R$ passou de 12,4% para 10,9%, queda de
em 2018, significando queda de 92,7%. 1,9 bilhões - complementados por R$ 5,5 41%, a maior do Brasil. São Paulo apresentou
bilhões do orçamento do estado e R$ 5,5 igualmente recuo, -7,1%, assim como o Rio
Tabela 1 : Evolução percentual das contas (2013-2018*)
bilhões da receita dos royalties do petróleo. A Grande do Sul, -4,5%. Paraná e Santa Catarina
soma das despesas de aposentadoria, pensão apresentaram expansão, com índice de 5,1%
Ano
Outras Despesas Pessoal e
Investimentos Armotização Juros
e restituição de royalties e “outras despesas” nos dois casos, seguido de Minas Gerais com
Correntes Encargos Sociais
totalizaram R$ 23,6 bilhões, o que determinou +3,6%. Ao se utilizar como base de análise
2013 52,6 29,3 9,6 4 4,1 um déficit de R$ 19,7 bilhões nas contas do Rio o saldo da geração de empregos, constata-
2014 53,4 27,5 10,1 4,6 4,3 Previdência. Segundo as projeções constantes se que entre 2003 a 2017 a participação do
2015 45 33,7 10,1 1,3 5,8 no Plano de Recuperação Fiscal, os gastos com Rio no número de empregos gerados no país
2016 49,9 38,1 4,2 3,3 4,5 a aposentadoria e pensões passarão de R$ sofreu recuo, passando de 9,2% para 8,8%.
2017 33,9 62 1,5 1,3 1,3 18,0 bilhões em 2018 para R$ 22,9 bilhões em Entre 2010 e 2014, período em que a
2023, aumento de 27,2%. Petrobras fez vultosos investimentos na Bacia
2018* 26,4 71,9 0,7 0,9 0,2
Entre 2000 e 2017, a participação da de Campos, pré-sal e COMPERJ, o percentual
Fonte: Elaboração dos autores, com base no site da SEFAZ/RJ * Até maio arrecadação total de ICMS do estado do do incremento do número de empregos do
Rio de Janeiro no conjunto nacional sofreu Rio foi o pior dentre as unidades da federação
redução de 25%, a mais acentuada dentre consideradas e mesmo em relação à média
A seguir, vê-se que em 2007 a Previdência comprometeu 6,5% do orçamento, e em 2013 o os estados da federação, enquanto Santa nacional, contrariando a crença da ocorrência
índice passou para 17,5%, chegando a 34,8% em 2017, ou seja, em apenas quatro anos seus Catarina cresceu 30%. Houve igualmente de boom econômico nesse período. Na
gastos dobraram, além de se constituir na rubrica com a maior participação orçamentária, bem retração do ICMS industrial, que passou de fase caracterizada pela crise econômica,
acima da educação, 10,0%, e saúde, 9,6%. 9,3% para 5,6%, com redução de 40%, 2014/2017, todos os estados tiveram saldos
38 39
ESTUDOS
ESTUDOS
negativos de empregos, mas o Rio de Janeiro 3 – A ESTRUTURA ativos logísticos como o Aeroporto Internacional no carbono para economia verde ocorre em
foi o que apresentou o pior desempenho, de Cabo Frio, que funciona como porto seco ritmo acelerado. Segundo analistas, a previsão
RECUPERAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA FLUMINENSE
2
cobrando uma alta conta. em Macaé) e definindo oportunidades para 2030, mas se persistir o déficit da previdência de relevante parcela dos equipamentos e a
pública, não haverá praticamente margem para contratação dos serviços. Volume substancial
usar esses recursos em investimentos. dos impostos e empregos não será gerado
Por outro lado, as empresas do segmento no estado, sendo que cerca de 80 % dos
que resistiram à recessão estão operando fornecedores estão sediados fora do Rio de
dimensionadas ao tamanho atual do setor, ou Janeiro. Embora o impacto da cadeia do
seja, as demissões já ocorreram, assim como petróleo beneficie com royalties dezenas de
o encolhimento da atividade operacional. De municípios, inclusive municípios distantes da
fato, se a atividade foi tão determinante há Bacia de Campos ou do pré-sal, a realidade é
cerca de três anos no processo de esvaziamento que, em termos de empregos e movimentação
da economia, atualmente mostra menor da atividade econômica municipal, os impactos
dinamismo para alicerçar a retomada do mais substantivos ficam concentrados nas
crescimento fluminense. O nível de geração cidades de médio porte que são bases de
de imposto é relativamente reduzido, uma apoio das plataformas offshore, como Campos,
vez que as empresas diretamente envolvidas Macaé e Rio das Ostras.
na cadeia de produção e prospecção do Silva (2012) argumenta que a estrutura
petróleo contam com regimes especiais de produtiva fluminense carece de investimentos
recolhimento de ICMS, como o Repetro, ora que possibilitem a diversificação produtiva em
em discussão pela ALERJ e governo do estado. direção à ponta da indústria do petróleo, tendo
Também é fato que a importância do petróleo em vista a reduzida participação estadual no
para a sociedade tende a diminuir no decorrer chamado downstream. O autor adverte ainda
dos anos, já que a transição do modelo calcado que os setores mais pujantes da indústria
40 41
ESTUDOS
ESTUDOS
fluminense têm lógicas de organização e de desenvolvimento na economia fluminense, 3.2 - A APOSTA EM NOVAS melhoria de produtividade para sobreviverem
operação típicos de cadeias globais de valor, procurando identificar qual a qualidade do FRENTES comercialmente. Sem descuido dos setores
RECUPERAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA FLUMINENSE
2
iniciativas não estão articu- os vazios na estrutura pro- e, nesse sentido, o parque industrial impliquem ônus financeiros, como empresas
ladas como um processo
de industrialização estadu-
de um rastro de dutiva e a base rarefeita
de arrecadação.
fluminense continua sendo o elemento multinacionais sediadas no Rio de Janeiro,
motriz na geração da inovação e dinamismo câmaras de comércio, consulados, bancos
al, nem integradas a um vulnerabilidades econômico. A sua expansão impactará multilaterais e empresas de consultoria com
Entre 1985 e 2011, o esta-
plano de desenvolvimento
nacional.
potenciais...” do do Rio de Janeiro, que
positivamente para o incremento das
atividades dos setores de comércio e serviços,
atuação global.
Um setor correlato, e também de suma
apresentava, entre as unida- com previsíveis transbordamentos para o importância para a estruturação do
Aparentes sinais de “sucesso” vêm acom- des federativas, a segunda posição em ter- turismo de negócios. desenvolvimento regional, é a Logística,
panhados de um rastro de vulnerabilidades mos de empregos formais na indústria de Tanto para os setores tradicionais, como que representa uma vocação histórica do Rio
potenciais, passíveis de se manifestar ao transformação, passa a apresentar a sexta confecção, têxtil ou alimentos, como para de Janeiro, a começar por sua localização
cessar o surto ou impulso cíclico positi- posição, sendo ultrapassado pelos estados os dinâmicos, como químico, eletrônico privilegiada no epicentro geográfico da região
vo desencadeado por um conjunto de de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pa- ou subsea, a centralidade econômica do de maior dinamismo econômico do país.
grandes investimentos (...). A despeito da raná e Santa Catarina. Nesse período, em território, a capacitação de mão de obra, os Chamada de Rótula Logística nacional, esta
relevância inegável de algumas ativida- termos de número de empregos formais centros tecnológicos, a logística oferecida área compreende portos e terminais marítimos,
des isoladamente, cabe lembrar que essa no total das atividades econômicas, o Rio e a proximidade do mercado seguem grandes aeroportos centrais e no interior, a
questão está associada a um processo de também perde a segunda posição para Mi- representando ativos consideráveis para a maior densidade de rodovias pavimentadas,
desindustrialização, ou seja, esgarçamento nas Gerais. Na mesma direção, o estado dinâmica dos investimentos produtivos. ferrovias de cargas e estações aduaneiras.
do tecido produtivo impedindo um forte do Rio perde para Minas Gerais, em 2004, No desafio atual da competitividade global, O Rio possui o terceiro mais extenso litoral
crescimento sob liderança industrial. (SO- a segunda posição em termos de receita de constata-se que a tecnologia avançou de do país, com 636 km e vários trechos de
BRAL, 2013, p. 207). ICMS, por sua rarefeita base de arrecada- forma irreversível no conjunto das atividades águas profundas e abrigadas, ideais para a
ção, fruto de uma estrutura produtiva basi- fabris, de forma que todos os segmentos operação portuária e para a importação e
No intuito de rediscutir o padrão de camente “oca”. (OSORIO, 2013, p.14). devem investir maciçamente em tecnologia e exportação de bens de alto valor, garantindo
42 43
ESTUDOS
ESTUDOS
a inserção do Brasil no comércio global. 4 – VIRANDO O JOGO: NOVA algumas medidas poderão não se viabilizar, o que agenda estratégica ora proposta tem como foco
A atual rede logística do estado inclui faz aumentar a importância de se incrementar a cinco funções primordiais, a saber:
RECUPERAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA FLUMINENSE
2
especificamente focado na melhoria do
dos econômicos, geolocalização e comércio
ambiente de negócios em prol da atratividade
Tabela 3: Logística ERJ: Receita da nacionalização de cargas internacional.
e manutenção de investimentos para o Rio,
A aglutinação de pelo menos três pastas da
e considerando as potencialidades descritas
Peso do ICMS estrutura executiva atual em uma única Secre-
Montante Posição de arrecadado Montante no Capítulo 3, propõe-se a criação de uma
taria de Desenvolvimento, Logística e Inovação
arrecadado com o arrecadação pelo estado na arrecadado estrutura de governança tácita, para a área de
ICMS proveniente de ICMS da nacionalização com o representaria redução de gastos, com nítidos
desenvolvimento econômico, que não implique
da nacionalização nacinalização de de cargas ICMS sobre ganhos em eficácia, complementando áreas
de mercadorias cargas frente às importadas operações de aporte de recursos por parte do estado, a não
importadas demais mercadorias frente às demais carga ser as despesas admitidas pelo Acordo. As ações afins e evitando ações redundantes. Os qua-
arrecadações se desenvolverão, sempre que possível, por dros técnicos com larga experiência em gestão
2008 3.097.745.856 2° 17.51% 198.146.382 intermédio do estabelecimento de parceiras e da para o desenvolvimento econômico se encon-
viabilização de recursos financeiros não exigíveis, tram à disposição nas empresas públicas do
2009 2.754.749.619 4° 14,80% 237.396.646
junto a fundos federais ou de entidades não estado, autarquias e fundações, podendo se
2010 3.712.133.561 3° 16,80% 248.396.646
governamentais internacionais. juntar a novos gestores públicos concursados,
2011 3.977.677.914 3° 16,03% 283.609.772 que aportam nova visão e conhecimentos.
Essa nova estrutura de governança pressupõe
2012 4.745.585.263 3° 17,63% 295.349.842 linhas de ação voltadas para a proatividade Para avaliar, discutir e priorizar propostas para
2013 6.040.700.000 3° 19,60% 332.500.000 e resultados. Não se trata de adotar modelos fomentar o desenvolvimento setorial e re-
2014 5.768.700.000 3° 18,42% 321.700.000 organizacionais que já foram amplamente gional, além dos projetos de infraestrutura,
tentados, a exemplo do “choque de gestão”, propomos a criação de um Conselho de De-
2015 4.820.569.606 3° 15,02% 301.257.600
“governo matricial” etc., sem o efetivo senvolvimento Empresarial formado por enti-
2016 3.166.810.155 5° 10,17% 446.298.041
compromisso orçamentário com prioridades dades empresariais e governametais estaduais
Fonte: Secretaria de Estado de Fazenda, valores constantes em R$ 1,00.
e sem a coesão e o direcionamento preciso das e federais que atuam na área de fomento em-
ações pela administração pública estadual. A presarial
44 45
ESTUDOS
ESTUDOS
novas fontes energéticas na agropecuária, Por outro lado, a discussão em torno dos
técnicas de aproveitamento hídrico, logística benefícios fiscais perdura desde a corrida entre os
RECUPERAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA FLUMINENSE
2
4.2. IMPLANTAÇÃO DO As smart cities, ou cidades inteligentes, se que faltam o conhecimento das prioridades e as disso, a legislação que regula a matéria apresenta
E-GOVERNO definem pelo uso da tecnologia para melhorar intervenções necessárias. Desde os Planos Diretores distorções, tais como os incentivos fiscais
a infraestrutura e tornar os centros urbanos para municípios e regiões até Planos Estratégicos
O E-Governo, também conhecido como mais eficientes e melhores de se viver. Da Setoriais, há um vasto acervo de informações e
governo digital, utiliza a tecnologia da
informação e da comunicação para ajudar
mesma forma, os estados precisam contar com
soluções modernas e inteligentes, notadamente
dados que, geralmente, adormecem nas prateleiras
do executivo estadual, por não terem caráter
“O E-Governo,
os governos a se tornarem mais acessíveis o Rio de Janeiro, que possui o handicap de mandatório, funding ou musculatura institucional também conhecido
para os constituintes, melhorar seus serviços, reunir no seu território importantes empresas para sua implantação. O vasto conjunto de opções
eficiência, e ficarem mais conectados a outros de Tecnologia da Informação, universidades e de linhas de financiamento não reembolsável como governo
segmentos da sociedade. centros de pesquisa. existentes no Brasil e, principalmente, no exterior,
digital, utiliza a
Uma postura organizacional menos reativa na Soluções tecnológicas de baixo custo e sem ainda é pouco conhecido e divulgado no estado.
política pública de fomento ao desenvolvimento complexidades de implantação estão disponíveis É fundamental identificar os programas de apoio tecnologia da
deve considerar que a tecnologia e inovação se em centros de pesquisa, incubadoras de existentes, analisar os setores prioritários e as
fazem presentes em todas as áreas, incluindo empresas e entidades governamentais, como o condições de elegibilidade para esse conjunto
informação e da
as atividades do setor tradicional. Trata-se de INPE- Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e composto de fundos federais, financiamento comunicação para
aproximar de forma eficiente, com baixo custo, a IBGE, ou podem ser desenvolvidas, no conceito de órgãos bilaterais ou multilaterais, fundações,
estrutura de apoio governamental com os agentes de inovações frugais, devidamente orientadas bancos de investimentos via debêntures etc. ajudar os governos
do interior envolvidos na função desenvolvimento
- prefeituras, entidades empresariais, empresas,
para as áreas mais críticas do desenvolvimento
regional, tendo por foco as diversas fases
Paralelamente, o governo pode identificar
entidades multilaterais que concedem apoio
a se tornarem mais
centros tecnológicos e universidades - e do processo produtivo, como atendimento aos projetos do Terceiro Setor, além de orientar acessíveis...”
disponibilizar produtos customizados, de acordo a distância, definição da melhor alternativa as Organizações no processo de elaboração das
com claras direções estratégicas. locacional para a realização do investimento, propostas de solicitação de apoio financeiro.
46 47
ESTUDOS
ESTUDOS
concedidos através da Lei 6.979/15 (diferimento 4.4. ATUAÇÃO COM AS FRENTES estudo mostrando que, caso incidisse ICMS na do valor do ICMS que incide sobre a energia
de ICMS) e a Lei 5.636/2010 - ICMS 2%. Esses PARLAMENTARES produção de energia elétrica, o Rio teria uma elétrica e o petróleo, verifica-se que dezessete
RECUPERAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA FLUMINENSE
2
de energia elétrica nos pode se dar com o programa de concessão
estados de origem, das rodovias, trazendo o investimento privado,
mas apenas onde o em diferentes modalidades de participação
consumo é realizado. (concessão patrocinada, “caipira”, etc).
Argumentos não Para a malha ferroviária, a prioridade é a
faltam para justificar construção da ferrovia EF-118 (Rio-Vitória), de
que a produção de modo a integrar os complexos portuários do
petróleo e a geração Rio de Janeiro e do Espírito Santo às malhas
de energia elétrica ferroviárias do Sul Fluminense (com acesso a
devem contar com o São Paulo, Minas Gerais e à Região Centro-
mesmo tratamento Oeste) e à Estrada de Ferro Vitória–Minas – o
concedido aos demais que permitirá acesso à Região Nordeste.
produtos e serviços Outra frente de ação na logística é o aumento
tributados com ICMS. do número de autorizações para rotas de
Importante destacar voo nacionais e internacionais, bem como a
que a PEC contaria expansão da rede de aeroportos regionais,
com o apoio dos com o objetivo de aumentar a capacidade
estados prejudicados de movimentação de cargas e melhorar a
pela não cobrança do competitividade frente a outros aeroportos do
ICMS. No encontro país. Nesse setor, destaque há que ser dado
de contas dos saldos para a equação de competitividade do Galeão.
48 49
ESTUDOS
ESTUDOS
2
resguardando tão somente as áreas essenciais de sua atuação social. A território. Rio de Janeiro: Garamond, 2013.
proposta desse documento não coaduna com essa visão reducionista,
entendendo que, se por um lado é imperiosa a contenção de despesas, SILVA, Robson Dias da. Indústria e desenvolvimento regional no Rio de
sobretudo na conta previdenciária, é igualmente fundamental estimular o Janeiro. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012.
crescimento econômico, gerador de renda e emprego, notadamente em se
tratando do Rio de Janeiro, que abriga um dos maiores parques produtivo, SOBRAL, Bruno Leonardo Barth. A falácia da ‘inflexão econômica positiva’:
logístico e científico do país. algumas características da desindustrialização fluminense e do ‘vazio
Nessa direção, propõe-se uma nova estrutura de governança que venha produtivo’ em sua periferia metropolitana. Cadernos do Desenvolvimento
a simplificar e direcionar processos de importância estratégica para o Fluminense, CEPERJ, Rio de Janeiro, n. 1, p. 53-85, fev. 2013. Disponível
desenvolvimento econômico fluminense, na certeza de que o êxito de em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/cdf/article/view/9060.
qualquer desenho inovador ou solução criativa depende fundamentalmente Acesso em: 20 set. 2019.
de uma nova mentalidade dos mandatários da administração estadual.
NOTAS
1
De acordo com o Plano aprovado pelo Governo Federal, com duração de 3 (três) anos prorrogáveis por igual
período, o ajuste fiscal está dividido em quatro pontos principais: suspensão temporária da cobrança de dívida
do estado com a União; aumento de receitas por meio de corte de isenções e mudanças nas alíquotas de
contribuição previdenciárias; corte de despesas; e obtenção de empréstimos junto a bancos públicos e privados.
2
Em 2017 os royalties do petróleo corresponderam a 12 % das receitas no Rio de Janeiro, enquanto em São
Paulo, o segundo maior produtor, o peso foi de 0,82 %.
3
Para quitar dívidas com fornecedores, um novo financiamento de R$ 3,05 bilhões foi solicitado pelo governo
do estado em maio/2018.
4
A malha de cargas no estado tem extensão de 1.200 km, com uma densidade de 0,027 - Índice obtido por
km de vias férreas / km² área territorial (base de dados ANTT), a mais densa do país.
50 51
ESTUDOS
ESTUDOS
ANÁLISE DAS
ANÁLISE DAS FINANÇAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
3
Diego Oneto Bosignoli estadual. São elas: ajuste fiscal; venda de títulos públicos;
Graduação em Engenharia de Produção pela concessão de linhas de crédito bancário subsidiadas pelo
Universidade Federal Fluminense governo; estímulo à exportação; comunicação aos agentes para
melhora nas expectativas; benchmarking.
ABSTRACT: The main objective of this study is to study the public finances
RESUMO: O objetivo central deste trabalho é estudar as finanças PALAVRAS-CHAVE: of the state of Rio de Janeiro from 2008 to 2017 and to present a diagnosis
públicas do estado do Rio de Janeiro no período compreendido Finanças públicas, of the crisis and propose recovery measures. This work begins with the
entre os anos de 2008 e 2017 e apresentar um diagnóstico Estado do Rio de janeiro, introduction of an overview of the state economy. Next, the factors
Administração Pública. that caused the financial crisis that devastated the Fluminense State are
da crise que se instalou, propondo também medidas de
recuperação. Inicia-se este trabalho com a explanação de uma exposed, and their main consequences are analyzed. Finally, a collection of
visão geral da economia estadual. Em seguida, são expostos os proposals for actions that stimulate the state economic-financial recovery
KEYWORDS:
fatores que ocasionaram a crise financeira que assolou o estado Public finance, is presented. These are: Fiscal Adjustment; Sale of government bonds;
fluminense, com análise de suas principais consequências. Rio de Janeiro state, Granting of government-subsidized banking credit lines; Export stimulus;
Por fim, é apresentado um conjunto de propostas de ações Public administration Communication to the agents to improve expectations; Benchmarking
que venham a estimular a recuperação econômico-financeira *Artigo originado do trabalho contemplado com o 3° lugar do Prêmio Ministro Gama Filho 2018
52 53
ESTUDOS
ESTUDOS
1. A ECONOMIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E A ATUAL O ERJ apresenta a terceira maior população 1.2. O ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UM
do Brasil, com um total estimado em 2017 BREVE HISTÓRICO DA CRISE RECENTE
ANÁLISE DAS FINANÇAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
3
2014 671 077 107,71 1,53 16 461 173 40 767 5 778 953 11,61
2015 659 139 104,70 -2,79 16 550 024 39 827 5 995 787 10,99
2016 640 186 100,08 -4,42 16 635 995 38 356 6 266 895 10,18
A Região Metropolitana do Rio de Janeiro, tal como considerada pelo IBGE, constitui o segundo
maior polo de riqueza nacional. Concentra 70% da força econômica do estado e 8,04% de
todos os bens e serviços produzidos no país
Há muitos anos congrega o segundo maior polo industrial do Brasil, contando com refinarias de Fonte: IBGE, 2017.
petróleo e instalações da indústria naval, metalúrgica, petroquímica, gás-química, têxtil, gráfica,
editorial, farmacêutica, de bebidas, cimenteira e moveleira.
Em 2016, o rendimento mensal nomi- vicioso: uma grave retração econômica porque
No Rio estão sediadas as duas maiores empresas brasileiras – a Petrobras e a Companhia Vale
nal domiciliar per capita correspondeu a os agentes individuais, mesmo que não com-
do Rio Doce (CVRD) –, o maior grupo de mídia e comunicações da América Latina – as Organi-
R$1.429, sendo o quinto maior do país. binando explicitamente, decidem evitar gastar
zações Globo –, e grandes empresas do setor de telecomunicações, como: Oi, TIM, Embratel,
Intelig, Net e Star One – içando-o ao posto de principal polo nacional das telecomunicações. Ainda nesse ano, 7,398 milhões de pes- ao mesmo tempo.
Grande número de importantes empresas estatais, fundações públicas e autarquias federais soas acima de 16 anos ou mais estavam Todavia, não há evidência de que o déficit pú-
possuem suas sedes estabelecidas na cidade, com destaque para o Banco Nacional de De- ocupadas na semana de referência, corres- blico será superado com uma continuada que-
senvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Eletrobrás, a Financiadora de Estudos e Projetos pondendo a 67,1% a proporção de pesso- da de demanda agregada que leva também a
(FINEP), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica as em trabalho formal. No censo de 2010 uma queda de arrecadação tributária. A arre-
Aplicada (IPEA-Rio), o Inmetro, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), a Comissão do IBGE, verificou-se que o ERJ possui um cadação é pró-cíclica, ou seja, em momento de
de Valores Mobiliários (CVM), o Escritório Central da Agência Nacional do Petróleo (ANP), es- índice de desenvolvimento humano (IDH) crise, arrecada-se menos.
critórios da Confederação Nacional do Comércio, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a de 0,761, sendo o quarto maior do país. Nesse contexto, torna-se importante a análise
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). (WIKIPÉDIA, 2017).
54 55
ESTUDOS
ESTUDOS
do gasto público segundo seu efeito multipli- uma receita tributária cinco vezes maior. Em paralelo, impõem-se sucessivos bloqueios na conta do governo do estado. Isso agrava
cador, ou seja, o efeito do gasto público na Ganhos de eficiência na gestão são válidos, ainda mais o quadro de crise no estado, levando o governo a não efetuar o pagamento dos
ANÁLISE DAS FINANÇAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
3
Multiplicadores Fiscais
Gráfico 2: Resultado primário do governo fluminense 2007 a 2017, valores reais a preços de dez./2017
Benefícios Gasto de Demais
Ativos Fixos Susídios
Sociais Pessoal Despesas
Linear 1,0414 0,8416 0,6055 1,5013 0,2476
Em se tratando do corte da despesa, não cabe Ou seja, ele respalda e nacionaliza a imposi-
fazer cortes lineares. Recomendam-se ações ção dessas medidas. Sem saída perante a di-
que superem assimetrias. Pelas receitas, a maior fícil situação, o governador tenta um acordo
parte da queda decorreu de múltiplos fatores com o governo federal.
ligados a um modelo problemático de desen- De maneira a padronizar a ajuda federal aos
volvimento da economia fluminense, em par- estados e suas contrapartidas, foi enviado à
ticular a especificidade de sua desindustrializa- Câmara dos Deputados Federais um projeto
ção e a evidência de uma pequena densidade com esse propósito. Mas também não passa
industrial, conforme Sobral (2013). Por exem- na Câmara. Diante disso, configurando mais
plo, como apontou Osorio (2016 apud Sobral, um ato de força, o presidente da República Fonte: SEFAZ-RJ, 2017.
2017a), isso explica por que o estado de São veta o que foi votado e busca como solução
Paulo ostenta um PIB três vezes maior que o negociar acordos bilaterais, ou seja, executivo
do estado do Rio de Janeiro, embora apresente federal com executivo estadual, caso a caso.
56 57
ESTUDOS
ESTUDOS
O desajuste reflete uma maior queda real das receitas primárias que das despesas primárias, o O cerne da crítica deveria ser a negligência sobre indícios da desindustrialização nacional que
que guarda especificidades. Em 2016, a receita primária já era quase 1/3 menor que a verificada atingem proporcionalmente mais o Rio e que levaram a uma trajetória problemática de arreca-
ANÁLISE DAS FINANÇAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Gráfico 3: Evolução
de receitas e
Gráfico 4: Peso (%)
despesas primárias
de royalties e partici-
do governo
pações especiais
fluminense em
na receita
termos reais, 2013
total do governo
a 2016.
fluminense, 2002
Fonte: SOBRAL, 2017a.
a 2016.
Fonte: SEFAZ-RJ, 2017.
Entre 2006 e 2016, a receita corrente líquida do governo fluminense teve queda real de 3,3%,
Quando se analisa a evolução da arrecadação dos impostos, incluindo o ICMS, nota-se também
enquanto para o total dos governos estaduais das economias com os maiores PIBs (SP, RJ, MG
a trajetória de forte retração nos últimos anos, o que reflete a dinâmica da atividade econômica.
e RS) teve aumento real de 21,2%.
3
3
2006 2016 Var (%)
58 59
ESTUDOS
ESTUDOS
Além da evidente necessidade de financiamento para cobrir o déficit do resultado primário, Gráfico 6: As principais empresas com dívidas
houve também um endividamento induzido pelo governo federal. Entre 2012 e 2015, ativas com o governo fluminense,2016.
ANÁLISE DAS FINANÇAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
3
Tabela 4: Montante da dívida do governo fluminense Por outro lado, uma análise do processo de industrialização fluminense mostra que o maior
por credor do estado do Rio de Janeiro.
avanço da economia nacional a partir de 2002 não levou a um movimento de convergência da
dinâmica fluminense com a média nacional, fato que se confirma até 2010. Por conseguinte,
Valor Contratado R$ bi Saldo 12/2016 R$ bi
Dívida verificou-se uma nova perda da participação relativa da economia fluminense no VAB nacional,
Nominal Participação Nominal Participação
chegando ao menor valor (10,6%) de toda a série histórica entre 1995 e 2010.
Total - Dívida Financeira 54,7 100,0% 107,0 100,0%
Adm -Dívida Fundada 54,6 99,7% 106,9 99,9% Gráfico 7: Evolução do valor adicionado bruto para o total da economia
Interna 45 82,2% 95,3 89,1% fluminense, paulista e média nacional, 1995 a 2010; 1995=100.
60 61
ESTUDOS
ESTUDOS
Os resultados só não foram piores graças ao espetacular avanço da atividade petrolífera. É O governo tem a missão de fazer com que suas
preciso ter claro o equívoco em avaliar a trajetória positiva da indústria total sem ponderações.
2. PLANO DE AÇÃO despesas sejam menores que suas receitas, isto
ANÁLISE DAS FINANÇAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
3
Fonte: SOBRAL, 2017b. de Taubaté de 1906. Furtado (2007) demons-
nas expectativas; benchmarking.
tra que a política de defesa do setor cafeeiro
A metodologia utilizada consiste no conjunto
Apesar de a indústria de transformação ainda representar em torno de 10,0% da economia nos anos de grande depressão concretiza-se
de políticas econômicas anticíclicas observa-
estadual, esse descolamento revela uma dinâmica econômica muito dependente do aproveita- num verdadeiro programa de fomento de
das ao longo da história econômica brasileira
mento de recursos minerais. Por conseguinte, demonstra estar aproveitando de maneira restri- renda nacional. Mantendo-se firmes os pre-
do século XX, por meio de pesquisa na litera-
ta as vantagens competitivas já reveladas e aponta indícios de uma desindustrialização relativa. ços, o lucro se mantinha elevado. E também
tura. Ademais, compõem o plano de ação al-
Cabe ainda assinalar o desempenho da construção civil. Houve uma expansão mais acentuada os negócios do café continuariam atrativos
gumas ferramentas de gestão administrativas
de seu VAB na segunda fase do último ciclo de crescimento nacional (2004/2008). Esse pro- para o capital que neles se formavam. O au-
públicas específicas para o estado.
cesso foi desencadeado com a ampliação do crédito imobiliário e vem sendo sustentado por tor defende a teoria de que se praticou no
Brasil uma política anticíclica de maior ampli-
diversas obras do Programa de Aceleração Econômica – PAC, da Revitalização da região do 2.1. AJUSTE FISCAL
tude que a que se tenha sequer preconizado
Porto do Rio, da Copa do Mundo de Futebol (2014), da Olimpíada (2016), do Projeto “Minha
em qualquer dos países industrializados.
Casa, Minha Vida”. No ajuste fiscal o governo deve buscar a efici-
Alternativamente ao consumo do produto
Mediante o exposto, fica claro que a base industrial fluminense vem perdendo sua histórica ência na gestão, isto é, deve reduzir as despesas
final, pode o governo optar por investir di-
diversificação e passou a exibir uma tendência de especialização estrutural no período recente. para que haja organização das contas públicas e
retamente na atividade produtiva, assumindo
Apenas três setores representam metade da estrutura da indústria de transformação em 2007: para que o excedente do resultado, receitas me-
o papel de empreendedor, principalmente
Derivados de Petróleo e Álcool, Metalurgia Básica e Outros Produtos Químicos (que inclui Pe- nos despesas, possa ser utilizado para financiar
em áreas com utilização intensiva de mão
troquímicos Básicos). choques na produção.
de obra ou de infraestrutura, que possuem
O desembolso do governo deve ser realizado
Dessa forma, a industrialização fluminense se depara com o seguinte cenário: tender a uma os melhores multiplicadores de renda. Como
onde haja o melhor multiplicador de renda,
pequena densidade industrial que só possui competitividade em alguns segmentos, porém fez o governo brasileiro por meio do Plano de
principalmente diante de uma crise econômica.
carente de capacidade dinâmica própria; ou reverter para uma estrutura coerente, dotada de Metas no governo JK, conforme demonstra
Suas despesas e receitas devem ser revistas e sua
uma competitividade sistêmica e de um poder de arrasto produtivo. Giambiagi et al. (2005). O aumento de inves-
gestão deve se tornar cada vez mais eficiente.
timentos realizados nos setores de infraestru-
62 63
ESTUDOS
ESTUDOS
tura básica e manufatureira passou de 13,5% 2.3 . CONCESSÃO DE LINHAS DE 2.4 . ESTÍMULO À EXPORTAÇÃO alcançado o nível de pleno emprego.”
em 1955 para 15,7% em 1960, chegando a CRÉDITO BANCÁRIO SUBSIDIADAS PELO Keynes (1996).
ANÁLISE DAS FINANÇAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
3
de se financiar com a venda de obrigações em longo de todo o financiamento. Esta ação consiste na comunicação aos agentes vez que traz riscos e custos extraordinários à
momentos em que a economia atravessa um Para isso, o crédito deve ser liberado para de medidas positivas para a economia. Como cadeia produtiva.
período de recessão. consumo de produtos de empresas com pro- exemplo, consignamos entrevistas de persona-
Segundo Carlos E. da Costa (2009), o endi- lidades que transmitem confiança e reuniões
duções locais. Por exemplo, a indústria imo- 2.6 . BENCHMARKING
vidamento público é um instrumento fun-
biliária ou automobilística com fábrica local. com setores e associações empresariais.
damental para a distribuição intertemporal
Assim, a remuneração para trabalhadores De acordo com a teoria da demanda efetiva Benchmarking consiste em observar as me-
ótima das políticas públicas. É por meio dele
dessas localidades gera o multiplicador de de Keynes, os empresários decidem investir lhores práticas de gestão e oportunidades
que a provisão dos bens públicos pode ser
temporalmente dissociada da arrecadação renda necessário ao desenvolvimento econô- com base na expectativa da demanda futura para aumentar a eficiência na administração
dos recursos para lhe fazer face. O autor de- mico da região. de consumo. Ou seja, quando se espera que pública. No Brasil existem muitas oportunida-
monstra matematicamente a dívida pública e Da mesma forma que o crédito pode ser ofe- haja aumento no consumo para o futuro, a des de estudo de caso, uma vez que o país é
sustentável quando o valor dela não for supe- recido às famílias, ele pode ser oferecido às tendência é o aumento dos investimentos na constituído por vinte e seis estados federa-
rior ao valor presente de todos os superávits empresas. Enquanto as famílias são consumi- atividade produtiva. dos, que possuem diferentes tipos de gestão
primário futuros. doras de bens finais e serviços, as empresas em suas secretarias.
No Brasil coube à Lei de Responsabilidade são consumidoras de bens intermediários e “(...) a simples existência de uma de- Nesse sentido, o estado do Espírito Santo
Fiscal garantir a disciplina para a gestão de produção. No Brasil, o Banco Nacional de manda efetiva insuficiente pode para- possui um caso de sucesso. O estado criou,
das finanças públicas nas diversas esferas lisar, e frequentemente paralisa, o au-
Desenvolvimento é um agente do governo tí- por meio do Decreto Estadual nº 2.940-R de
do setor público. Aquele dispositivo legal
pico que executa este tipo de operação. mento do emprego antes de haver ele 2012, um regime especial de apuração do
estabeleceu limites para endividamento e
imposto de circulação de mercadorias para
operações de crédito, criou regras para a
recondução da dívida aos limites de endi- empresas que atuam no comércio eletrôni-
vidamento, entre outras determinações que co. A prática tem garantido entrada de novas
afetam direta ou indiretamente a gestão da empresas no estado, conferindo dinamismo
dívida pública. frente às mudanças do mercado.
64 65
ESTUDOS
ESTUDOS
CONCLUSÃO REFERÊNCIAS
ANÁLISE DAS FINANÇAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
3
por objetivo acelerar a recuperação da economia e finanças do governo.
A maior dificuldade encontrada neste estudo foi mensurar o impacto
da utilização de cada proposta de ação abordada, tendo em vista CARVALHO JR., Antonio Carlos Costa d’Ávila; FEIJÓ, Paulo Henrique.
que cada economia possui suas peculiaridades e suas características Entendendo resultados fiscais. Brasília, DF: Editora Gestão Pública,
locais de produção, assim como hábitos de consumo de acordo com 2015.
a cultura da sociedade.
O resultado prático deste trabalho foi reunir elementos para se CEPERJ. Produto Interno Bruto do Estado do Rio de Janeiro.
proceder à análise da situação de crise financeira em que se encontra Disponível em: <http://www.ceperj.rj.gov.br/Conteudo.asp?ident=64
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que componham um plano de ação.
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pública. Brasília: Banco Mundial e Tesouro Nacional, 2009. Disponível
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68 69
ESTUDOS
ESTUDOS
4
e com duração de mandato de dois a seis anos. Da perspectiva
da governança, a legislação previdenciária estabelece ações que
aumentam a eficiência e a efetividade dos RPPS, assegura que
sejam instituídos mecanismos de controle e preserva a partilha
de poder. Na prática, contudo, a maioria dos conselheiros
A CARACTERIZAÇÃO E A
assume suas funções sem qualquer experiência em previdência
e toma decisões apenas com base no conhecimento que têm ou
em atendimento a alguma orientação recebida.
OPERACIONALIZAÇÃO ABSTRACT: The objective of this study is to analyze how the councils of
the own social security regimes (RPPS) and their actions in the governance
of municipal public welfare are structured and operationalized. Survey
ATUAÇÃO NA GOVERNANÇA Governança, Brasil. with sectoral policies and programs, are deliberative bodies with a term of
office of two to six years. From the perspective of governance, social security
legislation establishes actions that increase the efficiency and effectiveness
DA PREVIDÊNCIA
KEYWORDS: of RPPS, ensures that control mechanisms are in place and preserves power
Councils, sharing. In practice, however, most board members assume their functions
Public Welfare, without any pension experience and only make decisions on the knowledge
Governance, Brazil they have or follow any guidance received.
PÚBLICA MUNICIPAL
70 71
ESTUDOS
ESTUDOS
INTRODUÇÃO Bronstein, Fontes Filho e Pimenta (2017) tam- com o espaço governamental/estatal (Gohn, como a efetiva partilha de poder político e o
bém reconhecem que as características for- 2006; Gohn, 2004), criando novas formas de grande diferencial conferido aos conselhos na
CARACTERIZAÇÃO E OPERACIONALIZAÇÃO DOS CONSELHOS
4
de um novo modelo de desenvolvimento que zação dos membros dos seus conselhos.
está sendo implantado em todo o mundo da
gestão pública estatal via parcerias com a so- A CARACTERIZAÇÃO DOS
ciedade civil organizada. Gohan (2006) escla-
rece que por meio dos conselhos busca-se a
GRANDES CONSELHOS DE
institucionalização da participação e a conso- POLÍTICAS PÚBLICAS
lidação dessa cogestão pública, caracterizada
pela atuação conjunta da sociedade, do go- Como se trata de instâncias criadas a partir
verno e de outras associações. de uma concepção de gestão participativa,
Apesar de reconhecer a importância dos Nahra (2007) esclarece que é de se esperar
conselhos no modelo institucional brasilei- que os conselhos gestores de políticas pú-
ro, Gomes (2003) sustenta que a literatura blicas sejam canais institucionais, plurais,
sobre o tema revela uma série de problemas permanentes, autônomos, formados por
associados à representatividade democrática representantes da sociedade civil e pelo po-
e eficácia dos conselhos em debater, decidir der público, cuja atribuição é a de propor
e fazer cumprir suas políticas. O pesquisador diretrizes das políticas públicas, fiscalizá-las,
entende que do lado da representação gover- controlá-las e deliberar sobre elas. Portanto,
namental é necessário exigir a designação de os conselhos devem assinalar possibilidades
representantes legítimos do governo, com ca- concretas de desenvolvimento de um espaço
pacidade e autoridade para decidir. público que não se resume e não se confunde
72 73
ESTUDOS
ESTUDOS
exercem, até as chaves em que operam, adiantando que as respostas não são unívocas, reve- Quanto à inserção institucional, Draíbe blicos, mas a legislação previdenciária não
lando a necessidade de que mais estudos sejam realizados. Em seu trabalho, a pesquisadora (1998) ainda apresenta como subgrupo os tratou da sua estrutura e funcionamento. Na
CARACTERIZAÇÃO E OPERACIONALIZAÇÃO DOS CONSELHOS
4
Trabalhadores ou usuários, empregadores ou prestadores A COMPOSIÇÃO DOS sem reflexão prévia sobre elas, simplesmente
Tripartites e Paritários de serviços têm assento, sendo equivalente o número de
membros de cada categoria. CONSELHOS DOS REGIMES apondo suas assinaturas em relatórios, por
não terem condições de entenderem o que
Tripartites e não
Trabalhadores ou usuários, empregadores ou prestadores
de serviços têm assento, sem que haja equivalência
PRÓPRIOS estão homologando.
paritários
numérica entre as partes.
Composição interna O Governo, os trabalhadores ou usuários, os Cortes (2005) apresenta que a participação
empregadores ou prestadores de serviços e, por vezes, os de representantes de trabalhadores em ins-
representantes de determinados segmentos da sociedade
Múltiplos e Paritários
ou especialistas de um dado assunto ou ainda membros tâncias administrativas ou de fiscalização da “A capacidade
do Legislativo se fazem representar, sendo equivalente o previdência social remonta às caixas de apo-
número de membros de cada categoria. sentadorias e pensões e aos institutos de apo- deliberativa (o
O Governo, os trabalhadores ou usuários, os
empregadores ou prestadores de serviços e, por vezes, os
sentadorias e pensões, mas a independência
desses representantes frente às direções do
poder de decisão)
Múltiplos e não representantes de determinados segmentos da sociedade
paritários ou especialistas de um dado assunto ou ainda membros
do Legislativo se fazem representar, sem que haja
órgão previdenciário e à sua capacidade de é apontada
influenciar decisões variaram de acordo com
equivalência numérica entre as partes.
Absolutamente independentes.
a instituição e o período. pela maioria da
Inserção
institucional Mantêm relações do tipo orgânico com as politicas e os programas setoriais.
Mais recentemente, a previsão do funciona-
mento de conselhos de administração e fiscal
doutrina como a
Natureza da
participação
Opinativos
Deliberativos
dos RPPS encontra-se regulamentada na Lei efetiva partilha de
nº 9.717/1998, que dispõe sobre as regras
Fonte: Adaptado de Draíbe (1998, p.6-8) gerais de previdência para os servidores pú-
poder político e o
grande diferencial
conferido aos
74 75
conselhos...”
ESTUDOS
ESTUDOS
GOVERNANÇA E pelo qual os atores estatais e não estatais in- car metas e depois identificar os meios para AÇÕES DE GOVERNANÇA
teragem para conceber e implantar políticas alcançar essas metas, mas, embora seja fácil
NOS CONSELHOS DE RPPS
CARACTERIZAÇÃO E OPERACIONALIZAÇÃO DOS CONSELHOS
4
perspectiva de partilha de poder. Essa inter- sistemas políticos agirem de forma efetiva e conceito de governança apresentado no Refe- De acordo com o Manual, a melhoria da go-
pretação também está presente no estudo do decisiva no sentido de resolverem problemas rencial básico editado pelo TCU, não fazendo vernança do RPPS tem por finalidade assegu-
Banco Mundial (2017), segundo o qual o con- públicos. De acordo com Peters (2013), esse qualquer referência à partilha de poder. rar o atingimento de sua missão institucional,
ceito de governança está associado ao meio processo envolve descobrir meios de identifi- Como se pode observar, há uma imprecisão com a preservação dos direitos dos segura-
conceitual no que diz respeito ao conceito de dos, a proteção dos interesses do ente fede-
governança. Frey (2007) já havia observado rativo instituidor, a adequada gestão do patri-
esse fenômeno ao esclarecer que é possível mônio e a conformidade aos requisitos legais
distinguir entre versões de governança que en- estabelecidos pelos órgãos de regulação e
fatizam como objetivo principal o aumento da supervisão. Da perspectiva dos conselhos e
eficiência e efetividade governamental e outros conselheiros de regimes próprios, o Manual
que focalizam primordialmente o potencial de- Pró-Gestão relaciona as seguintes ações:
mocrático e emancipatório de novas aborda- a. Relatório de governança corporativa: deve
gens de governança. ser periodicamente disponibilizado pelo site da
Ciente dessa realidade, Fukuyama (2013) alerta unidade gestora como instrumento de trans-
que como o conceito de boa governança não parência e de prestação de contas da gestão,
está bem estabelecido, especialistas diferentes trazendo, entre outros, os dados dos segura-
podem pretender coisas diferentes ao respon- dos, receitas e despesas; a evolução da situa-
der à mesma pergunta de pesquisa. No presen- ção atuarial; a descrição detalhada dos ativos,
te estudo, essa análise estará limitada à atuação investimentos, aplicações financeiras e do flu-
funcional dos conselheiros no âmbito dos RPPS. xo de entradas e saídas de recursos; a publica-
76 77
ESTUDOS
ESTUDOS
4
verá ser disciplinada pela legislação local e seus rência, que representam os diferentes graus de
ção das atividades dos órgãos colegiados e os nhados de parecer do Comitê de Investimen- membros deverão ter formação educacional de complexidade que poderão ser atingidos. A
canais de atendimento. Esse relatório deve ser tos e aprovação do Conselho Fiscal; nível superior, observadas certas especificações, certificação em determinado nível dependerá
previamente submetido à análise e aprovação d. Comitê de investimentos: deve ser consti- de acordo com o nível de certificação; de o ente demonstrar à entidade certificadora
do Conselho Fiscal e Conselho Deliberativo; tuído no mínimo por três membros que man- j. Conselho fiscal: o conselho fiscal deve tra- que atingiu esse nível em todas as ações avalia-
b. Código de Ética: deve retratar a missão da tenham vínculo funcional com o ente fede- zer preferencialmente composição paritária das e, sendo conseguidos diferentes níveis de
unidade gestora, sua visão e princípios, com rativo ou com a unidade gestora do RPPS e entre os representantes dos segurados e do aderência nas ações, a certificação será deter-
a difusão entre seus colaboradores, para que se reunir com periodicidade mínima mensal, ente federativo, tendo a maioria dos membros minada pelo nível mais simples dentre aqueles
estes tenham ciência de suas responsabilida- para deliberar sobre as alocações dos recursos formação de nível superior, com a presidência alcançados.
des. Deve ser disponibilizado no site do RPPS financeiros, observados os limites estabeleci- do Conselho Fiscal sendo exercida por um dos Como se pode observar, a legislação previdenci-
e levado ao conhecimento dos seus servidores, dos na legislação previdenciária, avaliados a representantes dos segurados, que terá o voto ária estabelece tanto ações de governança que
dos segurados e de partes relacionadas; conjuntura econômica e o desempenho da de qualidade. O Conselho Fiscal deverá adotar visem ao aumento da eficiência e efetividade
c. Política de investimentos: deve definir carteira de investimentos; as seguintes práticas: a) elaboração, publicação dos RPPS, como as metas de investimentos,
o índice referencial de rentabilidade a ser e. Transparência: devem ser divulgados as po- e controle sobre a efetivação de plano de tra- alocações de recursos financeiros; assegura
buscado pelos gestores no exercício seguin- líticas e os procedimentos continuados e per- balho anual, estabelecendo os procedimentos, que sejam instituídos mecanismos de contro-
te, estabelecendo estratégias de alocação, manentes que permitam fornecer informações o cronograma de reuniões, o escopo a ser tra- le, como o monitoramento da situação atuarial
diretrizes e metas de investimentos, bem aos diversos interessados segundo critérios ge- balhado e os resultados obtidos; b) elaboração e de ganhos e perdas na carteira; preserva a
como permitir monitorar ao longo do ano, rais de acesso, uso e entendimento. Entre os de parecer ao relatório de prestação de contas, partilha de poder, ao definir mandato, repre-
por meio de relatórios de acompanhamento, documentos e informações mínimos a serem no qual devem constar os itens ressalvados com sentação e recondução dos conselheiros, além
os resultados que forem sendo alcançados divulgados no site do RPPS estão os regimentos as motivações, recomendações para melhoria e de buscar assegurar a representação paritária e
durante a sua execução. Devem ser acompa- internos e as atas de colegiado; áreas analisadas; práticas de atuação nos respectivos conselhos.
78 79
ESTUDOS
ESTUDOS
4
regiões do Brasil, cujos contatos foram obtidos RJ 11 5,73%
junto à Associação Brasileira de Instituições de RN 5 2,60%
Previdência Estaduais e Municipais – Abipem, RS 9 4,69%
na seguinte distribuição – o percentual é o
RO 3 1,56%
número de respondentes de cada estado com
relação aos 192 respondentes: RR 0 0,00%
O questionário ficou aberto para recebimen- SC 24 12,50%
to de respostas no período de novembro de SP 31 16,15%
2017 a fevereiro de 2018. Foram obtidas 192 SE 0 0,00%
respostas completas, e a análise dos resultados TO 4 2,08%
foi realizada por meio de estatística descritiva.
Total 192 100,00%
Quanto à duração do mandato, 49% têm duração de três a seis anos, acima da média da lite-
ratura, que é de dois a quatro anos. Quando questionados sobre os benefícios que recebiam
para participar de cada reunião, 60% dos conselheiros responderam não receber qualquer aju-
da ou benefício e 27% afirmaram que recebem pró-labore ou jeton. Dos entrevistados, 50%
afirmaram que participavam do Conselho de Administração (Administrativo ou Deliberativo),
29% participavam do Conselho Fiscal e 9% eram do Conselho ou Comitê de Investimentos.
Sobre os assuntos deliberados, no Conselho de Administração (CA) os assuntos mais recorren-
80 81
ESTUDOS
ESTUDOS
tes são a aprovação do plano de ação anual 64% aprenderam durante o exercício do car-
Gráfico 2 – Dinâmica das reuniões
ou planejamento estratégico (25%) e o acom- go. Em uma autoavaliação, 50% se conside-
CARACTERIZAÇÃO E OPERACIONALIZAÇÃO DOS CONSELHOS
4
Questionados sobre a satisfação e atuação cotidiana dos conselheiros, 47% sempre consultam
Ao tratar das ocorrências na gestão dos RPPS, relação à definição das pautas das reuniões
uns aos outros para ver se os demais concordam, e 45% estão preocupados com o futuro da
a maioria dos respondentes (54%) observou do Conselho, de acordo com 28% dos conse-
aposentadoria dos servidores locais (Gráfico 3).
que houve atrasos tanto na contribuição lheiros a pauta é definida pelo presidente do
patronal como na contribuição do servidor. conselho e 19% dos respondentes participa-
Quando questionados sobre a certificação ram da definição da pauta das reuniões. Gráfico 3 – Grau de satisfação e atuação dos conselheiros
formal por entidade acreditada, 64% afirma- Sobre a atuação dos membros do Conselho,
ram não possuírem certificação. Com rela- 28% dos respondentes deliberavam/decidiam
ção às capacitações/treinamentos realizados, exclusivamente com base no conhecimento
45% dos conselheiros respondentes declara- que têm sobre o tema, e 18% seguiam o voto
ram participações isoladas em encontros, se- da maioria dos conselheiros. Questionados
minários e congressos e 31% fizeram cursos sobre como percebem a dinâmica das reu-
em sistema financeiro, mercado financeiro e niões, 39% dos conselheiros respondentes
de capitais e fundos de investimentos. Ape- concordavam que as reuniões são oportuni-
nas 11% atuam na formação de servidores e dade de saber de assuntos internos políticos
dirigentes, mas dando apenas apoio informal. críticos do município e 39% concordavam
Ao responderem sobre o conhecimento pré- que conselheiros buscam consenso na delibe- Fonte: Dados da pesquisa
vio em RPPS ao assumir o cargo de conselhei- ração, levando horas ou dias em consulta a
ro, apenas 11% já conheciam o tema, mas técnicos até chegar à sua decisão (Gráfico 2)
82 83
ESTUDOS
ESTUDOS
Ainda sobre a atuação do conselho, 41% concordam que o conselho constitui-se também como
CONSIDERAÇÕES FINAIS
um órgão de fiscalização e interfere nas decisões envolvendo gestores e segurados do RPPS.
CARACTERIZAÇÃO E OPERACIONALIZAÇÃO DOS CONSELHOS
4
na prática cada ente federativo institui seus conselhos por lei de iniciativa do chefe
do Executivo criando, geralmente, dois conselhos: um com função deliberativa
Fonte: dados da pesquisa (conselho de administração) e outro com função de fiscalização (conselho fiscal).
Os achados da pesquisa mostram que os conselhos de regimes próprios possuem
natureza de representação vinculada funcional, composição múltipla e não
Sobre o equilíbrio das contas da previdência municipal, 24% dos conselheiros consideram que paritária, relação do tipo orgânico com as politicas e programas setoriais, são
é um problema que em breve vai afetar as contas municipais e que o prefeito atual deve se pre- órgãos deliberativos e com duração de mandato de dois a seis anos.
ocupar. Mas para 20% dos respondentes não é um problema que afeta atualmente as contas A legislação previdenciária estabelece tanto ações de governança que visem
municipais. Ao ser questionado sobre alternativas que devem ser adotadas nos RPPS em época ao aumento da eficiência e efetividade dos RPPS como assegura que sejam
de crise, entre outros comentários, os conselheiros responderam que é preciso ter cautela na instituídos mecanismos de controle, além de preservar a partilha de poder. Na
aplicação dos investimentos, que deve haver o aumento gradativo das alíquotas, que os atrasos prática, contudo, a maioria dos conselheiros assume suas funções sem qualquer
de repasses devem ser evitados e que o plano de carreira dos servidores deve ser revisto para experiência em previdência e toma decisões apenas com base no conhecimento
se adequar às condições financeiras e atuariais dos RPPS. que têm ou em atendimento a alguma orientação que recebem. Uma evidência
dessa afirmação é que, quando questionados sobre a hipótese de usar recursos
do fundo previdenciário para pagar despesas do fundo financeiro, a maioria dos
conselheiros não julga essa possibilidade como problema ou não vislumbra outra
saída em tempos de crise, pois considera que os recursos do fundo devem ser
usados para pagar os segurados a qualquer tempo.
84 85
ESTUDOS
ESTUDOS
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86 87
ESTUDOS
ESTUDOS
MENSURAÇÃO DA
Alexandre Handfas
Graduação em Administração Pública pela FGV-EAESP
OPERACIONALIZAÇÃO DA ACCOUNTABILITY
OPERACIONALIZAÇÃO DA ACCOUNTABILITY
Gustavo Andrey de Almeida Lopes Fernandes
PERFORMANCE
Doutor em Economia pela Universidade de São Paulo
Professor do Departamento de Gestão Pública da FGV-EAESP
Assessor Técnico do TCE-SP
GOVERNAMENTAL
Juliana Bonomi Santos
PhD em Management Science pela Lancaster University Management School
Professora do Departamento de Administração da Produção e de Operações
da FGV-EAESP
COMO FORMA DE
OPERACIONALIZAÇÃO RESUMO: A responsividade dos governantes eleitos em relação à
população e aos órgãos de controle da administração pública é um
DA ACCOUNTABILITY
dos elementos essenciais dos regimes democráticos. Esta concepção,
5
5
assim como a demanda crescente das sociedades por serviços públicos
de maior qualidade, vem fazendo com que a gestão pública sofra uma
revolução silenciosa, tanto na prestação de serviços públicos como
no controle externo aos governos. Parte essencial dessas mudanças
diz respeito ao aumento significativo no uso de práticas de gestão do
setor privado, como é o caso da mensuração de performance, tanto
pelos órgãos auditores como pela própria gestão pública. O objetivo do
presente artigo é compreender a relação entre a discussão teórica sobre
responsabilização de governos, a accountability, e o crescente uso da
mensuração de performance no setor público. Para isso, faz-se uso de
revisão estruturada de literatura e também de breve discussão sobre um
caso brasileiro.*
88 89
ESTUDOS
ESTUDOS
INTRODUÇÃO o desenvolvimento do conceito da poliarquia. esta parte da discussão levada a cabo por Ro- vil, que tem como ponto de inflexão o período
Essencialmente, Dahl faz a união entre a abor- bert Dahl, já que é esta contribuição específica eleitoral, mas que vai muito além deste. Deste
OPERACIONALIZAÇÃO DA ACCOUNTABILITY
OPERACIONALIZAÇÃO DA ACCOUNTABILITY
Durante os últimos séculos, e principalmen- dagem jeffersoniana de democracia populista, que permite fazer a ligação entre o processo modo, é possível observar que uma poliarquia,
te a partir dos séculos XVIII e XIX, os Estados baseada na lógica da prevalência da vontade mais profundo de democratização, represen- assim como preconizado por Dahl (1997),
nacionais do Ocidente sofreram um processo da maioria sem muita limitação, com a ideia tado pela poliarquia, com a prestação dos ser- deve possuir uma dinâmica de accountability
de aumento e complexificação de seu escopo de democracia madisoniana, calcada na pre- viços públicos pelo Estado. avançada e bem desenvolvida.
de atuação. De organismos simplificados com ocupação constante com os perigos de uma A democracia, portanto, não diz respeito so- No que diz respeito à accountability horizon-
uma atuação centrada quase que exclusiva- ditadura da maioria e que recorre, portanto, mente à participação livre da população na tal, Barzelay (2002) demonstra a existência de
mente na proteção dos seus habitantes con- a mecanismos contramajoritários e aos cha- escolha de seus representantes e à competição uma forte ligação entre os modelos de fisca-
tra invasores externos, os Estados tornaram-se mados freios e contrapesos (DAHL, 1997). Por pela ocupação dos cargos públicos. Na reali- lização e responsabilização que são aplicados
complexas entidades nacionais político-ad- se tratar da junção dessas duas tendências, dade, ela também se baseia na responsividade ao governo pelo controle externo à adminis-
ministrativas que, como explica Max Weber o conceito de poliarquia pode ser sintetizado dos governos às preferências e vontades dos tração e o modelo de gestão que se faz pre-
(2004), atuam por meio de uma série de leis, como aquele modelo em que se cumpre a cidadãos, o que, consequentemente, faz des- sente em uma dada realidade social. Ou seja,
normas e regimentos. A complexificação do vontade da maioria, mas sempre respeitando pontar a necessidade da entrega de serviços se a administração pública é demasiadamen-
aparato estatal continuou para além do pa- e protegendo as minorias. públicos, já que esta é uma das mais premen- te burocratizada, há grande probabilidade
radigma fundante weberiano, apesar de este Dahl (1997) adiciona ainda mais um impor- tes demandas da sociedade civil. Neste sen- de que o controle realizado sobre a gestão
5
5
ainda exercer fortes influências sobre a admi- tante elemento a esse modelo, o da respon- tido, observa-se uma convergência cada vez também o seja, no sentido de ser fortemente
nistração pública e a política ocidentais. sividade dos governantes às preferências dos maior entre qualidade dos sistemas democráti- centrado na verificação do cumprimento das
Esse avanço se deu, principalmente, em rela- cidadãos, que são considerados politicamente cos e qualidade de serviços públicos (BRESSER- regulamentações e no controle de contas. En-
ção às dinâmicas de democratização do Estado iguais. Ou seja, além de a população poder -PEREIRA, 2010). tretanto, se o controle externo é baseado na
e à sua transformação em um ente fornecedor formular e expressar as suas preferências, é Um aprofundamento na discussão da responsi- aferição do desempenho e do atingimento de
de uma série de serviços públicos aos cidadãos. dever do Estado, em uma poliarquia, levá-las vidade governamental em relação às preferên- metas, a probabilidade de que a administração
Sobre a democratização, não há como deixar igualmente em conta e utilizá-las como base cias dos cidadãos leva ao tema da accountabi- fiscalizada também seja regida pelo paradig-
de ressaltar a contribuição de Robert Dahl para para sua atuação. É de acentuada relevância lity. De acordo com Romzek e Dubnick (1987), ma da gestão por resultados é alta.
accountability no setor público diz respeito Este primeiro modelo de controle externo, que
às estratégias utilizadas pelas organizações pode ser tratado como clássico ou tradicional,
governamentais e funcionários públicos para caracteriza-se pela comparação entre as ações
lidar com os mais diversos conjuntos de expec- da administração pública e as normas preesta-
tativas sobre a sua atuação, geradas dentro e belecidas, de forma a analisar se as primeiras
fora da organização. Neste sentido, os gover- estão em conformidade com o que determi-
nos podem ser responsivos à população, pres- nam as últimas (GROISMAN e LERNER, 2006).
tando contas de sua atuação, e também a ou- Por isso, os controles clássicos, cujo tipo mais
tros órgãos governamentais de controle, como comum é o controle de contas, guardam em
é o caso dos Tribunais de Contas. O’Donnell si a premissa de que o mero cumprimento de
(1998) teoriza tal dinâmica por meio dos con- regras é capaz de produzir os melhores e mais
ceitos de accountability horizontal e vertical. O eficientes resultados em termos de ação go-
primeiro tipo diz respeito à relação de controle vernamental. Já o segundo tipo, o dos con-
e responsabilização que se estabelece entre o troles modernos, começou a ser utilizado com
governo e outras agências estatais que o su- o desenvolvimento da administração pública e
pervisionam e aplicam sanções. Já o segundo com o estabelecimento da concepção de que
trata da relação de fiscalização e de controle a gestão pública deve ser voltada à entrega de
que existe entre o governo e a sociedade ci- resultados, ou seja, à produção de serviços e
90 91
ESTUDOS
ESTUDOS
bens públicos de alta qualidade. Este tipo de Measurement (PM), por parte dos órgãos de com a definição dos métodos de coleta de da- iniciado na área empresarial, de ampliação do
controle é operacionalizado por intermédio controle. Neely, Gregory e Platts (1995) defi- dos e da periodicidade de atualização, a tercei- escopo do sistema de indicadores, inserindo
OPERACIONALIZAÇÃO DA ACCOUNTABILITY
OPERACIONALIZAÇÃO DA ACCOUNTABILITY
do cotejo entre as metas estabelecidas e os nem PM como a quantificação de uma ação ra etapa concerne à operacionalização de todo também neste sistema mecanismos de afe-
resultados obtidos. Mora Quirós (2006) afir- e a aferição de sua performance, eficiência e este sistema. Retomando a reflexão feita ante- rição não centrados em resultados, mas sim
ma que este tipo moderno auxilia na tomada eficácia, sendo que esta dinâmica ocorre em riormente sobre a necessidade de compatibili- nos elementos que determinam e qualificam,
de decisões, já que expõe os resultados e as consequência de medidas individuais de per- zação entre o sistema de PM, a missão da or- positiva ou negativamente, estes últimos. É na
metas preestabelecidas ao mesmo tempo em formance, do conjunto dessas mesmas me- ganização e seus objetivos estratégicos, cabe esteira desta ampliação e flexibilização que
que avalia os resultados apresentados com o didas e, por fim, a partir das relações que se ressaltar a ênfase dada por Neely, Mills, et al. surge o chamado Balanced Scorecard, meto-
propósito de accountability. estabelecem entre o sistema de mensuração (2000) à necessidade de uma contínua dinâ- dologia de avaliação de desempenho que dei-
Os controles horizontais têm se tornado pau- de performance e os ambientes nos quais es- mica de feedback, de modo que o sistema de xa de lado o uso exclusivo de indicadores de
latinamente um dos palcos da importação de tão situados. indicadores seja capaz de refletir as mudanças resultado financeiro, enfatizando o uso combi-
diversas práticas de gestão do setor privado ao A mensuração de performance se dá em três dos objetivos estratégicos ao longo do tempo. nado entre medidas financeiras e não financei-
setor público, dinâmica que vem se instalando etapas: desenho do sistema de mensuração, Neely, Gregory e Platts (1995) também definem ras (KAPLAN; NORTON, 1992, p. 72). Esta me-
em diferentes áreas da administração pública. implementação do sistema e o seu uso no co- dois tipos básicos de medidas de performance todologia, assim como preconizado por Neely
A visão de que o setor privado é mais efetivo tidiano da gestão. No que concerne à primeira que podem ser identificadas nas organizações e Mills, et al. (2000), também atribui ênfase
no atingimento de metas e na apresentação etapa, em que são definidos quais indicado- que aplicam este tipo de monitoramento. São à importância do estabelecimento e contínuo
5
5
de melhores resultados fez com que técnicas res serão monitorados, as recomendações da as medidas de resultado, como performance aperfeiçoamento da relação entre as medidas
de planejamento e gestão de projetos, por literatura convergem no sentido de que estes financeira e competitividade, e as de determi- de desempenho e a missão e os objetivos es-
exemplo, que tradicionalmente vinham sendo sempre devem ser um reflexo da missão da nantes de resultado, como qualidade de pro- tratégicos da organização.
utilizadas por organizações empresariais priva- organização e também de seus objetivos es- dutos ou serviços, flexibilidade e inovação. A Como afirmado anteriormente, a partir da se-
das, começassem a ser utilizadas em organi- tratégicos. Enquanto na segunda etapa ocorre distinção entre os dois tipos de medidas faz gunda metade do século XX e principalmen-
zações públicas. Este movimento, há muitos a construção em si do sistema de mensuração, parte de um movimento mais amplo, também te com as crises fiscais dos anos 1980-1990,
anos implementado na Europa e nos Estados houve uma intensa importação de práticas
Unidos, teve início no Brasil e em outros países empresariais para o setor público, sendo que
da América Latina entre as décadas de 1990 os sistemas de PM se incluem de forma cen-
e 2000. Todavia, apesar de já terem se com- tral neste processo. As práticas sistemáticas de
pletado mais de 20 anos desde o início desta mensuração de desempenho passaram a ser
transição, e de já existir uma série de iniciati- compreendidas como elementos centrais de
vas neste sentido no Brasil (FERREIRA, 2012, p. um governo eficiente e de um Estado capaz
34), a utilização de práticas advindas do mun- de entregar serviços públicos de qualidade.
do empresarial no sentido da eficientização da Isto pode ser visto em um sem-número de rela-
ação governamental ainda é incipiente. tórios e artigos vinculados à Organização para
Exposta essa breve introdução, cabe ser feito, Cooperação e Desenvolvimento Econômico
então, o seguinte questionamento: como a (OCDE) que tratam da centralidade de siste-
importação de práticas do setor privado ao pú- mas de PM no setor público (OCDE, 2007,
blico se deu no âmbito da modernização dos p. 1-193).
controles horizontais? Não é possível fornecer Como seu próprio nome já indica, os sistemas
uma resposta única a essa pergunta, entretan- de mensuração de performance, ao se cons-
to é possível afirmar que uma das principais tituírem como mecanismos de aferição do
maneiras pelas quais o processo de importa- desempenho da atuação das mais diversas or-
ção se deu foi por meio do uso da chamada ganizações, convergem de forma expressiva e
Mensuração de Performance, ou Performance acentuada com o que pode ser entendido por
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ESTUDOS
ESTUDOS
controles modernos na administração pública. de leis e determinações fiscais e contábeis. En- REVISÃO DE LITERATURA artigos, fazendo com que restassem so-
É por esta razão que é possível asseverar que tre as 6 divisões, há uma responsável especifi- mente 63 papers. Estas 63 produções foram
OPERACIONALIZAÇÃO DA ACCOUNTABILITY
OPERACIONALIZAÇÃO DA ACCOUNTABILITY
estes sistemas de mensuração fazem parte da camente por fazer a auditoria de desempenho lidas e analisadas integralmente, de modo a
Observa-se que, tanto na Europa quanto
ampla dinâmica de modernização dos instru- das organizações governamentais. Esta divisão excluir aqueles trabalhos que lidassem pe-
nos Estados Unidos, essa modernização dos
mentos de accountability horizontal da admi- tem como função verificar se as entidades rifericamente com o tema de estudo. Ob-
controles horizontais já ocorre, de modo
nistração pública. A PM, portanto, pode ser públicas estão realizando as suas atividades servando as referências bibliográficas dos
que a discussão teórica sobre accountability
entendida como um dos mais relevantes me- de forma eficiente e efetiva, se a atuação da trabalhos que restaram, selecionamos mais
horizontal já é traduzida para a realidade
canismos responsáveis pela efetiva operacio- organização é prudente do ponto de vista fi- alguns trabalhos seminais cuja presença na
da gestão pública por meio de práticas reais
nalização de controles governamentais que se- nanceiro e se há desperdício de recursos (CON- análise julgamos que seria relevante. Ao
e cotidianas. Cabe questionar, então, se a
jam baseados na comparação entre resultados TROLLER, 2019). Os relatórios produzidos por final de todas estas etapas, constaram da
literatura acadêmica que investiga a temáti-
e metas, e não somente entre ações e regras. esta e pelas outras divisões da auditoria-geral revisão estruturada de literatura 37 artigos.
ca da mensuração de performance no setor
Se o objetivo é avaliar como a administração são enviados para apreciação do parlamento A primeira etapa da análise desta produção
público demonstra, com fundamento em
pública vem atuando na entrega dos serviços neozelandês. Como já apontado anteriormen- acadêmica se deu através da identificação
pesquisas empíricas e teóricas, a existên-
públicos que estão sob a sua responsabilidade, te, este redirecionamento do controle horizon- dos conceitos originais desenvolvidos em
cia dessa forte relação entre a PM no setor
é por meio dos sistemas de mensuração de de- tal no sentido da modernização de sistemas cada um dos trabalhos. Posteriormente,
público e accountability. Para isso, foi rea-
sempenho que isto pode ocorrer. e da aferição de resultados exerce influência pautando-nos por um exercício de catego-
lizada uma revisão da literatura acadêmica
5
5
Portanto, é por este motivo que a utilização significativa sobre o modelo de gestão exer- rização e subcategorização, foram criadas
acerca da matéria com foco em alguns dos
da mensuração de performance no setor pú- cido na administração pública, organizando-o 6 dimensões que, além de aglutinar os 18
mais importantes periódicos internacionais
blico pode ser compreendida como uma das em torno do paradigma do atingimento de conceitos levantados, também definiram
da área de administração pública que ob-
responsáveis pela tradução da discussão te- resultados. os temas centrais de cada um dos traba-
tiveram pontuação 4 na edição de 2018 da
órica de accountability, principalmente a do lhos. Ou seja, cada artigo foi classificado
lista de impacto de publicações da Associa-
tipo horizontal, para o chão de fábrica da dentro de cada uma das dimensões. Do
tion of Business Schools (CABS, 2018).
administração pública. A literatura acadêmica total de trabalhos, aproximadamente 27%
Adotado este critério, foram escolhidos
vem estabelecendo, de forma teórica, a impor- “A mensuração sete periódicos internacionais: Accounting, foram classificados como pertencentes à
tância da accountability, da responsabilização dimensão de “Implementação do sistema
Auditing and Accountability Journal, Jour-
dos governos em relação aos diversos órgãos de performance nal of Public Administration Research and de PM”, 21% à de “Impactos nos Resul-
de controle e supervisão; na prática, isto vem
ocorrendo em face da utilização de sistemas
se dá em três Theory, International Journal of Operations tados apresentados pelo sistema de PM”,
16% à de “Accountability”, 13% à de
and Productions Management, Public Ad-
de mensuração de desempenho por parte des- etapas: desenho ministration, Accounting, Organizations “Desenho do sistema de PM” e “Metas”
tes mesmos órgãos de controle. e, por fim, 8% à de “Impactos do uso do
A Nova Zelândia, país desenvolvido da Ocea- do sistema de and Society, Public Administration Review
and Journal of Operations Management. sistema de PM”.
nia, que possui aproximadamente 5 milhões
de habitantes, é um bom exemplo da aplicação
mensuração, Em cada um deles, foram analisados to- Como é possível observar na tabela a seguir,
a grande maioria dos conceitos identificados
dos os trabalhos publicados entre 2012 e
dos controles modernos pelo uso de sistemas implementação 2017, sendo selecionados aqueles cujo títu- está vinculada à dimensão de “Impacto nos
de mensuração de desempenho nos governos Resultados Apresentados pelo sistema de
nacional e subnacional. No caso neozelandês, do sistema e o seu lo apresentasse relação direta com o tema
PM” (oito de um total de dezoito), enquanto
da mensuração de performance de serviços
o auditor-geral é responsável pela auditoria de uso no cotidiano públicos. Após esta primeira etapa, que que somente quatro conceitos vinculam-se
3.600 entidades, desde departamentos gover- à de “Accountability” e três à de “Desenho
resultou em 163 artigos, e com o objetivo
namentais até unidades escolares (CONTROL- da gestão. ” de selecionar somente os trabalhos que ti- do sistema de PM”. Às dimensões de “Im-
LER, 2019). O órgão de auditoria é dividido em plantação do sistema de PM”, “Impacto do
vessem o tema da PM de serviços públicos
6 divisões, responsáveis pelo controle da ação uso do sistema de PM” e “Metas” vincula-se
como o centro de sua abordagem, realizou-
governamental em relação ao cumprimento apenas um conceito para cada.
-se uma análise dos resumos de todos estes
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ESTUDOS
ESTUDOS
OPERACIONALIZAÇÃO DA ACCOUNTABILITY
Accountability Desenho do Sistema de PM
conceitos vinculados também discute esta alidade desta produção acadêmica, o que foi
Relação entre setor e accountability E-gov e performance temática de responsabilização (“Participa- verificado no estudo aqui apresentado.
Método de Mensuração de Accountability Stakeholders e a dimensão de PMS ção Social e Performance”). Vale ressaltar que a revisão estruturada tam-
Transversalidade de áreas do conhecimento Governo local e performance A falta sistemática de artigos que investiguem bém indicou que a literatura não clarifica o
Avaliação de performance pelos cidadãos como a mensuração de performance pode papel das instituições de supervisão e contro-
Implementação do Sistema de PM Impacto do Uso do Sistema de PM aprimorar ou piorar a accountability e o baixo le, responsáveis por executar as avaliações de
Fatores institucionais Autoavaliação de performance número de publicações que misturam as dis- performance, além de não centrar seus esfor-
Impacto nos Resultados Apresentados pelo Sistema de PM cussões de responsabilização e performance ços em compreender o papel da mensuração
Participação social e performance evidenciam que existe uma lacuna, uma sig- de desempenho dentro uma visão mais ampla
Performance e recursos organizacionais nificativa falta de diálogo, entre estas duas de um sistema de gestão pública. A literatura
Impacto do gerenciamento de performance vigorosas literaturas: accountability e mensu- analisa o que já existe em termos de PM
Performance e gerenciamento de informações ração de performance. A grande maioria dos e tenta avaliar se estas ferramentas estão
Ambiente organizacional e performance
trabalhos classificados como pertencentes à trazendo resultados, entretanto não in-
Comprometimento dos burocratas e performance
dimensão de accountability, por exemplo, vestiga de forma sistemática as chamadas
5
5
Poder
não apresenta a relação entre este conceito oversight institutions e nem a construção
Controle de gestão por meio de medidas de gestão de performance
teórico e PM. das ferramentas de PM como parte de um
Metas
A revisão estruturada demonstrou que a lite- processo mais amplo e profundo de res-
Metas e performance
ratura acadêmica já está debruçada sobre o ponsabilização democrática.
Fonte: Elaboração dos autores, com base na revisão de literatura realizada. chamado chão de fábrica da administração
pública, uma vez que se dedica intensamente
É possível observar, portanto, que os trabalhos analisados tratam mais das características es- aos resultados apresentados pelos sistemas
pecíficas do sistema de mensuração de performance do que da relação desta ferramenta com de mensuração de performance em organi-
accountability, o que é claramente observado pela maior quantidade de trabalhos diretamente zações públicas. Também é possível observar
ligados a esta temática. Além disso, a maioria dos conceitos identificados lida com o impacto que a literatura não reflete de forma mais
causado por diversos elementos, internos e externos às organizações públicas, sobre as avalia- profunda sobre o desenho destes sistemas de
ções de performance apresentadas pelos sistemas de PM. PM e como estes podem ser mais efetivos. Ao
Apesar de somente quatro conceitos terem sido classificados dentro do guarda-chuva da ac- invés de fazê-lo, já avança à implementação,
countability, outros que estão vinculados a dimensões distintas também tratam, de forma pe- aos resultados da avaliação de performance e
riférica, desta temática. É o caso, por exemplo, de “Stakeholders e a dimensão de PMS”, aos fatores que o influenciam. O framework
que discute como diferentes constelações de stakeholders podem afetar o design do sistema teórico que está sendo construído é, portan-
de mensuração de performance em uma organização pública. Discussões que envolvem este to, cada vez mais centrado na implementa-
tema são fortemente relacionados à accountability, principalmente se levarmos em considera- ção da mensuração e nos resultados apre-
ção a definição de Romzek e Dubnick (1987). Apesar disso, os artigos que estabeleceram este sentados por essa ferramenta, deixando de
conceito não possuíam como seu objetivo compreender a relação stakeholder-PM segundo a lado suas implicações para a accountability.
perspectiva da responsabilização. Na realidade, o interesse era o de descobrir o impacto dessa Se a literatura estivesse predominantemente
interação no desenho do sistema de PM. Novamente, o olhar se volta estritamente ao sistema centrada na transição da dimensão teórica da
de mensuração de performance e não à dimensão de accountability que se faz presente. responsabilização para o chão de fábrica da
Além disso, também é interessante notar que, o quanto mais próximas as seis dimensões ana- gestão pública, o tema central de estudo seria
líticas ficam de dimensões exclusivamente centradas nos resultados de performance, menos os diferentes desenhos de sistemas de PM e
frequentes são os conceitos que também discutem accountability. Por exemplo, na dimensão como estas ferramentas reagem à demanda
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ESTUDOS
ESTUDOS
OPERACIONALIZAÇÃO DA ACCOUNTABILITY
SUBNACIONAIS E O lizados por órgãos externos de nível subnacio-
ÍNDICE DE EFETIVIDADE nal, o Brasil começou, nos últimos cinco anos,
5
de operacionalização da accountability. Como os objetivos estratégicos dos municípios foram
argumentado anteriormente, este processo alcançados de forma efetiva.
de tradução ocorre de forma mais intensa nos O ieg-m resulta da consolidação de sete índi-
países desenvolvidos, principalmente naqueles ces setoriais: i-Educ (área da educação pública
que pertencem à OCDE. Nestes casos, a práti- municipal), i-Saúde (área da saúde pública mu- diferentes áreas de política pública, é signifi- do por Groisman e Lerner (2006) e Mora Qui-
ca de mensuração de desempenho através de nicipal), i-Planejamento (área do planejamento cativamente relevante para o TC, pois é uma rós (2006). Isto demonstra que os Tribunais
sistemas estruturados de indicadores é corri- público municipal), i-Fiscal (gestão pública fis- das ferramentas utilizadas no planejamento de Contas subnacionais, conforme apontado
queira e se apresenta como elemento central cal municipal), i-Amb (gestão pública municipal da fiscalização. Além de servir de insumo para por Loureiro, Teixeira e Moraes (2009), estão
de uma administração moderna e eficiente, na área do meio ambiente), i-Cidade (proteção a produção dos diversos relatórios de audito- deixando de realizar somente um controle
constituindo-se tanto como o modelo de atu- dos cidadãos por parte das prefeituras munici- ria produzidos pela Corte de Contas, também tradicional de contas e de conformidade legal
ação dos órgãos públicos de auditoria externa pais) e i-Gov TI (governança de tecnologia da é utilizado para definir quais municípios rece- e avançando na direção de um controle exter-
quanto como uma das características centrais informação no âmbito público municipal). O berão visitas dos técnicos do tribunal com fins no moderno, preocupado com a aferição do
do modelo de gestão pública. índice agregado pode apresentar cinco concei- de fiscalização. desempenho da administração pública e em
No Brasil, ao contrário, a medição de desem- tos diferentes: A (altamente efetiva), B+ (muito Apesar de a origem do ieg-m ser no estado sua capacidade de entregar serviços públicos
penho ainda é uma prática incipiente. Apesar efetiva), B (efetiva), C+ (em fase de adequação) de São Paulo, o Índice se espalhou pelos Tri- de qualidade de forma eficiente. Esta mudan-
de poderem ser identificados esforços dos e C (baixo nível de adequação). bunais de Contas estaduais do Brasil, atra- ça é extremamente relevante, não somente
governos subnacionais para a criação de indi- Os municípios são obrigados a preencher os vés de termos de adesão à Rede Nacional de por se tratar de boas práticas ostensivamente
cadores referentes aos mais diversos serviços relatórios do TCESP relativos ao ieg-m, for- Indicadores (INDICON), uma parceria entre presentes nos países de gestão pública de-
públicos, como é o caso do Data Rio (RIO DE necendo as informações solicitadas relativas o Instituto Rui Barbosa e os TCs brasileiros. senvolvida, mas também por reforçar um ali-
JANEIRO, 2019), por exemplo, a maioria dos às práticas de gestão em cada uma das sete Atualmente, todos os Tribunais de Contas es- nhamento entre governo e as expectativas da
índices estruturados existentes foi criada e é áreas. Atualmente, o Tribunal de Contas (TC) taduais do Brasil aplicam anualmente o ieg-m população por serviços de melhor qualidade.
utilizada pelo Governo Federal. Além disso, o faz visitas de fiscalização nos municípios de aos seus municípios fiscalizados. Além disso, tal mudança no controle externo
uso desses indicadores de forma sistemática e modo a verificar se o que foi informado pelas Sendo assim, observa-se claramente que o é capaz de produzir alterações significativas
como insumo para uma gestão mais eficaz pe- prefeituras municipais nos relatórios é verídi- ieg-m e sua disseminação representam um no modelo de gestão pública praticado no
los governos estaduais e pelas prefeituras ain- co. O ieg-m, além de fornecer informações movimento de modernização dos controles âmbito subnacional brasileiro, como mostra
da é raro. No que diz respeito à mensuração sobre avanços na gestão dos municípios em horizontais no Brasil, aos moldes do teoriza- Barzelay (2002).
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ESTUDOS
ESTUDOS
CONSIDERAÇÕES FINAIS sumos à população para que esta também possa avaliar seus representantes
eleitos através de uma ótica de efetividade de gestão. O ieg-m, por exemplo,
OPERACIONALIZAÇÃO DA ACCOUNTABILITY
OPERACIONALIZAÇÃO DA ACCOUNTABILITY
apresenta este potencial, pois, se bem divulgado, pode vir a alimentar a so-
A gestão pública em um contexto democrático vem se desenvolvendo de modo
ciedade civil de informações relativas à eficiência, eficácia e efetividade das
a enfatizar a melhoria na prestação dos serviços públicos. A legitimidade dos
atividades exercidas pelas prefeituras municipais. Deste modo, as avaliações
governos eleitos depende cada vez mais da qualidade dos serviços públicos
da população sobre os governos podem ser qualificadas de modo que estas
prestados. Se a legitimidade da administração pública advém da qualidade
sejam baseadas também em informações sobre performance.
do fornecimento desses serviços, e não somente da correção legal das ações
Na prática, tanto no Brasil como em boa parte do mundo, a dimensão te-
públicas envolvidas no processo, a dinâmica de responsabilização dos governos
órica de accountability encontra a sua consequência e tradução prática na
está vinculada aos mecanismos capazes de mensurar a qualidade da atuação
mensuração de desempenho dos serviços públicos. Apesar disso, estas duas
dos governantes eleitos, avaliados quanto à capacidade de entrega dos serviços
literaturas acadêmicas, a que investiga accountability e a que estuda men-
que lhes cabe oferecer.
suração de performance, não dialogam entre si, o que pode ser observado
Neste sentido, os órgãos de controle da administração pública vêm cada vez
quando da revisão da literatura concernente. A grande maioria dos trabalhos
mais organizando a sua atuação em torno da medição do desempenho da
acadêmicos que trata de PM não discute os impactos que essas práticas apre-
gestão pública. Se a sociedade, que é a fonte da legitimidade que sustenta
sentam em relação ao processo de responsabilização democrática e nem as
o aparato estatal, apresenta a demanda por uma atuação governamental
influências exercidas pela dinâmica de responsividade sobre a mensuração
de qualidade, a responsabilização governamental, a accountability, também
5
5
do desempenho.
deve ocorrer nestes mesmos termos. Por isso, um processo de responsabili-
A relevância do estabelecimento de um diálogo maior entre estas duas áreas
zação baseado única e exclusivamente na verificação da correção dos atos
de pesquisa acadêmica reside exatamente na necessidade de se analisar
públicos, tanto do ponto de vista jurídico como contábil, não é mais adequa-
cientificamente como se dá a avaliação de desempenho de governos em
do em um setor público moderno e sintonizado com demandas populares
contextos democráticos. Se esta situação existe, ou seja, se governos se utilizam
ligadas à qualidade e efetividade.
de mecanismos de mensuração de performance e órgãos de controle também
Portanto, através de uma observação atenta da realidade da gestão
o fazem, é importante que a academia seja capaz de compreender melhor
pública, é possível perceber que, cada vez mais, a administração vem se
como este processo se dá.
apropriando de práticas de gestão do setor privado que dizem respeito à
Esta nova configuração de accountability no contexto de governos que,
mensuração de performance. Isso ocorre tanto na própria administração
centrados na entrega de serviços públicos, promovem a utilização de prá-
pública em si como nos órgãos de controle, que não estão mais somente
ticas tradicionalmente utilizadas no setor privado, precisa ser devidamente
auditando as contas públicas de governos e a adequação legal de seus atos,
estudada pela academia, de modo que seja possível compreender quais as
mas realizando substantivas avaliações de desempenho da gestão pública.
implicações deste fenômeno para a gestão pública sob um prisma amplo e,
Esta modernização dos controles horizontais também é responsável pelo
sobretudo, para o desenvolvimento e consolidação da democracia.
aperfeiçoamento e qualificação da accountability vertical, já que fornece in-
100 101
ESTUDOS
ESTUDOS
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102 103
ESTUDOS
ESTUDOS
A MULTA DO
TRIBUNAL DE
A MULTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
6
econômica no âmbito
do controle externo
Romano Scapin multa legal que pode ser aplicada pelo TCE/RS e o consequente
Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do (baixo) incentivo por ela gerado em busca da boa gestão pública.
Rio Grande do Sul e Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas
do Estado do Rio Grande do Sul
ABSTRACT: The article deals with the application of theories
derived from the Law & Economics studies on the rules and
RESUMO: O artigo trata da aplicação de teorias advindas dos performance of the Rio Grande do Sul State Court of Auditors.
estudos de Análise Econômica do Direito sobre as normas e PALAVRAS-CHAVE: Tribunal The effectiveness of the supervision exercised by the Rio Grande
atuação do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul. A de Contas. Fiscalização. do Sul external control body can be influenced by the punitive
efetividade da fiscalização exercida pelo órgão de controle externo Análise Econômica do Direito. instruments of the legislation with the purpose to charge the
Multa.
gaúcho pode ser influenciada pelos instrumentos punitivos que public managers who practice administrative acts that don’t
a legislação lhe confere para fins de responsabilizar os gestores KEYWORDS: Court of follow the legal system. The text analysis especially the fine that
públicos que praticam atos administrativos em desconformidade Accounts. Inspection. Law & can be applied by the State Court and the, consequent (low),
Economic. Fine.
com o ordenamento jurídico. O texto analisa especificamente a incentive generated by it in search of good public management.
104 105
ESTUDOS
ESTUDOS
6
A ideia central a ser abordada refere-se à re- ca da Economia, do que pesquisar a Econo-
lação existente entre a multa a ser aplicada mia por meio do arcabouço teórico propor-
aos gestores públicos, pelo Tribunal de Con- cionado pelo Direito.
tas, em caso de irregularidades cometidas, e Ao primeiro olhar, parece difícil a efetivação
a atuação desses na função de gestores. É ao dessa conjugação a que se propõe a discipli-
menos intuitiva a conclusão de que quanto na, tendo em vista as divergências essenciais
maior for o valor da previsão da multa poten- tendo seu marco teórico principal de afirma- força e, atualmente, diversas Universidades entre Direito e Economia, como bem expõe
cialmente aplicável maior será o cuidado do ção ocorrido em 1973, com o trabalho de Ri- e estudiosos no país dedicam-se ao ensino e o professor Bruno Meyerhof Salama (2008)6:
gestor em não ter contra si sua aplicação. E o chard Posner intitulado Economic Analysis of pesquisa das matérias pertinentes ao tema.
pensamento intuitivo sustém-se por princípios Law. Nos EUA, o prestígio do Direito e Econo- Tanto o Direito quanto a Economia li-
e teorias da Economia que explicam, de certa mia é tão significativo, que o professor Bruce 1.2 Conceito e Níveis Epistemológicos do dam com problemas de coordenação,
forma, o comportamento humano. Ackerman, da Faculdade de Direito de Yale, Direito e Economia estabilidade e eficiência na sociedade.
reconhecido jurista norte-americano, chegou As dificuldades na formação de linhas
1. DIREITO E ECONOMIA a definir a disciplina como “o mais importan- Em linhas gerais, pode-se dizer que a discipli- complementares de análise e pesquisa
te desenvolvimento da ciência jurídica do sé- na Direito e Economia objetiva dar sustenta- surgem porque as duas metodologias
1.1. Evolução Histórica culo 20.”3 ção teórica à análise de situações sociais sob diferem de modo bastante agudo: en-
No Brasil, a inserção de ideias de Direito e a ótica conjugada desses dois grandes ramos quanto o Direito é exclusivamente ver-
A disciplina de Direito e Economia surgiu nos Economia no campo acadêmico-doutrinário científicos. bal, a Economia é também matemática;
Estados Unidos da América, a partir do início começou, timidamente, nas décadas de No ensinamento sintético de Richard Posner enquanto o Direito é marcadamente
da década de 1960, com a publicação de ar- 80/90 com trabalhos científicos importantes, (1975)4, o ramo Direito e Economia compre- hermenêutico, a Economia é marca-
tigos dos professores Ronald Coase1 e Guido mas, ainda assim, pontuais. Apenas no ende “a aplicação das teorias e métodos em- damente empírica; enquanto o Direito
Calabresi . Desde então, os estudos em tal
2
início deste século é que a evolução do píricos da economia para as instituições cen- aspira ser justo, a Economia aspira ser
disciplina foram aprofundados e alargados, movimento de Direito e Economia ganhou trais do sistema jurídico”. Na mesma linha de científica. Isso torna o diálogo entre
conceituação, Nicholas Mercuro e Steven Me- economistas e juristas inevitavelmente
1
COASE, Ronald. The problem of social costs. Journal of Law and Economics, v. 3, oct. 1960 Apud SALAMA, Bruno Meyerhof. 4
POSNER, Richard A. The Economic Approach to Law. Texas Law Review, v. 53, n. 4, p. 757-782, 1975.
O que é “Direito e Economia”? In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito & Economia. 2.ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria 5
MERCURO, Nicholas; MEDEMA, Steven G. Economics and the Law: from posner to post-modernism. Princeton: Princeton
do Advogado Editora, 2008. p. 48. University Press, 1999. p. 3.
2
CALABRESI, Guido. Some thoughts on risk distributions and the law of torts. Yale Law Journal, v. 70, n. 4, p. 499-553, mar. 1961. 6
SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é “Direito e Economia”?. In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito & Economia. 2.ed. rev. e
3
COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e Economia. Tradução: Luis Marcos Sander, Francisco Araújo da Costa. 5. ed. Porto atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 49.
Alegre: Bookman, 2010. p. 24. Alegre: Bookman, 2010. p. 25.
106 107
ESTUDOS
ESTUDOS “Nesse sentido, o
professor Cooter
turbulento. Mas em meio à turbulên-
cia, nas últimas décadas este diálogo
em grande parte, da mesma maneira
que reagem aos preços. As pessoas re-
(1982) afirma cação de institutos jurídicos apenas baseada
na ideia de maximização relativamente co-
A MULTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
6
pessoas reais respondem a regras jurídicas.”7 epistemológicos da disciplina: o Direito e Eco- é a utilização de conceitos microeconômicos Cooter (1982) afirma que “a economia expli-
Os professores Cooter e Ulen no ponto relati- nomia Positivo e o Direito e Economia Norma- para análise do Direito. ca o direito, mas não chega a uma explicação
vo à influência que as compreensões de Eco- tivo. O primeiro nível preocupa-se principal- O professor Cooter (1982) observa que a for- completa” pois “não capta toda a realidade
nomia causam sobre o estudo jurídico, vão mente em “estudar as repercussões práticas ma de se efetuar tal utilização de conceitos subjacente”.12
além e afirmam que8: do Direito sobre o mundo real”, enquanto o possui diversas versões, podendo-se destacar Por outro lado, a terceira versão (preditiva)
“A economia proporcionou uma teo- segundo dedica-se a estudar “se, e como, no- três: (a) a versão reducionista, (b) a versão ex- apoia-se no argumento de que a Economia
ria científica para prever os efeitos das ções de justiça se comunicam com os concei- plicativa, e (c) a versão preditiva10. pode ser instrumentalizada no sentido de
sanções legais sobre o comportamen- tos de eficiência econômica, maximização da A primeira versão, radical e nada razoável, sus- prever as consequências das diversas regras
to. Para os economistas, as sanções se riqueza e maximização de bem-estar.”9 tenta que o Direito pode ser reduzido à Eco- jurídicas de um ordenamento. Tal versão com-
assemelham aos preços, e, presumivel- Ao presente artigo importa muito mais a con- nomia, e que categorias jurídicas tradicionais preende a tentativa de reconhecer os prová-
mente, as pessoas reagem às sanções, tribuição teórica do primeiro nível epistemo- podem ser substituídas por categorias econô- veis efeitos das regras jurídicas sobre o com-
micas. Dessa maneira, a versão reducionista, portamento dos atores sociais atingidos (ou
7
COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e Economia. Tradução: Luis Marcos Sander, Francisco Araújo da Costa. 5. ed. Porto
Alegre: Bookman, 2010. p. 9. dada sua concepção radical, é pouco proveito- potencialmente atingidos) por elas. A versão
8
COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e Economia. Tradução: Luis Marcos Sander, Francisco Araújo da Costa. 5. ed. Porto
sa para o estudo do Direito e Economia. preditiva do Direito e Economia Positivo, por-
9
SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é “Direito e Economia”?. In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito & Economia. 2.ed. rev. e
atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 52. Já a segunda versão (explicativa) defende que tanto, dá maior relevância às consequências
a Economia seria capaz de oferecer uma te- do fenômeno jurídico, posicionando-as como
oria explicativa da estrutura das normas jurí- ponto central do debate. Para o desenvolvi-
dicas. O argumento principal de tal versão é mento do presente estudo, a versão prediti-
“que os sistemas jurídicos poderiam ser com- va, sem dúvida, é a que mais contribui para
preendidos como sendo a resultante da ma- a busca de conclusões, porquanto busca en-
ximização de recursos escassos por parte das tender e explicar o comportamento humano
pessoas, que ocorre de forma relativamente a partir dos efeitos advindos como consequ-
coordenada”11. Todavia, tal versão é passível ência de diferentes predicados legais. No caso
de críticas na medida em que a simples expli- específico deste trabalho, a versão preditiva
10
COOTER, Robert. Law and the imperialism of economics: an introduction to the economic analysis of law and a review of the
major books. UCLA Law Review, v. 29, p. 1260, 1982, Apud SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é “Direito e Economia?” In:
TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito e Economia.. 2 ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 52.
11
SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é “Direito e Economia”?. In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito & Economia. 2.ed. rev. e
atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 52.
12
COOTER. Op. Cit. 10.
108 109
ESTUDOS
ESTUDOS
contribuirá para a compreensão das posturas seus artigos 70 e 71, in verbis: participe do Legislativo, possui autono- 2.2. O Controle Externo Exercido pelos
dos gestores públicos frente à variação de se- mia e independência de atuação sobre Tribunais de Contas no Brasil
A MULTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
6
do presente trabalho, o “controle” sobre o qual Congresso Nacional, será exercido com o ceito) de controle externo que se pretende exa- fortemente contribuído, referiu, na exposição
se discorrerá refere-se àquele realizado sobre auxílio do Tribunal de Contas da União, minar no presente trabalho, passa-se a abordá- de motivos do aludido Decreto, que se tratava
determinados aspectos relacionados ao exercí- ao qual compete: -lo mais profundamente nos próximos tópicos. de “corpo de magistratura intermediária à ad-
cio de atividades pertinentes à função estatal de (...)
15
Antes da ideia de Tribunal de Contas, cabe mencionar que a primeira notícia de órgão fiscalizador de contas no Brasil data
Administração Pública. Para definição de “fun- de 28/06/1808, com a denominação de Erário Régio, criado por ato do Príncipe Regente Dom João VI. Na sequência histórica,
ção estatal de Administração Pública”, utiliza- Nesse contexto, são diversas as definições em 1826, os senadores do Império Visconde de Barbacena e José Inácio apresentaram projeto visando à criação de uma Corte
de Contas no Brasil, sofrendo, contudo, forte oposição de outros senadores, destacando-se o nome do Conde de Baependi. O
-se o ensinamento do professor Rafael Maffini dadas ao controle externo, destacando-se a debate sobre a criação do Tribunal de Contas atravessou todo o Império, só logrando êxito a ideia dos Senadores Visconde de
Barbacena e José Inácio após a proclamação da República.
(2013)13, para quem: “(...) a função estatal de conceituação elaborada por Helio Saul Mileski
Administração Pública consiste num instrumen- (2011)14:
to concreto de que o Estado, abstrato que é, se
vale para a consecução dos objetivos insculpidos O controle externo é o exercido por or-
no texto constitucional, sendo encontrada tipi- ganismo estranho ao do controlado. No
camente no Poder Executivo e, de modo atípico, caso da Fiscalização Contábil, Financeira
nas várias outras espécies da estrutura estatal”. e Orçamentária, o controle é efetuado
Convém ressaltar que o controle da função es- no aspecto da atividade financeira do
tatal de Administração Pública, incontestavel- Estado, tendo em conta a arrecadação
mente, configura-se como elemento essencial da receita e a realização da despesa,
do Estado Democrático de Direito, devendo avaliando a regularidade dos atos prati-
haver no desenho da estrutura político-consti- cados pelos administradores quanto à le-
tucional estatal meios que permitam a efetiva- galidade, legitimidade e economicidade.
ção de tal controle. Conforme o sistema de fiscalização con-
Com efeito, no propósito de se especificar tábil, financeira e orçamentária adotado
mais o sentido de “controle” que se aborda- constitucionalmente, o controle externo
rá, refere-se àquele adjetivado de “externo” e está a cargo do Poder Legislativo (art.
atualmente previsto expressamente na Cons- 70, CF), mas com a sua execução sendo
tituição da República Federativa do Brasil em destinada a um organismo que, embora
MAFFINI, Rafael. Direito administrativo. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 24.
13
MILESKI, Helio Saul. O controle da gestão pública. 2. ed. rev. atual. e aum. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 209.
14
110 111
ESTUDOS
ESTUDOS
ministração e à legislatura, que, colocado em Além das disposições constitucionais, a le- sendo possível, por isso, apontar classificação 3. A APLICAÇÃO DE MULTA PELO TCE-RS
posição autônoma com atribuições de revisão e gislação infraconstitucional, de abrangência única e uniforme. E O INCENTIVO À CORRETA ATUAÇÃO
A MULTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
6
e por duas vezes, com a redemocratização, re- fiscalização aos Tribunais de Contas dos Esta- julgamento, sancionatória, corretiva e de estado entre os artigos 71 a 7521, cabendo
cuperou e ampliou suas atribuições: nas Cons- dos, do Distrito Federal e dos Municípios. ouvidor. transcrever o primeiro dispositivo mencionado:
tituições democráticas de 1946 e 1988. Apresentada a estrutura do sistema de con- Ao definir a função sancionatória, a jurista
Atualmente, o núcleo essencial das disposições trole externo efetuado pelos Tribunais de afirma que seu exercício ocorre quando os Art. 71. O controle externo, a cargo da
constitucionais relativas aos Tribunais de Con- Contas no Brasil, cabe discorrer sobre as fun- Tribunais de Contas aplicam “aos respon- Assembleia Legislativa, será exercido com
tas encontra-se entre os arts. 70 e 75 da Carta ções desempenhadas pelas Cortes de Contas sáveis, em caso de ilegalidade de despesa auxílio do Tribunal de Contas, ao qual
Magna, mas há outros artigos na Constituição a fim de cumprir com sua missão constitu- ou irregularidade de contas, as sanções pre- compete, além das atribuições previstas
que são importantes para a organização e fun- cional. Oportuno assinalar que a doutrina vistas em lei, que estabelecerá, entre outras nos arts. 71 e 96 da Constituição Fede-
cionamento dos Tribunais de Contas no Brasil. divide-se na classificação de tais funções, não cominações, multa proporcional ao dano cau- ral, adaptados ao Estado, emitir parecer
sado ao erário”20. Percebe-se, então, que a prévio sobre as contas que os Prefeitos
16
MARANHÃO, Jarbas. Heraclio Salles e o Tribunal de Contas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 38, n. 149. p. 55,
jan./mar. 2001. definição de tal função vai ao encontro exato Municipais devem prestar anualmente.
17
Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos
Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios. da previsão contida no art. 71, inciso VIII, da (...)
Constituição brasileira.
O presente estudo pretende elaborar uma Verifica-se, então, que o art. 71 acima trans-
abordagem econômica sobre a função san- crito respeitou o princípio constitucional da
cionatória exercida por um dos Tribunais de simetria e conferiu ao Tribunal de Contas gaú-
Contas que compõem o sistema de controle cho as mesmas atribuições que a Constituição
externo no Brasil: o Tribunal de Contas do Es- nacional de 1988 outorgou ao Tribunal de
tado do Rio Grande do Sul. Contas da União. Dessa forma, é certo que a
18
GUERRA, Evandro Martins. Os controles externo e interno da administração pública e os Tribunais de Contas. Belo Horizonte:
Fórum, 2003. p. 35.
19
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 753.
20
Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos
Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.
21
Disponível em: http://www2.al.rs.gov.br/dal/LinkClick.aspx?fileticket=WQdIfqNoXO4%3d&tabid=3683&mid=5359. Acesso
em: 18 jul. 2014.
112 113
ESTUDOS
ESTUDOS
função sancionatória também deve ser desem- transcrever apenas o primeiro artigo do men- mento dos gestores públicos, principais sujei- pecial princípios que explicam o comportamento
penhada pelo TCE-RS. cionado Título: tos, em potencial, à sanção mencionada23. humano e como as pessoas tomam suas decisões.
A MULTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
6
estabelecida nesta Lei, o seguinte: gaúcho dispôs alguns artigos em seu Regimen- mento vigente. Tal desobediência pode ser cau- mente de quaisquer padrões éticos do agente.
(...) to Interno sobre a matéria.22 De qualquer sor- sada por má-fé (com dolo) ou por simples falha Relativamente à primeira lição, Mankiw (2001)
VII – aplicar multas e determinar ressarci- te, o presente estudo focará sobre a regra legal técnica (por culpa), mas o fato é que os gesto- afirma que se pode resumi-la no dito popular
mentos ao erário, em caso de irregulari- inserida no citado art. 67, da forma como está res estão sujeitos a cometer ilegalidades. de que “nada é de graça”. Isso significa que o
dades ou ilegalidades; posta e é aplicada nos processos de controle Assim, pretende-se estudar princípios da microe- agente, para obter uma coisa que deseja, ge-
(...) externo. Na tentativa de resumi-la, pode-se di- conomia e inseri-los ao presente trabalho, em es- ralmente terá de abrir mão de outra coisa tam-
zer que existe uma sanção legal, a ser aplicada
Percebe-se que a Lei Orgânica do TCE-RS defi- pelo Tribunal de Contas gaúcho, aos autores 24
MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia: princípios de micro e macroeconomia. Tradução: Maria José Cyhlar Monteiro.
2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2001. p. 4.
niu duas consequências jurídicas diversas para de infrações às leis e regulamentos relativos à
os casos de irregularidades ou ilegalidades: regulamentação da administração pública (leis
ressarcimento ao erário (fixação de débito pelo e regulamentos esses que serão resumidos em
Tribunal) e aplicação de multa. No presente tra- algumas referências supervenientes como “le-
balho, a consequência jurídica sobre a qual a gislação administrativa”).
abordagem econômica será realizada de forma Justamente sobre esse ponto é que o presen-
principal é a multa – tratando-se apenas de ma- te trabalho objetiva realizar uma abordagem
neira secundária do ressarcimento ao erário. do ponto de vista epistemológico do Direito e
Relativamente à multa, a Lei Orgânica deta- Economia Positivo, utilizando-se, para tanto,
lhou, em Título específico (XII), os motivos sua versão preditiva, conforme acima visto.
que ensejariam a aplicação da multa, bem Com efeito, pretende-se analisar qual o efeito
como seu valor máximo, sendo pertinente da previsão legal referida sobre o comporta-
22
Em relação às previsões do RI do TCE-RS, menciona-se a do art. 136, que preconiza “a multa proporcional ao dano causado
ao erário, aplicada em razão de cada irregularidade constatada, levará também em consideração a natureza e as demais
consequências da infração tipificada na decisão, nos termos do inciso VIII do artigo 71 da Constituição da República”,
redação que não encontra suficiente amparo legal, na medida em que o art. 67 da Lei Orgânica do Tribunal apenas menciona
genericamente, como visto, “multa de valor não superior a 1.500 (um mil e quinhentas) Unidades Fiscais de Referência. Assim,
a Lei Orgânica do TCE-RS omite a possibilidade de aplicação de multa proporcional ao dano, apenas prevendo a aplicabilidade
de multa simples em seu art. 67, o que contraria o mandamento constitucional inserido no art. 71, inciso VIII. Com isso, embora
se reconheça a necessidade de estudo mais aprofundado sobre a matéria, infere-se que a Lei Orgânica da Corte de Contas
gaúcha padece de vício de inconstitucionalidade por omissão, em razão da inexistência de previsão de multa proporcional em
seu texto.
23
Lembrando que qualquer pessoa física ou jurídica está sujeita à fiscalização e, consequentemente, à multa, de acordo com o
previsto no art. 70, parágrafo único. da Constituição Federal de 1988.
114 115
ESTUDOS
ESTUDOS
bém desejada. Em outras palavras, a tomada em conta como suas medidas afetam os tos e benefícios que seu ato vai gerar, indepen- despendido ilegalmente e a multa simples, em
de decisões exige comparações de um objetivo incentivos, acabam gerando resultados dentemente da natureza moral que o motivou a valor não superior a R$ 1.500,00.
A MULTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
6
as enfrentarem tradeoffs, a tomada de decisão ético que os incline, apenas por isso, a cumprir omissão, a legislação que regulamenta a ad- seu valor máximo – de apenas R$ 1.500,00 (mil
exigirá a comparação dos custos e benefícios fielmente todas as leis e resoluções pertinentes ministração pública deixa de ser cumprida. Nas e quinhentos reais). Assim, o custo deste gestor
das várias possibilidades de ação. Os custos de à regulamentação da administração pública. To- duas situações, o gestor, ao não seguir a legis- será de R$ 1.500,00.
determinadas ações são de difícil reconheci- davia, a análise econômica pretende se despir lação, pode fazê-lo com intenção (dolo) ou sem Todavia, se a fiscalização do Tribunal de Contas
mento e definição, nada obstando que se pos- dessa necessidade de partir de um pressuposto intenção (culpa). não detectar tal inconformidade, não haverá
sa resumi-los com a seguinte assertiva: o custo em que os gestores públicos, ou qualquer cole- O fato é que seu comportamento ilegal, comis- qualquer custo ao gestor e, com isso, seu bene-
de alguma coisa é o do que você desiste para tividade de agentes da mesma categoria, pos- sivo ou omissivo, doloso ou culposo, pode lhe fício efetivamente será de R$ 1.000.000,00 (um
obtê-la. suem determinados valores e, por isso, apresen- gerar consequências jurídicas ao ser fiscalizado milhão de reais); ou, se a Corte de Contas iden-
Finalmente, discorre-se acerca da ideia de que tarão determinados comportamentos. pelo Tribunal de Contas. Como visto acima, as tificar apenas parcialmente a inconformidade
pessoas respondem a incentivos. Tendo em A análise econômica propõe-se a examinar o consequências legais previstas no Estado do Rio e aplicar o débito do quantum apurado como
vista que as pessoas tomam decisões compa- comportamento do agente com base nos cus- Grande do Sul são a fixação do débito do valor ilegal mais a multa máxima de R$ 1.500,00,
rando custos e benefícios, é evidente que seu tem-se a seguinte equação para averiguar se
comportamento pode modificar quando os houve vantagem ou desvantagem ao gestor:
custos ou os benefícios forem alterados. Sobre f(x) = 1.000.000 – x – 1.500. Se f(x) for > 0,
o assunto, Mankiw pontua que: então o gestor obteve vantagem. Se f(x) for <
0, então o gestor não obteve vantagem. Assim,
Os formuladores de políticas públicas verifica-se que, nesse caso hipotético, o gestor
nunca deveriam esquecer os incenti- só teria desvantagem caso o Tribunal de Contas
vos, visto que muitas políticas mudam detectasse a inconformidade no montante de R$
os custos ou os benefícios com que as 998.500,00 (novecentos e noventa e oito mil e
pessoas se deparam e, portanto, alteram quinhentos reais) ou mais, ou seja, quase a in-
comportamentos. (...) Quando os formu- tegralidade do valor irregularmente despendido.
ladores de políticas públicas não levam
25
Logicamente, há outros fatores que são levados em conta pelo
gestor público em tais situações, como, por exemplo, as consequências
jurídicas decorrentes do controle judicial, bem como potencial efeito
reputacional negativo.
116 117
ESTUDOS
ESTUDOS
Conclui-se, outrossim, que, nas situações em a ocorrência de despesas irregulares. A po- de seu interesse, obtendo, portanto, bene- titui-se “vetor da própria afirmação do Regi-
que o gestor público atua em desconformida- tencialidade de que despesas ilegais tenham fício indireto). Ademais, existe a possibilida- me Democrático de Direito”, segundo defen-
A MULTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
6
da legislação administrativa É evidente, portanto, que, lamentação da administração pública indica de que o prefeito municipal gaúcho que
nas quais, a priori, não há entre seguir ou em quaisquer das situações maior probabilidade de boa utilização dos re- não aplica na saúde de seu município os va-
valor despendido ilegal- antes apresentadas, não há cursos públicos, enquanto a infringência a tal lores correspondentes, pelo menos, ao per-
mente. Em outras palavras, não a lei que incentivo legal adequado, legislação aponta o sentido contrário: menor centual mínimo constitucionalmente exigi-
o gestor público simples- na Lei Orgânica do Tribunal probabilidade de que os recursos públicos se- do, pode ver contra si, do ponto de vista da
mente cometeu uma irre-
regulamenta a de Contas do Estado do Rio jam devidamente utilizados. atuação do controle externo, apenas a apli-
gularidade formal. Em tais
administração Grande do Sul, para que o Nessa linha, o papel do Tribunal de Contas, cação de multa simples no valor máximo de
hipóteses, descarta-se a fi- gestor público obedeça ri- como verificador da adequação formal da ati- R$ 1.500,00. É mais do que evidente que
xação do débito, já que não pública” gorosamente à legislação vidade administrativa às previsões normativas tal sanção não carrega efeito dissuasório
se detectou despesa irregu- administrativa. estatais, já seria suficiente para que o incen- suficiente a uma mudança comportamen-
lar, e considera-se somente Dentro desse contexto, de- tivo legal emergido da função sancionatória tal necessária do gestor público infrator de
a possibilidade de aplicação da multa. ve-se examinar o incentivo produzido pela atribuída à Corte de Contas fosse proporcio- regra constitucional que visa a dar meios
Assim, considera-se que o gestor não obteve norma legal prevista no art. 67 da Lei Orgâni- nal e adequado. à sociedade para que o direito de acesso
qualquer benefício e, no pior dos cenários, ca do Tribunal de Contas do Estado aos ges- Ocorre que o papel do Tribunal de Contas no universal às ações e serviços da saúde seja
projetando-se supostamente a aplicação do tores públicos. Estado brasileiro vai muito além disso e cons- respeitado.
valor máximo da multa, terá um custo de R$ Considerando que a decisão do administra-
1.500,00 pelas irregularidades formais come- dor da coisa pública de não seguir as regras 27
No presente trabalho, cumpre destacar, não houve aprofundamento no sentido de averiguar e discorrer sobre qual seria
o valor ótimo para o incentivo desejado, limitando-se à análise da legislação atualmente vigente e à crítica dela decorrente.
tidas durante sua gestão fiscalizada. Nessas orçamentário-financeiras que regulamentam 28
ARAÚJO, Julio Cesar Manhães de. Controle da atividade administrativa pelo Tribunal de Contas na Constituição de
situações, novamente o maior incentivo que a atuação administrativa pode lhe proporcio- 1988. Curitiba: Juruá, 2010. p. 182. A fim de fundamentar seu entendimento, o pesquisador apresenta o seguinte raciocínio:
“Verificando a obediência na implementação dos referenciais ditados por este conglomerado normativo, desempenham os
o gestor público encontra, na legislação do nar benefícios muito superiores aos eventuais Tribunais de Contas, compreendidos em sua acepção lata, verdadeiros guardiões da defesa da democracia e dos direitos
fundamentais, porquanto é por meio desses diplomas legislativos que a implementação de políticas públicas e de programas
TCE-RS, a fim de obedecer à legislação ad- custos, parece inevitável a conclusão de que de Governo, que devem necessária e obrigatoriamente se fundar em preceitos constitucionais que introduziram a pessoa
ministrativa é não ter o custo de valor um não há o incentivo legal necessário aos gesto- humana como elemento central da atuação do Estado, impondo-lhe o dever de conduzir sua atuação no sentido de afirmação
e reafirmação desse ideário dogmático plasmado na Constituição de 1988, que se afirma e se pavimenta o caminho de um país,
pouco maior do que a soma de dois salários res visando ao cumprimento das normas. rumo à obtenção de melhores condições de vida para todos os cidadãos.
Considerando-se que o Estado tem a missão de respeitar e manifestar-se por ações na proteção dos Direitos Fundamentais, e
mínimos26. Mesmo nos casos em que ele não obtiver que para o atendimento a estes, é imprescindível o manejo de recursos auferidos na sociedade, para que sejam direcionados a
Ocorre que o descumprimento da legislação benefício próprio e direto decorrente do des- atender tudo o que a Constituição entendeu ser mister estatal promover e assegurar. Aqui entram as despesas e investimentos
destinados à promoção e defesa dos direitos humanos, bem como aos direitos sociais, políticas de assistência social, educação,
apenas do ponto de vista formal, ainda que cumprimento da norma, sua tomada de deci- saúde, seguridade social.
E pelo controle da execução orçamentária, financeira, contábil e patrimonial se emprega um sistema de ferramentas de controle
não cause dano imediato ao erário, permite são pode gerar benefício a terceiros (situação a serem esgrimidas pelos Tribunais de Contas, em ordem a garantir a plena realização dos direitos fundamentais.”
29
Artigos intitulados de “A Lei Anticorrupção e os Tribunais de Contas” e “Corrupção: o papel dos controles externos -
Salário mínimo em 2014 equivalente a R$ 724,00. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/sal_min/. Acesso em: 20 jul. 2014.
26 transparência e controle social. Uma análise de direito e economia.”
118 119
ESTUDOS
ESTUDOS
3.4. A Teoria Econômica do Crime e da al incremento nos “custos” de se praticar um crime de séries de tempo da Inglaterra e do País A probabilidade de que os agentes públicos fiscali-
Pena e sua Aplicação Analógica à Multa funciona como desincentivo à sua prática. de Gales durante o período de 1894 a zados pelos Tribunais de Contas sejam sancionados
A MULTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
6
nomia já produziu, principalmente nos Estados Assim, a hipótese de dissuasão referente a esse Dissuasivos e In- maior será a probabilida-
Unidos da América, importantes estudos sobre ponto sustenta que o aumento da pena espera- capacitantes para condenação e maiores de de sanção, o que signi-
os crimes e as penas, cujas conclusões servem de da e a diminuição da expectativa de impunidade avaliar os diversos ficará, igualmente, maior
subsídio, analogicamente, para o presente traba- causariam uma redução significativa da crimina- estudos acadêmi- níveis de penalização crença do gestor público
lho. É certo que as atividades desenvolvidas pelos lidade - hipótese que foi confirmada por diversos cos sobre a dis- causavam menores de que, ao cometer uma
Tribunais de Contas não estão inseridas no cam- estudos empíricos, consoante se verifica no rela- suasão. O painel irregularidade, será des-
po de estudo do Direito Penal; não obstante, é to de Cooter e Ulen (2010)32: concluiu que ‘as índices de evasão...” coberto e sancionado.
evidente que, em termos comparativos, pode-se evidências com Assim, maior também
considerar que os “crimes”, no âmbito do con- (...) Primeiro, o famoso estudo de Isaac certeza apoiam a proposição de apoiar a será seu cuidado em não cometer qualquer equí-
trole externo, correspondem às “ilegalidades/ Ehrlich utilizou dados sobre roubos em dissuasão mais do que apoiam a ideia da voco frente à gestão da coisa pública.
irregularidades” cometidas pelos agentes fisca- todo os Estados Unidos em 1940, 1950 e ausência de dissuasão’. O professor Cesar Santolim (2012), em um de
lizados e as “penas” aos criminosos equivalem 1960 para estimar a hipótese da dissua- seus trabalhos envolvendo os Tribunais de Con-
às “sanções” impostas pelas Cortes de Contas. são, concluindo que, quando todas as ou- Com efeito, a mesma lógica contida na teoria tas e lições de Direito e Economia33, discorreu
Nesse sentido, a principal contribuição acadê- tras variáveis são constantes, quanto maior econômica da decisão de cometer um crime sobre a relação da eficiência dos mecanismos
mica sobre abordagem econômica na Crimino- a probabilidade de condenação por roubo, aplica-se, naturalmente, às situações relaciona- de controle externo da Administração Pública e
logia foi produzida pelo professor Gary Becker, menor o índice de roubos. Segundo, Al- das à atuação do Tribunal de Contas no exercí- a diminuição da corrupção, raciocínio que tam-
em 1968, com a obra “Crime and Punishment: fredo Blumstein e Daniel Nagin estudaram cio de sua função sancionatória: o acréscimo de bém serve ao presente trabalho apenas com a
an Economic Approach”30. Na premiada obra31, a relação entre evasão da conscrição mili- “custos” para a prática de uma infringência legal ressalva de que este trata, especialmente, de
Becker desenvolveu o modelo em que os partici- tar e a punição pela evasão nas décadas servirá como desincentivo à sua ocorrência. Em irregularidades cometidas pelo gestor público
pantes de uma atividade criminosa comportam- de 1960 e 1970. Sua conclusão foi que outras palavras, quanto maior for o valor da san- (independentemente se oriundas de um ato de
-se como “calculadores racionais” e, nessa con- maiores probabilidades de condenação e ção a ser aplicada aos gestores públicos e maior corrupção ou não). Santolim (2012) ensina que:
dição, tomam suas decisões baseados em uma maiores níveis de penalização causavam for a probabilidade de que sejam punidos, maior
comparação entre custos e benefícios. De tal lógica menores índices de evasão. Terceiro, um será o incentivo para que respeitem a legislação (...) os mecanismos de controle externo da
decorre justamente a conclusão de que um eventu- estudo de Kenneth Wolpin utilizou dados atinente à administração pública. Consequente- Administração Pública desempenham um
mente, menor será a ocorrência de irregularida- papel fundamental no combate à corrup-
30
BECKER Gary S. Crime and punishment: an economic approach. Journal of Political Economy, v. 76, n. 2, p. 169-217, mar./
apr. 1968, apud SANTOLIM, Cesar. A Lei Anticorrupção e os Tribunais de Contas. In: LIMA, Luiz Henrique. Tribunais de Contas: des na atuação administrativa. ção, pois que a maior ou menor eficiência
temas polêmicos na visão de ministros e conselheiros substitutos. Belo Horizonte: Fórum, 2014.
31
A obra foi agraciada com o “Nobel de Economia” (Prêmio de Ciências Econômicas em memória de Alfred Nobel), em 1992.
32
COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e Economia. Tradução: Luis Marcos Sander, Francisco Araújo da Costa. 5. ed. Porto 33
SANTOLIM, Cesar. Corrupção: o papel dos controles externos: transparência e controle social: uma análise de direito e
Alegre: Bookman, 2010. p. 503-04. economia. Cadernos do programa de pós-graduação em direito, UFGRS, v. 7, n. 1, p. 1-12, set. 2012.
120 121
ESTUDOS
ESTUDOS
destes mecanismos será fator determinan- acima transcrito vai ao encontro do que se está
CONSIDERAÇÕES FINAIS
te (embora não o único) para que os níveis abordando no presente estudo.
A MULTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
6
efetividade da fiscalização dos Tribunais de Con- Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul para de preocupação da sociedade: a má qualidade dos serviços públicos e a
tas com o aumento de custos para os agentes dissuadir os gestores públicos de cometerem corrupção política em geral.
econômicos envolvidos com a corrupção, o que irregularidades praticamente inexistem. Como Dentro desse contexto, não é difícil perceber a importância da atuação dos
afetaria sua decisão sobre a prática ou não de visto, a multa legal a ser aplicada pela Instituição Tribunais de Contas, sendo imperioso ao Estado brasileiro proporcionar
atos lesivos, in verbis: responsável pelo exercício do controle externo ferramentas adequadas e suficientes para as Cortes de Contas exercerem
gaúcho limita-se a R$ 1.500,00, não havendo sua função de controle.
Na medida em que os Tribunais de Con- previsão legal de multa proporcional ao dano Nesse cenário, a disciplina de Direito e Economia, em sua epistemologia
tas forem, eles próprios, capazes de, pela causado ao erário, tampouco individualização Positiva, contribui para revelar caminhos normativos (e seus respectivos
efetividade da fiscalização, impor aos das condutas, comissivas ou omissivas, infringen- efeitos) que podem ser escolhidos pelo legislador, dependendo do
gestores uma atuação eficiente e eficaz tes à legislação e suas respectivas penalizações. resultado que se pretende atingir relacionado à atuação dos Tribunais
na aplicação da “Lei Anticorrupção”, a Dessa forma, caberia ao Parlamento do Rio Gran- de Contas.
atividade de corrupção tende a tornar-se de do Sul perceber que a norma que atualmente No caso do presente trabalho, analisou-se a relação existente entre a
mais “custosa” (sob a perspectiva antes regulamenta a multa aplicável pelo TCE-RS aos função sancionatória exercida pela Corte de Contas e o incentivo à correta
apontada), fazendo com que os agentes gestores públicos do estado e dos municípios
gestão pública, tratando-se pormenorizadamente do caso do Tribunal de
econômicos envolvidos, necessariamente, gaúchos não gera o incentivo necessário e sufi-
Contas gaúcho. Com base em princípios da microeconomia, demonstrou-
a partir de um comportamento racional, ciente para a correta atuação dos administrado-
se que a multa aplicada pelo TCE-RS poderia, em tese, funcionar como
tenham que computar a probabilidade de res públicos. Consequentemente, e percebendo
incentivo para que os gestores dos órgãos públicos gaúchos cumpram a
sofrerem sanções, assim como estimem a que a regra legal mencionada prejudica a socie-
legislação regulamentadora da administração pública. Todavia, devido ao
extensão destes possíveis efeitos, o que dade gaúcha – na medida em que não estimula,
seu valor irrisório, o efeito dissuasório aos gestores, no sentido de serem
afetará a decisão sobre a realização ou não adequadamente, a realização de atos voltados à
incentivados a não cometerem irregularidades, praticamente inexiste.
dos atos lesivos. boa gestão pública –, competiria à Assembleia
Na parte final do trabalho, abordaram-se teorias econômicas desenvolvidas
Legislativa promover a alteração legislativa que
Da mesma forma, a essência do raciocínio de- buscasse incentivar a concretização do direito acerca do comportamento de criminosos e, analogicamente, aplicaram-se
senvolvido pelo professor Santolim no trecho fundamental à boa administração pública36. alguns de seus conceitos às situações de atuação do controle externo
pelo Tribunal de Contas. Tais teorias afirmam, a partir de conclusões de
estudos empíricos, que a severidade e a probabilidade das penalizações
34
SANTOLIM, Cesar. Corrupção: o papel dos controles externos: transparência e controle social: uma análise de direito e
economia. Cadernos do programa de pós-graduação em direito, v. 7, n. 1, p. 3, set. 2012. influenciam nos níveis de criminalidade, em relação inversamente
35
Quanto à efetividade da execução das sanções impostas pelo Tribunal de Contas, cabe referir que, em relação à multa, foram
pagos de 63% a 73% do seu valor total, no período de 2009 a 2013 – conforme se verifica em informação prestada pelo proporcional: quanto maior a severidade e a probabilidade das penas,
próprio TCE-RS à reportagem do jorna Zero Hora. Disponível em: http://m.zerohora.com.br/noticia/4517852/governo-federal-
deixa-de-recolher-r-57-5-bi-em-multas-em-5-anos. Acesso em: 20 jul. 2014.
menor a quantidade de crimes.
36
No ponto, utiliza-se a ideia de “Direito Fundamental à Boa Administração Pública” formulada pelo professor Juarez Freitas.
122 123
ESTUDOS
ESTUDOS
6
relativamente à aplicação de multa pelo Tribunal de Contas Estadual, brasileiro e o da União Europeia. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
elevando seu valor a um nível que realmente dissuada os gestores de
cometerem irregularidades. BECKER Gary S. Crime and punishment: an economic approach. Journal of
Political Economy, v. 76, n. 2, p. 169-217, mar./apr. 1968.
124 125
ESTUDOS
ESTUDOS
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Editora Revista dos Tribunais, 2013.
126 127
ESTUDOS
ESTUDOS
7
RESUMO: O conceito de avaliação evoluiu aceleradamente nas duas
últimas décadas e a prática da avaliação não tem acompanhado
esse avanço, o que tem gerado distorções de métodos e resultados.
Nesse sentido, a capacitação do profissional no que se refere aos
padrões da verdadeira avaliação em termos de utilidade, viabilidade,
ética, precisão e prestação de contas (accountability) é crucial e
urgente para que a avaliação cumpra o seu propósito de promover
a transformação, na medida em que ela adentra o mérito, a
relevância ou impacto e a importância de seu objeto de atenção.
Na formulação dos juízos de valor, o processo avaliativo terá que
adentrar no mérito de seu objeto enquanto valor interno, e mais
amplamente descobrir sua relevância ou impacto, enquanto é útil
nos seus resultados, repercussões e impactos. É também necessário
levar em consideração a importância do objeto em questão. Assim,
AVANÇOS DA
ela reforça sucessos em vez de meramente fracassos.
AVALIAÇÃO NO
creating distortions in methods and results. Thus, the importance to prepare
avaliação, professionals for a true evaluation in terms of utility, feasibility, propriety,
mérito, relevância, accuracy and accountability, guarantee that evaluation reaches its purpose
importância, padrões
in promoting transformation, while focusing the merit, relevance and
de qualidade.
importance of its object of attention. In order to determine judgment the
SÉCULO XXI
KEYWORDS: evaluative process must consider the merit of its focus as an intern value, and
evaluation, more extensively detect its relevance while it is useful in its results or impacts.
merit, relevance, It is also necessary to consider the significance of the focused object. Thus, it
significance, standards enhances successes instead of failures.
128 129
ESTUDOS
ESTUDOS
INTRODUÇÃO CONTEXTUALIZANDO A
AVANÇOS DA AVALIAÇÃO NO SÉCULO XXI
7
condições de serem ouvidos e compartilharem suas aspirações. Contudo, a ênfase na direção
positiva na Avaliação Apreciativa não elimina a percepção dos aspectos negativos, apenas ressalta
Numa segunda geração, a busca por um
entendimento mais completo da avaliação, não
de ver apenas na
os positivos, para fortalecer a capacidade de admitir falhas e a iniciativa de resolvê-las. O fator
crucial é assegurar a autoestima para realizar o salto da transformação e do aperfeiçoamento
só dos indivíduos, no caso o aluno, mas de um superfície mais
contexto maior, como o currículo, no qual os
contínuo. objetivos tinham um papel preponderante, o palpável...”
1
GUBA, E. G.; LINCOLN, Y. S. Fourth generation evaluation. Newbury Park, CA: Sage Publications, 1989 conceito de avaliação se prendia à verificação do
2
PRESKILL, H.; CATSAMBAS, T. T. Reframing evaluation through appreciative inquiry. Thousand Oaks, USA: Sage
Publications, 2006.
alcance de objetivos. O papel do avaliador era
essencialmente descritivo enquanto analisava, refere a resultados, impactos ou repercussões.
extensiva e unicamente, a relação do desempenho Esta geração, intensamente vivida nos anos
dos alunos e dos programas com os objetivos 60, 70 e 80, marcava o avaliador como juiz e se
traçados. Era, portanto, uma geração que se caracterizava como julgamento. Entrando pela
caracterizava como descritiva. Esse enfoque década de 90, a quarta geração de avaliação
conceitual perdurou por três décadas. revelava uma abordagem conceitual mais
A terceira geração, já nos anos 60, surgiu em madura, mais democrática e mais participativa,
decorrência das limitações percebidas na gera- uma vez que tanto os juízos de valor como
ção anterior, principalmente no que se referia à todo o processo avaliativo eram impregnados
excessiva dependência dos objetivos, os quais pelo diálogo, permeados pela discussão e pelo
nem sempre eram claros e definidos ou, até intercâmbio. A avaliação deveria captar, numa
mesmo, nem sempre explicitados a priori. Nes- dimensão mais ampla, os aspectos humanos,
se clima, manifestou-se a necessidade do juízo políticos, sociais, culturais e éticos, envolvidos
de valor como elemento essencial e imprescin- no processo e, num consenso entre juízes
dível no processo avaliativo. Vários modelos interessados no processo, expressar os juízos
de avaliação foram sendo construídos, sempre de valor. É a forma responsiva de enfocar e
com a preocupação de se contextualizar o ob- um modo construtivista de fazer. É por esse
jeto da avaliação e sobre ele emitir um juízo movimento dialógico que a quarta geração se
de mérito, no que se refere às suas qualidades caracterizou como negociação. E foi assim que
intrínsecas, e um juízo de relevância, no que se a avaliação entrou no século XXI.
130 131
ESTUDOS
ESTUDOS
7
Os avanços mais recentes da avaliação
evidenciam sua substancial mudança para um
de nossa experiência de vida sempre que faze-
mos a apreciação de fatos, objetos, situações
resultados, efeitos, al- que fazemos a são clama pelo desafio
cance dos propósitos em porque as aceleradas ino-
novo paradigma, no qual somos avaliados e ou comportamentos. Nesse sentido, trazendo
relação ao objeto sendo apreciação de vações teórico-metodoló-
avaliadores, trabalhando em parceria. Assim, agora a definição do dicionário, diz-se que
a avaliação deixa de ser evento para ser avaliar é “determinar a valia ou o valor de”.
avaliado, bem como ao
contexto onde o objeto
fatos, objetos, gicas na avaliação, como
disciplina, estão em des-
processo; troca o medo pela coragem, substitui Aqui, porém, sem o afastamento essencial
notas numéricas pelo registro de anotações, a dessa definição, buscou-se a palavra dos pro-
se insere. Um programa, situações ou compasso com a prática
curso ou sistema é rele- da avaliação que, lamen-
imposição pela negociação, o autoritarismo pela
participação, a atitude secreta pela transparência,
fissionais, para se utilizar uma definição mais
completa e adequada do termo, entendendo
vante ou tem impacto comportamentos.” tavelmente, salvo algu-
quando evidencia resul- mas exceções, se perde
o arbitrário pelo criterioso e o classificatório também que entre esses avaliadores, embora
tados e repercussões, ou na contramão da trajetó-
pelo ser promocional (Worthen & Sanders, exista uma certa variação no nível de explicita-
seja, quando revela mudanças e transforma- ria ascensional das grandes tendências que os
1987)3. Nessa concepção, não há espaço ção dos termos da definição, não há distorção
ções. Importância, por sua vez, diz respeito estudiosos apontam nesses 100 anos de his-
para discriminações, pressões manipulativas, de seu significado essencial. Dentre essas defi-
ao significado do objeto de avaliação, no seu tória da avaliação, desde a simples mensura-
competições e rotulações. Ao contrário, o nições se destacam a do The Joint Committee
contexto, seja ele pessoa, político, literário, ção à negociação de juízos de valor, critérios,
processo avaliativo deve servir para consolidar (1994)4 e a de Yarbrought et al.(2011)5 que se
acadêmico, social, científico, educacional, procedimentos e resultados. Autores como
entendimentos, apoiar necessárias atuações e expressam como “julgar o valor ou o mérito
profissional e intelectual, entre outros. Guba e Lincoln9, Patton10, Stufflebeam11, Fet-
ampliar comprometimento e aperfeiçoamento de alguma coisa”; a de Worthen, Sanders, Fit-
A avaliação é, pois, um desafio na direção terman12, Cronbach13, Worthen, Sanders e
de indivíduos, grupos, projetos, programas, zpatrick (2004)6 como “o processo pelo qual
do mérito e da relevância ou impacto e, para Fitzpatrick14 sustentam esses avanços.
instituições e sistemas, enquanto permite a se aplica critérios defensáveis para determinar
formulação de juízos e recomendações, que o mérito e a relevância de um objeto” e a de 7
SCRIVEN, Michael. Evaluation thesaurus. 4. ed. Newbury Park, CA: Sage Publications,1991
geram ações, políticas e conhecimento. Scriven (1991/2018)7 como “o processo de de- SCRIVEN, M. Avaliação: um guia de conceitos. Tradução: Marília Sette Câmara. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2018.
8
FIRME, T. Penna; TIJIBOY, J. A.; STONE, V.I. Avaliação de programas sociais: como enfocar e como pôr em prática. Belo
A definição de avaliação emerge naturalmente terminação do mérito, do valor e da importân- Horizonte: Modus Faciendi, 2007. (no prelo).
9
GUBA, Egon G.; LINCOLN, Yvonna S. Fourth generation evaluation. Newbury Park, CA: Sage Publications, 1989.
10
PATTON, Michael Q. Utilization focused evaluation: the new century text. 3. ed. Thousand Oaks, USA: Sage Publications, 1997
3
WORTHEN, B. R.; SANDERS, J. Educational Evaluation. theory and practice. Belmont. California: Wadsworth, 1987. 11
STUFFLEBEAM, Daniel L.; MADAUS, George F; KELLAGHAN, Thomas. Evaluation models. Boston, USA: Kluwer Academic
4
SANDERS, James R. (ed.). The Program Evaluation Standards: how to assess evaluations of educational programs. 2. ed. Publishers, 2000.
Thousand Oaks, USA: Sage Publications, 1994. (The Joint Committee on Standards for Educational Evaluation) 12
FETTERMAN, David. Foundations of empowerment evaluation. Thousand Oaks, USA: Sage Publications, 2001
5
YARBROUGH, D. B.; SHULHA, L. M.; HOPSON, R. R; CARUTHERS, F. A. The Program Evaluation Standards. 3. ed. Thousand 13
CRONBACH, Lee. Designing Evaluations of Educational and Social Programs. San Francisco, California: Jossey-Bass, 1982
Oaks, USA: Sage Publications, 2011. 14
WORTHEN, Blaine R.; SANDERS, James R; FITZPATRICK, Jody L. Program evaluation: alternative approaches and practical
6
WORTHEN, B.R.; SANDERS, J. R.; FITZPATRICK, J. L. Avaliação de programas: concepções e práticas. São Paulo: Editora Gente, 2004. guidelines. 2. ed. New York: Longman, 1997.
132 133
ESTUDOS
ESTUDOS
7
considerar a característica precisão, no que
OS PADRÕES DE tange às dimensões técnicas do processo.
Mais recentemente, um novo critério ou
QUALIDADE DA standard emergiu. Trata-se da accountability,
AVALIAÇÃO termo traduzido como prestação de contas,
descreve, registra e interpreta a história singular de cada cenário.
referindo-se à responsabilidade demonstrada
Nessa concepção, que representa um enfoque mais amplo e amadurecido de avaliação,
O grande desafio nesta era contemporânea no uso de recursos, atividades ou decisões,
característico da década em que vivemos, são levados em consideração os valores, as
da informação não é a capacidade na realização da avaliação. Tais critérios de
preocupações e as percepções dos interessados em relação ao objeto da avaliação. É com
de produzir, armazenar ou transmitir excelência clamam, portanto, por avaliações
essa abordagem que a avaliação atinge um clímax de responsabilidade e de participação,
informações, mas sim reconhecer o que é sensíveis à responsabilidade situacional,
como facilitadora de um processo de fortalecimento do seu objeto de atenção. Nesse sentido,
importante saber e, de fato, utilizar essa metodologicamente flexíveis, dinâmicas no
ela intervém para reforçar potencialidades e sucessos, em vez de meramente registrar
informação 16.Nessa perspectiva, a questão entendimento político e substancialmente
dificuldades e fracassos.
crucial é descobrir o que é preciso fazer criativas para integrarem todas essas
No concerto dos vários atores e harmonizando a intersubjetividade na formulação dos juízos
para criar e desenvolver avaliações que dimensões, na direção do desenvolvimento
de valor, o processo avaliativo terá que adentrar o mérito de seu objeto enquanto valor
sejam realmente utilizadas para reduzir e do aperfeiçoamento de seu objeto, seja ele
interno, implícito e independente de quaisquer aplicações; e mais amplamente descobrir
incertezas, melhorar a efetividade e tomar um projeto, um programa, uma instituição,
sua relevância , enquanto é útil nos seus resultados, repercussões e impactos. É também
decisões relevantes. Por isso mesmo, a um sistema ou indivíduos. Cada avaliação
necessário levar em consideração a importância do processo em questão. A avaliação no
grande meta da avaliação é a ação. Seu deve, pois, revestir-se de características
significado mais amplo é, pois, um desafio e, para alcançá-lo, a criatividade e a sensibilidade,
significado maior está em fortalecer o próprias em sintonia com o contexto social,
a objetividade e a subjetividade estão presentes e atuantes, sempre que necessário, para
movimento que leva à transformação, nele político, cultural e educacional onde se
responder com propriedade às indagações e facilitar a ação de aperfeiçoamento.
intervindo sempre que necessário. realiza e de forma tal, que o avaliador
Lamentavelmente porém, a boa intenção de projetos e programas educacionais, sociais e
A preocupação dos estudiosos da área é essencialmente um historiado18, que
culturais não basta para sustentar seu desenvolvimento e, mais crítico ainda, seus resultados
15
GARDNER, Howard. Multiple intelligences: the theory in practice. New York, USA: Basic Books, 1995 mais relevantes. O campo é desafiador e clama por múltiplas inteligências, profunda
16
PATTON, Michael Q. Utilization focused evaluation: the new century text. 3. ed. Thousand Oaks, USA: Sage Publications,
1997.
sensibilidade e articulada comunicação entre os envolvidos nas complexas dimensões e
17
SANDERS, James R. (ed.). The Program Evaluation Standards: how to assess evaluations of educational programs. 2. ed. implicações, que são a marca mais contundente dos problemas sociais que agridem todos os
Thousand Oaks, USA: Sage Publications, 1994. (The Joint Committee on Standards for Educational Evaluation)
18
CRONBACH, Lee et al. Toward reform of program evaluation. San Francisco, USA: Jossey-Bass, 1980. níveis e espaços de uma sociedade. E a nossa não está isenta.
134 135
ESTUDOS
ESTUDOS
7
da autoestima eleva o nível de aprendizagem e de competência
seja o fator por excelência na garantia da autenticidade da avaliação. Sem esgotar a menção
profissional. Ao contrário, pessoas tendem a não atuar bem quando
de outras importantes concepções de avaliação no contexto de programas e projetos, a
se espera menos delas.
abordagem naturalística, sem perder a conjugação com métodos convencionais, parte das
É necessário, portanto, descobrir meios efetivos de levantar a
preocupações e dos temas de conflito de todos os envolvidos no objeto-alvo da avaliação,
autoestima dos profissionais, dos alunos, de todos os atores envolvidos
para a construção do próprio processo avaliativo.
no processo educativo e das organizações, simultaneamente tornando
SCRIVEN, Michael. Evaluation thesaurus. 4. ed. Newbury Park, CA: Sage Publications,1991.
19 públicos os sucessos alcançados, o que, por certo, vai resultar em
FETTERMAN, David. Foundations of empowerment evaluation. Thousand Oaks, USA: Sage Publications, 2001. contínuo aperfeiçoamento. E, mais ainda, quanto mais elevada for
20
MERTENS, D. M. The inclusive view of evaluation: visions for the new millennium. In: DONALDSOM, S. I; SCRIVEN, M.
21
Evaluating social programs and problems: visions for the new millennium. New Jersey, USA: Lawrence Eribaum Associates a autoestima de um indivíduo, mais positivos são seus sentimentos
Publishers, 2003.
em relação a outros indivíduos e, mais positivamente, ele é capaz
de perceber os sentimentos de outros a seu respeito. A avaliação
apreciativa, nesse contexto tradicional e conservador da avaliação, é
um desafio. É desfazer o bloqueio da decepção e da desesperança e
abrir caminhos de crescimento individual e social.
É preciso levar conosco o que foi deixado de lado, excluído, abandonado,
e então resgatá-lo. É necessário incluir, apreciar e sobretudo amar, antes
de ensinar e de formar. Avaliação é isso.
136 137
ESTUDOS
ESTUDOS
REFERÊNCIAS Evaluation)
AVANÇOS DA AVALIAÇÃO NO SÉCULO XXI
CRONBACH, Lee. Designing Evaluations of Educational and Social Programs. SCRIVEN, Michael. Evaluation thesaurus. 4. ed. Newbury Park, CA: Sage
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