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Autores:
Daniel Soares Freire
Endocrinologista pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP;
Médico Colaborador do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Sharon Nina Admoni
Especialista em Endocrinologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Última revisão: 19/01/2009
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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES
Hirsutismo é o crescimento excessivo de pêlos terminais (grossos, longos e pigmentados) em regiões dependentes de
andrógeno do corpo feminino, como face, tórax, abdome, face interna da coxa, períneo e regiões sacral e glútea.
Virilização decorre da exposição a níveis mais altos de hormônios androgênicos e inclui outras manifestações além do
hirsutismo: calvície temporal, engrossamento da voz, diminuição do tecido mamário, aumento de massa muscular, perda de contornos
femininos e aumento clitoridiano.
É importante salientar que a definição de hirsutismo deve considerar a raça e a etnia do paciente. A maioria das mulheres
asiáticas e americanas tem pouco pêlo, enquanto que as mulheres de ascendência mediterrânea têm uma maior quantidade de pêlos –
sem que isso represente diferente concentração de andrógenos entre elas.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
Para a melhor compreensão do hirsutismo e suas causas, uma rápida revisão sobre a origem dos hormônios
androgênicos será realizada.
Os dois principais andrógenos naturais são a testosterona e a di-hidro-testosterona (DHT). O aumento dos níveis destes
hormônios leva ao quadro clínico de hirsutismo ou virilização, a depender das concentrações atingidas. A DHT é sintetizada a partir da
testosterona, por ação da enzima 5-alfa-redutase. Sua potência androgênica é muito superior à da testosterona e ela não pode sofrer
aromatização nos tecidos periféricos.
Na mulher, a testosterona é produzida por dois mecanismos:
1/3 diretamente pelo ovário;
2/3 indiretamente pela pele e tecido adiposo, a partir da conversão da androstenediona catalisada pela enzima 17-beta-
hidroxiesteróide-desidrogenase (17ß-HSD).
Figura 1: Vias de produção de testosterona na mulher
Progesterona Deve ser colhida entre o 21º e o 23º dia do ciclo; valor acima de 7 ng/mL indica ovulação
LH/FSH Relação LH/FSH = 2 é sugestiva de SOPC, mas a sensibilidade e a especificidade são baixas
Exames de imagem
US transvaginal Exame de escolha para avaliação de SOPC e para afastar tumor ovariano
TC de abdome Para diagnóstico de tumor adrenal.
* de acordo com a escala de Ferriman & Gallwey:
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Há duas condições onde há um aumento de pêlos que não representam hirsutismo:
1. Crescimento de pêlos androgênio-independentes, conhecidos como lanugo em crianças. São os chamados pêlos
velares – finos, macios, curtos e não pigmentados – e ocorrem em qualquer região do corpo.
2. Hipertricose: ocorre um crescimento excessivo de pêlos em áreas onde ocorrem normalmente na mulher: antebraços,
coxas, pernas, axilas e triângulo púbico inferior. Pode ser causado por drogas (fenitoína, penicilamina, diazóxido, minoxidil
e ciclosporina), doenças sistêmicas (hipotireoidismo, anorexia nervosa, desnutrição, porfiria, dermatomiosite) e algumas
síndromes paraneoplásicas.
TRATAMENTO
A terapia para o hirsutismo deve inicialmente ser direcionada para a causa de base. Assim, síndrome de Cushing,
hiperprolactinemia, acromegalia e outras endocrinopatias que podem cursar com hirsutismo devem ter seu tratamento específico
realizado, o qual não será abordado neste capítulo.
Será dado um enfoque maior na terapêutica de SOPC e HI, por serem as principais causas de hirsutismo, com uma passagem
rápida pelo tratamento da forma não-clássica da hiperplasia adrenal congênita. Vale lembrar que o tratamento dos Tumores adrenais ou
ovarianos produtores de andrógenos é primariamente cirúrgico.
Qualquer que seja a causa do hirsutismo, no início do tratamento é importante esclarecer à paciente que a resposta clínica não
costuma ocorrer antes de 6 meses. Isso se deve ao tempo médio de crescimento do pêlo, que é de 3 a 6 meses. Tendo-se em vista que a
escala de avaliação utilizada – de Ferriman & Gallwey – é bastante subjetiva, com grande variabilidade interexaminador ou mesmo intra-
examinador, uma opção interessante para o seguimento do tratamento é o registro de sua evolução por meio de fotografias.
Outra questão importante a ser esclarecida à paciente é que, uma vez havendo resposta ao tratamento farmacológico, este deve
ser mantido por tempo indeterminado. A descontinuação geralmente resulta em retorno dos sintomas, devendo, porém, sempre ser
suspenso durante a gestação.
Dentre as opções terapêuticas, pode-se dividir o tratamento em farmacológico e não-farmacológico.
Tratamento Farmacológico
O objetivo é suprimir a produção androgênica, bloquear os receptores androgênicos ou diminuir a conversão de testosterona em
DHT por meio da inibição da 5-alfa-redutase.
Supressão Hormonal
Anticoncepção oral (ACO)
O uso de ACO é uma ótima opção terapêutica para pacientes com acne ou irregularidade menstrual, porém para o hirsutismo,
usado isoladamente, não é o tratamento mais eficaz. São considerados tratamento de primeira linha e diminuem o crescimento de pêlos
em mulheres hiperandrogênicas em 60 a 100%. Seu mecanismo de ação se deve a:
inibição da secreção de LH e, assim, da produção ovariana LH-dependente (por meio do componente progestagênico);
estímulo da produção hepática de SHBG devido ao efeito estrogênico do ACO, levando a uma menor concentração sérica
de testosterona livre e de outros andrógenos ligados a SHBG;
inibição da secreção adrenal de andrógenos – provavelmente via retro-alimentação negativa pelo receptor de
glicocorticóide;
o ACO ideal deve ter estrógenos em maior quantidade, progestogênios de menor atividade androgênica (gestodeno ou
desogestrel) ou com atividade anti-androgênica (acetato de ciproterona). Os progestogênios derivados de 19-noresteróides
(levonorgestrel) devem ser evitados pelo seu efeito androgênico. Alguns exemplos de ACO que preenchem essas
características: Diane 35® ou Selena® (35 mcg de etinilestradiol + 2 mg de ciproterona); Microdiol® (30 mcg de
etinilestradiol + 0,15 mg de desogestrel); Gynera® ou Minullet® (30 mcg de etinilestradiol e 0,075 mg de gestodeno).
Agonistas do GnRH
A administração do agonista de GnRH, como acetato de leuprolide, age na inibição da produção ovariana de andrógenos por
meio da supressão da secreção hipofisária de gonadotropinas. Isso leva a uma diminuição nos níveis circulantes de testosterona e
androstenediona, sem ação nos androgênios adrenais.
Devido ao importante efeito antiestrogênico causado por esta medicação e devido ao rápido reaparecimento dos sintomas de
hirsutismo após a sua suspensão, é aconselhada a associação com ACO. Além da reposição estrogênica, o uso do ACO após a
suspensão do agonista de GnRH diminui a rápida recorrência do hirsutismo.
Tendo em vista o alto custo dos agonistas de GnRH, sua indicação reserva-se a pacientes que apresentaram falha terapêutica
com ACO e anti-androgênicos.
Glicocorticóides
O hirsutismo secundário à forma não-clássica da hiperplasia adrenal congênita apresenta uma boa resposta a baixas doses de
glicocorticóides – como prednisona 5 mg ou dexametasona 0,25 mg em dias alternados. Porém, mesmo nessas mulheres, a terapia anti-
androgênica tradicional deve permanecer como primeira escolha, pois apresenta uma boa resposta, com a vantagem de não apresentar
os efeitos colaterais indesejados da terapia prolongada com glicocorticóides, que, nestes casos, deve ficar restrita a pacientes que
desejam engravidar.
Cetoconazol
O cetoconazol é um antimicótico com ação de inibição da esteroidogênese ovariana e adrenal, por meio de inibição enzimática.
Seu uso no tratamento do hirsutismo é eficaz, porém, devido aos seus efeitos colaterais (náuseas e dispepsia) e ao risco de
hepatotoxicidade, não tem sido recomendado.
Anti-androgênicos
Antiandrogênicos representam um tratamento efetivo em mulheres com hirsutismo. Devido ao seu potencial efeito teratogênico
(feminilização de fetos masculinos), seu uso em mulheres em idade fértil deve sempre ser realizado em associação com ACO. A
associação entre um androgênico com ACO costuma ser mais efetiva no tratamento do hirsutismo do que o uso isolado destes.
Espironolactona
A espironolactona inibe a ligação da testosterona ao seu receptor, inibindo assim a ação da testosterona. Além disso, também
diminui a produção ovariana de testosterona e aumenta seu metabolismo hepático, aumentado assim o seu clearance.
Aparentemente, a droga é efetiva em 60 a 70% das mulheres com hirsutismo, chegando a 95% em determinados estudos. Um
efeito colateral relativamente freqüente é polimenorréia e sangramentos no meio do ciclo, o que é evitado adicionando-se um ACO ao
tratamento. A dose utilizada é de 50 a 200 mg/dia.
Flutamida
A flutamida é um anti-androgênico não-esteroidal, que age diretamente no receptor de andrógenos, resultando em inibição do
crescimento do pêlo.
Diversos estudos mostraram eficácia comparável aos outros antiandrógenos no tratamento do hirsutismo, quando administrada
em doses inferiores ao utilizado no tratamento do carcinoma de próstata (125 a 250 mg/dia). Contudo, mesmo nestas doses, há relatos de
hepatotoxicidade grave, com risco de hepatite fulminante e necessidade de transplante hepático.
A Unidade de Farmacovigilância da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou um alerta em outubro de 2004
posicionando-se contra a prescrição da flutamida para o tratamento do hirsutismo e reservando o seu uso somente para o tratamento de
câncer de próstata.
Acetato de ciproterona
O acetato de ciproterona é um progestagênico com ação anti-androgênica moderada e glicocorticóide fraca, efetivo no
tratamento do hirsutismo quando usado isoladamente ou em associação com contraceptivos. Pode ser usado em baixas doses, fazendo
parte de um anticoncepcional oral (Diane 35 ® - 2 mg de ciproterona + 35 mcg de etinilestradiol) ou em doses mais elevadas, em
associação a um ACO (25 a 50 mg nos primeiros 10 dias do ciclo). A eficácia é comparável a de outros antiandrógenos, e o seu uso, em
doses mais altas, pode cursar com ganho de peso e edema (devido ao efeito glicocorticóide). Hepatotoxicidade é rara, mas a
possibilidade da sua ocorrência impõe a necessidade de dosar enzimas hepáticas durante o seguimento.
Finasterida
A finasterida é um potente inibidor da 5-alfa-redutase, a enzima responsável pela conversão periférica de testosterona em seu
metabólito ativo, a DHT. É considerada tão eficaz quanto à espironolactona (na dose de 100 mg/dia). Sua ação no tratamento do
hirsutismo, tal como a espironolactona, é potencializada pela associação com ACO.
A dose diária recomendada é de 5 mg/dia, e seus efeitos colaterais são mínimos.
Tratamento Não-farmacológico
Perda de Peso
A diminuição do peso tem efeito importante tanto no tratamento do hirsutismo quanto de suas co-morbidades associadas. Sabe-
se que a resistência à insulina, que tem uma importante correlação com a obesidade visceral, promove um estado de hiperinsulinemia.
Esse excesso de insulina provoca hiperandrogenemia por meio da potencialização do efeito do LH sobre as células da teca.
Além disso, a insulina também promove uma diminuição da SHBG circulante, aumentado assim os níveis séricos da testosterona
livre.
Uma redução de apenas 5 a 10% do peso pode ser efetiva tanto na regularização menstrual (observada em até 80 a 90% das
pacientes) quanto na diminuição do hirsutismo.
Tratamento Cosmético
O tratamento cosmético é muito eficaz, pode ser usado em associação ao tratamento farmacológico e normalmente já foi
utilizado quando a paciente procura auxílio médico.
Métodos não-definitivos: raspagem, depilação, branqueamento ou descoloração dos pêlos.
Métodos definitivos: eletrólise, laser.
Outros: hidrocloreto de eflornitina (Vaniqa®), aprovado recentemente pelo FDA, é um creme que inibe o crescimento de
pêlos.
Tratamento de Condições Associadas
Prevenção de hiperplasia endometrial
O estado anovulatório aumenta o risco de câncer de endométrio, sendo que a maioria das mulheres que o apresentam antes dos
40 anos tem diagnóstico de SOPC. Como prevenção, o endométrio deve ser estimulado com progesterona a se diferenciar.
Infertilidade
Pacientes com SOPC podem ter sua ovulação estimulada pela administração de clomifeno. No fracasso deste, pode-se usar
gonadotropinas isoladas ou em associação com agonistas de GnRH.
Controle de risco cardiovascular
Metformina é agente sensibilizador de insulina de escolha no tratamento da SOPC. A dose deve ser iniciada com 500 mg no
jantar, com aumento da dose até o máximo de 2.550 mg/dia, divididos em 2 a 3 tomadas. Reduzindo a resistência insulínica, consegue-se
diminuir a hiperinsulinemia, promover perda de peso e causar redução dos níveis de testosterona total e livre e aumento da SHBG.
As tiazolinedionas já foram avaliadas no tratamento da SOPC, embora a maioria dos estudos com essa classe de drogas tenha
sido feita com a troglitazona, que foi retirada do mercado devido aos seus efeitos hepatotóxicos graves. Nesses estudos, foi mostrado um
aumento na ovulação de 62% após 4 meses de tratamento na dose de 600 mg/dia. Problemas recentes com as drogas desta classe
(morbidade cardiovascular, redução de massa óssea), associados ao maior custo, as coloca como agente sensibilizador de segunda
opção.
ALGORITMO FINAL E CONCLUSÕES
Na maior parte dos casos, o hirsutismo, principalmente quando leve e de longa duração, não representa risco para a vida da
paciente, embora mereça ser tratado pelos aspectos psicológicos e sócio-afetivos.
Por outro lado, a presença de virilização merece atenção especial, pois pode representar doenças graves e potencialmente
letais.
O Algoritmo 4 ilustra a abordagem diagnóstica dos casos de hirsutismo e virilização.
Algoritmo 4: Abordagem diagnóstica dos casos de hirsutismo e virilização
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