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I.

Introdução
Angola viveu um longo período de guerra que teve o seu culminar em 2002 com a
assinatura do Memorando de Entendimento entre as partes em conflito. Para os milhares
de angolanos que durante todos estes anos viveram este martírio, depois de 4 de Abril
nada deveria ser como antes porque a Paz veio para ficar, apresentando-se para todos o
grande desafio da reconstrução nacional, da caminhada para um exercício democrático
mais inclusivo.

Transcorridos três anos desde a assinatura do cessar-fogo e a sociedade ainda não


encontro a estabilidade sonhada. O longo período de guerra, e as dificuldades para dar
resposta aos desafios da reconstrução em tempo oportuno encaminharam o país para
uma complexa variedade de problemas nos vários sectores da vida nacional provocados,
quer pela desigualdade no acesso aos recursos, pela ausência de políticas sociais que
protejam os mais desfavorecidos, pela intolerância política como pelo fraco exercício
democrático, tornando-se por isso a sociedade propensa a conflitos.

São muito poucas as organizações em Angola que se ocupam especificamente da


problemática da gestão de conflitos, assim como existe muito pouca informação
específica sobre este tema. Sob os auspícios da FES realizou-se no período de 06 a 26
de Maio de 2005, um pequeno estudo nas províncias de Luanda, Huambo e Malange
com o objectivo de aprofundar os conhecimentos sobre conflitos e suas causas;
conhecer as actividades de outros actores neste domínio e criar um conjunto de
pressupostos que garantam a elaboração de programas a identificação e
acompanhamento de conflitos.

Para o efeito foi constituída uma equipa de três consultores que teve como principais
tarefas a consulta a parceiros da FES com o fim de determinar as áreas de potencial
conflito cujo interesse é prioritário; Identificar e decidir sobre os locais para realização
do estudo, realizar o estudo nas províncias seleccionadas e socializar dos resultados
preliminares com os parceiros da FES.

A selecção das províncias obedeceu aos seguintes critérios:

¾ Áreas potencialmente conflituosas pela concentração de diversos grupos;

¾ Áreas cujo eleitorado nas eleições de 92 foi maioritariamente da UNITA ou


do MPLA.

As áreas de potencial conflito consideradas prioritárias foram as seguintes:


Democratização/Processo eleitoral; Reconciliação e reinserção; Exclusão económica e
social/pobreza e corrupção; Acesso a Terra.

Durante as entrevistas realizadas as pessoas manifestaram interesse em receber uma


pequena síntese dos resultados do estudo razão pela qual se pensou em produzir esta
pequena brochura, esperando que possa contribuir de alguma forma para um melhor
conhecimento da problemática da gestão de conflitos em Angola.

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1.1. Entrevistas realizadas por província

Tendo em conta os objectivos do estudo e as áreas de potencial conflito condideradas


como prioritárias decidiu-se que a informação a recolha da informação deveria ser feita
a vários níveis (provincial e municipal) e abranger uma considerável diversidade de
actores entre OSC, Instituições do Estado, autoridades tradicionais, ONG’s
internacionais, partidos políticos, instituições religiosas e cidadãos.

GRUPOS ENTREVISTADOS PROVÍNCIAS


Huambo Luanda Malange Total
OSC OCB’S - - 3 3
ONG e ASSOC 2 5 5 12
Instituições 2 - 2 4
do Estado
Sobas 1 - 3 4
ONG’s Internacionais - 4 1 5
Partidos Políticos 2 2 5 9
Instituições Religiosas 3 2 1 6
Cidadãos 2 2 - 4
Total 11 15 20 47

II. Os resultados do estudo

A apresentação dos resultados do estudo foi organizada as áreas de potencial conflito


em análise procurando ser o mais fiel possível a informação obtida a partir das
entrevistas realizadas nas províncias seleccionadas complementada com as
contribuições feitas por alguns parceiros durante a apresentação dos resultados
preliminares e a consulta a informação disponível sobre os temas seleccionados.

2.1. Democracia e impacto do processo eleitoral

Desde a data da Independência (1975) até ao final da década de 80 a sociedade angolana


viveu sob um regime moldado na base da teoria marxista – leninista, o que provocou
uma forte luta de resistência contra o regime perpetrada pela UNITA. Com a assinatura
dos acordos de Bicesse em 19911, Angola vive um período de paz e são realizadas as
primeiras eleições legislativas sob os auspícios das Nações Unidas. Durante esse
período foi elaborada a segunda Lei Constitucional de Angola que garantia a entrada de
Angola na economia de mercado, criava as condições para a instauração de um regime
multipartidário assim como o alargamento dos direitos e liberdades fundamentais dos
cidadãos dos quais interessa destacar os direitos políticos. Os resultados eleitorais
fizeram com que o país emergisse numa outra guerra que se arrastou até Abril de 2002,
altura em que foram assinados os Acordos Paz no Luena. Esta situação fez com que um
considerável número de cidadãos não pudesse fazer uso dos direitos políticos na sua
plenitude.

1 Entre o MPLA e a UNITA

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No âmbito da democracia a maioria dos entrevistados reconhece ter havido muitos
avanços no processo de construção mas vêem-na com alguma apreensão e como um
objectivo por atingir uma vez que a democracia não é extensiva a todas as províncias.
Ela vai diminuindo do centro (capital nacional e provinciais) para a periferia (província,
município, localidade). Esta situação é mais preocupante a nível provincial, já que a
aplicação das regras democráticas é fortemente influenciada pela percepção de quem
detém o poder, pelo grau de abertura democrática e pelo deficiente convívio na
diferença. As feridas de guerra ainda prevalecentes e difíceis de gerir pelas pessoas mais
afectadas (perca de familiares, de bens, mutilações,…), a fidelidade, gratidão ao partido
no poder por tê-los protegido durante a guerra e o receio de represálias proporciona um
clima de intolerância política (principalmente no meio rural) e a limitação da livre
expressão. Os Partidos Políticos da Oposição (PPO) representados em algumas
províncias, têm dificuldades em trabalhar nas aldeias, localidades.

“Muitas pessoas têm medo de perder o emprego caso mostrem simpatia por um outro
partido.” (Hbo)

“Quando estás num caminho e a cobra te pica é difícil esquecer onde a cobra te picou.
Sempre que passares vais-te lembrar.”(Mje)

“A UNITA não consegue fazer isso. Tem que trabalhar muito para apagar a “má”
imagem que tem junto das populações ligada ao temor. Até mesmo as populações que
estiveram com a UNITA durante a guerra têm medo.”(ONG/Mje)

“ Não receberemos nenhum PPO porque somos de um único partido.”(Soba Mge)

“Os PPO terão muitas dificuldades em se inserir nos municípios, principalmente em


Malange e na Lunda Sul por causa das populações serem muito ligadas ao MPLA,
ligação que remonta da luta de resistência colonial.”(Mge)

“ Os PPO são bem recebidos uma vez que estão autorizados pelo governo. Mas o povo
tem receio de ser mal visto. Quando aparecem problemas são os primeiros a serem
procurados.”(Hbo)

Um considerável número de entrevistados considera que o clima de intolerância política


é algo incitado pelo partido no poder. Outros acham que esta acontece de forma
esporádica e que há uma grande aposta do governo local em criar um clima de
tolerância;

“Como consequência do conflito armado há pouco espaço para os outros partidos se


articularem. O governo/MPLA também não tem facilitado. Ao mesmo tempo os PPO
não lutam suficientemente por um espaço. Fazem comícios mas seria necessário
falarem com as pessoas. É importante falar com o soba quando se chega a uma
localidade e por isso muitas vezes são corridos.”(Mge)

“… Em Malange está-se a encontrar um clima que proporcione a tolerância. O


governo provincial luta para isso mas infelizmente, muitas vezes ao nível da população
surgem acções isoladas e tem havido queixas de alguns PPO com relação à
intolerância.”

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Alguns entrevistados consideram que a liberdade de expressão e o acesso à informação
são ainda muito deficientes, uma vez que são impostas algumas restrições à actuação
dos partidos políticos; o debate político sobre as questões nacionais não é extensivo a
todo o país, tendendo a diminuir no interior, principalmente a nível comunitário; não
existem rádios privadas e os jornais não chegam regularmente a algumas províncias.
Consideram existir também uma disparidade muito grande no acesso aos recursos pelos
Partidos Políticos, inclusive aos media. Na maioria das vezes as iniciativas dos PPO não
são reportadas pelos media ou são reportadas em horários com pouca audiência.

“Em 2003 a rádio Eclesia fez uma experiência só com música para testar e tivemos
muitos problemas com o governo.”(Hbo)

“ A lei de manifestação e reunião prevê que cada partido tem os mesmos direitos.
Porém, para nós é só possível fazer uma manifestação nos dias úteis depois das 19H00’
e aos sábados a partir das 15H00’. Mesmo nestes horários impróprios é muito difícil
conseguir a aprovação de uma manifestação. Uma manifestação a favor do MPLA ou
do Presidente da República pode ser feita a qualquer hora da semana.”(Lda.)

“ O MPLA domina os meios de comunicação. É difícil um partido da oposição ter um


minuto na televisão…” (Lda.)

No que se refere ao processo eleitoral todos os entrevistados pensam que poderão haver
alguns choques antes e depois das eleições mas nunca o retorno à guerra pelos sucessos
conseguidos nos últimos anos: - a criação de um exército único; a integração de
combatentes da UNITA na polícia nacional e pelo facto da desmobilização e reinserção
dos ex-militares dos acordos de Luena terem beneficiado grandemente a UNITA. Todas
as pessoas manifestam interesse em votar no entanto, o medo prevalece porque de um
modo geral associam as eleições ao conflito armado. Por essa razão alguns PPO
defendem a necessidade de leis específicas que protejam os que participarem nas
campanhas partidárias e punam actos de violência ou intimidação. Em Malange o medo
prevalece e as pessoas posicionam-se em relação a este sentimento da seguinte forma:

- Ignoram a existência de outras forças políticas pela evidente presença das


feridas de guerra e pelo seu fraco protagonismo nas províncias;

- Pensam instalar-se em outras localidades e principalmente nas cidades porque


oferecem maior segurança;

- Não manifestam interesse em votar. Este sentimento é mais evidente no seio


das mulheres, mais engajadas na religião e no seio dos jovens pela insatisfação
com relação ao elevado índice de desemprego e à dificuldade de continuidade
dos seus estudos (a partir do nível médio).

“Têm medo das eleições. Há um provérbio em Kimbundu que diz”o que já me


aconteceu que não me aconteça mais. Se acontecer algo onde nós vamos refugiar?
Agora já não há eucaliptos para nos escondermos. Morreu muita gente. Antes da
guerra tínhamos condições: lavras, os armazéns com coisas a apodrecer. Caso haja
guerra outra vez o pouco que temos será roubado. Como é que vamos sobreviver? O
voto não é problema. O problema é dizerem que o cidadão sem documento de voto não
pode circular.”(grupo de Mulheres)

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“Não querem votar para evitar conflitos até mesmo nas famílias. Não estão a ver os
benefícios do voto.” (grupo de Mulheres)

“… há dificuldades para conseguir o primeiro emprego. O recurso tem sido o


sector privado que não está potenciado. Há jovens que querem realizar uma
manifestação por causa da situação da educação que em princípio se vai realizar
no dia de África.”

“Muitos deles ainda têm armas. Às vezes disparam. Falta uma recolha sistemática.
Sem formação profissional e a base económica para iniciar um negócio o desespero
vai continuar e eles vão continuar a ser uma fonte de instabilidade.”(Hbo)

Na mobilização das pessoas para as eleições não subjaz a crença em mudanças


significativas nas suas vidas como resultado das eleições, principalmente no meio rural.
Em Malange é evidente uma forte aposta no MPLA por ser o partido que conhecem e
que de alguma forma os protegeu durante a guerra. Esta atitude tem dificultando em
alguns casos, as actividades dos demais partidos políticos. No Huambo acredita-se que
haverão mudanças no início da campanha eleitoral (meio rural). Por exemplo, os
enfermeiros e professores esperam uma mudança significativa nos seus salários ou a
recepção de benesses que ajudem a resolver a sua situação económica.

A opinião dos entrevistados em relação ao protagonismo dos PPO é a de que não


sentem da parte destes preocupação em ganhar as eleições para melhorar a vida das
populações mas sim para assumir lugares de poder a nível do Parlamento e do Governo.
As pessoas não conhecem os seus programas políticos e fica sempre a dúvida de que,
uma vez no poder venham a fazer diferente do actual partido no poder. Ao mesmo
tempo consideram que a data marcada para as eleições está muito próxima e temem que
a UNITA e os demais PPO não estejam preparados para as eleições, já que um
considerável número de PPO ainda não tem representações provinciais inclusive, a
UNITA. Consideram ainda que a retirada dos Partidos Políticos da oposição da
Comissão Constitucional foi um ganho porque acelerou o anúncio da data das eleições,
mas estes perderam a grande oportunidade de introduzir na agenda eleitoral a
problemática das eleições locais. Atribuem as lideranças políticas um papel fundamental
na criação de um clima de paz, concórdia e cépticos em relação à ausência de lideranças
alternativas.

“A forma como a população vai actuar durante as eleições dependerá muito dos
posicionamentos assumidos pelos líderes locais dos grandes partidos e da forma
como os níveis provincial e nacional vão reagir.”(Hbo)

“ A história de outros povos dá-nos lições. Caso haja vontade política a situação de
intolerância pode ser controlada. Há alturas em que o Presidente da República tem
que dizer que direcção o país tem que seguir.”(Hbo)

É preocupante a incapacidade dos actores políticos (Partidos Políticos e sociedade


civil) marcada quer pela ausência de lideranças fortes como de “causas
políticas”.(Lda)

Ainda em relação ao processo eleitoral consideram que algumas posições assumidas


pelos órgãos de comunicação social públicos podem levar a que estes se tornem num

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foco de conflito, podendo-se perder de vista a discussão de grandes temas para o país
empobrecendo os discursos eleitorais. Consideram preocupante o facto de a sociedade
civil ter sido posta à margem do processo eleitoral, o que na sua opinião demonstra que
a sociedade civil foi pouco incisiva na conquista de espaço neste campo.

2.2. Reinserção e Reconciliação

Com o Memorando de Luena em Fevereiro de 2002, Angola pôs fim a uma guerra que
não só matou pessoas e destruiu as infra-estruturas do país mas também destruiu muitas
relações e mentes. As armas continuam caladas, o que por si só já é um grande sucesso.

A desmobilização de mais de 100.000 antigos combatentes da UNITA foi concluída e


as chances para um novo conflito armado não são visíveis. No entanto, houve bastantes
problemas no processo da desmobilização dos ex-combatentes da UNITA que
provocaram um certo descontentamento: houve fome nos centros de aquartelamento, as
indemnizações foram pagas com atraso, outros alegam não ter recebido nenhuma
indemnização.

O descontentamento aumentou com o início atrasado dos programas para a reintegração


dos desmobilizados, que actualmente se encontram na sua fase inicial não havendo por
essa razão impactos visíveis.

Os sentimentos dos entrevistados em relação ao assunto variam de acordo com a sua


condição de “vencedor” ou de “derrotado” e são de certa forma um manifesto
descontentamento com relação aos critérios adoptados pelo governo e a política de
intervenção do Banco Mundial no tratamento dos desmobilizados. O facto dos grandes
programas apoiarem somente desmobilizados do Memorando de Luena criou
insatisfação no meio das comunidades rurais. Durante as entrevistas foram reportados
conflitos, queixas das populações e de outros antigos combatentes, que acham esta
limitação injusta e que exigem correcções. Os atrasos verificados na implementação dos
programas para desmobilizados criou frustração alguma frustração no seu seio. O
IRSEM pretende abrir os programas para outros. Algumas ONG’s ligadas ao processo
de desmobilização têm adoptado algumas estratégias com vista a reduzir as frustrações e
com o fim de criar um clima de convivência salutar entre os desmobilizados e as
populações em que estão inseridos.

“Esta separação trouxe muitos conflitos dentro das comunidades. É necessária a


montagem de programas onde se trata tudo por igual, e que não provoque
discrepância, como até agora.”(Hbo)

“É necessário a montagem de um programa onde se trata tudo por igual, e que não
provoque discrepância, como até agora.”(ONG/Mge)

“Se soubéssemos da regra que os programas somente estão abertos para os


desmobilizados de Luena, não íamos ter participado no concurso do
IRSEM.”(ONG/Mge)

Em Malange a opinião dos entrevistados é a de que a reinserção dos desmobilizados ao


invés de ser facilitada pelos programas iniciados ainda fica mais problemática. São

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muito frequentes as queixas da população e de outros combatentes sobre o “tratamento
especial” que estes desmobilizados recebem. Uma componente bastante problemática é
a entrega de bois de tracção para grupos de desmobilizados. A reacção da população é
do tipo”Primeiro mataram e roubaram os nossos bois e agora ainda recebem de graça”.
Apesar desse sentimento a relação entre os antigos combatentes da FALA e da
FAPLA/FAA é boa. Raras vezes foram reportados actos de vingança ou outro tipo de
violência.

“Temos projectos de apoio aos desmobilizados e as populações têm reclamado que o


apoio é somente dado aos desmobilizados da UNITA. Defendo que os projectos de
apoio aos desmobilizados contribuem para semear a divisão. Os projectos deveriam ser
conjuntos e as pessoas deveriam trabalhar em conjunto.”

“O tratamento diferenciado que é dado no projecto de apoio aos desmobilizados do


Luena e de Lusaka choca com todos os esforços de harmonização que as ONG’s estão a
fazer.”

“Existe muita tolerância entre os ex-militares da FALA e das FAPLA, não tem havido
conflitos entre eles motivado por esse facto.”

“Os desmobilizados que se encontram nas aldeias, embora os residentes não o


manifestem, está-se a criar uma situação que pode provocar conflitos.”

“Os regressados das áreas da UNITA têm tido muitas dificuldades porque muitos não
têm formação profissional e porque o convívio na diferença ainda não é um facto.
Alguns discursos de forças políticas incitam a que as pessoas não convivam. Nos locais
de trabalho os jovens sofrem quando conotados com um partido da oposição, quer os
que vieram de Luanda como das zonas anteriormente ocupadas pela UNITA.”

Os representantes da UNITA acham que os antigos combatentes das FAPLA são


privilegiados em relação aos da FALA e que a Segurança Social prometida para os
antigos combatentes da FALA ainda não é um facto.

“Os da FAPLA têm muito mais facilidade de achar emprego no serviço público. Além
disso os nossos quase não têm chance de conseguir uma licença para qualquer negócio.
Simplesmente são ignorados”. (Hbo)

Muitos desmobilizados ficaram perto das áreas de aquartelamento, na esperança de


receber o dinheiro e os bens prometidos pelo governo criando-se assim algumas aldeias
novas, não pretendendo regressar a suas áreas de origem. Porém, a situação nestas
aldeias é marcada pela insuficiência de terra para a agricultura, desemprego e desespero.

“Principalmente nas províncias de Huíla e Huambo existem muitas aldeias somente


compostas por ex-militares da UNITA e seus familiares. Eles ficam sem fazer nada,
reivindicando dinheiro e formação. As vezes revoltam. Alguns acabaram por fazer um
curso, mas ficam sem emprego.”

“A maioria deles vinha do mato e não conhecia as regras do mercado; não sabem fazer
negócio. Poucos conseguiram fazer algo, na maioria os melhor formados.”

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“ Alguns dos desmobilizados não voltaram porque pensaram que a população não
aceitaria o seu regresso. Outros voltaram para as zonas de origem mas tinham que sair
porque encontraram barreiras.”

“A população às vezes não aceita o regresso de desmobilizados. Às vezes queimam as


casas dos desmobilizados. Acham que vão trazer conflitos no seio da comunidade.”

2.2.1. Sobre a reconciliação

A reconciliação até aqui era vista por todos como um assunto dos “políticos” ou dos
“militares”. Sempre que se falasse deste assunto com as pessoas elas diziam que já
estavam reconciliadas. Mesmo nas províncias que foram mais afectadas pela guerra
existe uma tendência para o perdão na população. No entanto, apesar do conflito militar
ter terminado e da atitude das pessoas com relação aos então “inimigos”, as sequelas da
guerra são muito fortes tendo-se herdado o costume de procurar soluções através das
armas, que ainda permanecem em número considerável nas mãos das populações. Esta
situação combinada com a “cultura de violência” constitui uma ameaça permanente,
principalmente para as comunidades rurais. Na opinião de alguns representantes da
oposição e ONG’s a continuação da Defesa Civil significa uma ameaça, tanto para o
processo da democratização como de reconciliação.

“De um modo geral a resposta que as pessoas dão é que a guerra acabou e que todos
devem viver juntos. Mas há sempre algumas reticências principalmente em relação às
feridas de guerra (morte de familiares, mutilações,...).”

“O obstáculo principal para a reconciliação é a defesa civil. Ela está sendo utilizada
pelos militantes do MPLA como estrutura partidária. Oficialmente a ODP já foi extinta
pelo MINDEF, como ratificado no acordo de Luena, mas continuam a existir. O
escritório deles em Huambo fica ao lado da delegação da UNITA. A ODP utiliza o
factor da pobreza para conseguir agressores. Suspeita-se que muitas armas continuam
nas mãos da ODP.”

“Existe a necessidade de se assumir a paz de uma maneira pessoal, mas a cultura da


violência está muito incutida. A arma durante longos anos tornou-se, para muitos, uma
empresa, agora como se pode viver sem ela?”

Uma das situações que preocupa bastante as populações refere-se com o tipo de
discurso adoptado por alguns políticos que, de um modo geral já não trata mais da paz e
da reconciliação. É de um modo geral dominado pela luta pelo poder, utilizando muitas
vezes uma linguagem de violência do tipo “lembram-se de quem matou as vossas
crianças …”.

“Os militantes da MPLA e da UNITA são muito fanáticos. Reconciliação será muito
difícil e levará muitos anos. A maioria dos militantes dos dois lados não aceita a ideia
da reconciliação ou da tolerância. O perigo que eles aproveitam um tumulto durante as
eleições para se vingar é muito grande.”

Em Malange um considerável número de entrevistados considera que faz falta um


verdadeiro processo de reconciliação, uma vez que prevalece o espírito de esquecer o

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passado ao invés de se confrontar com ele e procurar formas de perdão. Durante a
campanha eleitoral este fanatismo pode criar muitos conflitos.

“Não concordo com a Amnistia instaurada, já que as atrocidades cometidas por ambas
as partes foram muitas. A criação de um tribunal da verdade, tal como fizeram na
África do Sul, ajudaria imenso o processo. Não acontecendo isso será provável que a
geração seguinte herde os conflitos vividos pelos seus antepassados.”

3.3. A Exclusão económica e social em Angola

Angola ficou conhecida pela sua prolongada guerra e por se considerar a riqueza do país
como sendo a causa de todos males, dando-se de certa forma razão a Salazar quando, ao
ouvir dizer que se tinha descoberto petróleo em Angola, teria levado as mãos à cabeça e
exclamado: “ai, que desgraça!”2. Concorda-se que a riqueza de um país torna fácil a
aquisição de armas para alimentar a guerra, como foi o caso de Angola e que a pobreza
pode igualmente tornar fácil a revolta das pessoas que são capazes de fazer guerra
mesmo sem armas de elevado preço.

O certo é que nos três anos de paz definitiva, ainda não são visíveis mudanças
significativas no domínio económico e social, razão pela qual um considerável número
de pessoas tem as suas expectativas frustradas. Ao mesmo tempo, os longos anos de
guerra, que para trás ficaram estimularam de certo modo uma mentalidade de
dependência e um pensamento pouco analítico em relação aos princípios universais de
rigor e disciplina. Cada um a seu nível sonhava ter a sua situação de vida melhorada. O
funcionário público esperava melhorias no seu salário, quer no montante que haveria de
receber como em recebê-lo em tempo oportuno. As pessoas da aldeia contavam com
pontes reconstruídas e com estradas melhoradas para escoar os seus produtos do campo
para as cidades onde pudessem vender a preços aceitáveis. Com o dinheiro melhorariam
o seu nível de vida. Mas a paz que era a esperança para a maioria dos angolanos ainda
não produziu efeitos imediatos na vida da maioria das pessoas prevalecendo na maior
parte dos casos, uma situação de extrema pobreza. As causas que estruturam este
problema são as seguintes:
• A desigualdade no acesso aos recursos (benesses da indústria extractiva e
inacessibilidade a créditos bancários);
• As dificuldades de acesso à saúde, educação, emprego;
• A situação de extrema pobreza da maioria da população, cuja taxa é
estimada a 68,2 por cento3;
• A outra causa importante do surgimento do fenómeno da pobreza em Angola
é sem dúvida a elevada cifra de desemprego;
• A dependência absurda das importações que afasta e marginaliza um sector
económico do qual depende uma esmagadora maioria – o sector informal.

As entrevistas realizadas revelam que os sistemas de corrupção estão muito enraizados e


são muito mais fortes nos locais onde existe facilidade de acesso a informação, sendo o

2 Mourisca, F., 2001 – E a Guerra de Angola, porquê? in ITINERÀRIO DA PAZ, pp. 6.


3 Este é um dado fornecido no relatório económico de Angola 2003, publicado pelo Centro de Estudos e
Investigação Cientifica da Universidade Católica de Angola, pp.10.

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tráfico de influências a forma mais utilizada para conseguir algumas benesses como o
acesso aos sistemas de saúde pública, educação, emprego, fuga ao fisco, etc.

“Para o polícia não te levar a sua banheira de negócio no mercado tem que lhe dar
uma gasosa.” (Hbo)

De entre as várias causas citadas destacam-se:

• A ausência de concursos públicos de acesso ao emprego;


• Os salários baixos prevalecentes;
• A perca de valores;
• A falta de alternativas de sobrevivência;
• A troca de favores que decorre da proximidade em relação aos centros de poder
político e económico.

“Quando você não tem nada acabas recebendo favores que um dia vão
comprometer seriamente a vida”(Lda)

A opinião de alguns entrevistados é a de que o sistema de exclusão económica e social


começa mesmo a partir do Bilhete de Identidade. As pessoas são muitas vezes
discriminadas pelo seu nome e origem. Embora formalmente se diga que não existe o
poder familiar mas este permanece através dos jogos de influência, na base dos
pequenos grupos. A partir das grandes famílias tradicionais, das famílias nascentes e da
origem, independentemente de que se tenha capacidade de assumir algum cargo.

A exclusão social em Angola tem também uma estreita ligação com a opção política das
pessoas devido ao enraizamento do partido maioritário no sector público e privado em
alguns casos e por causa do fraco exercício de cidadania ligado a falta de informação.
Ninguém assume cargos de chefia de relevo caso não se identifique com o partido no
poder.

“Depois da visita de Isaías Samakuva – Presidente da UNITA aqui no Huambo em


Fevereiro alguns trabalhadores da função pública que exercem cargos de chefia foram
intimidados e outros chegaram mesmo de ser despedidos.”

“Militantes da oposição não podem ter cargos de chefia na Administração pública.


Muitas vezes são despromovidos, mandados para Municípios e comunas distantes ou
até colocados na rua. Também as empresas públicas ou “privadas” é perigoso mostrar
a camisola do partido de oposição.”

As ajudas humanitárias são politizadas em algumas zonas do país e determinadas


Organizações não Governamentais que trabalham com Ex-Militares da UNITA são
confundidos como estando a favor da UNITA.

“ Sem cartão do MPLA é quase impossível recebe micro-crédito, mesmo nos bancos
privados.”

“Militantes da oposição ou desmobilizados encontram muitas dificuldades: não


recebem documentos, licenças para uma actividade económica ou terrenos para
construir uma casa.”

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“Por causa de sermos uma organização implementadora dos programas do IRSEM e
por estarmos a frente do processo de legalização das terras comunitárias estamos a ser
mal interpretados e associam-nos à UNITA.”

É crescente a luta pela busca de um melhor salário, de um melhor emprego, apesar


destes mesmos ditos “melhores salários e empregos” serem dominados pelas grandes
famílias. Os jovens são os mais afectados por este problema. A distribuição de recursos
constitui um problema, mas é ainda maior a falta de oportunidades, porque os
mecanismos de concursos públicos não funcionam e o sistema de cunha é muito mais
rápido. As possibilidades desta situação continuar vão existir sempre ainda que, para
determinados assuntos se torne cada vez mais difícil. Porém, nem tudo é completamente
mau, segundo alguns entrevistados começam a emergir um conjunto de gestores que
fazem esforços no sentido de inverter esta situação.

“A Endiama, projecto Catoca tem reagido de forma antagónica a essa questão das
“grandes famílias”. (Lda)

São evidentes as assimetrias entre Luanda e o resto do país, cujo exemplo mais gritante
é a desigualdade na distribuição dos recursos do Orçamento Geral do Estado, mesmo
sabendo que a lógica dos grandes investimentos em Luanda ou no litoral aparentemente
não tem funcionado. Esta situação agrava a contraposição entre um país virtualmente
rico e um país efectivamente pobre.

“Em Malanje existe apenas dois institutos médios só de nome que funcionam em
escolas anexas”.
“Houve recentemente a distribuição de 20 milhões de dólares americanos para as
províncias sem ter-se em conta a extensão e as reais necessidades de cada Província. A
titulo de exemplo o Bengo recebeu o mesmo montante que Benguela e Huambo, que
geograficamente se situam muito distantes da capital do país, possuem um território
mais vasto e um número de habitantes mais elevado e maiores desafios de
reabilitação.”
O meio rural é sempre o mais afectado, quer pelo desemprego principalmente para os
jovens como pela dificuldade de acesso ao mercado. Por exemplo foi constatado que
camponeses vendem o seu produto a baixos preços por inundação do mercado por
produtos importados. O camponês que produz muito milho não sabe o que fazer. Por
isso, as pessoas produzem mais para o seu próprio auto sustento. Um indicador de
relevo é o facto dos camponeses em Malanje não conseguirem até aqui trocar a
cobertura de suas casas de capim para chapas de zinco.

Isto provoca de certa forma a falta de alternativas para a sobrevivência e faz com que os
direitos sociais dos cidadãos sejam vistos como um favor e não uma obrigação do
Estado. As reconhecidas debilidades do aparelho de Estado, que é extraordinariamente
burocratizado, centralizado e carente de pessoal qualificado, impede a plena assunção
do seu papel de agente.

“Quando um governante vai a um Município ou Comuna oferece ambulância as


pessoas aplaudem, porque não sabem que este é um direito que lhes é reservado”.

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Um considerável número de entrevistados considera que as questões de ordem social
ainda não são uma prioridade para o Governo devido ao distanciamento entre pobres e
ricos, à mobilização da maior percentagem do Orçamento Geral do Estado para as
questões de segurança e ao fraco investimento nos outros sectores do desenvolvimento
que não a indústria extractiva e pela forte aposta no consumismo em detrimento da
produção local. A descoberta de mais poços de petróleo que entram em exploração não
é em si só indicador de desenvolvimento económico e social. Outras condições são
necessárias para promover um verdadeiro processo de transformação social.

3.4. A questão da terra

Em Novembro 2004 foi publicada a nova lei da terra de Angola. O objectivo declarado
foi a adaptação da lei ao novo contexto, especialmente à migração do campo para as
grandes cidades. Consequentemente a nova lei é em primeiro lugar uma lei sobre a terra
urbana. Sobre a terra rural, base de sobrevivência de cerca 65% da população angolana,
a nova lei fica muito vaga. Aqui ela reconhece o papel das autoridades tradicionais, que
sempre foram actores importantes na entrega de terra rural e na resolução de conflitos.
Apesar deste aspecto positivo, a nova lei não define claramente a divisão de tarefas e
responsabilidades entre poder tradicional e o poder moderno, ou seja entre a lei
costumeira e a lei escrita.

A maioria dos conflitos urbanos concentra-se na cidade de Luanda. Durante quase 30


anos de guerra a cidade cresceu de um meio milhão de habitantes para um estimado
número de 4 milhões. A ausência de uma lei apropriada, de instituições do estado para
aplicá-la e de um sistema judicial funcional criou um ambiente de muita insegurança
sobre o uso da terra urbana e muitos conflitos.
Na ausência de um regulamento sobre a nova lei o vazio vai criar mais espaço ainda
para que pessoas influentes possam ocupar terrenos sem que violem qualquer direito
escrito ou costumeiro. Consequentemente os conflitos de terra e urbana vão aumentar
significativamente nos próximos anos.

A percepção dos entrevistados em relação à problemática da terra varia consoante o


local em que vivem (meio urbano, peri-urbano ou rural). Esta diferença não só foi
marcante entre os habitantes de Luanda e a população rural nas províncias visitadas,
mas também entre Huambo e Malanje. Este facto explica-se quer pela elevada
densidade populacional da província do Huambo em relação a uma província
relativamente menos populosa e menos assediada pelos grandes latifundiários como a
de Malange. Por exemplo, na sede do Huambo e nos municípios mais próximos da
capital houve várias tentativas de tirar a população das suas terras de origem para dar
espaço a fazendas, estando em alguns casos envolvidos estrangeiros e na maior parte
das vezes funcionários do Estado ou altas patentes militares.

“Às vezes aqueles que querem ocupar a terra da população dizem que querem
implementar um projecto do governo. Muitas vezes são funcionários do governo,
mas são os projectos privados deles.”

“A lei de Terra tem muitas falhas. A expropriação eminente vai ser uma das
consequências. A terra como propriedade de quem pode, e não de quem a trabalha,
pode vir a ser um pólo de conflito futuro.”

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“Um problema será, as pessoas, e não tanto o sistema, cultivar uma mentalidade de
“pequenos capitalistas” e esta reflectir-se na utilização dada ao campo.”

Nos casos que as ONGs locais tiveram conhecimento dos conflitos foi possível achar
uma solução com meios pacíficos. Dois conflitos foram entregues aos órgãos da justiça.
Um destes foi resolvido em favor da população, um outro ainda está pendente.

“Em geral os novos “donos” se retiraram logo depois de perceber que há


resistência e que vão enfrentar problemas com a população ou com
ONGs.”(Hbo)

É muito frequente que regressados encontrem o terreno ocupado. O novo dono já


começou a cultivar e não quer deixar o local. As vezes tentam resolver entre si,
queimam a casa do outro. Muitas vezes procuram o soba, mas a decisão da autoridade
nem sempre é aceita por ambas as partes.

“Alguns sobas pobres deixam-se corromper por aquela parte que tem mais
recursos. Assim já perdem qualquer credibilidade.”

“Os sobas sozinhos não tem coragem de enfrentar o presidente ou ministros


quando exigem terrenos grandes. Quando sabem que o soba não tem apoio,
simplesmente ignoram.”

“Muitas vezes as concessões de terra são feitas a partir de Luanda e aqui


ninguém sabe. Há dois meses um fazendeiro que se intitulava proprietário de
uma área foi corrido da comuna de Cambaxi pela população.”

Em Malange não têm havido grandes conflitos de terra na província. O que é mais
visível são pequenos conflitos entre populares nos bairros da periferia da capital. Em
alguns municípios ocorreram conflitos entre a população local e desmobilizados que
queriam se instalar.

“Em alguns municípios os desmobilizados da UNITA não têm nenhuma chance


de receber terra própria, têm que alugar e pagar com uma parte da colheita.
Outros nem conseguem alugar uma lavra e tem trabalhar na lavra da
população.”

No entanto, alguns entrevistados consideram haver muito potencial para futuros


problemas porque nos últimos anos foram atribuídos títulos sobre 700.000 até 1.400.000
hectares de terra, muitas vezes sem o conhecimento da população.

“Na era colonial na província de Malanje distribuíram ao sector empresarial


cerca de 350.000 hectares de terra. Após a independência estão distribuídos
cerca de 1.400.000 hectares. Há exemplos de aldeias inteiras que hoje ficam na
área de privados.”(Mge)

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Houve muitos casos na periferia da cidade de Luanda onde diferentes instituições do
Estado em vários níveis deram títulos de terra sem informar as outras instituições. Isto e
a aplicação arbitrária da lei provocaram e continuam a provocar muitos conflitos de
terra. Em alguns bairros de Luanda os residentes foram forçados a sair para bairros mais
distantes do centro. Muitas vezes isto acontece fora de qualquer lei e sem pagamento de
indemnizações dignas.

“Em geral os residentes não têm nenhuma chance de se defender contra os grandes,
principalmente quando estes tem “estrelas”.

Outro senão é o facto de na maior parte das vezes a concessão de títulos ser feita em
Luanda, sem o envolvimento das autoridades ao nível provincial, municipal ou comunal
ou mesmo do soba. Tanto a antiga lei como a nova previam o envolvimento destas
instituições locais. Como estas regras muitas vezes foram violadas, hoje existem terras
com dois títulos ou com títulos bastante duvidosos. A nova Lei de Terras, que entrou
em vigor no dia 9.2.2005 é pouco conhecida, não possui ainda um regulamento que
garanta a sua aplicabilidade. Mesmo a antiga (de 1992) não foi suficientemente
divulgada pelo que as populações não conhecem os direitos e responsabilidades.

“A nova lei de terra não foi suficientemente divulgada, uma vez que os
principais problemas começaram a surgir no meio rural.”

Outra questão levantada por alguns entrevistados é o facto da nova lei não regular a
exploração das riquezas do subsolo, referindo simplesmente que o subsolo pertence ao
Estado o que poderá dar origem a futuros conflitos.
“Alguns acham que a maioria dos políticos não está interessado no uso da terra,
mas somente no uso do subsolo. Com a nova lei conseguiram que os sobas e as
comunidades rurais não tenham direito ao uso do subsolo.”

Para alguns entrevistados o processo de regulamentação da referida lei vai demorar pelo
menos até às próximas eleições. Outros acham que existem pessoas influentes no
governo que tentam atrasar o processo, o máximo possível, por causa de interesses
pessoais. Por exemplo, a nova lei prevê o pagamento de taxas para cada hectare de terra
em posse. Esta taxa, caso seja aplicada, resultará demasiado onerosa, já que os
proprietários de grandes áreas terão que pagar um montante alto. Como a grande
maioria deles actualmente não trabalha estes terrenos, estas posses poderiam se tornar
um problema económico. Alguns entrevistados são de opinião que a entrada em vigor

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do regulamento não melhorará a situação já que o problema está na ausência de
instâncias públicas que garantam a sua implementação.
“O atraso do processo actualmente tem como consequência que nenhum título sobre
terra foi dado desde Novembro 2004. Ao mesmo tempo, têm sido atribuídos títulos
“informais” frequentemente, à margem de qualquer lei. A longo prazo esta “fase de
transição” pode e vai criar bastantes conflitos.”(Lda)

“Os grandes proprietários vão fazer tudo para evitar a aprovação do


regulamento.”(Lda)

IV. Pontos críticos e cenários prováveis

A análise da informação recolhida durante a entrevista permitiu identificar em cada área


de potencial conflito analisada os pontos críticos que devem merecer especial atenção e
perspectivados os cenários prováveis conforme se apresenta no quadro 1.

Quadro1: Pontos Críticos e Cenários Prováveis


Pontos críticos Cenários prováveis
a) Democracia e impacto do processo eleitoral
A - Restrições implícitas à intervenção dos - A dificuldade de conquista de espaço
heterogeneidade partidos políticos; pelos PPO, principalmente a imagem de
do - Abrangência limitada dos media “vilão” que a UNITA tem, pode dar ao
processo privados; MPLA uma vitória retumbante, embora não
- Desigualdade entre os Partidos se possa crer totalmente nos sentimentos
democrático
Políticos no acesso a recursos espontaneamente manifestos das pessoas
(financeiros e media); uma vez que o voto é secreto;
- Fraco debate político.
O clima de - Nas empresas públicas pelo receio de - Poder-se-á viver uma situação de um
intolerância perderem o emprego e as benesses que regime multipartidário com um partido
política: lhes são proporcionadas; dominante e uma oposição bastante
- No seio das populações provocada fragilizada;
principalmente pelas recentes feridas de
guerra, o medo; - A recandidatura do PR poderá tornar
- A influência que o MPLA tem nos evidentes as frustrações internas no seio do
media estatais; MPLA, o que poderá vir a engrossar e
- A atitude de exclusão dos grandes fortalecer as fileiras da oposição;
partidos;
- A confusão entre Governo/MPLA; - Os dois partidos maioritários na realidade
- A ignorância dos pontos de entrada nas não são partidos e sim movimentos de
comunidades por parte de alguns partidos libertação. A UNITA já está a viver cisões e
políticos da oposição; com o MPLA mais cedo ou mais
- A insuficiente actuação da polícia na acontecerão, surgindo daí com certeza
protecção dos militantes dos partidos partidos mais coerentes.
políticos (polícia, sistema judicial).
b) Processo de Reconciliação e Reinserção
O processo de - Feridas fortes do passado; - Mesmo sem grandes programas de
reconciliação não - Linguagem de vingança (no discurso reconciliação as populações iniciaram um
está político e no trato diário); processo de perdão e de aproximação. Além
- Falta de aproveitamento das formas disto a desmobilização e o desarmamento

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suficientemente tradicionais de perdão e reconciliação; da FALA foram cumpridos. Maiores
estruturado e - Poucas organizações trabalham esta conflitos somente poderão haver antes,
coordenado dimensão. durante e depois das eleições,
Falta de - Insuficiente análise de contexto; principalmente quando os grandes partidos
- Receio de revolta pelos soldados da recordam o passado nas suas campanhas;
sensibilidade por - Caso os parceiros principais do Programa
parte dos UNITA;
- Ausência de coordenação entre as Geral da Reintegração, IRSEM e o Banco
doadores e Mundial, não abram os programas para
instituições envolvidas.
IRSEM na outros antigos combatentes e a população
planificação de geral, a implementação destes programas
projectos para vai trazer novas fronteiras e conflitos no
desmobilizados meio das comunidades;

- A presença da Defesa Civil em algumas


cidades e em alguns municípios “críticos”
vai dificultar a reintegração dos
desmobilizados e um ambiente de confiança
mútua.
c) Exclusão Social e Económica
Pessoas - Dificuldades no acesso à escola, - O processo de estruturação da economia
frustradas com emprego e assistência médica e mais integrada em Angola levará muito
a situação em medicamentosa; tempo, será difícil e estará sempre sujeito às
que o país se - Sector da economia formal bastante perversas influências da economia baseada
fraco; no petróleo e nos diamantes;
encontra
- Elevado índice de pobreza em que a
maioria vive; - Acredita-se que o índice de desemprego
- Valorização das importações em poderá eventualmente diminuir no seio da
detrimento da produção local. juventude com a entrada das empresas
Partidarização - Dificuldades no acesso a crédito internacionais de construção civil, que ao
dos serviços bancário; reabilitarem as entradas Luanda – Malange
sociais/públicos - Assumpção de cargos de chefia no e a da África austral possam aproveitar a
sector público. força activa juvenil. Porém, um dos maiores
Justiça social - Pobreza extrema; constrangimentos é a sua preparação para
ausente - Incipiente exercício da cidadania e assumir esses cargos e a sua postura perante
direitos humanos; o trabalho;
- Falta de visão;
- Medo de reclamar; - Não se acredita que a situação económica
- Os direitos sociais são vistos como um e social venha a melhorar nos próximos dois
favor e não como uma obrigação do anos, porque não há nenhuma perspectiva
Estado. visível de investimento e aposta séria na
Desigualdade na - O montante previsto no OGE para cada constituição das empresas nacionais, que
distribuição de província não tem em consideração o poderiam de certo modo estimular o
recursos entre o número de habitantes, sua condição e as mercado de emprego e inserção dos
necessidades de reabilitação. excluídos;
litoral e o
interior - O futuro revela a prevalência de uma
gritante distância entre a extrema riqueza e
Inexistência de - Falta de vontade política; a extrema pobreza, onde os ricos procurarão
uma política de - Tendência para a centralização. fazer alianças independentemente das suas
desenvolvimento opções ideológicas e partidárias, deixando
local e regional cada vez mais os pobres a margem e a sua
própria sorte;
Modelo de - As pessoas não estão no centro das
atenções; - A pobreza é um problema central e
governação que
- Produz a exclusão social e a estrutural que exigirá do Governo
não promove o programas estruturantes que comprovem a
desenvolvimento competição desleal;
- Não estimula os investimentos existência de modelos ou soluções
humano definitivas. Enquanto isso durar continuará
nacionais e locais;
- Deficiência no funcionamento das a contribuir para manter a exclusão social

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instituições intermédias entre os dos cidadãos Angolanos e
produtores e o mercado. consequentemente a perpetuação da
corrupção a todos os níveis.
d) O acesso à terra
Desigualdade de - Uso de força e influências para - Os conflitos de terra vão aumentar
acesso e posse conseguir títulos ou ocupar terras; significativamente, tanto no meio urbano
de terra - Falta de uma lei aplicável na ausência como no meio rural. Com a reabilitação de
de um regulamento; estradas e pontes o potencial de conflitos
- Fraco poder jurídico; sobre a terra rural vai diminuir em algumas
- Falta de conhecimento da lei; regiões e aumentar em outras;
- Cultura de violência
- Excessiva burocracia ou ausência do - A lei terras ora aprovada ainda não foi
Estado a nível local; suficientemente divulgada e carece de um
- A lei tradicional discrimina as mulheres regulamento. Segundo as informações
(poder nivelador e inveja). recolhidas este não será aprovado até ao dia
9.8.2005 (prazo estabelecido na lei), o que
pode agravar a situação e dar espaço para
muitos conflitos futuros;

- A aplicação de taxas sobre o uso das terras


(se forem aplicadas) pode resultar numa
diminuição voluntária dos grandes
latifúndios.

V. Sugestões para o trabalho da FES

As sugestões apresentadas têm como fim último ajudar a FES a orientar futuras
intervenções em Angola. Para tal, teve-se como referência os pontos críticos
identificados em cada área de potencial conflito estudada e os respectivos cenários
prováveis.

a) Em relação à democratização e processo eleitoral

A democratização de uma sociedade, quando esta sai de uma guerra de quase 30 anos,
não é alcançada do dia para a noite. É um processo que deve ser construído de forma
paulatina e com a participação de todos.

A heterogeneidade democrática é apontada como um ponto crítico que advém da


dificuldade de interpretação e aplicação da própria lei e da carência de hábitos de
convivência democrática. As situações mais críticas ocorrem no interior, a nível de
localidade, município e província. A situação mais preocupante é sem dúvida a
intolerância política que, caso não seja devidamente trabalhada poderá desembocar em
situações de conflito, principalmente no período eleitoral que se avizinha.

Necessário se torna:

1. A vulgarização e aplicação das leis de forma equitativa a todos os níveis;

2. A conquista de espaço quer pela sociedade civil como pelos partidos políticos;

3. A criação de uma cultura democrática que deve começar nas células mais
pequenas da sociedade(família, escola, instituições públicas, …);

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4. A promoção e o estímulo do surgimento de novas lideranças carismáticas,
fugindo da lógica das capacidades técnicas;

5. Apoiar iniciativas de ONG’s nacionais no âmbito da educação cívica eleitoral;

6. Trabalhar com as instituições (Polícia, Tribunais, …) a problemática da atitude e


o comportamento individual no trato com a dimensão profissional e partidária;

7. Criar ou melhorar os mecanismos de circulação e acesso a informação a todos os


níveis.

b) Em relação ao processo de reconciliação e reinserção

O sucesso do processo de reconciliação e reinserção é uma das pedras basilares para a


consolidação da paz, exigindo por essa razão o engajamento de todos os actores.

Necessário se torna:

1. Criar espaços para debate sobre o papel dos sobas no processo de reconciliação e
na reintegração dos ex-combatentes nas comunidades em particular;

2. Promover avaliações sobre os impactos negativos e o aumento de conflitos


através de programas (exemplo dos programas de reintegração de
desmobilizados) de forma a redefinir programas e projectos que proporcionem
de facto a reinserção e não sejam potenciais geradores de conflitos;

3. Aprofundar estudos sobre perdão tradicional para permitir uma convivência nas
aldeias sem medo entre as famílias e vizinhos;

4. Apoiar a publicação e divulgação de “estórias” sobre a cultura de Angola,


tradição oral, formas tradicionais do perdão etc.;

5. Iniciar reflexões sobra vantagens e desvantagens da amnistia e as suas


alternativas como uma “Comissão de Verdade”. Possíveis acções nesta área
devem:
- ser de forma informal/psicológica;
- não ser influenciada ou até “tomada” pelo governo ou partidos políticos;
- ser envolvidos métodos e autoridades tradicionais;
- ser combinados com Núcleos Comunais/formação de mediadores.

6. Discussão com os media e o público interessado sobre ética e profissionalismo,


principalmente em relação à linguagem de violência, e vingança; Discussão
sobre um “Código de conduta dos Jornalistas Angolanos”;

7. Apoio para organizações nacionais na formação de formadores e mediadores de


conflitos;

8. Criar ou melhorar os mecanismos de circulação e acesso à informação a todos os


níveis;

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c) Em relação à Exclusão económica e social

A exclusão económica e social é sem dúvida o campo mais propenso a conflitos pelas
razões anteriormente apontadas. A caminhada em busca de uma sociedade socialmente
justa é tarefa de todos, havendo necessidade de influenciar as lideranças a vários níveis
para que ocorram mudanças significativas e duradouras.

Necessário se torna:

1. Promover o acesso e distribuição de informações importantes sobre a vida


económica e social do país a organizações com acções concretas nas
comunidades e partidos políticos nas províncias do Huambo e Malange através
por exemplo da ADRA, COIEPA, DW e outras;

2. Participar na formação de novas lideranças da sociedade civil, Igrejas e partidos


políticos de forma a contribuir na transformação das instituições a partir de
influências nas atitudes e comportamentos das pessoas;

3. Apoiar programas e projectos de organizações nacionais que incorporam o


sistema de ”livelihood approaches”;

4. Definir uma estratégia conjunta com o fim de influenciar para que sejam
definidas políticas mais justas que possam contribuir para a redução da exclusão
social e da pobreza.

d) Em relação ao acesso a terra

A problemática da terra esteve no top das preocupações de muitas organizações e em


particular da rede Terra até a elaboração da Lei de Terras. No entanto, as entrevistas
realizadas mostram que muito trabalho há por fazer no sentido da divulgação e
esclarecimento dos interessados (instituições do governo a nível local, autoridades
tradicionais, organizações da sociedade civil e populações) no sentido de prevenir
futuros conflitos.

Necessário de torna:

1. Formar e capacitar mediadores de conflitos da terra (em cooperação com a FAO


e a Rede Terra);

2. Promover debates em todas as regiões de Angola sobre aspectos positivos e


negativos da lei e da justiça tradicional. O que aproveitar? O que por ao lado

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porque já não vale? (por exemplo possibilitar que mulheres possam herdar a casa
e a terra);

3. Definir uma estratégia concertada de divulgação e esclarecimento sobre a nova


lei e suas consequências (incluindo material didáctico);

4. Acompanhar o processo do regulamento da lei da terra (em cooperação com a


rede terra, que neste momento tem fundos limitados);

5. Promover uma discussão sobre “Segurança de uso de terra”, tanto nas áreas
urbanas como rurais (incluindo a discussão sobre o papel das instâncias do
Estado na aplicação de títulos e de instâncias jurídicas na controle do processo.

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