Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
em defesa da
saúde e da vida
AMTR-SUL
2008
Publicação da
ASSOCIAÇÃO DE MULHERES TRABALHADORAS RURAIS
DA REGIÃO SUL DO BRASIL
Abril de 2008
Organizadoras:
Vanderléia L. P. Daron
Zenaide Collet
Contribuição:
Luciana Piovesan
Justina Cima
Salete Girardi
Ilustrações:
Márcia B. Aliprandini
Projeto Gráfico:
MDA Comunicação Integrada
Impressão:
Gráfica Passografic
Apoio:
Convênio 060/2005
Secretaria da AMTR-SUL
Rua Sete de Setembro, 2070
Bairro Distrito Presidente Médice
89.806-150 - Chapecó - Sc
www.mmcbrasil.com.br
Apresentação
É
com alegria que o Movimento de Mulheres Camponesas – MMC
publica mais um instrumento de apoio à reflexão e estudo para as
dirigentes e militantes sobre a saúde. Este material apresenta uma
síntese dos muitos debates que vem acontecendo no MMC sobre a
saúde e suas relações com o projeto de agricultura camponesa, as
plantas medicinais, as sementes crioulas, a alimentação saudável e a
reeducação alimentar.
Todo este esforço tem por objetivo partilhar informações e experiências que
estão sendo realizadas pelas mulheres camponesas e contribuir na unificação e
aprofundamento dos temas que por ora perpassam a vida do MMC, acreditando
que: “quem faz já sabe, mas quem pensa sobre o que faz, faz melhor”.
Temos consciência de nossa contribuição na luta pela emancipação da mu-
lher que vem acompanhada com a luta pela transformação da sociedade. Por este
compromisso estamos todas convocadas a fortalecer e ampliar novos grupos de
mulheres para debater sobre a necessidade de saúde e vida.
Assim fortalecemos nossas lutas através de uma história aonde cada mulher
camponesa vai descobrindo que tem um papel fundamental na mudança das rela-
ções e na construção da nova sociedade tendo como princípio a vida, a justiça e o
bem estar de todas e todos.
Fortalecer a luta em defesa da vida.
Todos os dias!
Eduardo Galeano
Sumário
O passo seguinte
A
s mulheres são a maioria da o masculino e o feminino, mas, sobretudo,
população brasileira e são as para a transformação da sociedade patriarcal,
que mais buscam os serviços capitalista e neoliberal, sinalizando para as
públicos de saúde através do possibilidades reais contidas no sonho por um
SUS, para seu próprio atendi- mundo mais justo, igualitário e digno.
mento, mas principalmente
acompanhando crianças, familiares, idosos, Entretanto, “ainda é forte na humani-
pessoas com deficiências, amigos e vizinhos. dade, tal ‘superioridade’ do homem frente
São cuidadoras que, muitas vezes cuidam à suposta ‘inferioridade da mulher’, histori-
mais dos outros do que de si próprias. camente construída, produzida e imposta às
gerações como um modelo ‘natural’ da vida
O processo de saúde-adoecimento está em sociedade”. Tais idéias são reforçadas,
intrinsecamente relacionado com as condi- reafirmadas e agradam ao modelo patriarcal
ções de vida das pessoas, com o trabalho, o e capitalista em que vivemos, que encontra
ambiente, ou seja, há um conjunto de ques- sobretudo na dupla face da opressão/explo-
tões que determinam e/ou condicionam os ração a perpetuação de uma humanidade
processos de saúde e de adoecimento das “sem rumo” e sem perspectivas. Um “mode-
pessoas. No caso específico das mulheres e lo” de sociedade que se legitima conduzindo
da população negra e indígena, além disto, a massa dos humanos à base da dependência,
pesa as marcas da opressão, dominação, ex- da falta de autonomia, da violência, seja ela
ploração e violência que foi sendo imposta institucionalizada ou não. Compreender essa
pela sociedade de classes e sustentada pela construção histórica é uma necessidade das
cultura racista e patriarcal. dirigentes e lideranças do Movimento de Mu-
lheres Camponesas - MMC, pois acreditamos
Por isto, que para refletir sobre a saú- na possibilidade de novas relações sociais de
de das mulheres camponesas é preciso fazer gênero, classe, raça, etnia e com a natureza.
uma breve recuperação da trajetória históri-
ca e do papel das mulheres. A história da humanidade é marcada
pela atuação de mulheres e homens no desen-
volvimento do ser humano. O TRABALHO é um
1.1. As mulheres na história dos elementos fundamentais que diferencia a
espécie humana dos animais e que produz as
Um dos elementos fundamentais para
riquezas que deveriam ser partilhadas entre
entender as relações humanas, em especial,
todos. Vamos conhecer um pouco das mar-
o papel que a mulher desempenha na famí-
cas dessa história, levantando apenas algumas
lia, no trabalho, nos espaços de decisão têm
questões motivadoras, a fim de que possamos
sido a análise histórica social e cultural.
em nossa disciplina militante encontrar algu-
Quando oriundo de um contexto de luta mas referências e motivações para um estudo
pela emancipação humana e social, o papel mais aprofundado, ao qual estão todas convo-
da mulher tem sido fundamental para o avan- cadas a fazer, para melhor compreender a di-
ço não só das relações compreendidas entre nâmica da vida humana e da sociedade.
Vamos levantar alguns elementos a partir dos modos de produção
nas diferentes sociedades, vejamos:
Mais ou menos 125 mil anos antes de primitivas só foi possível devido às relações de
Cristo, a este período da história, foi dado o entre - ajuda e solidariedade existentes neste
nome de paleolítico1 médio. As pessoas se or- período. Assim como os trabalhos da sobrevi-
ganizavam em clãs também chamadas de co- vência era tarefa de todos, da mesma forma, a
munidades primitivas, ou tribos, eram nôma- defesa, a proteção, o cuidado com as crianças
des, ou seja, não tinham lugar fixo para morar, era responsabilidade de todos.
construíam abrigos temporários nas cavernas
para se protegerem e se defenderem dos ou- Neste período, o aprendiza-
tros animais. Aos poucos aprenderam a utili- do vinha da observação onde,
zar pedaços de madeira para derrubar o fruto ao mesmo tempo em que a
da árvore e arrancar as raízes. Assim foram or- mulher observa as mudanças
ganizando pequenos instrumentos de traba- que ocorrem em seu corpo
lho que os auxiliavam na coleta dos alimentos como à menstruação, a ges-
e, ao mesmo tempo, serviam de auto defesa tação, a amamentação, entre
no ataque de animais. O trabalho da mulher e outras; ela percebe a repro-
do homem era igual. No estudo dos sítios ar- dução das sementes e dos
queológicos no sul da África constatou-se que animais. Assim, começa a se-
70% da alimentação das comunidades primiti- mear desenvolvendo lentamente a primitiva
vas vinham das coletas de vegetais2. técnica agrícola. O plantio das sementes foi
garantindo a alimentação fazendo com que
Aos poucos foram descobrindo vários as comunidades primitivas permanecessem
instrumentos que auxiliavam na busca de mais tempo no mesmo lugar. Juntamente
alimentos. As redes foram criadas para faci- com o plantio das sementes ocorre também
litar a caça de pequenos animais. As caçadas a domesticação de pequenos animais, como:
eram comunitárias, delas participam mulhe- o cachorro, a galinha, o porco, a ovelha, a ca-
res, homens e crianças, “o problema é que as bra, entre outros. A terra, a alimentação, as
redes resistem menos aos efeitos do tempo ferramentas pertenciam ao coletivo.
do que as lanças e pedras afiadas3”.
O cuidado com a vida era muito forte
Essas informações, embora pouco divul- e havia uma relação estreita entre cuidar da
gadas, mostram como a mulher sempre traba- vida, da saúde com a natureza, utilizando as
lhou e desempenhou um papel relevante no plantas medicinais e com a dimensão da es-
desenvolvimento e no auto-sustento da hu- piritualidade. A mulher era portadora de uma
manidade. A sobrevivência das comunidades sabedoria imensa a este respeito e sabia como
1
Um período é o tempo que transcorre entre um fato histórico e outro, que altera a estrutura social. Cada cultura
tem estabelecido, graças a seus historiadores, os diferentes períodos históricos de sua sociedade. A cultura oci-
dental, ou melhor, a européia, que é determinante no meio de nós, estabeleceu dois períodos a Pré-história e a
História.
2
ZILHMAN Adrienne e TANNER Nancy (cientistas). O sexo forte. Artigo da Revista Veja, 1999, p. 110-115.
3
Depoimento no mesmo artigo da cientista SOFFER Olga. O sexo forte. Artigo da Revista Veja, 1999, p. 110-115.
lidar com o cuidado, com os mistérios da vida É interessante observar que nestas disputas o
e com a espiritualidade. grupo dominado se tornava escravo do outro.
Este período na história é conhecido Já em outras sociedades, entre elas al-
como o fim do período paleolítico e início do guns povos da América pré-colombiana possu-
período neolítico, ou seja, mais ou menos 12 íam uma organização mais igualitária entre ho-
a 10 mil anos antes de Cristo. mens e mulheres sem diferenças hierárquicas.
Porém, a organização da sociedade
Esta relação com a terra faz surgir à técni- criou estruturas e formas com características
ca da cerâmica inventando a panela e, com isso, bem distintas. Entre o povo da Babilônia, no
melhorando as condições de cozimento, os po- século VII antes de Cristo, a inferioridade da
tes auxiliando no armazenamento dos alimen- mulher era concebida como inspiração divi-
tos, bem como, a construção de casa de barro na, conforme consta no Código Hamurábi: 9
oferecendo mais segurança à comunidade.
Estes são exemplos de como a mulher
ocupava papel determinante na sociedade e
na economia, ou seja, a descoberta da agri-
cultura, com o plantio das sementes; a cria-
ção das cerâmicas que permitiu guardar e
proteger os grãos e alimentos, criando con-
dições de sobrevivência dos grupos que an-
tes eram nômades e estavam vulneráveis as
condições do clima, ao ataque de animais e à
falta de alimentos.
A descoberta de metais como o cobre,
o ferro e o bronze favoreceram a invenção de Isto também era reforçado pelo Alcorão,
novas ferramentas, como a charrua (tipo livro sagrado dos Muçulmanos recitado por Alá a
de arado primitivo), foi- Maomé no século VI. Na cultura persa, os filósofos
ce, enxada, ma- reforçavam a submissão das mulheres. Na cultura
chados, pilão, grega vale destacar os diferentes papéis desempe-
lanças, arpões... nhados pelas mulheres, citamos três exemplos:
Pilão de pedra Com isso, a a) A mulher na sociedade minóica4 era li-
agricultura toma um vre, podia adquirir propriedades e ser
novo impulso e passa dos quintais para áre- independente, além de ter um papel
as maiores exigindo mais trabalho e proteção de destaque no culto.
das plantações, pois outros grupos nômades b) A mulher espartana5 se destacava pela
que ainda não tinham descoberto a técnica do força militar. A educação da mulher era
plantio buscavam os alimentos nas plantações. quase igual à dos homens, participan-
Essa disputa primitiva originou as guerras, a do de exercícios físicos, de torneios e
propriedade privada e a divisão do trabalho. atividades desportivas. O objetivo era
4
A civilização minóica foi uma civilização que se desenvolveu na ilha de Creta, a maior ilha do mar Egeu, entre
2700 a.C. e 1450 a.C. Teve como principal centro a cidade de Cnossos. O termo “minóico” deriva de Minos,
título dado ao rei de Creta.Os minóicos foram uma civilização pré-helênica da idade do bronze, em Creta, no mar
Egeu. Baseando-se em descrições da arte minóica, essa cultura é freqüentemente descrita como uma sociedade
matriarcal voltada para o culto à deusa.
5
A sociedade espartana era fortemente estratificada, sem qualquer possibilidade de mobilidade entre os três grupos
existentes: os Esparciatas (filhos de pai e mãe espartanos, sendo os únicos que possuíam direitos políticos. As
muheres podiam herdar o klêros, (lotes de terra), mas só no caso de não ter existido descendência masculina e com
o objetivo de o transmitirem. Os espartanos não podiam exercer o comércio.), os Periecos (habitantes da periferia,
eram integrados no estado espartano ao qual pagavam impostos. Apesar de serem livres, não tinham direitos políti-
cos e dependiam dos Espartanos em matéria de política externa. Estavam obrigados à participação na guerra,) e
os Hilotas. (Eram os servos, que pertencendo ao estado espartano, trabalhavam nos kleros, entregando metade das
colheitas ao Espartano e eram duramente explorados. Deveriam cultivar essa terra a vida inteira e não podiam ser
expulsos de seu lugar. Levavam uma vida muito dura, sujeita a humilhações constantes.)
dotá-las de um corpo forte e saudável de deliberar, enquanto a mulher a possui, mas
para gerar filhos sadios e vigorosos res- sem autoridade plena, e a criança a tem, pos-
to que ainda em formação. Devemos, então,
saltando o papel de reprodutora, pois dizer que todas aquelas pessoas têm suas
os filhos eram sinal de vitalidade. Co- qualidades próprias, como o poeta (Sófocles,
mandavam o lar e eram respeitadas, Ájax, vv.405-408) disse das mulheres: "O silên-
mas não tinham direitos políticos. Já a cio dá graça às mulheres, embora isto em nada
mulher escrava era subjugada e usada se aplique ao homem” (Aristóteles, Política, I,
como objeto de prazer. 1260 a-b, pp. 32e 33)6.
P
sendo destruída a cadeia ecológica dos seres
ara analisar a situação de saúde vivos. Cada vez mais se consagra o poder do
das mulheres camponesas no capital sobre o trabalho, transformando a
Brasil, é preciso analisar as con- vida em “mercadoria”, negando os direitos
dições de vida e cidadania den- humanos e de vida, solapando a democracia
tro de determinado contexto, e agravando a dependência externa dos paí-
identificando os impactos disso na saúde das ses pobres frente aos direitos fundamentais,
mulheres trabalhadoras rurais. Daí resulta a como a questão da soberania alimentar, das
necessidade de perceber que a igualdade de sementes, da água, das plantas medicinais,
direitos vem sendo historicamente negada às colocando todos na lógica do mercado.
mulheres, constituindo-se num fator de discri- No caso específico da agricultura no
minação, evidenciado em relações desiguais Brasil, desde a década de 1960, o setor
de poder tanto na família quanto no mundo agropecuário e extrativista da economia
do trabalho e na sociedade em geral. nacional vem sendo sistematicamente des-
Esse processo vem associado à dinâmi- nacionalizado em nome de diversas moder-
ca geral da sociedade, visto que a riqueza se nizações. A chamada “Revolução Verde”11
9
Fazem parte dos países mais ricos os Estados Unidos, Canadá, Japão, Inglaterra, França, Alemanha, Itália.
10
Importante e profunda reflexão acerca do projeto da modernidade encontra-se em PALUDO. Educação popular
em busca de alternativas: uma leitura desde o campo democrático e popular.Porto Alegre, Camp e Tomo Edito-
rial, 2001.
11
Nas décadas de 1940 e de 1950, as fundações Rockefeller, Funcações Ford e Kellog, com apoio financeiro do
Banco Mundial e da ONU, introduziram pesquisas no campo das sementes de milho, arroz e trigo e de insumos
no México Filipinas e Índia. Esse processo de modernização foi denominado de “Revolução Verde”.
foi consolidando a agricultura industrial de Este processo de uso indiscri-
base química no mundo. No Brasil, os gover- minado de agrotóxicos vem provo-
nos militares, bem como, os que se sucede-
cando sérios riscos à saúde humana,
ram, deram continuidade a esse modelo de
modernização. Desde então, a agricultura animal e ao ambiente como um todo.
brasileira vem sendo submetida a diferentes Pesquisa realizada durante sete anos num
processos que a subordinam aos interesses hospital de Passo Fundo12 analisou seiscen-
do grande capital industrial de base norte- tos casos de crianças e levantou a hipótese
americana. Contribui nesta análise Carvalho, de que, em decorrência do uso de agrotó-
afirmando que a agricultura brasileira xicos, nasceram com deformações ósseas,
hidrocefalia, anencefalia, entre outras; mui-
vivenciou fases de mudanças tecnológicas tas dessas nem sobreviveram; e a cada 1000
18 em que predominavam objetivos como o crianças, 4,5 nascem com anomalias.
aumento da produtividade, uniformida-
de e processamento; o deslocamento das Além disso, conforme Anvisa (2003,
sementes não híbridas pelas híbridas; a p.3), num estudo científico sobre o impacto da
introdução de patentes de germoplasma
cultura do tabaco no ecossistema e na saúde
e, mais recentemente, os organismos ge-
neticamente modificados. Essas mudanças humana da região de Santa Cruz/RS, iniciado
estavam e estão sob direção intelectual em agosto de 1999 e concluído em novem-
(geração científica e tecnológica e políticas bro de 2001, pesquisadores da Universidade
públicas) dos intelectuais orgânicos dos de Santa Cruz do Sul, (Unisc), Universidade
capitais multinacionais. Como conseqüên-
Estadual de Campinas (Unicamp) e Universi-
cia desses processos deu-se a ascendente
concentração e centralização oligopolista dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) con-
das empresas privadas de sementes, a pre- cluíram que “as mulheres são mais afetadas
sença do capital multinacional na pesquisa por distúrbios nervosos do que os homens”.
científica e tecnológica relacionadas com A pesquisa aponta uma série de elementos
as sementes e a pressão dessas empresas
e dados preocupantes comprovando que os
na definição da legislação sobre a matéria.
agrotóxicos, entre eles, os organofosforados
(CARVALHO, 2002, p. 6).
e os ditiocarbamatos, são produtos neurotó-
Nesse sentido, o autor ressalta que os xicos que afetam o sistema nervoso por cau-
governos brasileiros apoiaram essas medidas sa do seu elevado índice de toxidade. Dos
de diversas formas, que vão desde as políticas casos analisados, as maiores vítimas são as
de subsídios agrícolas, à criação de instituições mulheres. Ainda segundo a Anvisa (2003, p.
públicas de pesquisa e assistência técnica, com 3), “outro dado preocupante é que 138 (44%)
o objetivo de atuarem na consolidação das dos entrevistados demonstraram um forte
mudanças tecnológicas induzidas pelas multi- grau de suspeição de morbidade psiquiátri-
nacionais. Como resultado desse processo há ca, sendo que a freqüência dos casos suspei-
o monopólio de empresas multinacionais nos tos foi maior em mulheres (60%) do que em
ramos de sementes, agrotóxicos, fertilizantes homens (31,6%)”.
químicos e de produção de fármacos. Os da- Assim, a implantação desta lógica capi-
dos estatísticos ilustram esse quadro: talista no campo ameaça os pequenos agricul-
As 10 maiores empresas de cada ramo tores, sobretudo o trabalho das mulheres, sob
controlam 84% do mercado mundial de pressão das grandes indústrias de alimentos,
agro-químicos, 60% do mercado mundial de sementes, de insumos agrícolas e de in-
veterinário, 48% do mercado mundial far-
macêutico e 30% do mercado mundial de
tegrados. Dessa forma, colocam em perigo a
sementes. Cinco dessas grandes corpora- saúde e a segurança dos alimentos, a autono-
ções estão presentes simultaneamente nos mia dos camponeses (as) e favorecem a pri-
quatro ramos assinalados: Phamacia (antes vatização de bens coletivos, como a saúde, a
a Monsanto); Syngenta (fusão da Novartis educação e o saneamento, entre outros.
e Astra-Seneca); Dupont; Dow Chemicals
e Aventis. Essas cinco empresas controlam 12
A enfermeira Mara Taggliari realizou sete anos de
100% das sementes transgênicas do mun- estudo num hospital em Passo Fundo RS - região
do e somente a Monsanto vendeu 94% das que tem alto índice de uso de agrotóxicos. Infor-
sementes transgênicas plantadas em 2001. mações extraídas do Documento: Projeto de Se-
(CARVALHO, 2002, p. 6). mentes crioulas do MMA/SC.
Este modelo de consumo capitalista que imperialista do mundo que controlam as se-
a sociedade foi incorporando com base na ex- mentes, petróleo, maquinários e carros for-
ploração dos bens naturais e na produção de mando uma rede de grandes lucros. a) Na
mercadorias descartáveis e não duráveis trou- agricultura - ADM, Cargil, Monsanto, Bunge,
xe muitos prejuízos a saúde humana e am- Sinngenta, Bayer e Dupont através da enge-
biental. A cada dia percebemos o aumento de nharia genética, transgênicos... controlam o
doenças, empobrecimento do solo, a falta de comércio das sementes; b) no setor energé-
água, a perda da biodiversidade entre outras, tico as transnacionais: Shell, Total e Bristish
devido ao uso exagerado de agrotóxicos, mo- Petroleum... controlam o petróleo; c) nas
nocultivos, desmatamentos, a poluição das indústrias automotoras, como: Volkswagen,
indústrias, lixo, enfim... o planeta não agüenta Peugeot, Citroen, Renault e Saab a fabrica-
mais esta forma de vida e reage com catás- ção de maquinários e automóveis com eta- 19
trofes, secas, enchentes, ciclones, doenças, nol e agro-combustível.
epidemias,..., provocado pelo aquecimento
global e pela destruição da natureza. Essas três matrizes formam atualmen-
te uma parceria inédita transnacional com o
discurso de garantir energia para o consumo
exagerado dos países ricos. Este processo
acelera o desmatamento, o desaparecimen-
to de espécies nativas, a perda das proprie-
dades físicas e químicas do solo com os mo-
nocultivos da soja, cana-de-açúcar, mamona,
canola. Se acentua o desrespeito aos direi-
tos humanos, trabalho escravo, mortes por
exaustão (excesso de trabalho), como tam-
bém, a falta de alimentação e o aumento da
fome no mundo.
13
Eric Holt Gimenez, coordenador da organização Food First,
14
MENEGHELLO, Geri E., KOHLS, Volnei K., BARUM, Alexandre O., BEZERRA, Antônio J. A.., RIGAT-
TO, Paulo SISTEMAS INTEGRADOS DE FRANGOS E SUÍNOS: UMA VISÃO DOS PRODUTORES
Rev. Bras. de AGROCIÊNCIA, v.5 no 2, 166-170. mai-ago,1999
A empresa transnacional, sueco fin- exploração da madeira, dos minérios, do
landesa, a Stora Enso está invadindo nosso alumínio e agora na exploração dos recursos
território comprando de forma ilegal e/ou no hídricos para a construção de hidroelétricas
nome de outros, chamados “laranjas15” áre- e a exploração da biodiversidade como ma-
as no Rio Grande do Sul, próximo à fronteira téria prima básica para fármacos, transgenia
com o Uruguai para plantar eucaliptos, pinos e nanotecnologias. Só no ano de 2007, foram
para indústria de celulose e exportar para destruídos 7 mil km2 da mata amazônica
os países ricos. Desrespeitando o artigo 20, para a criação de gado, já que em outras regi-
parágrafo 2 da Constituição Federal que diz: ões do Brasil avança os monocultivos de soja,
estrangeiros não podem adquirir terras em cana-de-açúcar para a produção de etanol e
uma faixa de 150 Km da fronteira do Brasil agro-combustível.
20 com outros países a fim de garantir a sobe-
rania nacional. Além de ameaçar a soberania
do país estão destruindo as riquezas naturais
como o aqüífero guarani e o Bioma Pampa,
expressão da biodiversidade nesta região
para atender a demanda de consumo de
seus países.
Atualmente a Aracruz Celulose S. A. é a
maior produtora de celulose branqueada de
eucalipto no mundo, representa 35% da pro-
dução mundial, produz cerca de 2,4 milhões
de toneladas/ano. Utiliza exclusivamente
plantio de eucalipto para produzir celulose
de fibra curta de alta qualidade, como papel
para imprimir e escrever. A mesma empresa
possui 263 mil hectares de terra própria no
Espírito Santo, além de mais 81 mil hectares Outra questão que preocupa os povos
consorciados com agricultores/as. Mais a da Amazônia é a medida provisória número
unidade de Guaíba/RS, outra na fazenda Bar- 422 de março de 2008, que legaliza as terras
ba Negra, em Barra do Ribeiro/RS. públicas griladas até 1500 hectares. Até mar-
Outra empresa de celulose é a Voto- ço de 2008, o Incra podia dar títulos aos pos-
rantin Celulose e Papel – VCP, que está in- seiros que tivesse posse comprovada até 100
vestindo na área florestal, adquirindo terras hectares. A gravidade desta medida é que ela
para o plantio de eucalipto no Estado de São rompe com o princípio de posse de estar mo-
Paulo, em regiões próximas às fábricas e a rando e trabalhado na terra, além do latifún-
implantação de uma nova reserva florestal dio poder regularizar as terras griladas.
da VCP no Sul do Estado do Rio Grande do Também o presidente revogou a por-
Sul podendo eventualmente incluir o norte taria do Incra que tinha poderes de regu-
do Uruguai, com a compra já efetuada de 66 larizar áreas quilombolas. Assim que uma
mil hectares de terras. comunidade apresentava requerimento ao
Todas nós sabemos do potencial de re- Incra, este designava peritos para análise. Ao
cursos naturais estratégicos: água doce, bio- se comprovar, o Incra encaminhava a posse
diversidade, madeira, minérios entre outros coletiva da terra direito garantido na Cons-
que compõe o bioma da Amazônia: Também tituição Federal, às comunidades indígenas
sabemos da ofensiva das transnacionais na e quilombolas. Mais uma vez o governo tira
15
Inicialmente, a Stora Enso adquiriu as terras em nome da Empresa Derflin, que é o braço da multinacional
para produzir matérias-prima. Como a Derflin também é estrangeira, não conseguiu legalizar as áreas.
Por isso, a Strora Enso criou uma empresa laranja: a Agropecuária Azenglever, de propriedade de dois
brasileiros:João Fernando Borges e Otávio Pontes (diretor florestal e vice presidente da Stora Enso para a
América Latina, respectivamente).Eles são atualmente os maiores latifundiário do RS.
direito e favorece as multinacionais. No Es-
tado do Pará estão 50% de todas as áreas de 1. Projeto 6424/05, propondo a redução
remanescentes quilombolas e muitas dessas
1 da reserva legal obrigatória na Amazônia
áreas estão griladas por grandes empresas passando de 80% para 50%, ainda permi-
como Aracruz e a Vale. te que a área de reserva seja também de
monocultivos de árvores exóticas como:
O semi-árido brasileiro é uma área que eucaliptos, palma de dendê entre ou-
abrange oito Estados do Nordeste, onde mo- tros;
ram 36 milhões de pessoas. É um bioma com
características próprias, onde chove entre
300mm a 800mm/ano. A caatinga, a mata
branca dos nativos Tapuias guarda uma bio- 22. Opropõe
Projeto de Lei nº. 2.335 de 2007, que
Alteração da Lei de Cultivares.
diversidade maravilhosa. É uma espécie de 21
Este projeto vai restringir os direitos dos
planta milenar que há 12 mil anos enfrenta
agricultores de guardar parte de sua co-
sabiamente as mudanças climáticas adap-
lheita para usar como semente para o
tando-se e enfrentando vigorosa e firme até
plantio no ano seguinte. Também impe-
os dias atuais a brutalidade e violência dos
dirá que o produto seja comercializado
modelos de desenvolvimento econômico.
sem autorização do dono da proprieda-
75% das áreas do planeta são de climas se-
de intelectual da semente ou muda, ou
mi-árido ou árido. O semi-árido brasileiro é o
seja, para comercializar seu produto o
mais populoso e é onde chove mais.
agricultor(a) terá que pagar uma taxa ao
dono da variedade (royalty).
O maior problema no
armazenamento de água no
semi-árido é protegê-la da 33. Alteração da Lei de Biossegurança que
permitir a utilização, registro, patentea-
evaporização e garantir sua
mento e licenciamento das Tecnologias
qualidade. Genéticas de Restrição de Uso, popu-
larmente conhecidas como sementes
As grandes empresas no intuito de Terminator, através do PL 268/2007. Se
ganhar dinheiro retomam um projeto ainda o uso destas tecnologias for liberado no
do tempo do imperador D. Pedro II de fazer Brasil, as empresas poderão produzir e
a transposição do Rio São Francisco. De lá comercializar sementes de plantas trans-
para cá a engenharia, aperfeiçoando as téc- gênicas estéreis. Os riscos a saúde e ao
nicas de transporte de água a longa distância, meio ambiente destas tecnologias ainda
aprimora formas de exploração da natureza são pouco conhecidos, o que torna muito
e do povo a serviço dos interesses do grande arriscada a sua utilização.
capital transnacional. Grandes obras favore-
cem a grandes empresas onde 70% da água
devem ser destinadas a projeto de irrigação, 4. Flexibilização dos critérios de importação
26% para o abastecimento urbano e 4% para 4 e simplificação dos procedimentos de re-
as populações rurais. Quem mesmo irá se gistro dos agrotóxicos no Brasil. Existem
beneficiar com este projeto? grandes pressões no Senado e na Câmara
por parte das empresas químicas no sen-
De outro lado, o povo do tido de facilitar o registro de novos agro-
semi-árido desenvolveu tóxicos e promover a circulação destes
cisternas adaptadas às famílias produtos nos países do Mercosul. O go-
e sua realidade de trabalho. verno já autorizou o registro de produtos
por equivalência. Isto quer dizer, se o pro-
Em Brasília na Câmara dos Deputados duto for considerado semelhante a um
e no Senado tramitam vários projetos de in- produto que já está registrado, não pre-
teresses das transacionais, vejam alguns a cisará passar por uma série de testes que
seguir:
medem os impactos da utilização deste “Depois de a última árvore sem
produto para a saúde e o ambiente. frutos, o último rio envenenado,
o homem perceberá que
dinheiro não se come.”
5. Projeto de alteração dos Direitos previ-
5 denciários. O governo aprovou a Medida
Gustavo de Assis
Provisória 410/2008, que vai para discus- Além da pobreza, dos milhões de fa-
são e votação no Senado Federal e passa mintos, crescem as desigualdades salariais,
a se chamar Projeto de Lei de Conversão as péssimas condições de trabalho, o traba-
– PLC 08/2008. Ressaltamos os principais lho não reconhecido e/ou não remunerado,
pontos que nos preocupam e com os a comercialização do corpo das mulheres e a
22 quais não concordamos na Medida Pro- violência sobre as mulheres e crianças. Esta-
visória: 1) Artigo 48 § 3º - Mudança de tísticas internacionais indicam que uma em
idade para aposentadoria: a Constituição cada três mulheres é ou já foi agredida pelo
de 1988 no Art. 201 inciso II garante ao/a parceiro. No Brasil, estudos baseados nos
segurado/a especial a aposentadoria aos boletins de ocorrência emitidos pelas dele-
55 anos para a mulher e de 60 anos para gacias apontam que cerca de 25% da popula-
o homem. Chamamos atenção para a gra- ção feminina é vítima de violência.
vidade e inconstitucionalidade da Medi-
Segundo documentos da ONU, a vio-
da Provisória que aprovou que para o/a
lência contra as mulheres está fortemente
trabalhador/a rural que não comprove
enraizada no mundo inteiro, pois a discrimi-
consecutivamente 15 anos de atividade
nação atinge as mulheres do berço ao túmu-
rural, a mulher se aposentará com 60
lo. Conforme o documento, além de sofrer
anos e o homem com 65 anos de idade.
violência física, as mulheres são discrimina-
A medida também trata de contratos de
das no acesso à saúde, à educação, ao mer-
curta duração sem obrigação de carteira
cado de trabalho, ao título de posse da terra,
assinada. Ainda no Artigo 25 § 11 trata de
entre outros.
pagamento do IPI dos produtos artesa-
nais e industrializados, isto é uma ame- De outro lado, as grandes forças econô-
aça, pois, se o agricultor/a comercializar micas mundiais, representadas por empresas
produto que esteja sujeito à cobrança de dos Estados Unidos, para manter seu poder
IPI, ele perde a condição de segurado/a econômico, político e cultural, vêm mostran-
especial. Entre outros pontos que levam do que não há limites para sua ação quando
o trabalhador (a) rural perder direitos. suas políticas são ameaçadas; se necessário,
Além disso, esta medida carimba recurso usam da guerra para destruir os que resistem
do crédito rural para habitação, nós de- ou enfrentam suas políticas, como é o caso
fendemos que o governo fortaleça uma da guerra contra o Iraque.
política específica para a habitação rural.
Ao mesmo tempo, cresce a pobreza no
campo, com a exclusão das classes popula-
res e a discriminação de mulheres, negros,
Esses e outros projetos que tramitam
índios, idosos e crianças. O acesso dessas
na Câmara Federal e no Senado vêm com-
pessoas aos serviços de saúde e educação e
prometer a vida e o trabalho das camponesas
às necessidades básicas, inclusive a alimen-
(es). Vão beneficiar o agronegócio e o grande
tação, fica, muitas vezes, situado no embate
capital transnacional. Precisamos tomar cui-
entre os interesses do lucro, de um lado, e,
dado, pois através dos meios de comunica-
de outro, a necessidade de garantia desses
ção são apresentados como ação inovadora,
direitos preconizados na Constituição. No
tecnologia, avanço científico..., mas a serviço
entanto, para as elites capitalistas no Brasil
de quem? Quem irá se beneficiar com esses
e governos aliados às suas políticas, a saída
projetos? Quais serão as conseqüências na
apresentada para o campo foi políticas com-
vida cotidiana?
pensatórias, a exemplo do Banco da Terra,
uma solução de “mercado” para um enorme
problema social que só pode ser resolvido que sustenta o próprio sistema.
através de uma profunda reforma agrária.
Na esfera da política, encontra-se quase
No âmbito de Brasil, segundo Melo , 16
que em todos os espaços a mulher ocupando
com base num recorte de gênero, as funções de serviços e de representação.
No entanto, os espaços de decisão ainda pre-
a estrutura de mercado de trabalho brasi-
leiro, no qüinqüênio de 1993/1998, obser- valecem como lógica prioritária dos homens.
va-se uma taxa de participação em dobro Certamente, é esse um processo histórico e
de mulheres que trabalham sem remune- que exige atuação das mulheres, de um lado,
ração. Esta taxa chega a ser escandalosa e, de outro, mecanismos de democratização
quando se observa o caso das mulheres ru-
e incentivo à participação dentro das famí-
rais, onde 815 delas trabalham sem remu-
neração; isto de um lado desnuda a ques- lias, nas comunidades rurais, nas entidades
tão da invisibilidade do trabalho feminino, (movimentos, sindicatos, cooperativas, par- 23
de outro explica a pobreza que ronda os tidos etc.). Também requer condições para
lares rurais. (MELLO, 2002, p. 10). que as mulheres possam participar, como a
Percebe-se que a pobreza tem, cada vez divisão das tarefas domésticas, rodízios de
mais, a expressão das mulheres. A própria participação em mobilizações, solidarieda-
Organização das Nações Unidas atesta que de, entre outras, que precisam ser constru-
as mulheres representam 70% da população ídas para que a participação não fique só no
que vive em estado de miséria. As mulhe- discurso, mas se efetive.
res camponesas, que, além de enfrentarem Na esfera da cultura, a opressão e a
a dureza das conseqüências desse modelo discriminação sobre as mulheres sustentam-
como todos os trabalhadores rurais, acabam se pela ideologia burguesa machista, que,
sentindo na pele as marcas da sobrecarga de quando não consegue a hegemonia pelo
trabalho de sol a sol na roça, do cuidado com convencimento das mulheres de que sua
a casa, comida, roupas, animais, pomar, hor- condição é esta e que deve ser assim, vale-se
ta, entre outras tarefas cotidianas, da opres- da repressão e da violência para oprimi-las.
são, da discriminação e violência, marcas Neste campo, percebe-se um crescimento de
desse modelo de sociedade que determinam músicas que discriminam e colocam a mulher
seu caráter perverso e desumano17. numa condição inferior à do homem, como
Na esfera da economia, especifica- veiculando a idéia de que apanhar faz bem
mente na produção, as mulheres enfrentam (como a música “um tapinha não dói”, e “ajo-
o centro da lógica neoliberal, que é acabar elha e chora”), bem como, reforço a formas
com a soberania alimentar dos povos, pois de comportamento que consideram a mu-
são as mulheres que, historicamente, vêm lher numa posição inferior; em propagandas
cumprindo essa função na propriedade. que utilizam o corpo da mulher como objeto.
Além disso, o fato de elas sempre terem tra- Além disso, a educação ainda é sexista, ou
balhado ao lado dos homens na roça, o re- seja, educam-se as mulheres para a reprodu-
conhecimento da profissão de trabalhadora ção e os homens para a produção, reforçan-
rural só foi conquistado com muita luta das do comportamentos discriminatórios.
mulheres em 1988, sem, contudo, ter havido No I Fórum Internacional em Defesa da
mudanças na administração dos bens produ- Saúde dos Povos, realizado em Porto Alegre
zidos coletivamente. Ainda, a par disso, pelo durante o II Fórum Social Mundial, em ja-
fato de serem as geradoras da vida humana, neiro de 2002, afirmou-se a necessidade de
as mulheres acabam assumindo o conjunto denunciar os efeitos das macropolíticas de
das responsabilidades (no espaço privado) ajuste sobre a saúde dos povos e de agir no
pelos cuidados, proteção e educação dos fi- sentido de mudar a direção do processo he-
lhos (as), reproduzindo a força de trabalho gemônico em curso:
16
Hildete Pereira de Melo é professora da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF).
17
Esta análise baseia-se no texto “A afirmação da cidadania na luta das mulheres trabalhadoras rurais” na obra
Direitos humanos no Brasil: diagnóstico e perspectivas”, de DARON, V.L.P.; GUADAGNIN, I. Rio de Ja-
neiro: Ceris, 2003. p. 130-134.
Esse contexto demonstra o quanto o
respeito à vida, aos direitos humanos e à saú-
de das classes populares e, especialmente,
das mulheres camponesas ainda está longe
de ser efetivado. Como conseqüência desse
processo, a vida das mulheres
é marcada pela baixa auto-estima, pela falta
de poder, discriminação, pelo medo e pela
dependência [...]. Por outro lado, a atual
situação dos homens também não é nem
confortável, nem saudável. [...] O custo da
negação de parte de si mesmos em favor
24 da cultura de masculinidade e do exercício
deste tipo de poder traz sérias conseqü-
ências para a saúde dos homens. (COSTA,
2000, p. 12).
20 Interessante analisar como de fato o SUS no meio rural ainda é insuficiente em sua implantação. As várias
reivindicações apresentadas ao Ministério da Saúde pelos movimentos do campo evidenciam a fragilidade
desse sistema, que tem dificuldades de funcionamento no meio rural; ao mesmo tempo, denotam a necessidade
de repensar políticas tanto para o sistema de saúde quanto para o redirecionamento da lógica do desenvolvi-
mento rural e urbano brasileiro. São sinais de que a população rural, composta de uma diversidade de sujeitos
como os sem-terras, as mulheres camponesas, as quebradeiras de coco, as populações ribeirinhas, remanes-
centes de quilombos, pequenos agricultores, atingidos por barragens, jovens, idosos, crianças, indígenas, entre
outros, está completamente excluída dos processos de desenvolvimento e das ações e políticas de saúde. Essa
caracterização provocou o surgimento do “grupo da terra” dentro do governo para pensar políticas capazes de
responder às necessidades e demandas apresentadas pelos movimentos do campo. De qualquer maneira, apesar
de um passo significativo, isso ainda é insuficiente se pensarmos os limites que têm as políticas públicas numa
sociedade subordinada aos interesses do capital internacional.
sair da lógica da exclusão na sociedade, Como afirma uma dirigente do movi-
evidenciando a relevância da dimensão mento: “Lutar por saúde exige se contrapor
política enquanto ser humano; ao projeto neoliberal, do lucro e da morte de
milhões de pessoas, como conseqüência de
Ee) que
A potencialidade e as possibilidades
a luta e o trabalho em saúde pro-
um modelo centrado no lucro e não na saú-
de”. Há um entendimento comum no movi-
porcionam para as mulheres, suas fa- mento acerca do tipo de enfrentamento que
mílias, comunidades; o potencial das é feito ao lutar por saúde, cujos interesses
relações que a saúde estabelece com o em jogo são pesados e poderosos, porque se
cotidiano, com a vida, com a natureza, contrapõe o projeto de vida com o modelo
com a produção, com o corpo, com o da doença em vista do lucro para alguns, que
ser mulher, com a cultura popular, com colocam a vida à mercê dos interesses eco-
28 a fé e a religiosidade, com o desenvol- nômicos hegemônicos.
vimento, com a política pública, com o
enfrentamento das causas da fome, mi-
séria e doença. A distância entre pobres e ricos
Vem...,
Que somos mulheres gerando a vida,
gerando guerreiros
e guerreiras de cabeças erguidas!
Marchando, lutando,
com força, com brio,
construindo com garra,
com força que ampara a utopia,
o sonho de um novo Brasil!
Fragmentos do poema de Daniel Salvador
Mulheres camponesas,
saúde e construção do
Popular de Agricultura
Projeto
3
29
A
o estudar a agricultura campo-
nesa vimos que ela ao longo
dos tempos foi se constituindo
como um modo de vida com
valores princípios e limites. Ali
o trabalho familiar procura garantir a pro-
dução diversificada de auto-sustento e ren-
da. Possui uma ciência de combinar a produ-
ção vegetal e a criação animal o ano todo.
Na agricultura camponesa o ambiente: terra,
água, sementes, plantas, animais fazem par-
te das relações de convivência e de trabalho,
assim como o sol, a lua, a chuva, a geada, as
estações do ano, os ciclos da natureza expres-
sam esperança, morte, transformação e vida.
Elas sabem organizar o quintal combinando
variedades de flores, plantas medicinais, po-
mar privilegiando perto da casa a sombra
para acolher amigas (os), as vizinhas (os). A
comunidade também é um espaço significa-
tivo onde todos se conhecem, se encontram
para a celebração, a festa, o jogo, muitas ve-
zes ali se dá organização, os conflitos, a troca
de experiências, entre outras.
de mulheres camponesas valorosas e esper-
Mas também a agricultura camponesa tas que resistiram e continuam batalhando
reproduziu padrões e limites da cultura patriar- pela própria emancipação.
cal de opressão da mulher, do modelo capita-
lista de exploração da classe trabalhadora. Por Lutam pela valorização e reconheci-
muito tempo, a dominação de gênero e a ex- mento de seu trabalho. Cultivam seu roça-
ploração de classe atuaram fazendo da mulher do. Criam pequenos animais. Plantam de
um ser inferior, menos preparada, invizibilizan- tudo para o consumo da família e também
do seu trabalho e suas potencialidades. para a comercialização, como: batatinha,
amendoim, pipoca, arroz, cana-de-açúcar,
Em todos os tempos houve mulheres plantas medicinais, flores, verduras, pêsse-
que reagiram, enfrentaram os limites, rom- go, laranja, uva, banana, abacate, entre ou-
pendo padrões e forjando novas relações. tras. Participam da comunidade, organizam
Também é verdade que muitas mulheres o Movimento autônomo envolvendo outras
aceitaram a subordinação, no entanto, nas mulheres. Buscam se apropriar do estudo,
atividades do Movimento de Mulheres Cam- do conhecimento participando de cursos e
ponesas encontramos muitas experiências outros espaços de capacitação, enfim são
mulheres agentes de profundas transforma-
ções na sociedade. Pois, fazer agricultura
camponesa não se trata de voltar ao passa-
do, mas sim ressignificar valores da cultura
camponesa de autonomia, de diversificação
da produção, de cuidado com ambiente, de
novas relações sociais.
Essa mudança exige opção pessoal,
familiar, comunitária e um profundo desejo
e disposição de repensar a maneira de agir.
Neste sentido o Movimento de Mulheres
30 Camponesas – MMC defende e luta pela
construção de um projeto popular de agricul-
tura camponesa, promotor de saúde e vida,
a partir dos princípios da agroecologia tendo
a compreensão e a necessidade:
De preservar o ambiente como
condição de viver. Entendemos como o es-
paço de estabelecer novas relações sociais e
ambientais. Incorporar o valor do cuidado,
respeitar todas as formas de vida. “Os recur-
sos naturais (terra, água, ar, biodiversidade,
energia...) são bens comuns, patrimônio dos
povos a serviço da humanidade”.
Da produção e economia campo-
desenvolver tecnologias simples, acessíveis e
nesa. Defendemos que a produção cam- adequadas que tornem o trabalho no cam-
ponesa deve ser agroecológica, que venha po menos penoso, mais leve e gratificante. É
proporcionar a autonomia das famílias no pelo trabalho que realizamos a solidarieda-
auto-sustento e renda integrando campo e de, a entre-ajuda, seja na produção, na orga-
cidade. Para isso é preciso pensar o acesso e nização da casa, na busca do conhecimento,
controle dos meios de produção (terra, equi- no cuidado dos filhos e filhas, no embeleza-
pamentos, tecnologia), que possa garantir a mento, enfim, em todas as dimensões que
segurança e a soberania alimentar, a recupe- envolvem a vida.
ração das sementes crioulas ou tradicionais,
respeitando a biodiversidade local e regional. De construir novas relações combi-
Distribuir renda inclusive para as mulheres nando o projeto de vida e o projeto de socie-
camponesas significa valorizar e reconhecer dade, onde o relacionamento com as pessoas
o trabalho da mulher na produção de ali- e com o ambiente seja pautado nos valores de
mentos diversificados e saudáveis. vida, alegria, no respeito à diversidade étnico-
racial, de gênero, econômica, política, cultu-
De nova compreensão do trabalho. ral, ecológica, valorizando todas as gerações.
Somos os únicos seres capazes de projetar
e refletir sobre o que fazemos e porque fa- De valorizar a cultura camponesa e
zemos. O trabalho pode possibilitar nossa feminista entendida como um modo de vida
humanização, ou a nossa desumanização. que implica no modo de ser, de se relacionar
Sendo o trabalho que gera toda a riqueza os socialmente no campo, valorizando o trabalho
poderosos sempre se apropriaram da força na terra, o cuidado com a biodiversidade e a
de trabalho dos povos e especialmente das defesa da vida. Além disto, precisa respeitar e
mulheres e dos jovens para enriquecer, por fortalecer a arte e a cultura camponesa atra-
isso é necessário abolir a compra da força vés de crenças, rezas, rituais, visitas, pratos tí-
de trabalho. O desafio é ressignificar o tra- picos, mutirões de trabalho, danças, rodas de
balho como identidade, realização e cresci- viola, mateadas, literatura de cordel, repente,
mento de mulheres e homens. É necessário trovas, festas típicas, cirandas, entre outras.
Da participação das mulheres como 8 Educação popular do campo com o
protagonistas em todos os espaços de deci- princípio da educação popular, constru-
são sobre a produção, o patrimônio, o dinhei- ção da consciência emancipatória, valo-
ro, as relações humanas, políticas e comuni- rizando e incentivando o saber popular.
tárias, de maneira a garantir a manutenção e
o avanço do campesinato. Diante da real situação do campo para
potencializar e melhorar a vida destas famílias é
De garantir Políticas Públicas para necessário investimento público, com recursos
viabilizar, potencializar, facilitar, ampliar e ga- e políticas adequadas. A agricultura campone-
rantir os direitos das trabalhadoras e traba- sa produz 70% de toda a produção diversifica-
lhadores no campo. As pessoas que moram da de alimentos que vai a mesa, diariamente,
no campo precisam de: do povo brasileiro. Diante do que representa
8 Reforma Agrária com o acesso a terra e a agricultura camponesa é que precisamos
31
produção de alimentos saudáveis; fortalecer nosso Movimento, articular nossas
8 Previdência Pública Universal e Solidá- lutas para que o dinheiro público seja investi-
ria e a garantia da condição de seguradas do na produção de alimentos saudáveis, uma
especiais e dos direitos adquiridos (salá- vez que a maior parte do investimento público
rio maternidade, aposentadoria, auxílio é destinada para o agronegócio. Não se trata
doença, acidente de trabalho, auxílio re- apenas de inverter esta lógica, mas de assumir
clusão), bem como, sua ampliação. um projeto de agricultura fundamentado em
princípios de justiça, equilíbrio e vida.
8 Saúde pública de qualidade, integral,
humanizada e com efetiva participação O campo não é o lugar de quem
popular e funcionamento do Sistema não teve oportunidade na vida.
Único de Saúde - SUS.
Estar no campo hoje é acima de
8 Subsídio público para investimento na tudo uma opção e uma missão
agricultura camponesa, garantido as mu-
lheres o acesso e autonomia na adminis-
de produzir alimentos saudáveis,
tração. E seguro agrícola para a reposi- preservando os bens naturais
ção nas perdas dos produtos atingidos comprometidos com a vida, a
por intempéries. saúde e a justiça para todos.
8 Documentação pessoal e profissional
Como começar?
às camponesas e camponeses facilitan-
do o acesso aos benefícios e o reconhe- Para começo de conversa não há uma
cimento de sua profissão. receita para construir o projeto popular de
8 Moradia digna, saneamento, luz e es- agricultura camponesa a partir dos princípios
tradas para facilitar as condições de vida da agroecologia. Todos têm algo a fazer. Se
no campo, e lazer, com direito ao acesso você tem um quintal, terreno, lavrado, gleba,
de atividades culturais nas comunidades fundo de pasto ou roçado, você pode come-
rurais (cinema, teatro esportes...). çar cuidando e preservando deste espaço. A
seguir teremos algumas idéias para você co-
8 Investimento público na pesquisa, ci-
meçar pensar, avaliar, propor e praticar.
ência e tecnologias a serviço da vida,
adequadas às necessidades da agricul- 1. O primeiro ponto é ter a convicção de
tura camponesa agroecológica e que ve- que precisa mudar a forma de produzir.
nha facilitar o trabalho no campo, bem Normalmente esta iniciativa num primei-
como, de acesso a todos. ro momento é pessoal, mas aos poucos
8 Políticas públicas de combate à violên- o diálogo vai motivando a família. O des-
cia e proteção de mulheres e crianças. pertar para a mudança pode vir da troca
de experiências, de estudos reuniões, de-
8 Política de comercialização e aquisição
bates, intercâmbio, entre outros.
direta de alimentos e produtos da agri-
cultura camponesa, para os trabalhado- 2. Com a tomada de decisão pela mudan-
res da cidade e entidades públicas (esco- ça precisa fazer um estudo organizado do
las, creches, hospitais...). que possuem, ou seja, um levantamento
das potencialidades de seu quintal ou de Contribui com a alimentação equilibrada,
sua unidade de produção: tipo de terreno, saudável e de qualidade.
quantidade de água, plantas, biodiversida- 12. As árvores e matas são fundamentais
de, ventos, mata nativa, animais... para o equilíbrio ecológico. O controle de
3. Analisar se o que deseja produzir é com- animais ajuda manter a umidade, regular
patível com o solo, o clima, bem como, o o clima e as chuvas. Pode ser utilizado em
que já possuem, ou precisam adquirir e sistemas de agro-floresta, combinando a
que recursos disponibilizam. produção de frutas, ou madeira para le-
4. Planejar a produção de forma que garan- nha, consumo doméstico e outras neces-
ta a diversidade de produção vegetal e sidades com a produção de animais, leite,
animal, necessária para o auto–sustento. mel e outros.
32 Mas também a produção que será dispo- 13. Outra questão que precisa pensar é so-
nibilizada para renda e onde e como irão bre as possibilidades de geração de ener-
comercializar. gia. Ela é indispensável para facilitar a
5. Analisar a disponibilidade da força de trabalho vida cotidiana.
I
nicialmente, cabe destacar, que, ao Brasil, evidenciando a forma como as classes
analisar a saúde no Brasil, é preciso populares eram consideradas em cada mo-
considerar que as políticas e insti- mento histórico, na perspectiva de análise de
tuições de saúde desempenharam que as políticas sociais vêm sendo, em algum
um papel histórico inegável para a grau, vinculadas à acumulação capitalista23.
constituição e estabilização da ordem socioe- O período de desenvolvimento agro-
conômica brasileira; ajudaram a modelar cer- exportador, especialmente no Brasil Império,
tos traços estruturais dessa ordem, entre os Vasconcelos (2001, p. 74) caracteriza como da
quais a tendência de concentração de poder e “ausência do ator popular na cena política”, de-
a exclusão das classes populares dos circuitos monstrando que os escravos (grande maioria da
de decisão econômica, política e cultural do população), como não tinham nenhum reco-
país. Segundo Vasconcelos (2001)22, nhecimento social e político, não possuíam ne-
a relação entre os serviços de saúde e a po- nhum tipo de direito. As condições de vida e de
pulação é condicionada por dimensões es- saúde dos (as) trabalhadores (as), especialmen-
truturais complexas, que requerem a análise
te dos escravos, eram extremamente precárias.
histórica, pois se inserem nos processos so-
ciais, os quais dependem de dinâmicas cultu- Nesse sentido, há estimativas de que o índice de
rais, políticas e econômicas que acontecem mortalidade era superior ao da natalidade24.
fora dos serviços de saúde. Daí a importân-
O controle do Estado sobre a socieda-
cia de analisar as políticas sociais e, no caso
específico, a da saúde, não com base numa de é uma das características do pensamento
análise intrínseca a ela nem como ideal a ser mercantilista, no qual o bem-estar da socie-
alcançado pela sociedade, “mas a partir da dade identificado com o bem-estar do Esta-
compreensão da base material e das rela- do, típico do período monarquista no Brasil:
ções objetivas e subjetivas em que ocorre-
um Estado centralizado, com forte aparato
ram ou ocorrem”. (VASCONCELOS, 2001)
jurídico-legal, portador do poder de decisão
Assim, cabe analisar, mesmo que de e de execução; um Estado intervencionista,
forma breve, como esse processo se deu no no qual a sociedade deve servir ao mesmo.
21
Daron, Vanderléia. Esta parte tem como base a dissertação de mestrado.
22
Vasconcelos, Eymard Mourão, é médico e atua na área da saúde na perspectiva da educação popular. Tomo
como referência de análise a obra A saúde nas palavras e nos gestos: reflexões da rede de educação popular e
saúde.São Paulo: Hucitec, 2001, capítulo 3: “Participação popular e educação nos primórdios da saúde pública
brasileira”.
23
Para aprofundar essa abordagem histórica desde o processo de urbanização, que ocorreu a partir da primeira
Revolução Industrial na Inglaterra do que emergiram os problemas de ordem sanitária, educacional, habita-
cional e de segurança, recomenda-se a leitura de Rizzotto em sua tese de doutorado sobre O banco mundial e as
políticas de saúde no Brasil nos anos 90: um projeto de desmonte do SUS. Campinas, 2000.
24
Conforme análise feita por Vasconcelos (p.77, 2001), a partir dos dados do primeiro censo de 1872, analisados
por Celso Furtado.
Essa análise histórica pode ser feita tam- nais. Esses institutos favoreciam as categorias
bém considerando as políticas e instituições de trabalhadores urbanos, que já esboçavam
de saúde no Brasil a partir de longos períodos algum nível de organização ou eram funda-
e principais momentos da conjuntura da his- mentais para a economia agro-exportadora do-
tória, como a proclamação da República em minante. Os recursos para esse fim eram pro-
1889, passando pela restauração dos direitos venientes de contribuições dos trabalhadores,
políticos e civis cassados no pós-1964 e a partir empresários e governos, no entanto eram uti-
da década de 1980, posteriormente passando lizados para financiar o processo de industria-
pela Nova República e culminando com o pro- lização do país e só tinha direito à assistência
cesso de políticas neoliberais da Era Collor e de quem pagasse. Mais uma vez, a grande maioria
Fernando Henrique Cardoso (1994-2002). do povo não tinha acesso a esses direitos.
34 Assim, entre 1889 e 1930, o modelo de A ação do Estado na saúde dividiu-se
saúde criado era concentrado em nível na- em dois ramos: o da saúde pública de caráter
cional e o sistema, organizado e implemen- preventivo, desenvolvido através de campa-
tado em instituições públicas. Caracterizava- nhas, e a assistência médica de caráter cura-
se por campanhas sanitaristas, destinadas a tivo, que se desenvolvia através da ação da
combater epidemias urbanas e, mais tarde, Previdência Social.
endemias rurais. Nesse período, doenças É interessante destacar que no período
como febre amarela, varíola, cólera e tuber- anterior, especialmente a partir de 1808, com
culose levaram a população portadora a sen- a criação da Faculdade de Medicina na Bahia,
tir vergonha, o que se agravava com a falta os problemas de saúde eram justificados
de atendimento médico de caráter público. como causados pelo fato da população ser da
A população pobre só dispunha de atendi- raça negra, evidenciando uma visão discrimi-
mento filantrópico nos hospitais de caridade natória com relação aos negros e mestiços.
mantidos pela Igreja. As campanhas sani-
taristas eram organizadas como campanhas Somente a partir da década de 1930,
militares, dividindo em distritos as cidades sob a influência de uma nova vertente advin-
ou locais, encarcerando os doentes de mo- da da Faculdade de Medicina do Rio de Ja-
léstias contagiosas e obrigando-os a práticas neiro, que enfatizava as condições de higiene
sanitárias pela força, ou seja, eram tratados e sanitarismo, e utilizando o instrumento da
como caso de polícia25. psicanálise que chegava ao Brasil, começou
a ser admitido que os problemas de saúde
Em 1923 foram criadas e organizadas enfrentados pela população pobre não se
em Lei as Caixas de Aposentadoria e Pensões davam por causa da degeneração racial, mas
(Caps), com as quais, pela primeira vez, o Esta- pelas condições miseráveis de vida que en-
do interferiu para criar mecanismo destinado frentavam, bem como, levantou-se a possi-
a garantir ao trabalhador algum tipo de assis- bilidade de explicar as diferenças culturais
tência. É claro que isso se deu pelo processo existentes e de dar importância à educação
de pressão que vinha sendo feito por meio de como aliada aos processos de saúde.
greves pelos trabalhadores no início do proces-
so de industrialização do Brasil; por conta disso, Nesse contexto, havia a necessidade
só tinham direito trabalhadores ligados a em- de dar resposta ao grave problema pobreza/
presas marítimas e ferroviárias, onde o nível de doença. Desenvolveu-se, então, uma nova
organização de trabalhadores era maior. forma de compreensão e prática na relação
do Estado com a sociedade, que enfatiza-
O período seguinte, entre 1930 e 1950, va a capacidade da comunidade de se unir,
pode ser considerado clientelista-populista pela de se organizar, de se esforçar e participar
forma de intervenção do Estado na economia, em ações simplificadas nos serviços e em
observando-se a criação de institutos de segu- ações sobre o meio ambiente. Os proble-
ridade social (institutos de aposentadorias e mas, nessa visão, eram de ordem técnica e
pensões), organizados por categorias profissio- nunca resultado de opções por modelos de
25
Uma boa análise desse processo é feita pelo filme História da Saúde Pública no Brasil, editado pela Fiocruz,
Rio de Janeiro, 2000.
desenvolvimento, razão pela qual a comuni- saúde pública, ênfase na saúde e previdência
dade envolvia-se em ações compensatórias privadas; como conseqüência, tanto dessas
do Estado, mas não se dava conta de que as políticas quanto do próprio modelo de desen-
causas dos problemas estavam no modelo de volvimento geral do país, assistiu-se a uma de-
desenvolvimento e nas políticas do Estado. terioração das condições de saúde das classes
Somente em 1950 foi criado o Ministé- populares. Em 1966, houve a unificação de
rio da Saúde, que priorizou as ações de saúde recursos dos fundos de pensões e aposenta-
com ênfase na assistência médica individual. doria no INPS, financiadas a fundo perdido.
Todavia, paralelamente a esse processo, pas- Esses fundos financiaram, em grande
saram a ser investidos recursos na construção parte, os hospitais, que passaram a receber
de grandes hospitais e centros de atendimen- do Estado para prestar assistência à popu-
to médico, equipamentos e medicamentos. lação. Além disso, na década de 1970, parte 35
Nesse período, fortaleceu-se o modelo norte- dos recursos do INPS foi destinada a pagar
americano de atenção à saúde26. obras como a Transamazônica, Itaipu, Ponte
Entre 1960 e 1963, na luta por reformas Rio-Niterói, grandes usinas, empresas e hos-
de base, que constituía uma das referências pitais, por serem recursos desvinculados do
do período, a questão da saúde estava pre- Orçamento da União. Nesse período, tam-
sente no sentido de garantir acesso ao povo. bém foi criado o Funrural como extensão
As resoluções da 3ª Conferência Nacional de da previdência aos rurais28. Na época foram
Saúde, realizada em 1963, já apontavam para criadas várias siglas, entre as quais INPS, Ia-
uma reforma sanitária no país de base muni- pas, Inamps e INSS. Então, o Estado militaris-
cipalista, com uma visão mais ampliada de ta, que compreende os vinte anos de ditadu-
saúde, indicando a necessidade de articular ra militar, reorganizou a saúde com base no
a saúde aos projetos de desenvolvimento27. modelo sanitarista, em forma de campanhas,
O discurso do então presidente do Brasil na e do modelo curativo de atenção médico-
sessão inaugural afirmava: previdenciária29 do período populista.
A saúde, sabem os senhores mais do que Como esse modelo não dava conta das
eu, é um índice global, resultante de um necessidades de atenção à saúde, surgiram,
conjunto de condições – boa alimentação, a partir da década de 1960, os movimentos
habitação higiênica, roupas adequadas, sociais urbanos, exigindo do Estado políticas
saudável regime de trabalho, educação,
assistência médico-sanitária, diversões e
que assegurassem ao povo excluído o aces-
ainda outros fatores que só podem ser con- so aos bens e serviços e melhores condições
seguidos em conseqüência do desenvolvi- de vida. Tais melhorias só poderiam ser con-
mento econômico da nação e da distribui- quistadas através da luta, da pressão e mo-
ção eqüitativa de suas riquezas (NITERÓI, bilização do povo organizado em movimen-
1992, p.24).
to. A organização popular voltou-se para o
Com o golpe militar de 1964, entretan- enfrentamento com o Estado e o sentido da
to, ocorreu uma abertura expressiva ao capi- participação era acumular forças para a bata-
tal internacional. No que se refere à saúde, lha permanente pela mudança geral do mo-
foi o período em que houve sucateamento da delo de sociedade existente.
26
Nesse período instalou-se no Brasil a indústria farmacêutica e, com ela, houve o avanço dos interesses do capital
multinacional.
27
A lei nº 378 de janeiro de 1927determinou que, com intervalos nunca superiores a dois anos, seja convocada pelo
presidente da República uma Conferência Nacional de Saúde. No entanto, a primeira foi realizada em 1942,
a segunda em 1950 e a terceira em 1963. Após, aconteceram várias conferências nacionais de saúde, mas a 8ª
Conferência Nacional foi a que demarcou as bases e os parâmetros para a Constituição Federal de 1988 e as leis
que regulamentam o SUS. A 12ª Conferência Nacional de Saúde realizou-se em 2003, com o tema “Saúde: um
direito de todos e dever do Estado. A saúde que temos, o SUS que queremos”.
28
Na realidade, significou uma forma de arrecadar recursos dos rurais para a Previdência, mas não representou
benefícios para os trabalhadores rurais. Nesse período, tinha atendimento médico somente quem contribuísse e
a aposentadoria só era concedida ao homem com mais de 65 anos de idade.
29
Previdenciária: forma de atendimento que só oferecia os serviços de saúde aos trabalhadores com carteira de
trabalho assinada.
Madel Luz (1991), destaca que, no final jamento na ótica keinesiana, no Brasil, as polí-
da década de 1970 e início da 1980, o contexto ticas sociais, dentre as quais a da saúde, surgi-
da saúde foi marcado pelos movimentos po- ram e se implementaram unicamente a partir
pulares e pela luta por reformas das políticas de demandas e pressões sociais imediatas.
sociais e de saúde, que havia atingido níveis Daí oscilarem “ora o caráter de compensação,
críticos de condições. O povo brasileiro vinha em face de reivindicações dos trabalhadores,
se deparando com a falta de políticas públicas ora com a marca da benevolência, quando se
de saúde. Como exemplo dos questionamen- trata da população mais carente, que se en-
tos que vinham sendo feitos no período está a contra excluída do processo produtivo ou in-
seguinte afirmação de Jorge Amado: tegrada a ele de forma marginal e sem poder
Se não fossem a bexiga, o tifo, a malária, o de pressão”. (RIZZOTTO, 2000, p. 37).
36 analfabetismo, a lepra, a doença de Chagas,
A autora afirma que, nos países periféri-
a xistossomose, outras tantas meritórias
pragas soltas no campo, como manter e am- cos , as políticas sociais não são progressivas
30
30
A autora considera os países periféricos como os países em desenvolvimento ou empobrecidos, ou seja, aque-
les que estão marginalizados e/ou subordinados aos países do centro ou os desenvolvidos e ricos.
Segundo Bacelar (1995, p.56), o Estado do modo capitalista de produção e sua ideolo-
desempenhava a função de promover a acu- gia, o papel coercitivo nos momentos em que
mulação privada na esfera produtiva e o essen- o projeto capitalista poderia sofrer algum tipo
cial das políticas públicas estava voltado para de mudança, o caráter instrumental, particu-
promover o crescimento econômico, aceleran- lar, subordinado e transitório, com um discur-
do o processo de industrialização, implantando so de universalidade que não se concretiza.
um projeto industrial sem alterar as relações É dentro dessa perspectiva que se situ-
de propriedade da terra e, muito menos, o ob- am a saúde e os avanços conquistados pela
jetivo de proteção social ao conjunto da socie- luta popular da Reforma Sanitária31, a qual
dade. O Estado assumiu o papel de realizador permitiu que o povo brasileiro conquistasse
mais que de regulador e nas políticas macro- na lei um sistema público e universal de saú-
econômicas teve papel importante dentro da de, através do Sistema Único de Saúde. 37
lógica de patrocinar a industrialização.
Entretanto, a conquista em Lei não sig-
Adentrando mais nessa questão, Paludo nificou a efetivação do acesso ao direito à
(2001, p. 39 - 40) afirma que o Estado que se saúde, pois este continua na disputa com os
conformou com o projeto da modernidade interesses do capital que vem aceleradamen-
teve como desdobramentos: a consolidação te mercantilizando a saúde.
O
SUS que todos conhecemos de vida. Assim preconiza a Constituição Fede-
faz parte da luta da população ral em seu artigo 196: “A Saúde é um direito
brasileira pela cidadania e re- de todos e um dever do Estado, garantido me-
presenta uma conquista no que diante políticas sociais e econômicas que visem
diz respeito ao direito à saúde. à redução do risco de doença e de outros agra-
É a participação da sociedade na política de vos e ao acesso universal e igualitário às ações
saúde que aproxima cada vez mais o SUS da e serviços para sua promoção, proteção e recu-
democracia participativa e da justiça social, peração”. (BRASIL, 1988, p.133).
principalmente se a gente considerar que No entanto, a partir da década de 1990,
tem como princípios: com as novas tendências e o reordenamento
1. garantir para toda a população o aces- na economia mundial, sob a hegemonia neoli-
1 so aos serviços de saúde; beral, através da internacionalização do capital,
especialmente o financeiro e da reestruturação
22. onecessidades
direito de ser atendido em todas suas
e situações, desde a parti-
produtiva, aliada à opção neoliberal dos gover-
nos brasileiros ao cumprirem a agenda neolibe-
cipação nos grupos, às vacinas e consul-
ral estabelecida pelo Fundo Monetário Interna-
tas nos postos de saúde até os problemas
cional (FMI), deixou-se de investir recursos para
mais complicados nos grandes hospitais;
o financiamento da saúde pública brasileira. De
3. igualdade na assistência a qualquer cida- outro lado, um conjunto de elementos combi-
3 dão independente de sua condição social, nados vem acarretando que o SUS concreto
econômica, orientação sexual e etnia. não seja aquele preconizado em lei.
A concepção de saúde como um “bem Dentre os vários fatores, podem-se
público” foi assegurada em 1988 quando da destacar a ineficácia da proposta de mudan-
aprovação da nova Constituição, que, em seu ça da visão saúde-doença com o enfoque nos
artigo 196, afirma a saúde como direito de to- problemas e o escamoteamento das causas,
dos e dever do Estado, garantido através de po- a lógica assistencialista; os serviços de saú-
líticas sociais e econômicas, o que revela uma de insuficientes e os que existem ineficien-
concepção de desenvolvimento com qualidade tes por não uso, ou uso equivocado; recursos
31
A Reforma Sanitária é um movimento da década de 1970 no Brasil levado a cabo por profissionais de saúde,
trabalhadores, acadêmicos e pesquisadores da saúde, gestores comprometidos com a saúde pública e os movi-
mentos populares que exigiam reformas profundas na área da saúde.
humanos insatisfeitos, desassistidos, muitos produtoras dos transgênicos. Quem não tiver
despreparados técnica e humanamente e, o direito de produzir e multiplicar sementes,
mesmo, descomprometidos com a sociedade; jamais poderá produzir os alimentos de que
o controle social incipiente; a atenção centra- sua comunidade e seu povo necessitam.
da no hospital, no médico, nos medicamen- Diante dessa realidade é que ganha
tos e equipamentos; a relação com o privado força o papel dos movimentos sociais popu-
permeada pelos trinta anos de terceirização lares e da sociedade civil organizada em suas
sem controle e oscilando entre a exploração lutas pela defesa da igualdade dos direitos
e a benevolência conivente; o financiamento fundamentais: individuais, sociais e políticos,
insuficiente com risco de privatização. Coloca- do acesso à vida e à saúde de todos como
se a necessidade de efetivar a dignidade das condição de vida e de cidadania e da cons-
38 pessoas com a humanização no atendimento, trução de modos de atenção à saúde de for-
a solidariedade, a cidadania, o controle popu- ma integral para o conjunto da população.
lar sobre o Estado, a justiça e a eqüidade.
Para isso, é necessário avançar na ação
Essa realidade de desmonte do SUS não intersetorial, na ótica integrada de saúde e
acontece por acaso, pois, a partir da década doença, na integralidade da atenção à saú-
de 1990, o Banco Mundial tem se convertido de, procurando formas que diminuam o uso
no maior financiador externo de atividades indiscriminado de medicamentos, democra-
de saúde nos países em desenvolvimento e tizando o saber em saúde. Outra questão e a
uma voz importante nos debates sobre po- tecnologia e os equipamentos em saúde sob
líticas de saúde. O Banco Mundial atua em o controle social, buscando formas de proto-
quatro áreas: empréstimos e créditos, subsí- colização de condutas, constituindo o usuá-
dios para o desenvolvimento, assessoramen- rio enquanto sujeito ativo e não cliente pas-
to em políticas e investigação. sivo. Além disso, precisa enfrentar a questão
O assessoramento em políticas tem do financiamento da saúde; fortalecendo o
sido um dos caminhos pelo qual o banco controle social e a participação popular na
mais tem atuado, aliadas às demais áreas, re- definição, no gerenciamento, na fiscalização,
alizando estudos e orientando as políticas de no atendimento, no processo de cura, garan-
saúde nos países no sentido de fortalecer a tindo a universalidade do acesso, a igualdade
estratégia neoliberal, abrindo as portas para do direito e a eqüidade na atenção.
a privatização desta área social tão importan- Regulamentado pelas Leis 8080 e 8142
te tanto nos países da América Latina quan- de 1990, o SUS é definido como um sistema
to do Leste europeu – países ex-socialistas público, único em cada esfera de governo,
(BEYER, 2000, p. 91-113). descentralizado e com a participação da so-
Cabe assinalar também que outra estra- ciedade exercendo o controle social sobre a
tégia de domínio dos Estados Unidos sobre os política nas Conferências e nos Conselhos de
países vem se dando no campo da tecnologia Saúde, onde participam os atores do campo
agrícola, ou seja, a questão dos agrotóxicos da saúde: gestores, os trabalhadores, os pro-
(que vieram no pacote agrícola americano dutores dos serviços e os usuários.
na chamada “Revolução Verde”, pelo qual se Mas como toda política é desafio, a
construíram as bases da dependência e exclu- luta continua. Pois uma coisa é ter as leis e as
são dos camponeses ao mercado internacio- normas que orientam a implantação da polí-
nal) e, mais recentemente, através dos trans- tica, e outra coisa é ver essas leis serem cum-
gênicos. O verdadeiro interesse que está por pridas de fato. Dessa forma a implantação e
trás do monopólio e da imposição das semen- o desenvolvimento do SUS vêm acontecendo
tes transgênicas é o controle sobre os alimen- entre duas forças: de um lado a existência de
tos e as sementes no mundo. A utilização das políticas neoliberais que visam diminuir o pa-
sementes geneticamente modificadas fere pel do Estado como responsável pela inclu-
a soberania alimentar das nações de todo o são social de grande parte da sociedade bra-
mundo já que os agricultores não podem pro- sileira e a presença de grupos que pensam
duzir suas próprias sementes e são obrigados a saúde como objeto de lucro econômico e
a consumir os insumos agrícolas das empresas político; e, do outro lado, as forças populares
que procuram garantir na prática as idéias Assim, entre os anos de 2003 a 2006,
que vinham sendo construídas, ou seja, um o Ministério da Saúde junto a representação
SUS universal, participativo, que resolva os das secretarias estaduais (CONASS) e munici-
problemas que lhe competem de forma hu- pais (CONASEMS) foi construindo um proces-
manizada, integrada, equitativa e que pro- so de negociação e compromissos da opera-
mova a saúde da população. cionalização do SUS entre os gestores das três
Assim, a implantação do SUS foi acon- esferas de governo, na perspectiva de superar
tecendo orientada por Normas Operacionais dificuldades burocráticas/administrativas que
que, durante toda a década de 90, regularam dificultam a participação mais efetiva dos mu-
o funcionamento do sistema, garantindo, de nicípios na gestão do SUS, contribuindo para
certa forma, avanços no SUS, mas caminha- a efetivação e consolidação de suas diretrizes
ram no rumo contrário a uma real descen- constitucionais. O resultado disto é PACTO 39
tralização, dependendo de portarias ministe- PELA SAÚDE aprovado por unanimidade pelo
riais, transformando os recursos financeiros Conselho Nacional de Saúde e publicado em
em mecanismos de centralização. Estas nor- PORTARIA Nº 399/GM de 22 de fevereiro de
mas diziam respeito desde o tipo de atendi- 2006, que tem por finalidade maior promo-
mento que devia ser feito, quem devia fazer ver a melhoria na quantidade e qualidade dos
e como seria financiado, definidos no nível serviços ofertados à população e a garantia
central, sem a discussão e negociação com do acesso a esses serviços, tornando possível
os níveis estaduais e municipais. ações de cooperação técnicas e solidárias en-
tre SES, SMS e MS na construção de novos ins-
O financiamento, muito mais conheci- trumentos que ampliam e qualificam a gestão
do como repasse de recursos fragmentados pública dos sistemas e serviços de saúde.
que dependiam da adesão dos municípios
a programas, contribuiu muito para que os O Pacto pela Saúde é um
conselhos de saúde passassem a ser somente acordo assumido entre os
fiscalizadores das inúmeras contas, rubricas e responsáveis pela implementação
despesas, impedindo a autonomia dos muni-
do Sistema Único de Saúde, ou
cípios diante da necessidade de resolver pro-
blemas que não faziam parte das caixinhas. seja, as secretarias municipais,
estaduais, do Distrito Federal e
As Conferências Nacionais de Saúde
o Ministério da Saúde a fim de
vem afirmando a necessidade de implanta-
ção efetiva do SUS. O documento-base da 12ª garantir avanços na política e na
Conferência Nacional de Saúde, cujo tema organização do SUS.
foi “Saúde: um direito de todos e um dever
do Estado – a saúde que temos e o SUS que • O PACTO PELA VIDA estabelece compro-
queremos”, apontou os impasses, os avanços missos entre os gestores do SUS com prio-
e os desafios para a saúde do povo brasileiro. ridades que apresentem impactos sobre a
A abordagem expressa neste documento, sa- situação de vida da população brasileira.
lienta os avanços obtidos e as dificuldades ou
• O PACTO EM DEFESA DO SUS estabelece
impasses para a implantação de uma política
compromissos políticos entre os gestores a
pública de saúde com caráter universal num
fim de consolidar a efetivação do processo
contexto de hegemonia mundial neoliberal, ao
da Reforma Sanitária Brasileira, expressa
mesmo tempo em que reafirma os princípios
em princípios na Constituição Federal.
e diretrizes. Um dos aspectos abordados no
documento explicita: A efetivação do direito • O PACTO DE GESTÃO define as responsa-
à saúde depende do provimento de políticas bilidades sanitárias de cada gestor municipal,
sociais e econômicas que assegurem o desen- estadual e federal para a gestão do SUS nos
volvimento econômico sustentável e distribui- aspectos da descentralização, regionalização,
ção de renda, cabendo especificamente ao financiamento, planejamento, programação
SUS a promoção, proteção e recuperação da pactuada e integrada, regulação das ações e
saúde dos indivíduos e das coletividades de serviços, participação e controle social e ges-
forma eqüitativa. (BRASIL, 2003, p.29). tão do trabalho e da educação na saúde.
No contexto atual, os desafios centrais blica de saúde através da gestão participativa,
caminham na direção da luta pela efetivação com a co-responsabilidade do poder público
concreta do acesso do direito à saúde com nos níveis municipal, estadual e federal, bem
consolidação do SUS como uma política so- como, o fortalecimento das diversas formas
cial, pública, de caráter universal, em defe- organizativas populares na área da saúde para
sa da vida e da saúde individual e coletiva fazer frente à hegemonia neoliberal.
e promotora da cidadania com participação
Há um conjunto de Políticas de
popular, ao mesmo tempo, em que precisa
ser reinventado considerando as necessida- Saúde que precisamos conhecer me-
des da população brasileira. Essa perspecti- lhor para exigir sua implantação no
va vem sendo apontada pelas resoluções de SUS. Assim tem a Política Nacional de Aten-
40 conferências de saúde e das plenárias nacio- ção Integral à Saúde da Mulher, a Política
nais e estaduais de conselhos de saúde. Nacional de Plantas Medicinais, a Política
Nacional de Práticas Integrativas e Comple-
O que se coloca como desafio é mentares no SUS, a Política Nacional de Saú-
a própria reinvenção do SUS, mantendo de da População do Campo e da Floresta, a
seus princípios e diretrizes, mas repensando Política Nacional da População Negra, entre
os modos de atenção à saúde, priorizando outras. Cabe à sociedade civil, especialmente
recursos e ações de promoção e proteção à aos movimentos sociais populares e organi-
saúde, sem abandonar a assistência, com re- zações, avançar nas lutas cotidianas para que
solutividade, com equipes multiprofissionais o direito à saúde e às condições dignas de
de atenção à saúde que se sintam sujeitos vida seja efetivado na prática. Essa luta assu-
técnicos e pedagógicos na relação e valoriza- me caráter estratégico no contexto mundial
ção da pessoa humana em seu compromisso de desmonte do Estado e de políticas sociais
ético com a vida. Além disso, coloca-se como e de avanço da mercantilização da vida e dos
fundamental repensar a gestão da política pú- direitos fundamentais dos seres humanos.
U
m dos instrumentos importan- Princípios da carta dos direitos
tes para cada cidadã e cidadão dos usuários da saúde
brasileiro lutar no dia-a-dia pela
efetivação do direito à saúde é a Todo cidadão tem direito a ser atendido
Carta dos Direitos dos Usuários com ordem e organização
da saúde, publicada pelo Ministério da saú- Quem estiver em estado grave e/ou maior sofri-
de em 2006. mento precisa ser atendido primeiro. É garantido
a todos o fácil acesso aos postos de saúde, espe-
Esta carta baseia-se em seis princípios
cialmente para portadores de deficiência, gestan-
básicos de cidadania. Juntos, eles asseguram
tes e idosos.
ao cidadão o direito básico ao ingresso digno
nos sistemas de saúde, sejam eles públicos Todo cidadão tem direito a ter um
ou privados. A carta é também uma impor- atendimento com qualidade
tante ferramenta para que cada cidadã e ci- Você tem o direito de receber informações claras
dadão conheça seus direitos e possa ajudar o sobre o seu estado de saúde. Seus parentes tam-
Brasil a ter um sistema de saúde com muito bém têm o direito de receber informações sobre
mais qualidade. Esta carta serve para você seu estado. Também tem o direito a anestesia e a
conhecer alguns de seus direitos na hora de remédios para aliviar a dor e o sofrimento quando
procurar atendimento de saúde. Estes direi- for preciso. Toda receita médica deve ser escrita
tos estão assegurados por lei desde 1990. de modo claro e que permita sua leitura.
32
Esta carta foi feita com a participação dos governos federal, estaduais e municipais e do Conselho Nacional
de Saúde. Em caso de dúvida, procure a Secretaria de Saúde do seu município. Esta Carta foi publicada pelo
Ministério da Saúde Brasil. Ministério da Saúde.Carta dos direitos dos usuários da saúde / Ministério da
Saúde. – Brasília:Ministério da Saúde, 2006.8 p. (Série E. Legislação -4de Saúde)
Todo cidadão tem direito a um Passos para garantir os direitos no
tratamento humanizado e sem
nenhuma discriminação
Sistema Único de Saúde (SUS)
Você tem direito a um atendimento sem O Sistema Único de Saúde – SUS é o con-
nenhum preconceito de raça, cor, idade, junto de ações e serviços de saúde prestados por
orientação sexual, estado de saúde ou órgãos e instituições públicas federais, estaduais
nível social. Todo cidadão tem direito e municipais ou por entidades a ele vinculadas.
ao atendimento humanizado, acolhedor O SUS foi conquistado pelo povo brasileiro e está
e livre de qualquer discriminação. Os
consolidado na Constituição, garantindo atendi-
médicos, enfermeiros e demais profissio-
mento universal, igualitário e integral a todas as
nais de saúde devem ter os nomes bem
visíveis no crachá para que você possa pessoas, seja nas unidades de saúde, ambulató-
saber identificá-los. Quem está cuidando rios, laboratórios, clínicas, hospitais, instituições 41
de você deve respeitar seu corpo, sua privadas contratadas... sem que nada seja cobra-
intimidade, sua cultura e religião, seus do. Esse atendimento já foi pago pela cidadã e
segredos, suas emoções e sua segurança. cidadão, através das contribuições sociais e dos
impostos arrecadados pelo governo.
Todo cidadão deve ter respeita-
dos os seus direitos de paciente O que fazer para garantir o atendimento
Você tem direito a pedir para ver seu
Sempre que você ou alguém de sua família
prontuário sempre que quiser. Tem tam-
bém a liberdade de permitir ou recusar necessitar de atendimento, procure o primeiro
qualquer procedimento médico, assu- posto de saúde mais próximo. Neste local você
mindo a responsabilidade por isso. E não não deve pagar nada pelo atendimento presta-
pode ser submetido a nenhum exame do. Em caso de emergência, vá ao Pronto Socorro
sem saber. O SUS possui espaços de mais próximo de seu município. Ali você deverá
escuta e participação para receber suas ser atendida(o) pelo médico de plantão.
sugestões e críticas, como as Ouvidorias Todo hospital conveniado com o SUS deve ter
e os Conselhos Gestores e de Saúde.
Pronto Socorro ou atendimento de Emergência,
Todo cidadão tem direito a atendimento
que respeite a sua pessoa, seus valores e
com plantão 24 horas, sem cobrar nada do usu-
seus direitos.
ário. O médico que você for consultar é respon-
sável pela solicitação de exames ou qualquer ou-
Todo cidadão também tem deve- tra necessidade. Você não deve pagar nada por
res na hora de buscar atendimen- qualquer procedimento solicitado pelo médico:
exame de sangue, urina, fezes, ultra-sonografia,
to de saúde
raios-X, tomografia,... enfim, tudo o que o mé-
Você nunca deve mentir ou dar informa-
dico solicitar, você deve levar para a Secretaria
ções erradas sobre seu estado de saúde.
Deve também tratar com respeito os
de Saúde providenciar. Após a solicitação pelo
profissionais de saúde. E ter disponíveis médico, a Secretaria Municipal de Saúde é res-
documentos e exames sempre que for ponsável pela autorização, encaminhamento e
pedido. Todo cidadão também tem res- pagamento.
ponsabilidades para que seu tratamento Se você precisar de um atendimento no hos-
aconteça da forma adequada. pital e necessitar ficar em observação, você tem o
direito de ser atendida (o) pela ficha verde (BAU
Todos devem cumprir o que diz a – Boletim de Atendimento de Urgência), sem pa-
carta dos direitos dos usuários da gar nada. Caso necessite de internação, ficará na
saúde enfermaria ou quarto coletivo. Esta é a acomoda-
Os representantes do governo federal, ção garantida pelo SUS. Todo atendimento deve
estadual e municipal devem se empe- ser pela AIH (Autorização de Internação Hospita-
nhar para que os direitos do cidadão lar) e você não pagará nada. Mesmo quando não
sejam respeitados. Todo cidadão tem di- houver leito na enfermaria, o hospital é respon-
reito ao comprometimento dos gestores
sável por internar o paciente, sem a necessidade
da saúde para que os princípios anterio-
de pagamento de qualquer diferença (Portaria
res sejam cumpridos.
113 de 01 de setembro de 1997).
Se o paciente necessitar de um trata- • Consiga uma testemunha (não pode ser
mento especializado, que não tem no mu- alguém da família)
nicípio, seja hospitalar ou não, os profissio- • Não aceite pressão do tipo prender recei-
nais e a Secretaria de Saúde tem obrigação tas ou documentos
de encaminhar para um hospital regional,
acompanhado da AIH. A Secretaria da Saú- • Quando você tiver dúvidas ou for obri-
de também e responsável pelo transporte. gado (a) a pagar, faça o pagamento com
Nos Hospitais conveniados com o SUS, cheque pré-datado e nominal
toda gestante em processo de parto tem • Em qualquer situação, exija recibo que
direito de acompanhante, sem pagar nada. conste o tipo de procedimento que foi
(Lei Federal 11.108 de 07 de abril de 2005). prestado. Não aceite recibo que diga que
42 é doação ou contribuição espontânea
O que fazer quando houver dificuldades
de atendimento • O procedimento seguinte é fazer a denún-
cia, se possível por escrito, ao Promotor
Se o hospital, médico (a) ou outro pro-
• Se a cobrança for feita em município de
fissional da saúde recusar atendimento, de-
Gestão Plena no Sistema Municipal, de-
vemos ir até a Delegacia de Polícia ou Pro-
nuncie na diretoria de Controle, Avaliação
motoria, junto com algumas testemunhas, e
e Auditoria do município em que aconte-
fazer uma denúncia de omissão de socorro.
ceu a cobrança
É importante você saber que quem as-
• Se for em município da Gestão Plena da
sina o convênio com o SUS é o hospital e
atenção Básica, denuncie no Centro de
a Secretaria Municipal de Saúde. Portanto,
Auditoria e Controle de sua região.
todos os profissionais que ali trabalham, in-
clusive o médico e anestesista, não podem • Você pode fazer a denúncia no disque
cobrar pelo atendimento prestado. Saúde
Ligação Gratuíta: 0800 61 1997
Se você for vítima de cobranças ilegais
Fax: 61- 3448 8923 e 61-3448 8926
ou qualquer outra irregularidade saiba
Caixa Postal 6216 CEP 70740-971
como se defender e denunciar:
www.saude.gov.br
Saúde integral,
defesa da vida
e emancipação
experiências do MMC
5
O
43
MMC vem desenvolvendo lutas problemas centrais do mundo atual, onde
pela garantia do acesso à saúde tudo virou mercadoria, até mesmo o essen-
pública, combinadas com o for- cial, como a própria vida humana.
talecimento do controle social, Para que tudo isso realmente aconte-
trazendo um conjunto de elementos revela- ça na prática, o movimento realiza as ações
dores de um novo jeito de cuidar da saúde, educativas na área da promoção à saúde da
pensado a partir do paradigma da saúde e não mulher e da família camponesa, articulando a
da doença, que tem como elemento central construção do ser humano integral; a agroe-
o “cuidado” enquanto essência do humano cologia, as plantas medicinais; a alimentação
(BOFF, 1999). As mulheres trazem o “cuida- saudável; o uso de terapias complementares
do” como princípio norteador da vida e das na atenção à saúde e a luta para a garantia
relações. Cuidar significa valorizar, respeitar, de acesso do povo ao direito de ter atenção
ouvir, zelar pelo outro enquanto pessoa que integral à saúde pública, através do SUS.
se faz revelar e que, na relação humana, se
dignifica. A esse propósito, “saúde é acolher Neste sentido precisam ser considerados
e amar a vida assim como se apresenta, ale- três elementos básicos:
gre e trabalhosa, saudável e doentia, limi-
tada e aberta ao ilimitado que virá além da 8 O primeiro estabelece uma relação entre o
morte” (BOFF, 1999). conceito de promoção à saúde com o Pro-
jeto de Sociedade que se quer construir. A
O jeito feminista de tratar a saúde im- saúde está vinculada diretamente ao modo
plica cuidar da vida, do conjunto das relações como vivemos, aos princípios que defende-
com a realidade circundante. Relações essas mos, ao alimento que comemos, ao ar que
que passam pela higiene, pela alimentação, respiramos, as amizades e relações inter-
pelo ar que se respira, pela terra onde se pessoais e sociais que cultivamos.
planta e se vive, pela maneira como organi-
za a casa, a vida e os espaços coletivos. Passa 8 O segundo mostra que não podemos se-
também pela forma como cada um se situa parar o trabalho de promoção à saúde da
dentro de um determinado espaço ecológico. conscientização, na perspectiva da forma-
Esse cuidado reforça a identidade como ser de ção política; da luta pelos direitos como a
relações, buscando um equilíbrio e visando à moradia, terra, saneamento básico, edu-
integralidade e à totalidade do ser humano. cação e do engajamento nas lutas gerais
por mudanças estruturais do sistema capi-
Assim, a integralidade da saúde tem talista neoliberal.
uma interface determinante com a dimen-
são histórica do ser humano enquanto sujei- 8 O terceiro tem a ver com o conceito de
to individual e coletivo da construção social, saúde integral, ou seja, a concepção de
cultural, econômica e política da sociedade. integralidade da atenção à saúde que tem
Aliado a isso, o MMC adotou como princípio como pressupostos:
o ressignificar a sabedoria popular e a fertili- a) Uma visão de ser humano integral, como
dade da terra e da vida como um todo. Esse sujeito social e portador de direitos de
trabalho vem no sentido de enfrentar um dos vida, dignidade e cidadania;
b) O compromisso ético com a vida - sua merecem uma análise mais aprofundada e
defesa, preservação e qualificação em evidenciam o quanto o cuidado à saúde re-
todas as suas dimensões; quer que se compreenda a complexidade da
c) Um projeto de desenvolvimento da so- teia da vida. Essa experiência tem como fio
ciedade entendido como processo de condutor as relações de gênero, classe e pro-
construção de vida digna a todas as pes- jeto popular, que constituem a identidade
soas, que integra as várias dimensões e do próprio movimento, ou seja, a libertação
princípios da vida e da saúde e não da das mulheres, a transformação da sociedade
lógica do capital; e a construção de uma nova sociedade e de
d) A saúde como direito de todos e dever novas relações sociais de gênero, de raça e
do Estado, através da efetiva implanta- ecológicas.
44 ção do SUS, com o caráter de relevância Assim, a luta por saúde tem como eixos
pública da saúde, e, portanto, colocada norteadores que se articulam entre si: a) o
sob o controle social e a participação direito à saúde pública atuando na área das
popular, conforme a Constituição Fede- políticas públicas gerais e da saúde, b) o eixo
ral e suas leis complementares; da promoção da saúde da mulher e da famí-
e) A incorporação da concepção de Educação lia camponesa sendo a saúde como um novo
Popular nas práticas junto com as mulhe- modo de vida.
res e famílias, compreendendo que o pro- Dessa forma, as mulheres camponesas
cesso e as relações construídas no campo desenvolvem esse trabalho intervindo no
da saúde também são educativos; cotidiano de suas vidas na propriedade, no
f) O entendimento de que Saúde é um as- espaço da produção (produzindo sem agro-
pecto integral da vida diária, não se li- tóxicos e transgênicos, optando pela agroe-
mitando apenas em ficar bem depois de cologia), nas relações familiares (dividindo
uma doença. as tarefas domésticas, construindo um jeito
coletivo de cuidar-se no núcleo familiar –
dialogando, entendendo, cuidando, curando,
Nessa perspectiva é que o protegendo, estabelecendo limites e respon-
MMC, com a marca “Plantando sabilidades individuais e coletivas), com o
Saúde”, vem desenvolvendo grupo de mulheres (dialogando, trocando sa-
ações educativas, lutas beres e práticas, fazendo os remédios juntas,
concretas e desenvolvimento refletindo, organizando e se formando) e com
de experiências buscando as comunidades (acompanhando as pessoas
que precisam de apoio e atendimento, com a
construir esse novo modo de “farmacinha”, conversando, escutando, par-
viver e ter saúde na roça. ticipando da vida comunitária,...).
Com base nas experiências que vêm Além disso, desenvolvem todo um pro-
sendo realizadas pelas mulheres, as quais cesso de formação, organização e conscienti-
receberam o nome de “multiplicadoras” de zação das mulheres e realizam uma série de
sabedoria, de vida, de saúde, de esperan- ações, lutas e mobilizações de enfrentamento
ça, o movimento vai dando continuidade ao das questões específicas que dizem respeito à
processo formativo, organizativo, de luta e saúde da mulher e da família rural, assim como,
ao trabalho de educação e promoção à saú- junto com outras organizações nas demais lu-
de da mulher e da família rural a cada ano, tas por melhores condições de vida e saúde,
redefinindo os processos e o tipo de ações, enfrentam o próprio sistema capitalista.
conforme a avaliação do trabalho realizado e Nesse processo de organização, forma-
as exigências que a conjuntura apresenta. ção, luta e desenvolvimento de experiências
Esse tipo de trabalho também vem tra- de promoção à saúde da mulher e da família,
zendo elementos acerca da integralidade da as mulheres camponesas, vinculadas ao MMC
atenção à saúde, do acolhimento das pesso- estabelecem uma relação entre a saúde e a
as, do vínculo que as mulheres têm com as previdência: “O tripé da Seguridade Social, a
famílias, com o modo de tratar a saúde, que saúde, a previdência e a assistência social, nos
mostram a grande relação que deve existir Nesse processo, as mulheres enfren-
para que as pessoas possam viver com segu- tam muitas dificuldades no desenvolvimento
rança e felizes. Por isso, devem ser públicas, do trabalho de base; mostram as dificuldades
de caráter universal e de qualidade garantidas que às vezes enfrentam em socializar o que
mediante um conjunto de outras políticas”. aprendem as distâncias para poderem parti-
cipar, a condição de empobrecimento e do
Esse trabalho tem uma relação muito público no meio rural ser praticamente cons-
forte com o cotidiano de vida das mulheres e tituído de idosos. Mas as dificuldades maio-
famílias camponesas, como já foi abordado, res referem-se à participação das mulheres
com a dimensão da fé e da espiritualidade, que em momentos de luta fora de sua região e de
é muito forte na cultura das famílias rurais. Os permanecerem mais de um dia fora de casa
símbolos e os rituais religiosos ligados à vida e à por conta das exigências de trabalho no meio
saúde são ressignificados a partir da mística li- rural, pois muitas vezes os homens não dão 45
bertadora, ganhando um sentido mais profun- conta das tarefas que historicamente foram
do e encarnado no cotidiano das mulheres. delegadas às mulheres.
Por outro lado, essa práxis já vem produzindo um conjunto de resultados no cotidiano
de vida das mulheres que denota sinais vagarosos, mas firmes de mudança. Dentre os
vários aspectos apresentados pelas mulheres, podem-se destacar:
• A conquista de direitos, como o reconheci- lheres mais livres para falar e participar”;
mento da profissão, a aposentadoria, o salá-
• Uma companheira mostra o processo e os re-
rio maternidade, saúde, alfabetização e docu-
sultados que vêm ocorrendo com a condição
mentação para as mulheres, entre outros. O
enquanto mulher:
que chama a atenção é que todas as mulheres
“Mas quando a mulher toma consciência da
entendem o movimento como instrumento de
condição, não consegue conviver com a con-
luta que garantiu, por meio de mobilizações, tradição/opressão e aí precisa dar passo para
esses resultados, os quais incidiram positiva- enfrentar e se libertar. É uma constante, todas
mente sobre suas vidas; nós passamos por este processo. É um proces-
• O início de mudança na produção, que as mu- so, se avaliando, porque não se dá num passe
de mágica, tem a ver contigo, com a sociedade
lheres afirmam: “a gente planta na lavoura de
e com as pessoas que te rodeiam. Aí ninguém
tudo, planta verduras, mandioca, feijão, arroz, mais segura, vão para a luta. Quando acredita
banana”. “Nós aqui começamos a mudar com o em alguma coisa, e tem claro onde quer che-
trabalho da agroecologia”; gar ninguém segura. O movimento tem sido
• Construção de novas relações: percebe-se mu- espaço para as mulheres participarem e terem
a dimensão mais ampla do Brasil e do mundo.
dança na relação com o ambiente, nas relações
O movimento dá oportunidade da mulher ver
familiares e no papel das mulheres, como se
o mundo com uma visão maior das coisas. Es-
pode ver nas falas: “a gente foi dividindo as paço privilegiado e paralelo a esta sociedade
tarefas em casa, sobrando mais tempo para que diz que não é possível, nós mostramos que
todos participarem das lutas também. “Uma é possível. Isto é o que vai dando sentido para
vez a mulher era só em casa. Hoje a gente é a vida dela e da comunidade do MMC. Assim,
da casa, da família, da comunidade e da luta”. depois que supera o conflito inicial que dá, a
“Tem mulheres com mais participação, organi- família muda, a propriedade muda, a forma de
zação, mais saúde, solidariedade e entre-ajuda produzir, de planejar, de rever juntos. É um im-
e as mulheres estão aprendendo a cuidar de si pacto muito forte”.
e da saúde da família”. “As pessoas não estão
mais precisando tomar antidepressivos, por- O processo de mudança que cada mu-
que estão bem e encontraram razão pra viver.” lher vai construindo à medida que participa do
movimento desvela o fetiche de sua condição
• O fortalecimento da organização do movimen-
feminina imposta histórico-culturalmente, en-
to é outro aspecto bastante salientado pelas
mulheres, como resultado de todo o trabalho
frenta os conflitos e contradições, vai fazendo
que vem sendo desenvolvido e do respeito que emergir o seu “ser mais” como ser humano e
“as mulheres vêm conquistando e exercendo a como mulher. Esse resultado não se mede e
cidadania, se organizando e exigindo seus di- muitas vezes não se visualiza num passe de
reitos, cobrando dos responsáveis”. “A consci- mágica, mas precisa ser observado como pro-
ência que temos para o enfrentamento a tudo cesso de luta por valorização, participação, ci-
o que vem destruindo a vida e a saúde”. “Mu- dadania, libertação e emancipação.
5.1. Plantando saúde
O Movimento de Mulheres
Camponesas entende a promoção
à saúde como uma das formas de
resistência e de continuidade da vida
na agricultura.
A saúde é uma das lutas que acompanha
a trajetória de organização das mulheres cam-
ponesas no Brasil. De um lado, lutando para que
o direito à saúde seja efetivado e, de outro, para
46 viabilizar experiências de educação, promoção e
cuidado à saúde das famílias rurais onde o MMC
atua. Estas formas de educar, promover, prote-
ger e cuidar da vida e da saúde das mulheres e
das famílias camponesas traz no seu bojo a sa-
bedoria milenar que as mulheres têm de cuidar
utilizando a natureza, as plantas medicinais, os
alimentos, as orações, a espiritualidade e a mís-
tica acolhedora, cuidadora e transformadora da
vida e das relações.
Esta experiência vem ganhando visibili- desenvolvendo com as especificidades e exigências
dade com o nome “Plantando Saúde” que tem de forma diferenciada e peculiar em cada momen-
por objetivos: to e em cada território. Assim, teve uma fase mais
voltada à saúde da mulher, nos direitos sexuais e
8 desenvolver o ser humano de forma integral
reprodutivos, passou para o debate da saúde da
na perspectiva de construir novas relações de
família até o momento de repensar o processo de
gênero e étnico-raciais no campo, permeadas
produção e os modos de vida na agricultura e as
pela igualdade e reciprocidade;
relações humanas e com a natureza como formas
8 fortalecer a produção de alimentos saudáveis e de promoção e proteção à saúde.
a agroecologia a fim de construir um projeto de
Esta construção vem sempre permeada por
agricultura camponesa promotor de vida, saú-
um processo formativo junto com as mulheres
de e cidadania das mulheres e de todos os que
camponesas que desencadeiam ações formativas
vivem e trabalham na agricultura;
junto aos seus grupos, famílias e comunidades.
8 conhecer e fortalecer o uso adequado de Esta formação contempla a reflexão acerca do “ser
plantas medicinais no cotidiano de vida, cul- mulher” e do “ser humano”; da promoção à saú-
tura e identidade das mulheres e famílias de da mulher no seu ‘ser integral”; da história da
camponesas; medicina e dos cuidados em saúde, da saúde e da
8 potencializar a alimentação saudável e modos agricultura camponesa agroecológica, das plantas
de vida promotores de saúde individual, fami- medicinais, da alimentação saudável; da história
liar e comunitária no meio rural; da mulher na humanidade; da saúde ambiental,
8 incentivar e valorizar o saber popular na saúde. das práticas tradicionais e integrativas de saúde,
Para realizar este tipo de trabalho, o do Sistema Único de Saúde e das várias políticas
Movimento fez várias reivindicações junto aos de atenção integral à saúde, entre outras temáti-
governos federal e estaduais. No caso do Rio cas apresentadas pelas próprias mulheres.
Grande do Sul, em 2001 foi conquistado equi- Ao refletir sobre o ser mulher parte-se do pres-
pamentos básicos para a utilização adequada suposto que somos um todo no universo composto
de plantas medicinais e a promoção da alimen- das várias formas de vida. Daí a importância do res-
tação saudável articulados a um processo for- peito à biodiversidade e de compreender o ser hu-
mativo junto aos grupos de mulheres campo- mano dentro desta complexidade e não como ser
nesas organizadas pelo Movimento. exclusivo. Além disto, as relações humanas precisam
Neste sentido, este trabalho educativo, ser reconstruídas com base no poder partilhado e na
de promoção, proteção e cuidado popular em reciprocidade, superando o patriarcado e todas as
saúde, chamado de “Plantando Saúde” vem se formas de opressão, dominação, discriminação e
violência. Desta forma, para ter boa saúde, é preciso sabedoria vem passando de geração em geração,
construir o projeto de vida articulado com um proje- através das crenças, costumes, saberes e práticas.
to de sociedade justa, democrática e solidária. junto à população como herança da humanida-
Entretanto, para que isto aconteça, é pre- de. As mulheres contribuíram muito na multipli-
ciso enfrentar os conflitos diários, tendo posição cação e preservação destes saberes e costumes
própria e sentindo feliz pelo que se é como mulher em todos os espaços onde participaram e parti-
e pelo que se faz. cipam. Por isso, o MMC defende e orienta o uso
Assim, promover a saúde diz respeito a en- das plantas medicinais na promoção, proteção e
frentar as barreiras que esta sociedade impôs cultu- no cuidado à saúde das pessoas e também dos
ralmente sobre mulheres e homens, criando muitas animais, como fruto da identidade e compromis-
limitações, preconceitos, pessimismos, culpas, me- so em defesa da vida e da natureza.
dos, inseguranças, sentimentos de inferioridade,
especialmente sobre as mulheres. Isso tudo vem
Acreditamos que ampliar o 47
causando frustrações, angústias e doença. Entre- conhecimento sobre as plantas
tanto, juntas e organizadas, é possível superar estas medicinais é uma forma de resistir
dificuldades, enfrentar os desafios e construir no- e fortalecer a luta das mulheres
vos caminhos de saúde, vida e libertação. camponesas na construção do
Por isto, para o MMC, promover a saúde é Projeto de Agricultura Camponesa
construir um modo digno e saudável de vida. Este
modo de vida está fundamentado nas novas rela-
na perspectiva agroecológica e
ções entre mulheres e homens, no cuidado com feminista.
o corpo, a mente, o espírito e o ambiente. Pro- Isto porque a natureza tem uma diversidade
mover saúde tem a ver também com a alegria, o rica e variada de plantas medicinais e é ali onde os
bom humor, a respiração, o sono, as caminhadas, humanos encontram seu equilíbrio energético e
os exercícios físicos, o lazer saudável, a conversa, curativo. As plantas têm a virtude de expelir as to-
o diálogo, o carinho e o afeto para com os outros; xinas do organismo, purificando-o e suprimindo a
enfim, ter equilíbrio em nossa vida cotidiana. falta de certos elementos nutritivos. Elas oferecem
Para isso, é preciso conhecer a história das uma grande quantidade de princípios ativos que
mulheres, da humanidade e da ciência para saber podem ser utilizados na preparação de remédios.
e se posicionar diante das situações diárias e não
Assim, desta relação histórica com a natu-
ter vergonha de mostrar o conhecimento acumu-
reza, as mulheres camponesas vem partilhando
lado nas vivências e experiências que temos e
e utilizando as plantas medicinais na arte da cura
aprendemos do saber popular junto ao povo com
e do alimento para amenizar dores e problemas
o qual convivemos.
de saúde do corpo, para fortalecer, energizar e
Para ter saúde do corpo e do ambiente é embelezar o corpo e o ambiente. Arte herdada
fundamental saber como produzir o alimento sau- das mulheres bruxas, curandeiras, benzedeiras,
dável e saber como se alimentar de maneira nutri-
cozinheiras... Este dom é preservado através do
tiva. Por isso, o MMC vem construindo a reflexão
respeito (humildade), de reverência (adoração),
e a prática de implementação do projeto de agri-
do reconhecimento (gratidão), da partilha e da
cultura camponesa com os princípios agroecológi-
solidariedade diante das plantas medicinais e
cos, aliados à luta para ter acesso e permanência
do que a natureza oferece aos seres humanos.
à terra, o cuidado com o ambiente e a garantia de
condições básicas de vida (moradia, alimentação, Assim, é preciso que o saber popular so-
terra, direitos sociais). Tudo isso é indispensável bre o uso das plantas medicinais e sobre os cui-
para o bem estar das pessoas que vivem no campo dados com a vida e a saúde sejam multiplicados
e, ao mesmo tempo, todas sabem que para con- através de valores materiais e simbólicos como
seguir isso é necessário muita luta e organização, rituais, cantos, danças, chás, tinturas, caldos,
muita garra, coragem e ousadia. banhos, inalações, gargarejos, entre outros, alia-
Sabemos que o ser humano e todos os ani- dos com a solidariedade e a missão consciente
mais desde sua origem até hoje sempre usaram e das mulheres temperada com ternura e paixão.
dispuseram das plantas como base alimentar (ali- As plantas medicinais são encontradas em
mento nutritivo do corpo, curando as necessidades florestas nativas, hortas, capoeiras, jardins... com
causadas pelo desgaste diário do trabalho humano) grande diversidade. O conhecimento e reconhe-
e terapêutica (prevenir e tratar de doenças). Esta cimento da composição das plantas medicinais
acontecem através dos sentidos: o tato (tocar, Este trabalho tem uma mística libertadora
sentir), o olfato (cheirar), a visão (olhar), a audi- profunda que envolve todas as mulheres. As ofici-
ção (ouvir) e o paladar (mastigar, saborear). Atra- nas teóricas (estudo, dinâmicas, trabalho em gru-
vés dos sentidos é que as mulheres vem identi- po, cochicho) e práticas permanentes e integradas
ficando a planta, de que forma deve utilizá-la e a cada momento (misturas de tinturas, de elixires
qual sua função para o organismo. São inúmeros e pomadas, sucos, xaropes, alguns alimentos);
os “remédios” desenvolvidos a partir de uso das debates sobre o projeto de agricultura, as lutas,
plantas, desde o surgimento dos humanos e ani- as trocas de conhecimento, de mudas, semen-
mais. Esses saberes vem sendo partilhados his- tes, receitas, identificação das plantas medicinais,
toricamente e até hoje ajudam no cuidado das exercícios físicos e muito diálogo e alegria nos mo-
pessoas, animais e do ambiente camponês. mentos de encontro das mulheres.
Assim, o MMC vem trabalhando, interca- O acompanhamento deste processo é feito
48
lando as etapas de formação, atividades práticas por mulheres técnicas agropecuárias ecológicas
relacionadas às plantas medicinais e à agricultu- ligadas ao movimento que tem conhecimento so-
ra, como: preparação do horto medicinal, caldas, bre esta temática articulada com a saúde.
biofertilizantes, secagem das plantas medicinais, Este trabalho vem construindo um novo
estudos, bem como, mobilizações, reuniões pro- modo de fazer e pensar a saúde, de construir o
dução de materiais (cartazes, folders, cartilha, lo- desenvolvimento no campo. Um desenvolvimen-
gotipo, rótulos). Também acontecem festas, cele- to que valoriza as famílias camponesas e promove
brações, rituais, caminhadas, danças envolvendo vida, cidadania e contribui para que o campo seja
as mulheres camponesas dos grupos de base. um lugar bom de viver e de ser feliz.
O milho36 tem suas origens nos planaltos lancia, do melão, do chuchu e do pepino.
do México, em solo centro-americano cul- A abóbora é um fruto rico em vitamina A.
tivado há aproximadamente 7000 anos Também fornece vitaminas do complexo
pelos povos astecas. O milho é especial- B, cálcio e fósforo. Tem poucas calorias e é
mente rico em carboidratos, ou seja, açú- de fácil digestão.
cares, por isso é um alimento energético.
Possui também algumas vitaminas como A mandioca38 é um arbusto que, teria tido
B1, a B2, vitamina E o ácido pantatênico, sua origem mais remota no oeste do Bra-
além de alguns minerais, principalmente sil (sudoeste da Amazônia) e que, antes
o fósforo e o potássio. da chegada dos europeus à América, já
estaria disseminado como cultivo alimen-
A abóbora37 tem muitas variedades. É uma tar até o México. No Brasil possui muitos
cultura muito difundida no Brasil. Originá- sinônimos, diferentes em cada região, tais
ria da América era à base da alimentação como: pau-farinha, macaxeira e outros.
dos povos Asteca, Inca e Maia. Pertence Foi cultivada por várias nações indígenas
à família Cucurbitácea, a mesma da me- que consumiam suas raízes, tendo sido
35
MACHADO, Luiz Carlos Pinheiro, FILHO, Luiz Carlos Pinheiro Machado, RIBAS, Clarinton D. E. C.
Sementes, Direito natural dos Povos. Org. CARVALHO, Horacio Martins de. Sementes Patrimônio dão
Povo a serviço da Humanidade. Ed. Expressão Popular, 1. edição, São Paulo – SP, 2003, p. 246.
36
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre - milho
37
http://www2.correioweb.com.br/hotsites/alimentos/abobora/alimentos.htm
38
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre – mandioca
exportada para outros pontos do planeta, O girassol39 é uma planta originária das
principalmente para a África onde cons- Américas domesticadas por volta do ano
titui em muitos casos, a base da dieta mil antes de Cristo pelos povos Incas. As
alimentar. A mandioca é excelente fonte sementes de girassol são ricas em Vitami-
de carboidratos, cálcio e fósforo. Possui nas E, D e complexo B, e o óleo de semen-
também uma boa quantidade de vitami- te de girassol é bastante popular.
na C. A folha de mandioca é rica em pro-
teína, vitamina A, ferro, cálcio, vitamina A batata-doce40 é a quarta hortaliça mais
C e fósforo. Mas precisa de cuidado no consumida no Brasil. É uma cultura tipica-
preparo das folhas para não correr risco mente tropical e subtropical, rústica, de
à saúde, pois conforme o preparo pode fácil manutenção, boa resistência contra
intoxicar. a seca e ampla adaptação. Originária das
52 Américas Central e do Sul , sendo encon-
O Feijão. São muitas as variedades originá- trada desde a Península de Yucatam, no
rias da África, do Antigo Egito e da Grécia. México, até a Colômbia. Tem mais de 1000
Os povos cultivavam o feijão como símbo- espécies. Cultivada pelos povos Maias,
lo de resistência e vida. No feijão encon- Incas e Astecas. A batata-doce é rica em
tramos: calorias, glicídios, proteínas, lipí- carboidratos, vitamina A, B1 e B5, e sais
dios, vitaminas B1, B2, B3, cálcio, fósforo, minerais como Cálcio, Fósforo e Ferro.
ferro, sódio, potássio.
A batata41 é rica em carboidratos. Contêm
O abacate é conhecido mais de 500 varie- sais minerais, vitamina C e, em pequenas
dades, de três origens diferentes: a gua- quantidades, vitaminas do Complexo B
temalteca, a antilhana e a mexicana. Uma para não perder os nutrientes lava-se as
fruta rica em vitamina A, acido fólico, e batatas para retirar a terra, sem descascá-
potássio, o abacate tem mais proteína las e nem cortá-las leva-se ao fogo com
que qualquer outra fruta, cerca de 2g para água suficiente para cobri-las, até cozi-
cada porção de 110g. Possui, ainda, quan- nharem completamente. A batata crua ou
tidades úteis de ferro, magnésio e vitami- o suco em jejum combate dores e gastrite
nas C, E e B6. estômacal e enfermidades do intestino.
39
http://pt.wikipedia.org/wiki/Girassol
40
http://www.cnph.embrapa.br/cultivares/bat-doce.htm
41
http://www.vitaminasecia.hpg.ig.com.br/batataorientacao.htm
42
GIOVANNI, Julia Di Agricultura na Sociedade de Mercado. As mulheres dizem não á tirania do livre mer-
cado. Sof. 2006 : p. 24).
A padronização da alimentação afeta os
processos vitais do ser humano, não respeita
a cultura, idade, origem, variedades, e muito
menos o clima, solo,...provoca a falta de re-
sistência, fraquezas, doenças, desequilíbrios e
até mortes, pois se trata de um processo de
extinção das espécies e variedades importan-
tes para a formação de todos os órgãos do cor-
po, bem como, garantir as resistências contra
vírus e doenças. É um mecanismo de produ-
ção perigoso que ameaça a continuidade da
vida do planeta inclusive da espécie humana. 53
A preservação do solo, a diversidade de espé-
Esta prática que aparentemente cies é vital para o equilíbrio e vida saudável.
é cômoda e fácil adquirir no supermer-
cado produtos que até pouco tempo Estudos recentes demonstraram
cultivávamos na horta, nos leva além que na produção agroecológica num
de uma vida menos saudável, mas so- solo rico em matéria orgânica as plantas
bretudo a perda da autonomia. Muitas crescem de forma natural produzindo
camponesas estão perdendo o costu- alimentos com alto teor de vitaminas
me, a técnica de produzir, conservar e e minerais. Desta forma entendemos
garantir os alimentos. a inter-relação que tem entre o solo –
Esta cultura camponesa herança produção – alimentação – saúde.
milenar de nossos ancestrais vem sendo
Em uma área de monocultivo, ou seja, plan-
substituída pelo processo de globaliza-
tio sucessivo de uma única cultura retira do solo
ção e internacionalização das mercado-
sempre o mesmo nutriente, provocando o esgo-
rias padronizando as ofertas de gêneros
tamento e enfraquecimento do solo e diminuição
alimentícios em todos os supermerca-
das espécies. Por exemplo: em uma área de terra
dos de norte a sul do país. 70% dos pro-
onde se planta repetidas vezes milho, por conse-
dutos industrializados são derivados de
qüência vai faltar nitrogênio no solo. Isso se agra-
cinco culturas: milho, trigo, arroz, soja e
va com as freqüentes aplicações de fertilizantes,
batatinha. E quinze espécies respondem
agrotóxicos e semente híbrida ou transgênicas.
por 90% dos alimentos vegetais43 consu-
mido pela humanidade. Este processo desequilibra o solo causando
Benefícios nutritivos de verduras biológicas uma espécie de “ferida” trazendo conse-
qüências e doenças incontroláveis como:
a ferrugem na soja, a sigatoka negra na
banana, cancro cítrico na laranja, além
de nascer plantas de forma descontrola-
da prejudicando a produção. Se isso não
bastasse às conseqüências aparecem
também nos animais, como: a gripe aviá-
ria nas aves, a vaca louca e outros.
Voltamos afirmar que a monocultu-
ra produz alimentos pobres em nutrien-
tes. Na tabela ao lado observe a diferença
entre alguns alimentos de produção agro-
FONTE: Estudio Realizados por la Rutgers University (Miliequivalentes de minerales ecológica comparando com os alimen-
por 100 gramas) Fonte: Boletin de la asociacion VIDA SANA, verno del 2002. pg. 10-12.
Cientificamente lãs alimentos biológicos son más seguros y mas nutritivos! tos produzidos de forma convencional,
43
MACHADO, Luiz Carlos Pinheiro, FILHO, Luiz Carlos Pinheiro Machado, RIBAS, Clarinton D. E. C.
Sementes, Direito natural dos Povos. Org. CARVALHO, Horacio Martins de. Sementes Patrimônio dão
Povo a serviço da Humanidade. Ed. Expressão Popular, 1. edição, São Paulo – SP, 2003, p. 246.
quer dizer usando agrotóxicos e produtos
químicos.
O modelo de agricultura química além
de destruir as espécies de vegetais e animais
os alimentos são de baixo valor nutritivo.
É comum ouvir mães se queixar que seus
filhos(as) têm deficiência de ferro. Confor-
me a tabela, vemos que o feijão produzido
a partir da agricultura química/convencio-
nal quase não tem ferro. Daí a importância
de analisar a qualidade da alimentação que
54 ingerimos e, ao mesmo tempo, de produzir
alimentos agroecológicos.
As inúmeras experiências
agroecológica que vem sendo
desenvolvidas têm mostrado
uma grande capacidade na
recuperação das variedades de
vegetais animais, aumentado As mulheres camponesas organizadas
biodiversidade, melhorando a em movimento recuperam a luta milenar
qualidade nutricional e a saúde. com ações de proteção, preservação e cui-
dado das sementes, das florestas, das plan-
Mais do que nunca é necessário assu- tas medicinais e ornamentais, da mata, dos
mir a Campanha da alimentação saudável. pequenos animais, entre outros. Elas ensi-
Ela nos ajuda a perceber que somos parte do nam e ao mesmo tempo, detém a capacida-
ambiente e precisamos dar atenção à quali- de de garantir a biodiversidade, a soberania
dade dos alimentos, da água, do sol, do ar, alimentar respeitando e integrando as múl-
ao mesmo tempo, cuidar do ambiente de tiplas formas de vida. É neste contexto his-
trabalho, descanso, higiene, repouso. A ali- tórico que, as mulheres camponesas organi-
mentação também influencia na defesa e re- zadas no movimento autônomo incorporam
sistência do organismo, no comportamento, em suas lutas, a perspectiva de construção
disposição física e sexual, humor, memória, de um projeto popular de agricultura a partir
inteligência, mente, enfim no corpo todo e dos princípios da agroecologia, capaz de ga-
nas relações com as pessoas e o ambiente. rantir a soberania alimentar.
55
AMADO, Jorge. Tereza Batista, cansada de guerra. Rio de Janeiro: Record, 1978.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida. São Paulo: Nova Fronteira, 1980.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.Brasília, df: Senado, 1988.
BRASIL. ANFIP. Centro de Estudos da Seguridade Social. Leis n.º 8.212 e 8.213 de 14 de julho de 1991 com
a Emenda Costitucional n.º 20/98. Legislação previdenciária. Brasília, 1999.
BOFF, Leonardo; Ética da vida. Brasília: Letraviva, 1999.
____. Saber cuidar: ética do humano. Petrópolis: Vozes, 1999.
BRASIL.Conferência Nacional de Saúde, 8ª, Brasília, 1986: Centro de Documentação do Ministério da
Saúde.
CAMPOS, Gastão Wagner de Souza. Reforma da reforma: repensando a saúde. São Paulo: Hucitec, 1992.
CARVALHO. Horacio Martins de. A ALCA e a agricultura. Brasília: Câmara dos Deputados, 2002.
COSTA, Ana Maria; GUIMARÃES, Maria do Carmo Lessa. Saúde é assunto para as mulheres: controle social,
uma questão de cidadania. Rede Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos. Brasília: Hamburg, 2000.
DARON, Vanderléia. L. P.; Educação, cultura popular e saúde: experiências de mulheres trabalhadoras ru-
rais. Dissertação de Mestrado. 2003. Dissertação. (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação, Uni-
versidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2003.
______; GUADAGNIN, Irdes. A afirmação da cidadania na luta das mulheres trabalhadoras rurais. In: Direi-
tos humanos no Brasil: diagnóstico e perspectivas.Rio de Janeiro: Ceris, 2003. p.130-134.
GEBARA, Ivone. Poder e não-poder das mulheres. São Paulo: Paulinas, 1991.
GIOVANNI, Julia Di Agricultura na Sociedade de Mercado. As mulheres dizem não á tirania do livre mer-
cado. Sof. 2006 : p. 24).
KIRCHNER Maria Helena, COLLET Zenaide. Alimentação Uma necessidade vital. Chapecó/SC Editora Gra-
fica Ltda, 2006
LUZ, Madel Therezinha. Physis. Revista de saúde coletiva. V.1, 1991.
MACHADO, Luiz Carlos Pinheiro, FILHO, Luiz Carlos Pinheiro Machado, RIBAS, Clarinton D. E. C. Sementes,
Direito natural dos Povos. Org.
CARVALHO, Horacio Martins de. Sementes Patrimônio dão Povo a serviço da Humanidade. Ed. Expressão
Popular, 1. edição, São Paulo – SP, 2003, p. 246.
MENEGHELLO, Geri E., KOHLS, Volnei K., BARUM, Alexandre O., BEZERRA, Antônio J. A.., RIGATTO, Paulo
SISTEMAS INTEGRADOS DE FRANGOS E SUÍNOS: UMA VISÃO DOS PRODUTORES Rev. Bras. de AGROCIÊN-
CIA, v.5 no 2, 166-170. mai-ago,1999
MELO, Hildete Pereira de. A invisibilidade do trabalho feminino. In: CHOINACKI, Luci. Aposentadoria: di-
reito de dona de casa.2. ed. Brasília: Câmara dos deputados, 2002. p.7-11.
MURARO, Rose Marie. Sexualidade da mulher brasileira – Corpo e classe social no Brasil. 4.ed. Petrópolis,
1983.
____.Um mundo novo em gestação.Campinas: Versus, 2003.
PAIM, Jairnilson Silva; ALMEIDA FILHO, Naomar de. A crise da saúde pública e a utopia da saúde coletiva.
Salvador: Casa Qualidade, 2000.
PALUDO, Conceição. Educação popular em busca de alternativas: uma leitura desde o campo democrático
e popular. Porto Alegre: Camp e Tomo, 2001.
____. MMTR: síntese da trajetória. Ponto e vírgula: cultura e idéias, Porto Alegre, n.46, p. 19-23, 2002.
RIZZOTTO, Maria Lúcia Frizon. O Banco Mundial e as Políticas de Saúde no Brasil nos anos 90: um projeto
de desmonte do SUS. 2000. Tese (Doutorado em Saúde Pública) – Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2000.
SADER, Emir. Gramsci poder, política e partido. São Paulo: Brasiliense, 1990.
_____; GENTILI, Pablo. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 3 ed. Rio de Ja-
neiro: Paz e Terra, 1996.
56 SAFIOTTI, Heleieth I. B.; ALMEIDA, Suely Souza de. Violência de gênero: lugar da práxis na construção da
subjetividade. São Paulo: Neils. PUC-SP, 1997.
_____.Violência de gênero: poder e impotência. Rio de Janeiro: Revinter, 1995.
TÔRRES. Moisés Romanazzi Considerações sobre a condição da mulher na Grécia Clássica (sécs. V e IV
a.C.) Revista Mirabilia 1, ACESSADO EM 8 DE ABRIL DE 2008.
VASCONCELOS, Eymard Mourão. A saúde nas palavras e nos gestos: reflexões da rede educação popular
e saúde. São Paulo: Hucitec, 2001.
DOCUMENTOS DO MMC
INTERNET
http://pt.wikipedia.org/wiki/Girassol
http://www.cnph.embrapa.br/cultivares/bat-doce.htm
http://www.cnph.embrapa.br/sistprod/batatadoce/origem.htm
http://www.vitaminasecia.hpg.ig.com.br/batataorientacao.htm
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre - milho
http://www2.correioweb.com.br/hotsites/alimentos/abobora/alimentos.htm
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre – mandioca
www.saude.gov.br