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Apresentação

No truque: perspectivas queer


tropicais
No truque: tropical queer perspectives

Felipe Padilhaa; Juliana Justab

Nunca fomos catequizados! Fizemos Carnaval.


Manifesto Antropofágico, 1928

Nos últimos anos, os estudos e a política queer cultivaram mudanças significativas nas
questões de gênero, corpo e sexualidade. As compreensões que tomavam a correspondência
do tripé sexo-desejo-gênero como inequívocas, paulatinamente passaram a ser tensionadas.
Esse movimento desnudou as ligações entre a heteronormatividade e o sexismo implícito a uma
perspectiva calcada, sobretudo, no positivismo. Com frequência, as teorias que reivindicaram
a neutralidade, o fizeram (e ainda o fazem) minorando o interesse por essas questões, quer
fosse porque as considerassem questões menores e, portanto, interessantes apenas para as
minorias, ou, talvez, porque encarassem o movimento de inflexão proposto pelo queer como
moda passageira.
Xs teóricxs queer compreendem a sexualidade como um dispositivo histórico do poder,
como um conjunto heterogêneo de discursos, desejos e práticas sociais; como uma rede que se
estabelece entre elementos tão diversos como a literatura, enunciados científicos, instituições
e proposições morais (MISKOLCI, 2009, p.154). Nesse jogo, a construção dos sujeitos abjetos
expos as marcas dos discursos de poder e experiências de exclusão que estão referidas aos
processos históricos, marcando subjetividades (PELÚCIO, 2014, p.20).
Guacira Lopes Louro, reconhecidamente uma das anfitriãs dos estudos queer no Brasil,
apresentou essa vertente teórica como reativa à normalização, “venha ela de onde vier” (LOURO,
2001, p.546). Essa reatividade, como crítica à hegemonia normalizadora, se estendeu desde
a constituição dos corpos e seus limites, passando pelas sexualidades, desejos, alcançando
as bio, tecno e geopolíticas.
Atualmente, explica Richard Miskolci (2009, p.160):

[...] não é mais garantido que a sexualidade seja o eixo principal de


processos sociais que marcaram e ainda moldam as relações sociais,
mas, ao contrário, emerge a ideia de um ponto nodal de intersecções
de diferenças.

Implodidas algumas das muralhas que blindavam o discurso normativo, percebemos também
a necessidade de expandir as reflexões tensionando também noções como margem e centro.
Essas noções são poderosas, sobretudo, quando percebemos que podem funcionar delimitando
de maneira precária os processos tensos de constituição das identificações (BENTO, 2011).

a
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar,
bolsista CNPq e membro do Quereres – Núcleo de Pesquisa em Diferenças, Gênero e Sexualidade. Contato:
felipeapa@yahoo.com.br
b
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar,
bolsista FAPESP e membro do SexEnt – Grupo de Pesquisa Sexualidade, Entretenimento e Corpo. Contato:
julianafjusta@gmal.com.

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“Só não há determinismo onde há o mistério”, dizia Oswald de Andrade em seu polissêmico
Manifesto Antropofágico, publicado em 1928. E, logo em seguida, lançava a questão: “Mas que
temos nós com isso?”.
O truque é um modo travesti, transviado de reapropriação e ressignificação da realidade
por meio de um jogo de verdades e ocultamentos, valendo-se astuciosamente do não dito.
Buscamos combinar essa astúcia e essa ressignificação ao tropical, a uma produção truqueira,
sudaka, transviada, cucaracha, cuír, cu, desconcertante. Um movimento, um deslocamento
rumo à pergunta: o que quer o nosso queer?
Berenice Bento (2011), em diálogo com Foucault, comenta que os feminismos, assim como
o queer, são teorias pirotécnicas porque nos oferecem instrumentos para a estratégia, para o
cerco, para a guerra, para o espanto e para a destruição. O foco destrutivo pode ser mais bem
entendido como um esforço teórico para desafiar e implodir os limites pelos quais a cultura
dominante estabiliza as diferenças enquanto desigualdades. Acreditamos que, em outras
palavras, também podemos considerar o destrutivo como uma forma de lidar com situações
hegemônicas “no truque”.
Para reconhecer, é preciso permitir-se conhecer, deixar-se tocar, deglutir, declarar, colocar
o performativo em circulação, pô-lo à prova. Para desafiar esses limites, diversas estratégias
podem ser mobilizadas. A própria escrita repleta de x, @, *, / pode ser lida como uma tática
para graficamente explicitar as questões das quais queremos falar, ainda que por vezes a
leitura inevitavelmente acabe se tornando um pouco incômoda. Nesse caso, suspeitamos que
o desconforto, talvez, seja um efeito da norma sendo exposta e reflexivamente regurgitada.
Larissa Pelúcio (2014, p.39), em um texto mordaz, comenta que “as experiências concretas,
sobre as quais as ciências sociais e humanas se debruçam, têm apontado para a necessidade
de tornarmos os termos identitários mais prismáticos, menos reducionistas”. É ao encontro
dessa proposta que exploramos, aqui, a dimensão plural das perspectivas. Isso também
sinaliza para a amplitude e variedade geográfica das discussões desenvolvidas nos artigos
que compõem esse número.
Não temos a intenção de debater sobre as questões que envolvem a tradução do termo queer.
De outro modo, seguindo a proposta de Pedro Paulo Gomes Pereira (2014), nos propusemos
a provocar o “encontro” e a “invenção” nos questionando sobre a capacidade do queer de se
imiscuir às experiências locais, alterar-se, levando-o a outro lugar. A permanência do termo,
nesse caso, “obriga a língua a lastrear-se de estranheza (do termo estrangeiro que resiste, dos
corpos ex-cêntricos, das práticas diversas), e essas experiências nos trópicos inventariam uma
outra gramática e outras formas de agir” (PEREIRA, 2014, p.153).
Com sorte, também esperamos colaborar para as discussões que proliferam em torno da
teoria queer, cuiér, sudaka, cucaracha, teoria cu, entre outras, como exercício de pesquisa e
epistemológico.

Com todo um potencial para a elaboração não só de novas bandeiras, mas


como teoria capaz de propor um outro vocabulário, uma nova gramática
que desafie as estreitezas de uma ciência que nos ensinou que para sermos
levadxs a sério temos que usar os artigos no masculino. Assim, quando
queremos falar de humanidade devemos nos referir ao Homem como
abstração com pretensões de neutralidade. Se não o fizermos corremos
o risco de ofendermos a audiência (PELÚCIO, 2014, p.36).

Comprometidxs com esse descentramento, queremos torcer essa potente vertente teórica
para fazer dela múltipla, mas sem deixar de lado uma construção situada capaz de uma
compreensão geopolítica mais afetuosa, provocante, instigante e desestabilizadora. Esse intuito

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se revela na multiplicidade de autorxs que, em suas produções, buscam deglutir esse corpus
teórico à margem dos regimes falogocêntricos e heteronormativos da ciência canônica.
É nesse banquete tropical, ao Sul de Equador, que nos abrimos para o inesperado e convidamos
x leitorx à mesa, reconhecendo que “as adesões teóricas são também locais políticos capazes
de nos instrumentalizar para o bom combate” (PELÚCIO, 2014, p. 41).
Nos textos que compõem esta publicação, xs autorxs desafiam enfrentando a normalização
e a naturalização. Seja evidenciando a artificialidade do modelo familiar heterossexual que
emerge com a sociedade urbano-industrial; o caráter compulsório da heterossexualidade; as
migrações e a constituição de um modo de vida gay-urbano no Brasil; desconstruindo binarismos
que enrijecem possibilidades de transformações; politizando o desejo; questionando os limites
do feminismo; apontando para as exclusões produzidas pelos discursos hegemônicos ao
comemorar a impossibilidade da completude; ou para as estratégias de (in)visibilidade que
cercam o desejo.
Mais do que falar “a verdade” sobre como são ou como vivem as pessoas pesquisadas,
os textos selecionados para este dossiê comunicam sobre o que podemos apreender com
elas, com seus corpos, sexualidades, desejos, trânsitos e como essas esferas se articulam às
questões tecno, bio e geopolíticas, sem esquecer que também somos afetadxs nesse processo.
Não há a pretensão de reificar o queer tropical, mas de criar espaços potentes para novos
vocabulários e para a discussão sobre as implicações da criatividade tanto na academia,
quanto nas políticas do cotidiano.
Anna Paula Vencato abre o Dossiê problematizando as inquietações acumuladas durante
a sua experiência como docente no curso Gênero e Diversidade na Escola, promovido pela
UFSCar. A autora se pergunta como suas percepções sobre família impactam na relação com
xs estudantes. Em um importante contexto de sociabilidade, a escola, no qual há variadas
possibilidades de “família”, Vencato percebe as resistências aos modelos que ultrapassam
aquele considerado nuclear (pai-mãe-filhos) e historicamente hegemônico. São deixadas de
fora as famílias formadas por LGBTs, por netos e avós ou mesmo as chefiadas por mulheres.
Esse debate sobre o respeito às diferenças é uma contribuição indispensável para a produção
de práticas pedagógicas e processos de escolarização mais democráticos e que não reproduzam
os estereótipos vigentes que com frequência articulam a família, o gênero e o fracasso escolar.
Em seguida, Marcelo Augusto de Almeida Teixeira interpela os estudos migratórios e a ideia
comumente propagada de que os migrantes seriam uma massa de sujeitos heterossexuais e
sem gênero que se deslocam os centros urbanos exclusivamente por questões econômicas.
Desconfiando da literatura que reifica os migrantes como trabalhadores e a metrópole como
habitat por excelência para homossexuais, sobretudo, no século XX, o autor chama a atenção
para a proporção de casais do mesmo sexo em pequenas cidades brasileiras, com ênfase nos
anos 2000. A supervalorização do ambiente urbano na formação identitária homossexual,
portanto, é avaliada a partir do conceito “metronormatividade”, cunhado por Jack Halberstam,
explicitando a crítica ao urbano como referência absoluta para uma suposta vida de liberdade
e satisfação sexual.
Jonas Alves da Silva Junior discute os conceitos de travestilidade e transexualidade partindo
do diálogo entre as teorias de Michel Foucault e Judith Butler. Afinado com a produção queer
nacional e internacional, Silva Júnior busca compreender a pluralidade sexual e de gênero
no contexto escolar, já que as experiências transexuais e travestis na escola são múltiplas e
singulares. Sua análise mostra como os processos de subjetivação são configurados como
modos de normatização e de singularização que se estabelecem tanto no sujeito individual
como nos múltiplos espaços sociais em vive.
Com o propósito de fornecer elementos para a pesquisa das sexualidades online, Kaciano
Barbosa Gadelha faz uma revisão do conceito de performatividade em relação ao conceito

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de espaço. A discussão é pautada no estudo de caso tomando as páginas e os aplicativos
para homens gays que buscam por parceiros online. Interessado na configuração das novas
geografias eróticas online, em uma perspectiva simétrica, sua reflexão explora o conceito de
performatividade sob a lente do neomaterialismo de Karen Barad, descentrando a agência
humana para uma compreensão dos processos que envolvem a participação de atores não
humanos na produção da sexualidade.
Marcelle Jacinto da Silva traz o universo simbólico de jogos eróticos de poder e o conjunto
de rituais específicos elencados sob a denominação de “feminização forçada”, no universo do
sado-fetichismo. Além de contextualizar as performances de gênero nessas práticas eróticas,
Silva reflete sobre as ambiguidades como produtoras de erotismo. Mobilizando o vocabulário
êmico, sua análise evidencia a circulação e a transformação de conceitos que culminam no
“espetáculo da ambiguidade”, não restrita apenas ao gênero, mas em termos como disciplina,
poder, domesticidade e entrega.
Carolina Ribeiro discute categorias como homossexualidade, feminismo e corporalidades
a partir da pornografia feminista de Erika Lust, diretora, produtora e escritora sueca, radicada
na Espanha. A partir de um grupo focal, no qual foram exibidos dois filmes de Lust e seguidos
por um debate aberto, Ribeiro traz uma interessante mirada sobre a percepção de “mulheres
modernas” sobre os significados do feminismo. Sua análise questiona quais seriam as principais
mensagens da pornografia feminista de Lust; como essas mensagens foram compreendidas
pelas mulheres do grupo focal; bem como o que esses dados podem nos dizer sobre sexualidade,
corporalidade e subjetividades.
Já Marco Antônio Gavério cartografa os debates existentes entre deficiência e sexualidade
pelo prisma dos posicionamentos críticos dos disability studies e da teoria queer, estabelecidos
após os anos 2000. Sua recuperação oferece uma leitura sobre os pontos históricos que
permitem compreender como se deu essa articulação entre as vertentes chegando aos profícuos
questionamentos da teoria crip. Gavério aponta para o potencial do que chama de “ameaças
crí(p)ticas” para pensar e criar cada vez mais espaços aleijados no mundo que rondem e
assustem as normalidades.
Por fim, Rodrigo Melhado nos apresenta a síntese de sua monografia, interessada nos
perfis de usuários do sítio de encontro entre homens Manhunt.net nas cidades de Araraquara
e São Carlos, situadas no interior paulista. Seu trabalho é instigante, sobretudo porque busca
formular uma explicação que articula as perspectivas quali e quantitativas para entender a
sexualidade. A pesquisa traz referências dos estudos brasileiros sobre sexualidade, dos estudos
queer e de pesquisas recentes sobre o uso de mídias digitais. Ao buscar desvendar quais os
componentes de gênero, geração, classe social, concepções de masculinidades e construção do
corpo são acionados nesse mercado amoroso, Melhado destaca os procedimentos envolvidos
na construção dos perfis online, bem como seus valores e as convenções de gênero, sexualidade
e outros marcadores sociais das diferenças nele acionados.
A ideia de organizar essas reflexões em torno do queer tropical como antropofágico emergiu
durante o processo de construção do próprio número. Com ele, pretendemos sinalizar para
essa mistura calorosa e diversa de influências de variadxs autorxs e contextos, mas atenta
às especificidades locais. Contemplar essa mistura é uma estratégia política, pois, apesar de
a teoria queer possuir uma perspectiva não identitária e despatologizante (principalmente
em relação aos gêneros, sexualidades, corpos e desejos), sua propagação e apropriação por
vezes canoniza uma teoria supostamente anticanônica e arrefece a postura crítica e criativa
de novas formas de produzir.

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Referências

ANDRADE, Oswald de. O manifesto antropófago. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda
européia e modernismo brasileiro: apresentação e crítica dos principais manifestos
vanguardistas. 3ª ed. Petrópolis: Vozes; Brasília: INL, 1976. Disponível em: <http://www.ufrgs.
br/cdrom/oandrade/oandrade.pdf>.

BENTO, Berenice. Política da diferença: feminismos e transexualidades. In: COLLING, Leandro


(Org.). Stonewall 40 + o que no Brasil? Salvador: EDUFBA, 2011. v. 1. p. 79-110. Disponível
em: <http://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/2260/ 3/Stonewall%2040_cult9_RI.pdf>.

LOURO, Guacira Lopes. Teoria queer: uma política pós-identitária para a educação. Revista de
Estudos Feministas, Florianópolis, v. 9, n. 2, p. 59-90, 2001. Disponível em: <https://periodicos.
ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2001000200012/8865>.

MISKOLCI, Richard. A Teoria Queer e a Sociologia: o desafio de uma analítica da normalização.


Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n. 21, p. 150-182, jan./jun. 2009. Disponível em: <http://seer.
ufrgs.br/sociologias/article/view/8863>.

PELÚCIO, Larissa. Traduções e torções ou o que se quer dizer quando dizemos queer no Brasil?
Revista Periodicus, v.1, n.1 maio-outubro, 2014. Disponível em: <http://www.portalseer.ufba.
br/index.php/revistaperiodicus/article/view/10150/7254>.

PEREIRA, Pedro Paulo Gomes. De corpos e travessias: uma antropologia de corpos e afetos.
São Paulo: Annablume, 2014.

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