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INSTRUÇÃO E EDUCAÇÃO PARA OS “DISCÍPULOS”: AS ESCOLAS

PÚBLICAS DE PRIMEIRAS LETRAS DA CORTE IMPERIAL.


(RIO DE JANEIRO, 1851-1860).
___________________________________________________________

Ramona Halley Rosário de Souza1

RESUMO

O presente artigo busca analisar o modelo educacional proposto para as escolas públicas de
primeiras letras na Corte, para identificar as concepções de instrução, educação e ensino
presentes nesses discursos e também para compreender a função da instrução de primeiras
letras nessa sociedade, na Corte Imperial, em meados do século XIX, estabelecendo uma
comparação entre os discursos e a prática, entre leis e regulamentos e o funcionamento das
escolas. Cabe-nos demonstrar que a educação escolar de primeiras letras na Corte representou
perspectivas diferentes para governantes, professores, pais e alunos e que, aos poucos, ela vai
adquirindo um valor para esses diferentes atores.

Palavras-chave: Brasil, Império, Educação, Instrução Primária.

ABSTRACT

This article examines the educational model proposed for the public schools of first letters in
court to identify the conceptions of instruction, education and training in such speeches and
also to understand the function of the first letters instruction in this society, in the Imperial
Court in the mid-nineteenth century , with a comparison between the rhetoric and practice,
between laws and regulations and operation of schools. We must show that the education
school at the court of first letters represent different perspectives for leaders, teachers, parents
and students and, gradually, she will acquire a value for these different actors.

Keywords: Brazil, Empire, Education, Elementary School.

1
Mestranda do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e
bolsista Capes. ramonahallei@gmail.com
Nosso estudo busca identificar e analisar as concepções de instrução, educação e
ensino presentes na sede política do regime imperial, a cidade do Rio de Janeiro,2 bem como
as práticas exercidas pelos diversos atores responsáveis pelo funcionamento das escolas
públicas de primeiras letras do Município da Corte, durante a década de 1850, período em que
vigorou o primeiro Regulamento da Instrução Primária e Secundária da Corte. Este
regulamento constituía parte da chamada Reforma Couto Ferraz,3 assim denominada devido
ao ministro que a elaborou e a implantou, Luiz Pedreira do Couto Ferraz, Ministro e
Secretário d’Estado dos Negócios do Império, em 1854.

Nossa proposta, portanto, pretende analisar o modelo educacional proposto para as


escolas públicas de primeiras letras na Corte, para identificar as concepções de instrução,
educação e ensino presentes nesses discursos e também para compreender a função da
instrução de primeiras letras nessa sociedade, na Corte Imperial, em meados do século XIX,
estabelecendo uma comparação entre os discursos e a prática, entre leis e regulamentos e o
funcionamento das escolas. Cabe-nos demonstrar que a educação escolar de primeiras letras
na Corte representou perspectivas diferentes para governantes, professores, pais e alunos e
que, aos poucos, ela vai adquirindo um valor para esses diferentes atores.

Devido à extensão de nossa proposta, nos deteremos, neste artigo, a definir nosso
objeto de estudo e a mostrar as mudanças na legislação educacional promovidas pela Reforma
Couto Ferraz no ensino primário, como parte do processo de constituição e legitimação da
escola pública primária no Município da Corte, no século XIX.4

A instrução de primeiras letras consistiu na iniciação aos estudos. Nas Aulas públicas
de primeiras letras das freguesias da Corte, segundo a Lei de 15 de outubro de 1827, os
2
Segundo o verbete elaborado por Martha Abreu, do Dicionário do Brasil Imperial, dirigido por Ronaldo
Vainfas, a cidade do Rio de Janeiro, Município Neutro - segundo a Constituição Política de 1824 - e
reconhecida como a Corte, “apesar de a expressão corte, ser originalmente restrita ao mundo palaciano da
nobreza, príncipes e reis”, foi sede do Império do Brasil de 1822-1889. Ainda segundo Martha Abreu, a cidade
apresentou um crescimento considerável no âmbito econômico, populacional e urbanístico, principalmente
devido ao café, após 1850. Cf. ABREU, Martha. Corte. In: VAINFAS, Ronaldo (dir.). Dicionário do Brasil
Imperial. (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. pp. 175-177. Segundo Giselle Baptista Teixeira, “a Corte
Imperial era considerada o principal centro urbano no Brasil do século XIX. Sua sociedade era formada por
sujeitos de diversas classes, entre os quais se encontravam pessoas livres, negros libertos, escravos, estrangeiros,
crianças, jovens e adultos.” Cf. TEIXEIRA, Giselle Baptista. O livro escolar na Corte Imperial: contribuições
para a institucionalização da escola. In: MAGALDI, Ana Maria B. M.; XAVIER, Libânia Nacif. Rio de
Janeiro: 7Letras, 2008. p. 30-44.
3
A reforma foi a primeira a prover regulamentos para todos os níveis de ensino do Município Neutro. Cf. os
regulamentos completos na Pasta IE 5- 127 (1854-1855), Série Educação, Ensino Primário, Arquivo Nacional.
Para saber mais sobre a discussão acerca da Reforma Couto Ferraz e seu autor consultar GONDRA, J.; GARCIA
& SACRAMENTO. Rediscutindo a Reforma de Couto Ferraz. (I CBHE, Rio de Janeiro, 2000).
4
É importante destacar que nossa pesquisa e dissertação encontram-se em fase de andamento, não apresentando
ainda, portanto, a conclusão do trabalho.

2
professores deveriam ensinar “a ler, escrever, as quatro operações aritméticas, (...) a gramática
da língua nacional e os princípios da moral cristã e da doutrina da religião católica (...)”,5
tendo os currículos das escolas variações na Corte ao longo do período Império, devido às leis
que os regulamentavam. Além dessas variações ao longo do tempo, os currículos das escolas
também apresentavam diferenças entre as escolas de meninos e as escolas de meninas desde a
Lei de 15 de outubro de 18276, que mandava criar escolas de meninas e estabelecia um
currículo diferenciado para elas. As fontes primárias nos mostram que, na Cidade-Corte, essa
fase da instrução era freqüentada por “discípulos” – como eram chamados os alunos das
escolas de primeiras letras pelos Ministros do Império e pelos Diretores da Instrução Primária
e Secundária da Corte que ocuparam os respectivos cargos nos ofícios e relatórios
pesquisados – de 5 a 15 anos de idade.
O século XIX foi assinalado como um período de grandes transformações econômicas,
sociais e principalmente políticas nas colônias ibéricas da América. O fato de a independência
da metrópole portuguesa no Brasil ter sido conduzida pelo próprio herdeiro do trono de
Portugal, D. Pedro I, com o incentivo da Inglaterra e conduzido de perto pelos setores
políticos identificados à causa da independência da antiga colônia foi um fator diferencial
para o futuro Império brasileiro em relação à emancipação das colônias espanholas. Porém
podemos identificar muitas permanências do século XVIII no Brasil no século XIX, entre elas
a da crença no poder das leis e as idéias de “difusão das Luzes” e da civilização através da
instrução.

Segundo José Murilo de Carvalho, no caso das elites burocráticas, como a de Portugal
- formada segundo os ideais ilustrados de Coimbra – e, posteriormente, a do Brasil - onde o
Estado foi um grande empregador -, houve ausência ou insuficiência de homogeneidade social
entre os membros dessa elite política, pois, ao contrário das elites políticas inglesa e
prussiana7, por exemplo, a elite brasileira era composta por profissionais liberais, grandes
proprietários, militares e eclesiásticos8. Mas a ausência de homogeneidade social aqui foi
suprida por fatores como educação, treinamento e ocupação que desenvolveram uma elite
coesa e homogênea ideologicamente e não socialmente. Porém, esta elite foi “totalmente não-

5
Cf. Lei de 15 de outubro de 1827 na Coleção das Leis do Império do Brasil (CLIB).
6
Cf. Lei de 15 de outubro de 1827 na Coleção das Leis do Império do Brasil (CLIB). Art 6º, 11º e 12º. P. 71 e
72.
7
A obra de José Murilo de Carvalho aqui referida foi publicada pela primeira vez em 1980. Porém neste trabalho
será utilizada a edição de 2008 publicada pela Editora Civilização Brasileira. Cf. CARVALHO, José Murilo de.
A Construção da Ordem. Teatro de Sombras. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. pp. 28-31.
8
Idem. Op. cit. Caps. 1 e 7.

3
9
representativa da população do país” por constituírem uma minoria letrada em meio à
maioria de analfabetos. Mas foram esses integrantes da elite que traçaram o objetivo de
consolidação de um projeto político que pretendia garantir a propriedade privada, restringir o
acesso à terra e manter o esquema de agricultura de exportação de base escravista em prol de
seus status e interesses econômicos.

A homogeneidade ideológica10 - já que não havia uma origem social centralizada - foi
o que permitiu a consolidação de um projeto político que visava à construção da identidade
nacional e consolidação do Estado através da difusão da “civilização” e das “luzes”. Foi
preciso, para a elite política, “construir” uma identidade própria para uma nova nação que
surgia, para que essa nação se sentisse realmente uma nação, ou seja, como parte de um
conjunto de pessoas que tinham uma história, costumes, língua e símbolos em comum e não
apenas habitavam o mesmo território, território este que, a partir da Abdicação, tornou-se
independente e não mais subordinado à nação portuguesa. Para isso, foi necessário criar um
conjunto de instituições “políticas, administrativas, judiciárias e culturais que ajudassem a
preservar a unidade territorial”.11 Nesse sentido, foram criadas as Faculdades de Direito de
Olinda e São Paulo em 1827, reformulados os Cursos da Escola de Medicina em 1830, criado
o IHGB12 (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro), em 1838, instituição dedicada “às
letras brasileiras”13 e o Colégio Pedro II, destinado ao ensino secundário.
A formação comum na área jurídica pela Universidade de Coimbra14 - reformada na
época pombalina segundo o ideário do “despotismo iluminado”, onde a ideologia ilustrada
tinha como lugar privilegiado o “otimismo jurídico, isto é, a crença no poder ilimitado das leis
de promoverem o bem-estar e a felicidade dos homens (...)”15 e onde a educação tinha valor

9
Cf. CARVALHO, J. M, 2008.Op. cit.. p. 231.
10
Idem, Ibidem. Op. cit. pp. 30-35.
11
MATTOS, Selma R. de. O Brasil em Lições: A História como disciplina escolar em Joaquim Manoel de
Macedo. Rio de Janeiro: Access, 2000. p. 31.
12
Sobre o IHGB, Cf. SCHWARCZ, Lilia M. As barbas do Imperador. São Paulo: Cia das Letras, 1998. pp. 126-
131. e GUIMARÃES, Manoel Salgado. “Nação e Civilização nos Trópicos: O IHGB e o projeto de uma
História Nacional”. Rio de Janeiro: Revista Estudos Históricos, nº1, 1998.
13
Cf. SCHWARCZ, Lilia M.Op. cit. p. 126. e CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. Cap. 3
14
A Universidade de Coimbra teve seus estatutos e cursos totalmente reformulados na época pombalina, na
segunda metade do século XVIII. A partir de então, seu ensino passou a ter um cunho ideológico baseado nas
idéias do despotismo esclarecido em que a ilustração e o saber têm um valor crucial e, portanto, o ensino deve
servir também aos interesses do Estado, sendo laico, oferecido e organizado por este. Cf. MAXWELL, Kenneth.
Marquês de Pombal. Paradoxo do Iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. 2ª Edição. e CARVALHO,
José Murilo de. A construção da Ordem. Teatro de Sombras. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. pp.
31-32.
15
GUSDORF, G. apud FALCON, Francisco José Calazans. A Época Pombalina: Política Econômica e
Monarquia Ilustrada. São Paulo: Editora Ática, 1982. p. 113.

4
crucial – proporcionou a essa elite política uma homogeneidade ideológica e de treinamento 16
que seria fundamental para a formação e consolidação de um projeto de Estado independente
para o Brasil e para a formação dessa elite imperial. A ocupação, organizada em profissão, foi
um fator importante de unificação da elite. O treinamento comum se daria através da ascensão
aos cargos políticos, principalmente magistrados e militares, começando pelos cargos mais
baixos, nas cidades e províncias do interior até o alcance de cargos mais importantes como a
função de Senador ou Ministro, por exemplo, ou a acumulação de cargos. Essa elite dirigente
seria o que o autor Hobsbawn chama de “nação política”, “uma pequena fração dos habitantes
de um Estado, a sua elite privilegiada (...)” que “originalmente formulou o vocabulário do
que, mais tarde, tornou-se o povo-nação (...)”.17

Considerando que grande parte dos senadores e ministros do Império entre 1853-1871
possuía nível superior e dentre os Conselheiros de Estado quase todos também possuíam este
nível de ensino18, essa elite política formava um grupo bem distinto do grupo de trabalhadores
livres, em grande parte analfabetos, que tinha muito mais acesso a formas de conhecimento
orais do que escritas, caracterizando uma sociedade de tradição oral. Mais distinto ainda da
elite política era o grupo dos não-cidadãos, os escravos ou libertos, que não tinham o direito
legal de freqüentar as escolas19. Esse grupo dominante da política, da economia e da cultura
da sociedade20 procurou durante todo o Império manter-se dominante, conseguindo em certos
períodos menos e em outros mais. Para isso, lutou por seus interesses próprios e representou,
na teoria e não na prática, o conjunto dos cidadãos21 – inclusive os que não tinham direito ao
voto e nem a cargos políticos e públicos.
Cabe esclarecer, que o conceito de elite política de que tratamos em nosso trabalho é
relacionado, na análise de José Murilo de Carvalho, a partir das acepções clássicas de elite
dirigente de Pareto e classe política de Mosca, à formação dos Estados modernos - entendida
aqui como a “instauração progressiva da fiscalidade pública e de uma ordem garantida pelo
poder de comando do soberano.”22 Trata-se portanto, dos atores diretamente envolvidos com
16
Cf. CARVALHO, José Murilo de.Op. cit. Caps. 4 e 5.
17
Cf. HOBSBAWM, Eric. Nações e Nacionalismo desde 1780. Programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1990. 5ª edição. p. 88. Cf. também conceito de nação no capítulo I.
18
Cf. Tabela com a porcentagem do número de ministros e senadores não-ministros com nível superior durante
o período do Império e texto posterior em CARVALHO, 2008. pp. 78-79.
19
Cf. Artigo 179 da Constituição de 1824. Coleção das Leis do Império do Brasil. Constituição Política de
1824.
20
Embora saibamos que não era um grupo homogêneo socialmente mas sim ideologicamente, conforma já
discutido.
21
Cf. Coleção das Leis do Império do Brasil. Constituição Política de 1824.
22
Essa definição sucinta de Chartier tem base no modelo global proposto por Norbert Elias, grande sociólogo
alemão, em seu estudo sobre a gênese do Estado. Cf. CHARTIER, Roger. A História Cultural; entre práticas e

5
a ação de governo, garantidores do monopólio do uso legítimo da força, através da
“manutenção de estruturas sociais que possam garantir seu prestígio, o monopólio do poder
político e, ainda, incentivar condições para as transformações nas condições econômicas,
sociais e políticas, com a manutenção de sua posição de comando.” 23 A burocracia estatal não
é a única responsável pela projeção política da elite. A elite política é um estrato social
vinculado ao conhecimento. Assim como o religioso, econômico, burocrático, entre outros, o
fator intelectual também é um mecanismo de reprodução social desse segmento.24
O interesse pela reprodução social do seu grupo fez com que a elite política tivesse a
educação como um de seus principais assuntos de pauta nas decisões do Governo Imperial.
Nesse sentido, a questão da educação emerge articulada à idéia de nação que se deseja
difundir na sociedade no Município da Corte.

O Estado imperial brasileiro, em seus primeiros anos, tem uma sociedade escravista
com economia voltada para a exportação, com a maioria de sua população negra e que
enfrenta problemas de revoltas e de instabilidade política. Para reverter essa situação, é
preciso legitimar o governo imperial, consolidar o sistema político, separar o controle público
do controle privado, controlar as tensões, estabilizar a economia e afirmar a superioridade do
grupo dominante através da difusão de idéias que legitimem as razões de seu poder. Para isso,
era preciso solidificar através do ensino a idéia de nação e de pertencimento a uma nação
entre os brasileiros, criar símbolos comuns, ratificar certos aspectos comuns para legitimar a
história da nação, criar a história e a geografia do Brasil e os símbolos nacionais, como a
natureza, o índio e a língua, para que fosse proporcionada uma identificação entre os cidadãos
do Império.

A implementação e regulamentação da instrução pública no Município da Corte, desde


o Ato Adicional à Constituição, de 1834, era de responsabilidade exclusiva do Governo
Imperial que, através da Secretaria do Ministério do Império, monitorava cada fase da
educação dos jovens aprendizes. Cabia também ao Ministério do Império, legislar, prover e
fiscalizar o ensino superior e reunir dados sobre o ensino de todas as províncias através de
relatórios dos presidentes de províncias que forneciam informações como o número de alunos
e escolas ou Aulas públicas e particulares das mesmas, para que estes dados fossem
Representações. Lisboa: Difel, 1990. Cap VIII, p. 216 e ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador: uma história
dos costumes. 2 vols. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993. Ver especialmente o volume 2.
23
Cf. NORONHA, Andrius Estevam. Análise teórica sobre a categoria “elite política” e seu engajamento nas
instituições da comunidade. p. 35. Disponível em http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?
tb=alunos&id=133.
24
Cf. HEINZ, Flávio M. Considerações acerca de uma história das elites. Revista Logos (ULBRA). Canoas. v.
11, nº 01. Maio 1998. p. 41-52.

6
apresentados nas Sessões da Assembléia Legislativa do Império. Esses dados e outras
informações sobre as províncias eram apresentados anualmente na Assembléia. Cabia ao
Ministério do Império, a cada ano, apresentar um relatório geral com informações sobre o
número de alunos e de estabelecimentos como escolas, colégios, institutos, liceus e faculdades
do Império, desde o ensino das primeiras letras de meninos e de meninas até o ensino
superior, além de outras atribuições que lhe cabiam referentes a questões econômicas, número
de batismos e óbitos etc.
Todo o funcionamento das escolas ou Aulas públicas de primeiras letras da Corte era
participado ao Ministério do Império através de ofícios enviados pelo Diretor da Instrução
Pública Primária e Secundária Da Corte – até 1853 – e pelo Inspetor da Instrução Primária e
Secundária da Corte – após a Reforma de 1854 que criou a Inspetoria, ao Ministro. O Diretor
e, após 1854, o Inspetor, recebia informações sobre as escolas dos professores públicos
titulares das cadeiras das freguesias do Município. O Ministério do Império era o órgão
responsável pelo requerimento de verbas para as escolas, pela elaboração e implantação de
leis e regulamentos para as escolas, além de seu controle e fiscalização desde que o Município
da Corte passou a ter a instrução controlada diretamente pelo Governo Imperial, a partir do
Ato Adicional de 183425.

A partir do regulamento de 1854, nota-se, através dos relatórios e ofícios, a formação


de um corpo burocrático dedicado a fiscalizar os estabelecimentos de ensino, principalmente
devido à criação da Inspetoria Geral da Instrução Pública Primária e Secundária da Corte,
pelo Regulamento de 1854.26 Essa burocratização fez parte da tentativa, cada vez mais clara
ao longo do Império, de institucionalizar a escola primária e difundir as “luzes” e a
“civilização” através dela, com o objetivo de tornar a instrução institucionalizada a forma
legítima da instrução de primeiras letras, com espaços, métodos e tempos próprios.27 Porém
sabe-se, através de larga discussão da historiografia – que traremos em parte em nossa
dissertação – que a escola pública não era o único meio de aprendizado das primeiras letras.
As escolas domésticas e também as preceptoras atingiam um número bem maior de

25
Cf. artigos 1º e 10º do Ato Adicional à Constituição de 1834 que delimitaram as atribuições das Câmaras e
Assembléias a respeito de suas tarefas sobre a legislação do ensino. CLIB, ano de 1834. Ato Adicional - Lei nº
16 de 12 de agosto de 1834.
26
Devido às várias referências que faremos em nosso trabalho a esse corpo burocrático, o denominaremos,
dirigentes da instrução para facilitar a escrita e compreensão do texto.
27
Cf. FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VIDAL, Diana Gonçalves. Os tempos e os espaços escolares no
processo de institucionalização da escola primária no Brasil. Revista Brasileira de Educação. Mai/ Jun/ Jul/
Ago 2000, nº 14. pp. 22-23.

7
“discípulos” do que as escolas públicas de primeiras letras.28 O problema para o Governo
Imperial era: como controlar e padronizar o que é ensinado de acordo com os ideais de
progresso e civilização do Estado após 1850?

A questão da instrução pública era de grande interesse das autoridades


governamentais, que se empenharam em inverter esse quadro de maioria dos alunos na “rede
de escolarização doméstica” e minoria na instrução pública primária. Porém era necessário
fazer com que a maioria dos pais das famílias as quais se queria dirigir o ensino, aceitasse e
cresse que a escola proposta pelo Governo seria a ideal para seus filhos. A escola “pública”
proposta pelo Governo Imperial na Corte deveria ser referência para o Império - de acordo
com os discursos dos burocratas responsáveis pelas funções da instrução -, e deveria
“diferenciar suas práticas educativas daquelas presentes nas esferas familiar, religiosa e do
convívio social mais amplo”, produzindo espaços, métodos e tempos próprios. 29

A legitimação da escola moderna com seus espaços e tempos próprios, controlada pela
figura do professor, como instituição privilegiada de educação e instrução está ainda em
constituição no século XIX. Por isso é importante compreender o processo de
institucionalização da escola primária no Brasil e de sua legitimação na sociedade.

As fontes pesquisadas nos mostram muitas características importantes que confirmam


o esforço do Estado Imperial em pôr em prática seu projeto de consolidação do Estado,
formação intelectual da elite política e difusão das “luzes”. As fontes pesquisadas, como os
Relatórios do Ministério do Império, ou os ofícios do Diretor das Escolas de Primeiras Letras
ao Ministro, os Documentos da Secretaria do Ministério do Império ou a própria legislação do
período do Império referente ao ensino, mostram a preocupação do Estado com o ensino
primário e as dificuldades enfrentadas pelos dirigentes saquaremas em oferecer o ensino,
expandir, organizar e fiscalizar as escolas de primeiras letras de meninos e meninas das
freguesias do Município da Corte. Ao mesmo tempo, mostram também que por mais que o
Estado tenha garantido por meio de bases legais o ensino gratuito, este ensino atende um
número restrito de alunos, as escolas apresentam problemas de natureza diversa – que serão

28
Sobre o papel das preceptoras no Brasil, principalmente em meados do século XIX, e da educação doméstica,
cf. VASCONCELOS, Maria Celi Chaves. Vozes femininas do oitocentos: o papel das preceptoras nas casas
brasileiras. In: LÔBO, Yolanda; FARIA, Lia (orgs.). Vozes Femininas do Império e da República. Rio de
Janeiro: Quartet, 2008.
29
Cf. TEIXEIRA, Giselle Baptista. Op. cit. p. 32. Sobre a necessidade de legitimação dos tempos e espaços
escolares durante o Império, cf. FARIA FILHO & VIDAL, 2000. Op. cit. p. 22. Sobre a necessidade de se criar
estratégias para “produzir e assegurar o lugar da escola no século XIX”, cf. INÁCIO, Marcilaine S. Ensino
escolar da leitura e da escrita em Minas Gerais, no século XIX (1800-1850). II Congresso Brasileiro de História
da Educação. História e memória da educação brasileira. Natal, 2002.

8
especificados adiante – e estes problemas acabam afastando os alunos da escola ou
dificultando a sua freqüência e assiduidade nas aulas.
Os alunos das camadas mais baixas, cidadãos brancos e mestiços livres, tiveram
acesso somente a essa instrução elementar, apesar de toda “demagogia” e legislação, pois ao
ensino secundário e superior só tinham acesso aqueles que estivessem em condições de arcar
com as despesas dos seus estudos, ou seja, aqueles jovens provenientes das camadas com
maior poderio econômico da sociedade. Portanto, o ensino primário era o nível de instrução
comum aos habitantes considerados cidadãos. Era uma forma de o Império diferenciar o
“povo mais ou menos miúdo” – os brancos livres -, conforme distinguiu Ferreira de Resende,
dos escravos cativos ou libertos, que eram proibidos de ingressar nas escolas públicas de
instrução primária em toda a província, conforme a Lei Provincial de 21 de Janeiro de 183730
e também em todo o Império conforme a Constituição Imperial.
O interesse pelas questões da instrução no Brasil durante o período imperial começa já
nos debates da Assembléia Constituinte de 1823. A partir da pesquisa no Diário da
Assembléia Nacional Constituinte, Teresa Cardoso (2002) pesquisou os debates a respeito da
educação feitos pela Comissão de Instrução Pública da Assembléia Nacional Constituinte. O
debate girava em torno da confecção de um Tratado sobre a Educação e das formas como ele
deveria ser elaborado. Outro debate importante da Assembléia foi o de 5 de junho, onde se
discutia as atribuições de um “cidadão brasileiro”. A distinção entre quem deveria ou não ser
considerado cidadão brasileiro e dos “tipos” de cidadão ocorreu aos moldes da constituição
espanhola.31 Ficou estabelecido, portanto, uma diferença entre duas categorias de brasileiros
pelo exercício do voto: os cidadãos ativos “seriam os detentores dos direitos políticos e
civis”, e aos cidadãos passivos “eram atribuídos os direitos civis, mas não o direito político
(...)”.32 Portanto, para ser considerado cidadão brasileiro era necessário, ao menos, gozar de
direitos civis, o que não era o caso dos escravos, considerados como “coisas” ou
“mercadorias”, e portanto não se encaixavam entre os “cidadãos” e não poderiam tornar-se
tais por hipótese alguma. Mas seria possível tornar-se cidadão ativo ao tornar-se proprietário,
já que a “propriedade privada era o fundamento da cidadania”.
Segundo o texto da Constituição de 1824 eram considerados cidadãos brasileiros
durante o Império “os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos, ou libertos, ainda
30
Cf. MATTOS, Ilmar R., Op. cit. pp. 264-291. Especialmente p. 274.
31
Cf. CARDOSO, 2002. Op. cit. p. 191. No verbete Cidadão de Beatriz Catão Cruz Santos e Bernardo Ferreira,
os autores afirmam que a distinção entre cidadão ativo e passivo seria originária do constitucionalismo francês e
não espanhol. Cf. SANTOS, Beatriz C. C.; FERREIRA, Bernanrdo. Cidadão. In: FERES JÚNIOR, João (Org.).
Léxico da História dos Conceitos Políticos no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. p. 58.
32
Idem. p. 191.

9
que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação” 33 (Art. 6. I.)
e eram reconhecidos como representantes da “Nação Brasileira” o “Imperador” e a
“Assembléia Geral” (Art. 11). As eleições para os cargos políticos eram feitas de forma
indireta “elegendo a massa dos Cidadãos ativos em Assembléias Paroquiais os Eleitores de
Província, e estes os Representantes da Nação, e Província.” (Art. 90).
Um trecho do texto de José Antônio Pimenta Bueno, o marquês de São Vicente,
publicado em 1857, o Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império, nos
esclarece sobre o que os dirigentes da época pensavam sobre os componentes da nação e a
distinção entre os que pertenciam e os que não pertenciam à nação brasileira.

[...] é evidente que a sociedade civil não poderia existir sem qualificar, sem
fixar previamente os caracteres segundo os quais pudesse reconhecer os
membros de que se compõe e os que lhe são estranhos. A qualidade de
nacional ou brasileiro adquire-se, pois, segundo a lei civil.34

Esse trecho do texto de Pimenta Bueno nos deixa claro o que já havíamos mencionado
anteriormente sobre a distinção entre cidadãos e não-cidadãos, definida pela Constituição de
1824, e, portanto, entre componentes que pertencem à nação brasileira e os que não
pertencem. Os caracteres a que Pimenta Bueno se refere no texto são a nacionalidade e a
liberdade e segundo Ilmar R. de Mattos35 eram esses caracteres que determinavam quem era
cidadão brasileiro e quem não era.
Em outro trecho de Pimenta Bueno, pode-se verificar também a relação entre a
nacionalidade e os direitos políticos.

[...] A idéia de direitos políticos é inseparável da condição precedente de


nacionalidade; pode o homem ser nacional ou brasileiro e não gozar de
direitos políticos, mas não pode gozar de direitos políticos sem que seja
brasileiro nato ou naturalizado. A razão é óbvia, por isso mesmo que a
sociedade política ou massa dos cidadãos ativos não é senão a soma dos
nacionais, que dentre o todo da nacionalidade reúne as capacidades e
habilitações que a lei constitucional exige; é a parte a mais importante da
nacionalidade. 36

33
Cf. também as outras condições para ser considerado cidadão neste artigo da Constituição.
34
Cf. BUENO, 1978, p. 440 apud MATTOS, Ilmar R. de; GONÇALVES, Márcia de Almeida. O Império da Boa
Sociedade: a consolidação do Estado Imperial Brasileiro. São Paulo: Atual, 1991. Coleção História em
Documentos. p. 14.
35
Cf. MATTOS, 1991. Op. cit. p. 14.
36
BUENO, 1978, p. 461 apud MATTOS, 1991, Op. cit. p. 15.

10
A idéia de que a condição de cidadão é condição necessária para o gozo dos direitos
políticos, fica clara através deste discurso de Pimenta Bueno. Além disso, ele afirma que, “são
os cidadãos ativos a parte mais importante da nacionalidade”, ou seja, aqueles que gozam de
privilégios políticos37 são “a parte mais importante da nacionalidade” porque além de serem
cidadãos e, portanto, possuírem direitos políticos, reúne as “capacidades e habilitações que a
lei constitucional exige”, quais sejam, o domínio da leitura, da escrita, da fala, da erudição e
das leis.
Nesse sentido é importante verificar como a instrução da “boa sociedade” é importante
para se incluir o Brasil entre as “Nações Civilizadas”, na visão dos dirigentes. Bernardo
Pereira de Vasconcelos – grande defensor do regresso conservador – nos esclarece sobre essa
importância da instrução ao afirmar que “ler, escrever, contar e gramática da língua pátria
deve ser o primeiro estudo de todos os membros de uma nação”.38 Aqui, a importância do
papel da língua como um dos fatores de construção da identidade nacional evidencia-se, assim
como a importância da leitura das leis – como o próprio texto da Constituição Brasileira de
1824 – nas escolas de primeiras letras, também é importante não só para o exercício da
leitura, da língua, como também e, principalmente, para fazer com que, desde pequenos, os
pequenos cidadãos do Império conhecessem as leis e soubessem conhecer e reconhecer as
diferenças que ela impõe como significantes.
A primeira medida oficial por parte do Estado Imperial quanto à educação, constava
na Constituição Política de 1824, no Artigo 179, itens XXXII e XXXIII, que garantiam “a
instrução primária e gratuita a todos os Cidadãos” (XXXII) e “Colégios e Universidades onde
serão ensinados os elementos das Ciências, Belas Letras e Artes (XXXIII)”.39
Analisando a legislação e as fontes secundárias, podemos verificar que a Lei de 15 de
outubro de 1827, decretada pela Assembléia Geral foi um dos marcos da história da instrução
primária no Império, pois, manda criar escolas de primeiras letras “em todos as cidades, vilas
e lugares mais populosos”,40 encarrega aos Presidentes das províncias juntamente com suas
respectivas Câmaras, enquanto não estavam em exercício os Conselhos Gerais, de marcar “o
número e localidade das escolas, podendo extinguir as que existem em lugares pouco
populosos e remover os professores delas para as que se criarem, onde mais aproveitem,

37
A respeito do voto e de direitos políticos durante o Império, cf. CARVALHO, José Murilo. Cidadania no
Brasil: o longo caminho. 6ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004; e a respeito da construção da nação
no Brasil, cf. ______. Brasil: Nações Imaginadas. In: _____. Pontos e Bordados: escritos de história e política.
Belo Horizonte: UFMG, 1998.
38
Cf. CARVALHO, 1998. Op. cit. p. 117.
39
Coleção das Leis do Império do Brasil. Constituição Política de 1824.
40
Coleção das Leis do Império do Brasil, ano de 1827 – Lei de 15 de outubro. Art.1º.

11
dando conta à Assembléia Geral para final resolução”;41 determina a adoção do Método de
Lancaster ou Ensino Mútuo em todas as escolas de primeiras letras em todo o Império. Além
disso, o Estado compromete-se a financiar a infra-estrutura, os chamados “edifícios”, o
material escolar e o mobiliário, chamado de “utensílios”. Os professores deveriam interar-se
sobre o ensino mútuo em “curto prazo e à custa dos seus ordenados nas escolas das
capitais.”42 Cabia aos professores, segundo a Lei, ensinar a “ler, escrever, as quatro operações
de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geografia
prática, a gramática da língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da
religião Católica e Apostólica Romana, proporcionados à compreensão dos meninos;
preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil.”43
Pela primeira vez era instituído o Concurso para provimento das Cadeiras de Professor
Público. Os candidatos eram “examinados publicamente perante os Presidentes, em
Conselho”44 e estes nomeavam o professor e comunicavam ao Governo. Só poderiam ser
examinados e admitidos os candidatos que estivessem gozando “45de seus direitos civis e
políticos sem irregularidades de sua conduta”.
A Lei também instituía, em seu Artigo 11º, “as escolas de meninas nas cidades e vilas
mais populosas, em que os Presidentes em Conselho, julgarem necessário este
estabelecimento”. Nas escolas de meninas as “mestras” deveriam ensinar um conteúdo
semelhante ao ensinado aos meninos, mas seriam excluídas as noções de geometria e limitada
a instrução da aritmética somente às quatro operações. Além disso, aprenderiam “as prendas
que servem à economia domestica”, conforme o Art. 12º. As professoras também eram
nomeadas pelo governo e tinham os mesmos vencimentos que os professores. O que não
constasse na Lei, deveria ser resolvido de acordo com os estatutos vigentes e, ainda de acordo
com o Art. 15º, seria permitida a aplicação de castigos praticados pelo método de Lancaster
nos alunos. Podemos perceber com esse Artigo, que houve, neste ano e provavelmente nos
seguintes, a permissão da aplicação de castigos nas escolas, previstos por lei.
Ainda de acordo com a Lei de 1827, Art. 16º, o Ministro do Império, no Município da
Corte, era o responsável pelo poder executivo, o que não era o caso dos outros municípios da
Província Fluminense, que eram controlados pelos Presidentes de Província.

41
Idem. Art. 2º.
42
Ibidem. Art. 5º.
43
Idem, Ibidem. Art. 6º.
44
Idem, Ibidem. Art.7º.
45
Idem. Art. 8º.

12
Em 1850, de acordo com os relatórios do Ministério do Império, muitas circunstâncias
impediam o desenvolvimento da instrução pública primária como: “deficiência de pessoal
habilitado para este gênero de instrução, na mesquinha remuneração e nenhum futuro dos
professores, [por ausência de um plano de carreira adequado] na falta de edifícios
apropriados para o ensino e na falta de inspeção sobre as Escolas de freguesias mais
distantes”, conforme o Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Visconde de
Mont’alegre46. Esses problemas, como podemos verificar no próprio Relatório e também em
ofícios do Diretor das Escolas de Primeiras Letras ao Ministro dos Negócios do Império, não
são problemas do ano de 1850 somente. São problemas que vem se arrastando há alguns anos
e que o Estado vinha se limitando a saná-los através de medidas em curto prazo, que apenas
os amenizavam ou sanavam de forma isolada aqueles mais graves, mais urgentes. Podemos
confirmar essa afirmação através de um fragmento do Relatório de 1850, pertencente à parte
inicial que se refere à educação, feito pelo próprio Ministro:

A Instrução Pública acha-se em geral, no mesmo estado de desalento e


abandono, em que a tem descrito os três últimos Relatórios; sofre as mesmas
necessidades reclama as mesmas providências; e na deficiência dos meios e
autorização indispensável para tirá-la desse estado desanimador dando-lhe uma
organização mais consentânea com os seus grandes fins, e com as necessidades
do país, tem-se o Governo limitado a providências especiais (...). 47

Neste mesmo Relatório, o ministro diz que alguns dos problemas apresentados por ele
foram resolvidos ou amenizados devido ao aumento do rigor das provas dos concursos para
admissão no magistério público, “ao aumento do ordenado dos professores da Corte com a
nomeação de um Substituto habilitado para suprir as faltas temporárias dos professores e com
a consignação dos precisos meios para se proporcionaram, se não bons edifícios, ao menos
mais adequados às precisões do ensino”.48 O próprio Ministro reclama também da pouca
eficiência na fiscalização das escolas, responsabilidade do Diretor das Escolas, Juízes de Paz e
Párocos, o que, segundo ele, dificulta a solução dos problemas e a intervenção do Estado. Por
isso, já neste relatório, o ministro deixa claro que a solução de problemas e uma “mais
conveniente direção” dependem da autorização do Governo, que vinha se limitando a
providências parciais, segundo o Ministro.

46
Relatório do Ministério do Império, 1850. “Instrucção Pública e Estabelecimentos scientíficos e litterários.”
47
Idem.
48
Idem.

13
A necessidade de um Empregado, que coadjuvasse a Diretoria das Aulas
Públicas de Instrução primária no seu avultado expediente, tornou-se tão
instante, que foi preciso ocorrer a ela com a providência de nomear para esse
fim um Addido, a quem por Aviso de 10 de dezembro último se mandou abonar
a gratificação de 480$ anuais; havendo-se por iguais motivos mandado dar a
gratificação de 400$, também anuais, ao substituto das Escolas Públicas da
Corte, sobre quem pesa trabalho igual ao dos professores, tendo apenas metade
do ordenado que eles vencem; e concederam-se a alguns Professores, que
contavam mais de 12 anos de não interrompido exercício, as tênues
gratificações que em tal caso lhes garante o Art. 10 da lei de 15 de outubro de
1827.49

Portanto pode-se perceber que o Estado também deposita parte dos problemas
apresentados nos erros dos professores e dos responsáveis pela fiscalização das escolas.
Com o intuito de promover políticas educacionais que melhorassem a qualidade do
ensino na sede política do regime imperial, os novos Estatutos do Ensino Superior e o
Regulamento da Instrução Primária e Secundária da Corte constituem as mudanças que
começariam, de acordo com as leis, a ser implantadas na instrução pública e particular a partir
de 1854 pela chamada Reforma Couto Ferraz. Após três anos de muitos debates e preparação
devido à sua importância para a formação dos “cidadãos” do Império e para a difusão das
“luzes”, segundo seu autor, a primeira reforma que trouxe mudanças mais significativas para a
instrução de primeiras letras no Município da Corte passou a vigorar. Mas, afinal, quais
transformações ocorreram após essa reforma da instrução nas escolas de primeiras letras do
Município da Corte?
O Relatório de 1851 já apresenta algumas notícias sobre a autorização do Governo
para que fossem feitas as mudanças que necessitava a instrução de acordo com o Ministro dos
Negócios do Império, Visconde de Mont’alegre. Logo no início da parte referente à educação,
que trazia o título de “Instrucção Pública, Estabelecimentos scientíficos e litterários, Theatro
e Conservatório de Música”, o Ministro menciona a autorização da Reforma:

Em virtude da autorização conferida ao Governo nos Decretos Nos


608 e 630 de 16 de Agosto e 17 de Setembro do ano passado, foram
elaborados na Secção do Império do Conselho d’Estado os novos
Estatutos para os Cursos jurídicos e Escolas de Medicina do Império,
bem como o Regulamento e Instruções, que dão nova forma ao
ensino primário e secundário no Município da Corte. Está pois
prestes a realizar-se esta importantíssima reforma, com a qual muito
melhorará a Instrução Pública, extirpando-se os vícios, defeitos e
abusos que tanto obstaculizavam o seu progresso (...). 50

49
Idem.
50
Relatório do Ministério do Império do Brasil. 1851.

14
Os novos Estatutos do Ensino Superior e o Regulamento da Instrução Primária e
Secundária a que se refere o Ministro constituem as mudanças que começariam a ser
implantadas a partir de 1854 pela Reforma Couto Ferraz, implantada pelo Ministro do Estado
e dos Negócios do Império, Luiz Pedreira do Couto Ferraz.
O Decreto Nº 630 de 17 de setembro de 1851, como consta na Coleção das Leis do
Império, ano de 1851, autorizava o governo a reformar o ensino primário e o secundário do
Município da Corte.
Na prática, o que se vê através de trabalhos já publicados e também através das fontes
utilizadas em nossa pesquisa, como os ofícios da Inspetoria da Instrução Primária e
Secundária da Corte, é que a forte presença da oralidade existente na sociedade oitocentista é
que regula e organiza a forma como se dá o aprendizado nas escolas. A leitura e a
memorização de textos, como os textos sagrados ou as leis do Império51, são mais
freqüentemente valorizadas como elemento de difusão do saber e das “luzes” do que o
aprendizado da escrita e do cálculo.

Em 1854, finalmente é concluído e começa a ser posto em prática o novo


Regulamento da Instrução Primária e Secundária da Corte, aprovado pelo decreto Nº 1.331
de 17 de fevereiro de 1854. A Reforma Couto Ferraz, como ficou conhecida, determinou
muitas mudanças na legislação do ensino primário como a criação do Conselho Diretor, órgão
de fiscalização das escolas, um novo programa de disciplinas para os alunos e alunas de
primeiras letras, adesão de novos compêndios nas escolas etc. O Regulamento estabelecia
como deveriam ser escolhidos os integrantes do Conselho Diretor, quais seriam as suas
funções, seu vencimentos, as atribuições dos professores e seus vencimentos, além de
esclarecer o programa do ensino primário e o dividir em duas classes: escolas do primeiro
grau e escolas do segundo grau. Nas escolas de meninas, além do programa estabelecido para
o ensino de meninos, aprender-se-ia também “bordados e trabalhos de agulha mais
necessários”.52 Ficava estabelecido também, que em cada paróquia deveria haver pelo menos
uma escola de primeiro grau para cada um dos sexos. Uma novidade garantida por lei, pois,
até então, a lei garantia somente escolas de primeiras letras nas freguesias mais populosas.
O texto da Reforma determinava a criação da Inspetoria Geral de Instrução Primária e
Secundária do Município Neutro, órgão diretamente submetido ao Ministério do Império, que
51
Segundo Ronaldo Vainfas, o termo, “relacionado, antes de tudo, à cronologia da história do Brasil, serve para
identificar o período entre 1822-1889, período entre a Independência (1822) e a Proclamação da República
(1889).” O autor afirma que “o Império possui, assim, uma dimensão relacionada à espacialidade, ao território da
América Portuguesa emancipado a partir de 1822, unidade territorial inscrita na Constituição de 1824.(...).” Cf.
VAINFAS, 2002. Op. cit. pp. 356-358.
52
Cf. Coleção das Leis do Império. 1854. Regulamento da Instrução Primária e Secundária da Corte.

15
era encarregado de fiscalizar e orientar a instrução elementar e a instrução secundária que era
oferecida nas escolas públicas e particulares da Corte. De acordo com o Título I, Capítulo
Único, Art 1º do Regulamento a Inspetoria deveria ser formada por Um Inspetor Geral, um
Conselho Diretor e delegados de distrito. O Inspetor Geral seria nomeado por meio de
Decreto Imperial. Para ocupar o cargo de Inspetor Geral não poderiam ser escolhidos
professores ou diretores de “qualquer estabelecimento público ou particular de instrução
primária ou secundária”.53 A criação da Inspetoria ampliou e hierarquizou o corpo responsável
pelas funções ligadas à instrução porque a partir de então foram criados os seguintes cargos:
Inspetor Geral, o presidente do Conselho Diretor, Membros do Conselho Diretor, que deveria
ser composto por dois professores públicos e pelo Reitor do Imperial Colégio de Pedro II, o
qual cabia “examinar e comparar os métodos e sistemas práticos de ensino, rever e propor os
compêndios, indicar da necessidade de se criarem novas escolas no município e aulas no
Colégio de Pedro II”, e “julgar as infrações disciplinares dos professores”.54

Um programa para a instrução primária também foi estabelecido pelo Regulamento e


fixou as seguintes disciplinas, segundo Selma R. de Mattos:

[...] instrução moral e religiosa; leitura; escrita; noções essenciais de


gramática; princípios elementares de aritmética; sistema de pesos do
município”, podendo compreender ainda “o desenvolvimento da aritmética
em suas aplicações práticas; elementos de história e geografia,
principalmente do Brasil; leitura explicada dos Evangelhos e notícia da
história sagrada; princípios das ciências físicas e da história natural
aplicáveis aos usos da vida; agrimensura; geometria elementar; desenho
linear; noções de música e exercícios de canto; ginástica; um estudo
desenvolvido do sistema de pesos e medidas, não só do Município da Corte,
como das Províncias do Império e das Nações com que o Brasil tem mais
relações comerciais. 55

Além de todas essas mudanças, as escolas elementares forma divididas em dois


segmentos: primeiro e segundo graus.

Um outro trecho do Relatório mostra também a dificuldade e a preocupação do Estado


com a formação de novos professores para as escolas de primeiras letras, e o que muda com a
Reforma para os professores e futuros professores, conforme segue:

Basta, pois, que por agora vos observe que, sem pessoal habilíssimo e
dedicado para manter e dirigir uma instituição de tal ordem, e tendo diante
53
Cf. ARQUIVO NACIONAL. Série Educação. Ensino Primário. Pasta IE 5 127 (1854-1855). “Regulamento da
Instrução Primária e Secundária da Corte, a que se refere o Decreto desta data.”
54
Maria de Lourdes M. Haidar apud MATTOS, Selma R. de, Op. cit. p. 39.
55
MATTOS, Selma R. de, Op. cit. p. 39.

16
dos olhos o exemplo das escolas normais, estabelecidas em algumas
Províncias, que nenhum fruto deram por causa d’aquela falta, pareceria por
sem duvida imprudente arriscar grandes somas, e perder inutilmente o
tempo preciso para no fim de alguns anos suprimir-se a escola que se
criasse.
Teve por isso o Governo por melhor experimentar uma nova instituição, e
achou mais acertado ir educando os futuros mestres nas próprias escolas
públicas que designar por mais acreditadas, aproveitando-se neste intuito
alguns meninos inteligentes.
Serão estes colocados como adjuntos dos professores mais hábeis com
módicas retribuições, até vão gradualmente progredindo no ensino á ponto
de poderem reger as mesmas escolas, quando vagarem, ou as que de novo
se instituírem.
Para evitar que este sistema, que em parte já foi adotado na Áustria e na
Holanda, e que até certo ponto o foi também em França, pudesse embaraçar
o progresso do ensino, tornando-o algum tanto estacionário, foi a sua
adoção entre nós acompanhada dos convenientes corretivos, tais como a
instituição de conferências dos professores em épocas designadas, os
exames repetidos todos os anos, e outros, além de ficar subordinado ao zelo
e à vigilância de uma constante e severa inspeção.56

Além disso, algumas regras para provimento dos cargos de professor se modificam um
pouco. Quanto ao programa de disciplinas das escolas de primeiras letras, também podemos
notar algumas mudanças, pois, são incluídas noções de música e exercícios de canto, além da
ginástica, por exemplo, que antes não faziam parte do programa.

Das escolas públicas. O ensino primário nas escolas publicas compreende: a). a
instrução moral e religiosa; b). a leitura e a escrita; c). as noções essenciais de
gramática; d). os princípios elementares da aritmética; e). o sistema de pesos e
medidas do município. Pode também compreender: a). o desenvolvimento da
aritmética em suas aplicações práticas; b). a leitura explicada dos Evangelhos e
notícia da história e geografia, principalmente do Brasil; d). os princípios das
ciências físicas e da história natural aplicáveis ao uso da vida; e). a geometria
elementar; f). agrimensura; g). desenho linear; h). noções de música e exercícios
de canto; i). Ginástica; j). um estudo desenvolvido do sistema de pesos e
medidas, não só do Município da Corte, como das províncias do Império, e das
Nações com que o Brasil tem mais relações comerciais.57

Uma outra mudança interessante que provoca a Reforma é a preocupação maior com
as crianças pobres. Segundo Primitivo Moacyr, para as crianças menores de 12 anos pobres,
sem roupas para freqüentar as escolas e sem situação de mendicidade deveria ser dado asilo
em casas que deveriam ser criadas para este fim e enquanto não fossem criadas as casas, essas
crianças deveriam ser entregues aos “párocos ou coadjutores ou mesmo aos professores dos

56
Relatório do Ministério do Império, ano de 1853.
57
Pasta IE 5 128, Série Educação, Arquivo Nacional.

17
distritos” e o governo pagaria uma espécie de pensão para atender às necessidades básicas dos
meninos. No caso de não poder se criar, por falta de alunos suficientes, uma escola de
primeiras letras em alguma freguesia de pequena população, o Estado também custaria os
estudos em escola particular, das poucas crianças pobres interessadas em estudar.58
O novo Regulamento, por fim, também institui mudanças quanto às obrigações dos
professores públicos. Ele exige mais “silêncio, exatidão e regularidade” nas escolas,
vestimenta decente, informar sobre os impedimentos ao funcionamento da escola ao delegado
respectivo, orçar com o delegado e enviar ao Inspetor Geral o orçamento do ano seguinte das
despesas da escola, enviar “mapa” de alunos com freqüência e aproveitamento a cada
trimestre e enviar no fim do ano um “mapa geral compreendendo o resultado dos exames, e
notando d’entre os alunos os que se fizerem recomendáveis por seu talento, aplicação e
moralidade. Estas notas acompanhadas de observações do inspetor geral, serão transmitidas
ao governo para que de futuro as tenha em atenção.”59
Portanto, ficou claro que a Reforma Couto Ferraz, que atingiu o ensino primário, o
secundário e o superior, modificou as regras no ensino de primeiras letras do Município da
Corte com o objetivo de melhorar a qualidade e a fiscalização do ensino, ampliá-lo, dar maior
assistência aos alunos carentes e exigir mais assiduidade, zelo e melhor preparo dos
professores das escolas, segundo seu texto e o discurso de seus elaboradores. Mas, na prática,
o que funcionou de acordo com o regulamento e em que partes ele foi ignorado ou não pode
ser executado? Se ele pretendia melhorar a qualidade do ensino de primeiras letras na Corte,
podemos afirmar que houve melhora significativa? As mudanças na fiscalização, nos
métodos, nos materiais e no recrutamento para as escolas foram realmente eficazes? O que o
regulamento mudou nas práticas dos diversos atores envolvidos com a instrução? Essas são
questões a serem respondidas no resultado final de nossa pesquisa.

58
Cf. Moacyr, Primitivo. Op. cit. pp. 22-23.
59
Cf. Moacyr, Primitivo. Op. cit. p. 24.
18

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